UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Ciências da Saúde Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Andreia Raquel Dias da Silva Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Medicina (ciclo de estudos integrado) Orientador: Doutor Jesus Garrido Coorientadora: Doutora Telma Sousa Mendes Covilhã, maio de 2013 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais ii Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Agradecimentos Aos meus pais e ao meu irmão, agradeço todo o carinho, apoio incondicional e paciência redobrada nesta etapa do meu percurso académico; Aos meus amigos de sempre, aos meus colegas de curso, ao Pedro, agradeço o companheirismo, a motivação, e a boa disposição que me transmitiram nos momentos mais oportunos; À Dra. Telma Mendes, agradeço toda a colaboração e a amabilidade dispensadas; Um agradecimento especial ao Dr. Jesus Garrido, pela preciosa orientação, pela disponibilidade, e pelo rigor exigido ao longo deste processo. iii Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais iv Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Resumo A Síndrome Cardiorenal (SCR) define-se como uma condição fisiopatológica com coexistência de disfunção cardíaca e de disfunção renal, na qual a falência aguda ou crónica de um dos órgãos precipita a falência aguda ou crónica do outro. Atualmente é subclassificada em 5 tipos: O tipo 1 envolve a doença renal aguda causada por uma disfunção cardíaca aguda, enquanto o tipo 2 apresenta doença renal crónica progressiva e secundária a disfunção cardíaca crónica. O tipo 3 refere-se a disfunção cardíaca aguda precipitada por falência renal aguda; no tipo 4 a disfunção cardíaca é crónica e secundária a doença crónica renal. O tipo 5 implica disfunção cardíaca e disfunção renal, ambas secundárias a patologia sistémica. As implicações desta síndrome possuem grande relevância na prática clínica. A sua fisiopatologia ainda não se encontra perfeitamente definida, mas verifica-se um aumento na prevalência da SCR, quer pelo aumento na esperança média de vida e incremento do grau de morbilidade basal, quer pelo aumento da sobrevida dos doentes com disfunção cardíaca e/ou renal. Assiste-se, assim, a uma necessidade crescente no diagnóstico precoce desta síndrome e a um aumento significativo dos recursos necessários para o seu tratamento. A creatinina e a ureia séricas são duas das mensurações mais requisitadas na prática clínica, no intuito de sinalizar uma lesão renal. No entanto, não permitem um diagnóstico precoce, o que dificulta e atrasa uma intervenção terapêutica urgente. Nos últimos anos, foram identificados biomarcadores com sensibilidade suficiente para identificar a lesão renal numa fase inicial (NGAL, Cistatina C, KIM-1, Interleucina 18). Alguns começam a ser utilizados na prática clínica; outros permanecem em fase de estudo, com caráter auspicioso. Na disfunção cardíaca, os biomarcadores tradicionais, Péptidos Natriuréticos e Troponinas (sinalizadores de insuficiência e isquemia cardíaca, respetivamente), permanecem essenciais. As técnicas de imagem complementam o estudo, providenciando uma valiosa informação das lesões estruturais implicadas na SCR. A terapêutica do paciente com SCR é complexa; não é, de forma alguma, universal ou consensual. No entanto, através das guidelines e dos estudos atualmente disponíveis, é possível esquematizar tratamentos individualizados e fornecer terapêuticas com segurança e benefício clínico comprovado. Novas estratégias para o tratamento da SCR encontram-se em fase experimental, embora a maioria tenha tanto de promissor como de controverso. Palavras-chave Síndrome Cardiorenal, Insuficiência Renal, Insuficiência Cardíaca, Biomarcadores, Tratamento. v Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais vi Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Abstract The Cardiorenal Syndrome (SCR) is defined as a pathophysiological condition with the coexistence of cardiac dysfunction and renal dysfunction, where an acute or chronic failure of an organ precipitates the acute or chronic failure of the other. It is currently subclassified into 5 types: The first type involves acute renal disease caused by acute cardiac dysfunction, whereas type 2 is progressive chronic renal failure secondary to chronic cardiac dysfunction. Type 3 refers to acute cardiac dysfunction precipitated by acute renal failure; in type 4, the cardiac dysfunction is chronic and secondary to chronic renal disease. The type 5 implies cardiac dysfunction and renal dysfunction, both secondary to systemic pathology. The implications of this syndrome have great relevance in clinical practice. The pathophysiology is not yet fully defined, but there has been an increasing prevalence of SCR, due to the increase in life expectancy and increment in the degree of basal morbidity, and due to the increased survival of patients with severe cardiac and/or kidney dysfunction. There is, thus, a growing need for early diagnosis of this syndrome and a significant increase of resources required for their treatment. Serum creatinine and urea are two of the most requested serum biomarkers for detecting kidney injury. However, they do not allow an early diagnosis, which complicates and slows urgent therapeutic intervention. Over the last few years, biomarkers with sufficient sensitivity to identify at an early stage renal injury (NGAL, Cystatin C, KIM-1, Interleukin 18) were identified. Some are now beginning to be used, while others remain under study, with an auspicious character. In cardiac dysfunction, traditional biomarkers, Natriuretic Peptides and Troponins (indicating cardiac failure and ischemia, respectively) remain essential. Imaging techniques complement the study, providing valuable information on the structural lesions implicated in SCR. The therapeutic management of patients with SCR is complex; it is not, in any way, universal or consensual. However, through the guidelines and studies currently available, it is possible to lay out individualized treatments and provide therapies with proven clinical benefit and safety. New strategies for the treatment of SCR are in the experimental stage, although most are both, promising and controversial. Keywords Cardiorenal Syndrome, Cardiac Failure, Renal Failure, Biomarkers, Treatment. vii Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais viii Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Índice Agradecimentos ............................................................................................... iii Resumo .......................................................................................................... v Abstract........................................................................................................ vii Índice ........................................................................................................... ix Lista de Figuras................................................................................................ xi Lista de Tabelas ............................................................................................. xiii Lista de Acrónimos........................................................................................... xv Capítulo 1. Introdução ........................................................................................1 Capítulo 2. Metodologia ......................................................................................3 Capitulo 3. A Síndrome Cardiorenal ........................................................................5 3.1 Definição e Classificação da SCR ....................................................................5 3.1.1 Síndrome Cardiorenal Aguda: Tipo 1 (SCR-1) ...............................................6 3.1.2 Síndrome Cardiorenal Crónica: Tipo 2 (SCR-2) .............................................6 3.1.3 Síndrome Renocardíaca Aguda: Tipo 3 (SCR-3) .............................................7 3.1.4 Síndrome Renocardíaca Crónica: Tipo 4 (SCR-4) ...........................................8 3.1.5 Síndrome Cardiorenal Secundária: Tipo 5 (SCR-5) ....................................... 10 3.2 Fisiopatologia da SCR ............................................................................... 10 3.2.1 Doença cardíaca, impulsionadora de doença renal ...................................... 10 3.2.2 Doença renal, impulsionadora de doença cardíaca ...................................... 11 3.3.3 A Conexão Cardiorenal ........................................................................ 12 3.3.3.1 Ativação do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona ........................... 12 3.3.3.2 Ativação do Sistema Nervoso Simpático ............................................. 13 3.3.3.3 Inflamação ................................................................................. 13 3.3.3.4 Desequilíbrio ON/ERO ................................................................... 13 Capitulo 4. Diagnóstico e Biomarcadores ................................................................ 15 4.1 Diagnóstico e Marcadores de Lesão Renal ....................................................... 15 4.1.1 Lipocalina Associada a Gelatinase dos Neutrófilos (NGAL) ............................. 16 4.1.2 Cistatina C....................................................................................... 17 4.1.3 Molécula de Lesão Renal-1 (KIM-1) ......................................................... 17 4.1.4 N-acetil-β-(D)Glucosaminidase (NAG) ...................................................... 18 4.1.5 Interleucina-18 (IL-18) ........................................................................ 18 4.1.6. Proteína de Ligação de Ácidos Gordos, Tipo Hepático (L-FABP) ..................... 18 4.1.7 Outros Biomarcadores promissores ......................................................... 19 4.2 Diagnóstico e Marcadores de Lesão Cardíaca ................................................... 19 4.2.1 Péptido Natriurético tipo B (PNB) e Porção N-terminal do PNB (NT-PNB) ........... 19 4.2.2 Troponinas ...................................................................................... 20 4.2.3 Ferro Catalítico................................................................................. 21 4.3 Contributo da Imagiologia .......................................................................... 21 ix Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Capitulo 5. Conduta Terapêutica na SCR ................................................................ 23 5.1 Opções Terapêuticas na SCR ....................................................................... 23 5.1.1 Medidas Gerais ................................................................................. 23 5.1.2 Diuréticos ....................................................................................... 23 5.1.3 Dopamina ........................................................................................ 25 5.1.4 Inotrópicos ...................................................................................... 25 5.1.5 Nesiritide ........................................................................................ 25 5.1.6 Inibidores do Eixo Renina-Angiotensina .................................................... 26 5.1.7 Ultrafiltração (UF) ............................................................................. 26 5.1.8 Agentes Estimuladores da Eritropoiese e Suplementação de Ferro ................... 27 5.1.9 Outras Terapêuticas Promissoras ........................................................... 28 5.1.9.1 Antagonistas dos Recetores da Vasopressina ........................................ 28 5.1.9.2 Antagonistas dos Recetores da Adenosina ........................................... 28 5.1.9.3 Soluções Salinas Hipertónicas associadas a Diuréticos ............................ 28 5.1.9.4 Libertação de fármacos nas artérias renais guiada por cateter ................. 29 Capítulo 6. Considerações Finais .......................................................................... 31 Referências Bibliográficas .................................................................................. 33 x Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Lista de Figuras Figura 1 – Efeitos deletérios da AT II. Figura 2 – Perfis de Biomarcadores urinários em indivíduos que desenvolveram LRA, após Bypass Cardiopulmonar. xi Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais xii Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Lista de Tabelas Tabela 1 – Subtipos da SCR. Tabela 2 - Classificação NYHA para estratificação da capacidade funcional de doentes com IC. Tabela 3 – Sistemas de Classificação da LRA: RIFLE e AKIN. Tabela 4 – Estadios da DRC e risco CV associado. Tabela 5 - Estratificação do Risco CV, de acordo com os fatores de risco ou doenças préexistentes, e níveis de PA. Tabela 6 – Exemplos de causas secundárias da SCR (SCR-5). Tabela 7 – Características do PNB e NT-proPNB. Tabela 8 – Estratégias terapêuticas da SCR – Visão Global. xiii Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais xiv Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Lista de Acrónimos ADQI Acute Dialysis Quality Initiative AINES Anti-inflamatórios Não Esteroides ARAs Antagonistas do Recetor da Angiotensina ASC Área Sob a Curva AT II Angiotensina II DC Débito Cardíaco DCV Doença Cardiovascular DM Diabetes Mellitus DRC Doença Renal Crónica EPO Eritropoietina ERO Espécies Reativas de Oxigénio EAM Enfarte Agudo do Miocárdio FDA Food and Drug Administration FE Fração de Ejeção FG Filtração Glomerular FN-κB Fator Nuclear-κB FNT Fator de Necrose Tumoral HTA Hipertensão Arterial IC Insuficiência Cardíaca ICAD Insuficiência Cardíaca Aguda Descompensada ICAM-1 Molécula de Adesão Intracelular-1 IL-1 Interleucina-1 IECAs Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina IR Insuficiência Renal KIM-1 Molécula de Lesão Renal-1 L-FABP Proteína de Ligação de Ácidos Gordos, tipo hepático LIR Lesão Isquémia-Reperfusão LRA Lesão Renal Aguda NAG N-acetil-β-(D)Glucosaminidase NGAL Lipocalina Associada a Gelatinase dos Neutrófilos NIC Nefropatia Induzida por Contraste NT-proPNB Fração N-terminal do Péptido Natriurético do tipo B ON Óxido Nítrico PNB Péptido Natriurético do tipo B sCr Creatinina sérica SCR Síndrome Cardiorenal SCR-1 Síndrome Cardiorenal tipo 1 xv Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais SCR-2 Síndrome Cardiorenal tipo 2 SCR-3 Síndrome Cardiorenal tipo 3 SCR-4 Síndrome Cardiorenal tipo 4 SCR-5 Síndrome Cardiorenal tipo 5 SNS Sistema Nervoso Simpático SRRA Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona TFG Taxa de Filtração Glomerular UF Ultrafiltração xvi Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Capítulo 1. Introdução O coração é o órgão responsável pelo bombeamento contínuo do sangue, permitindo a irrigação e a nutrição necessária à sustentabilidade e integridade de todos os tecidos que constituem o corpo humano. Cerca de 20-25% do débito cardíaco (aproximadamente 1200 ml/min) é direcionado ao sistema renal. Os rins, para além de garantirem a eliminação de toxinas, a produção hormonal e a conservação do equilíbrio iónico e ácido-base, desempenham um papel essencial na manutenção da pressão sanguínea e na osmorregulação. Existe uma clara interacção, bidireccional, entre estes dois órgãos, assim como uma estreita interdependência na manutenção da homeostasia. Assim, o funcionamento anormal do coração condiciona o desempenho normal dos rins, e vice-versa. A coexistência de falência dos dois órgãos é habitual, ou seja, a disfunção renal frequentemente acompanha a falência cardíaca, e a disfunção cardíaca frequentemente acompanha a falência renal; esta associação conduz rapidamente a um círculo vicioso. Desta interação recíproca surge o termo Síndrome Cardiorenal (SCR), que descreve as condições clínicas onde ambas as disfunções, cardíaca e renal, coexistem. As primeiras referências a este termo remontam a 1951 1, mas somente há cerca de 10 anos lhe foi concebida real importância. Recentemente, numa conferência no âmbito do Acute Dialysis Quality Initiative (ADQI)2, C. Ronco e os seus colegas reuniram esforços para encontrar uma definição para esta síndrome que fosse consensual, universal e abrangente. O objetivo do encontro foi atingido, e nos dias de hoje a definição estabelecida é a mais aceite e a mais utilizada na prática médica. Após esta conferência, a discussão em redor da SCR intensificou-se, dando aso a alguma discórdia entre especialistas. Foram realizados diversos estudos e ensaios, que permitiram recolher dados estatísticos sobre a prevalência e as circunstâncias desencadeantes da síndrome, para além de evidências sobre as melhores formas de diagnóstico, seguimento e tratamento. Atualmente, a informação existente sobre a SCR é vasta, e por vezes divergente. Este trabalho pretende debruçar-se sobre esta síndrome, através da revisão da literatura mais recente e/ou mais significativa, que permita analisar dados e aferir conclusões, e cruzar novas evidências com informações precedentes, focando-se essencialmente em dois dos tópicos mais relevantes (e ultimamente mais debatidos) da SCR: as CONDUTAS DIAGNÓSTICAS e TERAPÊUTICAS. 1 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 2 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Capítulo 2. Metodologia Para a realização desta dissertação recorreu-se, na sua grande maioria, à revisão bibliográfica de artigos científicos, mas também a alguns livros específicos na área da Medicina Interna, Nefrologia e Cardiologia. O principal motor de busca utilizado foi o PubMed, que permitiu encontrar literatura atualizada, bem estruturada e com especial interesse para o desenvolvimento deste trabalho. Para a pesquisa foram utilizadas palavras-chave como “Cardiorenal Syndrome”, “Renal Failure”, “Cardiac Failure”, e cruzaram-se estes termos com palavras como “definition”, “classification”, “epidemiology”, “diagnosis”, “biomarkers”, “course and prognosis”, “treatment”. Os artigos foram selecionados com base na relevância do conteúdo, data de publicação (essencialmente artigos de 2010 a 2013, embora alguns sejam de data anterior), língua (inglês, espanhol e português) e tipo de artigo (fundamentalmente revisões, mas também artigos científicos originais, ensaios clínicos e metaanálises). A partir das referências e citações dos mesmos, foi possível encontrar artigos adicionais de igual importância. 3 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 4 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Capitulo 3. A Síndrome Cardiorenal 3.1 Definição e Classificação da SCR Coração e rins compartilham funções e cooperam em conjunto na conservação da homeostasia corporal. A íntima relação entre estes dois órgãos vitais permite manter a estabilidade hemodinâmica e uma perfusão eficaz dos tecidos à distância. Mudanças funcionais subtis num dos órgãos são compensadas pelo outro; no entanto, esta compensação torna-se insuficiente e nociva quando a alteração é considerável. A disfunção cardíaca conduz ao esgotamento da capacidade renal de manutenção da Filtração Glomerular (FG) e de regulação de fluídos, eletrólitos e toxinas; de forma similar, a disfunção renal afeta a performance cardíaca, ao desequilibrar o balanço eletrolítico e ao provocar sobrecarga de volume 3. Assim, verifica-se frequentemente a coexistência de Insuficiência Cardíaca (IC) e Insuficiência Renal (IR) num mesmo paciente. Esta condição é exacerbada por comorbilidades comuns às duas patologias, entre as quais a Hipertensão Arterial (HTA), a Dislipidémia e a Diabetes Mellitus (DM). Ao longo dos anos, procurou-se compreender esta conexão entre patologia cardíaca e renal, e estabelecer uma definição para a síndrome que dela resulta, a Síndrome Cardiorenal (SCR). Em agosto de 2004, um grupo de trabalho definido pelo National Heart, Lung and Blood Institute estabeleceu a seguinte definição de SCR, “estado no qual a terapêutica utilizada para melhorar os sintomas de Insuficiência Cardíaca Congestiva está limitado por um agravamento da função renal”4.Já Heywood T.5, de forma mais abrangente, descreveu como sendo “uma disfunção renal moderada ou grave que se inicia ou agrava no doente com Insuficiência Cardíaca descompensada durante o seu tratamento”. Em 2005, Bongartz6 afirma que a SCR é uma “condição fisiopatológica na qual existe uma combinação de disfunção cardíaca e renal, que amplifica a progressão da falência individual destes órgãos e que implica um aumento significativo da morbilidade e mortalidade neste grupo de doentes”. Entretanto, numa conferência de consenso no âmbito da Acute Dialysis Quality Initiative (ADQI), em setembro de 2008, Ronco C. e seus colegas, investigadores e especialistas da área da Nefrologia, Cardiologia, Cirurgia Cardíaca e Cuidados Intensivos, examinaram, à luz dos conhecimentos e evidências correntes, as interações entre o sistema cardiovascular e o sistema renal, e atribuíram a seguinte definição à SCR (considerada nos dias de hoje a mais consensual e, por isso, a mais citada e utilizada): “Desordem fisiopatológica do coração e rins onde a disfunção aguda ou crónica num órgão pode induzir disfunção aguda ou crónica no outro”2. Nesta mesma conferência, a SCR foi subclassificada em cinco tipos, consoante o órgão responsável e o órgão secundariamente afetado, e ainda se o evento precipitante é agudo ou crónico (Tabela 1). 5 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Tabela 1 - Subtipos da SCR. Tipo Tipo 1 Tipo 2 Tipo 3 Tipo 4 Tipo 5 Nome Mecanismo Condição Clínica (exemplos) Síndrome Cardiorenal Falência renal aguda induzida Choque Cardiogénico; Aguda por disfunção cardíaca aguda; IC Aguda Descompensada; Síndrome Cardiorenal Crónica Síndrome Renocardíaca Aguda Síndrome Renocardíaca Crónica Síndrome Cardiorenal Secundária Falência renal crónica progressiva secundária a IC Congestiva Crónica; disfunção cardíaca crónica; Disfunção cardíaca aguda precipitada por falência renal aguda; Disfunção cardíaca crónica secundária a doença renal crónica; Isquemia Renal Aguda; Glomerulonefrite; Doença Glomerular/ Intersticial Crónica; Disfunção cardíaca e renal Diabetes Mellitus; secundária a patologia Sepsis; sistémica. Amiloidose. 3.1.1 Síndrome Cardiorenal Aguda: Tipo 1 (SCR-1) A SCR-1 engloba as situações de disfunção cardíaca aguda que conduzem a lesão e/ou falência renal. Como eventos primários consideram-se a Insuficiência Cardíaca Aguda Descompensada (ICAD), a Síndrome Coronária Aguda, o Choque Cardiogénico e a Cirurgia Cardíaca. A dinâmica da SCR-1 admite ainda uma componente iatrogénica, podendo complicar-se após determinados procedimentos diagnósticos (que utilizem meios de contraste) e terapêuticos (uso inapropriado de diuréticos) para o evento primário.7 Este subtipo de SCR é extremamente frequente; a incidência estimada de disfunção renal, no contexto de ICAD e Síndrome Coronária Aguda, é de 24-45% e de 9-19%, respetivamente8. Por outro lado, complica frequentemente o evento primário e o seu tratamento, conduzindo a pior prognóstico: aumenta a morbi-mortalidade cardíaca, aumenta o risco de enfarte, promove hospitalizações mais prolongadas e aumenta a probabilidade de readmissão hospitalar9. 3.1.2 Síndrome Cardiorenal Crónica: Tipo 2 (SCR-2) A SCR-2 refere-se às situações de disfunção cardíaca crónica e progressiva que provocam lesão ou disfunção renal, situação frequentemente observada na prática clínica. A IC é reconhecida como uma das epidemias do século XXI. Em Portugal, a prevalência é cerca de 1,36% na faixa etária dos 25-50 anos, e acima dos 80 anos ronda os 16% 10. A IC pode ser estratificada em quatro classes de acordo com a capacidade funcional do doente, utilizando a classificação da New York Heart Association (NYHA) (Tabela 2)11. Estima-se que cerca de um terço a metade dos doentes com IC desenvolvam IR6. A congestão sanguínea subjacente a uma IC Crónica é a principal 6 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais explicação para a deterioração da função renal, ao provocar uma diminuição da perfusão renal. O Cardiac Insufficiency Bisoprolol Study II (CIBIS-II)12, verificou que, em pacientes com IC, a IR existia concomitantemente com sinais e sintomas de congestão (típicos de IC direita: edemas periféricos, ascite, pressão venosa jugular elevada, ortopneia; hipertensão pulmonar), e que quantos mais sinais estivessem presentes maior era o comprometimento da função renal. Verificou-se também que a presença destes indicadores de congestão sanguínea influenciava negativamente o prognóstico destes doentes. Tabela 2 - Classificação NYHA para estratificação da capacidade funcional de doentes com IC. Classe NYHA Classe I Descrição Pacientes com cardiopatia, mas sem limitação da actividade física normal (sem dispneia, fadiga, palpitações, ou dor anginosa). Pacientes com cardiopatia que resulta em limitação da actividade física normal Classe II (acompanhada de dispneia, fadiga, palpitações, ou dor anginosa); Sem desconforto em repouso. Pacientes com cardiopatia que resulta em limitação da actividade física mínima Classe III (acompanhada de dispneia, fadiga, palpitações, ou dor anginosa); Não há desconforto em repouso. Pacientes com cardiopatia que resulta em limitação de qualquer tipo de actividade Classe IV física (acompanhada de dispneia, fadiga, palpitações, ou dor anginosa); Desconforto em repouso. (Adaptada de American Heart Association. Classes of Heart Failure [Internet]. 2011 [updated 2011 Aug 5; cited 2013 Apr 10]. Available from http://www.heart.org/HEARTORG/Conditions/HeartFailure/AboutHeartFailure /Classes-of-Heart-Failure_UCM_306328_Article.jsp) 3.1.3 Síndrome Renocardíaca Aguda: Tipo 3 (SCR-3) Traduz as situações de IR aguda (lesão renal aguda, isquemia, glomerulonefrite,…) que levam à lesão e/ou disfunção cardíaca. A Lesão Renal Aguda (LRA) define-se como um agravamento súbito da função renal, com consequente retenção de produtos residuais e nitrogenados 13, que surge dentro de 48 horas14. Pode ser categorizada através de critérios específicos, dos quais se destaca os sistemas de classificação RIFLE (Risk, Injury, Failure, Loss, End-Stage Kidney Disease) e AKIN (The Acute Kidney Injury Network) (Tabela 3)15. Em doentes com LRA, a principal causa de morte é a patologia cardiovascular, seja por ICAD, enfarte agudo do miocárdio (EAM) ou arritmias cardíacas16. Jorres et al., citado por Castro F.6, constataram que a causa de morte em 71% dos doentes com IR aguda ocorreu devido a falência cardíaca. 7 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Tabela 3 - Sistemas de Classificação de LRA: RIFLE e AKIN. Estadio Creatinina/TFG Débito Urinário Risco ↑ [sCR] 1,5-2 vezes mais OU ↓ de 25% na TFG; <0,5 mL/kg/h em 6h; Lesão ↑ [sCR] 2-3 vezes mais OU ↓ de 50% na TFG; <0,5 mL/kg/h em 12h; ↑ [sCR]> 3 vezes mais OU ↓ de 75% na TFG OU <0,3 mL/kg/h em 24h OU [sCR]> 4 mg/dL, com uma elevação aguda> 0,5 mg/dL; anúria em 12h. RIFLE Falência Perda Doença Renal Terminal Perda completa da função renal (diálise)> 4 semanas; Perda completa da função renal (diálise)> 3 meses. AKIN 1 ↑ [sCR] 1,5-2 vezes mais OU ↑[sCR]> 0,3 mg/dL; <0,5 mL/kg/h em 6h; 2 ↑ [sCR] 2-3 vezes mais; <0,5 mL/kg/h em 12h; ↑ [sCR]> 3 vezes mais OU [sCR] >4 mg/dL com uma <0,3 mL/kg/h em 24h ou elevação aguda >0,5 mg/dL. anúria em 12h. 3 sCr, Creatinina Sérica; TFG, Taxa de Filtração Glomerular. (Adaptada de Hawkins R. New biomarkers of acute kidney disease injury and the Cardiorenal Syndrome. Korean J Lab Med. 2011 Apr; 31(2): 72-78.) 3.1.4 Síndrome Renocardíaca Crónica: Tipo 4 (SCR-4) A SCR-4 diz respeito às situações de IR crónica que conduzem a lesão, doença e/ou disfunção cardíaca. A Doença Renal Crónica (DRC) é um problema de saúde pública significativo, considerada uma das epidemias do século XXI. De acordo com as guidelines do National Kidney Foundation’s Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI)17, a DRC é definida pela presença de anormalidades renais, estruturais ou funcionais, com ou sem alteração da TFG, num período de tempo superior a 3 meses. Está classificada em 5 estadios; quanto mais elevado for o estadio de DRC, maior o risco de Doença Cardiovascular (DCV) (Tabela 4)18. De facto, a DRC constitui uma condição clínica associada ao risco máximo de DCV (Tabela 5)19. Na sequência de DRC, para além do desenvolvimento de HTA, ocorre calcificação vascular e alterações estruturais cardíacas (hipertrofia ventricular esquerda, disfunção diastólica, fibrose difusa do miocárdio), que podem conduzir a IC, EAM ou morte súbita. De acordo Shastri S. e Sarnak MJ., citados por House A.20, 50 % das causas de morte em doentes renais crónicos são do foro cardiovascular. Herzog C., citado por Ronco C. 7, verificou que a mortalidade a 2 anos após EAM em doentes renais crónicos em estadio 5 é de 50%, comparativamente com os 25% de mortalidade a 10 anos pós enfarte na população geral. No entanto, estadios mais precoces de DRC encontram-se 8 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais igualmente associados a risco cardiovascular. A presença de microalbuminúria aumenta este risco 2 a 4 vezes18. Tabela 4 - Estadios de DRC e Risco CV. Estadio Descrição Lesão Renal com: TFG (ml/min.173m2) Risco Cardiovascular (odds ratio) 1 TFG N ou ↑ > 90 2 ↓ ligeira TFG 60 – 89 1,5 3 ↓ moderada TFG 30 – 59 2a4 4 ↓ severa TFG 15 – 29 4 a 100 5 Necessidade de TSFR <15 OU diálise 10 a 50 Dependente do nível de proteinúria DRC terminal 20 a 1000 DRC, Doença Renal Crónica; N, normal; TFG, Taxa de Filtração Glomerular; TSFR, Terapêutica de Substituição da Função Renal. (Adaptada de Costa A, Rodrigues H. Doença Cardiovascular e Doença Renal Crónica. Revista Fatores de Risco. 2010; 19: 76-85) Tabela 5 - Estratificação do Risco CV, de acordo com os fatores de risco ou doenças pré-existentes, e níveis de PA. A Doença Renal Estabelecida implica um risco acrescentado muito alto de DCV, para qualquer valor de PA. PA (mmHg) Normal Normal alta HTA grau 1 HTA grau 2 HTA grau 3 FR/Doença S/ outros FR; 1-2 FR; PAS 120-129 PAS 130-139 PAS 140-159 ou PAS 160-179 ou PAS ≥180 ou ou PAD 80-84 ou PAD 85-89 PAD 90-99 PAD 100-109 PAD≥110 Risco Risco Risco acrescentado acrescentado acrescentado baixo moderado alto Risco médio Risco médio Risco Risco Risco Risco Risco acrescentado acrescentado acrescentado acrescentado acrescentado baixo baixo moderado moderado muito alto ≥ 3 FR, SM, Risco Risco Risco Risco Risco LOA ou DM; acrescentado acrescentado acrescentado acrescentado acrescentado moderado alto alto alto muito alto DCV ou Risco Risco Risco Risco Risco Doença Renal acrescentado acrescentado acrescentado acrescentado acrescentado Estabelecida muito alto muito alto muito alto muito alto muito alto PA, Pressão Arterial; PAS, Pressão Arterial Sistólica; PAD, Pressão Arterial Diastólica; HTA, Hipertensão Arterial; FR, Fatores de Risco; SM, Síndrome Metabólico; LOA, Lesão de Orgão Alvo, DM, Diabetes Mellitus. (Adaptada de Mancia G, De Backer G, Dominiczak A, Cifkova R, Fagard R, Germano G, et al. 2007 Guidelines for the management of arterial hypertension: The Task Force for the Management of Arterial Hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2007 Jun; 28(12):1462-536.) 9 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 3.1.5 Síndrome Cardiorenal Secundária: Tipo 5 (SCR-5) Envolve as doenças sistémicas e/ou toxinas que promovem lesão e/ou disfunção cardíaca e renal concomitante. Neste subtipo não há um órgão disfuncional primário e outro secundário; refere-se a todas as situações em que ambos os órgãos são afetados simultaneamente por patologia sistémica, seja esta aguda ou crónica (Tabela 6)21. A Sepsis é a causa mais frequente da deterioração funcional de ambos os órgãos. Algumas das condições crónicas (HTA, DM) podem contribuir para o agravamento da SCR-2 e 46. Tabela 6 - Exemplos de causas secundárias da SCR (SCR-5). Sepsis; Lupus Eritematoso Sistémico; Insuficiência Hepática; Síndrome Hemolítico Situações Agudas Urémico; Consumo de Cocaína; Malária; Leptospirose; Feocromocitoma; Crise Renal Esclerodérmica; Linfoma de Burkitt. Situações Crónicas HTA; DM; Insuficiência Hepática; Amiloidose; Sarcoidose; Tuberculose; Vírus da Imunodeficiência Humana; Drepanocitose; Doença de Fabry. 3.2 Fisiopatologia da SCR Os mecanismos fisiopatológicos impulsionadores da SCR ainda não foram totalmente esclarecidos. No entanto, é notório que estes mecanismos contribuem para um círculo vicioso, que conduz à disfunção e a mudanças estruturais de um ou de ambos os órgãos. 3.2.1 Doença cardíaca, impulsionadora de doença renal A integridade da circulação arterial é determinada pelo débito cardíaco (DC) e pela resistência arterial sistémica. Nas formas mais comuns de IC, o comprometimento da função ventricular diminui o DC, seja por disfunção sistólica (com diminuição da Fração de Ejeção, FE<40%) e/ou por disfunção diastólica (FE preservada, >50-60%): IC de baixo débito. Noutras situações (raras) de IC, embora o débito esteja aumentado, o coração é ineficaz no aporte de sangue aos tecidos, devido a uma excessiva vasodilatação arterial (IC de alto débito)13,22. Nas duas formas de IC, o enchimento arterial diminui (afetando consequentemente a perfusão renal e diminuindo a TFG), e diversos mecanismos compensadores são iniciados. O Sistema Nervoso Simpático (SNS) é ativado, ocorre libertação dos Péptidos Natriuréticos e de outras moléculas vasodilatadoras (prostaglandinas, óxido nítrico - ON), estimulação do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (SRAA) e libertação não osmótica de Vasopressina (ADH). A principal consequência é a retenção de água e sódio, no intuito de aumentar a volémia e manter uma perfusão adequada. No entanto, estas ativações, se em excesso ou a longo prazo, produzem agravamento da função cardíaca, que culmina em remodelação ventricular (alterações do tamanho, forma, estrutura e função do miocárdio que surgem após lesão cardíaca e/ou sobrecarga de volume), e implicam consequências deletérias com descompensação sequencial da função renal13. 10 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 3.2.2 Doença renal, impulsionadora de doença cardíaca No âmbito de uma disfunção renal, o equilíbrio hemodinâmico e metabólico é comprometido. Ocorre desequilíbrio ácido-base, sobrecarga de fluidos (HTA, edema pulmonar, derrame pleural), dilatação auricular (que pode desencadear arritmias), edema da mucosa intestinal (que condiciona a absorção), disfunção hematológica (anemia, diminuição da produção de Eritropoietina (EPO), disfunção plaquetária, disfunção leucocitária), encefalopatia e retardo da eliminação de toxinas e drogas. Por outro lado, existe evidência de que a disfunção renal se associa a inflamação crónica. Na DRC, a DCV surge como resultado de diversos mecanismos fisiopatológicos, entre os quais se destaca a anemia, a Doença Mineral Óssea (défice de vitamina D, hiperparatiroidismo secundário, metabolismo cálcio-fosfato anormal), a sobrecarga de volume crónica, a HTA, a inflamação crónica, a resistência à insulina, a hiperhomocisteinemia, o stress oxidativo e as mudanças no metabolismo lipídico. Para além de uma aterosclerose acelerada (com calcificação frequente da camada média arterial, ao invés da calcificação da camada íntima, característica da aterosclerose clássica), ocorre uma disfunção endotelial e uma toxicidade urémica, nocivas para a função cardíaca23. A LRA pode provocar disfunção cardíaca, seja por efeitos diretos ou efeitos indirectos17. Efeitos diretos: A Lesão Isquemia-Reperfusão (LIR) é uma causa estabelecida de LRA. Uma isquemia seguida de reperfusão desencadeia inflamação e apoptose, conduzindo a dano tecidual e a disfunção orgânica. Verificou-se, em experiências animais, que 48 horas após a LIR ocorreram alterações funcionais cardíacas (dilatação ventricular esquerda, aumento do tempo de relaxamento). Por outro lado, observou-se uma associação entre as anormalidades cardíacas, os mediadores inflamatórios e a apoptose cardíaca. Estas mudanças estão relacionadas com a estimulação de neutrófilos, que libertam substâncias que causam dano direto aos tecidos via efeitos locais/sistémicos (espécies reativas de oxigénio (ERO), proteases, mieloperoxidases) e que estimulam a expressão de citocinas fulcrais na fisiopatologia da disfunção cardíaca. Há um aumento da expressão da Interleucina 1 (IL-1), do Fator de Necrose Tumoral (FNT), e da Molécula de Adesão Intercelular-1 (ICAM-1), e ocorre ativação da via do Fator Nuclear- κB (FN-κB) através dos recetores tipo Toll (que promove o recrutamento de células inflamatórias), conduzindo a infiltração neutrófila no coração, e a apoptose miocítica. Efeitos indiretos: A lesão renal provoca modificações hemodinâmicas consideráveis, conduzindo à deterioração cardíaca. Essas alterações incluem: retenção hidrosalina e hipervolémia, contribuindo para o desenvolvimento de edema sistémico, sobrecarga cardíaca, HTA, edema pulmonar e disfunção miocárdica; desequilíbrio eletrolítico (hipercaliémia, hiperfosfatémia, hipocalcémia), com potencial arritmogénico; acidémia, que prejudica o metabolismo energético dos cardiomiócitos e a vasoconstrição pulmonar, aumenta a pós-carga para o ventrículo direito e promove um inotropismo negativo, podendo ainda conduzir a vasodilatação periférica, com hipotensão e diminuição da précarga; acumulação de toxinas urémicas, que afeta a contractilidade miocárdica. Por outro lado, a 11 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais falência sequencial de outros órgãos contribui para a disfunção cardíaca. O sistema neuroendócrino encontra-se igualmente envolvido (SNS, SRAA). 3.3.3 A Conexão Cardiorenal Segundo Bongartz et al. 24,25, existem 4 conectores responsáveis pela progressão da SCR: SRAA, SNS, Inflamação e Desequilíbrio Óxido Nítrico/Espécies Reativas de Oxigénio (ON/ERO). Esta interação é conhecida por Conexão Cardiorenal, admitindo que a IR e a IC conduzem à SCR através de mecanismos fisiopatológicos comuns. 3.3.3.1 Ativação do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona A Angiotensina II (AT II) ativa o NADPH-oxidase nas células endoteliais, nas células do músculo liso vascular, nas células tubulares renais e nos cardiomiócitos. Ocorre fibrose tecidual, e formam-se ERO, essencialmente superóxidos, responsáveis pelo envelhecimento, inflamação e disfunção orgânica progressiva. O SRAA está também implicado diretamente na inflamação vascular, via FN-κB (que induz a produção de moléculas quimiotáticas e de adesão), para além de aumentar a atividade simpática25. As principais alterações negativas resultantes da ativação da AT II podem ser observadas na Figura 126. Figura 1 – Consequências Deletérias da AT II. IC, Insuficiência Cardíaca; SRAA, Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona; AT II, Angiotensina II; SNS, Sistema Nervoso Simpático; ERO, Espécies Reativas de Oxigénio; IL-6, Interleucina-6; TNF-α, Fator de Necrose Tumoralα, TGF-β, Fator de Crescimento de Transformação-β. (Adaptada de Shah BN, Greaves K. The Cardiorenal Syndrome: A Review. Int J Nephrol. 2010 Dec; 2011: 920195.) 12 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 3.3.3.2 Ativação do Sistema Nervoso Simpático Os rins possuem uma intensa enervação simpática. Assim, quando estimulada adicionalmente por diminuição da volémia (devido ao estiramento diminuído dos baroreceptores arteriais do seio carotídeo e do arco da aorta), promove a nível renal: constrição das arteríolas renais, com diminuição da FG; aumento da reabsorção tubular de sódio e água; estimulação da libertação de renina e aumento da formação de AT II e de aldosterona. Por outro lado, estimula a produção de ERO, e induz inflamação. 3.3.3.3 Inflamação O estado inflamatório crónico, que está presente tanto na doença renal como na doença cardíaca, conduz igualmente à produção de ERO, ao ativar os leucócitos, que libertam os seus conteúdos oxidativos. Por outro lado, promove a estimulação de noradrenalina por parte das citocinas. 3.3.3.4 Desequilíbrio ON/ERO Um aumento na produção de ERO, e uma diminuição na disponibilidade de ON, aumenta a atividade simpática e estimula o SRAA (ao lesionar diretamente as células tubulares e intersticiais renais, ou por vasoconstrição aferente). A ocorrência inapropriada de um dos conectores conduz a um ciclo vicioso, e os restantes conectores são igualmente perturbados, atuando em sinergia e amplificando o dano cardíaco e o dano renal26,27. 13 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 14 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Capitulo 4. Diagnóstico e Biomarcadores Na conferência realizada no âmbito da ADQI2, Ronco e seus colaboradores debruçaram-se sobre o diagnóstico e os biomarcadores mensuráveis e úteis na identificação e monitorização da SCR. Estabeleceram que, para um biomarcador ser considerado ideal e clinicamente útil, as seguintes perguntas deveriam ser respondidas afirmativamente: Pode ser usado para identificar precocemente e classificar a SCR? Pode ser usado na estratificação do risco, no que diz respeito à reversibilidade? Pode ser usado como alvo para o tratamento? Pode ser usado para monitorizar os efeitos do tratamento? Pode a imagiologia cardíaca e renal ser combinada efetivamente com os biomarcadores em todo o espectro de diagnóstico e tratamento da SCR? 4.1 Diagnóstico e Marcadores de Lesão Renal A ureia e a creatinina séricas (sCr) são biomarcadores renais usados rotineiramente na prática clínica. No entanto, são sinalizadores funcionais (ou seja, sensíveis à diminuição da TFG), e não do dano estrutural. A sCr é amplamente utilizada para estimar a TFG, através da Clearance da Creatinina, usando fórmulas como Cockcroft-Gault, MDRD (Modification of Diet in Renal Disease) ou CKD-EPI (The Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration). Nas situações de lesão renal, a TFG diminui inevitavelmente, mas não de forma imediata; os níveis séricos destes dois marcadores sobem lentamente, não refletindo o dano renal em tempo real, e consequentemente, não permitindo na maioria das vezes uma prevenção renal atempada ou uma intervenção terapêutica eficaz13. Por outro lado, os níveis de creatinina são influenciados pelo sexo, idade, raça, massa muscular e alimentação. A ureia, por sua vez, aumenta na presença de situações como desidratação, hemorragia gastrointestinal e dietas altamente proteicas 28. No contexto de dano renal crónico, a microalbuminúria (definida por níveis de albumina urinária de 30-300 mg/24 horas) permanece um marcador de elevada fiabilidade. A presença de albumina na urina reflete uma lesão estrutural progressiva, com perda da barreira glomerular; e é habitualmente detetada em pacientes hipertensos e diabéticos de longa data e/ou descompensados. Como já referido anteriormente (tabela 3), é reconhecida como marcador importante de risco CV, associada a eventos cardíacos, mau prognóstico e a aumento da mortalidade, mesmo se isolada (ou seja, não associada a comorbilidades)29. Existe, assim, uma necessidade de estabelecer marcadores que permitam uma deteção precoce, sejam séricos ou urinários, e que sinalizem a lesão renal antes de ocorrer uma perda funcional considerável e alterações estruturais irreversíveis. 15 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 4.1.1 Lipocalina Associada a Gelatinase dos Neutrófilos (NGAL) A NGAL, também conhecida por Lipocalina-2 ou Siderocalina, é uma glicoproteína de 25kDa da superfamília das lipocalinas, produzida durante a maturação dos precursores dos granulócitos, e armazenada conjuntamente com a gelatinase, nos grânulos dos neutrófilos maduros. Para além de expressa por neutrófilos, é também induzida por células epiteliais, incluindo as células tubulares renais30. Após lesão renal, ocorre uma considerável libertação de NGAL, que pode ser medida tanto no sangue como na urina. É, na atualidade, o biomarcador mais promissor na deteção precoce de LRA, devido essencialmente à sua capacidade de discriminar entre alterações funcionais, secundárias a alteração do volume, e a verdadeira lesão renal 31. Este biomarcador permite que a LRA seja identificada antes de surgir uma alteração significativa na sCr, uma vez que os seus níveis aumentam no sangue e na urina cerca de 24-48 horas antes dos níveis de sCr se elevarem32. É um marcador precoce e sensível de lesão renal, pois os níveis de NGAL aumentam nas primeiras 2 horas após o insulto. Segundo Ronco et al.2, comprovou-se num estudo recente que uma única mensuração urinária deste biomarcador foi capaz de diferenciar os doentes com LRA subsequente, com sensibilidade e especificidade de 90 e 99%, respetivamente. Aferiu-se, num estudo observacional prospetivo32, a capacidade preditiva da NGAL sérica para a deteção de LRA em doentes admitidos no hospital por ICAD, verificando-se que nos doentes que desenvolveram lesão renal, os níveis deste biomarcador se elevaram significativamente, comparativamente com os que não progrediram para LRA (para um valor cut-off de 89 ng/ml, a sensibilidade da NGAL foi de 68% e a especificidade de 70%, com Área Sob a Curva – ASC de 0,71). Alvelos et al.33, verificou que os valores da NGAL plasmática, à admissão hospitalar por IC aguda, foram superiores nos pacientes que desenvolveram a SCR-1 48-72 horas depois: 212 versus 83 ng/dL. Para um valor cut-off de 170 ng/dL, este biomarcador determinou LRA com uma sensibilidade de 100% e especificidade de 86,7% (ASC de 0,93). Outro estudo34 mensurou o NGAL sérico e urinário em crianças duas horas após bypass cardiopulmonar, onde se confirmou a grande capacidade preditiva deste biomarcador para LRA (NGAL urinário: ASC de 0,998, Sensibilidade de 100%, Especificidade de 98%). O diagnóstico de LRA através da sCr só foi possível 1-3 dias depois da cirurgia cardíaca. Em pacientes adultos, o poder preditivo do NGAL para LRA após cirurgia cardíaca também foi demonstrado. Verificaram-se ótimas sensibilidades e especificidades do NGAL plasmático 4 horas após bypass cardiopulmonar, para um valor “cut-off” de 229 ng/mL, com uma ASC de 0,98 para a predição de LRA 35. Relativamente à Nefropatia induzida por Contraste (NIC), Hirsch et al.36 verificou, num estudo realizado em crianças, que 2 horas após a administração do contraste a concentração plasmática (ASC 0,91) e urinária (ASC 0,92) do NGAL aumentou consideravelmente, concluindo que ambas as mensurações eram preditores poderosos e independentes de NIC. 16 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 4.1.2 Cistatina C A Cistatina C é um inibidor extracelular da cisteína protease, sintetizado e libertado na circulação por todas as células nucleadas, a uma taxa constante 13. É filtrado livremente pelo glomérulo, reabsorvido proximalmente e catabolizado na totalidade pelos túbulos renais intactos, motivo pelo qual não é excretado na urina em condições normais 37. De facto, a Cistatina C sérica é um marcador da diminuição da TFG (podendo ser utilizada na estimativa da mesma), enquanto a sua presença na urina sinaliza uma disfunção tubular 3. Ao contrário da sCr, os níveis séricos de Cistatina C não são afetados pela massa muscular, sexo, idade ou alimentação; no entanto, algumas situações clínicas (DM, disfunção tiroideia, algumas neoplasias, terapia com glucocorticoides em altas doses) podem afetar os níveis deste biomarcador28, 38. Os níveis urinários, por sua vez, poderão sinalizar uma lesão tubular proximal; contudo, em pacientes com albuminúria, e visto que a reabsorção da Cistatina C e da Albumina é feita pelo mesmo transportador (megalina), quantidades significativas de Cistatina C poderão surgir na urina, sem que tenha havido qualquer lesão tubular 38. A mensuração sérica da Cistatina C permite uma deteção mais precoce da LRA do que a sCr. Um estudo39 que reuniu 85 pacientes em alto risco de desenvolvimento de LRA verificou, nos 44 pacientes que efetivamente a desenvolveram, a ocorrência da elevação da Cistatina-C 1,5 dias antes da elevação da sCr. Outro estudo40, realizado em contexto de nefropatia induzida por contraste, concluiu que os níveis de Cistatina C sérica, quando comparada com os níveis da NGAL, se elevavam mais tardiamente, após a administração do contraste: a NGAL sérica elevou-se 2-4horas depois e a NGAL urinária 4-8 horas após, comparativamente com a Cistatina C, que aumentou significativamente passadas 24 horas. No contexto de DCV, realizou-se um estudo41 baseado na mensuração da Cistatina C sérica à admissão hospitalar por IC aguda, revelando uma ASC na predição de SCR-1 deste biomarcador de 0,92, sugerindo-a como um marcador útil na deteção de LRA precoce em doentes com IC aguda. Por outro lado, no contexto de IC crónica, um estudo42 revelou que os níveis séricos de Cistatina C se encontravam aumentados em 41% dos pacientes com função renal preservada, e diretamente relacionados com os níveis de NT-proBNP. A Cistatina C demonstrou estar relacionada com disfunção diastólica ventricular esquerda e sistólica ventricular direita avançadas. Dupont et al.43 concluiu que a Cistatina C era um preditor independente para efeitos adversos cardiovasculares major (morte, enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral). 4.1.3 Molécula de Lesão Renal-1 (KIM-1) A KIM-1 é uma proteína transmembranar do tipo 1, expressa pelas células tubulares proximais após lesão isquémica ou nefrotóxica (utilização de substâncias como a cisplatina), e detetável precocemente na urina. A KIM-1 não é libertada em quantidades significativas na ausência de lesão tubular, nem por tecidos extrarrenais. A função desta proteína é fornecer capacidade fagocitária às 17 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais células tubulares, possibilitando-as de remover os detritos do lúmen tubular após a lesão renal 13. É facilmente mensurada na urina, e atualmente encontra-se em desenvolvimento uma fita reativa diagnóstica, para uma deteção imediata30. Parece ser altamente específica para LRA isquémica, comparativamente com outras formas de LRA e DRC 2. Este biomarcador atinge o seu pico máximo entre as 12 e as 24 horas após o insulto28. 4.1.4 N-acetil-β-(D)Glucosaminidase (NAG) A NAG é uma enzima lisossomal encontrada predominantemente nas células do túbulo proximal. A sua excreção urinária é um marcador sensível de lesão renal, refletindo particularmente a lesão tubular. É utilizada em estudos de nefrotoxicidade, envolvendo uma variedade de fármacos (por exemplo, metotrexato), meios de contraste, toxinas ambientais 37. No entanto, concentrações urinárias elevadas de NAG são também encontradas em pacientes diabéticos, com HTA essencial, e IC2. 4.1.5 Interleucina-18 (IL-18) A IL-18 é uma citocina pró-inflamatória detetada na urina após lesão tubular proximal isquémica. Tem uma boa sensibilidade e especificidade para LRA isquémica, com níveis aumentados 48 horas antes do aumento da sCR2. A IL-18 aumenta 4 a 6 horas após bypass cardiopulmonar, atinge o pico às 12 horas (25 vezes superior ao valor inicial), e mantem-se aumentada até 48horas depois28. 4.1.6. Proteína de Ligação de Ácidos Gordos, Tipo Hepático (L-FABP) A L-FABP expressa-se a nível renal, essencialmente nas células epiteliais do túbulo proximal, podendo ser filtrada pelo glomérulo, mas logo reabsorvida no túbulo proximal. Num estudo realizado em pacientes adultos sujeitos a bypass cardiopulmonar44, verificou-se que os níveis urinários de L-FABP aumentaram significativamente 4 horas após a intervenção cirúrgica, e concluiu-se que foram um indicador de risco independente para LRA, com uma ASC de 0,810. Evidências recentes12 atribuem-lhe utilidade na sinalização da DRC e da nefropatia diabética. A Figura 3 evidencia a elevação da concentração urinária dos biomarcadores atrás descritos, de acordo com o tempo, após bypass cardiopulmonar3. 18 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Figura 2 - Perfis de biomarcadores urinários em indivíduos que desenvolveram Lesão Renal Aguda, após bypass cardiopulmonar. (Adaptada de Viswanathan G, Gilbert S. The Cardiorenal Syndrome: Making the Connection. Int J Nephrol. 2010 Oct; 2011: 283137.) 4.1.7 Outros Biomarcadores promissores Algumas enzimas tubulares proximais detectáveis na urina (enzimúria tubular), libertadas dentro de 12 horas após LRA, poderão ter potencial diagnóstico. Incluem-se o Antigénio do Epitélio Tubular Proximal Renal, o Glutatião-α S-transferase, o Glutatião-π S-transferase, o γ- glutamiltranspeptidase, a Alanina Aminopeptidase, o Lactato Desidrogenase e a Fosfatase Alcalina. Proteínas de baixo peso molecular como a α1-microglobulina, β2-microglobulina, proteína de ligação do retinol e proteína de ligação da adenosina deaminase, são produzidas em diferentes locais do organismo, filtradas e reabsorvidas no túbulo proximal, sem serem secretadas, podendo por isso sinalizar LRA quando mensuradas na urina 14. 4.2 Diagnóstico e Marcadores de Lesão Cardíaca 4.2.1 Péptido Natriurético tipo B (PNB) e Porção N-terminal do PNB (NT-PNB) No contexto de IC, diversos biomarcadores foram testados. No entanto, o PNB permanece, até aos dias de hoje, o marcador mais confiável. Pertence a uma família de hormonas com estrutura química semelhante, libertadas em resposta à sobrecarga de volume; especificamente, o PNB é libertado pelo miocárdio ventricular, após estiramento e stress desta parede, e atua em recetores específicos localizados em vários tecidos (nomeadamente nos vasos sanguíneos, rins e sistema nervoso central), promovendo vasodilatação, natriurese e diurese, diminuição da sede e inibição do SNS. Quando ocorre sobrecarga sob a parede ventricular, o estiramento dos miócitos promove a clivagem enzimática do preproPNB em proPNB, e de seguida em PNB, a forma de hormona ativa, e NT-proPNB, o fragmento inativo; ambos são libertados no plasma sanguíneo e podem ser usados 19 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais como biomarcadores de doença cardíaca, embora existam diferenças entre as duas mensurações (Tabela 7)45. Os níveis elevados destes biomarcadores podem também surgir no contexto de disfunção renal. De facto, doentes renais crónicos demonstraram apresentar níveis séricos mais elevados de PNB e NTproPNB, do que indivíduos com a mesma idade e sexo e com função renal preservada, mesmo na ausência de IC clínica46. O mecanismo ainda não foi totalmente esclarecido mas, para além da diminuição da clearance renal, há provavelmente um contributo do aumento do stress da parede miocárdica (devido a HTA, hipertrofia ventricular, isquemia subclínica ou remodelação cardíaca/fibrose miocárdica). Devido à íntima relação entre disfunção renal e cardíaca, pode ser utilizado no diagnóstico e prognóstico de vários tipos de SCR37. Tabela 7 - Características do PNB e NT-proBNP. PNB NT-proPNB Aminoácidos 32 76 Peso Molecular 3,5 kDa 8,5 kDa Meia-Vida 20 min. 60-120 min. Atividade Hormonal Sim Não Clearance Renal (recetores específicos) Renal Correlação com TFG ++ +++ Efeito na função renal ++ ++++ Remoção por hemodiálise 30% 10% Janela Clínica 0 – 5000 pg/ml 0 – 35000 pg/ml Valor limite aprovado para diagnóstico de IC em função renal N 100 pg/ml Idade<50A: 450 pg/ml Idade>50A: 900 pg/ml (Adaptada de Iwanaga Y, Miyazaki S. Heart Failure, Chronic Kidney Disease, and Biomarkers - An Integrated Viewpoint. Circ J. 2010 Jul;74(7):1274-82). 4.2.2 Troponinas As Troponinas Cardíacas T e I são os marcadores mais sensíveis de necrose miocárdica. São sensíveis, específicas e correlacionam-se com a severidade da lesão, mesmo na ausência dos sinais típicos45. No entanto, são também observadas em doentes renais crónicos (hemodialisados ou não hemodialisados), onde o aumento das troponinas reflete a diminuição da clearance. Numa metaanálise citada por Ronco C.47, 28 estudos (incluindo 3931 pacientes com doença renal em fase terminal) foram analisados e concluiu-se que a troponina I era um preditor importante de morte cardíaca. Kitagawa et al.48, realizou um estudo em doentes renais crónicos, e observou que a Troponina T (ASC 0,88), juntamente com o PNB (ASC 0,741), eram fortes preditores para disfunção diastólica ventricular esquerda. As troponinas cardíacas têm por isso valor prognóstico na SCR-4. 20 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 4.2.3 Ferro Catalítico O elemento metal mais comum no organismo humano tem utilidade numa variedade de sistemas celulares fundamentais, incluindo o transporte de oxigénio e a respiração celular. Sabe-se que o ferro fracamente ligado é a base fundamental para a geração do radical hidroxilo, o mais destrutivo de todas as ERO; Lele et al.49, observou a libertação de Ferro Catalítico no sangue, em pacientes com EAM. De facto, a sua elevação sérica precedeu o aumento das Troponinas Cardíacas, com uma ASC para a deteção de EAM de 0,90, sensibilidade de 84%, especificidade de 95% e uma precisão diagnóstica de 92%. Verificou-se também a associação de níveis elevados de Ferro Catalítico às 24 horas com o aparecimento de eventos cardíacos adversos major em 30 dias. Há evidências para uma forte associação entre níveis séricos elevados de Ferro Catalítico e doenças cardiovasculares, mesmo após ajuste de várias comorbilidades50. 4.3 Contributo da Imagiologia As técnicas imagiológicas têm um papel adicional aos biomarcadores laboratoriais na SCR. São um complemento importante no diagnóstico da síndrome, ao amplificar e refinar a capacidade de quantificar a extensão do dano renal/cardíaco. Em pacientes com provável SCR, os contrastes iodados devem ser evitados. A Ecocardiografia providencia informação sobre a estrutura e função do coração, e é utilizada como exame de rotina para despiste e seguimento de patologia cardíaca; permite uma avaliação cardíaca estrutural e funcional, tanto em repouso como em stress. A presença de doença coronária deve ser excluída com Ecocardiografia de Stress ou Cintigrafia de Perfusão Miocárdica na SCR-3, SCR-4 e SCR-5, e na SCR-1 e SCR-2 quando a doença cardíaca primária é valvular, congénita, ou miopática2. A Ecografia Renal permite avaliar a morfologia renal e detetar alterações sugestivas de DRC. Revela também causas alternativas de disfunção renal, ao possibilitar a verificação da presença de ambos os rins, a determinação da sua simetria e tamanho e a exclusão da existência de massas renais e de evidência de obstrução. No futuro, a Ressonância Magnética poderá ter um papel importante no diagnóstico. Por agora, não é apropriada para utilização de rotina, e a sua utilização é contraindicada em doentes com DRC avançada. A pesquisa in vivo de biomarcadores, através de técnicas de imagem moleculares, poderá ser uma mais-valia na avaliação da SCR46. 21 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 22 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Capitulo 5. Conduta Terapêutica na SCR A fisiopatologia complexa da SCR torna o seu tratamento num verdadeiro desafio clínico. Não existe uma terapêutica estabelecida e que seja universal; a história médica, o perfil de risco e as comorbilidades diferem de paciente para paciente. Por outro lado, não há evidências resultantes de ensaios clínicos em pacientes com IC que permitam inferir uma terapêutica eficaz em doentes com deterioração renal significativa, pois a maioria dos estudos recruta populações com função renal relativamente preservada51. O desenvolvimento de resistência a terapias tradicionais (Diuréticos, Inotrópicos) é outro obstáculo no tratamento destes doentes. Assim, o manejo clínico da SCR é ainda muito empírico. 5.1 Opções Terapêuticas na SCR 5.1.1 Medidas Gerais O peso corporal do paciente é um indicador importante durante o tratamento da SCR, pois o alívio da congestão tipicamente associada a esta síndrome reflete-se na diminuição deste parâmetro. Por outro lado, a monitorização hemodinâmica deve ser contínua e rigorosa. As comorbilidades devem ser investigadas e tratadas adequadamente. Os pacientes devem ser orientados para cessação tabágica, e limitação do consumo de bebidas alcoólicas. As recomendações gerais englobam uma ingestão diária de sal ≤ 2 g, uma ingestão diária de líquidos ≤ 1 – 1,5L (se o paciente estiver hiponatrémico); as drogas nefrotóxicas, como os Anti-Inflamatórios Não Esteroides (AINES) ou os contrastes iodados, devem ser evitadas, ou dose-ajustadas de acordo com a TFG (de especial importância no caso dos antibióticos)51. 5.1.2 Diuréticos Os Diuréticos da Ansa, Tiazidas e Poupadores de Potássio promovem diurese e natriurese cerca de 20 minutos após a administração oral, providenciando, em condições normais, um alívio sintomático rápido e eficaz. No entanto, a longo prazo, estas substâncias provocam efeitos deletérios na função cardiovascular: ocorre exacerbação do sistema neurohormonal, aumento da resistência vascular sistémica, e detioração da função ventricular esquerda. Por sua vez, agrava-se a disfunção renal, devido à hipoperfusão/hipovolémia resultante. Os Diuréticos da Ansa são os fármacos de primeira linha no alívio sintomático da congestão da SCR. Inibem o cotransportador Na+/K+/2Cl- no ramo ascendente espesso da Ansa de Henle, aumentando a excreção de sódio em 20-25%13. São preferíveis às Tiazidas, cuja excreção de sódio é aumentada em apenas 5-10%, e cuja eficácia é limitada em doentes com função renal comprometida. 23 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais A Furosemida é o Diurético da Ansa mais utilizado na prática clínica. O fármaco deve ser administrado por via intravenosa, para evitar a pobre biodisponibilidade oral (apenas cerca de 50% ou menos de Furosemida é absorvida em estados edematosos) 51,52. De acordo com o estudo Diuretic Optimization Strategies Evaluation (DOSE)53,54, uma estratégia diurética de alta dose mostrou ligeira vantagem na melhoria clínica global e na função renal, quando comparada à utilização de diuréticos em doses baixas, embora não significativa. Numa meta-análise realizada por Salvador et al.55, demonstrou-se que os Diuréticos da Ansa administrados por infusão contínua obtinham melhores resultados clínicos do que quando administrados em bolus: promovia maior débito urinário, menos efeitos adversos e menor tempo de permanência no hospital (diferença de 3,1 dias), e verificou-se menor mortalidade cardíaca e menor mortalidade por qualquer causa. No entanto, a via de administração a adotar permanece controversa; o estudo DOSE 53,54 não demonstrou diferenças significativas na eficácia ou segurança entre os dois modos de administração. A ingestão de sódio deve ser restringida. A Resistência Diurética é um estado clínico definido pela diminuição ou ausência de resposta ao diurético antes de ter ocorrido alívio da congestão, que surge em 20-30% dos casos de IC. As causas são diversas, entre as quais podemos referir: retardo da absorção intestinal dos medicamentos orais (devido a edema da mucosa), diminuição da perfusão renal, diminuição da excreção diurética na urina, dosagens de medicamentos inadequadas, uso concomitante de AINES (que inibe a síntese de prostaglandinas, vasodilatadoras e natriuréticas), IECAs ou ARAs (devido a perda de resistência eferente e diminuição da pressão de perfusão renal) e incumprimento da dieta (excesso de ingestão de sal)51,52. Perante uma resistência à Furosemida, a solução passa por aumentar a dose, ou trocar para outro Diurético da Ansa como a Bumetanida ou a Torasemida, via oral (melhor biodisponibilidade que furosemida oral)52. A adição de Albumina pobre em Sal à infusão de Furosemida é uma estratégia adicional eficaz em pacientes com níveis diminuídos de albumina plasmática; eleva substancialmente a excreção de sódio, pois o complexo furosemida-albumina que se forma aumenta a entrega de diurético ao rim, principalmente por permanecer no espaço vascular51,52. O "Braking Phenomenon" (retenção de sódio pós-diurética) descreve uma retenção ávida de sódio em consequência de uma rápida diurese, limitando a resposta a doses posteriores de diuréticos. Esta situação pode ser contornada através da utilização de uma infusão contínua de Furosemida, seguida de uma Tiazida por via intravenosa. Pode-se associar ainda Metolazona por via oral, 5-10 mg, que potencia a resposta aos Diuréticos da Ansa52. Os Antagonistas dos Recetores da Aldosterona (espironolactona, esplerona) são diuréticos fracos, poupadores de potássio. O benefício da sua utilização na ICC, conjuntamente com a terapia padrão, foi demonstrado nos estudos RALES 56 e EPHESUS57, com diminuição da morbi-mortalidade dos pacientes. Atualmente, estes fármacos são um pilar fundamental no manuseamento terapêutico dos doentes com ICC e IC com disfunção sistólica ventricular esquerda, após EAM; no entanto, as guidelines vigentes apenas recomendam considerar a sua utilização 58. 24 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 5.1.3 Dopamina A administração concomitante de Dopamina em doses baixas com a terapia diurética era uma prática terapêutica corrente para prevenir ou tratar a disfunção renal, no contexto de IC. Os efeitos deste fármaco são dose-dependentes, e quando administrado em baixas doses (1-5 μg/kg/min), promove vasodilatação mesentérica e renal (ao atuar nos recetores D1). No passado, considerava-se que esta dilatação permitiria um aumento do fluxo sanguíneo renal, e consequentemente um aumento da TFG, da excreção de sódio e do débito urinário. Atualmente, reconhece-se que a Dopamina piora a cinética do oxigénio renal, inibe os sistemas de feedback que protegem os rins da isquemia, e possivelmente piora a lesão tubular52. Os efeitos adversos são significativos, incluindo cianose digital e gangrena59. Uma meta-análise realizada por Kellum e Decker60, concluiu que a utilização deste fármaco em baixas doses não podia ser recomendada com base na evidência científica disponível, e que devia ser eliminado do manejo clínico de rotina. Assim, devido aos seus efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos com doses compreendidas entre 5-15 µg/Kg/min (por estimulação dos recetores beta adrenérgicos), a sua utilização reserva-se essencialmente a pacientes com evidência de redução da perfusão renal subsequente a baixo DC. Doses superiores a 15 µg/Kg/min actuam nos recetores alfa adrenérgicos, promovendo um aumento da resistência periférica e vasoconstrição renal. 5.1.4 Inotrópicos Em situações de hipoperfusão periférica (hipotensão, diminuição da função renal), podem ser utilizados fármacos inotrópicos positivos, como a Dobutamina, os Inibidores da Fosfodiesterase ou o Levosimendan. No entanto, implicam uma utilização por um curto período de tempo e uma monitorização rigorosa, devido à possibilidade de induzirem arritmias e outros eventos cardíacos adversos consideráveis, com aumento da mortalidade associada 51. Assim devem ser reservados para situações de diminuição severa do DC, e nas quais a utilização de vasodilatadores é impossibilitada por baixa pressão arterial ou baixa resistência vascular sistémica 51. O Levosimendan é um inotrópico Sensibilizador de Cálcio – aumenta a sensibilidade do coração ao cálcio, sem elevar o cálcio intracelular. Comparativamente com a Dobutamina, este fármaco demonstrou um maior benefício hemodinâmico, melhor tolerância por parte do paciente e menos efeitos adversos61. No entanto, não há consenso entre estudos sobre os benefícios na sobrevida 62. 5.1.5 Nesiritide O Nesiritide é um análogo sintético do PNB, e um potente vasodilatador usado essencialmente para reduzir a pré e pós-carga, com uma ação diurética moderada, e para melhorar a dispneia associada a IC aguda. Aprovado em 2001 pela Food and Drug Administration (FDA), e rapidamente introduzido na rotina terapêutica, a sua utilização foi posta em causa devido a um conflito de resultados entre estudos. Uma meta-análise realizada por Sackner-Bernstein et al.63 concluiu que o uso de Nesiritide, 25 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais nas doses aprovadas pelo FDA (≤0,03µg/kg/min), aumentava significativamente o risco de deterioração da função renal. Ao invés, num estudo retrospetivo no qual se testaram 3 terapêuticas em pacientes com IC e IR (tratamento padrão, tratamento padrão mais Nesiritide na dose de 0,005 µg/kg/min e tratamento padrão mais Nesiritide na dose de 0,01 µg/kg/min), comprovou-se que o Nesiritide nas doses administradas era bem tolerado, sem provocar aumento da deterioração da função renal, para além de que se verificou uma menor hospitalização e uma menor taxa de mortalidade nos pacientes em regime terapêutico com Nesiritide64. Resultados preliminares de um ensaio clínico, no qual o Nesiritide foi administrado na dose de 0,01 µg/kg/min em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca, observaram a ocorrência de uma significativa diminuição na incidência de disfunção renal65. Assim, há uma necessidade de estudos adicionais para esclarecimento do papel terapêutico do Nesiritide na SCR. 5.1.6 Inibidores do Eixo Renina-Angiotensina Os Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina (IECAs) são fármacos anti-hipertensores que atuam ao inibir a enzima de conversão da angiotensina, conduzindo a modificação neurohormonal, vasodilatação periférica e estabilização/reversão do remodelamento cardíaco, com aumento da FE do ventrículo esquerdo. São amplamente utilizados no tratamento da IC com disfunção sistólica (FE <40%)66. Os IECAs podem induzir hipotensão sintomática, hipercaliémia (principalmente se associados a diuréticos poupadores de potássio) e azotémia. No intuito de diminuir a incidência de disfunção renal, devem ser iniciados em baixas doses, ao mesmo tempo que se monitoriza o estado de hidratação do paciente. O uso concomitante de AINEs deve ser evitado. Em pacientes com DRC, a utilização destes fármacos associa-se a uma elevação, embora discreta, da sCr; contudo, a longo prazo, promovem nefroproteção e benefício clínico 51,67. No entanto, em contexto de LRA, a sua utilização deve ser evitada, pois associa-se a agravamento da hipoperfusão renal. O principal efeito adverso dos IECAs é a tosse seca irritativa (surge em até 10% dos doentes). O edema angioneurótico ocorre em 1% dos pacientes13. Os Antagonistas dos recetores da AT II (ARAs) são uma alternativa viável aos IECAs. Atuam inibindo os recetores AT1, impedindo a ligação da ATII. Possuem benefícios clínicos e efeitos secundários potenciais semelhantes aos IECAs, e são iniciados perante pacientes com IC com FE<40%, intolerantes ou não responsivos aos IECAs67. 5.1.7 Ultrafiltração (UF) O objetivo deste procedimento é o alívio da sobrecarga de volume, ao permitir a remoção de fluido e de moléculas de baixo peso molecular do sistema circulatório, através de uma membrana semipermeável e em resposta a um gradiente de pressão transmembranar. A UF é uma variante da hemodiálise convencional, com remoção de líquido isotónico por convecção, não existindo depuração. Este método terapêutico é utilizado na SCR perante a falência das terapêuticas médicas 26 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais tradicionais ou quando os pacientes desenvolvem resistência aos diuréticos, sem alívio do quadro congestivo. Nesta técnica, a redução da água é acompanhada por diminuições na pressão auricular direita e na pressão capilar. O DC e o volume sistólico não se alteram, ou aumentam ligeiramente. Comparativamente com os Diuréticos da Ansa, a UF é mais eficiente na remoção do sódio e na poupança de potássio68, e a ativação neurohormonal é menor. Os diuréticos da Ansa devem ser descontinuados nos dias em que o paciente realiza UF, no intuito de minimizar as anormalidades eletrolíticas e a ativação neurohormonal. O ensaio Ultrafiltration versus Intravenous Diuretics for Patients Hospitalized for Acute Descompensated Heart Failure (UNLOAD)69, demonstrou que após 48 horas, a UF providenciou maior perda de peso e maior remoção de fluido, comparativamente com os diuréticos intravenosos. Após 3 meses, verificou-se que as taxas de re-hospitalização e a duração da hospitalização foram significativamente menores nos doentes submetidos a UF. No entanto, o recente estudo CARRESS-HF70 expôs resultados desapontantes relativamente à utilização de UF, comparativamente com o tratamento com diuréticos. Embora a quantidade de fluido removido tenha sido semelhante nas duas intervenções terapêuticas, a função renal piorou substancialmente com a UF, com níveis de sCr aumentados de forma significativa. Não houve diferença na incidência da hospitalização e da mortalidade, mas os efeitos adversos foram mais severos no grupo da UF (72% versus 57%), essencialmente devido à falência renal, complicações hemorrágicas e complicações relacionadas com o cateter intravenoso. 5.1.8 Agentes Estimuladores da Eritropoiese e Suplementação de Ferro Em doentes com anemia subsequente a DRC, a utilização regular de Agentes Estimuladores da Eritropoiese e Suplementação de Ferro poderá corrigir a anemia e melhorar o desempenho cardíaco, retardando a progressão da doença renal67. O efeito na função cardíaca da utilização da Darbepoetina Alfa (análogo recombinante da EPO humana) em pacientes anémicos com IC crónica foi testado, e observou-se uma melhoria do desempenho ventricular esquerdo e direito, com aumento da capacidade de exercício, uma neutralização do sistema neurohormonal e uma atenuação dos efeitos deletérios do stress oxidativo e nitrosativo71,72. De acordo com a evidência corrente, a utilização de Agentes Estimuladores da Eritropoiese na IC deve ser reservada a pacientes com DRC concomitante (alvo terapêutico da Hb: 11-12 g/dL) ou no caso de anemia severa (Hb <9 g/dL) com IC sintomática, após suplementação de ferro, vitamina B12 e folato.73 O estudo RED-HF concluiu recentemente que o tratamento com Darbepoetina Alfa não melhora os resultados clínicos em pacientes com IC e anemia leve a moderada, não recomendando a sua utilização nestas situações 74. 27 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 5.1.9 Outras Terapêuticas Promissoras 5.1.9.1 Antagonistas dos Recetores da Vasopressina Os níveis de Vasopressina encontram-se elevados nas situações de IC. Este excesso de Vasopressina intensifica o quadro congestivo, associando-se a retenção de líquidos, a hiponatrémia dilucional e a vasoconstrição sistémica. Os antagonistas do recetor da Vasopressina, também conhecidos como os “Vaptans” (Conivaptan, Tolvaptan), promovem a diurese e a retenção de eletrólitos. O estudo Efficacy of Vasopressin Antagonism in Heart Failure Outcome Study with Tolvaptan (EVEREST) 75 concluiu que o Tolvaptan, um antagonista seletivo do recetor V2, adicionado por via oral à terapia tradicional (incluindo diuréticos) em doentes com IC hospitalizados, melhorava os sinais e sintomas da IC, embora não todos. Observaram-se efeitos adversos de pequena gravidade. No entanto, este estudo não demonstrou diminuição da mortalidade a longo prazo ou da morbilidade relacionada com a IC em pacientes hospitalizados que o iniciaram para tratamento agudo da IC 76. 5.1.9.2 Antagonistas dos Recetores da Adenosina A Adenosina é um potente vasoconstritor aferente, diminuindo o fluxo sanguíneo cortical, e com atividade antinatriurética. Na IC, observam-se níveis elevados de Adenosina, que podem contribuir para a disfunção renal. Os antagonistas do recetor A1 da Adenosina (KW-3902 - Rolofilina, BG9719, BG9928, SLV320) são uma nova classe de fármacos em desenvolvimento, que promovem a diurese e a natriurese, aliviando a sobrecarga de volume e, teoricamente, melhorando o desempenho renal. Aumentam a TFG por bloqueio simultâneo da vasoconstrição aferente (inibição do feedback tubuloglomerular) e da reabsorção tubular. Com a melhoria da função renal e da volémia, poderá ocorrer melhoria da resposta aos diuréticos. Por outro lado, com o bloqueio seletivo dos recetores A1, os recetores A2, com a sua função preservada, promovem o fluxo sanguíneo renal através da vasodilatação e previnem a isquemia renal77. Gottlieb et al.78, observou que o antagonista BG9719, quando administrado com Furosemida, aumentava o débito urinário. No entanto, num estudo recente, Placebo-Controlled Randomized Study of the Selective Adenosine A1 Receptor Antagonist Rolofylline for Patients Hospitalized with Acute Decompensated Heart Failure and Volume Overload to Assess Treatment Effect on Congestion and Renal Function (PROTECT)79, a Rolofilina demonstrouse incapaz de prevenir a deterioração da função renal em pacientes com IC aguda descompensada. 5.1.9.3 Soluções Salinas Hipertónicas associadas a Diuréticos O uso concomitante de Soluções Salinas Hipertónicas com Diuréticos otimiza o resultado terapêutico, aliviando com sucesso os sinais e sintomas congestivos. O êxito desta combinação terapêutica parece estar relacionado com o aparecimento de um efeito osmótico provocado pela solução, mobilizando fluido do espaço extravascular para a circulação central e, consequentemente, aumentando o fluxo sanguíneo renal, o que facilita a resposta diurética 59. Por sua vez, o aumento intratubular de sódio oprime o fenómeno de retenção de sódio pós-diurética (Braking Phenomenon). A administração desta solução juntamente com doses altas de Diuréticos da Ansa, demonstrou 28 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais também reduzir a inibição dos sistemas neurohormonais ativados em pacientes com IC, responsáveis em parte pela resistência diurética80. Num estudo realizado por Paterna et al.81, observou-se que a utilização de Solução Salina Hipertónica e Furosemida, em doentes com IC refractária, potenciou significativamente a diurese e a natriurese diária, com diminuição rápida dos níveis de PNB. Verificou-se também uma diminuição no tempo de hospitalização e na taxa de readmissão hospitalar dos doentes submetidos a este tratamento. 5.1.9.4 Libertação de fármacos nas artérias renais guiada por cateter Este método de administração terapêutica, ainda em fase experimental, utiliza um cateter simples bifurcado para libertar fármacos direta e simultaneamente nas duas artérias renais, aumenta a concentração local do fármaco, potenciando os efeitos renais, e minimizando os efeitos adversos sistémicos51. Demonstrou-se que a administração intrarenal de Fenoldopam (agonista da Dopamina D1) provoca menos hipotensão do que o Fenoldopam intravenoso 82. A Tabela 8 sumariza as estratégias terapêuticas da SCR, de acordo com os seus 5 subtipos. 83,84. Tabela 8 – Estratégias terapêuticas da SCR – Visão Global. SCR SCR-1 SCR-2 SCR-3 SCR-4 SCR-5 Estratégias Terapêuticas Tratamento específico, dependendo dos factores precipitantes; Medidas gerais de suporte: oxigenação, alívio da dor e da congestão pulmonar, tratamento apropriado das arritmias, tratamento da IC Aguda de acordo com as guidelines ESC 66 ; Evitar nefrotoxicidade, monitorização rigorosa da função renal. Tratamento da IC Crónica de acordo com as guidelines ESC Exclusão de IR pré-renal (hipovolémia e/ou hipotensão); Ajuste da terapia de acordo com a função renal; Evitar nefrotoxicidade, monitorização rigorosa da função renal e balanço electrolítico; Considerar UF. Eliminação de fármacos nefrotóxicos; Tratamento da IC Aguda de acordo com as guidelines ESC Considerar transferência para Unidade de Cuidados Intensivos. Monitorização rigorosa da 66 ; 66 ; função renal e cardíaca; Prevenir/tratar HIPERCALIEMIA; Considerar terapêutica de substituição renal. Tratamento da DRC de acordo com as guidelines K/DOQI Tratamento da IC Crónica de acordo com as guidelines ESC Considerar terapêutica de substituição renal. Tratamento específico para a condição subjacente; Alívio do quadro congestivo, manutenção da diurese e do equilíbrio electrolítico. 17 ; 66 ; (Adaptada de Davenport A, Anker SD, Mebazaa A, Palazzuoli A, Vescovo G, Bellomo R, et al. ADQI 7: the clinical management of the Cardio-Renal syndromes: work group statements from the 7th ADQI consensus conference. Nephrol Dial Transplant. 2010 Jul; 25(7): 2077-2089; House AA, Haapio M, Lassus J, Bellomo R, Ronco C. Pharmacological management of Cardiorenal Syndromes. Int J Nephrol. 2011 May; 2011: 630809.) 29 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 30 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Capítulo 6. Considerações Finais A interconectividade complexa entre doença cardíaca e renal tem sido, nos últimos tempos, alvo de extensa investigação. O termo Síndrome Cardiorenal (SCR), redefinido recentemente por Ronco et al.2, é hoje amplamente utilizado na prática clínica. A sua classificação em 5 subtipos (dependendo do órgão primário e do secundário, e do tempo de evolução) permite uma identificação específica e uma intervenção direcionada. A descrição das interações possíveis entre a função cardiovascular e renal é fundamental para a compreensão da dinâmica fisiopatológica da SCR. Embora a patogénese subjacente não esteja esclarecida na totalidade, a identificação da Conexão Cardiorenal por Bongartz et al.24,25 permitiu esclarecer os 4 conectores major envolvidos na deterioração de ambos os órgãos (SRAA, SNS, Inflamação e ON/ERO), fornecendo um contributo essencial no entendimento geral na SCR. A área do diagnóstico da SCR é uma área de particular interesse. A importância da mensuração de biomarcadores, séricos ou urinários, no contexto de doença cardíaca e/ou renal, começa a ganhar peso, pois há um interesse na deteção precoce do dano estrutural, que permita um intervenção médica atempada e eficaz antes do surgimento do dano funcional, diminuindo assim a morbimortalidade da SCR e os custos dos cuidados de saúde associados. De todos os biomarcadores renais até hoje analisados, o NGAL é possivelmente o mais promissor. É precoce, sensível e específico; no entanto, tem provavelmente maior utilidade quando combinado com outros marcadores, formando um “Painel de LRA”. De facto, Han et al.85 verificou que a mensuração conjunta de KIM-1, NAG e NGAL em doentes submetidos a cirurgia cardíaca, melhorou significativamente a sensibilidade da deteção de LRA, comparativamente com a mensuração individual de cada um dos biomarcadores. Assim, a utilização de um Painel, em detrimento de deteções isoladas, acarreta maior valor diagnóstico e permite o estabelecimento de uma localização temporal da lesão, se constituído por biomarcadores com diferentes tempos de mensuração do pico máximo (por exemplo, NGAL, KIM-1 e IL-18). Na sinalização da DCV, os Péptidos Natriuréticos (em contexto de IC) e as Troponinas Cardíacas (em contexto de isquemia miocárdica) permanecem os biomarcadores cardíacos mais confiáveis, e por isso os mais utilizados, na prática clínica. No entanto, há necessidade de estudos adicionais dos biomarcadores sinalizadores da SCR, idealmente de modo sistemático e prospetivo, para uma melhor integração da informação até agora disponível, e para o estabelecimento e validação de uma estratégia universal, baseada na evidência. O tratamento da SCR constitui um verdadeiro desafio clínico. Cada caso é um caso; a terapêutica de cada paciente tem de ter em consideração a sua história médica, o seu perfil de risco e as suas comorbilidades. A sobrecarga de volume, característica assídua da SCR, é um dos principais alvos da terapêutica. A abordagem terapêutica da congestão inclui, numa primeira fase, a utilização de 31 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais diuréticos. A utilização de Nesiritide pode ser benéfica. Os IECAs e os ARAs são uma opção terapêutica viável, mas devem ser usados com cautela em doentes com IR. A Dopamina deverá ser utilizada apenas em pacientes com evidência de baixo DC. A UF, uma alternativa viável até então, perdeu alguma credibilidade e gerou controvérsia após o recente estudo CARRESS-HF, que demonstrou que esta técnica não apresenta benefícios, quando comparada com a terapia diurética; de facto, a função renal deteriorou significativamente, e a severidade dos efeitos adversos foi superior. As terapêuticas atualmente em fase de investigação (Antagonistas dos Recetores da Vasopressina, Soluções Salinas Hipertónicas associadas a Diuréticos, Libertação de fármacos nas artérias renais guiada por cateter) poderão vir a ser um valioso contributo no futuro tratamento da SCR. Em suma, apesar dos avanços no diagnóstico e na terapêutica da SCR, existem ainda barreiras por superar e incógnitas por dissipar. De facto, será necessário um grande esforço da comunidade científica para desenvolver estudos multicêntricos que permitam obter melhores níveis de evidência e recomendações mais sólidas no diagnóstico e tratamento de uma patologia cada vez mais incidente e prevalente. 32 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais Referências Bibliográficas 1. Ledoux P. Cardiorenal Syndrome. Avenir Med. 1951 Oct; 48(8):149-153. 2. Ronco C, McCullough P, Anker SD, Anand I, Aspromonte N, Bagshaw SM, et al. Cardio-renal Syndromes: report from the consensus conference of the Acute Dialysis Quality Initiative. Eur Heart J. 2010 Mar; 31(6): 703–711. 3. Viswanathan G, Gilbert S. The Cardiorenal Syndrome: Making the Connection. Int J Nephrol. 2010 Oct; 2011: 283137. doi:10.4061/2011/283137. 4. NHLBI Working Group. Cardio-Renal Connections in Heart Failure and Cardiovascular Disease. [Internet]. 2004 [updated 2005 Feb 18; cited 2013 Jan 2]. Available from http://www.nhlbi.nih.gov/meetings/workshops/cardiorenal-hf-hd.htm 5. Heywood JT. The Cardiorenal Syndrome: Lessons from the ADHERE Database and Treatment Options. Heart Fail Rev. 2004 Jul; 9(3): 195-201. 6. Castro F, Chaves P, Leite-Moreira A. Síndrome cardiorrenal e suas implicações fisiopatológicas. Rev Port Cardiol. 2010; 29(10): 1535-1554. 7. Ronco C, Haapio M, House AA, Anavekar N, Bellomo R. Cardiorenal Syndrome. J Am Coll Cardiol. 2008 Nov; 52(19): 1527-1539. 8. Cruz DN, Bagshaw SM. Heart-Kidney Interaction: Epidemiology of Cardiorenal Syndromes. Int J Nephrol. 2010 Dec 29; 2011: 351291. 9. Ismail Y, Kasmikha Z, Green HL, McCullough PA. Cardio-Renal Syndrome Type 1: Epidemiology, Pathophysiology and Treatment. Semin Nephrol. 2012 Jan; 32(1): 18-25. 10. Seia F, Fonseca C. Insuficiência Cardíaca: Internamento e Ambulatório, Unidades Especializadas Integradas em Rede. Revista Factores de Risco. 2007; 5: 39-45. 11. American Heart Association. Classes of Heart Failure [Internet]. 2011 [updated 2011 Ago 5; cited 2 Apr 2013]. Available from http://www.heart.org/HEARTORG/Conditions /HeartFailure/AboutHeartFailure/Classes-of-Heart-Failure_UCM_306328_Article.jsp 12. Damman K, Voors AA, Hillege HL, Navis G, Lechat P, van Veldhuisen D, et al. Congestion in chronic systolic heart failure is related to renal dysfunction and incresead mortality. Eur J Heart Fail. 2010 Sept; 12(9): 974-982. 13. Kasper D, Fauci A, Hauser S, Longo D, Loscalzo J, Jameson J. Harrison’s Principles of Internal Medicine. 18th ed. United States of America: McGraw-Hill Medical; 2012. 33 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 14. Ronco C, Levin A, Warnock DG, Mehta R, Kellum JA, Shah S, et al. Improving outcomes from acute kidney injury (AKI): Report on an initiative. Int J Artif Organs. 2007 May; 30(5): 373376. 15. Hawkins R. New biomarkers of acute kidney disease injury and the Cardiorenal Syndrome. Korean J Lab Med. 2011 Apr; 31(2): 72-78. 16. Chuasuwan A, Kellum JA. Cardio-Renal Syndrome Type 3: Epidemiology, Pathophysiology, and Treatment. Semin Nephrol. 2012 Jan; 32(1): 31-39. 17. National Kidney Foundation. K/DOQI Clinical Practice Guidelines for Chronic Kidney Disease: evaluation, classification and stratification. Am J Kidney Dis. 2002; 39(2(suppl1)): S1-S266. 18. Costa A, Rodrigues H. Doença Cardiovascular e Doença Renal Crónica. Revista Factores de Risco. 2010; 19: 76-85. 19. Mancia G, De Backer G, Dominiczak A, Cifkova R, Fagard R, Germano G, et al. 2007 Guidelines for the management of arterial hypertension: The Task Force for the Management of Arterial Hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart J. 2007 Jun; 28(12):1462-1536. 20. House AA. Cardio-renal syndrome type 4: Epidemiology, Pathophysiology and Treatment. Semin Nephrol. 2012 Jan; 32(1): 40-48. 21. Davenport A, Anker SD, Mebazaa A, Palazzuoli A, Vescovo G, Bellomo R, et al. ADQI 7: the clinical management of the Cardio-Renal syndromes: work group statements from the 7th ADQI consensus conference. Nephrol Dial Transplant. 2010 Jul; 25(7): 2077-2089. 22. Pozo S, Arellano J. Manual de Patologia General. 6ª ed. Spain: Elsevier-Masson; 2007. 23. Berbari A, Mancia G. Cardiorenal Syndrome. Mechanisms, Risk and Treatment. Italy: Springer; 2010. 24. Bongartz LG, Cramer MJ, Doevendans PA, Joles JA, Braam B. The severe cardiorenal syndrome: “Guyton revisited”. Eur Heart J. 2004; 26(1): 11-17. 25. Mahapatra HS, Lalmalsawma R, Singh NP, Kumar M, Tiwari SC. Cardiorenal Syndrome. Iran J Kidney Dis. 2009 Apr; 3(2): 61-70. 26. Shah BN, Greaves K. The Cardiorenal Syndrome: A Review. Int J Nephrol. 2010 Dec; 2011: 920195. doi: 10.4061/2011/920195. 27. McCullough PA. Cardiorenal Syndromes: Pathophysiology to Prevention. Int J Nephrol. 2010 Dec; 2011: 762590. doi:10.4061/2011/762590. 34 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 28. Iyngkaran I, Schneider H, Devarajan P, Anavekar N, Krum H, Ronco C. Cardio-Renal Syndrome: New Perspective in Diagnostics. Semin Nephrol. 2012 Jan; 32(1): 3-17. 29. Scheven L, Van der Velde M, Lambers Heerspink HJ, De Jong PE, Gansevoort RT. Isolated microalbuminuria indicates a poor medical prognosis. Nephrol Dial Transplant. 2013 Mar; doi:10.1093/ndt/gft031. 30. Hawkins R. New Biomarkers of Acute Kidney Injury and the Cardio-renal Syndrome. Korean J Lab Med 2011 Apr; 31(2): 72-80. 31. Ronco C, Cruz D, Noland BW. Neutrophil gelatinase-associated lipocalin curve and neutrophil gelatinase-associated lipocalin extended-range assay: a new biomarker approach in the early diagnosis of acute kidney injury and cardio-renal syndrome. Semin Nephrol. 2012 Jan; 32(1): 121-128. 32. Macdonald S., Arendts G., Nagree Y., Xu XF. Neutrophil Gelatinase-Associated Lipocalin (NGAL) predicts renal injury in acute decompensated cardiac failure: a prospective observational study. BMC Cardiovasc Disord. 2012 Feb; 12:8. doi: 10.1186/1471-2261-12-8. 33. Alvelos M, Pimentel R, Pinho E, Gomes A, Lourenço P, Teles MJ. Neutrophil gelatinaseassociated lipocalin in the diagnosis of type 1 cardio-renal syndrome in the general ward. Clin J Am Soc Nephrol. 2011 Mar; 6(3): 476-481. 34. Mishra J, Dent C, Tarabishi R, Mitsnefes MM, Ma Q, Kelly C. Neutrophil gelatinase-associated lipocalin (NGAL) as a biomarker for acute renal injury after cardiac surgery. Lancet. 2005 Apr; 365(9466): 1231-1238. 35. Prabhu A, Sujatha DI, Ninan B, Vijayalakshmi MA. Neutrophil gelatinase associated lipocalin as a biomarker for acute kidney injury in patients undergoing coronary artery bypass grafting with cardiopulmonary bypass. Ann Vasc Surg. 2010 May; 24(4): 525-531. 36. Hirsch R, Dent C, Pfriem H, Allen J, Beekman R, Ma Q. NGAL is an early predictive biomarker of contrast-induced nephropathy in children. Pediatr Nephrol. 2007 Dec; 22(12): 2089-2095. 37. Cruz DN, Fard A, Clementi A, Ronco C, Maisel A. Role of Biomarkers in the Diagnosis and Management of Cardio-Renal Syndromes. Pediatr Nephrol. 2007 Dec; 22(12): 2089-2095. 38. McMahon GM, Waikar SS. Biomarkers in Nephrology: Core Curriculum 2013. Am J Kidney Dis. 2013 Feb; pii: S0272-6386(13)00026-7. doi: 10.1053/j.ajkd.2012.12.022. 39. Herget-Rosenthal S, Marggraf G, Hüsing J, Göring F, Pietruck F, Janssen O, et al. Early detection of acute renal failure by serum cystatin C. Kidney Int. 2004 Sep; 66(3): 1115–1122. 40. Bachorzewska-Gajewska H, Malyszko J, Sitniewska E, Malyszko JS, Dobrzycki S. Neutrophil gelatinase-associated lipocalin (NGAL) correlations with cystatin C, serum creatinine and eGFR 35 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais in patients with normal serum creatinine undergoing coronary angiography. Nephrol Dial Transplant. 2007 Jan; 22: 295–296. 41. Lassus JP, Nieminen MS, Peuhkurinen K, Pulkki K, Siirilä-Waris K, Sund R, et al. Markers of renal function and acute kidney injury in acute heart failure: definitions and impact on outcomes of the cardiorenal syndrome. Eur Heart J. 2010 Nov; 31(22): 2791-2798. 42. Tang WH, Van Lente F, Shrestha K, Troughton RW, Francis GS, Tong W, et al. Impact of myocardial function on cystatin C measurements in chronic systolic heart failure. J Card Fail. 2008 Jun; 14(5): 394-399. 43. Dupont M, Wu Y, Hazen SL, Tang WH. Cystatin C identifies patients with stable chronic heart failure at increased risk for adverse cardiovascular events. Circ Heart Fail. 2012 Sep; 5(5): 602609. 44. Portilla D, Dent C, Sugaya T, Nagothu KK, Kundi I, Moore P, et al. Liver fatty acid-binding protein as a biomarker of acute kidney injury after cardiac surgery. Kidney Int. 2008 Feb; 73(4): 465-472. 45. Iwanaga Y, Miyazaki S. Heart Failure, Chronic Kidney Disease, and Biomarkers - An Integrated Viewpoint. Circ J. 2010 Jul; 74(7): 1274-1282. 46. Maisel AS, Katz N, Hillege HL, Shaw A, Zanco P, Bellomo R, et al. Biomarkers in kidney and heart disease. Nephrol Dial Transplant. 2011 Jan; 26(1): 62-74. 47. Ronco C, Cruz D. Biomarkers in cardio-renal syndromes (Rassegna). Ligand Assay. 2009; 14(4): 340–349. 48. Kitagawa M, Sugiyama H, Morinaga H, Inoue T, Takiue K, Kikumoto Y, et al. Serum highsensitivity cardiac troponin T is a significant biomarker of left-ventricular diastolic dysfunction in subjects with non-diabetic chronic kidney disease. Nephron Extra. 2011 Jan; 1(1): 166-177. 49. Lele S, Shah S, McCullough PA, Rajapurkar M. Serum catalytic iron as a novel biomarker of vascular injury in acute coronary syndromes. EuroIntervention. 2009 Ago; 5(3): 336-342. 50. Rajapurkar MM, Shah SV, Lele SS, Hegde UN, Lensing SY, Gohel K, et al. Association of catalytic iron with cardiovascular disease. Am J Cardiol. 2012 Feb; 109(3): 438-442. 51. Koniari K., Nikolaou M., Paraskevaidis I., Parissis J. Therapeutic Options for the Management of the Cardiorenal Syndrome. Int J Nephrol. 2010 Dec 15; 2011:194910. doi:10.4061/2011/194910. 52. Pokhrel N, Maharjan N, Dhakal B, Arora RR. Cardiorenal Syndrome: a Literature Review. Exp Clin Cardiol. 2008; 13(4): 165–170. 36 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 53. Felker GM, Lee KL, Bull DA, Redfield MM, Stevenson LW, Goldsmith SR, et al. Diuretic Strategies in Patients with Acute Decompensated Heart Failure. N Engl J Med. 2011 Mar; 364: 797-805. 54. Muñoz D, Felker GM. Aproaches to decongestion in patients with acute decompensated heart failure. Curr Cardiol Rep. 2013 Feb; 15(2):335. 55. Salvador DR, Rey NR, Ramos GC, Punzalan FE. Continuos infusion versus bolus injection of loop diuretics in congestive heart failure. Cochrane Database Systematic Reviews [Internet] 2004 [cited 2013 Apr 10] Available from http://onlinelibrary.wiley.com/doi/ 10.1002/14651858.CD003178.pub2/full 56. Pitt B., Zannad F, Willem J. Remme WJ, Cody R, Perez CA, et al. The Effect of Spironolactone on Morbidity and Mortality in Patients with Severe Heart Failure. N Engl J Med 1999; 341:709717. 57. Pitt B, Remme W, Zannad F, Neaton J, Martinez F, Roniker B, et al. Eplerenone, a Selective Aldosterone Blocker, in Patients with Left Ventricular Dysfunction after Myocardial Infarction. N Engl J Med. 2003 Apr; 348:1309-132. 58. Bramlage P, Turgonyi E, Montalescot G. Aldosterone blockade: current research and future trends. European Heart Journal Supplements. 2011; 13 (Suppl B): B46–B50. 59. Liang KV, Williams AW, Grenne EL, Redfield MM. Acute descompensated heart failure and the cardiorenal syndrome. Crit Care Med. 2008 Jan; 36(1 Suppl): S75-S88. 60. Kellum A, Decker J. Use of Dopamine in acute renal failure: A meta-analysis. Crit Care Med. 2001 Ago; 29: 1526-1531. 61. Nieminen MS. Levosimendan compared with dobutamine in low output patients. Minerva Anestesiol. 2003 Apr; 69(4): 258-63. 62. Mathieu S, Craig G. Levosimendan in the treatment of acute heart failure, cardiogenic and septic shock: a critical review. JIMS. 2011 Jan; 12(1): 15-24. 63. Sackner-Bernstein JD, Skopicki HA, Aaronson KD. Risk of worsening renal function with Nesiritide in patients with acutely decompensated heart failure. Circulation. 2005 Mar; 111: 1487-1491. 64. Yancy CW, Singh A. Potencial aplications of outpatient Nesiritide infusions in patients with advanced heart failure and concomitant renal insufficiency. Am J Coll Cardiol. 2006 Jul; 47: 2334-2335. 65. Mentzer RM, Oz MC, Sladen RN, Graeve AH, Hebeler RF, Luber JM, et al. Effects of perioperative Nesiritide in patients with left ventricular dysfunction undergoing cardiac surgery: the NAPA Trial. J Am Coll Cardiol. 2007 Feb; 49(6): 716-726. 37 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 66. McMurray J, Adamopoulos S, Anker SD, Auricchio A, Böhm M, Dickstein K, et al. ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. European Heart Journal. 2012; 33: 1787–1847. 67. Martins H, Pedro N, Castellano M, Monteiro P, Moura JJ, Providência LA. Síndrome Cardio-renal Os desafios no tratamento da Insuficiência Cardíaca. Acta Med Port. 2011; 24(2): 285-292. 68. Ali SS, Olinger CC, Sobokotka P, Bernard S, Dahle TG, Bunt MC, et al. Enhanced sodium extraction with ultrafiltration compared with intravenous diuretics. J Card Fail. 2006; 12(6 Suppl): S114. 69. Constanzo M, Guglin M, Saltzberg M, Jessup M, Bart B, Teerlink J, et al. Ultrafiltration versus intravenous diuretics for patients hospitalized for acute decompensated heart failure. J Am Coll Cardiol. 2007 Feb; 49(6): 675-683. 70. Bart B, Goldsmith S, Lee K, Givertz M, O'Connor C, Bull D, et al. Ultrafiltration in Decompensated Heart Failure with Cardiorenal Syndrome. N Engl J. 2012 Dec; 367(24):2296-2304. 71. Parissis JT, Kourea K, Panou F, Farmakis D, Paraskevaidis I, Ikonomidis I, et al. Effects of darbepoetin alpha on right and left ventricular systolic and diastolic function in anemic patients with chronic heart failure secondary to ischemic or idiopathic dilated cardiomyopathy. Am Heart J. 2008 Apr; 155(4):751.e1-7. 72. Parissis JT, Kourea K, Andreadou I, Ikonomidis I, Markantonis S, Ioannidis K, et al. Effects of Darbepoetin Alfa on plasma mediators of oxidative and nitrosative stress in anemic patients with chronic heart failure secondary to ischemic or idiopathic dilated cardiomyopathy. Am J Cardiol. 2009 Apr; 103(8):1134-1138. 73. Sandhu A, Soman S, Hudson M, Besarab A. Managing anemia in patients with chronic heart failure: what do we know? Vasc Health Risk Manag. 2010 Apr; 6: 237-252. 74. Swedberg K, Young JB, Anand IS, Cheng S, Desai AS, Diaz R, et al. Treatment of Anemia with Alfa in Systolic Heart Failure. N Engl J Med. 2013 Mar; 368: 1210-1219. 75. Gheorghiade M, Konstam M, Burnett J, Grinfeld L, Maggioni A, Swedberg K, et al. Short-term clinical effects of tolvaptan, an oral vasopressin antagonist, in patients hospitalized for heart failure: the EVEREST Clinical Status Trials. JAMA. 2007; 297(12): 1332-1343. 76. Konstam M, Gheorghiade M, Burnett J, Grinfeld L, Maggioni A, Swedberg K, et al. Effects of oral tolvaptan in patients hospitalized for worsening heart failure: the EVEREST Outcome Trial. JAMA. 2007; 297(12):1319-1331. 77. Dohadwala MM, Givertz MM. Role of adenosine antagonism in the cardiorenal syndrome. Cardiovasc Ther. 2008; 26(4): 276-286. 38 Síndrome Cardiorenal: Diagnóstico e Terapêuticas Atuais 78. Gottlieb S, Brater D, Thomas I, Havranek E, Bourge R, Goldman S, et al. BG9719 (CVT-124), an A1 adenosine receptor antagonist, protects against the decline in renal function observed with diuretic therapy. Circulation. 2002 Mar; 105(11): 1348-1353. 79. Voors A., Dittrich H., Massie B., DeLucca P., Mansoor G., Metra M, et al. Effects of the adenosine A1 receptor antagonist rolofylline on renal function in patients with acute heart failure and renal dysfunction: results from PROTECT (Placebo-Controlled Randomized Study of the Selective Adenosine A1 Receptor Antagonist Rolofylline for Patients Hospitalized with Acute Decompensated Heart Failure and Volume Overload to Assess Treatment Effect on Congestion and Renal Function). J Am Coll Cardiol. 2011; 57(19): 1899-1907. 80. Di Pasquale P, Sarullo F, Paterna S. Novel strategies: challenge loop diuretics and sodium management in heart failure--part II. Congest Heart Fail. 2007; 13(3): 170-176. 81. Paterna S, Di Pasquale P, Parrinello G, Fornaciari E, Di Gaudio F, Fasullo S, et al. Changes in brain natriuretic peptide levels and bioelectrical impedance measurements after treatment with high-dose furosemide and hypertonic saline solution versus high-dose furosemide alone in refractory congestive heart failure: a double-blind study. J Am Coll Cardiol. 2005; 45(12): 1997-2003. 82. Madyoon H, Terstein P, Baim D, Croushore L, Anderson E, Mathur V. Different effects between intravenous and local renal delivery of fenoldopam on renal function and blood pressure: a randomized controlled trial. American Journal of Cardiology. 2004; 94(6 suppl):22E–23E. 83. Davenport A, Anker SD, Mebazaa A, Palazzuoli A, Vescovo G, Bellomo R, et al. ADQI 7: the clinical management of the Cardio-Renal syndromes: work group statements from the 7th ADQI consensus conference. Nephrol Dial Transplant. 2010 Jul; 25(7): 2077-2089. 84. House AA, Haapio M, Lassus J, Bellomo R, Ronco C. Pharmacological management of Cardiorenal Syndromes. Int J Nephrol. 2011 May; 2011: 630809. 85. Han WK, Wagener G, Zhu Y, Wang S, Lee HT. Urinary biomarkers in the early detection of acute kidney injury after cardiac surgery. Clin J Am Soc Nephrol. 2009; 4(5):873-882. 39