O PORTE DE ARMA COMO DIREITO INDIVIDUAL E A CONJUNTURA: “FATOR DE CRIMINALIDADE” Almir Santos Reis Júnior* Aline Valério Bueno Pereira Afonso** RESUMO A autodefesa é, inquestionavelmente, um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, mas para que seja, plenamente, exercida pelos cidadãos, é necessário que o Estado brasileiro garanta, também, todos os meios materiais necessários e adequados à sua efetivação. Neste sentido, o porte de arma concedido a civis revela-se meio eficaz contra ataques de bandidos que agem, geralmente, armados, e mecanismo propiciador de uma sociedade mais segura, pois uma sociedade armada inibe o banditismo. Assim, torna-se relevante demonstrar que o porte de arma, além de ser importante instrumento de defesa, não constitui fator relevante de criminalidade (o que se demonstra por meio de análise estatística), não sendo justificável, portanto, a sua privação. Palavras-chave: Autodefesa. Direito individual. Porte de arma. Introdução O Brasil, enquanto Estado de Direito, não tem garantido à população a segurança pública adequada. Assim, considerando-se que o Estado brasileiro, por meio de seus agentes, foi criado para proteger a sociedade como um todo, assumindo para si o poder de aplicar a lei ao caso concreto, conforme o que estabelece a Constituição Federal, de 1988, nos artigos 6º e 144, mas que não consegue dar proteção plena e efetiva a todos, concedeu à pessoa agredida a oportunidade de defesa dos * Mestre em Direitos da Personalidade pelo Cesumar. Especialista em Docência no Ensino Superior. Docente de Direito Penal I, no Cesumar e Processual Penal na PUC-PR, Campus Maringá. Docente no curso de Direito da Fundação Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mandaguari. Advogado criminalista, militante em Maringá. ** Advogada militante em Maringá. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 109 seus direitos, com o objetivo de evitar que o injusto prevaleça, admitindo, enfim, que o cidadão tenha o direito à legitima defesa, o que se observa por meio da leitura do artigo 5º, caput, da Lei Maior e dos artigos 23 e 25 do Código Penal. Desta forma, o Estado não pode oprimir o cidadão, impedindo-o de defender a sua vida ou de sua família com o uso dos meios materiais necessários e adequados para repelir a agressão injusta que possa vir a sofrer, pois todo indivíduo tem o direito de ver respeitado o seu sagrado direito à autodefesa, nos termos da lei, ou seja, tem o direito de se defender. O direito ao porte de arma de defesa pelo cidadão é, pois, direito individual que se extrai da interpretação do Texto Maior. Se a Carta Magna consagra o direito à segurança individual, ao lado do direito à segurança coletiva, garantido pelos órgãos estatais desta, encarregados, também o direito à segurança individual, garantido não só por tais órgãos, mas também pela ação defensiva do próprio indivíduo, uma vez autorizado o direito individual à segurança, este não pode ser inviabilizado por normas jurídicas inferiores. Assim, tendo-se em vista a crescente criminalidade no País e o uso de meios cada vez mais bárbaros de ataques criminosos, a restrição à concessão do porte de arma ao cidadão de bem, proibindo o uso de meio eficaz para a consecução do direito individual à segurança, por normas infraconstitucionais, caracteriza violação à Constituição Federal. O desígnio deste trabalho é demonstrar, enfim, que para que o direito à autodefesa seja efetivamente exercido, devem ser viabilizados os meios materiais necessários e adequados, especialmente o porte de arma de fogo de defesa, que não configura risco à segurança coletiva, não ofendendo, portanto, a segurança pública e nem pode ser associado à criminalidade como fator relevante. Aspectos Constitucionais Serão analisados, a seguir, os aspectos constitucionais relevantes para a contextualização do tema proposto, como o reconhecimento dos direitos fundamentais e a sua proteção. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 110 A insuficiência do reconhecimento dos direitos fundamentais e os mecanismos de proteção A Constituição Federal, de 1988, em seu artigo 5º, caput, aponta que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, considerados direitos individuais elementares, que garantem direta ou indiretamente os demais direitos do indivíduo. Assim, ao reconhecer os direitos fundamentais, a Lei Maior propõe-se proteger determinados bens jurídicos, que, por sua relevância, merecem tratamento especial (MORAES, 2004). Mas, apesar do reconhecimento dos direitos fundamentais e de sua previsão legal no ordenamento jurídico vigente, esta medida não basta para que tais direitos sejam efetivamente garantidos e protegidos. Diante da insuficiência do mero reconhecimento dos direitos fundamentais e a sua previsão legal na Constituição Federal de 1988, mais importante que fundamentar os direitos do homem é protegê-los, sendo necessárias, para tanto, além da sua proclamação, medidas efetivas de proteção (BOBBIO, 1992). Tomando como exemplo o direito à defesa da vida, percebe-se que o seu simples reconhecimento constitucional, enquanto direito fundamental, não é suficiente para que seja amplamente respeitado. Se a Constituição Federal assegura o fim, qual seja, o direito de defender a vida, deve garantir, paralelamente, os meios para que tal objetivo seja amplamente assegurado, e, portanto, a restrição de tais medidas por normas infraconstitucionais caracteriza violação à Magna Carta, o que é inadmissível no atual sistema. Assim, não basta que lei garanta ao cidadão o direito de defesa; é necessário que torne possível o uso dos meios necessários e proporcionais para assegurar a sua efetiva realização. Significa que, embora os direitos fundamentais estejam previstos na Lei Maior, a promulgação de leis infraconstitucionais ou a prática de atos administrativos ou judiciais podem gerar a sua violação, ameaçando a sua efetividade. O desafio é, pois, eliminar o abismo Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 111 existente entre o texto que garante os direitos humanos e fundamentais, a norma que os reconhece e o seu cumprimento efetivo, pois o grande problema dos direitos do homem não é reconhecê-los ou fundamentálos, mas, sim, protegê-los. Neste sentido, Bobbio (1992, p. 44) considera que a realização dos direitos do homem necessita de “condições objetivas que não dependam da boa vontade dos que os proclamam, nem das boas disposições dos que possuem os meios para protegê-los” e acredita que o grande problema dos países em desenvolvimento está em suas condições econômicas que não permitem que a maioria dos direitos sociais seja protegida. Sendo assim, a solução para a realização desses direitos, na sua opinião, depende do desenvolvimento da sociedade. Embora seja verdade que uma sociedade desenvolvida econômica e socialmente tenha a possibilidade de oferecer melhores condições de proteção aos direitos de seus cidadãos, ainda assim existe o risco desses direitos serem desrespeitados caso não sejam concedidos aos indivíduos os meios necessários para que exerçam com plenitude os seus direitos enquanto homens. Ou seja, se é dado ao cidadão o indiscutível direito à vida e à segurança, de nada adianta que a Constituição Federal assim disponha se os meios necessários para que tal direito seja alcançado não lhe forem garantidos. Assim, como exercer o direito à legítima defesa, se um dos principais instrumentos (senão o mais útil hoje) – o porte de arma de fogo – não é mais permitido hodiernamente? Portanto, parece que não basta o desenvolvimento da sociedade (aliás, se assim fosse, países desenvolvidos não teriam criminalidade e nem seus cidadãos teriam armas para defesa), mas também um ordenamento que permita que os direitos constitucionalmente garantidos, especialmente os direitos à vida e à segurança, sejam amplamente respeitados e garantidos, com os meios que possibilitem a sua efetividade, o que também a Carta Maior preceitua. Enfim, o grande enigma dos direitos do homem não é fundamentá-los, mas protegê-los.Assim, não basta que o artigo 5º, da Lei Maior, assegure a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida e à segurança, considerados direitos Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 112 individuais elementares, mas que garanta a utilização de todos os meios necessários para tanto, dentre os quais se destaca o porte de arma de defesa. As Armas de Fogo e a Criminalidade no Brasil: uma Abordagem Crítica ao Estatuto do Desarmamento O Sistema Nacional deArmas (SINARM), instituído pela Lei nº 9.437/1997, foi criado com o objetivo de ser um departamento para dispor sobre o registro de prontuários de todos os cidadãos brasileiros que possuíssem arma de fogo, bem como atuar sobre as deficiências do sistema de fiscalização do comércio legal e sobre o mercado clandestino de armas e munições. Esta lei foi, expressamente, revogada pela Lei nº 10.826/2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento, que passou a dispor sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas, sobre os crimes e outras providências; estabelecendo novo tratamento a respeito dos crimes relativos às armas de fogo. Ocorre que o Estatuto do Desarmamento foi instituído com o objetivo de desarmar a população, propagando-se a falsa ideia de que as armas de fogo são responsáveis pelo alto índice de criminalidade que o país apresenta. Assim, faz-se necessário dar-lhe uma abordagem crítica, demonstrando que o desarmamento, longe de ser a solução para a diminuição da criminalidade, é a passagem para o livre banditismo e caos social. O bem jurídico, tutelado pela Lei nº 10.826/2003, é a incolumidade pública. Neste sentido, os artigos 12 a 18 do referido diploma legal visam punir as condutas que geram perigo à coletividade. A lei pretende, desta forma, proteger o direito à vida, à integridade corporal e à segurança do cidadão, através da punição do perigo de dano para a coibição de ataques efetivos (CAPEZ, 2006). O porte de arma de fogo para defesa, hoje conduta incriminada pela lei, sofreu, no decorrer do tempo, mudanças no âmbito penal. No início, o porte ilegal de arma de fogo era apresentado como um delito anão, ou seja, tratado como contravenção penal e punido, na maioria das Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 113 vezes, apenas com pena de multa. Depois, com a Lei dos Juizados Especiais Criminais, passou a ser considerado delito de menor potencial ofensivo. Com a Lei nº 9.437 de 20 de fevereiro de 1997, o porte ilegal de arma de fogo passou a ser considerado crime. Mais tarde, a Lei nº 10.259 de 12 de julho de 2001, ao dispor sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, estabeleceu que os crimes aos quais a Lei determina pena máxima não superior a 2 anos, devem ser considerados infrações de menor potencial ofensivo. Dessa forma, como os crimes regulados pela Lei nº 9.437/97 acabaram sendo atingidos por tal disposição, o porte ilegal de arma de fogo voltou a ser considerado e tratado como infração de menor potencial ofensivo. Recentemente, após a entrada em vigor da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, entretanto, tal situação novamente sofreu alterações. A Lei das Contravenções Penais (LCP) passou a prever apenas as condutas relativas às armas brancas, enquanto que a Lei nº 10.826/2003 passou a dispor sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas (SINARM), sobre os crimes e outras providências, revogando expressamente a Lei nº 9.437/1997 e estabelecendo novo tratamento a respeito dos crimes relativos às armas de fogo. Tem-se discutido muito a respeito da constitucionalidade da Lei nº 10.826/2003, considerada, por muitos, uma afronta ao direito natural de legítima defesa, à Constituição, à lei e à moral (ALMEIDA, 2007). Inclusive, a este respeito, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN – 3112 (uma das muitas ajuizadas contra a Lei nº 10.826/2003), proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a inconstitucionalidade de três dispositivos do Estatuto do Desarmamento, considerou inconstitucionais os artigos 14, parágrafo único, 15, parágrafo único e 21 do Estatuto. O artigo 35 nem chegou a ser apreciado pelos ministros, que entenderam ter perdido o objeto, não tendo mais validade no mundo jurídico, pois tratava da proibição do comércio de arma de fogo e munição no território nacional, o que não foi aceito pela população no Referendo realizado em 2005, que decidiu pela manutenção do comércio no País. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 14 Os parágrafos únicos dos artigos 14 e 15, que consideravam inafiançáveis o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido e o disparo de arma de fogo, foram, portanto, declarados inconstitucionais, assim como o artigo 21, que proibia a liberdade provisória para posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, comércio ilegal de arma de fogo e tráfico internacional de arma de fogo (STF, relator Ricardo Lewandowsky). Quanto à liberdade provisória, entendeu o STF que os crimes descritos nos artigos 16, 17 e 18 do Estatuto (posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, comércio ilegal de arma de fogo e tráfico internacional de arma de fogo) devem ser suscetíveis de tal benefício, sob pena de lesão aos princípios constitucionais da presunção de inocência (artigo 5º, LVII da CF), do devido processo legal (artigo 5º, LIV da CF), da obrigatoriedade de motivação da prisão pela autoridade judiciária competente (artigo 5º, LXI da CF) e da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, LV da CF). Assim, decidiu-se pela inconstitucionalidade do artigo 21 do Estatuto (STF, relator Ricardo Lewandowsky. Embora a ADI proposta pelo PTB tenha pedido a total inconstitucionalidade do Estatuto, o Ministro do STF, o relator Ricardo Lewandowsky, considerou que os outros dispositivos da lei são constitucionais, permanecendo como crimes, portanto, a posse e o porte irregulares de arma de fogo por civis. Por isso, a Lei nº 10.826/2003 continua sendo alvo de críticas. Conforme estudo do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), 40% das leis brasileiras são inconstitucionais. É o caso da Lei nº 10.826/2003, que foi criada sob forte emoção dos legisladores, sem a devida avaliação de todas as suas consequências e de seu alcance, com o propósito de proibir a posse e o porte de armas de fogo para a maioria da população brasileira, salvo para alguns privilegiados (ARRUDA, 2006). De acordo com dados fornecidos pela Polícia Federal, existem, no Brasil, 15 (quinze) milhões de armas de fogo, incluindo as das Polícias Federal, Militar e Civil. Do total, apenas 4.348.140 (quatro milhões, trezentos e quarenta e oito mil e cento e quarenta armas de fogo) estão nas mãos de civis e devidamente registradas no SINARM, e, Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 115 destas, aproximadamente 500 mil foram recadastradas (VARELLA, 2007). O alto valor da taxa, em muitos casos, supera o preço da arma, o que leva muitas pessoas a preferir manter as suas armas na ilegalidade, o que gera maior circulação de armas ilegais no Brasil (VARELLA, 2007). Diante de tantos óbices, verifica-se que a Lei nº 10.826/2003 acaba não sendo cumprida adequada e integralmente. Sabendo-se que as leis, para serem cumpridas, devem ter o apoio da população, se a lei do desarmamento for vista pela sociedade como arbitrária, hedionda ou tirânica, cheia de ilegalidades e tolhedora do direito de legítima defesa, haverá desobediência civil e diminuição do interesse em colaborar com outras leis mais eficientes no controle da criminalidade, levando a um resultado inverso do inicialmente pretendido. O Porte deArma como Suposto Fator de Criminalidade O porte de arma de fogo, com o objetivo de defesa dos cidadãos de bem, não constitui fator significativo nos índices de criminalidade no Brasil. Observa-se, assim, que existe um mito a respeito do desarmamento da população, pois, ao contrário do que possa parecer, a restrição à venda de armas (seja para posse ou porte) não reduz a criminalidade, apenas a fortalece, o que se conclui a partir de análises estatísticas dos crimes praticados por civis com emprego de arma de fogo e pode ser constatado tanto no Brasil quanto em outros países. Neste sentido, uma das principais organizações de atiradores da Inglaterra (Shooting Sports Trust – SST), em documento oficial publicado em 1996, revelou que, embora o número de certificados de armas de fogo tenha atingido o seu mais baixo nível desde que foram impostas restrições severas aos registros, o uso ilegal de armas de fogo e os crimes à mão armada na Grã Bretanha atingiram o seu mais alto nível histórico (Aumentam os crimes com armas na Inglaterra, 2007). Nos Estados Unidos, entretanto, onde o direito de autodefesa foi amplamente preservado, observa-se outra realidade. Desta forma, enquanto que nos EUA a criminalidade diminui, na Inglaterra ela aumenta, destacando-se, inclusive, como um dos países mais Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 116 industrializados onde a população mais teme a violência, pois, indefesa, conta apenas com a proteção dada pela polícia (VIAPINA, 2007). No Brasil, por sua vez, após a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, a venda de armas legalizadas teve importante redução de 92%, mas, em contrapartida, o índice de criminalidade aumentou, resultado, aliás, previsível, por obviedade. Assim, analisando-se a taxa de homicídios e o número de armas vendidas legalmente para civis no Brasil entre 1979 e 2000, percebe-se que enquanto as restrições às armas foram crescendo, com conseqüente diminuição do número de armas de fogo no país, os homicídios aumentaram. O número de armas vendidas legalmente para civis caiu de aproximadamente 55 mil para quase 23 mil neste período, enquanto que, em números absolutos, o número de homicídios subiu de 10 mil para 40 mil por ano (FAVETTI, 2006). Para que se compreenda melhor que o número de armas nas mãos da população não determina a criminalidade em um país, basta que se compare o número de armas existentes por habitante nos diferentes países. Enquanto que o Canadá, por exemplo, possui 0,7 arma por habitante (onde, curiosamente, os índices de violência são muito menores que os do Brasil, com cerca de 2 homicídios/100 mil habitantes/ano), o Brasil é uma nação relativamente subarmada, com apenas 0,1 arma por habitante (as armas de fogo estão presentes em apenas 5% dos lares e as taxas de homicídio giram em torno de 27 homicídios/100 mil habitantes/ano). Constata-se, desta forma, que o argumento usado pelos antiarmas de que mais armas significam mais crimes não é verdadeiro, pois se assim fosse, na Inglaterra e no Brasil, assim como em outros países que adotaram a medida desarmamentista, a criminalidade teria diminuído, o que não foi verificado. Impedir que o cidadão de bem adquira arma de fogo como medida de combate à criminalidade resulta exatamente o contrário: o seu aumento, o que vem se intensificando desde a implementação do Estatuto do Desarmamento, em 2003 (ALMEIDA, 2007). Os crimes diminuem somente quando o bandido percebe que existe um alto risco em sua ação criminosa, em razão da repressão e da certeza de punição. Tanto é assim que nos Estados norte-americanos, Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 117 onde as armas são liberadas, o número de assaltos a residências é relativamente baixo, ao passo que na Inglaterra, onde as armas são proibidas, esse número é alto (VIAPINA, 2007). Conforme pesquisa feita em universidade americana (Escola de Direito da Universidade de Chicago), comandada pelo professor John R. Lott Jr., a problemática a respeito do porte de arma ser ou não um fator de criminalidade gira em torno de se descobrir se as armas inibem ou estimulam o crime. Nos Estados Unidos, trinta e um estados permitem o direito ao porte de arma aos seus cidadãos e, analisando-se estatísticas disponíveis do FBI entre 1977 e 1992, obteve-se resultado importante, que pode e deve ser aproveitado no Estado brasileiro. Os Estados que permitem o porte de arma tiveram importante redução nos índices de criminalidade, em comparação aos estados americanos que não adotam a mesma política, o que gerou a conclusão de que os crimes são evitados em razão do direito ao porte de arma de forma livre, pois os criminosos são inibidos quando sabem que os cidadãos possuem meios de equiparação à agressão que podem vir a sofrer (LOTT JÚNIOR, 2006). Assim, constata-se que um cidadão de bem armado, com o objetivo de defender-se, dificulta a ação criminosa, revelando que, diante da possibilidade de reação da vítima, nem mesmo os criminosos gostam de correr riscos, e esta constatação é reforçada por inúmeras outras pesquisas independentes. Ou seja, apenas o fato de ser livre o direito ao porte de arma já aponta benefícios à coletividade, em razão de manter os criminosos incertos quanto à capacidade de a vítima insurgir-se contra agressão, dificultando-se, assim, a atividade criminosa (LOTT JÚNIOR, 2006). Segundo Viapina (2007, p. 1), o cidadão honesto deve ter o direito de portar uma arma de fogo não só por legítima defesa, mas porque, armado, ele eleva o risco para os bandidos, criando um efeito positivo inclusive para quem não possui armas. O problema é que a mídia costuma apresentar as armas de fogo sempre associadas a crimes e tragédias, produzindo uma falsa ideia de Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 118 que as armas são ruins e sempre levam à morte as pessoas que com ela se deparam, principalmente vítimas de ataques criminosos. Entretanto, embora tenha se propagado a ilusão de que a arma de fogo é um instrumento de morte, sob a alegação de que pessoas armadas têm mais chances de serem mortas, se assaltadas, tal argumento pode ser facilmente rebatido. Basta pensar que muitos crimes já foram evitados e, consequentemente, muitas vidas foram salvas por cidadãos armados. Entretanto, este tipo de notícia não chega à população por falta de interesse da mídia ou por não ser registrada a sua ocorrência, pois, como lembra Viapina (2007, p. 1), “o aspecto ofensivo prepondera sobre o defensivo no noticiário”. Outro argumento falho utilizado para demonstrar o grande número de mortes por armas de fogo no país diz respeito aos acidentes com as armas. Sabe-se que os acidentes domésticos com produtos químicos, as queimaduras, os afogamentos e os acidentes de trânsito matam muito mais que as armas de fogo, o mesmo que ocorre, inclusive, nos Estados Unidos, onde existem muito mais armas de fogo que no Brasil (230 milhões contra 5 milhões, aproximadamente). Uma lei de controle das armas não irá evitá-los, mas o Estado pode e deve ensinar aos proprietários de armas de fogo o uso adequado e responsável, estimulando o manejo correto, obrigando-os a guardar a arma em local seguro e punindo severamente os relapsos (VIAPINA, 2007). Os crimes praticados com arma de fogo no Brasil são, portanto, em sua grande maioria, atos de criminosos, que afrontam a paz social e a segurança pública. A proibição do direito à defesa das pessoas de bem através de meios compatíveis com os do agressor, que geralmente anda armado, não pode ser admitida, pois, desta forma, estar-se-ia punindo possíveis vítimas, cuja intenção é a própria defesa ou de sua família, e gerando uma sociedade insegura, pois as restrições às armas por civis aumentam a criminalidade. Conclui-se que os crimes com emprego de arma de fogo são efetuados por bandidos, em sua grande maioria, afrontando a paz social e a segurança pública. Assim, as restrições à venda de armas para civis (seja para posse ou porte) não reduzem a criminalidade, pelo contrário, pois uma sociedade desarmada deixa os criminosos mais confiantes e Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 119 livres ao banditismo. O mito do desarmamento, enfim, precisa ser rompido, pois está claro que desarmar a população, sob o argumento da diminuição da violência no país, entre outros, é uma medida enganosa com efeitos danosos. Todos os argumentos usados para a defesa desta medida são deficientes ou falsos, e levarão o Brasil a um índice assustador de criminalidade, como jamais visto. Considerações Finais Diante de tudo o que foi exposto, conclui-se que, sem dúvida alguma, o porte de arma de fogo pelo cidadão de bem, com a finalidade de defesa de sua vida e de sua família, jamais se constituiu fator de criminalidade, pelo contrário. Os crimes diminuem somente quando o bandido percebe que existe um alto risco em sua ação criminosa, em razão da repressão e da certeza de punição. Assim, através do que se pôde verificar, pela leitura deste trabalho, o porte de arma de defesa configura-se uma medida eficiente para a inibição de ataques de bandidos, que inseguros a respeito de suposta reação da vítima, tendem a diminuir suas ações. A defesa do direito ao porte de arma deve ser encarada, além da perspectiva de direito constitucionalmente garantido, como uma forma de inibição da ação criminosa contra os cidadãos desarmados. Desta forma, o que se defende não é a autodefesa como solução para a crise da segurança pública, mas o respeito ao direito individual à defesa que, devidamente instrumentalizado, inibe a ação criminosa e permite a paz social. Neste contexto, a proibição do direito à defesa por intermédio de meios compatíveis com os do agressor não pode ser admitida, pois, desta forma, estar-se-ia punindo possíveis vítimas, cuja intenção é a própria defesa ou de sua família, e gerando uma sociedade insegura, visto que as restrições às armas para os civis aumentam a criminalidade. O uso de arma de fogo, visando a tais fins é, portanto, direito de todo cidadão, sob pena de violação constitucional dos direitos individuais à vida e à segurança, pois a ação defensiva do próprio indivíduo, uma vez autorizada pela Carta Magna, não pode ser inviabilizada por normas jurídicas inferiores, através do mecanismo da proibição do uso dos meios materiais necessários/suficientes para a sua Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 120 consecução, dentre os quais se destaca o porte de arma de defesa. O porte de arma é, enfim, um mecanismo necessário para tornar viável o exercício do direito de segurança, já que o Estado, incompetente no combate às causas primárias da violência como a miséria, a impunidade e o banditismo, não exerce adequadamente a sua função. Finalmente, conclui-se que o porte de arma de fogo por civis, com o objetivo de defesa pessoal ou de suas famílias, jamais constituiu fator relevante de criminalidade, o que reforça a ideia de que este direito individual, constitucionalmente garantido na Constituição Federal de 1988, não conflita com o direito coletivo à segurança pública, pelo contrário, o auxilia, deve ser respeitado e não deve ser suprimido. O porte de arma é direito individual, conforme interpretação que se extrai da análise sistemática do Texto Maior em conjunto com o ordenamento jurídico vigente, constituindo-se num todo harmônico, que busca normas jurídicas justas, atendendo aos anseios dos cidadãos enquanto elementos interessados por uma sociedade justa, livre e segura. Abstract THE GUN LICENSE AS INDIVIDUAL RIGHT AND THE CONJUNCTURE: "FACTOR OF CRIMINALITY" The self-defense is, doubtless, a guaranteed right by the Federal Constitution, of 1988, but to be fully, performed by the citizens, it is necessary that the Brazilian State guarantees, also, all the material means necessary and appropriate material to its accomplishment. In this sense, the gun license, granted to civilians, is revealed an effective way against thieves' attacks that act, usually, armed, and mechanism enabler of a safer society, because an armed society inhibits the banditry. Thus, it important to demonstrate that the gun license, besides being important defense instrument, does not constitute important factor of criminality (what is demonstrated through statistical analysis), not being justifiable, therefore, its privation. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 121 Keywords: Self-defense. Individual right. Gun license. Referências ALMEIDA, Rubens Ribas Garrastazu. O desarmamento do cidadão é uma afronta ao direito natural de legítima defesa, à Constituição, à Lei e a Moral. Disponível em: <http://www.pelalegitimadefesa.org.br/biblioteca/outrasmat/Garrastaz u.htm>. Acesso em: 12 fev. 2007. ARRUDA, Leonardo. Uma lei hedionda. Disponível em: <http://www.armaria.com.br/hedionda.htm>. Acesso em: 20 set. 2006. AUMENTAM os crimes com armas na Inglaterra. Disponível em: <http://www.armaria.com.br/britcrim.htm>. Acesso em: 23 fev. 2007. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de inconstitucionalidade. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/imprensa/pdf/adi3112.pdf>. Acesso em: 4 maio 2007. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. São Paulo: Saraiva, 2006. ______. Curso de direito penal: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. FAVETTI, José Moacir. Desarmamento utópico pode ser tiro no pé. Disponível em: <http://www.pelalegitimadefesa.org.br>. Acesso em: 21 jun. 2006. GRECO FILHO, Vicente. Tutela constitucional das liberdades. São Paulo: Saraiva, 1989. LOTT JÚNIOR, John R. Mais armas significam menos crimes. Disponível em: <http://www.armaria.com.br/maisarma.htm>. Acesso em: 10 jun. 2006. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 122 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral: arts. 1º a 120. 3. ed. São Paulo: R. dos Tribunais, 2002. v. 1. VARELLA, Lael. Câmara dos Deputados: sessão: 207.4.52. Disponível em: <http://www.pelalegitimadefesa.org.br/>. Acesso em: 12 fev. 2007. VIAPINA, Tadeu. Seria mais seguro se todos andassem armados. Disponível em: <http://www.pelalegitimadefesa.org.br/biblioteca/outrasmat/super.ht>. Acesso em: 12 fev. 2007. Diálogos & Saberes, Mandaguari, v. 8, n. 1, p. 109-123, 2012 123