Artigo original Sicose e Medicina Interna Sycosis and Internal Medicine RO M E U C A R I L L O J U N I O R 1 R ESUMO Levando-se em consideração a teoria clássica da sicose, proposta por Nebel, Martiny e Bernard, procura-se esclarecer alguns pontos obscuros como a chamada “reticuloendoteliose de porta de entrada” e as hipóteses de relações entre essa diátese e hidrogenismo, alergia, colagenoses, proliferações e o próprio câncer, levantadas por estes e outros autores. Para o estudo, recorreu-se à metodologia de revisão da teoria clássica, tendo como base conceitos modernos de fisiologia, histologia, anatomia e medicina interna, procurando-se estabelecer parâmetros de relação não só no sentido de atualizar o conhecimento homeopático, mas trazendo uma contribuição para a compreensão do modo de desencadeamento de transtornos descritos pela medicina atual à luz da teoria homeopática. Os resultados apontam como causa imunitária da sicose, uma possível falha ou déficit na formação de IgA. O hidrogenismo, provavelmente derivado de causalidades múltiplas, também deve estar relacionado a um aumento intrínseco na produção de hialuronidase.A hipersensibilidade do Tipo III, na classificação de Gell e Coombs, parece se adaptar perfeitamente à fisiopatologia sicótica. Colagenoses, pelo seu caráter histológico e fisiopatológico, assim como a maioria das doenças auto-imunes, parecem ter origem na sicose.As características infecções crônicas, assim como o cerceamento celular resultante dos processos fibróticos, aliados à tendência genética, parecem ser as causas das proliferações e do câncer. Unitermos: Sicose, Imunologia,Alergia, Hidrogenismo, Colagenoses, Câncer 1 Mestre em Morfologia Aplicada pela Universidade da Cidade de São Paulo; Especialista em Homeopatia (AMHB) e em Ortopedia (CFM); Coordenador e Orientador do Curso Pós-graduação em Homeopatia, Medicina Interna e Terapêutica – Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (Centro de Estudos). A Artigo I NTRODUÇÃO A teoria clássica da sicose, principalmente após a contribuição de autores como Nebel, Martiny e Bernard1, que além de apontarem sinais objetivo, levantaram a hipótese de sua relação com o câncer e com falhas imunitárias consideradas, até o momento, como deficiência do “sistema retículo-endotelial de porta de entrada”, apresenta elevada aplicabilidade prática. Pelo caráter subagudo ou crônico das infeções dela decorrentes, prováveis fontes de proliferações, que também a caracterizam, tal hipótese parece bastante adequada. No entanto, esta visão, classicamente aceita, apresenta alguns problemas. A primeira questão que logo se apresenta é: Se a sicose for considerada como reticuloendoteliose de porta de entrada, por que estaria representada por defesa celular intensa e crônica? Na realidade, como procuramos demonstrar, a falha parece se encontrar na defesa específica, ao encargo de imunoglobulinas, mais especificamente de IgA. Numa análise mais aprofundada, portanto, ao menos sob o ponto de vista imunitário, a sicose deveria ser considerada como uma falha na produção desses anticorpos. Com o objetivo de corrigir este viés e determinar as causas e relações com o hidrogenismo, proliferações, colagenoses, alergia e câncer, tendo como base estudos anatômicos, histológicos, fisiológicos3,9 e de medicina interna7, propõe-se uma nova teoria sobre os mecanismos de formação destes transtornos de origem sicótica. M ATERIAL E M ÉTODO O método do estudo, utilizando o material simultaneamente descrito, obedeceu às seguintes etapas: 1) Revisão da teoria clássica sobre a sicose, no que é comprovada sob o ponto de vista observacional, isto é, no aspecto clínico de desenvolvimento de suas fases (estênica ou produtiva, intermediária e astênica ou proliferativa). original 2) Estudo da imunologia para definir a origem da deficiência de defesa das mucosas das “portas de entrada” e a relação da sicose com processos alérgicos desencadeados pelo choque de antígenos específicos. 3) Estudo da fisiologia e da medicina interna para determinar a possível origem diatésica do hidrogenismo, colagenoses, proliferações e câncer. R ESULTADOS A teoria clássica 1,4,6,13,15 E D ISCUSSÃO Parece ter sido Nebel, ao descrever a morfologia de Thuya, o primeiro autor a trazer real contribuição à teoria hahnemanniana da sicose, apontando alguns sinais objetivos que, desde então, se tornaram clássicos, além de demonstrar as estreitas relações dessa diátese com o câncer. Foi, no entanto, Martiny, em 1934, num artigo publicado na revista Homeopatia Moderna, o primeiro a mostrar, em estudo sobre o valor biológico da sicose, que indivíduos hidrogenóides apresentam tendência natural ao que considerou como atonia do sistema retículo-endotelial, caracterizada por reações lentas da defesa local. Com ele concordou Bernard, em seu tratado sobre a sicose, ao referir-se a esta diátese como reticuloendoteliose crônica. Definição Tais conceitos levaram à definição de sicose como “reticuloendoteliose de porta de entrada”, também relacionada à proliferação celular anormal. Da deficiência do sistema retículoendotelial resultaria a má defesa das mucosas genitais e rino-faríngeas, provocando secreções muco-purulentas, subagudas ou crônicas, além de infiltração tissular às custas dos líquidos intersticiais e sensibilidade exagerada à umidade. As secreções mucopurulentas, subagudas ou crônicas, as proliferações celulares anormais e o hidrogenismo formariam a “Tríade da Sicose”. Esta definição, classicamente aceita, apresenta alguns problemas.A primeira questão que logo se apresenta é: Se a sicose for considerada como Artigo original reticuloendoteliose de porta de entrada, por que estaria representada por defesa celular intensa e crônica? Na realidade, como veremos posteriormente, a falha parece se encontrar na defesa específica, ao encargo de imunoglobulinas, mais especificamente de IgA. Numa análise mais aprofundada, portanto, como procuraremos demonstrar, ao menos sob o ponto de vista imunitário, a sicose deveria ser considerada como uma falha na produção desses anticorpos. desencadearia ou agravaria a infiltração intersticial com edema e, de forma particular, as dores articulares das colagenoses.Acredita-se que o hidrogenismo acentue estados depressivos possivelmente pelo edema cerebral. Alguns estados diarreicos e sensações subjetivas de distensão abdominal poderiam estar presentes nesse estado, sendo, portanto, necessário fazer-se o diagnóstico diferencial com distúrbios de origem psórica. Etiologia Proliferações Acreditou-se, até o momento, que o desencadeamento de quadros sicóticos estaria na dependência de infecções genitais e rinofaríngeas ou, ainda, transtornos vacinais. Na realidade, tais transtornos representam quadros sicóticos desencadeados por causalidades extrínsecas, tais como alguns tipos de bactérias e, no caso das vacinas, antígenos específicos. Infecções F ORMAS CLÍNICAS Algumas das formas clínicas mais freqüentemente encontradas na sicose são as infecções genitais por gonoccocos, enteroccocos, colibacilos e parasitas flagelados e as infecções respiratórias altas como as sinusites.Também são classicamente aceitas como sicóticas, as furunculoses crônicas, úlceras varicosas de longa duração, vacinações repetidas e “vacinoses”, que serão posteriormente analisadas com mais detalhes. Importa chamar a atenção para quadros de sinusite, principalmente maxilar, que, após longo período de remissão, apresentam-se novamente com secreção abundante, diarréias, furunculoses e úlceras rebeldes, manifestações erroneamente interpretadas durante o tratamento homeopático como fenômenos exonerativos e que, na realidade, não passam de sintomas de sicose ativa. Hidrogenismo Representado pela sensibilidade exagerada à umidade, principalmente ao frio úmido, Vegetações genitais do tipo condilomatoso, verrugas, fibromas, cistos glandulares e o câncer, são considerados pela maioria dos autores clássicos, como distúrbios de origem sicótica.As relações entre formações proliferativas e inflamações crônicas, características da sicose, serão discutidas adiante. DA ALERGIA AO CÂNCER Conceito de alergia Todo indivíduo é geneticamente dotado de mecanismos defensivos contra agentes ambientais e todos os sintomas decorrentes dessa reação representam suas exteriorizações.Tais mecanismos são de natureza celular e humoral, representado, este último, pela ação de anticorpos constituídos pela fração gama das globulinas.As substâncias capazes de determinar a formação de anticorpos são chamadas antígenos. Os anticorpos são produzidos pelo SRE, principalmente do baço e gânglios linfáticos, pelas células linfocitóides, histiócitos e plasmócitos. Os anticorpos unem-se aos antígenos neutralizandoos ou mesmo destruindo-os7. A formação dos anticorpos é uma propriedade inerente ao genótipo e, por isso, variável para cada indivíduo, como também dependente da idade e estado de nutrição. Reações alteradas ou modificadas constituem a alergia (allos – outra + ergon – força). Este conceito foi introduzido em 1905 pelo pediatra vienense Clemens von Pirquet (1874-1929), Artigo resultante da observação de doentes tratados com soros específicos para certas moléstias infecciosas, que apresentavam um quadro clínico variável, mas, freqüentemente, representado pela urticária. Pirquet explicou esse quadro como sendo decorrente de alteração da reação orgânica, de onde o nome alergia. Reações alérgicas específicas Kock, em 1891, demonstrou que a inoculação do bacilo em cobaios sãos resultava, após um período de 20 a 30 dias, numa lesão nodular acompanhada de gânglio satélite, que amolecia e, posteriormente, ulcerava, permanecendo assim até a morte do animal. Se neste mesmo cobaio inoculado fosse injetada uma nova dose do mesmo bacilo, verificava-se, 24 horas depois, processo inflamatório local violento, representado por nódulo vermelho-violáceo de rápida evolução necrótica, cujo material era eliminado para o exterior, resultando em escara cianótica sem repercussão ganglionar. Este, ficou conhecido como fenômeno de Kock e demonstra que o cobaio já tuberculinizado, submetido à nova inoculação do mesmo bacilo, reage completamente diferente do cobaio são, que recebeu uma única dose. Charles Richet (1850-1935), filósofo francês, em 1902, procurando estudar as propriedades farmacodinâmicas dos tentáculos das Actíneas, gênero de pólipos marinhos, preparou um macerado em glicerina e injetou 0,1 ml em um cão.Verificou que o animal continuava a viver perfeitamente bem.Após 22 dias injetou-lhe novamente 0,1 ml do mesmo macerado sendo que o cão veio a apresentar graves manifestações como respiração ofegante, marcha difícil, fezes diarréicas e vômitos com sangue, vindo a morrer 25 minutos depois.A autópsia revelou intensa congestão hepática, sufusões hemorrágicas em toda a mucosa gástrica e colapso dos pulmões. Interpretado o fato como falta de reação, o fenômeno recebeu o nome de anafilaxia (áná – contra + phylaxis – defesa), isto é, sem defesa. original Maurice Arthus (1862-1945), em 1903, injetou soro de cavalo em coelhos, sendo que estes nada apresentaram de anormal. Passados 20 dias, uma nova injeção nos mesmos animais desenvolveu, 24 horas depois, um processo inflamatório violento, com intensa congestão e edema e, passadas 48 horas, necrose, que após dois dias foi eliminada resultando em escara. Significado dos fenômenos alérgicos Estes três fenômenos demonstram a reação alterada do organismo em resposta à penetração de nova dose de antígeno.A interpretação do fenômeno alérgico foi dada pelo próprio Pirquet, dizendo que quando um antígeno penetra no organismo, este reage formando anticorpos; se depois de penetrar uma nova dose de antígenos dá-se o choque destes com os anticorpos, resultam fenômenos mórbidos.A alergia, portanto, é a reação alterada do organismo provocada pelo choque antígeno-anticorpo. Se todas as reações descritas anteriormente, assim como a imunidade adquirida, podem ser explicadas pelo choque antígeno-anticorpo, qual a diferença entre elas? A alergia se processa nos tecidos e, portanto, apresenta um quadro anatomopatológico.A anafilaxia age de modo análogo, mas sempre há um órgão especificamente acometido, ou órgão de choque. Finalmente, na imunidade, também resultante do choque antígeno-anticorpo, os tecidos permanecem alheios ao fenômeno e, por isso, não temos o reconhecimento de suas manifestações através de sintomas. Por conseguinte, alergia e imunidade são opostas e quando prevalece uma a outra é baixa. Em outras palavras, imunidade alta equivale a alergia baixa e vice-versa. Visão clássica da Homeopatia Portanto, não se tratando a alergia de hiperfunção mas sim de “perversão da função” (allos – diferente da função), esta patologia deveria estar incluída, ao menos nestas circunstâncias, na sicose Artigo e não na psora, pelo próprio conceito vigente das características “miasmáticas”. Na realidade, como procuramos demonstrar em outros estudos3, os processos alérgicos encontram-se representados em todas as diáteses. Por incrível que possa parecer, este conceito não é novo e vem explicar porque vacinas podem sicotizar e porque Thuya é o medicamento indicado para as vacinoses. Sabese que Boenninghausen recomendava Thuya quando as pústulas vacinais da Varíola fossem muito grandes, apresentando uma série de observações de distúrbios diversos surgidos após a vacina jenneriana, curadas pela administração desse medicamento, tais como cefaléias crônicas, nevralgias, paresias e estados gripais recidivantes. As idéias de Burnnett, quanto à sicotização pósvacina, foram largamente confirmadas, não apenas com relação à vacina anti-variólica como também para outras vacinas e injeções de soro6. Em seu livro “A vacinose, seu tratamento pela Thuya, observações sobre a homeoprofilaxia”, publicado em 1892, apresentou uma série de observações de diversos distúrbios surgidos após a vacinação jenneriana, curados pela administração de Thuya, entre eles a acne, furunculoses, cefaléias crônicas, nevralgias, paresias e infecções repetidas de vias aéreas. Como exemplo de distúrbio surgido após vacinação, descreveremos um caso clássico do Dr. Demarque6: “No dia 24 de dezembro de 1955, um homem de 55 anos vem consultar-me por causa de volumosas adenites cervicais. Era um robusto empregado de açougue, lembrando o tipo Sulphur gordo com predominância sobre Barita carbonica. Antes da atual enfermidade, só se recordava de haver interrompido suas atividades por uma congestão pulmonar, aos 52 anos, da qual se recuperou muito bem. Em março de 1955 é vacinado contra a varíola, no braço esquerdo. A reação local é violenta, com abundante supuração e até gangrena. Leva três meses para cicatrizar. Essa supuração é acompanhada de reação ganglionar, que persiste e dá razão à atual consulta. Emagreceu 3 quilos e perdeu o apetite, especialmente para a carne. Tem suores localizados, e particular sobre o lábio original superior; duas ou três evacuações moles pela manhã. Examinando-o verifico a existência de volumosas adenopatias de consistência normal com pouca periadenite. Localizam-se no pescoço e axilas. Completa o quadro o baço aumentado, palpável a quatro dedos do rebordo costal. Solicitados exames: Leucócitos: 153.000 Hemácias: 3.200.000 Neutrófilos: 1% Linfócitos e linfoblastos: 98% Monócitos: 1% Conclusão: Leucemia linfóide.” Perdendo de vista o enfermo que, segundo ele, deve ter terminado seus dias em algum canto de hospital, considera a possibilidade de a vacinação ter evidenciado uma leucemia latente. Observa, ainda, que ao contrário das idéias de Burnnett, a violenta ação local supurativa não protegeu o doente, que desenvolveu reação generalizada do sistema retículo-endotelial, com rápida evolução para leucemia. Esta evolução, fundamentalmente semelhante às reações descritas por Kock e Richet, exemplos de reação imunitária a proteínas heterólogas, é o que se pode chamar de “perversão da função”. Segundo o próprio Demarque, “De uma forma indireta em relação ao sistema retículo-endotelial, a sicose alcança, ultrapassa e engloba a psora e, para dizer a verdade, dela bem pouco se distingue”. Hidrogenismo O edema resulta, no caso da alergia, de alteração da permeabilidade capilar, causada pela desintegração do ácido hialurônico pela enzima hialuronidase. Esta enzima é fabricada por vários micróbios, como os do gênero Streptococcus e Staphylococcus, constantemente presentes no organismo.Tal situação, de caráter patológico, explica o edema nos processos inflamatórios decorrentes da infecção por esses agentes. No entanto, a hialuronidase também é produzida por vários órgãos em condições fisiológicas.A produção aumentada dessa enzima, de forma Artigo constante em certos tipos de indivíduos, é provavelmente um dos mais importantes determinantes do caráter hidrogenóide relativo à sicose.A abertura dos poros de Pappenheimer do endotélio vascular, cimentados pelo ácido hialurônico, um mucopolissarídeo, além de aumentar a permeabilidade deve, de certa forma, colaborar com a fragilidade da parede do vaso, influenciando no seu enfraquecimento e, portanto, na tendência a flebectasias e varizes também características da sicose. Fase de transição Nesta circunstância, além do aumento de mastócitos ao redor dos vasos, as fibras colágenas apresentam-se tumefeitas, dissociadas, encurtadas e fragmentadas, assumindo o aspecto de grânulos, surgindo, dessa forma, a degeneração fibrinóide. Esta é a fase de transição entre a estênica ou produtiva e a astênica ou proliferativa da sicose. A fase dita astênica se inicia com a formação predominante de fibrina sobre a substância fundamental, tanto com a concorrência de fibras colágenas como elásticas. O protótipo dessa seqüência de ocorrências é o próprio fenômeno de Arthus. Algumas horas após a segunda dose injetada do soro de cavalo no coelho, desenvolve-se intensa dilatação capilar com exsudação serosa resultando em edema que, 48 horas depois, encontra-se aumentado, apresentando na parte central necrose fibrinóide e na profundidade do tecido conjuntivo a mucosidade. A conseqüente proliferação conjuntiva tende à fibrose e hialinização. Fase astênica A fase astênica da sicose, portanto, se instala com o início do processo fibrótico, que consiste na predominância de produção de fibrina e diminuição da substância fundamental. Esse processo é, geralmente, produzido pelas fibras colágenas, constituindo-se, então, na esclerose propriamente dita, embora em alguns casos predominem as fibras elásticas, resultando em original esclerose elástica. Embora a fibrose possa ser secundária a processos inflamatórios, traumatismos ou queimaduras, encontram-se, também as primárias, isto é, sem fator extrínseco desencadeante, de causa constitucional, neste caso sicótica, diretamente ligada à tendência alérgica. O fibroma, uma das entidades nosológicas representantes da fase astênica da sicose, é uma neoplasia de crescimento lento e progressivo, que pode se desenvolver na pele, músculos e vísceras. Seu aspecto macroscópico é variável com a estrutura mais ou menos rica em fibras colágenas. Em predominando fibroblastos, sua consistência será mole e, por outro lado, predominando as colágenas, dura. Um tipo comum de fibroma duro é o quelóide, particularmente comum na pele de negros e mulatos. De forma bastante variável, cresce na derma sem produzir qualquer alteração da epiderme e anexos. Assim como na fibrose, pode ser de origem traumática ou expontânea, revelando, igualmente, tendência sicótica. O cerceamento de grupos celulares, geneticamente predispostos ao câncer, pelas condições fisiopatológicas anteriormente descritas, que impedem a adequada correção de mutações através do material genético sadio das células vizinhas, deve ser a causa dessa entidade nosológica, ratificando, como afirmam muitos autores, opinião com a qual concordamos, sua origem sicótica. Nas palavras de Demarque, ao referir-se à evolução do quadro, descrito há alguns parágrafos de um certo paciente acometido de leucemia pós vacinação contra a Varíola: “Desse modo, a sicose, considerada por Hahnemann como diátese secundária, passou a ser, para nós, à luz dos trabalhos sobre o sistema retículoendotelial, uma diátese cuja importância cresce dia a dia. Ilumina com luz ainda imprecisa as origens do maior flagelo atual, o câncer. Esperemos que, num futuro não muito distante, os biologistas se detenham nesse assunto tão controvertido e possam, com os recursos de que dispõem, chegar a elucidá-lo” 6. Artigo D EFICIÊNCIA DE I G A 2,8,10 Infecções crônicas A IgA foi identificada, pela primeira vez, em 1959 por Heremans e está presente no soro e líquidos orgânicos de todos os mamíferos.Tratase de um monômero composto por glicoproteínas, produzido por plasmócitos quando estimulados por linfócitos. Embora a IgA possa ser encontrada nos tecidos e no soro, sua principal função é a defesa das mucosas.A IgA presente nas secreções é denominada IgAS (IgA secretora), cujas funções incluem a neutralização de vírus, inibição da adesão e prevenção da colonização de bactérias no epitélio. Em outras palavras, a sicose está relacionada a uma falha na produção de IgAS, o que leva à cronificação dos processos infecciosos das mucosas, principalmente nos locais de maior invasão bacteriana, como nas chamadas “portas de entrada”.As resultantes clínicas deste processo são, por exemplo, as sinusites e corrimentos crônicos.Também é reconhecido que infecções recorrentes das vias aéreas inferiores (pneumonias) e gastrintestinais (diarréias) ocorrem em pacientes com deficiência de IgA, embora haja alguns que, apesar da deficiência, se apresentam assintomáticos. Deficiência de IgA transitória A deficiência transitória de IgA pode estar associada a fatores ambientais, como exposição ao frio úmido, modalidade característica da diátese sicótica.Tratamentos com sulfaniazina, penicilina, fenitoína e outras, pode diminuir seus níveis, sendo dose e tempo dependentes. Infecções por vírus da rubéola em recémnascidos, Epstein-Barr na criança, esplenectomia e transplante de medula óssea, também podem provocar deficiência. Como seria de se esperar, com relação às tendências sicóticas, a deficiência de IgA está associada a doenças auto-imunes como o lúpus, a artrite reumatóide juvenil, a sarcoidose e alguns original tipos de neoplasias, além de ser responsável por inflamações crônicas, causas de lesões proliferativas. Hipersensibilidade Tipo III Pela classificação de Gell e Coombs, a sicose parece produzir reações alérgicas do Tipo III, onde ocorre a formação de imunocomplexos que podem se depositar no local da reação ou se solubilizarem, atingindo a parede vascular, onde produzirão ativação do sistema de complemento e agregação de plaquetas. A ativação do complemento resulta em aumento da fagocitose, ativação de macrófagos, aumento de fatores quimiotáticos e liberação da anafilotoxinas que, por sua vez, aumentam ainda mais o afluxo de polimorfonucleares. Esses elementos são liberadores de enzimas lisossômicas, colagenase e elastase, que promovem a digestão dos tecidos.Alguns dos processos em que este tipo de alergia se processa são: doença do soro, lúpus eritematoso sistêmico, leucemias e linfomas, como no caso apresentado, em parágrafos anteriores pelo Dr. Demarque. Proliferações Há muito se reconhecem as relações entre as inflamações crônicas, carcterísticas da sicose, com a proliferação celular.Ao exame histológico, a inflamação crônica se caracteriza exatamente por proliferações do tecido conjuntivo, acompanhadas por infiltrado linfocitóide predominante, com número variável de plasmócitos, histiócitos e eosinófilos. Na pele e nas mucosas revestidas por epitélio pavimentoso estratificado, formado por células espinhosas, ocorrem proliferações através de formações que avançam na derma, constituindo as acantoses (acanthos – espinhas), acompanhadas ou não de espessamento do estrato córneo, o que se constitui na hiperceratose (hiper – excesso + keras – corno). Em certos casos, verifica-se também a paraceratose (para – ao lado de + keras –corno), que consiste numa anomalia da formação de Artigo ceratina.A acantose pode se apresentar sob a forma de placas salientes ovóides ou circulares ou como verrugas, que chegam a atingir o aspecto de couve-flor. Na pele dos órgãos genitais ou em torno do ânus, em conseqüência da inflamação crônica, surgem os condilomas, sinônimo de verrugas em grego, que podem assumir o aspecto de excrescências de superfície espinhosa, semelhantes a cristas de galo úmidas, recebendo, por isso, o adjetivo de acuminados, encontrados na gonorréia. Nas mucosas do tubo digestório, urinário e útero, devido aos estímulos inflamatórios, podem surgir nódulos piriformes ou mesmo implantados diretamente sobre a mucosa, que recebem o nome de pólipos (poly – muitos + pous – pés). Colagenoses Introduzido por Klemperer em 1950, este termo, que pretende reunir determinadas doenças caracterizadas por uma alteração particular do tecido conjuntivo, é inadequado, embora tenha ganho popularidade e tenha sido incondicionalmente aceito, uma vez que as fibras colágenas não são constituintes exclusivos deste. Entende-se por colagenoses como o conjunto de manifestações clínicas e anatomopatológicas de certas doenças, caracterizadas por inflamação alérgica do tecido conjuntivo de diversos órgãos, concomitantemente à disproteinemia. O reumatismo poliarticular agudo, o lupus eritematoso, a periarterite nodosa, a esclerodermia, a dermatomiosite e a artrite reumatóide são consideradas doenças do colágeno. O reumatismo que, segundo Grauvogl encontra-se dentro das tendências hidrogenóidessicóticas, é um termo derivado do grego rheuma, que significa fluxo ou catarro. Foi por isso usado para designar doenças que se manifestam por eliminação de líquidos humorais como a coriza, o resfriado, a gota, a asma, o eczema, etc. Como sabemos, a tendência à gota é relativa à diátese original psoro-artrítica e não à sicótica. Esta antiga confusão entre gota e reumatismo foi no entanto desfeita pelo médico inglês Thomas Sydenham, no seu tratado “Tractatus de podagra et hydrope”, de 1683. Mais tarde, em 1836, o médico francês Jean Baptiste Bouillaud estabeleceu as estreitas relações entre a febre reumática e certas lesões cardíacas, reconhecidas histopatogicamente em 1904 pelo patologista alemão Ludwig Aschoff como um granuloma localizado no tecido conjuntivo do miocárdio. A artrite reumatóide, em que pese não ter um quadro clínico muito bem definido, geralmente apresenta-se como simétrica e progressiva, comprometendo, particularmente, as pequenas articulações das mãos, como as metacarpofalangeanas e interfalangeanas proximais, cuja tumefação resulta na deformação dos dedos em forma de fuso. Um dos sintomas mais importantes é a rigidez matinal, dificuldade esta melhorada pelo movimento, características muito bem conhecidas da maioria dos medicamentos sicóticos. O exame anatomopatológico das articulações revela aumento do líquido articular resultante de exsudato seroso, com aspecto turvo, que se distingue do líquido sinovial normal pela viscosidade diminuída devido à despolimerização do ácido hialurônico, além da menor quantidade de albumina. C OMENTÁRIOS A teoria levantada neste trabalho, que pretende relacionar a sicose, sob o ponto de vista imunitário com a deficiência de IgA, tem algumas conseqüências imediatas que merecem análise mais aprofundada. Sicose como fator desencadeante de alergias psóricas Encontra-se alta prevalência de atopias, principalmente rinite e asma, em pacientes com essa imunodeficiência.Alguns autores acreditam que a falta de IgA possa facilitar a penetração de Artigo antígenos através da mucosa, permitindo, destarte, a sensibilização precoce aos alérgenos alimentares ou ambientais. Strober e cols. descreveram que 1/3 a 1/2 dos pacientes com deficiência de IgA apresenta doenças atópicas e outros autores observaram redução das IgAS em pacientes com dermatite atópica. A hipersensibilidade ao glúten e outros tipos de alimentos é encontrada em indivíduos com deficiência de IgA. Estudos publicados em 1996, na Acta Paediatr. por Rujner e cols., demonstraram que 7,7% dos pacientes com deficiência dessa imunoglobulina apresentam 20 vezes mais doença celíaca do que a população normal, utilizando-se para a pesquisa de biópsia intestinal, dosagem de IgA e IgG no soro e saliva, além de anticorpos antiendomísio, que promoveram sensível melhoria na especificidade e na sensibilidade do diagnóstico. Como se sabe, a doença celíaca, a enfermidade de Gee, a enfermidade de Herter ou o infantilismo intestinal, tem como causa provável a alergia ao glúten. A deficiência de IgA, portanto, ao facilitar a passagem de antígenos para a circulação, favorece o aumento da IgE e dos processos alérgicos considerados exclusivamente psóricos, mostrando, neste caso, possível origem sicótica. Nas alergias de origem psórica exclusiva parece haver um aumento de IgE por causalidade intrínseca, resultando, no entanto, em quadros semelhantes. Esta observação é um alerta para a importância da determinação da fisiopatologia do processo alérgico, assim como de todos os estados patológicos, na escolha do medicamento, uma vez que a prescrição só será correta se concordar com o mecanismo de formação da doença, isto é, da diátese determinante. Outras relações com a psora As mucosidades espessas da sicose, além do componente celular, devem estar constituídas pelo aumento exagerado da substância fundamental do tecido conjuntivo, formadas pelos condroitinsulfatos A, B e C.As alterações original provocadas por essas substâncias no meio extracelular também comprometem as células e as fibras do próprio tecido conjuntivo. Os fibroblastos então se intumescem, aparecendo no seu interior nucleoproteínas e fosfatase alcalina, assumindo características semelhantes às do período embrionário, inclusive com incorporação do enxofre radioativo que logo é cedido ao meio intercelular. Este é o provável elo, ao menos no caso dos processos alérgicos desencadeados por antígenos específicos, entre a sicose e a psora, isto é, a característica mobilização rápida do enxofre para o meio extracelular. Sicose infantil Recém-nascidos, por não apresentarem o mecanismo de defesa representado pelas IgAS completamente desenvolvido, estão obrigados ingerir colostro e leite materno para que se efetue convenientemente a imunidade local, ao menos de forma passiva. Embora já sejam detectados níveis discretos de IgAS na saliva por métodos extremamente sensíveis, a partir da segunda semana de vida, somente atingirão as concentrações semelhantes às dos adultos por volta dos sete ou oito anos. Esta deficiência natural de IgAS na primeira infância, aliada à impossibilidade de aleitamento materno, leva a condições catarrais devido à utilização primordial da defesa inespecífica, representada pela fagocitose, o que origina a diátese exsudativa, representante da combinação diatésica entre o tuberculinismo e a sicose infantil.A manutenção dessa deficiência, por determinantes genéticos, nas fases seguintes do desenvolvimento, caracteriza os processos catarrais da sicose, isto é, sua fase produtiva ou estênica. Em outras palavras, como ocorre no tuberculinismo, a imaturidade imunológica da criança pode levar a um estado diatésico temporário, independente da hereditariedade, que denominamos de sicose infantil. Artigo Varizes Embora não tenham sido colocadas como objetivo deste estudo e nem estejam diretamente ligadas a falhas de IgAS, também foram analisadas as possíveis causas das varizes, consideradas pela teoria clássica como derivadas de tendência sicótica. Na realidade, a alteração mais freqüente das veias é a flebectasia (phlebos = veia + ektasis = dilatação), representada por dilatação difusa, cilíndrica ou fusiforme, de trajeto ondulado ou serpenteado.As varizes (varus = nódulo) também são dilatações mas, neste caso, parciais, em forma de tonel ou nódulo. Estas duas formas estão freqüentemente reunidas. O exame histológico das flebectasias e varizes revela rarefação das fibras elásticas das paredes, substituídas por tecido conjuntivo fibroso.Tal rarefação, como se tem reafirmado na literatura, é de natureza diatésica sicótica, e portanto hereditária, e segundo alguns autores, dominante, com maior penetrância em mulheres. A dependência de fatores endócrinos parece indiscutível, uma vez que se apresentam na puberdade, acentuando-se na idade madura. O amadurecimento do testículo pelo surgimento da testosterona é marcado pela produção de fibras elásticas que formam a membrana basal dos canalículos seminíferos, indicando a importância deste hormônio no desenvolvimento dessas fibras, que promovem a elasticidade e tonus das veias. Nas mulheres, cujo ovário produz apenas uma pequena quantidade de testosterona e pela hipofunção das células de Leydig, essa patologia é muito mais freqüente. Desse modo se explica a relação entre medicamentos homeopáticos predominantemente sicóticos com ação sobre hipofunção ovariana, que apresentam características de varizes na patogenesia. Nas mucosas, como por exemplo da faringe e útero, a dificuldade circulatória resultante das flebectasias dá lugar ao edema, que resulta em catarro crônico. No caso específico do útero, pode produzir corrimento crônico e rebelde a qualquer tratamento alopático.Verifica-se, dessa original forma, que a origem do catarro sicótico é múltipla, não exclusivamente dependente da reticuloendoteliose e diminuição de IgA. C ONCLUSÕES 1) Os resultados do estudo apontam, como causa imunitária da sicose, uma possível falha ou déficit na formação de IgA. 2) O hidrogenismo, provavelmente derivado de causalidades múltiplas, também deve estar relacionado a um aumento intrínseco na produção de hialuronidase. 3) A hipersensibilidade do Tipo III, na classificação de Gell e Coombs, parece se adaptar perfeitamente à fisiopatologia sicótica. 4) Colagenoses, pelo seu caráter histológico e fisiopatológico, assim como a maioria das doenças auto-imunes, parecem ter origem na sicose. 5) As características infecções crônicas, assim como o cerceamento celular resultante dos processos fibróticos, aliados à tendência genética, parecem ser as causas das proliferações e do câncer. A BSTRACT The classical sycosis theory represents a clinical reality and has practical application. However, some points are obscure, like the excessive production of secretion due the reticuloendoteliosis.The present study reviews the theory under the light of the Internal Medicine and modern knowledge, presenting a new theory, based on the IgA deficiency, and discussing its clinical implications. Key-words: Sycosis, Immunology, allergy, hydrogenism, colagenosis, cancer. R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS 1. BERNARD, H. Traité de Medicine Homéiopathique. Angoulème: Ed. Coquemard, 1951. 2. BROWN,T.A. Imunity at mucosal surfaces. Adv Dent Res., v. 8, p. 228-235, 1996. Artigo 3.CARILLO JR, ROMEU. Gênese imunitária do tuberculinismo e suas implicações sobre a predisposição à tuberculose – uma nova teoria. Homeop. Bras., Rio de Janeiro, v. 4, n. 1, p. 469-474, 1998. 4. CARILLO JR, ROMEU. Fundamentos de Homeopatia Constitucional. São Paulo: Editora Santos, 1997. 5. CARVALHO, B.T. C. C.; NUDELMAN,V.; CARNEIROSAMPAIO, M. M. S. Mecanismos de defesa contra infecções. Jornal de Pediatria. 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