1. Introdução - Dominio Publico

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Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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1. Introdução:
O termo saúde não pode ser definido apenas como ausência de doença.
É antes de tudo a resultante das condições de alimentação, habitação,
educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, lazer, liberdade e
acesso a serviços de saúde. Em resumo, é o produto de condições objetivas de
existência (Pessini & Barchifontaine, 2005).
O modelo biomédico da tradição ocidental enfoca a saúde como a
ausência de doença. A doença é causada por agentes ou patógenos
específicos. Por conseguinte, o foco biomédico consistiria no diagnóstico e
tratamento destes agentes patogênicos, com cura da doença (Jarvis, 2002).
Viver é um processo de ajustamento e de adaptação constante e
contínuo, envolvendo diferentes estruturas do organismo e de seu espaço de
vida. Esse processo é ativo nos níveis fisiológico, físico, psicológico e social do
comportamento do indivíduo. Embora, de fato existam diferenças significativas
entre seus aspectos de funcionamento, deve-se ter em mente que eles são
parte de uma entidade unitária que funciona como um todo, integrada
(O’Sullivan & Schmitz, 2004).
A Bioética estuda os avanços recentes da ciência em função, sobretudo,
da pessoa humana. A referência central é o ser humano, especialmente
considerado em dois momentos básicos: o nascimento e a morte. É sobre
essas duas fases da vida que hoje a ciência está fazendo seus melhores
progressos e, obviamente, colocando problemas éticos inimagináveis antes
dessas descobertas (Pessini & Barchifontaine, 2005).
Débora Sanchez Pedrolo
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Os sonhos do século XXI com relação ao fim do sofrimento, cura de
todos os males, fim do envelhecimento e a imortalidade tornaram-se ilusões.
Com os avanços dos tratamentos e o aumento da sobrevida, doenças
consideradas agudas tornaram-se crônicas, o que se reflete no perfil de morbimortalidade da população mundial. No Brasil, à semelhança dos países
desenvolvidos, destacam-se as doenças cardiovasculares, neoplásicas,
respiratórias, neurológicas, infecciosas e parasitárias, e cada uma dessas
patologias, em fases avançadas, é acompanhada de sintomas desagradáveis
que comprometem a funcionalidade e a qualidade de vida (Mota & Pimenta,
2004).
A dor física, a perda sensorial, a amputação de um membro ou a
deficiência motora são apenas parte da incapacidade física. É importante
ressaltar que os fatores psicossociais exercem papel fundamental no processo
de tratamento e nas respostas adequadas do paciente (O’Sullivan & Schmitz,
2004).
A lesão medular ou traumatismo raquimedular (TRM) constitui-se ainda
hoje uma grave síndrome incapacitante, que acaba por acarretar em alterações
de
motricidade,
sensibilidade,
distúrbios
neurovegetativos,
alterações
esfincterianas e repercussões psicológicas (Moura & Silva, 2005).
A humanização dos cuidados em saúde pressupõe considerar a
essência do ser, o respeito à individualidade e a necessidade da construção de
um espaço concreto nas instituições de saúde que legitime o "humano" das
pessoas envolvidas. O pressuposto subjacente a todo o processo de
atendimento humanizado é facilitar que a pessoa vulnerabilizada enfrente
positivamente os seus desafios (Pessini & Bertachini, 2004).
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A cura da doença e o alívio do sofrimento desde o nascedouro da
medicina hipocrática, são aceitos como sendo objetivos da medicina. A doença
destrói a integridade do corpo, e a dor e o sofrimento podem ser fatores de
desintegração da unidade da pessoa. Enquanto hoje a medicina está bem
aparelhada para combater a dor, no que tange ao lidar com o sofrimento
encontra-se ainda em um estágio bastante rudimentar (Pessini & Bertachini,
2004).
A doença grave é um grande insulto à própria integridade do ser
humano. O equilíbrio costumeiro entre a pessoa e o mundo, é violentamente
interrompido,
por
sintomas
clínicos,
ferimentos,
incapacidades
ou
desfigurações. São muitas as perdas associadas com essas mudanças.
De modo geral, o corpo é um instrumento projetado para resistir a
ameaças exteriores, fornecer satisfação, e trabalhar para alcançar objetivos
desejados, mas na doença ele se enfraquece e sofre dor e, conseqüentemente,
vê-se ameaçado (Drane & Pessini, 2005).
Etimologicamente, o termo "autonomia" relaciona-se a condição de
quem é autor de sua própria lei. Aplicado inicialmente aos povos e estados,
veio posteriormente a estender-se aos indivíduos. Significa, de um modo geral,
independência, ausência de imposições ou coações externas e também,
particularmente no caso da ausência de limitações e incapacidades pessoais
que impedem ou diminuem a liberdade de decisão (Archer, Biscaia & Osswald,
1996).
O respeito pela autonomia da pessoa conjuga-se com o princípio da
dignidade da natureza humana. Respeitar a pessoa autônoma pressupõe a
aceitação do pluralismo ético-social; é reconhecer que cada pessoa possui
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pontos de vista e expectativas próprias quanto ao seu destino, e que é ela
quem deve deliberar e tomar decisões seguindo seu próprio plano de vida e
ação, embasada em crenças, aspirações e valores próprios (Fortes, 1998).
O princípio da Autonomia, também chamado Princípio de Liberdade,
descreve o respeito pela legítima vontade das pessoas, pelas suas escolhas e
decisões que sejam verdadeiramente livres.
Na prática, o Princípio da Autonomia implica em: promover quanto
possível, comportamentos autônomos por parte dos pacientes informando-os
convenientemente, assegurando a correta compreensão da informação
ministrada, e a livre decisão (Archer, Biscaia & Osswald, 1996).
No Brasil, desde a década de 80, códigos de ética profissional vêm
tentando estabelecer normas para a relação entre os profissionais e seus
pacientes, na qual o princípio da autonomia tende a ser ampliado.
Na assistência a saúde, o princípio da autonomia requer que o indivíduo,
quer esteja sadio ou doente, não se entregue inteiramente aos profissionais de
saúde, não renuncie a uma parcela sempre maior de sua liberdade em troca de
uma parcela menor de sua própria saúde (Fortes, 1998).
O cuidar humanizado implica, por parte do cuidador na compreensão do
significado da vida, a capacidade de perceber e compreender a si mesmo e ao
outro, situado no mundo e sujeito de sua própria história (Pessini & Bertachini,
2004).
Fala-se hoje de "humanização da medicina", mas sob este termo se
escondem conceitos diversos, ou, se se prefere, complementares entre si: há
quem entenda essa expressão como a importância da relação intersubjetiva
entre o paciente e os profissionais da saúde diante da invasão da tecnologia,
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ou da massificação dos hospitais; há quem entenda como a introdução dos
estudos humanísticos, especialmente da psicologia, nos planos de estudo das
Faculdades de medicina; mas o significado mais profundo desta tendência
consiste no reconhecimento da dignidade da pessoa em todo ser humano, do
momento de sua concepção até o momento de sua morte, com a consciência
também de sua espiritualidade e imortalidade (Sgreccia, 1996).
As pessoas saudáveis têm controle de seu comportamento, podem
tomar iniciativas e realizar mudanças desejadas. Escolha, controle, iniciativa,
concepção de alternativas, tomada de decisão, responsabilidade, todos esses
elementos constituem o conjunto do potencial humano que é freqüentemente
chamado de liberdade humana. É essa liberdade que define os seres humanos
como éticos (Drane & Pessini, 2005).
É importante reconhecer que o ser humano, como produto da natureza,
amadurece como os outros seres naturais. A maturidade humana alcança-se,
sobretudo no estágio ético, isto é, na fase em que ele, autônomo e livre, age
segundo seus valores adequados a seu modo de existir (Pessini &
Barchifontaine, 2005).
A dor e o sofrer enfraquecem a pessoa, forçam-na a confiar na ajuda de
uma outra pessoa dotada de poder a fim de reagir adequadamente e recuperar
certo nível de controle. Os pacientes não podem decidir sozinhos ou agir de
modo decisivo em seu próprio interesse como o faziam antes da doença. A
liberdade de fazer as escolhas cruciais de vida é perdida ou danificada
severamente pela doença (Drane & Pessini, 2005).
O objetivo final de todo programa de reabilitação é fazer com que o
indivíduo volte a ter a independência física que seja o mais semelhante ao
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estado pré-mórbido de função, ou, alternativamente, maximizar e manter seu
potencial funcional. Para um paciente saudável cujo único problema seja um
braço fraturado, esse processo poderá ser razoavelmente simples; contudo
quando se toma, por exemplo, um paciente portador de seqüelas de um
acidente vascular encefálico a tarefa será muito mais complexa, pois os
problemas são muito mais extensos, complicados e entrelaçados (O’Sullivan &
Schmitz, 2004).
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1.1. Traumatismo Raquimedular (TRM):
A medula espinal conduz informações continuamente do encéfalo e para
o encéfalo. Assim, quando ela não funciona, não há atividade sensitiva e nem
atividade motora voluntária. Possui três funções principais: via sensitiva, via
motora e centro reflexo (Herlihy & Maebius, 2002).
A lesão medular ou trauma raqui medular (TRM) refere-se a
incapacidade da medula em propagar o estímulo nervoso ocasionando portanto
alterações
da
motricidade,
sensibilidade,
distúrbios
neurovegetativos,
alterações esfincterianas e repercussões psicológicas entre outras (Moura &
Silva, 2005).
As lesões da medula espinhal trazem conseqüências devastadoras
incluindo a perda da habilidade de caminhar, paralisia dos braços e pernas,
perda de controle urinário e fecal, e perda da função sexual. Devido aos
recentes avanços da medicina e tecnologia, em média 65% dos pacientes
sobrevivem à lesão inicial. Após a estabilização clínica, esses pacientes
recebem tratamento reabilitativo por muitas semanas até muitos meses, e após
isso cerca de 90% retornam as suas casas e comunidade (Lucke et al, 2004).
As estatísticas americanas mostram um aumento significativo nos
últimos anos havendo atualmente a prevalência de 55 casos novos / ano /
milhão de habitantes. No Brasil não existem dados estatísticos, mas é possível
verificar um aumento da incidência principalmente nos grandes centros
urbanos (Moura & Silva, 2005).
A etiologia do TRM é um dos fatores determinantes do prognóstico da
lesão. A terapia, especialmente o tratamento cirúrgico, freqüentemente não
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reverte os déficits existentes, e isto precisa ser levado em conta na decisão
sobre o momento de instituir o tratamento e no aconselhamento do paciente
(Fuller & Manford, 2002).
As patologias que acometem a medula espinhal podem ser classificadas
em: congênitas, traumáticas, degenerativas, tumorais, infecciosas, doenças
neurológicas e doenças vasculares. As lesões traumáticas são eventos
catastróficos, cujas causas mais frequentes são acidentes de veículos,
ferimentos por arma de fogo, quedas (em atividades recreativas e esportivas).
O traumatismo causa destruição mecânica do tecido neural e hemorragia
intramedular (Greve et al, 2001).
Os mecanismos do TRM se dividem em lesão primária e seundária. Os
mecanismos da lesão primária geralmente podem ser: compressão, distração,
laceração ou a combinação destes. Em seguida ocorre hemorragia, perda da
microcirculação e vasoespasmo, aumentando assim a área da lesão. Com a
progressão da isquemia, a área da lesão aumenta ocorrendo a lesão
secundária (Tator & Fehlings, 1991; Tator & Koyanagi, 1997).
Após o TRM ocorre paralisia flácida, manifestada por atonia muscular e
arreflexia tendinosa, anestesia superficial e profunda, associada às alterações
vasomotoras e disfunção vesical e intestinal (Greve et al, 2001).
A recuperação funcional difere de acordo com a localização da lesão. A
classificação pode ser feita de acordo com o nível da lesão: 1. tetraplegia ultra
alta (acima de C4); 2. tetraplegia alta (C4 – C5); 3. tetraplegia baixa (C6 – C8);
paraplegia alta (acima de T4); 5. paraplegia baixa (abaixo de T4). A
recuperação, bem como os objetivos terapêuticos dependerão do nível da
lesão. Nos casos de tetraplegia ultra alta os objetivos da terapia
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serão a
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capacidade de falar, se existe dependência de ventilação mecânica, mobilidade
em cadeira de rodas elétrica. Em comparação, no paciente com paraplegia
baixa, ele poderá ser capaz de andar, independente nas atividades de vida
diária, poderá ter vida sexual normal, poderá ser fértil, e capaz de exercer
diversas atividades profissionais (Wood – Dauphinée et al, 2002).
Nos Estados Unidos o tipo mais freqüente de lesão medular traumática
é a tetraplegia incompleta (30,2%), seguida pela paraplegia completa (26,1%),
tetraplegia completa (23,3%), e paraplegia incompleta (19,7%). Desde 1994, os
acidentes de veículo são responsáveis por 40,7% das lesões, seguida, por atos
de violência (21,8%), quedas (21,3%), e atividades recreacionais (7,9%)
(McDonald et al, 2003).
Nas lesões cervicais e torácicas altas é frequente a instalação de
insuficiência respiratória aguda do tipo restritiva, pela paralisia dos músculos
acessórios da respiração. Nas lesões acima da quarta vértebra cervical ocorre
a paralisia do músculo diafragma sendo necessário o uso contínuo de
respiração assistida (Greve et al, 2001).
Dependendo do grau de lesão, o indivíduo com tetraplegia alta, em
soma a perda do controle motor do tronco e das extremidades, pode
experimentar a perda de sensibilidade na maior parte do corpo, além da
incapacidade de falar, e em casos mais severos perder a capacidade de
respirar sem aparelhos.
Na década de 40 os indivíduos com tetraplegia alta raramente
sobreviviam às primeiras semanas pós – trauma. Os avanços médicos nas
últimas duas décadas, incluindo os centros médicos de tratamento e modelos
de sistema de assistência, têm melhorado as taxas de sobrevivência.
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Geralmente, se um indivíduo com tetraplegia alta sobrevive ao primeiro ano,
mesmo com assistência ventilatória, ele têm 69% de chance de sobreviver por
mais de 15 anos (Werner et al, 1999).
Os pacientes com lesão medular acima de T1 sofrem prejuízos motores
nos membros superiores, e o nível e extensão da lesão causam grande
impacto na independência do paciente. Na tetraplegia alta (C4 – C5) o
indivíduo usará cadeira de rodas mecânica ou elétrica, não será capaz de
cuidar-se sozinho, e necessitará de maior auxílio. Já na tetraplegia baixa (C6 –
C8) a cadeira de rodas usada será mecânica, e será parcialmente
independente, mas ainda necessitará de assistência (Biering – Sorensen et al,
2004; Wood – Dauphinée et al, 2002).
Atualmente existe uma quantidade significante de pesquisa que
exploram as percepções de qualidade de vida em pessoas com lesão medular
em níveis baixos (paraplegia), porém poucas pesquisas foram feitas com
pessoas que sofreram lesões medulares altas, para determinar a qualidade de
vida dessas pessoas ou se sobreviver vale a pena (Hammel, 2004).
Embora as ciências médicas tenham tido grandes avanços com relação
à expectativa de vida, é crucial o foco nos aspectos psicológicos de pacientes
com lesão e deficiências motoras. Muitos perdem o controle total ou parcial dos
esfíncteres e sofrem de incapacidade da função sexual, variações da
temperatura corporal, e quadros de dor. Podem surgir problemas posteriores
tais como: espasticidade, dificuldade em respirar, fadiga e lesões de pele
(Auvin et al, 2002).
A incapacidade física não é uma condição estática. Diversos fatores
podem ser responsáveis pelo prognóstico da lesão, por exemplo, podem ter
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melhora da função urinária devido à recuperação neurológica ou o uso de um
novo medicamento, ou pode ocorrer uma piora devido uma infecção urinária,
ou piora neurológica, ou o diagnóstico de uma nova disfunção. As habilidades
podem melhorar, ou podem piorar devido a quadros de dor, lesões ou ganho
de peso (Charlifue & Gerhart, 2004).
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1.1.1. Complicações secundárias ao TRM cervical:
A mortalidade intra-hospitalar em pacientes pós TRM é superior a 20%,
com a maior parte ocorrendo no primeiro dia, sendo as complicações
respiratórias as principais responsáveis (Greve at al, 2001).
Inicialmente o paciente encontra-se na fase de choque medular na qual
ocorre ausência de controle motor, ausência de sensibilidade além de arreflexia
abaixo do nível da lesão e alteração do sistema nervoso autônomo e do
controle esfincteriano. Esta fase pode durar de dias a semanas sendo
constatado o término desta fase com o retorno do reflexo bulbo cavernoso
(Greve et al, 2001).
Uma das principais complicações após o TRM é a incapacidade
motora.Para determinar o grau de lesão medular utiliza-se a escala de Frankel,
onde o paciente pode ter sua lesão classificada de completa á incompleta
recebendo letras de A até E:
A) Completa: não a força voluntária e sensibilidade abaixo do nível da
lesão;
B) Incompleta: paciente apresenta sensibilidade, mas não apresenta
controle motor abaixo do nível da lesão;
C) Incompleta: apresenta sensibilidade e controle de força em alguns
músculos abaixo do nível da lesão;
D) Incompleta: apresenta sensibilidade e função motora preservada na
maioria dos grupos musculares abaixo do nível da lesão;
E) Normal: funções motoras e sensitivas normais.
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Nos pacientes com lesão medular cervical e/ou torácicas altas por
paralisia da musculatura acessória pode ocorrer insuficiência respiratória
restritiva.
As alterações vesicais podem acarretar em complicações desde
infecção urinária, cálculos vesicias, refluxo vésico-uretral e hidronefrose com
consequente perda da função renal. Ocorre diminuição do peristaltismo
intestinal acompanhada de tendência a retenção fecal (Moura & Silva, 2005).
As principais alterações cardiocirculatórias que podem ocorrer no
indivíduo pós TRM na fase aguda são disreflexia autonômica, hipotensão
postura, trombose venosa profunda e embolismo pulmonar.
As lesões cervicais apresentam quadro de tetraplegia que promove
diminuição da função motora e sensitiva nos membros superiores, tronco,
membros inferiores e órgãos pélvicos (Greve et al, 2001).
As lesões entre os níveis C1 e C3 preservam a inervação dos músculos
estrenocleidomastóideo, trapézio superior e elevador da escápula, permitindo
apenas o controle da cabeça. O comprometimento do diafragma torna os
pacientes dependentes do respirador, são totalmente dependentes nas
atividades da vida diária (AVD) e transferências. No nível C4 apresenta o
músculo diafragma presevado, devido preservação da inervação pelo nervo
frênico.
A preservação do nível C5 permite o controle da cabeça, abdução do
ombro e flexão do cotovelo devido a preservação da inervação dos músculos
bíceps braquial e deltóide. Nas AVD há condição de atingir independência na
alimentação fazendo uso de adaptações, o indivíduo consegue impulsionar a
cadeira de rodas com pinos nos sobrearos, em terrenos planos e para curta
distâncias.
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No nível C6 apresenta - se o mecanismo de tenodese, ou seja, ao
extender o punho ocorre à flexão dos dedos, enquanto o relaxamento do punho
em flexão facilita a abertura da mão.A alimentação se torna independente,
impulsionam a cadeira de rodas por médias e longas distâncias. No nível C7 o
paciente é capaz de realizar extensão ativa do cotovelo devido a preservação
do músculo tríceps braquial e no nível C8 o paciente apresenta musculatura
intrínseca da mão podendo ser capaz de dirigir um carro adaptado (Greve et al,
2001).
Nas lesões abaixo de T1 a dependência física tende a ser menor uma
vez que o paciente possui função preservada dos membros superiores o que
lhe fornece possibilidade de executar um número maior de funções e auto –
cuidado.
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1.2. Princípios bioéticos na prática médica:
A maior parte das declarações e textos internacionais sobre ética na
investigação médica têm sido formulada em resposta às situações concretas
que causaram perplexidade, assombro e escândalo. O chamado código de
Nuremberg guarda as conclusões do tribunal que julgou os médicos nacional
socialistas em 1947. A declaração de Helsinque, apresentada em 1964 e
revisada em cinco ocasiões, adaptou seus princípios a ética da profissão
médica e introduziu as noções de risco e benefício para os sujeitos e a revisão
por parte de um comitê de ética independente dos pesquisadores (Lolas,
2001).
A origem dos princípios bioéticos, como se sabe, encontra-se na criação,
em 1974, pelo Congresso Norte – Americano, de uma Comissão Nacional para
Proteção dos Seres Humanos em Pesquisas Biomédica e Comportamental, em
face de escândalos envolvendo a manipulação de enfermos, tal comissão tinha
por objetivo identificar princípios básicos que norteariam a investigação
envolvendo seres humanos. Em 1978, ao término de seus trabalhos, foi
divulgado um relatório, que ficou conhecido como relatório Belmont, no qual
enumeram-se três princípios básicos: o respeito à pessoa, o da beneficência e
o da justiça.
No entanto, foi somente a partir do ano seguinte (1979), com a
publicação de um livro sobre o tema, escrito por Tom L. Beauchamp e James
F. Childress, intitulado Principles of Biomedical Ethics, que os referidos
princípios ganharam maior atenção. Além do mais, acrescentaram mais um
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princípio aos já “revelados” pela Comissão: o da não – maleficência. (Soares et
al, 2004).
O princípio do respeito à vida designa globalmente a exigência de
respeito, de proteção e de promoção da vida humana, sob todas as suas
facetas, em si mesmo e nos outros. Valor importante, a vida deve ser protegida
e defendida com cuidado extremo. Em relação a um doente ou a uma pessoa
objeto de pesquisa, o respeito à vida implica a proteção dessa vida individual,
e, indiretamente, de toda vida humana, uma vez que no julgamento sobre uma
vida individual está implícito o julgamento sobre o valor de toda outra vida
humana. A beneficência refere-se a uma ação realizada em benefício de
outros; o princípio da beneficência refere-se à obrigação moral de agir em
benefício de outros (Durand, 1999; Beauchamp & Childress, 2002).
O respeito à vida, incluindo a promoção da qualidade de vida, suscita a
questão da beneficência. A beneficência, como a etimologia indica (bene –
facere) refere - se a ação a ser feita. Ela comporta dois fatores: não fazer o mal
ao próximo ou, melhor, positivamente, fazer-lhe o bem. No campo da saúde,
esses dois aspectos podem ser traduzidos do seguinte modo: não usar a arte
médica para causar males, injustiças ou para prejudicar; aplicar os tratamentos
exigidos para avaliar o doente, melhorar seu bem estar e, se possível, fazê-lo
recobrar a saúde (Durand, 1999).
A beneficência e em contrapartida, o respeito à vida completam a
doutrina:
- não matar (proibição do homicídio, da ajuda ao suicídio);
- não ferir, não administrar tratamento cruel;
- evitar negligência criminosa;
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- prestar socorro à pessoa em perigo;
- aplicar os tratamentos exigidos;
- agir segundo o melhor interesse do paciente;
- não submeter uma pessoa a uma experimentação a menos que o risco
corrido não seja proporcional ao bem que pode ser esperado.
O princípio da justiça, no plano etimológico, a palavra “justiça” vem do
termo latino justitia, ele próprio vindo de jus. Em sua forma original, significa “o
que é conveniente, correto, digno” e, daí, “o que coage” (Beauchamp &
Childress, 2002).
Ele corresponde a uma tradição comum que estabelece o que convém
fazer em uma coletividade, tradição à qual todo cidadão pode se referir e que
pode ser aplicada por uma autoridade humana. Em sua forma desenvolvida,
jus (o direito) torna-se o conjunto das regras obrigatórias que as cortes
reconhecem como tais e aplicam. Há justiça quando se obtém o que se
merece, recebe-se o que é devido, colhe-se aquilo a que se tem direito
(Durand, 1999; Beauchamp & Childress, 2002).
Segundo Beauchamp & Childress (2002) o princípio da não –
maleficência determina a obrigação de não infligir dano intencionalmente. Na
ética médica, ele esteve intimamente associado com a máxima primum non
nocere: “Acima de tudo (ou, antes de tudo), não causar dano”, o princípio
abarca muitas regras morais específicas tais como:
- não matar;
- não causar dor ou sofrimento a outros;
- não causar incapacitação a outros;
- não causar ofensa a outros;
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- não despojar outros dos prazeres da vida.
A palavra autonomia derivada do grego autos (“próprio”) e nomos
(“regra”, “governo”, ou “lei”), foi primeiramente empregado com referência à
autogestão ou ao autogoverno das cidades-estados independentes gregas. A
partir de então, o termo autonomia estendeu-se aos indivíduos e adquiriu
sentidos muito diversos, tais como os de autogoverno, direitos de liberdade,
privacidade, escolha individual, liberdade de vontade, ser o motor do próprio
comportamento e pertencer a si mesmo (Beauchamp & Childress, 2002).
Os princípios da autonomia, da beneficência e da não – maleficência
referem-se à pessoa; já o princípio da justiça trata do plano social e político a
respeito da alocação suficiente de recursos para atender às necessidades da
área da saúde, da pesquisa biomédica e das políticas públicas (Pessini &
Barchifontaine, 2006)
Na época atual, a população em geral, e em particular os usuários de
serviço de saúde em particular, estão mais informados, conhecem melhor seus
direitos e estão mais dispostos a fazerem valer seus direitos.
Os pacientes têm desenvolvido seus conhecimentos médicos de forma
surpreendente, e com freqüência conhecem mais sobre sua doença do que a
população em geral. Isso permite aos pacientes uma maior participação do
processo e seguramente contribuirá a uma recuperação mais rápida e efetiva
de sua doença. Os erros, omissões incluindo negligência, são postos em
evidência pelo paciente e seus familiares através de queixas e processos em
diferentes jurisdições públicas (Aguirre – Gás, 2004).
A Bioética é um campo de estudo destinado a esclarecer questões
éticas relacionadas aos cuidados em saúde. Os princípios básicos de respeito
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1.3. Relações entre o TRM e o princípio da Autonomia do
indivíduo.
Existe um consenso que na investigação médica que envolve seres
humanos devem-se respeitar alguns princípios fundamentais. É conhecido
como “respeito ao indivíduo”. O princípio da autonomia reconhece a
capacidade do indivíduo para decidir do que pode ser feito com seu corpo e
seus conhecimentos sociais e intelectuais. Embora em algumas culturas tenha
maior importância do que em outras, é aplicável a toda pessoa que se submete
a um estudo clínico ou experimental. A autonomia se respeita consultando os
participantes se eles querem fazer parte do estudo, se receberam informação
prévia sobre o estudo e de quem vai realizá-lo (Lolas, 2001).
O princípio da autonomia oferece aos doentes adultos, com capacidade
mental preservada, decidir o que será feito com seu corpo, no que se refere a
atividade médica. Incluem-se ainda outros conceitos:
1. O paciente possui o direito de conhecer seu médico, inclusive quem mais
participa de sua equipe;
2. O paciente possui o direito de escolher seu médico e solicitar sua troca, a
qual deverá ser concedida;
3. Não se pode admitir um paciente sem sua permissão, ao menos que exista
uma ordem jurídica, e exista risco para as pessoas com quem ele convive;
4. O paciente possui o direito de receber uma segunda opinião;
5. O paciente pode consentir ou não a realização de procedimentos
diagnósticos e terapêuticos;
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associada a seqüelas físicas
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6. O paciente sem complicações psíquicas possui o direito de permitir ou negar
a realização de procedimentos terapêuticos extras para suporte de vida, de
forma verbal, por escrito ou mediante um testamento em vida;
7. No exercício de sua autonomia, o paciente possui o direito de manifestar sua
inconformidade com a atenção recebida, através de uma queixa, e será
responsabilidade dos médicos atendê-la, dar-lhe uma explicação, resolver o
problema e dar-lhe uma resposta satisfatória;
8. O paciente pode consentir ou não em participar de projetos de investigação
científica;
9. O paciente possui o direito de expressar sua vontade em doar seus órgãos
para transplante;
10. No caso do paciente estar incapacitado para tomar tais decisões, a
responsabilidade recai sobre os familiares legalmente responsáveis ou um
procurador legal;
11. Nos casos de urgência, quando o paciente está incapacitado de tomar as
decisões, e não existam familiares legalmente responsáveis ou um procurador
legal, o médico é responsável por tomar as decisões, devendo registrar de
forma explícita e escrupulosa, a justificação correspondente ao processo clínico
(Aguirre – Gas, 2004).
Com as inúmeras possibilidades tecnológicas e de tratamentos da
medicina moderna, a decisão no cuidar tornou-se algo complexo e difícil. As
melhores decisões de tratamento são descritas pelos eticistas como “uma
combinação de julgamentos da medicina, emocionais, estéticos, religiosos,
filosóficos, sociais, interpessoais e pessoais”. Dada a complexidade envolvida,
os pacientes assumem um papel ativo por trazerem sua história, valores,
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associada a seqüelas físicas
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1.4. Objetivo e Justificativa Teórica:
Cada doença é denominada por um termo científico específico para seu
diagnóstico, o que implica em um tratamento e um prognóstico. As informações
contidas nestes três elementos – diagnóstico, tratamento, e prognóstico exercem um papel fundamental na relação entre os profissionais de saúde e os
pacientes e seus familiares dos pacientes. O paciente, independente de seu
status sócio-econômico ou grupo étnico, geralmente deseja ser completamente
informado a respeito de seu diagnóstico e da possibilidade de se curar
totalmente (Lazcano-Ponce, 2004; Blackhall, 1995).
Em sociedades complexas como as encontradas na América do Norte e
Europa os profissionais de saúde são confrontados pelos pacientes motivados
por suas convicções e opções, devido suas diversidade étnicas, culturais, e
religiosas. Isto afeta a relação entre os médicos e pacientes uma vez que estes
pacientes buscam respostas em relação aos seus tratamentos, que podem, de
várias maneiras serem influenciados pelo seu grupo étnico, cultural, e religioso.
O princípio da autonomia do paciente é a principal restrição normativa imposto
ao tratamento médico (Fagan, 2004).
Quase todos os enfoques bioéticos na medicina dedicam pouquíssima
atenção aos casos de rotina relacionados com a autonomia: os casos bioéticos
emergiram predominantemente dos casos que tratam o fim da vida. O foco que
a literatura oferece em relação aos casos de rotina médica diz respeito a duas
situações: o consentimento informado e análises baseadas na relação médico
– paciente (Meyers, 2004).
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Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
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O respeito pela pessoa é fundamental na relação ética entre o cuidador
e o paciente. Em bioética o "respeito por pessoas" é igual ao respeito pela
autonomia do paciente. O relatório Belmont, que têm tido enorme influencia na
medicina clínica apesar das origens nos experimentos com humanos, coloca
que "o respeito pelas pessoas ... divide-se em requisitos morais separados: O
requisito de reconhecer a autonomia e o requisito de proteger aqueles com
autonomia diminuída" (Joffe, 2003).
E, é claro, os fatores que reduzem a autonomia existem em grande
número e intensidade para estes pacientes que necessitam de cuidados, e
ironicamente, é a fase onde se enfatiza a autonomia. Os pacientes que estão
doentes, geralmente sentem dor, e podem estar sob a influência de morfina ou
outros sedativos. Freqüentemente estão intubados e incapacitados de se
comunicar verbalmente. Eles estão assustados e na maioria das vezes não
possuem mais o controle de suas vidas (Meyers, 2004).
O objetivo do presente trabalho foi verificar a percepção do indivíduo
vítima de traumatismo raquimedular cervical quanto à violação da sua
autonomia durante o atendimento médico e reabilitativo desde a fase aguda até
o presente momento.
Este objetivo foi proposto partindo da interrogação relacionando se a
perda de movimentos, mesmo que as funções cognitivas estejam preservadas,
leva o indivíduo a ter sua autonomia violada não apenas no direito de se
locomover, ou de ser independente na sua alimentação, mas em questões
mais profundas, que envolvam o seu convívio social, a sua reintegração social
e sua participação como indivíduo.
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Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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2. Materiais e Métodos:
2.1. Delineamento do estudo:
Foi realizado um estudo exploratório de abordagem qualitativa através
de entrevista gravada com seis pacientes vítimas de traumatismo raqui medular
(TRM) cervical com idades entre 25 e 27 anos de ambos os sexos, que
apresentam seqüelas motoras há mais de dois anos. As entrevistas foram
realizadas na clínica de Fisioterapia da Universidade Paulista (UNIP) – Campus
Pompéia, e os pacientes entrevistados estavam em acompanhamento regular
na instituição.
2.2. Sujeitos:
Os pacientes foram previamente informados a respeito da pesquisa, e se
aceitavam participar do projeto assinavam um termo de consentimento livre e
esclarecido (anexo 1) aprovado pelo comitê de Ética do Centro Universitário
São Camilo (anexo 2)
As entrevistas duraram aproximadamente uma hora, sendo necessária
apenas uma entrevista. As conversas foram gravadas pelo entrevistador que
seguiu um modelo (anexo 3) para orientar a ordem das perguntas, e as
entrevistas foram transcritas para posterior análise (anexo 4).
Os fatores de inclusão da pesquisa foram:
-
Na época da lesão ter 18 anos de idade ou mais;
-
Ter as seqüelas motoras há mais de dois anos;
-
Ser capaz de se comunicar verbalmente e de forma compreensível;
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associada a seqüelas físicas
-
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Não apresentar distúrbios psiquiátricos associados.
2.3. Análise dos dados:
A análise dos dados coletados seguiu a metodologia da análise de
conteúdo, sugerida por Bardin (1977), que coloca “um conjunto de técnicas de
análise da comunicação verbal, aplicados aos discursos, para obter indicadores
qualitativos ou não, que permitem a descrição do conteúdo das mensagens dos
entrevistados”, sendo composto por três fases: 1. pré análise; 2. exploração do
material; 3. inferência e interpretação.
Na pré – análise foram organizados os dados e o objetivo foi conhecer o
texto, e aos poucos os objetivos do estudo foram se tornando mais específicos.
A fase de exploração do material consistiu em agregar os dados
coletados em unidades que permitem a descrição das características do
conteúdo. Os dados foram categorizados, e as categorias apresentavam como
características a exclusão mútua, a homogeneidade, a pertinência, a
objetividade, a fidelidade e a produtividade.
Na terceira fase os dados que foram codificados e categorizados foram
avaliados de forma que se tornaram significativos e válidos, para que fossem
feitas inferências e interpretações, e alcançados os resultados da pesquisa.
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3. Resultados:
A amostra deste estudo foi constituída por seis pacientes da clínica da
Fisioterapia da Universidade Paulista – UNIP, campus Pompéia, no mês de
Junho e Julho de 2006. Os pacientes foram quatro do sexo masculino e duas
do sexo feminino, com média de idade de 27 anos.
A Tabela 1 mostra o perfil sócio-econômico dos indivíduos entrevistados.
Idade
Caso 1
25 anos
Renda
Número de
mensal
dependentes
2 salários
Profissão
anterior
1
extrusor
0
estudante
0
estudante
0
contínuo
mínimos
Caso 2
26 anos
2 salários
mínimos
Caso 3
27 anos
1 salário
mínimo
Caso 4
27 anos
1 salário
mínimo
Caso 5
27 anos
2 salários
e estudante
0
mínimos
Caso 6
27 anos
2 salários
mínimos
militar e
vendedor
1
auxiliar de enfermagem
e caixa de mercado
Tabela 1: Perfil sócio – econômico dos indivíduos entrevistado.
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Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
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O organograma abaixo representa a divisão em categorias e
subcategorias dos dados coletados.
CATEGORIAS
E
SUBCATEGORIA
1. RUPTURA /
VIDA INTERROMPIDA
2.1 EXPECTATIVAS
INICIAIS
2. FASE AGUDA
PÓS TRAUMA
2.2 ESTAR
CONSCIENTE
3. EMPENHO COM
A REABILITAÇÃO
2.3 LIBERDADE
DE ESCOLHA
3.1 FALTA DE
INFORMÇÃO
3.2 DEPENDÊCIA
3.3 ESPERANÇA DE
RECUPERAÇÃO
Os dados foram categorizados após a análise do discurso dos sujeitos, e
as categorias foram estabelecidas devido à recorrência e semelhança nos
discursos em quatro categorias principais: 1. Ruptura / vida interrompida; 2.
Fase aguda pós trauma; e 3. Empenho com a reabilitação.
A primeira categoria - 1. Ruptura / Vida interrompida - abrange as
informações relacionadas com a "quebra" da rotina de vida anterior dos
sujeitos, as perdas vivenciadas pós - trauma, as incapacidades que surgiram
após a lesão, e que foram observadas nos discursos de todos os sujeitos.
"Bom na época eu trabalhava das sete as cinco, eu entrava as sete da
noite na escola, então eu não tinha muito tempo."(relato 1).
"Antes da lesão eu só estudava e estava pretendendo arrumar um
emprego, é eu não tinha emprego ainda, e o meu objetivo era esse" (relato 2).
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"Eu sempre fui uma pessoa muito extrovertida, brincalhona, fazia um
monte de coisas, adorava viajar nos feriados, fazia musculação, cuidava do
meu corpo, paquerava muito, beijava muito" (relato 3).
"Antes da lesão eu trabalhava, eu estudava, era bom, no final de
semana eu saía, mas quando aconteceu o acidente já mudou tudo" (relato 4).
“O que eu posso te dizer, antes da lesão eu sempre fui uma pessoa
muito ativa, desde pequeno eu fui aquela criança que não consegue ficar
parada, que a gente dá o nome de hiperativa” (relato 5).
“Eu
era
hiperativa,
trabalhava,
estudava
para
ser
auxiliar
de
enfermagem, cuidava do meu filho que vai fazer nove anos agora, eu era
hiperativa, sempre trabalhei sempre estudei, sempre fiz academia, eu lutava,
fazia jiu jitsu” (relato 6).
A segunda categoria - 2. Fase aguda pós - trauma - foi constituída por
outras três subcategorias: 2.1. Expectativas iniciais; 2.2. Estar consciente; e
2.3. Liberdade de escolha.
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"Logo após a lesão eu não, eu não queria acreditar né, eu não estava
acreditando que aquilo estava acontecendo porque ninguém me falou, olha
você vai ficar em uma cadeira de rodas ou você vai vegetar" (relato 1).
"Eu pensei que os movimentos iam voltar pouco a pouco, e aí não iam
voltando e eu fui ficando assim" (relato 2).
"... para mim era aquela coisa sabe eu vou voltar, eu vou me mexer, isso
daí é só agora sabe" (relato 3).
"Na época eu respondi, vamos ver o que vai acontecer comigo, eu
achava que em seis meses eu voltava a andar, ali na hora o médico fala para
você, mas você pensa daqui seis meses eu vou voltar a andar" (relato 4).
“Então eu estava consciente do que eles estavam fazendo, mas eu
achava que com aquilo eu iria voltar a andar” (relato 5).
“Eu achava que logo ia voltar, que eu ia andar em seis meses” (relato 6).
A subcategoria - 2.2. Estar consciente - relaciona-se ao fato de todos
os sujeitos relatarem que estavam conscientes durante e após o trauma.
"... depois eu fui encaminhado para o HC de Campinas. Lá eu fui
consciente e dois dias eu fiquei lá, não sei era estranho, era meio confuso, eu
não sabia o que pensar" (relato 1).
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"Eu estava o tempo inteiro consciente, na maca esperando, eu passei a
noite inteira na maca porque não podia ir helicóptero para lá, aí tinha que
esperar amanhecer" (relato 2).
"...fiquei presa dentro do carro uma hora, consciente, meio sem entender
o que estava acontecendo" (relato 3)
"...e o tempo todo eu estava consciente, eu não fiquei em coma nem
nada" (relato 4)
“...eu lembro de alguns fatos aleatórios, por exemplo do resgate eu
lembro que me perguntaram se eu sentia as pernas e eu então comecei a
chorar, daí eu dizia que eu corria, que eu era atleta que eu não podia perder
meus movimentos” (relato 5).
“ ... fui levada para o hospital pelos policiais e eu acho que no transporte
complicou alguma coisa, nessa hora eu fiquei desacordada, depois eu fiquei
consciente, daí eu fiquei cinco dias no hospital Mandaqui e fui transferida para
o hospital Paulistano ...” (relato 6).
A subcategoria - 2.3. Liberdade de escolha - refere - se à vontade do
sujeito em optar por não querer morrer, mesmo sabendo da severidade de sua
lesão, a princípio aparece a vontade de morrer, mas em seguida a negação.
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"Se eu fosse ficar em cima de uma cama o resto da vida eu preferia ir
embora, mesmo tendo uma filha para cuidar, uma vida inteira pela frente, na
hora que você escuta algo assim, você não pensa muito para dizer as coisas,
mas depois passa" (relato 1).
"...na hora que eu me acidentei, já tinha acabado toda a minha
esperança, acabou meu fôlego e eu vi que ia morrer, e eu já tinha certeza, e aí
pedi para Deus me ajudar, aí eu disse que se ele me tirasse dali, me ajudasse,
eu ia seguir os caminhos dele, e é o que eu tenho feito desde então" (relato 2).
"...foram os piores dias da minha vida porque eu tinha medo de morrer,
elas deixavam minhas mãos amarradas, mesmo eu não mexendo porque
tinham medo que eu fosse tirar o tubo" (relato 3).
"...porque era perigoso eu falecer, daí não fizeram a cirurgia colocaram
só o colar para fixar o osso" (relato 4).
“...lembro que eu chorava, que eu falava que uma pessoa tinha batido
em mim, que era esse senhor, que eu falava que eu não estava sentindo as
pernas, que eu tinha medo de morrer” (relato 5).
“Nessa época no hospital cada um falava uma coisa, que eu ia voltar a
andar em um ano, falavam várias coisas, que eu podia morrer, nessa época eu
tirei a sonda e comecei a me alimentar pela boca, tiraram os pontos, porque
eles me operaram para ver se tinha vestígios de bala” (relato 6).
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A categoria - 3. Empenho com a reabilitação - abrange três
subcategorias: 3.1. Falta de informação; 3.2. Dependência; e 3.3. Esperança
de recuperação.
A subcategoria - 3.1. Falta de informação – refere – se a falta de
informação a respeito da lesão e o seu prognóstico por parte da equipe médica
ou ainda informações passadas de forma incorreta.
"É depois que eu cheguei em casa é o médico que me operou foi fazer
algumas visitas e ele explicou o que tinha acontecido, disse que não podia dar
diagnóstico nenhum. Não sabia se eu ia andar novamente porque ia estar
mentindo né, falando alguma coisa e depois acontecesse outra, mas o choque
foi grande, ninguém espera né" (relato 1).
"Eu na UNICAMP, eu achava, que eu achava, que eu deveria ser o
primeiro a saber o que estava acontecendo né. Mas como ninguém falou eu
descobri sozinho então, bom, eu achava que o maior interessado era eu, não
tinha porque esconder, eu acho. Mais para frente eu ia ficar sabendo mesmo"
(relato 1).
"Eu não sei direito o meu diagnóstico médico, eu sei que foi lesão
medular entre a C5 e C6, e que foi incompleta. Na hora da lesão não me
explicaram nada, só no outro hospital que explicaram" (relato 2).
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"No hospital ninguém me falou o que estava acontecendo, lá foi assim
aquela coisa, quando chegou lá falaram assim para o meu pai e para minha
mãe têm 99% de chance de sua filha só mexer os olho, sabe é lesão
praticamente completa, temos que ver durante dois anos o que pode estar
modificando" (relato 3).
"Os médicos falaram assim então, é desanimaram total, falaram que eu
não ia andar mais" (relato 4).
“Eles só me falaram, no momento nos temos que estabilizar a sua
coluna, porque para você viver você não vai poder fazer movimentos bruscos
.... Só que no primeiro momento eu achei que eles iam fazer o reparo da minha
coluna, só que eu não sabia no caso que a minha tetraplegia não tinha nada a
ver com a cirurgia” (relato 5).
“Teve um dia que eu estava com muitos pontos de interrogação na
minha cabeça ... Aí eu fui para a AACD, e lá pelo que me parece eles são
muito competentes, e eu perguntei para o fisiatra qual era a minha chance, qual
a porcentagem, e ele sentou do meu lado da cama, segurou a minha mão, e
disse que eu tinha 99% de chance de não andar e 1% de chance de andar, daí
eu chorei muito, mas tirei esses pontos de interrogação” (relato 6).
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A subcategoria - 3.2. Dependência - refere-se tanto a dependência
física quanto à dependência financeira pós - lesão.
"A minha alimentação é normal, isso é, eu uso adaptação né, é na parte
do banho eu só não consigo esfregar abaixo dos joelhos, as costas e a bunda,
daí ou meu pai ou minha namorada lavam, escovar dente é normal também, no
vestuário calça é difícil colocar, ir para cadeira eu preciso de um pouco de
auxílio, em rampa, subida também" (relato 1).
"Eu almoço, como sozinho, uso o adaptador, tomo café sozinho, eu
como o pão, o leite têm uma moça que trabalha lá em casa que me dá, e para
tomar banho têm uma moça e minha tia que me ajudam. A parte urinária e
fecal minha mãe que faz" (relato 2).
"...no meu intestino eu só deixo a minha mãe e a minha irmã mexerem
comigo, têm que dar os toques, eu me sinto invadida, tirou minha privacidade,
eu não posso tomar um banho, eu não posso me esfregar, saber que têm uma
outra pessoa colocando a mão em você" (relato 3).
"Por exemplo, como eu não mexo minhas mãos direito a minha mãe me
passa a sonda, depois me deixam um pouco na cadeira de rodas e depois me
tiram por que eu não posso ficar muito tempo sentado porque pode abrir
escara" (relato 4).
Débora Sanchez Pedrolo
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“Hoje em dia eu tento não depender de ninguém o máximo possível. Por
exemplo, eu prefiro tomar banho três vezes por semana, só tomar quando eu
me sinto sujo para não depender da ajuda de ninguém. Eu não tenho controle
total da parte urinária e fecal, eu tento depender o menos das pessoas” (relato
5).
“Hoje eu vivo como em uma UTI em casa, eu não posso sair, eu pinto
meu cabelo em casa, faço minha unha em casa, faço depilação, entendeu”
(relato 6).
A subcategoria - 3.3. Esperança de recuperação - refere - se as
expectativas de recuperação e o uso de células tronco como forma de
recuperação.
"Hoje em dia eu estou tentando, estou lutando para ver um tratamento com
células tronco. Não sei que bem isso vai trazer para mim, mas eu estou
tentando, é uma coisa que eu coloquei na minha cabeça, uma meta" (relato 1).
"Eu tenho 100% de esperança de voltar tudo" (relato 2).
"...espero muito que essa pesquisa com células tronco funcione, minha mãe
já entrou em sites já viu, e eu estou esperando" (relato 3).
Débora Sanchez Pedrolo
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"Eu espero as células tronco, eu sei que não é para agora, que ainda é
pesquisa aqui no Brasil, mas é a minha única esperança, e eu torço para que
seja rápido" (relato 4).
“Acredito que as células tronco podem avançar muito, que esses estudos se
adaptem a minha lesão para que eu possa utiliza-las” (relato 5).
“ Eu vou seguir a minha vida, vou me esforçar, me posicionar na cama, eu
espero a minha melhora, espero que a fisioterapia me ajude, eu só queria
voltar a mexer as mãos o que já seria uma grande vitória ... o governo e a
religião não permitem o uso de células tronco, e eu tenho esperança dessas
pesquisas” (relato 6).
Débora Sanchez Pedrolo
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4. Discussão:
Uma incapacidade física crônica é, por definição, um evento prolongado
na vida de uma pessoa. A maioria das pessoas com uma incapacidade passam
a necessitar de órteses e dispositivos que facilitem sua independência física. O
processo de reabilitação em doenças crônicas visa promover a participação da
pessoa na sociedade, embora persista sua incapacidade física. A variedade e a
gravidade das incapacidades causadas por doenças crônicas já foram
extensivamente descritas, porém poucos dados referem -se ao impacto social a
longo prazo destas incapacidades (Haan et al, 2002).
Pacientes com lesão medular acima do nível medular T1 apresentam
comprometimento motor incluindo os membros superiores. O nível e a
extensão da lesão apresentam um grande impacto no nível de independência
dos pacientes (Biering - Sorensen et al, 2004).
Os cuidados a estes pacientes são divididos em três estágios:
1. Fase inicial incluindo a imobilização inicial e terapia de recuperação;
2. Fase de reabilitação, incluindo: treinamento de funções; auto - cuidado;
uso de adaptadores;
3. Terceira fase, a qual compreende os cuidados das lesões secundárias e
a preparação do paciente para o retorno para casa (Wood - Dauphinée
et al, 2002).
Segundo Murphy & Chuinard (1998), as terapias com pacientes
tetraplégicos podem ser divididas em três fases: a aguda, a sub aguda e a fase
de reconstrução. O propósito das duas primeiras fases é prevenir complicações
Débora Sanchez Pedrolo
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pós - lesão e treinar o indivíduo até sua máxima recuperação. A fase final é
treinar o paciente a independência em suas atividades da vida diária.
A participação do paciente em situações diárias é descrita pela
International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) como
sendo a meta do processo de reabilitação. Como as pessoas com TRM
apresentam uma larga escala de deficiências é importante avaliar esta
população (Lund et al,2005).
A influência da deficiência física, e do meio social nestes pacientes têm
recebido pouca atenção dos pesquisadores, apenas são estudados de que
forma podem ser criados mecanismos que facilitem a vida deste paciente
(Noreau & Fougeyrollas, 2000; Richards et al, 1999).
Os estudos pós TRM discutem a reabilitação e independência física em
níveis baixos de lesão (paraplegia), porém, pesquisas de qualidade de vida nas
lesões medulares altas são raros, não definindo como é sobreviver pós TRM
cervical (Hammel, 2004).
Após
o
TRM
são
considerados
problemas
de
sobrevivência,
complicações secundárias (bexiga neurogênica, espasticidade, entre outros) e
reintegração a sociedade. Casos de suicídio são cinco vezes maiores entre
indivíduos com TRM do que na população em geral, o que possivelmente
reflete pouca qualidade de vida e alta taxa de depressão (Kemp & Krause,
1999).
Os resultados do presente trabalho mostram a divisão em três
categorias principais. A primeira categoria (1. ruptura / vida interrompida)
refere-se a situações de cisão, de perda de ordem motora, social e econômica.
Na análise dos discursos surgem relatos que demonstram exatamente a
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
40
ruptura entre o antes da lesão e o pós - lesão. A incapacidade motora aparece
como a responsável pelo "interrompimento da vida anterior". Se antes este
sujeito era capaz de ir a academia fazer musculação isto passa a ser
impossível, se era capaz de caminhar, agora necessitará do auxílio da cadeira
de rodas.
Segundo Spizzichino et al (2003) os efeitos causados pelo TRM nas
relações sociais e na qualidade de vida do indivíduo são evidentes, mas difíceis
de quantificar considerando a importância de variáveis subjetivas de cada
indivíduo. A interrupção da vida do indivíduo pós TRM mostra-se aparente
quando os sujeitos relatam o que eram capazes de fazer anteriormente, porém
torna-se difícil quantificar de que forma isso ocorre. Nos relatos nota-se esta
"quebra" muito relacionada à perda do movimento, por exemplo, antes o sujeito
relata que frequentava aulas na academia para manter o corpo saudável, ou
que antes pretendia aprender a dirigir e comprar um carro.
Portanto torna-se evidente a dificuldade em retornar a situação anterior à
lesão. No momento atual, por se tratarem de lesões medulares altas, estes
indivíduos não frequentam mais a academia como meio de culto ao corpo, mas
sim, frequentam sessões de fisioterapia com o intuito de restabelecer ao
máximo a sua função motora, como, por exemplo, serem capazes novamente
de se alimentar sozinhos.
Em relação à possibilidade de aprender a guiar um carro, passa a ser
mais importante conseguir manejar a cadeira de rodas em terrenos planos ou
ladeiras, e se possível, dirigir um carro adaptado; ou seja, os planos mudaram
devido sua nova condição física.
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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O foco da discussão neste primeiro momento fica em torno da questão:
A incapacidade física / motora leva a perda do direito a Autonomia para estes
sujeitos? No discurso bioético contemporâneo segundo Ocampo-Martínez
(2005) tornou-se evidente a preocupação com as violações que foram
cometidas com os direitos dos sujeitos que participaram de pesquisas médicas,
e a partir de então foram formulados códigos, informes e declarações que
regem as pesquisas com seres humanos. Por outro lado deve ser ressaltado
que nem todos os sujeitos irão participar de pesquisas médicas, ou ainda, nem
todos serão expostos a tratamentos experimentais.
O que deve ser observado é que pacientes vítimas de lesões medulares
altas possuem a chance de sobreviverem e que merecem atenção maior de
seu meio de convívio para as suas necessidades. Eles não necessitam apenas
de suporte ventilatório ou de uma cadeira de rodas adaptada, necessitam de
uma reintegração à sociedade, e sob todos os aspectos.
O enfoque dado na categoria 2. fase aguda pós - trauma relaciona-se
com as situações imediatas e pós imediatas do trauma, e suas três
subcategorias (2.1 expectativas iniciais, 2.2. estar consciente, 2.3.
liberdade de escolha) se complementam.
Como colocado na subcategoria 2.2. estar consciente, desde o
momento inicial da lesão até o presente momento, todos estiveram e
permaneceram conscientes em relação ao ocorrido. Mas de que forma estes
sujeitos puderam exercer a sua autonomia? Em quais momentos foram
questionados se queriam ou não ser submetidos ao tratamento?
Os princípios éticos básicos de respeito ao paciente - autonomia,
beneficência, não maleficência e justiça - são tidos como deveres na relação do
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associada a seqüelas físicas
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médico com o paciente. Os médicos têm obrigação de respeitar os desejos de
seus pacientes, ajudá-los e tratar seus casos individualmente, e em situações
que o sujeito está incapacitado de tomar decisões o médico deverá realizá-las
de forma que respeite a autonomia do sujeito (Kuczewski, 1999).
No caso do TRM, como citado anteriormente, os sujeitos poderiam
manifestar sua vontade desde o momento da lesão, exceto se houvessem
traumatismos associados que levassem a perda da consciência. Mas, como
relatado, isso não ocorreu. A participação destes indivíduos no momento dos
cuidados iniciais foi nula, cabendo apenas a equipe médica tomar as decisões.
Além disso, os familiares e acompanhantes também não participaram do
processo. Portanto torna-se claro que estes pacientes passaram a ser tratados
como mentalmente incapazes, incluindo seus familiares.
Deve ser relembrado que cabe ao paciente, perante o respeito a sua
autonomia, ter direito, segundo Aguirre - Gás (2004) de conhecer seu médico e
sua equipe, solicitar se desejar a troca do médico e/ou equipe, receber uma
segunda opinião a respeito de sua lesão, consentir ou não para a realização de
diagnósticos e terapêuticas extras para o suporte da vida, ou ainda manifestar
inconformidade com atenção recebida. No caso de pacientes incapacitados
essas responsabilidades passam aos familiares, e o médico só passa a ser o
responsável legal na ausência de familiares.
Nos pacientes estudados nenhum dos itens supracitados foi respeitado.
Na subcategoria 2.1. expectativas iniciais surge a dificuldade em perceber a
situação de forma real, os primeiros pensamentos que surgiram a estes
indivíduos foram opostos, alguns pensaram que prontamente ficariam
reestabelecidos e outros pensaram que tudo estava acabado. O que aparece
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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em todos os discursos é a esperança de que ocorreria uma melhora, que os
movimentos pouco a pouco iriam voltar, porém conforme o tempo foi passando
as esperanças foram diminuindo, a impaciência com a demora na reabilitação
começou a surgir.
Na subcategoria 2.3. liberdade de escolha, pode-se verificar que,
independente da gravidade do caso, os sujeitos manifestaram o desejo de
estarem vivos. Associando o desejo pela vida e o anseio de compreender o
que ocorreu com seu corpo após a lesão pode-se ser novamente questionada
a autonomia nestes indivíduos. Se eles permaneceram conscientes após o
trauma, não queriam perder a vida e necessitavam ser informados deve ser
questionado o por que da falta de informação prestada pela equipe médica.
Mostra-se mais uma vez a falta de consideração com a autonomia destes
indivíduos.
Segundo Aguirre-Gás (1997) a definição de paciente significa: pessoa
que requer satisfazer suas necessidades de saúde através da prestação de
serviços médicos, sendo que o médico possui o compromisso profissional,
moral e legal de prestar atenção ao sujeito conforme os seus conhecimentos e
habilidades atuais, para o qual dispõem de programas de educação médica
continuada, cursos e congressos.
O que pode ser observado é que na fase inicial de sua lesão os
pacientes receberam atenção médica com o intuito de preservação da vida, por
outro lado, não receberam orientações a respeito de sua condiçã
o física, não
participaram das decisões médicas e não foram orieo s eme
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
44
Os usuários de serviços de saúde possuem expectativas em relação a
qualidade dos serviços oferecidos e da atenção que recebem dos profissionais
de saúde, podendo estas serem satisfeitas ou não, e quando não estam
satisfeitos possuem o direito de manifestarem sua inconformidade (Aguirre Gas, 2004).
Como se tratam de pacientes que necessitam de intervenção cirúrgica,
Acea (2005) coloca que devem ser informado ao paciente: o objetivo da
intervenção cirúrgica; descrição da técnica cirúrgica; riscos da operação;
benefícios esperados; alternativas possíveis de outros tipos de intervenção;
argumentos que levam o cirurgião a propor uma técnica e não outra;
possibilidade de retirar o termo de consentimento livre quando desejar;
sequelas possíveis da cirurgia.
Na subcategoria 3.1. falta de informação, os sujeitos referem que
mesmo após os procedimentos médicos, desde a fase aguda até iniciarem o
processo de reabilitação, não foram informados em relação ao diagnóstico,
terapêutica e/ou prognóstico. Em alguns casos apenas os familiares foram
avisados em relação aos riscos dos procedimentos e intervenções. Nota-se
também que coube aos familiares passarem as informações aos sujeitos, sem
o acompanhamento adequado de um profissional da saúde, como por exemplo,
o psicólogo.
No exercício de sua autonomia o sujeito possui o direito de manifestar
sua insatisfação em relação ao atendimento recebido, e é obrigação médica
atendê-lo, dar-lhe explicações, resolver o problema e satisfazê-lo (AguirreGas, 2004).
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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As informações a respeito de problemas secundários também não foram
transmitidas a estes indivíduos. Trata-se de um problema crescente, uma vez
que inicialmente o paciente percebe que não é mais capaz de mover-se,
acredita em uma recuperação rápida (retorno em poucos meses), isso não
ocorre. Em seguida surgem os problemas secundários tais como: impotência
sexual, falta de controle urinário e fecal, risco de úlceras por pressão devido a
perda sensorial, entre outros.
A perda do controle motor e sensorial o incapacita em diversos aspectos
levando a condição de dependente físico. Esta parte foi abordada na
subcategoria 3.2. dependência, a qual aborda a dependência física e
financeira destes sujeitos.
A qualidade de vida é colocada como o último objetivo do processo de
reabilitação, e ela reflete a percepção e a satisfação em relação a sua vida. Em
alguns casos aparece que vítimas de TRM cervical preferem o suicídio a
continuar vivendo (Hamell, 2004; Cairns et al, 1996; Maynard & Muth, 1987).
O número de estudos que abordam a qualidade de vida pós TRM têm
aumentado devido à diminuição dos índices de mortalidade desta população, e
portanto ao aumento no índice de expectativa de vida (Spizzichino, et al, 2003).
Segundo McColl et al (1997), os fatores que apresentam impacto na
qualidade de vida destes indivíduos são idade do indivíduo na época da lesão,
bem como o nível e a extensão da mesma (completa ou incompleta).
Nos casos estudados os pacientes tiveram lesões medulares cervicais
completas ou praticamente completas, e, portanto não possuem controle de
tronco, membros inferiores, possuindo apenas o controle de cabeça e parcial
dos membros superiores.
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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A dependência física leva a diminuição da qualidade de vida destes
indivíduos uma vez que passam a necessitar do auxílio de terceiros para:
transferências, locomoção, manobras de higiene, alimentação, entre outros.
Desta forma torna-se difícil retomar suas atividades profissionais e
sociais ocasionando sua dependência financeira. Ou o indivíduo passa a ser
aposentado por invalidez, ou passa a trabalhar em atividades autônomas, uma
vez que nem sempre o valor da aposentadoria por invalidez é suficiente para
sua sobrevivência.
Os objetivos de reabilitação pós TRM não devem ser apenas evitar a
morte e cuidar das seqüelas, mas, também facilitar a recuperação funcional e a
independência pessoal, promover sua reintegração social, qualidade de vida e
sua satisfação pessoal (Wood - Dauphinée et al, 2002).
Devido a demora do processo de reabilitação e a dificuldade do retorno
de suas funções os pacientes passam a criar expectativas em relação a
recuperações milagrosas. Na subcategoria 3.3. esperança de recuperação,
observa-se o anseio por essa melhora rápida e eficaz. Os sujeitos aguardam
pesquisas futuras com o uso de células - tronco. Mesmo sem serem
questionados, todos referiram que gostariam de participar de pesquisas com
células - tronco, embora não saibam qual benefício poderiam ou não ter.
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
47
5. Conclusões:
As sequelas físicas deixadas pelo TRM são devastadoras principalmente
quanto mais alto for o nível da lesão da medula. No caso das lesões cervicais
completas entre os níveis medulares de C4 e C5 nota-se que o indivíduo não
consegue sequer apresentar o controle de seus membros superiores o que o
incapacita de sair da cadeira de rodas, de sentar na cadeira de banho ou no
vaso sanitário, de realizar a higiene básica, ou ainda se alimentar sozinho.
Quando se pensa em Autonomia, um dos princípios básicos da Bioética,
se pensa também no direito de cada indivíduo escolher e exercer não apenas o
seu direito como cidadão, mas o algo mais básico como o direito de ir e vir, o
direito a ser independente nas suas escolhas e vontades.
Após a análise dos discursos dos sujeitos pós - TRM torna-se crítica a
situação vivenciada a cada momento por essa população, uma vez que não foi
perdido apenas o direito de ir e vir, mas também o direito de se alimentar, de se
vestir, de realizar sua higiene básica, na hora, onde e como quiser.
Além da dependência física surge a dependência financeira, a
dependência emocional, a perda do emprego, o desespero individual. Quando
voltarei a ser quem eu era antes? Quando terei o direito de ser eu mesmo sem
precisar da ajuda de terceiros?
Outro dado a ser ressaltado é a falta de apoio governamental, será que
a aposentadoria por invalidez é o suficiente para manter um auxiliar de
Enfermagem, custear medicamentos, sondas, fraldas? Torna-se claro a falta
de inclusão social. Arrumar um emprego pode parecer simples, mas de fato
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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poucos ofícios se adaptam a essa condição física, a limitação motora leva a
dificuldade em se encontrar um novo emprego. Porém não se deve esquecer
que
não
existe
limitação
cognitiva,
o
cérebro
continua
funcionando
normalmente, e deve ser muito frustrante não conseguir voltar a ser quem eu
era antes da lesão.
Algo importante a ser destacado é que não existem estudos que falem a
respeito de qualidade de vida nos TRM cervicais, os únicos estudos da área
abordam a qualidade de vida nas lesões baixas (torácicas ou sacrais) e,
portanto, pode-se pensar que realmente talvez não exista qualidade de vida,
uma vez que a vida destes pacientes passa a ser mantida por terceiros, sua
sobrevivência dependerá deste auxílio.
Através deste estudo pode - se sugerir que, de forma geral, a
incapacidade física pós - TRM cervical acarreta na dependência física do
indivíduo que passa a necessitar de auxílio de outras pessoas e sua autonomia
é violada muitas vezes desde o momento da lesão até a fase crônica.
Provavelmente uma das saídas seria melhorar as condições de
sobrevivência desta população através de uma oferta de empregos específicos
sem o risco de perder o auxílio - doença; oferecer meios de transporte
adaptados em maior quantidade; permitir a reinserção social que incluíssem
desde mudanças no espaço físico até serviços especializados de atendimento
gratuito.
Vale por fim ressaltar que existe sofrimento devido à incapacidade física,
e que não houve participação destes indivíduos em relação à abordagem
médica, embora hoje se fale tanto dos direitos dos pacientes ainda é possível
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
49
notar que na prática nem sempre eles são informados e conscientizados a
respeito de sua doença.
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Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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Anexo 1
Termo de consentimento livre e esclarecido
Título da pesquisa: “Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma
raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas”
Eu,
_________________________________________,
documento
de
identidade n°°: ______________________; sexo: ___________, idade:
_________
residente
à
rua:
__________________,
bairro:
_________________, na cidade de ______________, CEP: ____________, e
telefone ( ) ________
declaro ter sido informado e estar devidamente esclarecido sobre os objetivos
da pesquisa que é questionar de que forma uma incapacidade física pode
impossibilitar de algum modo a autonomia do indivíduo após um trauma raqui
medular cervical (lesão medular cervical).
Tenho ciência que a entrevista será gravada, sendo que na primeira fase
responderei questões relacionadas ao meu perfil social e na segunda parte
responderei perguntas relacionadas ao objetivo do trabalho e ao término da
entrevista me será concedido o direito de acrescentar observações que eu
julgue
necessárias.
O
tempo
de
duração
da
entrevista
será
de
aproximadamente uma hora, com horário e dia pré - determinado, de
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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preferência em um dia que eu esteja na Instituição, e após a minha sessão de
Fisioterapia.
Recebi garantia de total sigilo e resguardo das informações dadas em
confiança e a proteção contra a revelação de minha identidade, mantendo o
meu anonimato, podendo obter esclarecimentos a respeito da pesquisa sempre
que o desejar. Concordo em participar voluntariamente deste estudo e sei que
posso retirar meu consentimento a qualquer momento sem que isto interfira no
meu processo de reabilitação na instituição.
___________________________________________
(assinatura do participante)
São Paulo, _____de ___________________ de 2006
Pesquisador responsável
Eu, _____________________________________________ responsável pelo
projeto intitulado “Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui
medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas” declaro
que obtive eo
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
Anexo 2
Avaliação e aprovação pelo comitê de ética:
Débora Sanchez Pedrolo
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Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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ANEXO 3:
Modelo da ficha de entrevista (dados do paciente):
Nome:
Idade:
Sexo:
Profissão Anterior:
Profissão Atual:
Diagnóstico Médico:
Tempo de Lesão:
Renda Familiar:
Estado Civil:
Número de Dependentes:
1)
Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida,
sonhos...?
2)
O que mudou na sua vida após a lesão?
3)
Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do
processo de reabilitação?
4)
Quais suas expectativas de vida de hoje em diante (em todos os
aspectos)?
5)
Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a
entrevista?
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
60
Anexo 4
Entrevista com os pacientes:
Relato 1:
Paciente N.P.M, 25 anos de idade, sexo masculino.
Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida,
sonhos...?
Em relação ao meu trabalho, eu era, deixa ver o que eu posso te dizer.
Eu trabalhava em uma empresa que fazia plástico, é eu trabalhava na
extrusora então. Eu utilizava bastante os movimentos dos braços, e hoje eu
trabalho em várias coisas, é eu trabalho, e eu vendo perfume, e eu faço
trabalhos escolares, é com digitação.
O meu diagnóstico médico é de lesão medular em C5 e C6, C5
esquerdo e C6 direito. A lesão foi em 14 de Abril de 2001. Sou solteiro, tenho
uma filha de seis anos, e ela mora com a mãe, infelizmente, eu queria ficar com
ela, muito.
Sou aposentado, né, e recebo em média setecentos e trinta reais. Sou
católico, eu acredito em Deus, sou espírita, um pouco de tudo.
Bom eu já falei um pouco da minha profissão né, que eu era extrusor,
trabalhava em uma fábrica, eu pegava a matéria prima, polipropileno que é um
plástico para fazer algumas coisas e eu adorava futebol, uma coisa que eu
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
61
joguei em uma parte da minha infância na Ponte Preta. Trabalhava em som né,
ah, eu era baladeiro, era um bom rapaz né, família acima de tudo.
Eu morei em São Paulo até os onze anos, e dos onze aos quinze,
depois dos onze eu mudei para o interior, para Nova Odessa, mas até os
quinze eu vinha todo final de semana para São Paulo, no começo foi difícil para
me acostumar, mas depois que eu comecei a trabalhar em som né, com som
mecânico em boates, com programação de som. Bom eu era namorador, fiquei
sabendo que ia ser pai com dezoito anos, é respeitava minha família como
respeito até hoje.
Eu sempre morei com minha mãe, meus pais são separados, e acho que
eu devia ter, foi quando eu fui para o interior, tive que mudar para o interior,
acho que eu tinha uns onze anos.
Eu estudava, parei no terceiro, no terceiro colegial eu estava quando
sofri o acidente, é não deu para terminar, é, mas isso aí é uma parte da minha
vida que eu pretendo acabar né, é. É a vida é difícil falar da vida né, não têm
muito o que dizer.
A minha filha quando eu sofri o acidente ela tinha nove anos, quer dizer
nove meses, desculpe e fica comigo algum tempo, fora os empecilhos da mãe.
E na semana que eu parei, que eu sofri o acidente é ela começou, quer dizer
ela não andava ainda direito, ela começou a andar. Mudou bastante minha
vida.
Bom eu era muito jovem né, pensava em estudar, trabalhar como todo
jovem, não programava muito a minha vida, eu deixava a vida me levar. Hoje
não, hoje já é diferente, hoje eu penso totalmente diferente do que eu pensava.
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
62
Olha meu sonho sempre foi ser feliz, eu não tenho muito o que pedir.
Bom na época eu trabalhava das sete as cinco, eu entrava as sete da noite na
escola, então eu não tinha muito tempo.
Nos fins de semana eu ia tomar uma cerveja com os amigos, ia em uma
lanchonete, no clube, danceteria. Quando você têm dinheiro para pagar uma
cerveja você têm muitos amigos, né. De uns cinqüenta, uns dois eram amigos
mesmo.
O que mudou na sua vida após a lesão?
Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo
de reabilitação?
Bom três dias antes de eu sofrer o acidente eu tinha pegado, eu estava
de folga da firma, tinha feriado e eu tinha emendado, ia ficar três dias e então
eu fui para casa de um colega, estava tendo um churrasco com uns amigos,
com um pessoal e eu fiquei três dias. Só que era próximo de casa, então eu
apareci em casa poucas vezes, e eu apareci, e um pouco antes de sofrer o
acidente eu fui para casa, vi minha mãe, ela até pediu para eu ter cuidado,
quem que ia imaginar né, eu estava em um churrasco, tudo normal, eu não
tinha bebido muito. Um amigo me pediu para levar ele até a casa dele, daí eu
disse para ele pegar a chave da moto, e pede para alguém te levar, daí ele
disse, não, me leva você que eu quero falar com você. Daí eu fui né, fiquei uns
dez minutos conversando. Daí ele falou vamos fumar um cigarro. Aí eu disse
não, beleza, tenho que voltar logo. Acho que era para eu fumar um cigarro né?
Bom, daí eu sai e na esquina o carro entrou e me pegou de moto. Batemos de
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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frente, eu, e me socorreram lá né, a vizinhança, chamaram a ambulância, e oito
minutos depois eu fui encaminhado para o HC de Campinas. Lá eu fui
consciente e dois dias eu fiquei lá, não sei era estranho, era meio confuso, eu
não sabia o que pensar, estava meio dopado, eu lembro de algumas coisas
que me aconteceram lá, mas assim falar com certeza assim eu não posso
porque eu não me lembro não.
Foram três cirurgias, a primeira para tirar os fragmentos né, porque duas
vértebras explodiram da minha coluna, a segunda para fixar com osso da
minha bacia e uma placa de titânio e a terceira um tempo depois foi para retirar
porque eu tinha que entrar na AACD, que eu estava com a placa solta. Eu
lembro que eu recebi muitas visitas, lá eu fiquei sabendo que minha filha
começou a andar, não lembro de muita coisa.
Depois de quatorze dias eu fui para casa, nem sabia se eu ia viver, se
eu ia vegetar, se ia andar, na hora você pensa de tudo um pouco, mas não têm
certeza de nada.
É depois que eu cheguei em casa é o médico que me operou foi fazer
algumas visitas e ele explicou o que tinha acontecido, disse que não podia dar
diagnóstico nenhum. Não sabia se eu ia andar novamente porque ia estar
mentindo né, falando alguma coisa e depois acontecesse outra, mas o choque
foi grande, ninguém espera né.
Uns dois meses após em casa, comecei a fazer fisioterapia particular em
casa mesmo, mas foi o dia em que eu cheguei em casa em Outubro, o dia que
fizeram o atentado das torres gêmeas, foi minha primeira sessão de tratamento
na AACD né. Fiz uma triagem, me explicaram, eu passei com sete ou oito
profissionais, com TO, fisio, psico, daí eles me explicaram como era o trabalho
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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lá, que não durava muito tempo, cerca de quatro meses, mais para mim
aprender e voltar a fazer em casa, que eu ia ganhar uma mobilidade a mais,
mais ou menos isso.
A minha alimentação é normal, isso é , eu uso adaptação né, é na parte
do banho eu só não consigo esfregar abaixo dos joelhos, as costas e a bunda,
daí ou meu pai ou minha namorada lavam, escovar dente é normal também, no
vestuário calça é difícil colocar, ir para cadeira eu preciso de um pouco de
auxílio, em rampa, subida também. Agora para empurrar a cadeira de rodas em
plano assim é normal, em subida ou descida leve, dependendo da descida dá
para ir.
Logo após a lesão eu não, eu não queria acreditar né, eu não estava
acreditando que aquilo estava acontecendo porque ninguém me falou, olha
você vai ficar em uma cadeira de rodas ou você vai vegetar. Sem querer eu
escutei um comentário né, então é diferente. Eu escutei o médico com minha
mãe, que se eu sobrevivesse ia ficar vegetando o resto de minha vida. Isso,
acho que foi uns seis dias após ter entrado no hospital. Só que eu não
comentei isso com ninguém né. Minha vida eu guardo quase tudo para mim, eu
não falo se eu estou bem ou se estou mal. Foi difícil escutar aquilo. Será? Será
que eu vou vegetar, vou viver, vou morrer sei lá? Se eu fosse ficar em cima de
uma cama o resto da vida eu preferia ir embora, mesmo tendo uma filha para
cuidar, uma vida inteira pela frente, na hora que você escuta algo assim, você
não pensa muito para dizer as coisas, mas depois passa.
Eu conversei nos últimos dias com o médico que eu fiquei lá, e eu falei
para ele que eu ia mostrar que eu não ia ficar assim, e ele não falou nada, mas
só que quando eu fui fazer uma outra cirurgia para retirar a haste de titânio que
Débora Sanchez Pedrolo
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eu tinha colocado na nuca, eu fui para UNICAMP de novo, e só que a primeira
coisa que eu fiz foi procurar o médico, chamei ele e perguntei se ele lembrava
de mim. Ele disse que não, expliquei que tanto tempo atrás tinha um paciente
que tal, tal, tal, que estava em uma cama, e que eu tinha ido apertar a mão
dele, e que ele estava errado. Bom, aí ele ficou sem graça, mas e aí fazer o
que né.
Bom, na época eu fiquei sem trabalhar, e eu na pensava em voltar, eu
pensava que eu não podia fazer mais nada, eu só pensei em tratamento,
pensava em me reabilitar, pensava em fazer nada, apenas reabilitação. Depois
que eu comecei na AACD, que eu vim embora para São Paulo. No fim do ano
agora em Novembro faz três anos que eu voltei para São Paulo, mais ou
menos isso, e eu só comecei a me interessar em fazer alguma coisa depois
que eu saí da AACD, que eu acabei meu tratamento. Comecei a trabalhar com
digitação, ia para AACD e essas coisas, mas antes, apesar de eu ter saído com
emprego da AACD né em telemarketing, eu tinha que ser registrado, e o salário
era menor do que eu ganhava, mas eu pensei se um dia eu for mandado
embora, mas se eu for me aposentar um dia novamente, e então eu até
questionei, sem registro não pode ser, e ela disse que não, então eu não fui.
Nessa época eu ia para a AACD na hora do almoço e voltava no fim da
tarde. A noite eu descansava, e de manhã eu ficava em casa com meu pai.
Como eu tinha que vir para São Paulo várias vezes, então eu vim morar com
meu pai.
Eu ficava sozinho em casa, porque meu pai trabalha, mas minha avó, a
gente mora em um sobrado, e minha avó mora em cima, e eu e meu pai
embaixo.
Débora Sanchez Pedrolo
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Tiveram várias situações, por exemplo, na parte da alimentação no
começo era complicado, para pôr um prato no microondas, para esquentar um
alimento, quando tinha que cortar algum alimento. Eu uso uripem, eu vou no
banheiro uma vez sim e uma vez não, então dá para alternar esses dias, mas
quando era no começo era complicado, eu usava fralda, podia fazer a qualquer
momento né, do dia da noite, era bem complicado.
Algumas vezes eu já fiquei mal na foto, a maioria das vezes em casa né.
Meu pai saía para trabalhar, e como você não têm controle, vêm e a única
coisa que você pode fazer é ligar e pedir para alguém te socorrer.
Primeiramente sempre ligava para meu pai, depois um vizinho lá perto de casa
que é enfermeiro.
Quais suas expectativas de vida de hoje em diante (em todos os
aspectos)?
O que pensar né? Eu não sei né! Eu penso em me dar bem na vida,
continuar matando um leão por dia. Eu não reclamo muito da vida, eu acho que
a vida é dura só para quem é mole né. Todos têm dificuldades, todos
reclamam. Eu procuro não reclamar muito. Depois que eu entrei na AACD
tiveram algumas coisas que me chocaram, eu procuro ver que eu estou bem.
O futuro a Deus pertence né, eu só tenho certeza de uma coisa, que um
dia eu vou morrer. Antes eu pensava uma coisa para mim, eu não pensava que
ia acontecer isso comigo o que eu posso pensar? Eu posso tomar outro tombo
da cadeira, é complicado dizer o futuro.
Débora Sanchez Pedrolo
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Em relação as informações, na AACD não se fala muito sobre células
tronco, não sei, eu gostaria, eu gostaria de saber qual é a experiência. Eu sei
que uma coisa eu quero para mim, é tentar.
Eu pesquisei né via Internet, jornal, revista. Tive um fisioterapeuta que
no começo do acidente que tinha falado sobre células tronco, o bem que ela
pode dar para algumas pessoas né. Têm um estudo na revista lá na USP que
eles estão fazendo, que em 30 pacientes que aplicaram o tratamento com
células tronco, e voltaram a mexer a perna com lesão medular alta ou baixa.
Já da família é difícil dizer, ficar longe da minha filha, da minha mãe, eu,
é complicado falar da família.
Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a
entrevista?
Eu gostaria de falar que eu escrevi um livro logo depois que eu fui para
casa, logo depois que eu comecei a mexer com computador, porque eu não
pensava nisso antes né. Há cinco anos atrás quase ninguém mexia com
computador, isso de Internet, computador é mais agora. Eu escrevi um livro só
que eu guardei para mim, não publiquei. Ficou mesmo para mim, nele eu falo
como era minha vida antes do acidente, um pouco na hora do acidente, como
foi, e como poderia ser. Eu lembro que, ele não têm fim. Meu livro não têm fim,
eu não sei como poderia ser.
Eu na UNICAMP, eu achava, que eu achava, que eu deveria ser o primeiro
a saber o que estava acontecendo né. Mas como ninguém falou eu descobri
sozinho então, bom, eu achava que o maior interessado era eu, não tinha
porque esconder, eu acho. Mais para frente eu ia ficar sabendo mesmo.
Débora Sanchez Pedrolo
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Já na AACD eu não tenho muito o que reclamar, sempre fui bem atendido
sempre fui orientado. Hoje em dia eu acho que a pessoa que têm lesão nunca
pode parar de fazer uma fisio. Hoje em dia eu estou te
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Relato 2:
Paciente D. P. W, 26 anos, sexo masculino
Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida,
sonhos...?
Antes da lesão eu só estudava, eu estava estudando Ciências da
Computação, eu estava no primeiro semestre, não trabalhava. Eu recebo um
auxílio pela morte do meu pai, eu não quis me aposentar pelo governo.
Antes da lesão eu só estudava e estava pretendendo arrumar um emprego,
é eu não tinha emprego ainda, e o meu objetivo era esse. Eu tinha 20 anos, já
estava para fazer 21 eu só ia para academia e a noite ia para a faculdade. Eu
acordava meio dia, comia alguma coisa e ia para academia e a noite ia para
faculdade. Eu tinha alguns amigos, saía com eles bastante, no fim de semana
assim, às vezes viajava com eles, até que na época da lesão eu tinha viajado
com meu primo, mas era tudo, tudo muito normal.
Eu morava com minha mãe, o meu pai morava no Rio, eles se separaram
quando eu tinha nove anos. Eu nasci aqui em São Paulo, daí meu pai foi
transferido para o Rio, e a gente foi com ele, moramos no Rio, e daí quando eu
tinha nove anos eles se separaram e minha mãe voltou para casa dos pais
dela. Eu fiquei morando com meu pai lá no Rio, depois a gente foi para
Fortaleza, eu tinha 10 anos, morei dois anos em Fortaleza e voltei para o Rio
Débora Sanchez Pedrolo
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70
de Janeiro. No Rio eu morei até os 15 anos, e daí com 15 anos eu vim morar
com minha mãe aqui em São Paulo.
Eu queria na época trabalhar na área que eu estava estudando, esse era o
meu principal objetivo e eu era promotor de vendas em uma gráfica.
O que mudou na sua vida após a lesão?
Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo
de reabilitação?
Eu não sei direito o meu diagnóstico médico, eu sei que foi lesão medular
entre a C5 e C6, e que foi incompleta. Na hora da lesão não me explicaram
nada, só no outro hospital que explicaram. A lesão foi dia 28 de Dezembro de
2001. A minha renda média é de menos de dois salários mínimos. Sou solteiro,
não tenho filhos.
No dia da lesão eu lembro mais da tarde, que eu estava na casa dos avós
do meu primo, e são da parte da mãe dele, e eu lembro que de tarde eu estava
brincando de soltar bombinha com os primos pequenos dele, aí eu ia entrar no
chuveiro para tomar banho, eu já estava com a toalha no banheiro, aí o
namorado da prima dele chamou a gente e perguntou se a gente não queria ir
para o clube lá em Brotas, aí a gente foi com ele para o clube, aí ele foi para
sauna e quando a gente foi para o banheiro, e aí a gente estava voltando do
banheiro porque a gente ia jogar bola enquanto ele estava na sauna, aí a bola
caiu no lago, e os moleques pediram para eu pegar a bola né, daí quando eu
fui pegar a bola, na hora que eu pulei, que eu pulei de cabeça, daí eu já, eu já
perdi todos os movimentos do corpo, aí eu fiquei embaixo da água já uns dois
minutos, e aí tinha uma família fazendo um churrasco ali, aí o rapaz me viu e
Débora Sanchez Pedrolo
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associada a seqüelas físicas
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me tirou da água, eu já tinha engolido um pouco de água porque tinha acabado
o meu fôlego e eu respirei água umas duas ou três vezes, aí ele me tirou de lá.
Daí ele me colocou no gramado e chamaram a ambulância, chegou a
ambulância, me colocou o colar né, me colocou na tábua e me levaram para o
hospital, tiraram o raio X e não me disseram nada o dia inteiro. O médico não
apareceu, quem ficou comigo foi a família do meu primo, que ficou comigo
tudo, passaram a noite inteira lá, ficou a tia dele lá, enquanto isso, ele estava
ligando aqui, estava ligando para a minha mãe, porque minha mãe e minha
irmã estavam no Rio, aí ligou para eles, e eles vieram para São Paulo.
Eu estava o tempo inteiro consciente, na maca esperando, eu passei a noite
inteira na maca porque não podia ir helicóptero para lá, aí tinha que esperar
amanhecer. Só estava eu e a família do meu primo lá, deixaram a gente numa
salinha lá, eu e família do meu primo. Não tinha médico nada, daí eu vim para
São Paulo no hospital Paulistano e assim que eu cheguei já foram fazer
exames, e ressonância e depois me levaram para UTI, eu fiquei acho que um
mês na UTI, só que consciente e esperando porque eu fiquei com febre, daí
ficou esperando a febre passar para poder operar, aí a febre não passava e aí
me mandaram para o quarto e eu fiquei lá mais um tempo esperando a febre
passar, só depois que a febre passou que pode fazer a operação. Falaram daí,
falaram que, falaram só mesmo foi da operação que tinha afetado o pescoço e
daí eu já sabia. Aí eles falaram, mas acho que eles não sabiam muito bem o
que estava acontecendo, eles falaram que mais ou menos depois de um ano
eu já voltaria andar de novo, com bengala, com essas coisas, então eles não
tinham muita noção. Quem conversava comigo mesmo eram os meus pais.
Falaram o que eu ia fazer na cirurgia, que iam colocar um enxerto porque
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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quando eu pulei prensou e quebrou a coluna e tinha machucado a medula e
quebrou a coluna, para colocar uma haste de titânio e tirar um pedaço do osso
para fazer o enxerto.
Eu só fazia fisio no hospital mesmo, só fazia movimentação na minha perna
umas duas vezes por dia com as fisioterapeutas do hospital, claro que eu
queria fazer fisio, meu pai também exigiu, o médico que operou tinha falado
que eu ia fazer três vezes por dia, daí quando chegou no quarto só estava
vindo uma vez por dia, aí meu pai foi ver, e a fisioterapeuta lá falou que não
precisava fazer tanto, e também fazia respiratória, colocava uns exercícios para
o pulmão, mobilização e alongamento.
Eu não voltei para a faculdade, eu tinha acabado o primeiro semestre. Eu
fiquei ao todo uns três, quatro meses internado, daí fui para casa, tinha home
care e já fui para casa encaminhado com home care, tinha uma enfermeira e a
fisioterapia, a fisioterapeuta uma vez por dia.
Depois eu fui para rede Sarah e fiquei 45 dias fazendo fisioterapia, aí eu
voltei e fui para o DMR e fiquei um ano lá. Eu pensei que os movimentos iam
voltar pouco a pouco, e aí não iam voltando e eu fui ficando assim, e depois eu
fui acostumando, mas depois eu me animei de novo, e depois eu vim para
UNIP e fiquei mais um ano.
Quais suas expectativas de vida de hoje em diante (em todos os
aspectos)?
Hoje eu fico mais em casa, eu acordo e fico la´ em casa assistindo
televisão, de vez em quando eu dou uma saída assim, vou para shopping com
a minha mãe e com minha irmã. Eu almoço, como sozinho, uso o adaptador,
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
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tomo café sozinho, eu como o pão, o leite têm uma moça que trabalha lá em
casa que me dá, e para tomar banho têm uma moça e minha tia que me
ajudam. A parte urinária e fecal minha mãe que faz.
Daqui para frente por enquanto eu estou pensando em abrir um negócio,
um negócio de vender doces, dentro de casa mesmo, vender para
restaurantes, estas coisas assim. O meu primeiro é esse, é que eu estou agora
a divisão dos bens do meu pai que faleceu porque eu tenho duas irmãs e a
minha madrasta que morava com ele.
Eu tenho 100% de esperança de voltar tudo, eu parei com os tratamentos
por falta de transporte, e a minha mãe está trabalhando e então ficou muito
difícil, a minha irmã também está trabalhando, esta na faculdade. Têm uma
moça que me ajuda em casa, que vai de segunda à sexta.
Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a
entrevista?
Eu sou crente, eu pratico só o que está na bíblia, eu vou na minha igreja, eu
não pratico nenhuma atividade religiosa, eu só acredito em Deus, é a Igreja
Bíblica da Paz. Eu comecei a ir depois que eu me acidentei, na hora que eu me
acidentei, já tinha acabado toda a minha esperança, acabou meu fôlego e eu vi
que ia morrer, e eu já tinha certeza, e aí pedi para Deus me ajudar, aí eu disse
que se ele me tirasse dali, me ajudasse, eu ia seguir os caminhos dele, e é o
que eu tenho feito desde então
Débora Sanchez Pedrolo
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Relato 3:
Paciente T.T, 27 anos, sexo feminino.
Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida,
sonhos...?
Eu sempre fui uma pessoa muito extrovertida, brincalhona, fazia um
monte de coisas, adorava viajar nos feriados, fazia musculação, cuidava do
meu corpo, paquerava muito, beijava muito. A T. era feliz para caramba, deixa
eu ver, como eu falei, passeava muito, namorava, queria estudar de novo, eu
cheguei a fazer a faculdade de Direito, parei porque estava sem condições
financeiras, mas estava pretendendo voltar, não sei se ia continuar fazendo
Direito, mas eu ia fazer alguma coisa. Trabalhava, não gostava muito, mas já
que têm que trabalhar né, trabalhava, gostava muito de passear, , era uma
pessoa assim normal. Eu tinha objetivo de um dia assim, mais para frente, não
de casar, mas de ter filho, esse é um sonho que eu sempre tive, mesmo que
fosse para ficar mãe solteira, uma pessoa assim normal.
Quando eu estava trabalhando tinha aquele rotina de acordar, ia para o
serviço o dia inteiro, quando voltava do serviço vinha para casa e descansava
um pouquinho, ia para musculação, ia passear com o namorado, antes de estar
trabalhando, eu acordava, ficava em casa assistindo televisão, escutava
música, ia para o clube, na piscina, ia encontrar os amigos, sempre pela rua
Débora Sanchez Pedrolo
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associada a seqüelas físicas
75
né. Só ia para casa para dormir, comer e trocar de roupa porque eu sempre
gostei mesmo da rua.
Eu tinha parado a faculdade e eu pretendia voltar, não sei mesmo se
Direito, mas talvez eu fosse para a área criminal, que eu gosto muito dessa
parte.
O que mudou na sua vida após a lesão?
Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo
de reabilitação?
Eu já não estava mais trabalhando, já tinha cumprido aviso prévio.
Naquele dia eu tinha ficado em casa, fui para musculação, e a noite tinha
sempre aquele horário né combinado com o namorado, e como eu sempre fui
ciumenta, fiquei nesse dia ligando, enchendo, mandando mensagem para ele
vir embora e ele chegou na minha casa alterado, meu pai abriu a porta viu ele
alterado. Ele disse para o meu pai que tinha sido assaltado e tal, e eu como
sempre gostei de ajudar ele, mesmo sabendo das coisas erradas dele, sempre
tentando dar conselho bom, tentando endireitar ele resolvi sair para ajudar. O
meu pai tentou por duas vezes me segurar, pegou no meu braço, pediu para
mim não sair duas vezes, só que eu resolvi sair para ajudar ele. E meu pai
falou não sai filha duas vezes, ele disse que se eu saísse o meu namorado ia
bater o carro, e eu não quis ouvir ele, eu falei que eu ia sair e eu já voltava, e
eu voltei só 35 dias depois assim, sem meus movimentos. Ele bateu o carro
quatro quarteirões aqui de casa. Ele saiu daqui que nem um louco, passou
quatro faróis, e no quarto a gente bateu, na hora eu já perdi meus movimentos,
Débora Sanchez Pedrolo
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não me mexia mais, fiquei presa dentro do carro uma hora, consciente, meio
sem entender o que estava acontecendo. Me levaram para o HC, sem eu
mexer nada, não sei, eu não sabia, não entendia o que era, era só aquele zum
zum zum no meu ouvido, eu não entendia nada, depois que os meus pais
chegaram eu só via eles, mas ninguém me dizia nada, eu só ouvi que tinham
que raspar meu cabelo, e aí eles rasparam meu cabelo, fui para o centro
cirúrgico, me colocaram a tração, aí eu fiquei cinco dias com o halo craniano,
tinham dezesseis quilos puxando o meu pescoço, tudo sem me mexer, tinha
dor, formigamento, não sabia o que estava acontecendo. Depois do quinto dia
eu fiz a cirurgia, a minha respiração não estava legal, e depois de três dias que
eu estava na UTI, tiveram que pedir autorização para o meu pai ficar comigo,
porque não me agüentavam, eu xingava todo mundo, meu pai fala que eu
negociava medicação com os médicos, tudo isso sabe ainda estava aquela
coisa confusa no meu cérebro, para mim era aquela coisa sabe eu vou voltar,
eu vou me mexer, isso daí é só agora sabe, a minha ficha ainda não tinha
caído, enquanto eu estava no hospital a minha ficha estava completamente
fora. Daí eu fiz essa cirurgia pedi para o meu pai ficar porque ninguém me
agüentava, e daí um dia meu pai saiu de madrugada para fumar e daí quando
ele voltou, ele viu no balcão o médico falando que tinha um para entubar, e não
passou uns dois minutos meu pai olhou para trás o aparelho zerou, eu tive uma
parada cárdio – respiratória, colocaram meu pai para fora, me reanimaram,
depois de uns 20 segundos eu voltei, e o médico disse já estou entubando sua
filha, ela vai ficar entubada, daí me deram uma injeção para eu apagar, isso foi
o que me falaram né, e depois de um dia e pouco eu despertei, e me tiraram o
tubo, foram os piores dias da minha vida porque eu tinha medo de morrer, elas
Débora Sanchez Pedrolo
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associada a seqüelas físicas
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deixavam minhas mãos amarradas, mesmo eu não mexendo porque tinham
medo que eu fosse tirar o tubo, e eu tinha muita secreção, e tinham que
aspirar, e como eu não falava, tinha umas que entendiam, tinha outras que
não, tinha umas que falavam que eu agüentava, que a minha saturação estava
boa, e não estava, umas não me trataram bem, e então eu tinha muito medo de
morrer, eu dormia em média duas ou três horas por noite, mas acordava
sempre com pesadelo, chorando, foram os piores dias da minha vida, depois
que tiraram o tubo daí que eu subi para o quarto daí que eu fui melhorando, e
foi assim eu sempre com aquela coisa, acho que daqui um mês, acho que
daqui dois meses, acho que daqui três meses, e foi passando, passando, e
agora já fazem três anos e três meses. Depois de uns seis meses que a minha
ficha mesmo caiu, só que graças a Deus de lá para cá, quando eu cheguei em
casa eu não mexia nada, male male conseguia tirar a mão do colchão, hoje eu
mexo, não tenho força de tríceps, mas consigo mexer bastante os braços, não
consigo mexer os dedos, mas dependendo da coisa que colocar na minha mão
eu consigo mexer um pouquinho, consigo tocar um pouco a cadeira com
dificuldade, consigo me mexer um pouco na cama me apoiando na grade para
levantar a cabeça, coisas que eu não fazia antes né, tenho um pouco mais de
sensibilidade do que eu tinha no começo, só que hoje eu não percebo mais
tanta diferença, o pessoal de fora mesmo que fica muito tempo sem me ver que
fala das mudanças, mas eu não percebo mais. Estou correndo atrás, é lógico
têm aquela parte monetária, que eu poderia correr até mais.
No hospital ninguém me falou o que estava acontecendo, lá foi assim
aquela coisa, quando chegou lá falaram assim para o meu pai e para minha
mãe têm 99% de chance de sua filha só mexer os olho, sabe é lesão
Débora Sanchez Pedrolo
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praticamente completa, temos que ver durante dois anos o que pode estar
modificando, só que lá falaram meio assim por cima o que aconteceu, falaram
mais para os meus pais do que para mim, é aquela coisa, vamos ter calma,
vamos esperar, e só depois de um mês e pouco uma amiga minha que é
fisioterapeuta veio aqui em casa, sentou comigo, ela fez os desenhos e
explicou onde eu sofri a lesão, fez o desenho para eu estar entendendo o que
aconteceu e me explicou, foi daí que eu entendi, mas no hospital eles meio
assim que não falam, como também têm muito paciente também, eu também
acho que eu não queria muito saber não e então não ficava perguntando. Essa
minha amiga falou para os meus pais que do jeito dela ia me explicar tudinho,
desenhou, mas é aquela coisa, eu fico sempre naquilo lá, eu tenho que voltar a
andar, eu não quero ficar assim, eu não vou conseguir conviver desse jeito,
sabe se têm deficientes que conseguem parabéns, mas eu T., eu não consigo,
eu não sei se é pior eu não aceitar, têm dia que eu estou revoltada brigo com
todo mundo, xingo mãe, pai, tio, mando para cada lugar mas é na hora do meu
estresse, passou eu estou falando com todo mundo. Eu sempre fui aquela
pessoa, eu sempre gostei de ajudar os outros, eu nunca gostei de ser ajudada,
então para mim fica difícil, sabe essa coisa de estar toda hora, precisar de
alguém para passar uma sonda, mexer no intestino, tomar um banho, é você
depender dos outros, do tempo dos outros, é você não poder fazer no seu
tempo, meu tempo era um ,o tempo de cada um é outro, então fica complicado.
Lá no HC me encaminharam para o DMR ou para a AACD, eu fiz DMR
por oito meses, fiquei parada um tempo, fui para UNIP, fiquei parada mais um
tempo, faço com um fisio em casa, e realmente o que está faltando mais para
eu fazer é em relação a questão monetária. Em casa eu tenho a minha auxiliar
Débora Sanchez Pedrolo
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que graças a Deus está dando para pagar, minha irmã me ajuda mexe um
pouco comigo.
Em casa têm a parte do quintal que dá para tomar um pouco de sol, e eu
tomo, brinco com meu cachorro, vai indo né. O que eu quero daqui para frente
é melhorar, quero que essa pesquisa com células tronco saia logo, pode fazer
a experiência que quiser comigo que eu topo, quero ser a primeira, eu quero
voltar a andar, porque assim a T. de antes não é a de agora, eu era muito mais
feliz, eu me tornei uma pessoa mais amarga, mais estúpida, brigo muito com
minha mãe, não era assim. Eu gosto sabe que alinhe a calça, as coisas tudo
certinho sabe, se você está em pé, você se veste você não vai sair tudo
amarrotado e então os outros acham a você está com frescura , você vai ao
médico, mas não me interessa a minha vaidade eu não quero que mude, mas
acabou mudando porque cabelo eu deixei de cuidar, minhas unhas coitadas
nem se fala e eu cuidava antes e hoje em dia ficaram de lado e eu não estou
gostando disso, eu tenho que voltar a fazer pelo menos isso, um pouco, eu não
me suporto, eu não consigo mais me olhar no espelho, eu só olho mesmo
quando eu estou na cadeira de banho e eu tenho que entrar no banheiro, mas
fora isso eu detesto, eu não consigo mais me olhar no espelho, eu não gosto
mais de olhar para o meu corpo, eu cuidava, eu malhava, tinha um corpo todo
bonitinho, agora é horrível você olhar para sua barriga, para suas pernas e
você não mexer, eu espero melhorar lógico, espero muito que essa pesquisa
com células tronco funcione, minha mãe já entrou em sites já viu, e eu estou
esperando, eu não sei se eu vou ter tanta paciência assim, mas para mim está
muito cansativo, minha família está esgotada, está super esgotada,
principalmente a minha irmã que é quem me dá mais força, ela deixa de fazer
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
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as coisas dela para ficar comigo, eu não acho justo, ela é mais nova do que eu,
eu acho que ela têm que sair, ir para balada, sem ter aquela preocupação de
ter a irmã aqui, se eu estou com dor, os outro não podem fazer as coisas que
antigamente a gente fazia. Antigamente a gente ia para Peruíbe e passava 45
dias lá, hoje já não pode ser assim porque a minha cadeira não cabe no
apartamento, têm que ser casa, que é mais caro e com os gastos que a gente
está tendo já não dá mais para ter esse lazer, são coisas assim, a família
inteira acabou perdendo. Meu pai fuma mais, emagreceu, todo dinheiro que ele
guardou para comprar uma casa ele gastou tudo comigo, todo dinheiro foi
embora, meu pai eu vejo como um cara infeliz, eu acabei com a vida de todo
mundo, eu não suporto ver minha família desse jeito, eu sinceramente preferiria
não ter sobrevivido, teria sido melhor, eles estariam tocando a vida, eu não
estaria também sofrendo, nada é como antes, não têm mais a mesma
harmonia, eu não estou agüentando, tenho medo que aconteça alguma coisa
com meu pai ou com minha mãe. Têm horas que eu não quero falar que eu
estou com dor para não ver eles mal.
Tiveram situações que eu me senti muito exposta por exemplo lá no HC
quando eu estava na UTI, na hora de me darem o banho no leito, geralmente
na UTI eram oito pessoas, a maioria homens, a minha cama sempre foi a
primeira porque eu estava acho que mais de risco, eu era a única e novinha, e
como eu estava com o tubo a maioria das enfermeiras fazia que não me
entendia, e na hora elas colocavam os biombos para os outros pacientes, e
tinham médicos e enfermeiros próximos que me olhavam, e eu ficava
totalmente exposta, mas não dava para eu falar porque eu estava entubada, e
ao invés de colocaram os biombos, eu ficava exposta, eu me sentia invadida, e
Débora Sanchez Pedrolo
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associada a seqüelas físicas
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hoje em dia eu ainda me sinto, mesmo com a minha mãe, mesmo com a minha
irmã, minha auxiliar, se vai passar sonda eu tenho muita vergonha, no meu
intestino eu só deixo a minha mãe e a minha irmã mexerem comigo, têm que
dar os toques, eu me sinto invadida, tirou minha privacidade, eu não posso
tomar um banho, eu não posso me esfregar, saber que têm uma outra pessoa
colocando a mão em você, não é a mesma coisa se fosse eu, eu me tocando, é
complicado, eu sempre tive mais vergonha, hoje se alguém entra no quarto eu
não posso me cobrir então eu grito me cobre, sai daqui. Tirou minha
privacidade.
Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a
entrevista?
O que me incomoda é essa coisa de ser deficiente, não deveria existir
isso, todo mundo deveria ser normal, ninguém deveria ficar em cadeira, é a pior
coisa do mundo, deveria ter uma poção e todo mundo ficasse normal, não
existisse mais cadeirante, cegos, pessoas com síndrome de Down, todos
viverem cem, duzentos anos, isso é muito ruim. Espero que essas células
tronco adiantem, e que faça todo mundo andar de novo inclusive eu.
Débora Sanchez Pedrolo
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associada a seqüelas físicas
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Relato 4:
Paciente A. L, 27 anos sexo masculino.
1.
Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de
vida, sonhos...?
Antes da lesão eu trabalhava, eu estudava, era bom, no final de semana eu
saía, mas quando aconteceu o acidente já mudou tudo.
Eu acordava, ia trabalhar, chegava em casa umas três e meia, e quando dava
umas seis horas eu tomava banho e ia estudar. Todo final de semana eu saía,
ia para o shopping, na época não tinha tanta balada quanto têm hoje, saía com
amigos, namorava, na época eu queria comprar um carro para mim, eu
trabalhava na época, eu ia tirar a carta de motorista, mas acabei não tirando.
Acho que era só isso.
O que mudou na sua vida após a lesão?
Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo
de reabilitação?
O dia do acidente foi uma segunda feira, eu estava de férias e faltavam
quinze dias para eu voltar a trabalhar, e estou de férias até hoje, eu e minha
família estávamos indo para Peruíbe e na volta o caminhão pegou a gente na
estrada, estava eu, e eu vou contar uma coisa que eu não tinha contado ainda,
Débora Sanchez Pedrolo
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nesse acidente meu irmão morreu, meu pai machucou o punho, minha irmão
não aconteceu nada com ela, tinha uma outra menina que não aconteceu
nada, e com meu pai o vidro estourou no rosto dele, o pior mesmo foi o meu
irmão ter falecido. Socorreram a gente lá na BR, acho que foi o resgate mesmo
e levaram a gente lá para o hospital da BR mesmo, não me disseram que meu
irmão tinha morrido, e de lá eu fui transferido para o hospital São Paulo e de lá
eu fui transferido para o meu convênio que era no Evaldo Foz, eu fiquei
internado por treze dias, e só fui saber que meu irmão tinha morrido no décimo
dia, os médicos tinham aconselhado a minha família a não falar para mim que
meu irmão tinha morrido, ele era meu irmão do meio, têm minha irmã que têm
dezoito anos, eu acho que ele tinha uns vinte e dois anos.
Os médicos falaram assim então, é desanimaram total, falaram que eu
não ia andar mais, por que assim logo no acidente, eu estava no Hospital São
Paulo e eu já não sentia mais o corpo, e eu lembro até que um dia meu pai
olhou para mim e eu disse, pai eu já era, porque eu já não sentia mais nada do
corpo, e depois que eu fiquei internado eu achei que eu melhorei um pouco, e o
tempo todo eu estava consciente, eu não fiquei em coma nem nada, depois o
médico foi lá falar comigo e ele disse você está com seu corpo paralisada,
porque você sofreu uma lesão muito alta e eu não posso te dizer o que vai
acontecer com você daqui em diante.
Acho que só a minha família que ficou a par de tudo né, acho que eles
souberam principalmente depois que tiveram que colocar um colar aqui na
minha cabeça para ficar firme né, como eu não podia fazer uma cirurgia né,
porque era perigoso eu falecer, daí não fizeram a cirurgia colocaram só o colar
para fixar o osso.
Débora Sanchez Pedrolo
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Daí no hospital falaram a gente vai fazer fisioterapia mas o importante
mesmo é você fazer em casa, para você não atrofiar, e como você é magro é
bom você sempre estar fazendo, quando você sair daqui procure uma
fisioterapia. Nunca me falaram da minha perspectiva, nada, só falavam que eu
tinha que fazer fisioterapia. Um médico disse, você vai ter que fazer
fisioterapia, mas eu não posso te falar se você vai andar ou não, e você têm
que continuar sua vida.
Na época eu respondi, vamos ver o que vai acontecer comigo, eu
achava que em seis meses eu voltava a andar, ali na hora o médico fala para
você, mas você pensa daqui seis meses eu vou voltar a andar, e eu só queria
colocar meus planos em dia que era trabalhar e comprar meu carro, o que o
médico falou entrou por um ouvido e saiu pelo outro, mas hoje cada dia que vai
passando nada de fazer planos, a gente não sabe o que vai acontecer amanhã.
Nesses treze dias que eu fiquei no hospital, sempre consciente, eu
lembro que davam um banho de gato em mim, depois eu almoçava, e no final
da tarde vinha visita. Logo que eu saí do hospital meu pai procurou fisioterapia
para mim na AACD e no DMR do Hospital das Clínicas, daí eu fiquei dois anos
no DMR, fiz TO, fisioterapia, enfermagem, serviço social, passei por tudo.
Às vezes eu me sinto incomodado quando vêm visita, eu fico ainda
constrangido, porque não vou deixar tudo escancarado. Ainda não me
acostumei com essa situação.
É difícil dizer o que eu espero daqui para frente, eu sempre fico me
perguntando o que eu posso fazer da minha vida deste jeito que eu estou, eu
não tenho ninguém assim disponível, eu não vou dizer o meu pai, os outros eu
tenho que pagar para me ajudar, por exemplo para eu vir aqui para fisio eu
Débora Sanchez Pedrolo
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associada a seqüelas físicas
85
pago, ninguém faz nada de graça entendeu, por exemplo se eu fosse para a
faculdade não teria ninguém para me levar, e então eu fico mais em casa
mesmo, e só as vezes eu saio, vou no shopping, no cinema.
Por exemplo, como eu não mexo minhas mãos direito a minha mãe me
passa a sonda, depois me deixam um pouco na cadeira de rodas e depois me
tiram por que eu não posso ficar muito tempo sentado porque pode abrir
escara. E então eu fico me perguntando por que eu? Mas eu não sei, é difícil
de responder. O que mais me incomoda é depender dos outros, eu perdi tudo,
me bate uma inveja de ver os outros andarem, de irem para lá e para cá. Eu
queria voltar a ser independente, não precisava nem andar, eu só queria poder
sentar sozinho e ter todos os movimentos das mãos.
Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a
entrevista?
Eu só não queria depender dos outros, não ter que passar sonda, na hora
de evacuar, de tomar banho, eu queria ser independente. Eu já passei
vergonha por tudo isso, no dia a dia.
Eu espero as células tronco, eu sei que não é para agora, que ainda é
pesquisa aqui no Brasil, mas é a minha única esperança, e eu torço para que
seja rápido.
Débora Sanchez Pedrolo
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Relato 5:
Paciente C. M, 28 anos de idade, sexo masculino.
Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida,
sonhos...?
O que eu posso te dizer, antes da lesão eu sempre fui uma pessoa muito
ativa, desde pequeno eu fui aquela criança que não consegue ficar parada, que
a gente dá o nome de hiperativa. Por exemplo, eu ia para casa da minha avó e
dizia que ia ficar até o dia seguinte então me dava os cinco minutos e eu
pegava minhas coisas e ia embora. Eu pensava em dez coisas ao mesmo
tempo.
Eu era militar, e eu era um cara que nunca gostou de depender de
ninguém, eu não dependia do meu pai, da minha mãe, do meu irmão. Eu
gostava mais de ajudaras pessoas do que ser dependente delas. Então eu
posso te contar um dia meu quando eu era militar. Eu acordava às seis horas
da manhã, e as seis e meia ou sete horas eu já estava marchando para entrar
na aula, daí dava bom dia para a bandeira, das oito as onze eu ficava
estudando, tinha aulas, tinha um período de intervalo de duas horas, aí de
tarde tinha mais duas, era tipo uma faculdade integral. Geralmente às três
horas da tarde tinha a educação física, se estivesse chovendo tinha uma outra
atividade. Daí às sete horas da noite era a última formatura, então daí eu já
tinha que estudar para o dia seguinte.
Débora Sanchez Pedrolo
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Daí eu chegava em casa dormia um pouco, acordava e estudava até as
duas ou três horas da manhã e já ia no outro dia começar tudo de novo.
Eu estudava e treinava para ser piloto de avião, porque o que acontece
se eu não estudasse poderia acontecer um acidente com o avião.
Então o que eu fazia, o meu final de semana eu queria aproveitar do
primeiro ao último minuto. Então eu não trazia a minha rotina da semana para o
final de semana. A minha semana era corrida ao máximo, eu nunca consegui
ficar parado nem nada. Depois dessa rotina que era ser piloto eu comecei a
trabalhar com vendas. Eu acordava às sete horas da manhã, foi no período que
eu estava pedindo transferência da aeronáutica para outra força. Eu comecei a
trabalhar na avenida Sumaré na Peugeot, eu trabalhava com show room, eu
vendia só carro zero, eu ficava até as oito horas da noite, porque como eu
estava entrando no ramo de veículos eu queria vender mais, nessa época eu
comecei a trabalhar de domingo a domingo, o dia todo ocupado.
Eu dormia um pouco, eu dormia só o suficiente para tentar me reabilitar
para o dia seguinte. Tentava estudar ao máximo os avanços na área que eu
estivesse, e daí eu sofri o acidente.
O que mudou na sua vida após a lesão?
Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo
de reabilitação?
Então a partir do momento que eu colidi com o veiculo, que foi um
senhor que tentou entrar na garagem do prédio, eu estava na moto quando fui
atingido, daí acho que eu estive uma doze horas de memória cortada, eu acho
Débora Sanchez Pedrolo
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que pode ter sido um princípio de com, porque tudo o que aconteceu das onze
horas até o meio dia do outro dia eu não lembro de nada, eu lembro de alguns
fatos aleatórios, por exemplo do resgate eu lembro que me perguntaram se eu
sentia as pernas e eu então comecei a chorar, daí eu dizia que eu corria, que
eu era atleta que eu não podia perder meus movimentos, daí eles me disseram
para ter calma, que não sabiam o que tinha agredido.
Então eu lembro da viatura do resgate, lembro que eu falei para a minha
mãe que eu não estava sentido nada, lembro do atendimento no primeiro
pronto socorro que foi no PS da Lapa, lembro que eu chorava, que eu falava
que uma pessoa tinha batido em mim, que era esse senhor, que eu falava que
eu não estava sentindo as pernas.
Eu tive umas escoriações no joelho, no lábio, no olho e na mão. Eu
estava com luva de motovelocidade e por isso não agrediu mais a minha a
mão.
Nesse dia eu fui transferido depois que me medicaram e me fizeram s
primeiros socorros para a lesão medular não se agravar mais, e eu fiquei
internado desde oito de março de 2003 até treze de junho de 2003. Eu passei
por uma cirurgia para a colocação da placa para estabilização da minha coluna
cervical em doze de maio de 2003 e me recuperei muito bem da cirurgia, o que
aconteceu foi que eu tive um fechamento do meu pulmão o que acarretou que
eu ficasse sete ou oito dias na UTI e eu me recuperei, eles forçaram que o meu
pulmão voltasse a abrir, eu fiquei na UTI mais por precaução, daí eu voltei para
o quarto, não estava mais com o pulmão fechado, depois disso eu nunca tive
problema de pneumonia, de ficar gripado nem nada.
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
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Saí da UTI fui para o quarto, fiz fisioterapia de reabilitação para os
membros que poderiam ser reabilitados.
Nessa época eu estava com o colar cervical que foi colocado no Instituto
de Traumatologia e Ortopedia, eu fiquei internado mais alguns dias para tomar
antibiótico por causa da lesão, e eu estava me acostumando a minha nova
condição de tetraplegia nível C5 e C6 assim que eu saí do hospital eu fiquei na
casa da minha avó para as minhas tias ajudarem a cuidar de mim, eu fiquei na
casa da minha avó nos primeiros dois anos da minha lesão me reabilitando.
Eu lembro que logo que eu cheguei no primeiro pronto atendimento, o
médico me perguntou se eu havia ingerido bebida alcoólica, ou se eu era
viciado em cocaína ou outro tipo de droga, me lembro da transferência para o
segundo hospital.
Eles só me falaram, no momento nos temos que estabilizar a sua
coluna, porque para você viver você não vai poder fazer movimentos bruscos,
daí foi sugerido a cirurgia, e a minha mãe que era a minha responsável
autorizou fazer a cirurgia. Só que no primeiro momento eu achei que eles iam
fazer o reparo da minha coluna, só que eu não sabia no caso que a minha
tetraplegia não tinha nada a ver com a cirurgia. Então eu estava consciente do
que eles estavam fazendo, mas eu achava que com aquilo eu iria voltar a
andar.
Eu não sabia que eles só estavam estabilizando minha coluna para eu
ficar sentado deitado de lado, eu não sabia dos problemas que eu ia vir a ter
depois, que seria a fisioterapia, da demora da recuperação dos movimentos
que eu havia perdido e que o máximo do meu corpo estaria com a limitação,
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
90
pela lesão medular, disso eu não sabia nada. Isso foi explicado aos poucos no
centro de reabilitação e em cada consulta posterior que eu fui passando.
Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a
entrevista?
Hoje em dia eu tento não depender de ninguém o máximo possível. Por
exemplo, eu prefiro tomar banho três vezes por semana, só tomar quando eu
me sinto sujo para não depender da ajuda de ninguém. Eu não tenho controle
total da parte urinária e fecal, eu tento depender o menos das pessoas, tenho
diminuição dos movimentos peristálticos e não controlo a urina, eu uso uripem,
que é tipo uma camisinha para segurar a urina, tento não usar a fralda, mas
quando eu preciso eu peço para colocar para usar como minha privada, como
refugio para não depender de ninguém.
Eu acredito que o que mais complica para um tetraplégico é a perda do
controle da urina e das fezes, porque isso atinge a parte da intimidade da
pessoa. Ninguém gosta de fazer xixi nas calças, ninguém gosta de ter diarréia
no metrô.
Eu acho que no tratamento da tetraplegia muitas coisas não são
expostas para o paciente logo de cara, acho que é difícil você pegar um
caminhão de coisas ruins e despejar em cima da pessoa, ninguém sabe o que
ela têm direito só que esta passando por isso. Às vezes eu acho que os
médicos jogam as informações devagar para a pessoa se adaptar, cada lugar
têm seu estilo, ou o próprio paciente não quer ouvir.
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Relato 6:
C. R, 27 anos de idade, sexo feminino.
Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida,
sonhos...?
Eu era hiperativa, trabalhava, estudava para ser auxiliar de enfermagem,
cuidava do meu filho que vai fazer nove anos agora, eu era hiperativa, sempre
trabalhei sempre estudei, sempre fiz academia, eu lutava, fazia jiu jitsu. Na
época eu tinha vinte e três anos, eu terminei o curso de auxiliar de enfermagem
um pouco antes do acidente e eu trabalhava com psiquiatria em uma clínica
geriátrica.
Durante um tempo eu fiquei afastada do meu emprego, eu trabalhei um
tempo como caixa de supermercado, eu caí da moto e machuquei o joelho,
nessa época eu também fazia estágio no hospital do Mandaqui, então as seis
horas da manhã eu acordava, ia para o meu estágio.
Um pouco antes eu estava viajando e daí quando eu voltei de viagem
tomei esse tiro, que foi um fato que aconteceu, eu estava me envolvendo com
uma pessoa, só que eu não sabia da índole dessa pessoa.
O que mudou na sua vida após a lesão?
Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo
de reabilitação?
Débora Sanchez Pedrolo
Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia
associada a seqüelas físicas
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Eu tomei um tiro daí eu fiquei em coma induzido, e isso foi no dia três de
janeiro de 2005, o esquentamento da bala atingiu a minha medula na C5 e C4,
eu fui levada para o hospital pelos policiais e eu acho que no transporte
complicou alguma coisa, nessa hora eu fiquei desacordada, depois eu fiquei
consciente, daí eu fiquei cinco dias no hospital Mandaqui e fui transferida para
o hospital Paulistano, fiquei na UTI, tomei muito corticóide, vim para casa com
sonda naso enteral, sonda vesical de demora, muitas medicações, muita dor na
traquéia.
Nessa época no hospital cada um falava uma coisa, que eu ia voltar a
andar em um ano, falavam várias coisas, que eu podia morrer, nessa época eu
tirei a sonda e comecei a me alimentar pela boca, tiraram os pontos, porque
eles me operaram para ver se tinha vestígios de bala. Eu achava que logo ia
voltar, que eu ia andar em seis meses.
Depois de seis meses, que é o choque medular, eu comecei a ter
espasmos e fui para a AACD, precisava da enfermagem vinte e quatro horas,
tenho uma cuidadora, foi uma fase de revoltada e agora eu estou mais
conformada, não adianta gritar, espernear porque não vai melhorar o meu
quadro, eu estou me esforçando.
Eu me senti exposta no hospital na hora de esvaziar, de me trocar,
quando tinha enfermeiro para passar a sonda, porque eu estava consciente.
Antes eu não conseguia ficar sentado na cadeira, hoje com a cadeira
adaptada eu já posso ficar sentada quase cinco horas, hoje eu já consigo
mexer um pouco os ombros. Eu tinha muita falta de ar e eu tenho um pouco de
sensibilidade nos glúteos, sinto minhas mãos formigarem.
Débora Sanchez Pedrolo
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associada a seqüelas físicas
94
Teve um dia que eu estava com muitos pontos de interrogação na minha
cabeça, depois de muito tempo da lesão, porque cada neurologista falava uma
coisa, ai têm que operar, não têm que esperar, entendeu. Aí eu fui para a
AACD, e lá pelo que me parece eles são muito competentes, e eu perguntei
para o fisiatra qual era a minha chance, qual a porcentagem, e ele sentou do
meu lado da cama, segurou a minha mão, e disse que eu tinha 99% de chance
de não andar e 1% de chance de andar, daí eu chorei muito, mas tirei esses
pontos de interrogação.
Hoje eu vivo como em uma UTI em casa, eu não posso sair, eu pinto
meu cabelo em casa, faço minha unha em casa, faço depilação, entendeu. Os
meus amigos sumiram, a minha família sumiu, só ficou a minha mãe, o meu
padrasto e meu filho do meu lado. No começo perguntavam como eu estava,
depois sumiam.
Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a
entrevista?
Eu vou seguir a minha vida, vou me esforçar, me posicionar na cama, eu
espero a minha melhora, espero que a fisioterapia me ajude, eu só queria
voltar a mexer as mãos o que já seria uma grande vitória.
Eu estou fazendo uma campanha para conseguir cinco mil assinaturas
porque o governo e a religião não permitem o uso de células tronco, e eu tenho
esperança dessas pesquisas, essas assinaturas eu quero mandar para o
Hospital das Clínicas, e juntando essas cinco mil assinaturas eu vou ajudar a
acelerar esse processo.
Débora Sanchez Pedrolo
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