Aula –I : Primeiras noções 1. Morfemas do português. 1.1. Morfemas flexionais. 1.2. Morfemas derivacionais. Na morfologia existem duas noções básicas: morfema e palavra. Definição: A morfologia é o estudo das formas. A morfologia é o estudo da estrutura interna das palavras. Mas o que tais definições nos dizem a respeito do que vem a ser morfologia? Não muito (Rosa. 2003:15) A forma pode implicar o plano do conteúdo e o plano da expressão. Dois níveis de realização: os sons destituídos de significado, mas que se combinam e formam unidades que têm significado. A palavra não precisa ser a unidade fundamental para representar a correlação entre os dois planos. Este papel pode ser atribuído aos morfemas. Também o próprio termo “morfologia”. Não expressa a mesma realidade que uma pedra, ou mesa. Pressupõe determinado modo de se conceber o que seja linguagem e língua. Dentro de uma teoria é que se pode compreender que tipo de estudo está sendo levado em conta. Até que ponto seria a morfologia interessante? Dependendo do quadro teórico teremos perguntas como: Qual é a unidade básica de estudo na morfologia? Que tipo de estrutura as palavras têm? Como esta estrutura se relaciona à gramática e ao léxico? Como reflete a relação entre as palavras? Como conceituar o termo forma? E como entender que a noção de palavra que parece se referir a uma unidade básica, mínima, possa ter um estrutura interna, ou seja, ser constituída de partes menores? (cf. Rosa 2003: 17). Precisamos esclarecer dois pontos: a noção de palavra e noção de morfema 1) A noção de palavra: Partindo da palavra Uma unidade clara. Acervo lexical .O que se encontra nos dicionários? O léxico é composto de palavras. Embora todas as pessoas usem o termo na sua vida cotidiana, definir palavra é uma tarefa árdua e depende de ponto de vista teórico que se está assumindo. - Não me diga mais nenhuma palavra. - Você me deu a sua palavra. -Palavras, palavras, palavras, nada mais do que palavras. - Diga isso em poucas palavras. -Palavras amigas, duras, insensatas. Diferentes perspectivas: A palavra gráfica A palavra como portadora de significado A palavra fonológica. A palavra como vocábulo formal como formas livres dependentes e presas. Na nossa escrita a palavra é separada por espaços em brancos. A batata está cozidinha. 4 palavras Do ponto de vista da descrição linguística como descrever a palavra? Em termos semânticos: cada palavra teria um significado Há variedade entre as línguas: O significado não ajuda muito. construtor e aquele que constrói Construtor e aquele que constrói são palavras do português? Ambos têm a mesma significação. Então ambas as sequências teriam a mesma classe gramatical. A 1a é uma palavra. A 2ª é uma frase. Então aquele que constrói é uma frase ou uma palavra? O critério fonológico não ajuda a saber se lidamos com palavra ou frase: tentativa pelo acento: toda palavra teria que ter um acento principal de maior intensidade e outros secundários. Observem: [dètergénte] [detèrgénte] ambos com acento principal e secundário. No entanto, novamente temos uma palavra e uma frase: O que é detergente? Prender pessoas (uma frase). O que é detergente? um tipo de sabão liquido (uma palavra). Fonologicamente: deixe-me é uma palavra: me equivale a uma sílaba átona e não pode funcionar como enunciado. Gramaticalmente são duas palavras: me é uma pronome objeto. Não pode ser uma sílaba. Critério sintático: É a unidade mínima que pode ser usada livremente. Resposta mínima a uma pergunta. E ser usada em diferentes tipos de construções, em diferentes funções. O que você colocou na caixa? Brincos. A Maria comprou brincos. Brincos eu não posso usar. Neste caso, como ficaria uma forma como lhe? Pode ser usada em diferentes posições na sentença, antes e depois do verbo. É uma palavra? Pode ter o mesmo significado de um pronome, mas não o mesmo comportamento sintático: não pode ser reposta mínima a uma pergunta e não pode exercer funções sintáticas distintas. Dei-lhe um livro. Eu lhe dei o livro. As formas o e ele. Ambos são pronomes de 3ª pessoa do singular . Maria o viu na feira. Maria viu ele na feira. Ele foi á feira. Quem foi á feira? Ele. José deu um livro para ele. Funções de objeto e sujeito. Função só de objeto. Vejamos a nossa noção. amar, amou, amamos. São 3 palavras ou uma só? livro livros livrinhos livraria livreiro. Quantas palavras temos? guarda-chuva. de- se- quelhe infeliz Tem algumas com autonomia sintática e morfológica . É uma noção pertinente. Na aquisição da linguagem as crianças desenvolvem estratégias para segmentar o contínuo sonoro em unidades menores com base no ritmo nativo. Na tradição gramatical o termo morfologia não era conhecido dos gramáticos grecoromanos. Mas tratavam de flexão, derivação e sintaxe. Embora tratados como todos indivisíveis, as palavras apresentavam flexões em suas formas dentro dos paradigmas. Declinações marcam os nomes em face dos verbos. A palavra é a unidade central. Para esta visão a morfologia é o ramo da linguística que trata das formas das palavras em diferentes usos e construções. A palavra havia sido o fundamento da gramática tradicional. indicativo pretério perfeito 1ªsg am- ei 2ªsg am -aste 3ªsg am-ou 1ª pl am-amos 2ª pl am-ates 3ª pl am-aram Derivamos palavras de outras palavras a partir de um modelo. 1ª do sg. pret. perf do ind: amei é um todo Não há um relação sintagmática entre partes mínimas ou morfemas que se deve suceder numa ordem rígida. A linguística moderna-estruturalista tirou da palavra o estatuto de unidade mínima da morfologia. Substituiu-a pela noção de morfema. O morfema passa a ser a unidade básica da gramática e, portanto, da morfologia. A palavra não é a unidade mínima da análise morfológica. Ela se analisa e decompõe em partes menores denominadas morfemas. Os morfemas são as unidades mínimas significativas que compõem as palavras. Morfologia baseada em morfemas. Passa a ser a análise sintagmática dos vocábulos ou palavras. No estruturalismo, Saussure (18571913), o morfema é definido como a unidade mínima significativa de som e significado. Em outras palavras, o morfema torna-se a unidade básica da morfologia. Morfologia estuda a gramática interna das palavras. A palavra não é o elemento mínimo de som e significado. Palavra e paradigma vs. item e arranjo Padrão dos verbos regulares no português. T (raiz +VT) + SF (SMT + SNP) am á va mos O morfema é a unidade mínima com significado que não pode ser dividida ou analisada em formas significativas menores. batata 6 fonemas b/a/t/a/t/a/ ba-ta-ta batat-a morfema lexical/morfema gramatical Duas articulações: a 1ª morfologia a 2ª fonologia Na 1a articulação, a sequência vocal se apresenta com certas significações que a língua proporciona. Na 2a articulação, as sequências consideradas em si mesmas. Quando ouvimos uma língua pela primeira vez só ouvimos a 2ª articulação. estrela estrel-a astro astr-o satélit-e amávamos- am-a-va-mos carr- o-carr-o- s carr- inho – inho –morfema derivacional. carr morfema lexical. o- VT s morfema plural. blocos construtores Morfemas ligados expressam noções gramaticais. Morfemas lexicais expressam noções referenciais. es tre-la Formas livres, presas e dependentes. Formas livres que podem funcionar isoladamente. O que você comprou? Uvas Forma livre indivisível: uva duas ou mais formas presas: in-vis-ível uma livre e outra presa: infeliz. Forma presa só funciona ligada a outra: A forma dependente não é livre e não é presa: artigo, clítico, conjunção , preposição. Não há coincidência entre um vocábulo formal e vocábulo fonológico. guarda-chuva= único vocábulo formal e dois vocábulos fonológicos. Não há coincidência entre um vocábulo formal e vocábulo fonológico. guarda-chuva= único vocábulo formal e dois vocábulos fonológicos. A análise mórfica constitui a depreensão dos morfemas constitutivos do vocábulo unitário. Diferentes tipos de morfemas: Na 1ª articulação, o segmento fônico se associa a uma significação léxica ou gramatical. O vocábulo formal é a contraparte do que se chama vocábulo fonológico. Não coincidem os dois conceitos uma vez que diferem os dois planos da linguagem. Na escrita busca-se representar cada fonema por uma letra. Mas o vocábulo na escrita se faz pelo critério formal. Deixa-se entre eles um espaço em branco, e mesmo quando sem pausa entre si num único grupo de força, cada um é considerado uma unidade mórfica independente. Por exemplo, em mar azul, um único grupo de força /marazul/ ; /detergente/ deter gente /kazamarela/ casa amarela. descrever uma lei : des- crever; des-cre-ver; /d/e/s/...descrever. 1 vocábulo formal. As unidades formais de uma língua são de duas espécies: formas livres e forma presas. O vocábulo formal é a unidade a que se chega quando não é possível uma nova divisão em duas ou mais formas livres. forma livre indivisível: luz. duas ou mais formas presas: in+ vis+ ível. uma forma presa e uma livre: in+ feliz. Segundo Bloomfield (1933), as formas podem ser livres ou presas: Formas livres constitui uma sequência que pode ocorrer isoladamente : Infeliz Formas presas só funcionam ligadas a outras. Infeliz : in=forma presa. Mattoso acrescenta a noção de formas dependentes. Pretende abranger os clíticos, conjunções, preposições, determinantes. Assim, a (artigo/determinante) é um vocábulo formal, porque é uma forma dependente e não pode se comportar como uma forma livre. Contraste de tonicidade: num/não. Você foi ao cinema? Não ( forma livre) Você foi ao cinema? *num (forma dependente). A forma dependente não é presa. 1) Pode se adjungir à forma livre à qual se prende em posição proclítica ou enclítica: Eu o encontrei – Encontrei-a 2) Não precisa estar adjacente ao núcleo do sintagma: O livro ; o meu livro; o meu novo livro; A forma dependente é um vocábulo formal que não é um vocábulo fonológico, por ser átono. No entanto pode ser parte de um vocábulo fonológico a que se acha ligado pelo acento que domina várias sílabas átonas. Fala-se : dois vocábulos formal e um vocábulo fonológico. Vocábulo composto: dois vocábulos fonológicos, mas um único vocábulo formal: Ex: guarda-chuva. grande chuva e guarda-chuva têm a mesma pauta acentual. livre arbítrio e livre decisão têm a mesma pauta acentual. Grande chuva e livre decisão são dois vocábulos formais associados na sentença, ou seja, formam um sintagma nominal: Ontem ocorreu uma grande chuva na cidade. Vou tomar uma grande decisão.. Guarda-chuva e livre arbítrio constituem um único vocábulo formal. Peguei o guarda chuva. O ser humano tem livre arbítrio. A análise mórfica consiste na depreensão das formas mínimas ou morfemas constituindo o vocábulo formal unitário Procede-se à descrição rigorosa das formas de uma língua dada. O método consiste na técnica da comutação. A substituição de uma invariante por outra de que resulta um novo vocábulo formal. Na análise tradicional, a forma verbal falamos só apresenta radical e terminação. Não se consideram as noções gramaticais morfema por morfema: fal+a+0+mos. Observe-se na análise a presença do morfema 0 (zero). O morfema gramatical zero significa a ausência de um morfema num dado vocábulo que aparece noutro vocábulo e estabelece com o 1º uma oposição significativa. singular = ausência de um moferma de plural /S/ lobo /lobos ou lobo+0 /lobo +/S/ Homonímia: falamos=forma homônima: presente-pretérito mos – 1a pessoa do plural é sempre a mesma em todos os tempos e modos. Tem que desambiguar no contexto: Falamos agora vs. Já falamos ontem. Método da comutação: Fala: 3a pessoa do sing: mos é o morfema de 1a pessoa do pl: falamos va- é o morfema do pretérito imperfeito do indicativo: falávamos re- é o morfema do futuro do presente do indicativo falaremos, falamos, bebemos, partimos mostra as 3 classes mórficas ou conjugações, caracterizadas pelas vogais /a/, /e/, e /i/. O 1o elemento indivisível comum a todas as formas de cada um dos verbos é o morfema lexical. em que se concentra a significação específica do ato que o verbo expressa: falamos, bebemos, partimos. mas, o voábulo verbal além do morfema lexical tem um morfema classificatório de conjugação, um morfema de tempo verbal e um de pessoa gramatical referente ao sujeito. Cumulação. falamos falávamos faláramos falaremos falaríamos: -mos indivisível acumula em si os morfemas de 1ª pessoa gramatical, o falante, e a noção de número . O mesmo para o tempo verbal indicativo falemos, falássemos, falarmos , subjuntivo, . A variação no morfema chama-se alomorfes: cantaremos, falaremos: variante -ra em falará, cantará, falarás, cantarás. A alomorfia pode ser de natureza mórfica privativa da 1ª articulação, como na variação /re/,/ra/ ou pode depender da 2ª articulação. Assim as vogais /ê/ e /i/ em beber e partir que marcam a classificação em classes mórficas, na posição átona final sofrem a redução para um alofone /i/ fraco, que na escrita é /e/. É u um alomorfe condicionado pela posição átona final da vogal. Neutralização no plano mórfico. Que torna indistinta ou anula a oposição entre dois morfemas pelo aparecimento de um morfema único. falaram pré perf sing falou como 1ª e 3ª pessoa sing. pretérito imp. Pode ser consequência de uma neutralização fonológica. Formas verbais: teme e parte indistintas é resultante da neutralização entre os fonemas /e/ e /i/ em posição átona final. Alomorfia com os verbos irregulares: fiz, fez: i corresponde ao i de temi. 1a pessoa em ambas do pretérito perf. Em temi houve acréscimo do i tônico ao radical. Em fiz houve no radical a mudança de sua vogal a (fazer) para i. Em fiz há um tipo de morfema que não é o i final de temi . Resumo: o vocábulo formal ou mórfico e a maneira de identificá-lo. A técnica geral de sua análise para a depreensão dos morfemas. A possibilidade do morfema zero; a alomorfia que são as variações da invariante gramatical . A oposição entre morfemas pode-se anular pelo fenômeno da neutralização fonologicamente condicionada ou não. Várias modalidades de morfema gramatical. No português, os morfemas são segmentais, ou seja, constituem –se de um fonema ou grupo de fonemas. Mas, há a alternância sempre entre vogais .Não a identifica um fonema ou grupo de fonemas, mas o fato de dentro do radical um segmento fônico ou vogal que é distinto do que se encontra em forma oposta. A alternância vocálica pode ser o que se chama submorfêmica. Não é o caso de fiz em que ela é a marca única da noção gramatical. Ela entra como um reforço de um morfema segmental: formoso/formosos. /S/ sibilante pós-vocálica marca o pl. A alteração do timbre só reforça a oposição pl-sing.