A ARMA Luís Fernando Veríssimo Nessa discussão sobre baixarias na TV e a má qualidade generalizada do que vai ao ar, ninguém se lembra que toda casa brasileira — pelo menos toda casa brasileira com TV — tem uma arma eficaz de autodefesa. É uma arma poderosa. Com ela se cala a boca do político embromador e do apresentador gritão, se elimina o programa que choca ou desagrada e o troca por outro, se chega até, em casos extremos, a cortar a força do aparelho ofensivo e silenciá-lo, para sempre ou por algum tempo, para aprender. E tudo isto sem sair da poltrona. O nome da arma é Controle Remoto. É movida a pilhas e cabe na palma da mão. Não é uma invenção muito antiga. (Sim, crianças, houve um tempo em que para ligar e desligar a TV ou mudar de canal você precisava sair do sofá e ir até lá. Inconcebível, eu sei.). Mas minha neta começou a usar o controle remoto antes de começar a andar, e pelo menos duas gerações se criaram usando-o sem se dar conta da mágica que tinham nas mãos. O poder de mover as coisas à distância e comandar o mundo sem precisar sair do lugar é uma ambição humana desde as primeiras bruxas, mas as gerações que se criaram com ele usam o CR com a inconsciência de um cachorro brincando com uma bola de césio. Se não se dão conta do seu poder mágico, muito menos se dão conta de que o CR é uma arma. Porque o CR também representa essa outra coisa potente que temos para nos defender das agressões da TV: o livre arbítrio. A capacidade de decidir por nós mesmos. De procurar uma alternativa, outro canal, ou o silêncio. Em vez de dizer "isto deveria ser proibido" e incentivar, indiretamente, a censura, e negar o direito dos outros de gostarem de porcaria, deveríamos exercer, soberanamente, a liberdade de escolha do nosso dedão. O Globo, 02.02.2012 1. Classifique os trechos extraídos da crônica de Luís Fernando Veríssimo, de acordo com a categorização dos tipos textuais. a) “É movida a pilhas a pilhas e cabe na palma da mão. Não é uma invenção muito antiga.” b) “...minha neta começou a usar o controle remoto antes de começar a andar.” c) “Porque o CR também representa essa outra coisa potente que temos para nos defender das agressões da TV: o livre arbítrio.” d) “Em vez de dizer ‘isto deveria ser proibido’ e incentivar, indiretamente, a censura, e negar o direito dos outros de gostarem de porcaria, deveríamos exercer, soberanamente, a liberdade de escolha do nosso dedão.” e) “...deveríamos exercer, soberanamente, a liberdade de escolha do nosso dedão.” 2. Pode-se dizer que, ainda que o texto contenha trechos de diversos tipos textuais, predomina nele um determinado de organização textual. Qual seria ele? Por quê? 3. No primeiro parágrafo, predominam modificadores de uma certa classe gramatical (“político embromador”, “apresentador gritão”, “aparelho ofensivo”). a) Qual seria ela? Justifique. b) Além de pertencerem à mesma classe gramatical, estes modificadores servem a um mesmo propósito para a defesa da ideia do autor. Qual seria este propósito? 4. Explique por que o controle remoto é comparado a “uma arma poderosa”, retirando do texto passagens que ratifiquem esta comparação. GABARITO 1. a) descrição; b) narração; c) argumentação; d) argumentação; e) injunção 2. Argumentação. O texto defende a ideia de que o poder de decisão individual, exercido através do uso do controle remoto, é a melhor forma de se combater a má qualidade da programação televisa, colocando-se contra a censura. 3. a) adjetivo, porque modifica substantivos; b) Criticar a programação da televisão. 4. O controle remoto é uma arma poderosa, pois é um meio eficaz de se lutar contra a má qualidade da televisão; reforça esta ideia o uso dos verbos “calar”, “eliminar”, “cortar” – que exprimem ações violentas.