SaBios: Rev. Saúde e Biol., v.6, n.3, p.70-82, set./dez., 2011 ISSN:1980-0002 1 2 Hellen Regina Fanhani , Letícia Beltrão Ar tigo Completo USO INADEQUADO DAS CEFALOSPORINAS E A ATUAÇÃO DA COMISSÃO DE CONTROLE DE INFECÇÃO HOSPITALAR RESUMO As cefalosporinas são atualmente uma das classes de medicamentos mais utilizadas nos hospitais, em todo o mundo. Devido a sua vasta gama de atuação, apresentando um baixo nível de reações adversas e interações medicamentosas com outras classes de medicamentos, além de ser um medicamento de custo relativamente baixo. Devido a esta facilidade e simplicidade de utilização, alguns hospitais estão utilizando as cefalosporinas inadequadamente, sem estudo e preocupação científica sobre a patologia do paciente e sem exames prévios. O presente estudo foi do tipo transversal, exploratório, realizado no Hospital Center Clínicas de Campo Mourão-PR no período de abril a maio de 2009, analisando prontuários médicos de pacientes que fizeram uso de cefazolina sódica de janeiro de 2007 a dezembro de 2007, com o objetivo de avaliar o uso adequado deste antimicrobiano no período pré e pós-implantação da CCIH (Comissão de Controle de Infecção Hospitalar). A CCIH padronizou a utilização da cefazolina sódica, garantindo, um melhor atendimento ao paciente, na tentativa do tratamento ser correto e prevenir infecções hospitalares. Como resultado foi verificado uma diminuição de 29% para 8% do uso inadequado da cefazolina sódica, e um aumento de 71% para 92% do seu uso adequado, com isso, diminui o tempo de permanência do paciente no hospital, o custo e o fator de multi-resistência a várias classes de medicamentos. Palavras-chave: CCIH; cefalosporinas; infecção hospitalar. MISUSE OF CEPHALOSPORINS AND ACTION OF HOSPITAL INFECTION CONTROL COMMITTEE ABSTRACT Cephalosporins are a class of drugs commonly used in hospitals worldwide nowadays. They show wide range of action, low level of adverse effects and drug interactions, and in addition, they are drugs of relatively low cost. Thus, some hospitals are improperly using cephalosporins, without previous exams and scientific concern about the pathology of patients. This crosssectional and exploratory study aimed to evaluate the adequate use of these antimicrobials in the periods pre and postimplementation of HICC (Hospital Infection Control Committee). Thus, a search was carried out at Center Clínicas Hospital (Campo Mourão – PR) from April to May 2009. Medical records of patients that made use of cefazolin sodium from January to December 2007 were analyzed. CCIH has standardized the use of cefazolin sodium ensuring a better patient care, attempting to a correct treatment and to prevent hospital infections. Results show a reduction from 29% to 8% of inadequate use of cefazolin sodium and an increase from 71% to 92% of its adequate use. Thus, a reduction in the period that patient stays in hospital is observed and consequently, the cost of treatment and the multi-resistance factor of some groups of drugs decrease. Keywords: Hospital Infection Control Committee; cephalosporins; hospital infection. INTRODUÇÃO Atualmente, as infecções hospitalares (IH) destacam-se como um dos mais sérios problemas de saúde pública do Brasil. Análises e estatísticas indicam que, de dez pacientes internados, pelo menos um terá infecção hospitalar após sua admissão, ocasionando custos elevados. O aumento no tempo de 1 2 internação, a antibioticoterapia utilizada e diagnósticos adicionais contribuem para estas estatísticas(1). Os principais agentes etiológicos encontrados nas infecções hospitalares dependentes do procedimento e floras existentes pode-se elencar como exemplos: Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis, Staphylococcus Docente do Curso de Farmacia – Faculdade Integrado de Campo Mourao- PR Discente do Curso de Farmacia – Faculdade Integrado de Campo Mourao –PR. 77 Uso de Cefalosporina no controle da infecção Hospitalar aureus, Staphylococcus Staphylococcus coagulase Enterococcus spp (2). epidermidis, negativa, De acordo com a Portaria GM 2.616/98, Lei 9.431/97, RDC 48 do Ministério da Saúde (3), todos os hospitais devem possuir diretrizes e normas para a prevenção e controle das infecções hospitalares, organizadas por meio de Programas de Controle de Infecção Hospitalar (PCIH). Estas diretrizes são desenvolvidas pelas Comissões de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) compostas por médicos, enfermeiros, epidemiologistas, farmacêuticos e o diretor técnico do hospital (3). As orientações fornecidas pela referida portaria, sugere que para um bom funcionamento da CCIH, é de suma importância, que haja interação da sua equipe, com os demais profissionais. Dentre eles destacamos particularmente médicos, enfermeiros e farmacêuticos, pois a CCIH raramente presta assistência ao paciente e os resultados de seu trabalho dependem da aderência dos profissionais de saúde e suas orientações (3). Para tanto, é de competência de a CCIH realizar a vigilância epidemiológica, através de busca ativa e contínua dos casos de infecções, bem como a sua erradicação, por meio da análise dos prontuários médico. Os pacientes com risco maior para infecção, como os submetidos à cirurgia, devem ter maior atenção (3). Além disto, a CCIH é responsável por avaliar condutas e padronizações existentes no hospital, podendo identificar inadequações de acordo com a sua ótica. A atualização científica dos profissionais da CCIH tem por finalidade repassar informações para a equipe de saúde do hospital, através de treinamentos, sendo esta uma função importante da CCIH. Vale destacar como competência da CCIH, as adequações e supervisões das normas técnicas da equipe, fato que contribui para o sucesso do trabalho da Comissão, pois visa à prevenção e tratamento das infecções hospitalares, bem como define critérios para a prescrição de medicamentos, elaborando protocolos clínicos para tratamento das infecções hospitalares (3). Em conjunto com a farmácia, a CCIH realiza um estudo do perfil de consumo de antimicrobianos, para que aconteça a liberação desses medicamentos, como a cefazolina sódica, medicamento este que foi analisado pelos pesquisadores deste manuscrito (4). As cefalosporinas representam o grupo de antimicrobianos mais prescritos no mundo, apresentando grande importância clínica. Nos hospitais brasileiros são utilizadas em cerca de 70% das infecções chegando ao número de 92% em outros países(5,6). São consideradas eficazes em septicemias de causa desconhecida e profilaxia cirúrgica, bem como em pacientes imunodeprimidos, em todas as faixas etárias (7,8). Na prática cotidiana dos hospitais brasileiros é muito frequente a co-administração das cefalosporinas com outros medicamentos, no intuito de debelar uma infecção ou tratar comorbidades (9). A cefazolina sódica é uma cefalosporina de 1º geração, utilizada como droga antibacteriana. O seu uso é recomendado em algumas patologias, causada por Klebsiella sp, como: endocardite bacteriana, infecção da pele e dos tecidos moles, infecção urinária, septicemia, pneumonia, além de profilaxia cirúrgica em procedimentos classificados como contaminados, pacientes com infecção no local da cirurgia e procedimentos de colocação de próteses (10). Esta droga inibe a síntese da parede celular da bactéria. Sua eliminação ocorre por via renal, ou seja, através da urina, como droga inalterada, (10,11). O presente trabalho teve por objetivo analisar o uso adequado e inadequado da cefazolina sódica em pacientes atendidos no Hospital Center Clínicas de Campo Mourão – Pr, na pré e pós-implantação da CCIH. Avaliou-se também a adequada dispensação deste medicamento aos pacientes com relação a horário, patologia, peso, idade, posologia prescrita e posologia indicada pela CCIH. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi realizado através da análise de prontuários médicos, nas fases de préimplantação da CCIH (janeiro a maio de 2007) e pós-implantação da CCIH (setembro a dezembro de 2007) no Hospital Center Clínicas SaBios: Rev. Saúde e Biol., v.6, n.3, p.70-82, set./dez., 2011 http://www.revista.grupointegrado.br/sabios/ 78 HELLEN REGINA FANHANI & LETICIA BELTRÃO de Campo Mourão-PR, os estudos foram realizados nos meses de abril e maio de 2009. Foram analisados 100 prontuários médicos em cada fase, os quais utilizaram a cefazolina sódica, dentro do ambiente hospitalar. As posologias colhidas dos prontuários foram conferidas individualmente com o médico infectologista da CCIH. Foram consideradas adequadas às prescrições que estavam de acordo com os protocolos de antibioticoterapia sugeridos pela CCIH para a prescrição da cefazolina sódica, e inadequadas, as que não correspondiam às estes protocolos. Os resultados foram obtidos por meio da análise dos prontuários, nas fases de préimplantação da CCIH (janeiro a maio de 2007) e pós-implantação da CCIH (setembro a dezembro de 2007). Os dados da pósimplantação foram baseados na padronização de antimicrobianos, realizada pela CCIH do Hospital Center Clínicas de Campo Mourão PR, além de bibliografias auxiliares utilizadas pela CCIH. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os dados obtidos por meio dos estudos mostraram que a cefazolina sódica tem uma ampla utilização, ou seja, é prescrita em diversas situações clínicas. No Hospital Center Clínicas sua utilização destaca-se em procedimentos cirúrgicos pós-operatórios ortopédicos e de retiradas de tumores, além das cirurgias de apendicites, independente da idade do paciente. Observou-se que antes da implantação e atuação da CCIH, 29% dos prontuários analisados em relação à utilização da cefazolina sódica estavam sendo utilizados de forma indevida e 71% com uso devido do fármaco, conforme ilustra a Figura1. Antes da Implantação do CCIH 80% 60% 40% Uso Devido 71% A cefazolina sódica também pode ser escolha para tratamento de infecções respiratórias, pois apresentam atividade contra microorganismos Gram-positivos e moderada contra Gram-negativos, inibindo Escherichia coli, Proteus mirabilis e Klebsiela pneumoniae (12). Uma das importâncias da CCIH dentro de um hospital está relacionada ao gasto deste estabelecimento com antimicrobianos, estima-se que o custo com antimicrobianos represente de 30 a 50% do total do gasto com medicamentos (13). Estudos relacionados com a avaliação econômica do uso da cefazolina sódica e da ceftriaxona na profilaxia cirúrgica demonstraram que a relação custo-efetividade média para as infecções evitadas de apendicite aguda e histerectomia foi significativamente maior com a utilização da cefazolina sódica (14). Depois da Implantação do CCIH Uso Indevido 29% 100% 80% Uso Devido 92% 20% 60% 0% 40% Figura 1 – Utilização da cefazolina sódica antes da implantação da CCIH no Hospital Center Clínicas de Campo Mourão-PR. Com a análise dos prontuários referentes à fase de pós-implantação da CCIH (setembro a dezembro de 2007) observou-se uma queda no número de prontuários com utilização indevida, passando a ter apenas 8% dos mesmos, e um aumento para 92% do uso devido, conforme ilustra a Figura 2. 20% Uso Indevido 8% 0% Figura 2 – Utilização da cefazolina sódica após a implantação da CCIH no Hospital Center Clínicas de Campo Mourão - PR Desta maneira, em conjunto com a farmácia do hospital, a equipe de enfermagem, e outros membros da CCIH realiza-se um estudo do perfil SaBios: Rev. Saúde e Biol., v.6, n.3, p.70-82, set./dez., 2011 http://www.revista.grupointegrado.br/sabios/ Uso de Cefalosporina no controle da infecção Hospitalar de consumo de antimicrobianos. Após esta fase, é implantada uma política de racionalização de antimicrobianos e os resultados são avaliados com o objetivo de controlar a prescrição de antimicrobianos A escolha de um antimicrobiano eficaz deve ser baseada, nas seguintes variáveis: menor toxicidade, menor indução de resistência, penetração em concentração eficaz no sítio de infecção, posologia mais cômoda, via de administração mais adequada e menor custo (15). O uso de cefalosporinas de primeira geração é o mais recomendado para a profilaxia cirúrgica (16). A cefazolina sódica tem uma meia vida de 1,8 horas, o que permite uma maior flexibilidade na hora da administração. Quando se utiliza este fármaco, a suplementação da dose é necessária somente após 3 ou 4 horas de cirurgia, tempo este superior à maioria dos procedimentos cirúrgicos comuns. A cefazolina sódica tem meia vida entre 40 minutos e 1 hora, sendo necessária a administração de dose suplementar no máximo a cada duas horas de cirurgia. Este é um dos principais motivos para a preferência da cefazolina como antibiótico profilático (17). No paciente traumatizado que sobrevive mais de cinco dias, a infecção é a principal causa de morte. O fator predisponente mais importante para estas infecções é o próprio trauma, que pode resultar em solução de continuidade da pele, isquemia tecidual, contaminação exógena e ruptura de vísceras colonizadas com contaminação endógena de tecidos estéreis. Além disso, as alterações imunológicas decorrentes do trauma por si só predispõem esses pacientes a infecções (18). O uso de antibióticos no paciente traumatizado é, portanto, muito frequente, não só para tratar infecções instaladas, mas também como tratamento profilático. A indicação e a escolha da droga com finalidades terapêuticas envolvem inúmeras variáveis, entre as quais sobressaem a localização e a gravidade do caso, o uso prévio de antimicrobianos é o agente etiológico mais provável, o que torna seu estudo extremamente complexo e amplo e impossível de ser generalizado, devendo ser avaliado individualmente, caso a caso. Segundo NETO (18), o agente mais utilizado foi a cefalosporina de primeira geração (cefazolina sódica), que se demonstrou eficaz na redução de infecção. 79 Os grupos de antimicrobianos mais prescritos na antibioterapia profilática em pacientes ortopédicos, por ordem decrescente são: cefalosporinas (50,4%), os betalactâmicos/penicilinas (24,5%), outros antibacterianos (9,4%), aminoglicosídeos (9,1%), macrolídeos (1,7%), quinolonas (4,6%) e as sulfonamidas/trimetropina (0,3%). Da análise do custo por intervenção cirúrgica para profilaxia percebe-se que a cefazolina é a grande responsável (51,5%) pelo custo total em hospitais (19). Outros fatores desencadeantes de complicações infecciosas são os procedimentos invasivos necessários à ressuscitação, tanto nas abordagens pré-hospitalar e hospitalar, quanto no período pós-trauma, particularmente em pacientes que necessitam de internação em unidades de tratamento intensivo (UTI), quando o índice de infecção hospitalar pode chegar a 60% (19). Diariamente a preocupação com o uso adequado dos antimicrobianos vem crescendo. Os maiores problemas quanto ao uso de antimicrobianos referem-se à seleção de microrganismos multi-resistentes, os quais limitam as possibilidades terapêuticas, aumentando não só as taxas de letalidade, como também os custos de tratamento (20). A Organização Mundial de Saúde (OMS) declara que só teremos antimicrobianos efetivos por apenas mais 20 anos, sendo que 25% a 35% de pacientes hospitalizados fazem uso de antimicrobianos em algum momento de sua internação. Os problemas apontados com o uso destes fármacos, usados de forma inadequada, afetam não somente os pacientes, como também a microbiota hospitalar. Frequentemente, os profissionais envolvidos, nas práticas hospitalares, como os médicos, farmacêuticos e enfermeiros, desconhecem os prejuízos causados com a utilização indiscriminada destes fármacos (20). A importância da padronização de antimicrobianos pela CCIH também é relevante em relação à economia para o hospital. O uso adequado da medicação, sua correta administração realizada pela equipe de enfermagem diminui a incidência de resistência bacteriana, a qual contribui para a diminuição das infecções hospitalares, bem como o tempo de internamento é reduzido. (21). SaBios: Rev. Saúde e Biol., v.6, n.3, p.70-82, set./dez., 2011 http://www.revista.grupointegrado.br/sabios/ 80 HELLEN REGINA FANHANI & LETICIA BELTRÃO Analisando os resultados obtidos por meio dos estudos, quanto à utilização adequada da cefazolina sódica como antimicrobiano profilático e terapêutico em procedimentos pré-cirúrgicos e cirúrgicos, condiz com os artigos citados na bibliografia deste manuscrito, objetivando uma contribuição científica em demonstrar o cenário da atual realidade quanto à utilização desse antimicrobiano nos hospitais brasileiros. Atualmente, 70% dos hospitais paranaenses possuem a CCIH, mas nem todas são atuantes, existindo apenas para cumprir a determinação da Lei 9.431/97, RDC 48 do Ministério da Saúde (22). CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio da realização deste trabalho, pode-se concluir que a presença de uma CCIH atuante dentro de um hospital atua no uso racional da antibioticoterapia trazendo benefícios aos pacientes e ao hospital. Os profissionais que integram a equipe de trabalho mais comprometidos com suas responsabilidades, podem diminuir o número de infecções hospitalares, tempo de internamento do paciente, redução de gastos com antimicrobianos e o fator de multi-resistência a várias classes de medicamentos. SaBios: Rev. Saúde e Biol., v.6, n.3, p.70-82, set./dez., 2011 http://www.revista.grupointegrado.br/sabios/ 81 Uso de Cefalosporina no controle da infecção Hospitalar Hellen Regina Fanhani , Letícia Beltrão Endereço para correspondência: Faculdade Integrado de Campo Mourão Câmpus Rod. BR 158 km 207, s/n Jd. Batel Campo Mourão - PR 87300-970 E-mail: [email protected] Recebido em 29/06/2009 Revisado em 29/06/2011 Aceito em 18/07/2011 REFERÊNCIAS (1) MANGRAM, A.J.; HORAN, T.C.; PEARSON, M.L.; SILVER, L.C.; JARVIS, W.R. Guideline for prevention of surgical site infection, 1999. Hospital Infection Control Practices Advisory Comittee. Infect Control Hosp. Epidemiol., v. 20, n. 4, p. 250-278, Apr. 1999. . 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