0 UNIVERSIDADE DO EXTREMO SUL CATARINENSE - UNESC CURSO DE ENGENHARIA AMBIENTAL THIAGO DO CANTO AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE DE PERCOLADOS DO ATERRO SANITÁRIO DO MUNICÍPIO DE ARARANGUÁ/SC, UTILIZANDO-SE Artemia sp. e Allium cepa L. COMO ORGANISMOS BIOINDICADORES. CRICIÚMA, JUNHO DE 2009. 1 THIAGO DO CANTO AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE DE PERCOLADOS DO ATERRO SANITÁRIO DO MUNICÍPIO DE ARARANGUÁ/SC, UTILIZANDO-SE Artemia sp. e Allium cepa L. COMO ORGANISMOS BIOINDICADORES. Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado para a obtenção do grau de Engenheiro Ambiental no Curso de Engenharia Ambiental da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC. Orientador: Prof. Dr. Reginaldo Geremias CRICIÚMA, JUNHO DE 2009. 2 THIAGO DO CANTO AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE DE PERCOLADOS DO ATERRO SANITÁRIO DO MUNICÍPIO DE ARARANGUÁ/SC, UTILIZANDO-SE Artemia sp. e Allium cepa L. COMO ORGANISMOS BIOINDICADORES Trabalho de Conclusão de Curso aprovado pela Banca Examinadora para obtenção do Grau de Engenheiro Ambiental, no Curso de Engenharia Ambiental da Universidade do Extremo Sul Catarinense, UNESC, com linha de Pesquisa em Ecotoxicologia. Criciúma, junho de 2009. BANCA EXAMINADORA Prof. Dr. Reginaldo Geremias – UNESC Profª MSc. Nadja Zim Alexandre - IPAT Prof. MSc. Cláudio Ricken - UNESC 3 Dedico este trabalho de Conclusão de Curso em primeiro lugar a DEUS, porque sem ele nada alcançamos; a minha mãe e meu pai, já que sem eles eu não iria conseguir, pois eles sempre se empenharam para promover meus estudos e me apoiaram nas horas mais difíceis e colherão a partir da aprovação deste Trabalho de Conclusão de Curso os frutos que plantaram. A meu orientador, Reginaldo Geremias, por exercer com competência o seu trabalho, transmitindo os seus conhecimentos de forma clara, objetiva e dedicada. Enfim, a todos os professores que passaram seus conhecimentos sem medir esforços; colegas e alguns amigos que vou levar comigo, que de alguma forma contribuíram para a realização desta conquista. 4 A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao Einstein). seu tamanho original (Albert 5 RESUMO O presente trabalho teve como objetivo geral avaliar a toxicidade de percolados de aterro sanitário do município de Araranguá/SC, utilizando-se Artemia sp. e Allium cepa L. como organismos bioindicadores. Para tanto, microcrustáceos Artemia sp (n = 40) foram expostos por 24 horas a 2 mL de diluições seriadas de percolado (100; 50; 25; 12,5; 6,25; 3,12; 1,56; 0,78; 0,39; 0,19 e 0,09 %) em placas multipoços, à temperatura ambiente e ao abrigo da luz, utilizando-se solução salina (3%) como controle negativo. Ao final da exposição, foi avaliada a toxicidade aguda, por meio da determinação da concentração letal (CL50). Allium cepa L. (n = 6) também foram expostas a 50 mL de percolado, bem como, à água mineral comercial (controle negativo), por 7 dias, à temperatura ambiente e ao abrigo da luz. Ao final da exposição, a toxicidade subaguda foi avaliada através da determinação da inibição do comprimento das raízes, número de raízes, peso médio das raízes e peso dos bulbos. Os resultados obtidos permitem demonstrar que os microcrustáceos Artemia sp. não se mostraram sensíveis ao teste, uma vez que o percolado não promoveu toxicidade aguda sobre esses organismos bioindicadores. Por sua vez, o percolado foi capaz de promover significativa (P<0,05) diminuição do número de raízes, crescimento das raízes, peso médio das raízes e ganho de peso dos bulbos em Allium cepa L. (8,7 ± 6,0; 0,9 ± 0,5 cm; 0,4 ± 0,2 µg; 2,1 ± 1,1 %, respectivamente), quando comparado ao controle negativo (22,5 ± 11,1; 6,0 ± 1,6 cm; 1,9 ± 1,3 µg; 6,1 ± 1,3 %, respectivamente). A partir dos resultados obtidos, pode-se concluir que o percolado promoveu toxicidade subaguda em Allium cepa L., o que poderia estar associada à presença de contaminantes em solução, os quais seriam capazes de comprometer os mecanismos de proteção da planta. Também se pode sugerir o uso de Allium cepa L. como organismo bioindicador de avaliação de toxicidade dos percolados gerados no Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC. Palavras-chave: Percolado. Toxicidade. Artemia sp. Allium cepa L. 6 LISTA DE FIGURAS Figura 1. Vista aérea do Aterro Sanitário e de suas lagoas de estabilização.. 28 Figura 2. Percolado do Aterro Sanitário........................................................... 29 Figura 3. Presença de catadores no Aterro Sanitário...................................... 29 Figura 4. Presença de bovinos (a) e aves (b) no Aterro Sanitário................... 30 Figura 5. Etapas do ensaio de toxicidade aguda em Artemia sp..................... 32 Figura 6. Etapas do ensaio de toxicidade subaguda em Allium cepa L........... 33 Figura 7. Número de raízes (a), comprimento das raízes (b), peso médio das raízes (c) e ganho de peso dos bulbos (d) em Allium cepa L. (n=6) expostas ao percolado (EP) e água mineral como controle negativo (CN). Os resultados estão expressos em Média ± Desvio Padrão. Diferença significativa em relação ao CN (**P<0,01 e *** P<0,001)................................ 37 7 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Toxicidade aguda em Artemia sp. exposta a diferentes concentrações do percolado............................................................................. 34 8 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CL50 - Concentração Letal para 50% dos organismos testes. CE50 - Concentração Efetiva para 50% dos organismos testes. CE10 - Concentração Efetiva para 10% dos organismos testes. RC50 - Redução em 50% do crescimento das raízes. OMS - Organização Mundial da Saúde. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas DQO - Demanda Química de Oxigênio. DBO - Demanda Bioquímica de Oxigênio. CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................10 2 OBJETIVOS...........................................................................................................11 2.1 Objetivo geral ....................................................................................................11 2.2 Objetivos específicos........................................................................................11 3 JUSTIFICATIVA.....................................................................................................12 4 REFERENCIAL TEÓRICO.....................................................................................13 4.1 Aterro Sanitário .................................................................................................13 4.2 Resíduos Sólidos de Aterro Sanitário .............................................................14 4.3 Operação do Aterro Sanitário ..........................................................................15 4.3.1 Estrutura do Aterro Sanitário ........................................................................16 4.3.2 Rotina operacional do Aterro Sanitário........................................................17 4.4 Aterro Sanitário e geração de percolado ........................................................19 4.5 Sistemas de tratamento de percolado.............................................................20 4.5.1 Tratamento por processos físicos ................................................................20 4.5.2 Tratamento biológico .....................................................................................21 4.5.3 Tratamento químico .......................................................................................22 4.5.4 Tratamentos alternativos...............................................................................22 4.6 Avaliação da toxicidade de percolados em organismos bioindicadores.....23 4.7 Aterro Sanitário de Araranguá e geração de percolado potencialmente tóxico........................................................................................................................26 5 METODOLOGIA ....................................................................................................31 5.1 Coleta do percolado ..........................................................................................31 5.2 Toxicidade aguda em microcrustáceos e Artemia sp....................................31 5.3 Toxicidade subaguda em Allium cepa L. ........................................................32 5.4 Análise estatística .............................................................................................33 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................................34 6.1 Toxicidade aguda em microcrustáceos e Artemia sp....................................34 6.2 Toxicidade subaguda em Allium cepa L .........................................................36 7 CONCLUSÃO ........................................................................................................41 REFERÊNCIAS.........................................................................................................42 APÊNDICE................................................................................................................45 ANEXOS ...................................................................................................................47 10 1 INTRODUÇÃO A urbanização feita sem avanços qualitativos de infraestrutura pode acarretar uma série de alterações ambientais que prejudicam a qualidade de vida da população. Neste contexto, tem-se observado que, por meio da urbanização e consumismo desenfreados, a sociedade sofreu uma mudança de hábitos considerados mais atraentes e confortáveis ao seu viver. Isso que pode ser evidenciado pelo aumento da utilização de produtos descartáveis e, conseqüentemente, uma grande produção de resíduos secos e orgânicos. A disposição final desses resíduos é considerada como um dos principais problemas ambientais, pois é capaz de provocar sérios impactos ao meio, gerando diversos subprodutos poluentes, dentre eles, o percolado de aterro sanitário. O Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC insere-se neste contexto, uma vez que, atualmente, apresenta uma deposição inadequada do percolado gerado, estando o mesmo exposto a céu aberto nas lagoas de estabilização. Desta forma, há possibilidade de contaminação do solo e mananciais hídricos e consequente toxicidade à biota exposta, sugerindo a necessidade de avaliação da qualidade deste efluente. Para a avaliação da qualidade de contaminantes ambientais, tem-se sugerido o uso de organismos bioindicadores através de teste de toxicidade aguda em microcrustáceos (ex: Artemias) e subaguda em plantas (ex: Allium cepa L.), além de outros organismos. Neste sentido, o presente trabalho propôs avaliar a toxicidade do percolado do aterro sanitário do Município de Araranguá, utilizando-se de Artemia sp. e Allium cepa L como organismos bioindicadores. A expectativa é de que esta pesquisa possa contribuir para uma melhor avaliação da qualidade do percolado em estudo, dos possíveis danos provocados ao meio ambiente, bem como, para a elaboração de projetos que visem à melhoria da disposição final dos resíduos do aterro e seu percolado. 11 2 OBJETIVOS 2.1 Objetivo geral O objetivo geral deste trabalho foi avaliar a toxicidade de percolados do Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC, utilizando-se Artemia sp. e Allium cepa L. como organismos bioindicadores. 2.2 Objetivos específicos Os objetivos específicos foram: . Estudar os pressupostos teóricos básicos sobre aterros sanitários e seus percolados; . Determinar a toxicidade aguda em organismo bioindicador Artemia sp. expostos a percolados do aterro sanitário, através da determinação da concentração letal (CL50); . Determinar a toxicidade subaguda em organismo bioindicador Allium cepa L. expostos a percolados do aterro sanitário, através da determinação da inibição do comprimento das raízes, número de raízes, peso médio das raízes e peso dos bulbos; . Sugerir o uso destes bioensaios para a avaliação da qualidade do percolado, com vistas a um melhor entendimento dos seus impactos sobre o meio ambiente e à saúde da população do seu entorno. 12 3 JUSTIFICATIVA Dentre os principais problemas encontrados, visivelmente, no Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC está a deposição inadequada do percolado exposto a céu aberto nas lagoas de estabilização. Tem-se proposto que percolados de aterro se caracterizam por uma elevada concentração de matéria orgânica e metais pesados potencialmente tóxicos, podendo provocar riscos para o ecossistema e comprometer a qualidade de vida das comunidades que vivem no seu entorno. Neste sentido, faz-se necessária a avaliação dos possíveis impactos provocados pelo percolado. Em geral, para a avaliação da qualidade de contaminantes ambientais, tem-se sugerido a determinação de parâmetros físico-químicos. Entretanto, estes parâmetros são limitados em prever os impactos que uma solução complexa pode causar no ecossistema. Neste contexto, pode-se sugerir testes ecotoxicológicos sobre organismos bioindicadores como ferramenta complementar de avaliação. Para este propósito, tem-se indicado teste de toxicidade aguda em microcrustáceos como Artemia sp. e subaguda em plantas como Allium cepa L., uma vez que oferecem benefícios como sensibilidade, reprodutibilidade, resposta em breve período de tempo, necessidade de pouco volume de amostra de contaminantes e baixo custo. Portanto, a necessidade da avaliação da qualidade do percolado em estudo e a indicação de testes ecotoxicológicos para esta finalidade justificaram a implementação deste trabalho. 13 4 REFERENCIAL TEÓRICO Para que se obtenha um melhor entendimento da temática estudada no presente trabalho, faz-se necessário os estudos dos fundamentos teóricos básicos acerca da caracterização de aterro sanitário e dos percolados, os quais serão descritos a seguir. 4.1 Aterro Sanitário A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saneamento como o controle de fatores que atuam sobre o meio ambiente e que exercem, ou podem exercer, efeitos prejudiciais ao bem-estar físico, mental ou social do homem. Dentro desta definição, encontra-se o conceito de limpeza urbana, que engloba serviços de coleta, tratamento e destinação final dos resíduos sólidos. Com a intensificação do processo industrial, aliada ao crescimento da população e à consequente demanda por bens de consumo, o homem tem produzido quantidades significativas de resíduos sólidos, que acabam sendo constituídos de uma mistura muito complexa e de natureza diversa. (CÉLERE, 2007). Segundo a pesquisa nacional de saneamento básico, o Brasil produz diariamente cerca de 230.000 toneladas de resíduos sólidos, sendo que, quase todos esses resíduos, são dispostos no solo em forma de aterros sanitários, aterros controlados ou vazadouros a céu aberto. Atualmente, a disposição dos resíduos em aterros sanitários é a forma mais viável dentro da realidade brasileira, tanto pelo ponto de vista técnico quanto econômico. (IBGE, 2000). A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em sua norma NBR 8419/1984 define Aterro Sanitário como sendo a técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, sem causar danos à saúde pública e à sua segurança, minimizando os impactos ambientais. Este método utiliza princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos à menor área possível e reduzi-los ao menor volume permissível, cobrindo-os com uma camada de terra na conclusão de cada jornada de trabalho ou a intervalos menores, se necessário. 14 O aterro controlado é uma técnica de disposição de resíduos sólidos urbanos no solo, com minimização de impactos ambientais. Nesse método utilizamse alguns princípios de engenharia para confinar os resíduos sólidos, cobrindo-os com uma camada de material inerte na conclusão de cada jornada de trabalho. (LANZA, 2005). O aterro controlado apresenta menores exigências para proteção ambiental e cujas recomendações técnicas descritas na NBR 8849/1985/ ABNT são mais simplificadas comparadas ao aterro sanitário. Nos aterros controlados não há a impermeabilização do solo e não é prevista a implantação de sistema de drenagem de gases. Este método não pode ser considerado como solução definitiva para o correto equacionamento da disposição final de resíduos sólidos, uma vez que é grande seu potencial de impacto ambiental, notadamente no que se refere à poluição das águas superficiais e subterrâneas e do solo devido à falta de impermeabilização do solo. (NBR 8849/1985). Os vazadouros a céu aberto são uma forma inadequada de disposição final de resíduos sólidos, sendo caracterizados pela sua descarga sobre o solo, sem critérios técnicos e medidas de proteção ambiental ou à saúde pública. Os resíduos assim lançados acarretam problemas à saúde pública, como a proliferação de vetores de doenças (ex: moscas, mosquitos, baratas, ratos, entre outros), geração de odores desagradáveis e, principalmente, poluição do solo e das águas superficiais e subterrâneas pelo percolado. (LANZA, 2005). 4.2 Resíduos sólidos de Aterro Sanitário A NBR 10004/2004 da ABNT define resíduos nos estados sólido e semisólidos os que resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. O mesmo dispositivo legal classifica os resíduos sólidos em resíduos classe I – Perigosos, Classe II – Não perigosos, sendo este último subdividido em Classe IIA e Classe IIB. Resíduos Classe I são aqueles que apresentam periculosidade, a qual é definida como sendo a característica apresentada por um resíduo que, em função de suas propriedades físicas, químicas ou infecto-contagiosas, pode apresentar risco à saúde pública, provocando mortalidade, incidência de doenças ou acentuando seus índices, bem como, riscos ao meio ambiente, quando o resíduo for gerenciado de 15 forma inadequada. As principais características apresentadas por esta classe de resíduos são inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade. Resíduos Classe II são aqueles caracterizados como não perigosos, os quais incluem-se resíduos de restaurante, sucata de metais ferrosos e não ferrosos, resíduo de papel e papelão, resíduos de plástico polimerizado, resíduos de borracha, resíduo de materiais têxteis, resíduos de minerais não-metálicos, areias de fundição, bagaço de cana entre outros. Define-se Resíduos Classe II A como sendo aqueles não inertes, que não se enquadram nas classificações de resíduos classe I - Perigosos ou de Resíduos Classe II B - Inertes. Estes resíduos podem ter propriedades como biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em água. Resíduos Classe II B - Inertes são quaisquer resíduos que, quando amostrados de uma forma representativa e submetidos a um contato dinâmico e estático com água destilada ou desionizada, à temperatura ambiente, não tiverem nenhum de seus constituintes solubilizados a concentrações superiores aos padrões de potabilidade de água, excetuando-se aspecto, cor, turbidez, dureza e sabor. (NBR 10004-2004). 4.3 Operação do Aterro Sanitário A necessidade de se fazer manejo e gerenciamento adequado dos resíduos sólidos é um grande desafio e, nesse contexto, os aterros sanitários constituem-se em peças de fundamental importância. Segundo Tsuhako (2004), a disponibilidade de áreas para a disposição de resíduos é cada vez mais escassa à medida que cresce a urbanização e a taxa de geração de resíduos sólidos, requerendo a seleção de locais cada vez mais precisa e criteriosa. A disposição final de resíduos em áreas impróprias e executadas sem estudo detalhado do local provoca sérios problemas ambientais e sociais. O local ideal à implantação de um Aterro Sanitário deve reunir condições técnicas, econômicas e ambientais com vistas a evitar ou minimizar impactos (TSUHAKO, 2004), sendo que tais condições serão descritas a seguir. 16 4.3.1 Estrutura do Aterro Sanitário Para a operacionalização de um Aterro Sanitário é necessário seguir métodos adequados de disposição final dos resíduos, devendo contar com todos os elementos de proteção ambiental, que são: sistema de impermeabilização de base e laterais, sistema de cobertura, sistema de coleta e drenagem de líquidos percolados, sistema de tratamento de líquidos percolados, sistema de coleta e tratamentos dos gases, sistema de drenagem superficial e sistema de monitoramento. Embora consistindo em uma técnica simples, os Aterros Sanitários exigem cuidados especiais e procedimentos específicos devem ser seguidos, desde a escolha da área, até a sua operação e monitoramento. (LANZA, 2005). Para uma melhor operação dos Aterros Sanitários, os mesmos devem apresentar importantes componentes estruturais: guarita/portaria, isolamento, sinalização, cinturão verde, iluminação e rede elétrica, comunicação, abastecimento de água, instalações de apoio operacional, área de disposição de resíduos, sistema de tratamento de percolados e instrumentos de monitoramento. (LANZA, 2005). Na guarita ou portaria, são realizados os trabalhos de recepção, inspeção e controle dos caminhões e veículos que chegam na área do aterro. A área dever ser isolada com cerca e portão, construídos de forma a impedir o acesso de pessoas estranhas e animais. A sinalização consiste na colocação de placas indicativas das unidades e advertência nos locais de risco. No perímetro da instalação pode-se criar um cinturão verde composto de uma cerca viva com espécies arbóreas. Os acessos constituem-se de vias externas e internas, construídas e mantidas de maneira a permitir sua utilização sob quaisquer condições climáticas. No aterro também é indispensável iluminação e rede elétrica para uso dos equipamentos e ações de emergência no período noturno, caso necessário. O sistema de comunicação deve ser implementado por meio da instalação de rede de telefonia fixa, celular ou rádio, para comunicação interna e externa. O aterro deve apresentar ligação à rede pública de abastecimento de água tratada ou outra forma de abastecimento, para uso nas instalações de apoio e para umedecimento das vias de acesso. Deve haver, também, a instalações de apoio operacional, como prédio administrativo, contendo no mínimo, escritório, refeitório, copa, instalações sanitárias e vestiários. O local deve apresentar área de disposição destinado ao aterramento dos resíduos, previamente preparado com sistemas de impermeabilização de base e das laterais e 17 de drenagens de percolado, de águas pluviais e de gases. Há necessidade, ainda, da implantação do sistema para tratamento dos líquidos percolados do aterro, visando ao atendimento dos padrões de lançamento de efluentes em cursos d’água. Por fim, o Aterro Sanitário deve apresentar instrumentos de monitoramento que consistem em equipamentos para o acompanhamento e controle ambiental do empreendimento, tais como, poços de monitoramento de águas subterrâneas, medidores de vazão, piezômetros e medidores de recalques horizontais e verticais. (LANZA, 2005). 4.3.2 Rotina operacional do Aterro Sanitário Os procedimentos de operação do Aterro Sanitário devem ser sistematizados para que haja uma maior eficiência, assegurando seu funcionamento como destinação final sanitária e ambientalmente adequada dos resíduos sólidos urbanos gerados ao longo de toda a vida útil. Esses procedimentos devem ser registrados em relatórios e arquivados de modo a propiciar a avaliação periódica do empreendimento, assim como, o desenvolvimento de estudos e pesquisas referentes ao desempenho das instalações que o compõem. (LANZA, 2005). A recepção dos resíduos deve ser realizada na portaria/guarita do Aterro Sanitário e consiste na operação de inspeção preliminar, durante a qual os veículos coletores, previamente cadastrados e identificados, são vistoriados sendo verificados a origem, a natureza e a classe dos resíduos que chegam ao empreendimento. Deve-se efetuar a pesagem dos veículos para se ter controle dos volumes diários e mensais dispostos no local. No caso dos Aterros Sanitários que não possuam balança rodoviária, deve ser identificada alternativa para a pesagem dos caminhões em outro local, de forma a possibilitar o controle dos quantitativos dos resíduos recebidos no aterro. (LANZA, 2005). A área de disposição dos resíduos deve ser previamente delimitada por uma equipe técnica de topografia, sendo determinados os limites laterais, a altura projetada e o avanço previsto da frente de operação ao longo do dia. A demarcação da frente de operação diária permite uma melhor manipulação do lixo, tornando o processo mais prático e eficiente. Em locais onde existe a possibilidade de 18 carreamento de materiais pelo vento, recomenda-se a utilização de telas de proteção na frente de operação. (LANZA, 2005). O resíduo deve ser depositado em “pilhas” imediatamente a jusante da frente de operação demarcada. O desmonte dessas pilhas deverá ser feito com o auxílio da lâmina do trator de esteira, seguido do seu espalhamento e compactação até que todo o material disposto em cada camada esteja adequadamente adensado. Periodicamente, deve ser feito um teste de densidade, de forma a verificar o controle da compactação. Ao final de cada jornada de trabalho, o resíduo compactado deve ser recoberto por uma camada de terra ou material inerte, com o objetivo de impedir o arraste de materiais pela ação do vento e evitar a disseminação de odores desagradáveis e a proliferação de vetores como moscas, ratos, baratas e aves. (LANZA, 2005). Uma vez esgotada a capacidade da plataforma do aterro, procede-se à sua cobertura final com uma camada de argila compactada. Após o recobrimento, deve-se proceder ao plantio de gramíneas nos taludes definitivos e platôs, de forma a protegê-los contra a erosão. (LANZA, 2005). Para que se garanta a segura separação da disposição de resíduos do subsolo, impedindo a contaminação do lençol freático e do meio natural através de infiltrações de percolados e/ou substâncias tóxicas, deve-se proceder a impermeabilização da camada da base. Para desempenhar essa função de maneira eficiente, a camada de impermeabilização deve compor-se de solo argiloso de baixa permeabilidade ou geomembrana sintética com espessuras adequadas. (LANZA, 2005). O projeto de Aterro Sanitário deve, necessariamente, contemplar a instalação de rede de drenagem para o percolado e para os gases gerados nas células. O percolado coletado deve ser tratado para que possa ser lançado em corpo receptor, e os gases devem ser queimados ou aproveitados como fonte de energia, para minimizar a contaminação atmosférica. (LANZA, 2005). Por fim, deve-se promover monitoramento e a manutenção da unidade através de sistemas de medições de campo e ensaios de laboratório a serem realizados sistematicamente durante a fase de operação do aterro, e prolonga-se por mais 10 anos, no mínimo, após o término de sua vida útil. O plano de monitoramento deve contemplar a eficácia das medidas mitigadoras e a eficiência sanitária e ambiental do sistema como um todo, possibilitando a verificação de 19 eventuais falhas e/ou deficiências e a implementação de medidas corretivas para evitar o agravamento dos impactos ambientais. (LANZA, 2005). 4.4 Aterro sanitário e geração de percolado Os resíduos depositados em Aterros Sanitários sofrem decomposição, através de processos físicos, químicos e, principalmente, biológicos. Estes processos ocorrem em diferentes etapas e, além da geração de gases, também são formados percolados, através da infiltração de água nas pilhas de resíduos depositados. Os percolados apresentam-se como um líquido escuro e turvo, com odores desagradáveis devido à emissão de gases provenientes do processo de decomposição dos resíduos orgânicos (ex: CH4 , CO2, NH3, H2S ) e, ainda, com altos teores de compostos orgânicos e inorgânicos, na forma dissolvida e coloidal (PACHECO, 2004). A composição do percolado varia consideravelmente dependendo de fatores clímato-ambientais, como o regime pluviométrico, a temperatura, a umidade relativa, além das características do Aterro Sanitário, tais como, geologia, idade, constituição dos resíduos e tecnologia de aterramento. Assim, não é possível estabelecer uma composição fixa para o percolado. De maneira geral, o percolado pode ser considerado como uma matriz de extrema complexidade, composta por quatro frações principais: matéria orgânica dissolvida (formada principalmente por metano, ácidos graxos voláteis, compostos húmicos e fúlvicos), compostos orgânicos xenobióticos (representados por hidrocarbonetos aromáticos, compostos de natureza fenólica e compostos organoclorados alifáticos), macrocomponentes inorgânicos (ex: Ca, Mg, Na, K, NH4+, Fe, Mn, Cl, SO42- e HCO3-) e metais potencialmente tóxicos (ex: Cd, Cr, Cu, Pb, Ni e Zn). Devido à alta concentração de compostos orgânicos e inorgânicos, apresenta viscosidade, densidade e condutividade elétrica comparativamente superior a da água. O pH do percolado pode variar entre a fase ácida e a alcalina, o que depende da sua composição, do estágio de decomposição e ainda da solubilidade das espécies químicas presentes e, em geral, situa-se entre pH 6,5 e 7,5. A Demanda Química de Oxigênio (DQO) do percolado é variável o que depende da característica do aterro, da origem dos 20 resíduos sólidos depositados, das variações térmicas e pluviométricas. (PACHECO, 2004; TEIXEIRA, 2008). O percolado de Aterro Sanitário pode apresentar toxicidade em virtude da presença, em sua composição, de vários compostos potencialmente tóxicos. Os impactos provocados por esse tipo de matriz são geralmente ocorrências de interação sinérgica entre os poluentes presentes. Tem-se proposto que o percolado pode causar doenças através do desenvolvimento de anomalias, baixo peso no nascimento de crianças, incidências de leucemia e outros tipos de câncer. Os efeitos da toxicidade dos compostos orgânicos dos percolados aos organismos aquáticos incluem hepatotoxicidade, imunitoxicidade, carcinogenicidade e alteração no metabolismo que podem levar a diminuições nas taxas de reprodução, predação e decomposição e até a morte. (MORAIS, 2006). Desta forma, faz-se necessário a implementação de sistemas de tratamento dos percolados gerados em Aterro Sanitário como forma de evitar impactos sobre o meio ambiente e conseqüente comprometimento de sua qualidade. 4.5 Sistemas de tratamento de percolado Os principais métodos de tratamento para o percolado podem ser divididos em físicos, biológicos, químicos e alternativos, os quais serão descritos a seguir. 4.5.1 Tratamento por processos físicos O tratamento físico está baseado em processos de separação de fases (sedimentação, decantação, filtração, centrifugação e flotação), transição de fases (destilação, evaporação e cristalização), transferência de fases (extração por solventes e adsorção) e separação molecular baseados na utilização de membranas seletivas (hiperfiltração, ultrafiltração, nanofiltração, osmose reversa e diálise). Esse processo de tratamento pode promover uma completa depuração dos efluentes, porém as substâncias não são efetivamente degradadas ou eliminadas, mas apenas transferidas de uma fase para outra. Nessa nova fase, o volume é drasticamente 21 reduzido, sendo, porém, necessário um sistema para sua disposição final. (PACHECO, 2004). 4.5.2 Tratamento biológico São os processos mais utilizados para o tratamento de percolados, os quais permitem tratar grandes volumes de efluente, transformando compostos tóxicos em CO2 e H2O, com custos relativamente baixos. Esses processos de tratamento são baseados na nutrição dos microrganismos com substrato poluente, podendo ser divididos em aeróbios e anaeróbios, dependendo do aceptor de elétrons utilizados. (PACHECO, 2004). Os processo aeróbios são fundamentados na utilização do oxigênio molecular como aceptor de elétrons, gerando como produto de degradação CO2 e H2O, sendo que as formas mais comuns são lodos ativados e lagoas aeradas. Nas lagoas aeradas, os percolados são submetidos à ação de microorganismos, onde a toxicidade aguda é removida com facilidade, porém a cor e a toxicidade crônica não são facilmente removidas. O tratamento por lodos ativados poderia ser considerado o sistema de biorremediação mais versátil e eficiente, o qual opera com substrato auxiliar, sendo capaz de remover a toxicidade crônica e aguda, com menor tempo de permanência. No lodo existe grande variedade de espécies de bactérias, fungos, protozoários, além de outros microrganismos, favorecendo a redução de um grande número de compostos. (PACHECO, 2004). Os processos anaeróbios ocorrem com microrganismos que se proliferam na ausência de oxigênio e empregando-se algumas formas de carbono, nitrogênio e enxofre (ex. NO3-, CO32-, SO42-) como aceptor de elétrons, levando à geração de CH4 e CO2, além de NH3 e H2S. Uma das formas de tratamento biológico para o percolado é o sistema combinado anaeróbio-aeróbio, o qual aumenta significativamente a eficiência do processo de tratamento, permitindo a redução da área ocupada pelas estações de tratamento e o tempo de residência. (PACHECO, 2004). Os processos facultativos são sistemas baseados numa mistura de microrganismos aeróbios e anaeróbios, o que pode ser conseguido em lagoas com 22 profundidade adequada para o tratamento. Nessas lagoas, a troca gasosa superficial faz com que os processos sejam predominantemente aeróbios. Nas partes mais profundas não há troca de gases, o que favorece a criação de bactérias e outros microrganismos de natureza anaeróbia. (PACHECO, 2004). 4.5.3 Tratamento químico São processos utilizados para o tratamento de percolados resistentes (principalmente para o biológico) e geralmente estão associados a um outro tipo de tratamento, seja ele físico ou biológico. Os principais tipos de tratamento químico são cloração, incineração e processos oxidativos avançados. A cloração é baseada na ação do cloro como desinfetante e oxidante. A incineração consiste na utilização de substrato poluente como fonte de energia, o que leva à mineralização completa dos poluentes. Os processos oxidativos avançados são aqueles em que a principal via reacional é mediada por radical hidroxila (.OH), em função de seu elevado poder oxidante, o que faz com que reaja rápida e indiscriminadamente com inúmeros substratos orgânicos, promovendo a sua completa degradação. (PACHECO, 2004). 4.5.4 Tratamentos alternativos Processos alternativos de tratamento de percolados também são propostos e, dentre os mesmos, encontram-se a atenuação natural em Wetlands e sistemas de recirculação de percolado para o interior do aterro. O processo Wetlands é utilizado para caracterizar vários ecossistemas naturais que ficam inundados. Os Wetlands naturais são conhecidos como várzeas de rios, igapós, banhados, pântanos, formações lacustres de baixa profundidade, grandes ou pequenas áreas com lençol freático muito alto, porém nem sempre com afloramento superficial, os manguezais, entre outros. Pode-se construir Wetlands usando ecossistemas artificiais com diferentes tecnologias, utilizando os princípios básicos de modificação da qualidade de água das Wetlands naturais. (PACHECO, 2004). Há vários tipos de Wetlands, podendo-se citar os que utilizam plantas aquáticas flutuantes, sendo que a espécie mais estudada é a Eichornia crassipis, 23 popularmente conhecida no Brasil como “aguapé”. A sua utilização é devida à capacidade de resistir às águas altamente poluídas com grandes variações de nutrientes, pH, substâncias tóxicas, metais pesados e temperatura. A planta tem uma ação depuradora decorrente da capacidade de adsorção de partículas pelo sistema radicular; pela ação de microrganismos associados à rizosfera e pelo transporte de oxigênio para a rizosfera. Outro tipo de Wetlands é aquele que utiliza plantas aquáticas emergentes, cujo sistema de purificação hídrica é fundamentados no uso de espécies vegetais que se desenvolvem tendo o sistema radicular preso ao sedimento e o caule e as folhas parcialmente submersas. A espécie mais utilizada tem sido a Typha latifólia, conhecida popularmente como “taboa”. Todas as espécies utilizadas são morfologicamente adaptadas para se desenvolverem em sedimentos inundados em decorrência de grandes volumes de espaços internos capazes de transportar oxigênio para o sistema radicular. Parte do oxigênio pode ainda sair do sistema radicular para a área em torno da rizosfera criando condições de oxidação para os sedimentos e para decomposição da matéria orgânica. (PACHECO, 2004). No processo Wetlands, além da adsorção de nutrientes pelas plantas e a degradação de materiais orgânicos por microrganismos situados no solo e que se aderem às raízes, alguns constituintes dos efluentes podem ser imobilizados pelas plantas. (PACHECO, 2004). A recirculação de percolado é um sistema que promove o retorno do percolado para o interior do aterro, onde as bactérias que atuam na decomposição do resíduo serão nutridas pelo mesmo, produzindo e aumentando a atividade bacteriana. As principais vantagens desse tipo de tratamento são a diminuição da carga orgânica do percolado e a redução do seu volume, a melhora na qualidade do gás produzido, com maior pressão parcial de metano. A recirculação é indicada para aterros onde o gás é usado como fonte de energia. (PACHECO, 2004). 4.6 Avaliação da toxicidade de percolados em organismos bioindicadores A introdução de bioensaios de toxicidade na rotina do controle de percolados de Aterros Sanitários é muito importante para a preservação da qualidade de corpos receptores, assegurando o equilíbrio químico do ambiente, 24 condição indispensável para preservá-lo (SILVA, 2002). Os testes de toxicidade são bioensaios que consistem na exposição do organismo teste a diferentes concentrações de uma ou mais substâncias ou fatores ambientais por um determinado período de tempo, visando observar os efeitos sobre as funções biológicas fundamentais como mudança de apetite, crescimento, metabolismo reprodutivo, diminuição da taxa de natalidade, mutações e, até mesmo, a morte. Os testes de toxicidade aquáticas têm sido cada vez mais utilizados para a determinação de efeitos deletérios em virtude, principalmente, do potencial risco da transferência de poluentes do ambiente para os organismos e da avaliação da qualidade da água sobre os mesmo. Com conhecimento da toxicidade é possível controlar a exposição do homem e outros seres a agentes químicos contaminantes, protegendo-os dos riscos potenciais. Além disso, as informações obtidas através dos testes de toxicidade podem ser aplicadas no controle da poluição de um efluente (CETESB, 1986; FONSECA, 1991). A toxicidade pode ser avaliada por meio do efeito que a dose ou concentração de certa substância causará a determinado organismo num determinado intervalo de tempo, sendo que esses efeitos podem ser classificados em agudos, subagudos e crônicos. (SILVA, 2002). A toxicidade aguda corresponde a uma resposta severa e rápida do organismo a um estímulo, em geral, em um período de 24 a 48 horas. A mesma tem sido utilizada para um rápido e relativamente simples monitoramento da resposta biológica, onde existe apenas um parâmetro envolvido, qual seja, vida ou morte, sendo que os resultados podem ser facilmente tratados estatisticamente. O ensaio de letalidade permite a avaliação da toxicidade geral e, portanto, é considerado essencial como bioensaio preliminar no estudo de compostos com potencial atividade biológica. A toxicidade subaguda se caracteriza por um tempo de exposição mais prolongado, em geral, com duração de semanas a meses, onde podem ser observadas alguns parâmetros, tais como, aspectos biométricos (ex: ganho de peso e crescimento), alterações comportamentais, fisiológicas, bioquímicas, entre outras. A toxicidade crônica, por sua vez, corresponde à resposta a um estimulo prolongado ou contínuo, por um longo período de tempo, podendo abranger parte ou todo o ciclo de vida do organismo. Por meio desses testes, determina-se o potencial tóxico de um agente químico ou de uma mistura complexa, sendo os efeitos desses poluentes mensurados através da resposta de organismos 25 vivos, que reagem de forma diferente para um mesmo composto. (CAVALCANTE, 1999; SILVA, 2002; FERREIRA, 2007). A utilização de ensaios de toxicidade é muito importante para se obter uma melhor avaliação da qualidade de efluentes, incluindo-se os percolados gerados em Aterros Sanitários. Para tanto, tem-se sugerido uma grande variedade de técnicas que utilizam organismos bioindicadores, células isoladas, organelas, sistemas enzimáticos, entre outras, os quais são capazes de avaliar o grau de toxicidade de diversas fontes de contaminação ambiental. Em geral, os organismos bioindicadores são utilizados em metodologias cujo objetivo consiste em testar a sua sobrevida e, para este propósito, tem-se indicado teste de toxicidade aguda em microcrustáceos (ex: Artemias) e subaguda em plantas (ex: Allium cepa L.), além de outros organismos como bactérias, fungos e animais (SVENSSON et al., 2005; SAURABH et al., 2005). O microcrustáceo Artemia sp. é considerado um consumidor primário ou secundário, e constituem um importante elo entre os níveis inferiores e superiores da cadeia alimentar de um ecossistema. Este organismo é característico de poços e lagos de água salgada e apresenta uma grande adaptação às variações de salinidade. Os nauplius da Artemia sp. são utilizados internacionalmente em testes de toxicidade por apresentarem características significativas, tais como, grande potencial reprodutivo, fácil aquisição no mercado e manutenção em laboratório, cistos de fácil eclosão e boa reprodutividade dos testes. (SILVA, 2002). Diversos trabalhos têm relatado com sucesso o uso de plantas superiores como um bioensaio sensível e rápido de screening para a avaliação da contaminação atmosférica, de solos, de águas superficiais e subterrâneas e efluentes residenciais e industriais. Neste contexto, tem-se sugerido o uso de Allium cepa L. (cebola) como organismo bioindicador de aplicação ecotoxicológica para a avaliação de ambientes contaminados. Esta planta vem sendo utilizada como organismos bioindicador para a avaliação ecotoxicológica de ambientes contaminados por vários poluentes, incluindo-se os percolados de aterros sanitários (Teixeira, 2008). Nos ensaios com Allium cepa L. têm sido avaliados diversos parâmetros fitotóxicos, tais como, bioacúmulo de contaminantes em diferentes tecidos (raízes, folhas e bulbos), inibição de crescimento de raízes e folhas, efeitos citogenéticos e mutagênicos, entre outros. O uso deste vegetal em testes ecotoxicológicos tem sido sugerido, uma vez que oferece benefícios como 26 sensibilidade, reprodutibilidade, resposta em breve período de tempo, necessidade de pouco volume de amostra de contaminantes, bem como, baixo custo. Allium cepa L. também tem sido recomendada por agências internacionais de proteção ambiental para avaliação da toxicidade de contaminantes ambiental (GEREMIAS, 2008). Portanto, os organismos bioindicadores Artemia sp. e Allium cepa L poderiam ser utilizados para avaliar a toxicidade do percolado do Aterro Sanitário a ser utilizado em nossos estudos. 4.7 Aterro Sanitário de Araranguá e geração de percolado potencialmente tóxico Em 2003 foi implementado o projeto de construção do Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC. As principais diretrizes previstas na sua implementação estão descritas em seu Memorial Descritivo (Anexo A). De acordo com o referido Memorial Descritivo, a aterro foi instalado na localidade de Ranchinho – Fundo Grande, situado a 5 km da sede do município. O seu terreno foi alugado pela prefeitura municipal e apresenta uma área total de 96.950 m2. O local foi escolhido por apresentar uma distância segura do centro da cidade, sendo que os moradores que residem mais perto estão a 350 metros do mesmo. Não existem nascentes e nem rios nas proximidades, sendo que o mais próximo, Rio Sangradouro, encontra-se a 2.500 metros do aterro em meio a uma extensa plantação de eucaliptos. Conforme o Memorial, a previsão é de que aproximadamente 44.995 habitantes viriam a contribuir com o lixo a ser depositado no aterro, abrangendo com isso 100% da população urbana. No aterro seriam dispostos todos os resíduos coletados na cidade, tanto domésticos, como comerciais e industriais, com exceção de material tóxico ou séptico. A produção per capita de lixo foi calculada em 0,89 Kg/hab/dia e a previsão seria de que o município produziria diariamente 57,14 m3 de lixo. A quantidade de resíduos coletados no município prevista seria de aproximadamente 40 ton/dia. Com a implementação de programas de coleta seletiva e reciclagem prevista para o ano de 2002, a expectativa era de que haveria uma redução de 25% do volume de resíduos a serem dispostos no aterro, com uma 27 previsão de disposição de somente 42,86 m3 de lixo por dia. Os equipamentos utilizados para coleta seriam caminhões compactadores, e para a compactação e cobertura do lixo seria utilizado trator de esteiras. De acordo com o projeto de implementação previsto no Memorial, o terreno destinado ao aterro deveria ser nivelado, utilizando-se o material arenoso do próprio terreno e o restante permanecendo no estoque para ser usado na cobertura das células diárias de resíduos. Com esta alternativa, não seria realizada tubulação de coleta de gases, pois os mesmo drenariam pelo material de cobertura (areia), uma vez que existiriam muitos espaços vazios entre os grãos. As células diárias e a impermeabilização do talude e do terreno seriam feitos com argila (barro vermelho) de baixa permeabilidade. A argila a ser utilizada deveria ter uma capacidade de percolação adequada, sendo que a compactação seria isenta de blocos grandes ou matações, para garantir a proteção do aqüífero no solo, bem como, com a consistência e resistência ideal. Seria conveniente que o solo apresentasse granulometria e índice de plasticidade adequados. No processo de deposição, o lixo seria descarregado no solo por sobre a argila, sendo a compactação executada em rampa com inclinações características e com diversas passadas com esteiras do trator por sobre o lixo. A compactação e cobertura do lixo seria executada com areia retirada do próprio terreno e realizada todos os dias, ao final do período de trabalho. Com esta prática, evitar-se-ia a presença de insetos e roedores. A operação de compactação, além de reduzir o volume do lixo, possibilitaria o tráfego de veículos e equipamentos sobre o aterro. Toda a área seria protegida por valas de forma a facilitar a drenagem pluvial. Para proteção da área contra catadores e animais, estava prevista a construção de uma cerca ao redor do terreno nas suas extremidades e as entradas contariam com portão e cadeado. Por fim, o acesso deveria apresentar plenas condições para que caminhões e máquinas pudessem transitar, mesmo em dias de chuva e, para tanto, deveria ser revestido com seixo rolado ou pedra brita. Apesar de todo o controle de implementação previsto no Memorial, atualmente, a operação do Aterro Sanitário de Araranguá encontra-se desativado em decorrência de embargo promovido pela autoridade judicial, a qual não renovou a concessão de licença de sua operação (Anexo B). Esta decisão veio a ser tomada em virtude de irregularidades presentes no aterro, como a presença de catadores trabalhando na triagem de resíduos de forma desumana, ineficiência nos sistemas 28 de tratamentos de percolado e ausência de monitoramento das águas subterrâneas. Além das irregularidades descritas no documento judicial, percebe-se também a ausência de isolamento da área ao entorno do aterro e das lagoas de estabilização, bem como, presença de moradores nas proximidades do local e de animais que ingerem água destas lagoas, o que pode promover riscos à saúde em virtude do potencial tóxico dos percolados. Nas figuras 1 e 2 estão apresentadas fotos atuais do aterro em questão e nas figuras 3 e 4 pode-se observar alguns desses problemas apontados. Figura 1. Vista aérea do Aterro Sanitário e de suas lagoas de estabilização. Fonte: dados da pesquisa 29 Figura 2. Percolado do Aterro Sanitário Fonte: dados da pesquisa. Figura 3. Presença de catadores no Aterro Sanitário Fonte: dados da pesquisa. 30 a b Figura 4. Presença de bovinos (a) e aves (b) no Aterro Sanitário. Fonte: dados da pesquisa. A partir desta realidade constatada no aterro, é de suma importância que se efetue estudos de toxicidade destes percolados como forma de melhor avaliar os seus impactos sobre o meio ambiente e à saúde da população do seu entorno. Neste sentido é que o presente trabalho se propôs a avaliar a toxicidade do percolado gerado no Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC, utilizando Artemia sp. e Allium cepa L como organismos bioindicadores para melhor compreender estes impactos. 31 5 METODOLOGIA 5.1 Coleta do Percolado Amostras de percolados (5 L) foram coletadas na lagoa de estabilização do Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC, sendo a mesma armazenada em frasco de polietileno, sob refrigeração (~4°C) até a execução dos ensaios. 5.2 Toxicidade aguda em microcrustáceos Artemia sp Cistos de microcrustáceos Artemia sp. (5 mg) foram mantidos em 100 mL de solução salina (3%) por 24h, ao abrigo da luz, a 37oC e sob aeração para eclosão, sendo os náupilos posteriormente separados por fototropismo. Diferentes concentrações do percolado (100; 50; 25; 12,5; 6,25; 3,12; 1,56; 0,78; 0,39; 0,19 e 0,09 %) foram preparadas em solução salina (3%). Náupilos de Artemia sp. (n=40) foram expostos por 24 horas a 2mL das diferentes concentrações do percolado em placas multipoços, à temperatura ambiente e ao abrigo da luz. Solução salina (3%) foi utilizada como controle negativo. Ao final da exposição, foi determinada a concentração letal (CL50), definida como a concentração na qual ocorre a mortalidade em 50% dos organismos bioindicadores, quando expostos nas condições do ensaio, sendo que para esta determinação foi empregado o método matemático Trimmed Spearman-Karber, utilizando-se programa Probitos (BORTOLOTTO et al.,2008). As etapas do ensaio de toxicidade aguda em Artemia sp. estão descritas na Figura 5. 32 3HVDJHPGHFLVWRVGH $UWHPLDVS (FORVmRGRVFLVWRV 1iXSLORVGH$UWHPLDVS HFORGLGRV 'LVWULEXLomRGD $UWHPLDVSHPSODFDV PXOWLSRoRVFRQWHQGR SHUFRODGRHP GLIHUHQWHV FRQFHQWUDo}HV 'HWHUPLQDomRGD&/ &RQWDJHPGRQ~PHUR LQGLYtGXRVPRUWRV ([SRVLomR GD $UWHPLD VSDRSHUFRODGR Figura 5. Etapas do ensaio de toxicidade aguda em Artemia sp. Fonte: dados da pesquisa. 5.3 Toxicidade subaguda em Allium cepa L. Allium cepa L., obtidas comercialmente, tiveram suas raízes retiradas com auxilio de lâmina, sendo também determinado o peso dos bulbos. Posteriormente, os bulbos (n=6) foram expostos a 50 mL de percolado e à água mineral comercial (controle negativo), em tubos Falcon, por 7 dias, à temperatura ambiente e ao abrigo da luz. Ao final da exposição, a toxicidade foi avaliada através da determinação da inibição do comprimento das raízes, número de raízes, peso úmido médio das raízes e peso dos bulbos, conforme proposto por Bortolotto e colaboradores (2008), com algumas modificações. As etapas do ensaio de toxicidade subaguda em Allium cepa L. estão descritas na Figura 6. 33 5HWLUDGDGHUDt]HV HQYHOKHFLGDVH GHWHUPLQDomRGRSHVR LQLFLDOGRVEXOERV 'HWHUPLQDomRGRSHVRILQDO GRVEXOERV ([SRVLomRGRVEXOERV 'HWHUPLQDomRGRQ~PHUR GHUDt]HV 'HWHUPLQDomRGRSHVRPpGLR GDVUDt]HV 0HGLGDGRFRPSULPHQWRGDV UDt]HV Figura 6. Etapas do ensaio de toxicidade subaguda em Allium cepa L. Fonte: dados da pesquisa. 5.4 Análise estatística A análise estatística dos resultados obtidos na avaliação de toxicidade subaguda sobre Allium cepa L. foi efetuada através de Análise de Variança (ANOVA), completada pelos testes de Student-Newman-Keuse e Dunnet, quando se fez necessário. Para tanto, foi utilizado o software INSTAT (GrahPad, San Diego, CA, USA), admitindo-se um nível de significância de P<0,05. 34 6 RESULTADOS E DISCUSSÃO A seguir serão descritos os resultados obtidos nos ensaios de avaliação de toxicidade do percolado do Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC sobre os organismos bioindicadores Artemia sp. e Allium cepa L. 6.1 Toxicidade aguda em microcrustáceos Artemia sp. A Tabela 1 apresenta o resultado de toxicidade aguda, utilizando-se Artemia sp. como organismo bioindicador frente à exposição ao percolado em diferentes concentrações. Tabela 1. Toxicidade aguda em Artemia sp. exposta a diferentes concentrações do percolado. Concentração do Percolado (%) Mortalidade (%) 100 0 50 0 25 0 12,5 0 6,25 0 3,12 0 1,56 0 0,78 0 0,39 0 0,19 0 0,09 0 35 Os resultados obtidos permitem sugerir que o percolado não apresentou toxicidade aguda para o organismo bioindicador em estudo nas diferentes concentrações, uma vez que se obteve 100% de sobrevivência nas mesmas. Desta forma, não foi possível a determinação da CL50 para o presente bioensaio. Diferentes resultados têm sido descritos na literatura, onde foram observados efeitos tóxicos sobre Artemia sp. quando expostos a percolados de aterros sanitários. Em trabalho descrito por Teixeira (2008), microcrustáceos Artemia sp. foram expostos a diferentes diluições de percolado de Aterro Sanitário situado no município de Içara/SC, tendo sido observada toxicidade aguda (CL50 67,77%). Foi sugerido que a toxicidade seria decorrente da baixa degradabilidade do percolado em virtude da elevada razão DQO/DBO, bem como, da presença de metais ferro, manganês, chumbo e zinco. Silva (2002) realizou testes de toxicidade aguda em amostras de percolado do Aterro Metropolitano de Gramacho (RJ) em duas amostragens, utilizando o organismo Artemia sp. Foi observada toxicidade aguda, tanto na primeira, quanto na segunda amostragem (CL50 25,58 % e CL50 11,89 %), respectivamente). O autor sugeriu que a alta concentração da amônia e a alcalinidade seriam os fatores mais importantes que contribuíram para a toxicidade do percolado, além da presença de compostos orgânicos e inorgânicos, metais pesados, entre outros. Em trabalho desenvolvido por Bortolotto e colaboradores (2008), foi avaliada a toxicidade aguda em Artemia sp. expostos a percolado não tratado e tratado em sistema anaeróbio facultativo, coletados em município situado na região sul de Santa Catarina. Foi observado que o percolado não tratado foi capaz de promover toxicidade aguda sobre o organismo bioindicador (CE50 = 71,63%), sendo que após tratamento houve uma diminuição dessa toxicidade (CE50 = 97,99%). Os autores sugeriram que a toxicidade do percolado não tratado seria decorrente do elevado nível de DQO e DBO, da presença dos metais alumínio, ferro, manganês e zinco, além da concentração elevada de sulfatos em solução, cujo tratamento promoveu a redução desses parâmetros e conseqüente diminuição da toxicidade. Olivero–Verbel e colaboradores (2008) procuraram estabelecer uma correlação entre a composição físico-química (Cd, Ni, Hg, Mn, Cu, Pb, Condutividade, pH, DQO e Dureza) e a toxicidade aguda em Artemia franciscana de 36 percolados coletados em aterro municipal da cidade de Cartagena na Colômbia. Foi observado que o percolado foi capaz de provocar toxicidade aguda sobre os microcrustáceos, assumindo valores de CL50 de 3,20% e 39,33% em 24 e 48 horas de exposição, respectivamente. Constatou-se também que a toxicidade se mostrou dependente da concentração de cádmio e dos níveis de DQO do percolado. Portanto, muito embora se tem descrito na literatura que percolados são capazes de provocar toxicidade em Artemia sp., em nossos estudos não foi observado letalidade sobre estes microcrustáceos, o que sugere que estes organismos bioindicadores não se mostraram sensíveis frente à exposição aos percolados coletados no Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC. Estes resultados vêm reforçar a necessidade da utilização de outros organismos bioindicadores para uma avaliação mais efetiva da toxicidade destes percolados. 6.2 Toxicidade subaguda em Allium cepa L Os resultados obtidos nos ensaios de toxicidade subaguda de percolado do Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC em Allium cepa L estão descritos na Figura 7 e os dados completos dos parâmetros avaliados encontram-se no Apêndice A. 37 10 Número de raízes 30 20 ** 10 Comprimento das raízes (cm) 40 8 6 4 *** 2 0 0 CN CN EP EP (b) (a) 8 3 2 1 0 CN EP (c) Ganho de peso (%) Peso médio (µg) 4 6 4 2 0 CN EP (d) Figura 7. Número de raízes (a), comprimento das raízes (b), peso médio das raízes (c) e ganho de peso dos bulbos (d) em Allium cepa L. (n=6) expostas ao percolado (EP) e água mineral como controle negativo (CN). Os resultados estão expressos em Média ± Desvio Padrão. Diferença significativa em relação ao CN (**P<0,01 e *** P<0,001). Fonte: Dados do autor. 38 Estes resultados permitem demonstrar que houve uma significativa diminuição no número de raízes em Allium cepa L. expostas ao percolado, cujos valores se mostraram 62,9 % menores quando comparado ao controle negativo (Figura 7a). Em relação ao comprimento de raízes (Figura 7b), pode-se observar uma diferença significativa no grupo exposto ao percolado, sendo que os valores estiveram 85% inferiores ao grupo controle. Quanto à determinação do peso médio das raízes, observa-se uma diminuição significativa no grupo exposto ao percolado (84,41%), quando comparado ao controle negativo (Figura 7c). Por fim, os dados obtidos na percentagem de ganho de peso do bulbo permitem indicar que houve uma diferença significativa deste parâmetro no grupo exposto ao percolado, onde os valores se mostraram aproximadamente 3 vezes menores do que o grupo controle (Figura 7d). Trabalhos na literatura também têm descrito toxicidade sobre Allium cepa L. quando expostas a percolado de Aterro Sanitário. Bortolotto e colaboradores (2008) avaliaram a inibição do crescimento de raízes de Allium cepa L. (n=5) expostas a percolado não tratado e após o tratamento em sistema anaeróbio facultativo nas diluições de 0, 20, 40, 60, 80 e 100% , por 5 dias, à temperatura ambiente e ao abrigo da luz, tendo-se utilizado água mineral comercial como controle negativo. Ao final da exposição, foi determinado a CE50 e CE10, a qual representa a concentração da amostra que provoca, respectivamente, 50% e 10% de inibição no crescimento das raízes quando comparado ao grupo controle. Constatou-se que o percolado não tratado foi capaz de promover toxicidade subaguda na planta (CE50=30,66% e CE10=22,36%). Após o tratamento, observou-se a diminuição da toxicidade do percolado, obtendo-se o valor de CE10=24,41%, não sendo possível a determinação da CE50, uma vez que não apresentou toxicidade para este parâmetro. Foi sugerido que a toxicidade observada seria decorrente do elevado valor de DQO e DBO, da presença dos metais alumínio, ferro, manganês e zinco, bem como, da elevada concentração de sulfatos presentes no percolado. Também foi sugerido que o tratamento foi capaz de promover a redução da toxicidade, em virtude do mesmo ter sido capaz de promover a redução desses parâmetros físico-químicos. Em pesquisa realizada por Srivastava e colaboradores (2005), Allium cepa L. (n=20) foram expostas a percolados preparados através de processo de lixiviação de resíduos sólidos coletados em Aterro Sanitário Municipal de Uttar Pradesh na 39 Índia em 3 diferentes concentrações (2,5; 5,0 e 10%) em um período de 15 dias à temperatura de 25°C. Foi observado que houve diminuição no peso das raízes nos grupos expostos a diferentes concentrações de percolados (17,10 ± 1,05 g; 14,41 ± 2,15 g e 10,82 ± 1,94 g, nas concentrações de 2,5%, 5,0% e 10%, respectivamente) quando comparados ao grupo controle negativo (20,31 ± 1,32 g). Além disso, constatou-se uma maior inibição do comprimento das raízes no grupo exposto a percolado a 10% (4,1 cm), quando comparado ao controle negativo (11,2 cm). Sugeriu-se que a toxicidade do percolado sobre a planta poderia ser decorrente da presença de metais e compostos orgânicos potencialmente tóxicos no percolado. Teixeira (2008) realizou ensaios de toxicidade subaguda em Allium cepa L. expostas a duas amostras de percolados, ambas coletadas em aterro sanitário situado no município de Içara/SC. Para tanto, Allium cepa L. (n=3), foram expostas por 7 dias a 50 mL de concentrações seriadas dos percolados, a 25oC e ao abrigo da luz. Ao final da exposição, foi avaliada a toxicidade subaguda através da determinação da RC50, definida como a concentração na qual ocorre 50% de inibição do crescimento das raízes. Foi observado que em ambas as amostras houve expressiva toxicidade sobre a planta, obtendo valores de RC50= 1,17% e RC50=1,61%. Foi proposto que a toxicidade promovida pelos percolados seria decorrente da sua baixa degradabilidade em virtude da elevada razão DQO/DBO, bem como, da presença de metais ferro, manganês, chumbo e zinco em solução. Tem-se proposto que percolados se caracterizam pela presença de diversos contaminantes e, dentre os mesmos, encontram-se os metais e hidrocarbonetos aromáticos, os quais podem provocar toxicidade na biota exposta. Em plantas, a exposição a estes contaminantes pode provocar o seu bioacúmulo em diferentes tecidos (ex: raízes, bulbos e folhas) e promover diversos eventos metabólicos, interação com biomoléculas e estruturas celulares. Estes eventos podem provocar efeitos fitotóxicos, tais como: alteração estrutural, fisiológica e bioquímica de membranas, com conseqüente distúrbios na sua composição, rigidez, fluidez, fluxo de água e de nutrientes; redução de crescimento de tecidos e da biomassa; distúrbios do ciclo celular e da divisão celular, redução do conteúdo de clorofila e distúrbio do processo de fotossíntese (GEREMIAS, 2008). Contudo, as plantas apresentam mecanismos de proteção frente à exposição a metais, tais como, redução da absorção de fluídos, acúmulo do metal em constituintes extracelulares, extração dos metais por exudatos, secreção de 40 metais nos meristemas na forma de ânions orgânicos (ex: malato, oxalato, citrato e succinato), compartimentalização dos metais em vacúolos, complexação dos metais com biomoléculas (ex: ácidos orgânicos, aminoácidos, fitoquelatinas e metalotioneínas), modificação da composição de lipídeos de membrana para restaurar suas propriedade físico-química e ativação de vias metabólicas envolvidas no reparo de dano e destoxificação de xenobióticos, incluindo-se os hidrocarbonetos aromáticos (GEREMIAS, 2008). Em nossos estudos foi observado que a exposição a percolado promoveu significativa inibição do crescimento das raízes, diminuição do número e do peso médio das raízes, além da diminuição do ganho de peso dos bulbos. Pode sugerir que estes efeitos tóxicos poderiam estar associados ao comprometimento dos mecanismos de proteção da planta frente à exposição a contaminantes, tais como metais e hidrocarbonetos aromáticos, possivelmente presentes no percolado. Entretanto, faz-se necessário a realização de bioensaios complementares e de caracterização dos parâmetros físico-químicos, o que contribuirá para uma melhor avaliação da toxicidade promovida pelos percolados do Aterro Sanitário de Araranguá/SC. Por fim, pode-se propor o uso de testes de toxicidade aguda em Artemia sp. e subaguda em Allium cepa L., uma vez que se caracterizam, principalmente, pela simplicidade de execução, baixo custo e resposta rápida, o que os tornam uma importante ferramenta para o monitoramento de recursos naturais, a qual é um dos campos de atuação profissional no âmbito da Engenharia Ambiental. 41 7 CONCLUSÃO A partir dos resultados obtidos, pode-se chegar as seguintes conclusões: . O percolado não apresentou toxicidade aguda para Artemia sp. nas diferentes concentrações, sugerindo que este organismo bioindicador não se mostrou sensível frente à exposição a este contaminantes; . Nos ensaios de toxicidade subaguda em Allium cepa L., constatou-se que o percolado promoveu significativa inibição do crescimento das raízes, diminuição do número e do peso médio das raízes, bem como, diminuição do ganho de peso dos bulbos; . Os efeitos tóxicos observados em Allium cepa L. poderiam estar associados à presença de contaminantes no percolado, os quais poderiam provocar o comprometimento dos mecanismos de proteção da planta; . Pode-se sugerir o uso de Allium cepa L. como organismo bioindicador de avaliação de toxicidade dos percolados gerados no Aterro Sanitário do Município de Araranguá/SC, uma vez que se mostrou sensível frente à exposição aos mesmos; . Faz-se necessário a realização de ensaios biológicos complementares, podendo-se propor toxicidade aguda em microcrustáceos de água doce (ex: Daphnia magna) e outros organismos aquáticos (ex: peixes), bem como, a determinação de parâmetros físico-químicos para melhor avaliar a toxicidade promovida pelos percolados em estudo. 42 REFERÊNCIAS ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 10.004 resíduos sólidos – Classificação. Rio de Janeiro, Brasil. 2004b. ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 8419 Apresentação de projetos de aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos - Procedimento. São Paulo, Brasil. 1984. ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 8419 Apresentação de projetos de aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos. Rio de Janeiro, Brasil. 1992. ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 8849 Apresentação de projetos de aterros controlados de resíduos sólidos urbanos. Rio de Janeiro, Brasil. 1985. BORTOLLOTO, T. Avaliação da atividade tóxica e genotóxica de percolados do aterro sanitário municipal de Sombrio, Santa Catarina, utilizando Artemia sp. e Allium cepa L. Monografia (Bacharelado em Ciências Biológicas). Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. Criciúma. 76p. 2007. CAVALCANTE, M.F.; OLIVEIRA, M.C.C.; VELANDIA, J.R.; ECHEVARRIA, A. Síntese de 1,3,5-triazinas substituídas e avaliação da toxicidade frente à artemia salina leach. Relatório parcial. Departamento de Química, Instituto de Ciências Exatas -Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 1999. Célere, Marina Smidt et al. Metais presentes no chorume coletado no aterro sanitário de Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, e sua relevância para saúde pública. Rio de Janeiro: Abr, 2007. COMPANHIA DE TECNOLOGIA DE SANEAMENTO AMBIENTAL – CETESB. Desenvolvimento de métodos para o estabelecimento de critérios ecotoxicológicos: relatório final. São Paulo, 1986. FERREIRA, C.M. 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Cebola Descrição Peso inicial Bulbos (g) Peso Final do Bulbo (g) N° de Raízes Comprimento Raízes (cm) 01 02 03 04 05 06 01 02 03 04 05 06 Cebola CN (água) CN (água) CN (água) CN (água) CN (água) CN (água) Percolado Percolado Percolado Percolado Percolado Percolado Descrição 101,56 89,73 93,63 102,99 86,70 76,49 86,96 93,32 93,04 91,03 91,58 84,99 Peso Raízes (g) 30 18 24 26 29 35 17 06 10 13 04 11 Peso raízes/ N° raízes 7,8 7,1 6,0 4,9 3,5 6,7 1,4 0,2 1,0 1,1 0,4 1,3 01 02 03 04 05 06 01 02 03 04 05 06 CN (água) CN (água) CN (água) CN (água) CN (água) CN (água) Percolado Percolado Percolado Percolado Percolado Percolado 1,083 0,444 0,400 0,385 0,374 1,317 0,084 0,001 0,051 0,043 0,013 0,079 107,31 94,49 98,02 110,43 91,35 82,62 89,15 95,55 96,06 93,49 92,97 82,62 Percentagem ganho de peso (%) 5,66 5,30 4,68 7,22 5,36 8,14 2,51 2,38 3,24 2,70 1,51 0,00 0,036 0,024 0,016 0,014 0,012 0,037 0,004 0,0001 0,005 0,003 0,003 0,007 Anexo B. Média ± Desvio Padrão dos parâmetros obtidos nos ensaios de toxicidade subaguda em Allium Cepa L expostas ao percolado (EP) e água mineral (CN)como controle negativo. Parâmetro Média ± Desvio Padrão EP CN Número de raízes 8,7 ± 6,0 22,5 ± 11,1 Comprimento das raízes(cm) 0,9 ± 0,5 6,0 ± 1,6 Peso médio das raízes (µg) 0,4 ± 0,2 1,9 ± 1,3 Ganho de peso do bulbo(%) 2,1 ± 1,1 6,1 ± 1,3 47 ANEXOS 48 Anexo A – Memorial descritivo 49 50 Anexo B - Documento de embargo do Aterro Sanitário de Araranguá/SC