RELATO DE EXPERIÊNCIAS NO VER

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RELATO DE EXPERIÊNCIAS NO VER-SUS 2015/2 SÃO LUÍS (16-23/07/2015)
Dayanne Ellen da Silva e Silva*
No primeiro dia, a comissão organizadora e os facilitadores receberam os viventes
na Sala de Humanidades da Universidade CEUMA, com fundo musical agradável e em clima
descontraído e acolhedor, passando-lhes as primeiras orientações. Os viventes chegavam aos
poucos e ficavam ali sentados, com olhares curiosos e ansiosos, nem imaginavam que suas
vidas mudariam a partir da vivência. Ainda de manhã, foi realizada a dinâmica da rede, onde
todos se dispuseram em círculo e um barbante foi passado, cada pessoa que pegava o barbante
descrevia brevemente sua identidade (nome, curso, instituição e gostos) e o passava adiante
sem soltá-lo. O resultado foi a formação de uma rede cuja importância foi mostrar que existe
uma relação de dependência entre os componentes do sistema de saúde, mas que se todos
estão interligados é possível sustentar a rede, que o SUS representa uma interligação de
pessoas e serviços de saúde. Após a dinâmica, viventes e facilitadores receberam envelopes
para decorar conforme suas vontades, esses envelopes ficaram colados na parede para que
qualquer pessoa pudesse colocar recadinhos.
À tarde, houve a divisão dos viventes em seis Núcleos de base (NBs) e seis
Grupos de Vivência (GVs), liderados por facilitadores. À autora coube a participação no NB 6
no GV 3. Em seguida, houve a reunião dos viventes e facilitadores em NB para formar a
identidade dos grupos, nomeando-os e criando bandeiras com seus respectivos significados.
Os Núcleos de Base foram então nomeados em: InterligaSUS, ArboSUS, Metanoia, ImerSUS,
UniverSUS e Rede SUStentar. O NB6, Rede SUStentar, utilizou como símbolo uma bandeira
do Brasil customizada, apontando componentes fundamentais do Sistema Único de Saúde,
que são as redes, o cuidado e o amor com os quais os usuários devem ser tratados, os
questionamentos e posicionamento crítico que os profissionais devem ter, os usuários e a
*
Vivente do Programa VER-SUS São Luís (MA) 2015/2.
Acadêmica de Nutrição da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
interligação dos diversos componentes do SUS. Ainda nessa tarde, houve a transmissão de um
documentário ilustrando a história da saúde no Brasil a partir de 1900.
A noite desse mesmo dia foi marcada por uma discussão com todos os
facilitadores e viventes a respeito do documentário supracitado. Em síntese, o século XX e
começo do século XXI foram marcados por epidemias de doenças negligenciadas e/ou
transmissíveis, hospitais filantrópicos, Revolta da vacina (1904), criação do Ministério da
Saúde (1953), criação e evolução da Previdência Social, Medicina preventiva, movimentos
sociais em favor da saúde, 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), aprovação da
regulamentação do SUS (1990) e Programa Saúde da Família (1994).
Já no dia seguinte, 17 de Julho, as atividades começaram cedo com a discussão
das leis 8.080/90 e 8.142/90, primeiramente em NB e, posteriormente, com todos. Ambas
tratam-se de leis complementares que elucidam a organização e o funcionamento do SUS. A
primeira dispõe sobre as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde em todo o
território nacional, além das competências, recursos financeiros e participação dos serviços
privados de saúde no SUS. A lei 8.142/90 fala sobre a participação social, através de
conferências e conselhos de saúde, e sobre o repasse dos recursos financeiros entre a União,
estado e município. No NB6 foi levantada a questão de que a participação social não é efetiva,
porque maior parte da população brasileira desconhece a lei e os mecanismos pelos quais ela
pode acontecer, sendo necessária uma maior disseminação de informações e incentivo à
participação das pessoas em conferências e conselhos de saúde. As pessoas precisam se
empoderar dos direitos de lhes assistem.
Pela tarde, a profa. Paola Trindade ministrou uma oficina cujo tema foi “Atenção
Básica em Saúde”. A oradora contemplou conceitos; abrangência desse nível de atenção;
princípios norteadores; programas, redes e estratégias relacionadas (PMAQ, PSE, ESF, Rede
Cegonha, etc); assistência na ABS e comparações entre os três níveis de atenção. Após
ministrar todo o conteúdo pertinente à Atenção Básica em Saúde, a professora pediu que os
ouvintes se dividissem em grupos e caracterizassem possíveis ações para solucionar um caso
descrito por ela (uma professora busca solução para minimizar os casos de bullying e gravidez
na adolescência que estão acontecendo na escola onde ministra aulas).
Nesse sentido, a discussão no NB 6 incluiu profissionais envolvidos, local de
atuação, ações e tempo de duração. Os profissionais foram médicos, enfermeiros, psicólogos e
nutricionistas, que ministrariam palestras, oficinas e rodas de conversas sobre sexualidade,
vacinação, alimentação e temas pertinentes às capacidades de cada profissional. Além dos
profissionais de saúde e dos alunos, levantou-se a importância dos pais e escola
acompanharem todo o processo. O projeto perpassaria pela escola, UBS mais próxima e
família, com possibilidade de se estender para a comunidade, e duraria em torno de quatro
meses.
À noite, nesse mesmo dia, viventes e facilitadores se reuniram em NBs para
discutir a Política Nacional de Humanização (PNH). Nesse sentido, a Humanização busca
estreitar os laços entre gestores, profissionais e usuários e todos os serviços do SUS
(transversalidade); inclui mudanças na forma de gerir e cuidar, diversificação de cuidados e
formas de organização, e propõe melhor atendimento ao usuário, como espelho da sintonia
entre os diversos atores do processo de saúde.
Dando seguimento, na manhã do terceiro dia, ocorreram visitas em Unidades de
Pronto Atendimento (UPAs) e maternidade. O Grupo de Vivência 3 direcionou-se à UPA do
Vinhais e foi recebido pela coordenadora do local. Como o próprio nome já diz, a UPA é um
serviço de pronto atendimento cuja função principal é estabilizar o paciente e, caso
necessário, referenciá-lo para hospitais de referência. Em casos de internação, o normal é o
paciente ficar lá por até 24h, mas há casos frequentes de pessoas que ficaram semanas e até
meses internados devido à falta de leitos em hospitais de referência. O paciente passa por
triagem e classificação de risco – azul, verde, amarelo e vermelho, em ordem crescente de
gravidade. A unidade conta com médicos generalistas, enfermeiros, técnicos de enfermagem,
fisioterapeuta e assistente social, mas não possui psicólogos, nutricionistas ou médicos
especialistas, somente o Centro de Especialidades acoplado a ela que contempla quase todas
as especialidades. E a rotatividade de funcionários dificulta bastante a capacitação dos
funcionários e eficácia do atendimento.
É importante destacar também que o prédio em que se encontra a UPA do Vinhais
já existia e foi somente adaptado a ela, fato que a diferencia das demais UPAs e que
impossibilita a seleção na entrada de pessoas; assim, qualquer pessoa pode entrar e ocupar o
espaço destinado a pacientes, causando tumultos muitas vezes. Fato mais agravante ainda é a
ausência de segurança armada, que aumenta o clima de insegurança entre os funcionários,
principalmente nas madrugadas.
Outra questão, levantada pelos estudantes de Nutrição, é a ausência de
nutricionistas nessa UPA, já os pacientes internados em semiUTI (Sala Vermelha) têm
quadros mais graves e debilitantes, necessitando de alimentação adequada e que, na maioria
dos casos, precisa ser enteral. Então, quem é responsável pela alimentação dos pacientes
acamados na Sala Vermelha? Ficou essa pergunta no ar.
À tarde do dia 18 de Julho, três GVs visitaram o Asilo de Mendicidade e três
visitaram a Fundação Antônio Bruno. O GV 3 foi ao Asilo de Mendicidade de São Luís com a
proposta de humanização. O asilo em questão é uma instituição não governamental, criada
pela Loja Maçônica Renascença, cuja metade dos idosos atendidos não possui família. Ao que
parece, os idosos têm todo suporte médico que necessitam.
Quanto aos viventes e facilitadores, ao chegarem lá depararam-se com asilados
debilitados, com olhos cansados, mas curiosos. À medida que foram sendo realizadas
brincadeiras, danças, dinâmicas, músicas e até leitura de poesias, percebia-se que os idosos se
interessavam, alegravam-se, mas a debilidade de seus corpos não os permitia expressar
através de gestos e palavras (em alguns casos). Os olhos dessas pessoas contavam histórias,
demonstravam tanto a insatisfação em estar ali, quanto a alegria ao se depararem com pessoas
que se importam com eles e que querem fazer-lhes o bem. Nesse sentido, algo perceptível
nesses idosos é a falta que um ente querido ou família faz, um dos senhores demonstrou
profunda saudade de sua família e chegou a se emocionar ao falar de seu netinho.
As atividades desse dia encerraram-se à noite, após a discussão a respeito das
vivências matutinas e vespertinas com todos os participantes da imersão.
As atividades matutinas do dia 19 de Julho começaram com a divisão dos
participantes em NBs para a discussão e apresentação lúdica das redes de atenção à saúde. A
autora estava inserida no grupo responsável por ilustrar a Rede Cegonha, portanto, foi feita
uma espécie de peça teatral onde cada integrante tinha uma função importante na rede
supracitada. A história contada incluiu uma gestante, seu companheiro e, posteriormente, sua
filha; uma UBS, uma maternidade; uma SAMU; um agente comunitário e uma equipe
multidisciplinar. O que se pretendeu mostrar foi que a Rede Cegonha é uma estratégia que
assiste as gestantes e as crianças até os dois anos de idades, compondo pré-natal, parto e
nascimento, puerpério e atenção total à saúde da criança, sistema logístico e planejamento
familiar. O bom funcionamento dessa rede seria essencial e tranquilizador para a gestante,
mas nem sempre isso acontece.
À tarde, cada NB recebeu a descrição de um caso específico para propor soluções.
O NB 6 recebeu o seguinte caso: “Homem de 40 anos encontrado em situação de rua pela
equipe de busca ativa do Centro Pop, apresentando lesões corporais”. Primeiramente, foi
necessário entender o campo de atuação do Centro Pop, já que a maioria dos viventes
desconhecia. Esse centro é um serviço de assistência social que atende pessoas em situação de
rua e providencia documentação, higiene pessoal, abrigo e capacitação. Desse modo, as
medidas foram tomadas de forma a acolher esse morador de rua no Centro Pop, verificar se
ele possuía documentos e providenciá-los se necessário, encaminhá-lo a um serviço de saúde
para tratar as lesões corporais, realizar uma escuta para definir as demandas, localizar a
família e tentar fazer uma reaproximação (se for vontade do protagonista), abrigá-lo em um
albergue fornecido pelo Centro Pop e encaminhá-lo a cursos de capacitação visando a
reinserção desse sujeito na sociedade. A singularidade desse caso foi a intersetorialidade que
abordou, a parceria entre serviços que visam a qualidade de vida e bem-estar das pessoas;
dessa forma, o conceito de saúde é visto como algo maior e integral, que caminha também
pela assistência social.
No dia seguinte, 20 de Julho, retornaram as visitas, o GV3 visitou a Unidade de
Saúde da Família – AMAR, no bairro Cohama, e foi recebido pelo diretor administrativo do
local. O local apresenta um espaço amplo e arborizado; três equipes de saúde da família
completas e uma incompleta; programas de promoção e prevenção antitabagista, programa
para idosos e gestantes, de tuberculose, de hanseníase e de diabetes e deve atender as
comunidades próximas (Sete de Setembro, Vila Cruzada, Vila Jiboia, Vila União e Vicente
Fialho). A unidade têm ainda serviços de odontologia, imunização, nebulização, sala de
curativos, farmácia para uso hospitalar e uso da comunidade, consultórios, realização de
preventivos e testes rápidos (HIV, HPV, Hepatite e Sífilis), segurança armada durante o
período de funcionamento (8 às 17h) e não costuma atender emergências, nem possui
ambulâncias. A equipe multidisciplinar é composta por assistentes sociais, psicólogos, clínico
geral, enfermeiros, técnicos de enfermagem, terapeutas ocupacionais, agentes comunitários,
dentistas e pediatras, deveria ter ginecologista, porém foi passado que esse estava de licença
há bastante tempo. A unidade dispõe também do SAME (Serviço de Arquivo Médico) que
abriga arquivos médicos em pastas, sem informatização, e do CMAQ para marcação de
consultas.
Em conversas com dois Agentes Comunitários de Saúde (ACSs) da AMAR,
descobriu-se que cada ACS cobre cerca de 150 residências, deve morar na comunidade
atendida pela unidade de saúde, e leva informações semanais sobre hipertensos, diabéticos,
gestantes, hansenianos, crianças e acamados. Os ACSs relataram que a função prioritária é
criar vínculos com as famílias atendidas, que têm dificuldades em acompanhar residências
que mudam de moradores com frequência e que a visita domiciliar com médicos do PSF
deveria acontecer uma vez por mês, só que normalmente os médicos não vão, ficam
remarcando, e isso impossibilita uma assistência melhor que só os médicos poderiam dar.
Acontece também de muitos agentes comunitários marcarem consultas para as famílias que
atendem, mas esses demonstraram insatisfações com os atrasos e dificuldades de conseguirem
autorização para exames de maior complexidade.
Durante a tarde, houve momento de descontração e alegria na confecção da
bandeira do Ver-SUS 2015/2; muitas cores, sorrisos e simbologias marcaram essa tarde.
Finalizando as atividades do dia 20, a noite foi marcada por uma conversa com o
enfermeiro coordenador do DSEI-MA, Alexandre Cantuária, sobre saúde indígena. Em torno
de 1960-70 iniciaram as primeiras ações de saúde do índio, em 1967 foi criado o Estatuto de
Índio e a FUNAI (o primeiro órgão responsável pelos indígenas), em 1999 foi instituído o
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena e a partir de 2002 foram instituídos os Distritos
Sanitários Especiais Indígenas, que abrangem territórios indígenas que ultrapassam limites
municipais. O DSEI-MA têm informações da existência de cerca de 33 mil indígenas no
Maranhão, espalhados por diversas tribos como Guajajaras, Krikatis, Canelas, Tremembé e
Guanelas. Existem 30 equipes multidisciplinares e 6 polos de base (base de apoio
administrativo para organizar equipes e entrada e saída dos índios das redes de saúde) no
território maranhense. O que o Alexandre deixou de mais importante foi que os serviços e
profissionais de saúde precisam ser coesos com as culturas e comportamentos indígenas,
respeitando-os e preservando-os. O profissional não pode simplesmente atender um índio e
querer que ele aceite todas as recomendações prontamente, é preciso entender a realidade
indígena e achar uma forma de suprir suas necessidades de saúde sem fazê-lo perder sua
identidade. É interessante perceber o compromisso que os profissionais da saúde indígena têm
que ter com a preservação da cultura, visto que tantas aldeias já foram tomadas por costumes
de outros povos, fazendo se perder culturas valiosíssimas.
O dia 21 de Julho iniciou-se, pela manhã, com um momento de esclarecimento
das dúvidas sobre o uso da plataforma onde deveriam ser postados os portfólios, seguido de
distribuição de textos sobre vigilância sanitária, ambiental e epidemiológica, com a proposta
de criação de uma disciplina que pudesse ser ministrada a todos os cursos da saúde e a alguns
outros. Após discussão e entendimento do assunto, o GV3 propôs uma disciplina de vigilância
sanitária cujo nome foi “Normatização Técnica e Vigilância Sanitária I”, definindo objetivos
geral e específicos, conteúdo das aulas teóricas e práticas, carga horária e formas de avaliação
(seminários, provas, presença e participação). O objetivo principal da disciplina foi
compreender as ações da vigilância sanitária pautados nas políticas públicas para a qualidade
de vida.
No turno vespertino desse sexto dia, dois GVs, incluindo o GV3, visitaram a
HEMOMAR (Centro de Hematologia e Hemoterapia do Maranhão) e foram recebidos pela
assistente social Teresa Cristina. Primeiramente, o local é dividido em setor de Hematologia e
de Hemoterapia, possui 7 núcleos de coleta no Maranhão, possui atendimento indistinto e
promove campanhas de doação de sangue em parceria com igrejas e instituições militares. A
estruturação é bastante organizada e eficiente, possui recepção, consultórios, pré-triagem, sala
de coleta, laboratórios para as análises das amostras de sangue (de Hematologia, de
Imunohematologia e de Sorologia), ambulatório, entre outros, e está sendo construído o banco
de sangue de cordão umbilical. A equipe atuante nesse estabelecimento é multidisciplinar,
composta por todas as especialidades necessárias.
No ambulatório foi encontrado um menino de 10 anos, da cidade de Timon, com
anemia falciforme, recebendo uma bolsa de sangue de uma doação voluntária. Infelizmente,
essa criança precisará receber transfusão de sangue a vida toda e atualmente recebe uma bolsa
por mês. A insatisfação e o cansaço com essa condição estavam estampados nos rostos da
mãe e da criança, mas o que se pode fazer é incentivar cada vez mais a doação de sangue para
que crianças como essa tenham suas vidas preservadas. Já na sala de coleta, encontrou-se um
doador assíduo que já fez tanto doações direcionadas quanto doações voluntárias, ele afirmou
que a sua motivação para doar sangue é saber que pode ajudar alguém que está precisando.
Infelizmente, os desafios quanto à doação de sangue e de medula óssea são reais,
a demanda de necessitados é grande e poucos são os doadores de sangue, menos ainda são os
doadores cadastrados para a oferta de medula óssea. Em períodos festivos, a demanda de
necessitados de doação aumenta e a quantidade de doadores diminui, por isso são feitas
muitas campanhas de doação. Além disso, a HEMOMAR precisa manter seu estoque de
sangue com o máximo de bolsas possíveis, porque distribui essas para qualquer hospital
cadastrado e necessitado. Enfim, a doação de sangue é feita após triagens e descarte de
doenças que venham a infectar o recebedor e janelas imunológicas. O sangue doado é
dividido em 3 bolsas (hemácias, plaquetas e plasma) e dele são retiradas 4 amostras para
realização de exames. Caso os exames apresentem alguma alteração, o doador é chamado e,
se necessário, referenciado para hospitais de referência. Homens podem doar quatro vezes ao
ano (num intervalo de 60 dias) e mulheres, três vezes ao ano (num intervalo de 90 dias). É
possível também fazer doação somente de plaquetas por aférese (separação), correspondendo
a umas cinco bolsas pelo processo de coleta usual.
As atividades do dia terminaram à noite com a dinâmica dos estigmas (ladrão,
vadia, gordo, magro, deficiente mental, homossexual, pessoa com HIV, ex-presidiário, entre
outros), onde a maioria dos participantes sentiu na pele como é ser desprezado e excluído pela
sociedade, enquanto outros se sentiram muito amados. A dinâmica foi essencial para a
desconstrução de conceitos pré-moldados que a sociedade impõe e para confirmar a ideia de
que todos têm suas singularidades, mas merecem respeito e precisam de carinho independente
disso. Muitas pessoas se emocionaram, falaram como se sentiram no momento e o que fariam
para mudar a situação; algumas também relataram suas experiências e como venceram os
preconceitos.
O dia seguinte, 22 de Julho, iniciou com a visita ao Centro de Recuperação de
Dependentes químicos Canaã, mais chamado de Fazenda Canaã. É instituição religiosa, sem
recursos públicos, gratuita e que surgiu da vontade do fundador de ajudar pessoas nessa
situação, visto que seu irmão, usuário de drogas e portador de problemas psíquicos, sofreu e
fez familiares sofrerem. O local prepara-se para atender 100 internos; está em reforma para a
construção de um consultório odontológico e um médico; conta com triagem, exames e
avaliação psicológica e possui 10 funcionários (aproveitando os recuperados). Portanto, é um
centro que atende somente dependentes químicos, sem comorbidades e transtornos psíquicos,
pois não tem equipe de saúde suficiente nem disponibilidade de medicamentos.
A Fazenda Canaã trabalha também com o auxílio da família (codependentes) com
os 12 passos do AA e NA. Os internos têm suas rotinas estabelecidas e buscam se inserir em
alguma atividade realizada no local, como na cozinha, na marcenaria, na floricultura e no
processo de colheita e transformação do coco. O centro se sustenta com doações e produtos
cultivados e produzidos no local, contam com uma plantação extensa de coqueiros e a partir
dos cocos produzem adubo, fibras da casca, álcool e pretendem produzir matéria-prima para
móveis (HDF, parecido com o MDF). O que se pode perceber é que nesta fazenda os internos
recebem formação religiosa, desenvolvem consciência ecológica e recebem capacitações para
se reinserirem na sociedade ao término do programa (de 9 meses). Após meses de programa, a
maioria dos internos já consegue sentir-se longe da dependência e tornar-se incentivador da
recuperação de outros dependentes.
A atividade vespertina desse mesmo dia foi marcada por um passeio cheio de
alegrias, risadas e curiosidades ao Parque Botânico da Vale, seguindo pela Trilha do Angelim,
lá foi passado aos viventes e facilitadores a importância de adquirir consciência ecológica e de
preservar as riquezas naturais que cada lugar apresenta. Como demonstrado, essa experiência
não teve só o objetivo de divertir os participantes, já que o SUS preconiza também a
colaboração na proteção do meio ambiente.
À noite, encerraram-se as atividades do dia com a palestra da professora e
psicóloga Mae Soares, sobre Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Essa rede atua integrada
e articulada em diferentes pontos de atenção para atender as pessoas em sofrimento
decorrentes de transtornos psíquicos e de consumo de álcool e drogas. A RAPS é composta
por 7 níveis: a Atenção Básica em Saúde, Atenção Psicossocial Especializada, Atenção de
Urgência e Emergência, Atenção Residual de Caráter Transitório, Atenção Hospitalar,
Estratégias de Desinstitucionalização e Reabilitação Psicossocial. Foi interessante saber que
existe uma rede específica para tais casos e que existem profissionais realmente
comprometidos com essa causa que é tão negligenciada. A política de redução de danos
levantou uma discussão um tanto conflituosa, pois há a orientação para a substituição de uma
droga pesada por uma menos agressiva, como a maconha, para que aos poucos o usuário vá
perdendo o hábito de usá-las.
O encerramento do programa, na manhã do dia 23 de Junho, foi marcado por
muita comoção e amor. Viventes e facilitadores iniciaram as declarações sobre a dinâmica do
anjo, iniciada no primeiro dia de vivência, cujo objetivo era conhecer e cuidar do seu
protegido durante os oito dias sem que ele percebesse. A importância dessa dinâmica foi que a
missão de cuidar de alguém que não conhece abre oportunidades para conhecer melhor as
pessoas, perceber seus potenciais e, talvez, iniciar uma amizade duradoura. Ainda nessa
manhã aconteceu a dinâmica do beijo, onde todos fizeram um círculo e iniciou-se uma cadeia
de beijos no sentido horário e anti-horário, representando que tudo que você faz de bom volta
para você de alguma forma e a nova família que se formou durante os oito dias. Em seguida,
ainda em círculo, foram colocados anéis no meio e cada integrante do círculo deveria pegar
um e falar uma palavra que representasse seu compromisso com o SUS, palavras como
“responsabilidade”, “união”, “integralidade”, “cuidado”, “pacto”, “altruísmo” e “coragem”
foram mencionadas em clima de comoção. Todos já com o anel nos dedos afirmaram o
compromisso de colocar todas as palavras citadas em prática e lutar por um Sistema Único de
Saúde que alcance sua eficácia máxima, que alcance a quase perfeição descrita na sua criação,
que apresente profissionais compromissados com a sua causa, que conheça e atenda as
necessidades dos usuários e que melhore o quadro da saúde brasileira. Por fim, todos pegaram
seus envelopes (confeccionados no primeiro dia) e se despediram dos demais, encerrando suas
jornadas no Ver-SUS 2015/2 São Luís e iniciando uma grande jornada pelo SUS que dá certo.
IMAGENS
1º dia (16/07/2015)
Comissão organizadora, viventes e facilitadores
Dinâmica da rede
NB 6, Rede SUStentar
2º dia (17/07/2015)
Oficina de Atenção Básica em Saúde
3º dia (18/07/2015)
Visita à UPA Vinhais
Asilo de Mendicidade
4º dia (19/07/2015)
Encenação da Rede Cegonha
5º dia (20/07/2015)
Visita à Unidade de Saúde da Família
Confecção da bandeira
Conversa sobre Saúde Indígena
6º dia (21/07/2015)
Visita à HEMOMAR
7º dia (22/07/2015)
Visita à Fazenda Canaã
Visita ao Parque Botânico da Vale
Palestra sobre a RAPS
8º dia (23/07/2015)
Troca de lembrancinhas na dinâmica do anjo
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