Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 1 1. Introdução: O termo saúde não pode ser definido apenas como ausência de doença. É antes de tudo a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, lazer, liberdade e acesso a serviços de saúde. Em resumo, é o produto de condições objetivas de existência (Pessini & Barchifontaine, 2005). O modelo biomédico da tradição ocidental enfoca a saúde como a ausência de doença. A doença é causada por agentes ou patógenos específicos. Por conseguinte, o foco biomédico consistiria no diagnóstico e tratamento destes agentes patogênicos, com cura da doença (Jarvis, 2002). Viver é um processo de ajustamento e de adaptação constante e contínuo, envolvendo diferentes estruturas do organismo e de seu espaço de vida. Esse processo é ativo nos níveis fisiológico, físico, psicológico e social do comportamento do indivíduo. Embora, de fato existam diferenças significativas entre seus aspectos de funcionamento, deve-se ter em mente que eles são parte de uma entidade unitária que funciona como um todo, integrada (O’Sullivan & Schmitz, 2004). A Bioética estuda os avanços recentes da ciência em função, sobretudo, da pessoa humana. A referência central é o ser humano, especialmente considerado em dois momentos básicos: o nascimento e a morte. É sobre essas duas fases da vida que hoje a ciência está fazendo seus melhores progressos e, obviamente, colocando problemas éticos inimagináveis antes dessas descobertas (Pessini & Barchifontaine, 2005). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 2 Os sonhos do século XXI com relação ao fim do sofrimento, cura de todos os males, fim do envelhecimento e a imortalidade tornaram-se ilusões. Com os avanços dos tratamentos e o aumento da sobrevida, doenças consideradas agudas tornaram-se crônicas, o que se reflete no perfil de morbimortalidade da população mundial. No Brasil, à semelhança dos países desenvolvidos, destacam-se as doenças cardiovasculares, neoplásicas, respiratórias, neurológicas, infecciosas e parasitárias, e cada uma dessas patologias, em fases avançadas, é acompanhada de sintomas desagradáveis que comprometem a funcionalidade e a qualidade de vida (Mota & Pimenta, 2004). A dor física, a perda sensorial, a amputação de um membro ou a deficiência motora são apenas parte da incapacidade física. É importante ressaltar que os fatores psicossociais exercem papel fundamental no processo de tratamento e nas respostas adequadas do paciente (O’Sullivan & Schmitz, 2004). A lesão medular ou traumatismo raquimedular (TRM) constitui-se ainda hoje uma grave síndrome incapacitante, que acaba por acarretar em alterações de motricidade, sensibilidade, distúrbios neurovegetativos, alterações esfincterianas e repercussões psicológicas (Moura & Silva, 2005). A humanização dos cuidados em saúde pressupõe considerar a essência do ser, o respeito à individualidade e a necessidade da construção de um espaço concreto nas instituições de saúde que legitime o "humano" das pessoas envolvidas. O pressuposto subjacente a todo o processo de atendimento humanizado é facilitar que a pessoa vulnerabilizada enfrente positivamente os seus desafios (Pessini & Bertachini, 2004). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 3 A cura da doença e o alívio do sofrimento desde o nascedouro da medicina hipocrática, são aceitos como sendo objetivos da medicina. A doença destrói a integridade do corpo, e a dor e o sofrimento podem ser fatores de desintegração da unidade da pessoa. Enquanto hoje a medicina está bem aparelhada para combater a dor, no que tange ao lidar com o sofrimento encontra-se ainda em um estágio bastante rudimentar (Pessini & Bertachini, 2004). A doença grave é um grande insulto à própria integridade do ser humano. O equilíbrio costumeiro entre a pessoa e o mundo, é violentamente interrompido, por sintomas clínicos, ferimentos, incapacidades ou desfigurações. São muitas as perdas associadas com essas mudanças. De modo geral, o corpo é um instrumento projetado para resistir a ameaças exteriores, fornecer satisfação, e trabalhar para alcançar objetivos desejados, mas na doença ele se enfraquece e sofre dor e, conseqüentemente, vê-se ameaçado (Drane & Pessini, 2005). Etimologicamente, o termo "autonomia" relaciona-se a condição de quem é autor de sua própria lei. Aplicado inicialmente aos povos e estados, veio posteriormente a estender-se aos indivíduos. Significa, de um modo geral, independência, ausência de imposições ou coações externas e também, particularmente no caso da ausência de limitações e incapacidades pessoais que impedem ou diminuem a liberdade de decisão (Archer, Biscaia & Osswald, 1996). O respeito pela autonomia da pessoa conjuga-se com o princípio da dignidade da natureza humana. Respeitar a pessoa autônoma pressupõe a aceitação do pluralismo ético-social; é reconhecer que cada pessoa possui Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 4 pontos de vista e expectativas próprias quanto ao seu destino, e que é ela quem deve deliberar e tomar decisões seguindo seu próprio plano de vida e ação, embasada em crenças, aspirações e valores próprios (Fortes, 1998). O princípio da Autonomia, também chamado Princípio de Liberdade, descreve o respeito pela legítima vontade das pessoas, pelas suas escolhas e decisões que sejam verdadeiramente livres. Na prática, o Princípio da Autonomia implica em: promover quanto possível, comportamentos autônomos por parte dos pacientes informando-os convenientemente, assegurando a correta compreensão da informação ministrada, e a livre decisão (Archer, Biscaia & Osswald, 1996). No Brasil, desde a década de 80, códigos de ética profissional vêm tentando estabelecer normas para a relação entre os profissionais e seus pacientes, na qual o princípio da autonomia tende a ser ampliado. Na assistência a saúde, o princípio da autonomia requer que o indivíduo, quer esteja sadio ou doente, não se entregue inteiramente aos profissionais de saúde, não renuncie a uma parcela sempre maior de sua liberdade em troca de uma parcela menor de sua própria saúde (Fortes, 1998). O cuidar humanizado implica, por parte do cuidador na compreensão do significado da vida, a capacidade de perceber e compreender a si mesmo e ao outro, situado no mundo e sujeito de sua própria história (Pessini & Bertachini, 2004). Fala-se hoje de "humanização da medicina", mas sob este termo se escondem conceitos diversos, ou, se se prefere, complementares entre si: há quem entenda essa expressão como a importância da relação intersubjetiva entre o paciente e os profissionais da saúde diante da invasão da tecnologia, Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 5 ou da massificação dos hospitais; há quem entenda como a introdução dos estudos humanísticos, especialmente da psicologia, nos planos de estudo das Faculdades de medicina; mas o significado mais profundo desta tendência consiste no reconhecimento da dignidade da pessoa em todo ser humano, do momento de sua concepção até o momento de sua morte, com a consciência também de sua espiritualidade e imortalidade (Sgreccia, 1996). As pessoas saudáveis têm controle de seu comportamento, podem tomar iniciativas e realizar mudanças desejadas. Escolha, controle, iniciativa, concepção de alternativas, tomada de decisão, responsabilidade, todos esses elementos constituem o conjunto do potencial humano que é freqüentemente chamado de liberdade humana. É essa liberdade que define os seres humanos como éticos (Drane & Pessini, 2005). É importante reconhecer que o ser humano, como produto da natureza, amadurece como os outros seres naturais. A maturidade humana alcança-se, sobretudo no estágio ético, isto é, na fase em que ele, autônomo e livre, age segundo seus valores adequados a seu modo de existir (Pessini & Barchifontaine, 2005). A dor e o sofrer enfraquecem a pessoa, forçam-na a confiar na ajuda de uma outra pessoa dotada de poder a fim de reagir adequadamente e recuperar certo nível de controle. Os pacientes não podem decidir sozinhos ou agir de modo decisivo em seu próprio interesse como o faziam antes da doença. A liberdade de fazer as escolhas cruciais de vida é perdida ou danificada severamente pela doença (Drane & Pessini, 2005). O objetivo final de todo programa de reabilitação é fazer com que o indivíduo volte a ter a independência física que seja o mais semelhante ao Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 6 estado pré-mórbido de função, ou, alternativamente, maximizar e manter seu potencial funcional. Para um paciente saudável cujo único problema seja um braço fraturado, esse processo poderá ser razoavelmente simples; contudo quando se toma, por exemplo, um paciente portador de seqüelas de um acidente vascular encefálico a tarefa será muito mais complexa, pois os problemas são muito mais extensos, complicados e entrelaçados (O’Sullivan & Schmitz, 2004). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 7 1.1. Traumatismo Raquimedular (TRM): A medula espinal conduz informações continuamente do encéfalo e para o encéfalo. Assim, quando ela não funciona, não há atividade sensitiva e nem atividade motora voluntária. Possui três funções principais: via sensitiva, via motora e centro reflexo (Herlihy & Maebius, 2002). A lesão medular ou trauma raqui medular (TRM) refere-se a incapacidade da medula em propagar o estímulo nervoso ocasionando portanto alterações da motricidade, sensibilidade, distúrbios neurovegetativos, alterações esfincterianas e repercussões psicológicas entre outras (Moura & Silva, 2005). As lesões da medula espinhal trazem conseqüências devastadoras incluindo a perda da habilidade de caminhar, paralisia dos braços e pernas, perda de controle urinário e fecal, e perda da função sexual. Devido aos recentes avanços da medicina e tecnologia, em média 65% dos pacientes sobrevivem à lesão inicial. Após a estabilização clínica, esses pacientes recebem tratamento reabilitativo por muitas semanas até muitos meses, e após isso cerca de 90% retornam as suas casas e comunidade (Lucke et al, 2004). As estatísticas americanas mostram um aumento significativo nos últimos anos havendo atualmente a prevalência de 55 casos novos / ano / milhão de habitantes. No Brasil não existem dados estatísticos, mas é possível verificar um aumento da incidência principalmente nos grandes centros urbanos (Moura & Silva, 2005). A etiologia do TRM é um dos fatores determinantes do prognóstico da lesão. A terapia, especialmente o tratamento cirúrgico, freqüentemente não Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 8 reverte os déficits existentes, e isto precisa ser levado em conta na decisão sobre o momento de instituir o tratamento e no aconselhamento do paciente (Fuller & Manford, 2002). As patologias que acometem a medula espinhal podem ser classificadas em: congênitas, traumáticas, degenerativas, tumorais, infecciosas, doenças neurológicas e doenças vasculares. As lesões traumáticas são eventos catastróficos, cujas causas mais frequentes são acidentes de veículos, ferimentos por arma de fogo, quedas (em atividades recreativas e esportivas). O traumatismo causa destruição mecânica do tecido neural e hemorragia intramedular (Greve et al, 2001). Os mecanismos do TRM se dividem em lesão primária e seundária. Os mecanismos da lesão primária geralmente podem ser: compressão, distração, laceração ou a combinação destes. Em seguida ocorre hemorragia, perda da microcirculação e vasoespasmo, aumentando assim a área da lesão. Com a progressão da isquemia, a área da lesão aumenta ocorrendo a lesão secundária (Tator & Fehlings, 1991; Tator & Koyanagi, 1997). Após o TRM ocorre paralisia flácida, manifestada por atonia muscular e arreflexia tendinosa, anestesia superficial e profunda, associada às alterações vasomotoras e disfunção vesical e intestinal (Greve et al, 2001). A recuperação funcional difere de acordo com a localização da lesão. A classificação pode ser feita de acordo com o nível da lesão: 1. tetraplegia ultra alta (acima de C4); 2. tetraplegia alta (C4 – C5); 3. tetraplegia baixa (C6 – C8); paraplegia alta (acima de T4); 5. paraplegia baixa (abaixo de T4). A recuperação, bem como os objetivos terapêuticos dependerão do nível da lesão. Nos casos de tetraplegia ultra alta os objetivos da terapia Débora Sanchez Pedrolo serão a Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 9 capacidade de falar, se existe dependência de ventilação mecânica, mobilidade em cadeira de rodas elétrica. Em comparação, no paciente com paraplegia baixa, ele poderá ser capaz de andar, independente nas atividades de vida diária, poderá ter vida sexual normal, poderá ser fértil, e capaz de exercer diversas atividades profissionais (Wood – Dauphinée et al, 2002). Nos Estados Unidos o tipo mais freqüente de lesão medular traumática é a tetraplegia incompleta (30,2%), seguida pela paraplegia completa (26,1%), tetraplegia completa (23,3%), e paraplegia incompleta (19,7%). Desde 1994, os acidentes de veículo são responsáveis por 40,7% das lesões, seguida, por atos de violência (21,8%), quedas (21,3%), e atividades recreacionais (7,9%) (McDonald et al, 2003). Nas lesões cervicais e torácicas altas é frequente a instalação de insuficiência respiratória aguda do tipo restritiva, pela paralisia dos músculos acessórios da respiração. Nas lesões acima da quarta vértebra cervical ocorre a paralisia do músculo diafragma sendo necessário o uso contínuo de respiração assistida (Greve et al, 2001). Dependendo do grau de lesão, o indivíduo com tetraplegia alta, em soma a perda do controle motor do tronco e das extremidades, pode experimentar a perda de sensibilidade na maior parte do corpo, além da incapacidade de falar, e em casos mais severos perder a capacidade de respirar sem aparelhos. Na década de 40 os indivíduos com tetraplegia alta raramente sobreviviam às primeiras semanas pós – trauma. Os avanços médicos nas últimas duas décadas, incluindo os centros médicos de tratamento e modelos de sistema de assistência, têm melhorado as taxas de sobrevivência. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 10 Geralmente, se um indivíduo com tetraplegia alta sobrevive ao primeiro ano, mesmo com assistência ventilatória, ele têm 69% de chance de sobreviver por mais de 15 anos (Werner et al, 1999). Os pacientes com lesão medular acima de T1 sofrem prejuízos motores nos membros superiores, e o nível e extensão da lesão causam grande impacto na independência do paciente. Na tetraplegia alta (C4 – C5) o indivíduo usará cadeira de rodas mecânica ou elétrica, não será capaz de cuidar-se sozinho, e necessitará de maior auxílio. Já na tetraplegia baixa (C6 – C8) a cadeira de rodas usada será mecânica, e será parcialmente independente, mas ainda necessitará de assistência (Biering – Sorensen et al, 2004; Wood – Dauphinée et al, 2002). Atualmente existe uma quantidade significante de pesquisa que exploram as percepções de qualidade de vida em pessoas com lesão medular em níveis baixos (paraplegia), porém poucas pesquisas foram feitas com pessoas que sofreram lesões medulares altas, para determinar a qualidade de vida dessas pessoas ou se sobreviver vale a pena (Hammel, 2004). Embora as ciências médicas tenham tido grandes avanços com relação à expectativa de vida, é crucial o foco nos aspectos psicológicos de pacientes com lesão e deficiências motoras. Muitos perdem o controle total ou parcial dos esfíncteres e sofrem de incapacidade da função sexual, variações da temperatura corporal, e quadros de dor. Podem surgir problemas posteriores tais como: espasticidade, dificuldade em respirar, fadiga e lesões de pele (Auvin et al, 2002). A incapacidade física não é uma condição estática. Diversos fatores podem ser responsáveis pelo prognóstico da lesão, por exemplo, podem ter Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 11 melhora da função urinária devido à recuperação neurológica ou o uso de um novo medicamento, ou pode ocorrer uma piora devido uma infecção urinária, ou piora neurológica, ou o diagnóstico de uma nova disfunção. As habilidades podem melhorar, ou podem piorar devido a quadros de dor, lesões ou ganho de peso (Charlifue & Gerhart, 2004). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 12 1.1.1. Complicações secundárias ao TRM cervical: A mortalidade intra-hospitalar em pacientes pós TRM é superior a 20%, com a maior parte ocorrendo no primeiro dia, sendo as complicações respiratórias as principais responsáveis (Greve at al, 2001). Inicialmente o paciente encontra-se na fase de choque medular na qual ocorre ausência de controle motor, ausência de sensibilidade além de arreflexia abaixo do nível da lesão e alteração do sistema nervoso autônomo e do controle esfincteriano. Esta fase pode durar de dias a semanas sendo constatado o término desta fase com o retorno do reflexo bulbo cavernoso (Greve et al, 2001). Uma das principais complicações após o TRM é a incapacidade motora.Para determinar o grau de lesão medular utiliza-se a escala de Frankel, onde o paciente pode ter sua lesão classificada de completa á incompleta recebendo letras de A até E: A) Completa: não a força voluntária e sensibilidade abaixo do nível da lesão; B) Incompleta: paciente apresenta sensibilidade, mas não apresenta controle motor abaixo do nível da lesão; C) Incompleta: apresenta sensibilidade e controle de força em alguns músculos abaixo do nível da lesão; D) Incompleta: apresenta sensibilidade e função motora preservada na maioria dos grupos musculares abaixo do nível da lesão; E) Normal: funções motoras e sensitivas normais. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 13 Nos pacientes com lesão medular cervical e/ou torácicas altas por paralisia da musculatura acessória pode ocorrer insuficiência respiratória restritiva. As alterações vesicais podem acarretar em complicações desde infecção urinária, cálculos vesicias, refluxo vésico-uretral e hidronefrose com consequente perda da função renal. Ocorre diminuição do peristaltismo intestinal acompanhada de tendência a retenção fecal (Moura & Silva, 2005). As principais alterações cardiocirculatórias que podem ocorrer no indivíduo pós TRM na fase aguda são disreflexia autonômica, hipotensão postura, trombose venosa profunda e embolismo pulmonar. As lesões cervicais apresentam quadro de tetraplegia que promove diminuição da função motora e sensitiva nos membros superiores, tronco, membros inferiores e órgãos pélvicos (Greve et al, 2001). As lesões entre os níveis C1 e C3 preservam a inervação dos músculos estrenocleidomastóideo, trapézio superior e elevador da escápula, permitindo apenas o controle da cabeça. O comprometimento do diafragma torna os pacientes dependentes do respirador, são totalmente dependentes nas atividades da vida diária (AVD) e transferências. No nível C4 apresenta o músculo diafragma presevado, devido preservação da inervação pelo nervo frênico. A preservação do nível C5 permite o controle da cabeça, abdução do ombro e flexão do cotovelo devido a preservação da inervação dos músculos bíceps braquial e deltóide. Nas AVD há condição de atingir independência na alimentação fazendo uso de adaptações, o indivíduo consegue impulsionar a cadeira de rodas com pinos nos sobrearos, em terrenos planos e para curta distâncias. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 14 No nível C6 apresenta - se o mecanismo de tenodese, ou seja, ao extender o punho ocorre à flexão dos dedos, enquanto o relaxamento do punho em flexão facilita a abertura da mão.A alimentação se torna independente, impulsionam a cadeira de rodas por médias e longas distâncias. No nível C7 o paciente é capaz de realizar extensão ativa do cotovelo devido a preservação do músculo tríceps braquial e no nível C8 o paciente apresenta musculatura intrínseca da mão podendo ser capaz de dirigir um carro adaptado (Greve et al, 2001). Nas lesões abaixo de T1 a dependência física tende a ser menor uma vez que o paciente possui função preservada dos membros superiores o que lhe fornece possibilidade de executar um número maior de funções e auto – cuidado. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 15 1.2. Princípios bioéticos na prática médica: A maior parte das declarações e textos internacionais sobre ética na investigação médica têm sido formulada em resposta às situações concretas que causaram perplexidade, assombro e escândalo. O chamado código de Nuremberg guarda as conclusões do tribunal que julgou os médicos nacional socialistas em 1947. A declaração de Helsinque, apresentada em 1964 e revisada em cinco ocasiões, adaptou seus princípios a ética da profissão médica e introduziu as noções de risco e benefício para os sujeitos e a revisão por parte de um comitê de ética independente dos pesquisadores (Lolas, 2001). A origem dos princípios bioéticos, como se sabe, encontra-se na criação, em 1974, pelo Congresso Norte – Americano, de uma Comissão Nacional para Proteção dos Seres Humanos em Pesquisas Biomédica e Comportamental, em face de escândalos envolvendo a manipulação de enfermos, tal comissão tinha por objetivo identificar princípios básicos que norteariam a investigação envolvendo seres humanos. Em 1978, ao término de seus trabalhos, foi divulgado um relatório, que ficou conhecido como relatório Belmont, no qual enumeram-se três princípios básicos: o respeito à pessoa, o da beneficência e o da justiça. No entanto, foi somente a partir do ano seguinte (1979), com a publicação de um livro sobre o tema, escrito por Tom L. Beauchamp e James F. Childress, intitulado Principles of Biomedical Ethics, que os referidos princípios ganharam maior atenção. Além do mais, acrescentaram mais um Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 16 princípio aos já “revelados” pela Comissão: o da não – maleficência. (Soares et al, 2004). O princípio do respeito à vida designa globalmente a exigência de respeito, de proteção e de promoção da vida humana, sob todas as suas facetas, em si mesmo e nos outros. Valor importante, a vida deve ser protegida e defendida com cuidado extremo. Em relação a um doente ou a uma pessoa objeto de pesquisa, o respeito à vida implica a proteção dessa vida individual, e, indiretamente, de toda vida humana, uma vez que no julgamento sobre uma vida individual está implícito o julgamento sobre o valor de toda outra vida humana. A beneficência refere-se a uma ação realizada em benefício de outros; o princípio da beneficência refere-se à obrigação moral de agir em benefício de outros (Durand, 1999; Beauchamp & Childress, 2002). O respeito à vida, incluindo a promoção da qualidade de vida, suscita a questão da beneficência. A beneficência, como a etimologia indica (bene – facere) refere - se a ação a ser feita. Ela comporta dois fatores: não fazer o mal ao próximo ou, melhor, positivamente, fazer-lhe o bem. No campo da saúde, esses dois aspectos podem ser traduzidos do seguinte modo: não usar a arte médica para causar males, injustiças ou para prejudicar; aplicar os tratamentos exigidos para avaliar o doente, melhorar seu bem estar e, se possível, fazê-lo recobrar a saúde (Durand, 1999). A beneficência e em contrapartida, o respeito à vida completam a doutrina: - não matar (proibição do homicídio, da ajuda ao suicídio); - não ferir, não administrar tratamento cruel; - evitar negligência criminosa; Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 17 - prestar socorro à pessoa em perigo; - aplicar os tratamentos exigidos; - agir segundo o melhor interesse do paciente; - não submeter uma pessoa a uma experimentação a menos que o risco corrido não seja proporcional ao bem que pode ser esperado. O princípio da justiça, no plano etimológico, a palavra “justiça” vem do termo latino justitia, ele próprio vindo de jus. Em sua forma original, significa “o que é conveniente, correto, digno” e, daí, “o que coage” (Beauchamp & Childress, 2002). Ele corresponde a uma tradição comum que estabelece o que convém fazer em uma coletividade, tradição à qual todo cidadão pode se referir e que pode ser aplicada por uma autoridade humana. Em sua forma desenvolvida, jus (o direito) torna-se o conjunto das regras obrigatórias que as cortes reconhecem como tais e aplicam. Há justiça quando se obtém o que se merece, recebe-se o que é devido, colhe-se aquilo a que se tem direito (Durand, 1999; Beauchamp & Childress, 2002). Segundo Beauchamp & Childress (2002) o princípio da não – maleficência determina a obrigação de não infligir dano intencionalmente. Na ética médica, ele esteve intimamente associado com a máxima primum non nocere: “Acima de tudo (ou, antes de tudo), não causar dano”, o princípio abarca muitas regras morais específicas tais como: - não matar; - não causar dor ou sofrimento a outros; - não causar incapacitação a outros; - não causar ofensa a outros; Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 18 - não despojar outros dos prazeres da vida. A palavra autonomia derivada do grego autos (“próprio”) e nomos (“regra”, “governo”, ou “lei”), foi primeiramente empregado com referência à autogestão ou ao autogoverno das cidades-estados independentes gregas. A partir de então, o termo autonomia estendeu-se aos indivíduos e adquiriu sentidos muito diversos, tais como os de autogoverno, direitos de liberdade, privacidade, escolha individual, liberdade de vontade, ser o motor do próprio comportamento e pertencer a si mesmo (Beauchamp & Childress, 2002). Os princípios da autonomia, da beneficência e da não – maleficência referem-se à pessoa; já o princípio da justiça trata do plano social e político a respeito da alocação suficiente de recursos para atender às necessidades da área da saúde, da pesquisa biomédica e das políticas públicas (Pessini & Barchifontaine, 2006) Na época atual, a população em geral, e em particular os usuários de serviço de saúde em particular, estão mais informados, conhecem melhor seus direitos e estão mais dispostos a fazerem valer seus direitos. Os pacientes têm desenvolvido seus conhecimentos médicos de forma surpreendente, e com freqüência conhecem mais sobre sua doença do que a população em geral. Isso permite aos pacientes uma maior participação do processo e seguramente contribuirá a uma recuperação mais rápida e efetiva de sua doença. Os erros, omissões incluindo negligência, são postos em evidência pelo paciente e seus familiares através de queixas e processos em diferentes jurisdições públicas (Aguirre – Gás, 2004). A Bioética é um campo de estudo destinado a esclarecer questões éticas relacionadas aos cuidados em saúde. Os princípios básicos de respeito Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas Débora Sanchez Pedrolo 19 Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 20 1.3. Relações entre o TRM e o princípio da Autonomia do indivíduo. Existe um consenso que na investigação médica que envolve seres humanos devem-se respeitar alguns princípios fundamentais. É conhecido como “respeito ao indivíduo”. O princípio da autonomia reconhece a capacidade do indivíduo para decidir do que pode ser feito com seu corpo e seus conhecimentos sociais e intelectuais. Embora em algumas culturas tenha maior importância do que em outras, é aplicável a toda pessoa que se submete a um estudo clínico ou experimental. A autonomia se respeita consultando os participantes se eles querem fazer parte do estudo, se receberam informação prévia sobre o estudo e de quem vai realizá-lo (Lolas, 2001). O princípio da autonomia oferece aos doentes adultos, com capacidade mental preservada, decidir o que será feito com seu corpo, no que se refere a atividade médica. Incluem-se ainda outros conceitos: 1. O paciente possui o direito de conhecer seu médico, inclusive quem mais participa de sua equipe; 2. O paciente possui o direito de escolher seu médico e solicitar sua troca, a qual deverá ser concedida; 3. Não se pode admitir um paciente sem sua permissão, ao menos que exista uma ordem jurídica, e exista risco para as pessoas com quem ele convive; 4. O paciente possui o direito de receber uma segunda opinião; 5. O paciente pode consentir ou não a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos; Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 21 6. O paciente sem complicações psíquicas possui o direito de permitir ou negar a realização de procedimentos terapêuticos extras para suporte de vida, de forma verbal, por escrito ou mediante um testamento em vida; 7. No exercício de sua autonomia, o paciente possui o direito de manifestar sua inconformidade com a atenção recebida, através de uma queixa, e será responsabilidade dos médicos atendê-la, dar-lhe uma explicação, resolver o problema e dar-lhe uma resposta satisfatória; 8. O paciente pode consentir ou não em participar de projetos de investigação científica; 9. O paciente possui o direito de expressar sua vontade em doar seus órgãos para transplante; 10. No caso do paciente estar incapacitado para tomar tais decisões, a responsabilidade recai sobre os familiares legalmente responsáveis ou um procurador legal; 11. Nos casos de urgência, quando o paciente está incapacitado de tomar as decisões, e não existam familiares legalmente responsáveis ou um procurador legal, o médico é responsável por tomar as decisões, devendo registrar de forma explícita e escrupulosa, a justificação correspondente ao processo clínico (Aguirre – Gas, 2004). Com as inúmeras possibilidades tecnológicas e de tratamentos da medicina moderna, a decisão no cuidar tornou-se algo complexo e difícil. As melhores decisões de tratamento são descritas pelos eticistas como “uma combinação de julgamentos da medicina, emocionais, estéticos, religiosos, filosóficos, sociais, interpessoais e pessoais”. Dada a complexidade envolvida, os pacientes assumem um papel ativo por trazerem sua história, valores, Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 23 1.4. Objetivo e Justificativa Teórica: Cada doença é denominada por um termo científico específico para seu diagnóstico, o que implica em um tratamento e um prognóstico. As informações contidas nestes três elementos – diagnóstico, tratamento, e prognóstico exercem um papel fundamental na relação entre os profissionais de saúde e os pacientes e seus familiares dos pacientes. O paciente, independente de seu status sócio-econômico ou grupo étnico, geralmente deseja ser completamente informado a respeito de seu diagnóstico e da possibilidade de se curar totalmente (Lazcano-Ponce, 2004; Blackhall, 1995). Em sociedades complexas como as encontradas na América do Norte e Europa os profissionais de saúde são confrontados pelos pacientes motivados por suas convicções e opções, devido suas diversidade étnicas, culturais, e religiosas. Isto afeta a relação entre os médicos e pacientes uma vez que estes pacientes buscam respostas em relação aos seus tratamentos, que podem, de várias maneiras serem influenciados pelo seu grupo étnico, cultural, e religioso. O princípio da autonomia do paciente é a principal restrição normativa imposto ao tratamento médico (Fagan, 2004). Quase todos os enfoques bioéticos na medicina dedicam pouquíssima atenção aos casos de rotina relacionados com a autonomia: os casos bioéticos emergiram predominantemente dos casos que tratam o fim da vida. O foco que a literatura oferece em relação aos casos de rotina médica diz respeito a duas situações: o consentimento informado e análises baseadas na relação médico – paciente (Meyers, 2004). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 24 O respeito pela pessoa é fundamental na relação ética entre o cuidador e o paciente. Em bioética o "respeito por pessoas" é igual ao respeito pela autonomia do paciente. O relatório Belmont, que têm tido enorme influencia na medicina clínica apesar das origens nos experimentos com humanos, coloca que "o respeito pelas pessoas ... divide-se em requisitos morais separados: O requisito de reconhecer a autonomia e o requisito de proteger aqueles com autonomia diminuída" (Joffe, 2003). E, é claro, os fatores que reduzem a autonomia existem em grande número e intensidade para estes pacientes que necessitam de cuidados, e ironicamente, é a fase onde se enfatiza a autonomia. Os pacientes que estão doentes, geralmente sentem dor, e podem estar sob a influência de morfina ou outros sedativos. Freqüentemente estão intubados e incapacitados de se comunicar verbalmente. Eles estão assustados e na maioria das vezes não possuem mais o controle de suas vidas (Meyers, 2004). O objetivo do presente trabalho foi verificar a percepção do indivíduo vítima de traumatismo raquimedular cervical quanto à violação da sua autonomia durante o atendimento médico e reabilitativo desde a fase aguda até o presente momento. Este objetivo foi proposto partindo da interrogação relacionando se a perda de movimentos, mesmo que as funções cognitivas estejam preservadas, leva o indivíduo a ter sua autonomia violada não apenas no direito de se locomover, ou de ser independente na sua alimentação, mas em questões mais profundas, que envolvam o seu convívio social, a sua reintegração social e sua participação como indivíduo. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 25 2. Materiais e Métodos: 2.1. Delineamento do estudo: Foi realizado um estudo exploratório de abordagem qualitativa através de entrevista gravada com seis pacientes vítimas de traumatismo raqui medular (TRM) cervical com idades entre 25 e 27 anos de ambos os sexos, que apresentam seqüelas motoras há mais de dois anos. As entrevistas foram realizadas na clínica de Fisioterapia da Universidade Paulista (UNIP) – Campus Pompéia, e os pacientes entrevistados estavam em acompanhamento regular na instituição. 2.2. Sujeitos: Os pacientes foram previamente informados a respeito da pesquisa, e se aceitavam participar do projeto assinavam um termo de consentimento livre e esclarecido (anexo 1) aprovado pelo comitê de Ética do Centro Universitário São Camilo (anexo 2) As entrevistas duraram aproximadamente uma hora, sendo necessária apenas uma entrevista. As conversas foram gravadas pelo entrevistador que seguiu um modelo (anexo 3) para orientar a ordem das perguntas, e as entrevistas foram transcritas para posterior análise (anexo 4). Os fatores de inclusão da pesquisa foram: - Na época da lesão ter 18 anos de idade ou mais; - Ter as seqüelas motoras há mais de dois anos; - Ser capaz de se comunicar verbalmente e de forma compreensível; Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas - 26 Não apresentar distúrbios psiquiátricos associados. 2.3. Análise dos dados: A análise dos dados coletados seguiu a metodologia da análise de conteúdo, sugerida por Bardin (1977), que coloca “um conjunto de técnicas de análise da comunicação verbal, aplicados aos discursos, para obter indicadores qualitativos ou não, que permitem a descrição do conteúdo das mensagens dos entrevistados”, sendo composto por três fases: 1. pré análise; 2. exploração do material; 3. inferência e interpretação. Na pré – análise foram organizados os dados e o objetivo foi conhecer o texto, e aos poucos os objetivos do estudo foram se tornando mais específicos. A fase de exploração do material consistiu em agregar os dados coletados em unidades que permitem a descrição das características do conteúdo. Os dados foram categorizados, e as categorias apresentavam como características a exclusão mútua, a homogeneidade, a pertinência, a objetividade, a fidelidade e a produtividade. Na terceira fase os dados que foram codificados e categorizados foram avaliados de forma que se tornaram significativos e válidos, para que fossem feitas inferências e interpretações, e alcançados os resultados da pesquisa. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 27 3. Resultados: A amostra deste estudo foi constituída por seis pacientes da clínica da Fisioterapia da Universidade Paulista – UNIP, campus Pompéia, no mês de Junho e Julho de 2006. Os pacientes foram quatro do sexo masculino e duas do sexo feminino, com média de idade de 27 anos. A Tabela 1 mostra o perfil sócio-econômico dos indivíduos entrevistados. Idade Caso 1 25 anos Renda Número de mensal dependentes 2 salários Profissão anterior 1 extrusor 0 estudante 0 estudante 0 contínuo mínimos Caso 2 26 anos 2 salários mínimos Caso 3 27 anos 1 salário mínimo Caso 4 27 anos 1 salário mínimo Caso 5 27 anos 2 salários e estudante 0 mínimos Caso 6 27 anos 2 salários mínimos militar e vendedor 1 auxiliar de enfermagem e caixa de mercado Tabela 1: Perfil sócio – econômico dos indivíduos entrevistado. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 28 O organograma abaixo representa a divisão em categorias e subcategorias dos dados coletados. CATEGORIAS E SUBCATEGORIA 1. RUPTURA / VIDA INTERROMPIDA 2.1 EXPECTATIVAS INICIAIS 2. FASE AGUDA PÓS TRAUMA 2.2 ESTAR CONSCIENTE 3. EMPENHO COM A REABILITAÇÃO 2.3 LIBERDADE DE ESCOLHA 3.1 FALTA DE INFORMÇÃO 3.2 DEPENDÊCIA 3.3 ESPERANÇA DE RECUPERAÇÃO Os dados foram categorizados após a análise do discurso dos sujeitos, e as categorias foram estabelecidas devido à recorrência e semelhança nos discursos em quatro categorias principais: 1. Ruptura / vida interrompida; 2. Fase aguda pós trauma; e 3. Empenho com a reabilitação. A primeira categoria - 1. Ruptura / Vida interrompida - abrange as informações relacionadas com a "quebra" da rotina de vida anterior dos sujeitos, as perdas vivenciadas pós - trauma, as incapacidades que surgiram após a lesão, e que foram observadas nos discursos de todos os sujeitos. "Bom na época eu trabalhava das sete as cinco, eu entrava as sete da noite na escola, então eu não tinha muito tempo."(relato 1). "Antes da lesão eu só estudava e estava pretendendo arrumar um emprego, é eu não tinha emprego ainda, e o meu objetivo era esse" (relato 2). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 29 "Eu sempre fui uma pessoa muito extrovertida, brincalhona, fazia um monte de coisas, adorava viajar nos feriados, fazia musculação, cuidava do meu corpo, paquerava muito, beijava muito" (relato 3). "Antes da lesão eu trabalhava, eu estudava, era bom, no final de semana eu saía, mas quando aconteceu o acidente já mudou tudo" (relato 4). “O que eu posso te dizer, antes da lesão eu sempre fui uma pessoa muito ativa, desde pequeno eu fui aquela criança que não consegue ficar parada, que a gente dá o nome de hiperativa” (relato 5). “Eu era hiperativa, trabalhava, estudava para ser auxiliar de enfermagem, cuidava do meu filho que vai fazer nove anos agora, eu era hiperativa, sempre trabalhei sempre estudei, sempre fiz academia, eu lutava, fazia jiu jitsu” (relato 6). A segunda categoria - 2. Fase aguda pós - trauma - foi constituída por outras três subcategorias: 2.1. Expectativas iniciais; 2.2. Estar consciente; e 2.3. Liberdade de escolha. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 30 "Logo após a lesão eu não, eu não queria acreditar né, eu não estava acreditando que aquilo estava acontecendo porque ninguém me falou, olha você vai ficar em uma cadeira de rodas ou você vai vegetar" (relato 1). "Eu pensei que os movimentos iam voltar pouco a pouco, e aí não iam voltando e eu fui ficando assim" (relato 2). "... para mim era aquela coisa sabe eu vou voltar, eu vou me mexer, isso daí é só agora sabe" (relato 3). "Na época eu respondi, vamos ver o que vai acontecer comigo, eu achava que em seis meses eu voltava a andar, ali na hora o médico fala para você, mas você pensa daqui seis meses eu vou voltar a andar" (relato 4). “Então eu estava consciente do que eles estavam fazendo, mas eu achava que com aquilo eu iria voltar a andar” (relato 5). “Eu achava que logo ia voltar, que eu ia andar em seis meses” (relato 6). A subcategoria - 2.2. Estar consciente - relaciona-se ao fato de todos os sujeitos relatarem que estavam conscientes durante e após o trauma. "... depois eu fui encaminhado para o HC de Campinas. Lá eu fui consciente e dois dias eu fiquei lá, não sei era estranho, era meio confuso, eu não sabia o que pensar" (relato 1). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 31 "Eu estava o tempo inteiro consciente, na maca esperando, eu passei a noite inteira na maca porque não podia ir helicóptero para lá, aí tinha que esperar amanhecer" (relato 2). "...fiquei presa dentro do carro uma hora, consciente, meio sem entender o que estava acontecendo" (relato 3) "...e o tempo todo eu estava consciente, eu não fiquei em coma nem nada" (relato 4) “...eu lembro de alguns fatos aleatórios, por exemplo do resgate eu lembro que me perguntaram se eu sentia as pernas e eu então comecei a chorar, daí eu dizia que eu corria, que eu era atleta que eu não podia perder meus movimentos” (relato 5). “ ... fui levada para o hospital pelos policiais e eu acho que no transporte complicou alguma coisa, nessa hora eu fiquei desacordada, depois eu fiquei consciente, daí eu fiquei cinco dias no hospital Mandaqui e fui transferida para o hospital Paulistano ...” (relato 6). A subcategoria - 2.3. Liberdade de escolha - refere - se à vontade do sujeito em optar por não querer morrer, mesmo sabendo da severidade de sua lesão, a princípio aparece a vontade de morrer, mas em seguida a negação. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 32 "Se eu fosse ficar em cima de uma cama o resto da vida eu preferia ir embora, mesmo tendo uma filha para cuidar, uma vida inteira pela frente, na hora que você escuta algo assim, você não pensa muito para dizer as coisas, mas depois passa" (relato 1). "...na hora que eu me acidentei, já tinha acabado toda a minha esperança, acabou meu fôlego e eu vi que ia morrer, e eu já tinha certeza, e aí pedi para Deus me ajudar, aí eu disse que se ele me tirasse dali, me ajudasse, eu ia seguir os caminhos dele, e é o que eu tenho feito desde então" (relato 2). "...foram os piores dias da minha vida porque eu tinha medo de morrer, elas deixavam minhas mãos amarradas, mesmo eu não mexendo porque tinham medo que eu fosse tirar o tubo" (relato 3). "...porque era perigoso eu falecer, daí não fizeram a cirurgia colocaram só o colar para fixar o osso" (relato 4). “...lembro que eu chorava, que eu falava que uma pessoa tinha batido em mim, que era esse senhor, que eu falava que eu não estava sentindo as pernas, que eu tinha medo de morrer” (relato 5). “Nessa época no hospital cada um falava uma coisa, que eu ia voltar a andar em um ano, falavam várias coisas, que eu podia morrer, nessa época eu tirei a sonda e comecei a me alimentar pela boca, tiraram os pontos, porque eles me operaram para ver se tinha vestígios de bala” (relato 6). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 33 A categoria - 3. Empenho com a reabilitação - abrange três subcategorias: 3.1. Falta de informação; 3.2. Dependência; e 3.3. Esperança de recuperação. A subcategoria - 3.1. Falta de informação – refere – se a falta de informação a respeito da lesão e o seu prognóstico por parte da equipe médica ou ainda informações passadas de forma incorreta. "É depois que eu cheguei em casa é o médico que me operou foi fazer algumas visitas e ele explicou o que tinha acontecido, disse que não podia dar diagnóstico nenhum. Não sabia se eu ia andar novamente porque ia estar mentindo né, falando alguma coisa e depois acontecesse outra, mas o choque foi grande, ninguém espera né" (relato 1). "Eu na UNICAMP, eu achava, que eu achava, que eu deveria ser o primeiro a saber o que estava acontecendo né. Mas como ninguém falou eu descobri sozinho então, bom, eu achava que o maior interessado era eu, não tinha porque esconder, eu acho. Mais para frente eu ia ficar sabendo mesmo" (relato 1). "Eu não sei direito o meu diagnóstico médico, eu sei que foi lesão medular entre a C5 e C6, e que foi incompleta. Na hora da lesão não me explicaram nada, só no outro hospital que explicaram" (relato 2). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 34 "No hospital ninguém me falou o que estava acontecendo, lá foi assim aquela coisa, quando chegou lá falaram assim para o meu pai e para minha mãe têm 99% de chance de sua filha só mexer os olho, sabe é lesão praticamente completa, temos que ver durante dois anos o que pode estar modificando" (relato 3). "Os médicos falaram assim então, é desanimaram total, falaram que eu não ia andar mais" (relato 4). “Eles só me falaram, no momento nos temos que estabilizar a sua coluna, porque para você viver você não vai poder fazer movimentos bruscos .... Só que no primeiro momento eu achei que eles iam fazer o reparo da minha coluna, só que eu não sabia no caso que a minha tetraplegia não tinha nada a ver com a cirurgia” (relato 5). “Teve um dia que eu estava com muitos pontos de interrogação na minha cabeça ... Aí eu fui para a AACD, e lá pelo que me parece eles são muito competentes, e eu perguntei para o fisiatra qual era a minha chance, qual a porcentagem, e ele sentou do meu lado da cama, segurou a minha mão, e disse que eu tinha 99% de chance de não andar e 1% de chance de andar, daí eu chorei muito, mas tirei esses pontos de interrogação” (relato 6). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 35 A subcategoria - 3.2. Dependência - refere-se tanto a dependência física quanto à dependência financeira pós - lesão. "A minha alimentação é normal, isso é, eu uso adaptação né, é na parte do banho eu só não consigo esfregar abaixo dos joelhos, as costas e a bunda, daí ou meu pai ou minha namorada lavam, escovar dente é normal também, no vestuário calça é difícil colocar, ir para cadeira eu preciso de um pouco de auxílio, em rampa, subida também" (relato 1). "Eu almoço, como sozinho, uso o adaptador, tomo café sozinho, eu como o pão, o leite têm uma moça que trabalha lá em casa que me dá, e para tomar banho têm uma moça e minha tia que me ajudam. A parte urinária e fecal minha mãe que faz" (relato 2). "...no meu intestino eu só deixo a minha mãe e a minha irmã mexerem comigo, têm que dar os toques, eu me sinto invadida, tirou minha privacidade, eu não posso tomar um banho, eu não posso me esfregar, saber que têm uma outra pessoa colocando a mão em você" (relato 3). "Por exemplo, como eu não mexo minhas mãos direito a minha mãe me passa a sonda, depois me deixam um pouco na cadeira de rodas e depois me tiram por que eu não posso ficar muito tempo sentado porque pode abrir escara" (relato 4). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 36 “Hoje em dia eu tento não depender de ninguém o máximo possível. Por exemplo, eu prefiro tomar banho três vezes por semana, só tomar quando eu me sinto sujo para não depender da ajuda de ninguém. Eu não tenho controle total da parte urinária e fecal, eu tento depender o menos das pessoas” (relato 5). “Hoje eu vivo como em uma UTI em casa, eu não posso sair, eu pinto meu cabelo em casa, faço minha unha em casa, faço depilação, entendeu” (relato 6). A subcategoria - 3.3. Esperança de recuperação - refere - se as expectativas de recuperação e o uso de células tronco como forma de recuperação. "Hoje em dia eu estou tentando, estou lutando para ver um tratamento com células tronco. Não sei que bem isso vai trazer para mim, mas eu estou tentando, é uma coisa que eu coloquei na minha cabeça, uma meta" (relato 1). "Eu tenho 100% de esperança de voltar tudo" (relato 2). "...espero muito que essa pesquisa com células tronco funcione, minha mãe já entrou em sites já viu, e eu estou esperando" (relato 3). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 37 "Eu espero as células tronco, eu sei que não é para agora, que ainda é pesquisa aqui no Brasil, mas é a minha única esperança, e eu torço para que seja rápido" (relato 4). “Acredito que as células tronco podem avançar muito, que esses estudos se adaptem a minha lesão para que eu possa utiliza-las” (relato 5). “ Eu vou seguir a minha vida, vou me esforçar, me posicionar na cama, eu espero a minha melhora, espero que a fisioterapia me ajude, eu só queria voltar a mexer as mãos o que já seria uma grande vitória ... o governo e a religião não permitem o uso de células tronco, e eu tenho esperança dessas pesquisas” (relato 6). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 38 4. Discussão: Uma incapacidade física crônica é, por definição, um evento prolongado na vida de uma pessoa. A maioria das pessoas com uma incapacidade passam a necessitar de órteses e dispositivos que facilitem sua independência física. O processo de reabilitação em doenças crônicas visa promover a participação da pessoa na sociedade, embora persista sua incapacidade física. A variedade e a gravidade das incapacidades causadas por doenças crônicas já foram extensivamente descritas, porém poucos dados referem -se ao impacto social a longo prazo destas incapacidades (Haan et al, 2002). Pacientes com lesão medular acima do nível medular T1 apresentam comprometimento motor incluindo os membros superiores. O nível e a extensão da lesão apresentam um grande impacto no nível de independência dos pacientes (Biering - Sorensen et al, 2004). Os cuidados a estes pacientes são divididos em três estágios: 1. Fase inicial incluindo a imobilização inicial e terapia de recuperação; 2. Fase de reabilitação, incluindo: treinamento de funções; auto - cuidado; uso de adaptadores; 3. Terceira fase, a qual compreende os cuidados das lesões secundárias e a preparação do paciente para o retorno para casa (Wood - Dauphinée et al, 2002). Segundo Murphy & Chuinard (1998), as terapias com pacientes tetraplégicos podem ser divididas em três fases: a aguda, a sub aguda e a fase de reconstrução. O propósito das duas primeiras fases é prevenir complicações Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 39 pós - lesão e treinar o indivíduo até sua máxima recuperação. A fase final é treinar o paciente a independência em suas atividades da vida diária. A participação do paciente em situações diárias é descrita pela International Classification of Functioning, Disability and Health (ICF) como sendo a meta do processo de reabilitação. Como as pessoas com TRM apresentam uma larga escala de deficiências é importante avaliar esta população (Lund et al,2005). A influência da deficiência física, e do meio social nestes pacientes têm recebido pouca atenção dos pesquisadores, apenas são estudados de que forma podem ser criados mecanismos que facilitem a vida deste paciente (Noreau & Fougeyrollas, 2000; Richards et al, 1999). Os estudos pós TRM discutem a reabilitação e independência física em níveis baixos de lesão (paraplegia), porém, pesquisas de qualidade de vida nas lesões medulares altas são raros, não definindo como é sobreviver pós TRM cervical (Hammel, 2004). Após o TRM são considerados problemas de sobrevivência, complicações secundárias (bexiga neurogênica, espasticidade, entre outros) e reintegração a sociedade. Casos de suicídio são cinco vezes maiores entre indivíduos com TRM do que na população em geral, o que possivelmente reflete pouca qualidade de vida e alta taxa de depressão (Kemp & Krause, 1999). Os resultados do presente trabalho mostram a divisão em três categorias principais. A primeira categoria (1. ruptura / vida interrompida) refere-se a situações de cisão, de perda de ordem motora, social e econômica. Na análise dos discursos surgem relatos que demonstram exatamente a Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 40 ruptura entre o antes da lesão e o pós - lesão. A incapacidade motora aparece como a responsável pelo "interrompimento da vida anterior". Se antes este sujeito era capaz de ir a academia fazer musculação isto passa a ser impossível, se era capaz de caminhar, agora necessitará do auxílio da cadeira de rodas. Segundo Spizzichino et al (2003) os efeitos causados pelo TRM nas relações sociais e na qualidade de vida do indivíduo são evidentes, mas difíceis de quantificar considerando a importância de variáveis subjetivas de cada indivíduo. A interrupção da vida do indivíduo pós TRM mostra-se aparente quando os sujeitos relatam o que eram capazes de fazer anteriormente, porém torna-se difícil quantificar de que forma isso ocorre. Nos relatos nota-se esta "quebra" muito relacionada à perda do movimento, por exemplo, antes o sujeito relata que frequentava aulas na academia para manter o corpo saudável, ou que antes pretendia aprender a dirigir e comprar um carro. Portanto torna-se evidente a dificuldade em retornar a situação anterior à lesão. No momento atual, por se tratarem de lesões medulares altas, estes indivíduos não frequentam mais a academia como meio de culto ao corpo, mas sim, frequentam sessões de fisioterapia com o intuito de restabelecer ao máximo a sua função motora, como, por exemplo, serem capazes novamente de se alimentar sozinhos. Em relação à possibilidade de aprender a guiar um carro, passa a ser mais importante conseguir manejar a cadeira de rodas em terrenos planos ou ladeiras, e se possível, dirigir um carro adaptado; ou seja, os planos mudaram devido sua nova condição física. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 41 O foco da discussão neste primeiro momento fica em torno da questão: A incapacidade física / motora leva a perda do direito a Autonomia para estes sujeitos? No discurso bioético contemporâneo segundo Ocampo-Martínez (2005) tornou-se evidente a preocupação com as violações que foram cometidas com os direitos dos sujeitos que participaram de pesquisas médicas, e a partir de então foram formulados códigos, informes e declarações que regem as pesquisas com seres humanos. Por outro lado deve ser ressaltado que nem todos os sujeitos irão participar de pesquisas médicas, ou ainda, nem todos serão expostos a tratamentos experimentais. O que deve ser observado é que pacientes vítimas de lesões medulares altas possuem a chance de sobreviverem e que merecem atenção maior de seu meio de convívio para as suas necessidades. Eles não necessitam apenas de suporte ventilatório ou de uma cadeira de rodas adaptada, necessitam de uma reintegração à sociedade, e sob todos os aspectos. O enfoque dado na categoria 2. fase aguda pós - trauma relaciona-se com as situações imediatas e pós imediatas do trauma, e suas três subcategorias (2.1 expectativas iniciais, 2.2. estar consciente, 2.3. liberdade de escolha) se complementam. Como colocado na subcategoria 2.2. estar consciente, desde o momento inicial da lesão até o presente momento, todos estiveram e permaneceram conscientes em relação ao ocorrido. Mas de que forma estes sujeitos puderam exercer a sua autonomia? Em quais momentos foram questionados se queriam ou não ser submetidos ao tratamento? Os princípios éticos básicos de respeito ao paciente - autonomia, beneficência, não maleficência e justiça - são tidos como deveres na relação do Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 42 médico com o paciente. Os médicos têm obrigação de respeitar os desejos de seus pacientes, ajudá-los e tratar seus casos individualmente, e em situações que o sujeito está incapacitado de tomar decisões o médico deverá realizá-las de forma que respeite a autonomia do sujeito (Kuczewski, 1999). No caso do TRM, como citado anteriormente, os sujeitos poderiam manifestar sua vontade desde o momento da lesão, exceto se houvessem traumatismos associados que levassem a perda da consciência. Mas, como relatado, isso não ocorreu. A participação destes indivíduos no momento dos cuidados iniciais foi nula, cabendo apenas a equipe médica tomar as decisões. Além disso, os familiares e acompanhantes também não participaram do processo. Portanto torna-se claro que estes pacientes passaram a ser tratados como mentalmente incapazes, incluindo seus familiares. Deve ser relembrado que cabe ao paciente, perante o respeito a sua autonomia, ter direito, segundo Aguirre - Gás (2004) de conhecer seu médico e sua equipe, solicitar se desejar a troca do médico e/ou equipe, receber uma segunda opinião a respeito de sua lesão, consentir ou não para a realização de diagnósticos e terapêuticas extras para o suporte da vida, ou ainda manifestar inconformidade com atenção recebida. No caso de pacientes incapacitados essas responsabilidades passam aos familiares, e o médico só passa a ser o responsável legal na ausência de familiares. Nos pacientes estudados nenhum dos itens supracitados foi respeitado. Na subcategoria 2.1. expectativas iniciais surge a dificuldade em perceber a situação de forma real, os primeiros pensamentos que surgiram a estes indivíduos foram opostos, alguns pensaram que prontamente ficariam reestabelecidos e outros pensaram que tudo estava acabado. O que aparece Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 43 em todos os discursos é a esperança de que ocorreria uma melhora, que os movimentos pouco a pouco iriam voltar, porém conforme o tempo foi passando as esperanças foram diminuindo, a impaciência com a demora na reabilitação começou a surgir. Na subcategoria 2.3. liberdade de escolha, pode-se verificar que, independente da gravidade do caso, os sujeitos manifestaram o desejo de estarem vivos. Associando o desejo pela vida e o anseio de compreender o que ocorreu com seu corpo após a lesão pode-se ser novamente questionada a autonomia nestes indivíduos. Se eles permaneceram conscientes após o trauma, não queriam perder a vida e necessitavam ser informados deve ser questionado o por que da falta de informação prestada pela equipe médica. Mostra-se mais uma vez a falta de consideração com a autonomia destes indivíduos. Segundo Aguirre-Gás (1997) a definição de paciente significa: pessoa que requer satisfazer suas necessidades de saúde através da prestação de serviços médicos, sendo que o médico possui o compromisso profissional, moral e legal de prestar atenção ao sujeito conforme os seus conhecimentos e habilidades atuais, para o qual dispõem de programas de educação médica continuada, cursos e congressos. O que pode ser observado é que na fase inicial de sua lesão os pacientes receberam atenção médica com o intuito de preservação da vida, por outro lado, não receberam orientações a respeito de sua condiçã o física, não participaram das decisões médicas e não foram orieo s eme Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 44 Os usuários de serviços de saúde possuem expectativas em relação a qualidade dos serviços oferecidos e da atenção que recebem dos profissionais de saúde, podendo estas serem satisfeitas ou não, e quando não estam satisfeitos possuem o direito de manifestarem sua inconformidade (Aguirre Gas, 2004). Como se tratam de pacientes que necessitam de intervenção cirúrgica, Acea (2005) coloca que devem ser informado ao paciente: o objetivo da intervenção cirúrgica; descrição da técnica cirúrgica; riscos da operação; benefícios esperados; alternativas possíveis de outros tipos de intervenção; argumentos que levam o cirurgião a propor uma técnica e não outra; possibilidade de retirar o termo de consentimento livre quando desejar; sequelas possíveis da cirurgia. Na subcategoria 3.1. falta de informação, os sujeitos referem que mesmo após os procedimentos médicos, desde a fase aguda até iniciarem o processo de reabilitação, não foram informados em relação ao diagnóstico, terapêutica e/ou prognóstico. Em alguns casos apenas os familiares foram avisados em relação aos riscos dos procedimentos e intervenções. Nota-se também que coube aos familiares passarem as informações aos sujeitos, sem o acompanhamento adequado de um profissional da saúde, como por exemplo, o psicólogo. No exercício de sua autonomia o sujeito possui o direito de manifestar sua insatisfação em relação ao atendimento recebido, e é obrigação médica atendê-lo, dar-lhe explicações, resolver o problema e satisfazê-lo (AguirreGas, 2004). Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 45 As informações a respeito de problemas secundários também não foram transmitidas a estes indivíduos. Trata-se de um problema crescente, uma vez que inicialmente o paciente percebe que não é mais capaz de mover-se, acredita em uma recuperação rápida (retorno em poucos meses), isso não ocorre. Em seguida surgem os problemas secundários tais como: impotência sexual, falta de controle urinário e fecal, risco de úlceras por pressão devido a perda sensorial, entre outros. A perda do controle motor e sensorial o incapacita em diversos aspectos levando a condição de dependente físico. Esta parte foi abordada na subcategoria 3.2. dependência, a qual aborda a dependência física e financeira destes sujeitos. A qualidade de vida é colocada como o último objetivo do processo de reabilitação, e ela reflete a percepção e a satisfação em relação a sua vida. Em alguns casos aparece que vítimas de TRM cervical preferem o suicídio a continuar vivendo (Hamell, 2004; Cairns et al, 1996; Maynard & Muth, 1987). O número de estudos que abordam a qualidade de vida pós TRM têm aumentado devido à diminuição dos índices de mortalidade desta população, e portanto ao aumento no índice de expectativa de vida (Spizzichino, et al, 2003). Segundo McColl et al (1997), os fatores que apresentam impacto na qualidade de vida destes indivíduos são idade do indivíduo na época da lesão, bem como o nível e a extensão da mesma (completa ou incompleta). Nos casos estudados os pacientes tiveram lesões medulares cervicais completas ou praticamente completas, e, portanto não possuem controle de tronco, membros inferiores, possuindo apenas o controle de cabeça e parcial dos membros superiores. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 46 A dependência física leva a diminuição da qualidade de vida destes indivíduos uma vez que passam a necessitar do auxílio de terceiros para: transferências, locomoção, manobras de higiene, alimentação, entre outros. Desta forma torna-se difícil retomar suas atividades profissionais e sociais ocasionando sua dependência financeira. Ou o indivíduo passa a ser aposentado por invalidez, ou passa a trabalhar em atividades autônomas, uma vez que nem sempre o valor da aposentadoria por invalidez é suficiente para sua sobrevivência. Os objetivos de reabilitação pós TRM não devem ser apenas evitar a morte e cuidar das seqüelas, mas, também facilitar a recuperação funcional e a independência pessoal, promover sua reintegração social, qualidade de vida e sua satisfação pessoal (Wood - Dauphinée et al, 2002). Devido a demora do processo de reabilitação e a dificuldade do retorno de suas funções os pacientes passam a criar expectativas em relação a recuperações milagrosas. Na subcategoria 3.3. esperança de recuperação, observa-se o anseio por essa melhora rápida e eficaz. Os sujeitos aguardam pesquisas futuras com o uso de células - tronco. Mesmo sem serem questionados, todos referiram que gostariam de participar de pesquisas com células - tronco, embora não saibam qual benefício poderiam ou não ter. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 47 5. Conclusões: As sequelas físicas deixadas pelo TRM são devastadoras principalmente quanto mais alto for o nível da lesão da medula. No caso das lesões cervicais completas entre os níveis medulares de C4 e C5 nota-se que o indivíduo não consegue sequer apresentar o controle de seus membros superiores o que o incapacita de sair da cadeira de rodas, de sentar na cadeira de banho ou no vaso sanitário, de realizar a higiene básica, ou ainda se alimentar sozinho. Quando se pensa em Autonomia, um dos princípios básicos da Bioética, se pensa também no direito de cada indivíduo escolher e exercer não apenas o seu direito como cidadão, mas o algo mais básico como o direito de ir e vir, o direito a ser independente nas suas escolhas e vontades. Após a análise dos discursos dos sujeitos pós - TRM torna-se crítica a situação vivenciada a cada momento por essa população, uma vez que não foi perdido apenas o direito de ir e vir, mas também o direito de se alimentar, de se vestir, de realizar sua higiene básica, na hora, onde e como quiser. Além da dependência física surge a dependência financeira, a dependência emocional, a perda do emprego, o desespero individual. Quando voltarei a ser quem eu era antes? Quando terei o direito de ser eu mesmo sem precisar da ajuda de terceiros? Outro dado a ser ressaltado é a falta de apoio governamental, será que a aposentadoria por invalidez é o suficiente para manter um auxiliar de Enfermagem, custear medicamentos, sondas, fraldas? Torna-se claro a falta de inclusão social. Arrumar um emprego pode parecer simples, mas de fato Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 48 poucos ofícios se adaptam a essa condição física, a limitação motora leva a dificuldade em se encontrar um novo emprego. Porém não se deve esquecer que não existe limitação cognitiva, o cérebro continua funcionando normalmente, e deve ser muito frustrante não conseguir voltar a ser quem eu era antes da lesão. Algo importante a ser destacado é que não existem estudos que falem a respeito de qualidade de vida nos TRM cervicais, os únicos estudos da área abordam a qualidade de vida nas lesões baixas (torácicas ou sacrais) e, portanto, pode-se pensar que realmente talvez não exista qualidade de vida, uma vez que a vida destes pacientes passa a ser mantida por terceiros, sua sobrevivência dependerá deste auxílio. Através deste estudo pode - se sugerir que, de forma geral, a incapacidade física pós - TRM cervical acarreta na dependência física do indivíduo que passa a necessitar de auxílio de outras pessoas e sua autonomia é violada muitas vezes desde o momento da lesão até a fase crônica. Provavelmente uma das saídas seria melhorar as condições de sobrevivência desta população através de uma oferta de empregos específicos sem o risco de perder o auxílio - doença; oferecer meios de transporte adaptados em maior quantidade; permitir a reinserção social que incluíssem desde mudanças no espaço físico até serviços especializados de atendimento gratuito. Vale por fim ressaltar que existe sofrimento devido à incapacidade física, e que não houve participação destes indivíduos em relação à abordagem médica, embora hoje se fale tanto dos direitos dos pacientes ainda é possível Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 49 notar que na prática nem sempre eles são informados e conscientizados a respeito de sua doença. Referências Bibliográficas: Acea, B. El processo informativo en el paciente quirúrgico. Reflexiones sobre la ley básica reguladora de la autonomía de los pacientes. Cir Esp, 2004; 77(2): 60-4. Aguirre – Gas, H. Princípios éticos de la prática médica. Cir. Ciruj, 2004; 72: 503-510. Aguirre - Gas, H. Administración de la calidad de la atención médica. Rev. Med. IMSS, 1997, 35: 251 - 264. Archer, L; Biscaia, J; Osswald, W. Bioética. Editorial Verbo, 1ª ed. Lisboa / São Paulo, 1996. Auvin, J. et al. 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Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 56 Anexo 1 Termo de consentimento livre e esclarecido Título da pesquisa: “Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas” Eu, _________________________________________, documento de identidade n°°: ______________________; sexo: ___________, idade: _________ residente à rua: __________________, bairro: _________________, na cidade de ______________, CEP: ____________, e telefone ( ) ________ declaro ter sido informado e estar devidamente esclarecido sobre os objetivos da pesquisa que é questionar de que forma uma incapacidade física pode impossibilitar de algum modo a autonomia do indivíduo após um trauma raqui medular cervical (lesão medular cervical). Tenho ciência que a entrevista será gravada, sendo que na primeira fase responderei questões relacionadas ao meu perfil social e na segunda parte responderei perguntas relacionadas ao objetivo do trabalho e ao término da entrevista me será concedido o direito de acrescentar observações que eu julgue necessárias. O tempo de duração da entrevista será de aproximadamente uma hora, com horário e dia pré - determinado, de Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 57 preferência em um dia que eu esteja na Instituição, e após a minha sessão de Fisioterapia. Recebi garantia de total sigilo e resguardo das informações dadas em confiança e a proteção contra a revelação de minha identidade, mantendo o meu anonimato, podendo obter esclarecimentos a respeito da pesquisa sempre que o desejar. Concordo em participar voluntariamente deste estudo e sei que posso retirar meu consentimento a qualquer momento sem que isto interfira no meu processo de reabilitação na instituição. ___________________________________________ (assinatura do participante) São Paulo, _____de ___________________ de 2006 Pesquisador responsável Eu, _____________________________________________ responsável pelo projeto intitulado “Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas” declaro que obtive eo Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas Anexo 2 Avaliação e aprovação pelo comitê de ética: Débora Sanchez Pedrolo 58 Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 59 ANEXO 3: Modelo da ficha de entrevista (dados do paciente): Nome: Idade: Sexo: Profissão Anterior: Profissão Atual: Diagnóstico Médico: Tempo de Lesão: Renda Familiar: Estado Civil: Número de Dependentes: 1) Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida, sonhos...? 2) O que mudou na sua vida após a lesão? 3) Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo de reabilitação? 4) Quais suas expectativas de vida de hoje em diante (em todos os aspectos)? 5) Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a entrevista? Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 60 Anexo 4 Entrevista com os pacientes: Relato 1: Paciente N.P.M, 25 anos de idade, sexo masculino. Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida, sonhos...? Em relação ao meu trabalho, eu era, deixa ver o que eu posso te dizer. Eu trabalhava em uma empresa que fazia plástico, é eu trabalhava na extrusora então. Eu utilizava bastante os movimentos dos braços, e hoje eu trabalho em várias coisas, é eu trabalho, e eu vendo perfume, e eu faço trabalhos escolares, é com digitação. O meu diagnóstico médico é de lesão medular em C5 e C6, C5 esquerdo e C6 direito. A lesão foi em 14 de Abril de 2001. Sou solteiro, tenho uma filha de seis anos, e ela mora com a mãe, infelizmente, eu queria ficar com ela, muito. Sou aposentado, né, e recebo em média setecentos e trinta reais. Sou católico, eu acredito em Deus, sou espírita, um pouco de tudo. Bom eu já falei um pouco da minha profissão né, que eu era extrusor, trabalhava em uma fábrica, eu pegava a matéria prima, polipropileno que é um plástico para fazer algumas coisas e eu adorava futebol, uma coisa que eu Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 61 joguei em uma parte da minha infância na Ponte Preta. Trabalhava em som né, ah, eu era baladeiro, era um bom rapaz né, família acima de tudo. Eu morei em São Paulo até os onze anos, e dos onze aos quinze, depois dos onze eu mudei para o interior, para Nova Odessa, mas até os quinze eu vinha todo final de semana para São Paulo, no começo foi difícil para me acostumar, mas depois que eu comecei a trabalhar em som né, com som mecânico em boates, com programação de som. Bom eu era namorador, fiquei sabendo que ia ser pai com dezoito anos, é respeitava minha família como respeito até hoje. Eu sempre morei com minha mãe, meus pais são separados, e acho que eu devia ter, foi quando eu fui para o interior, tive que mudar para o interior, acho que eu tinha uns onze anos. Eu estudava, parei no terceiro, no terceiro colegial eu estava quando sofri o acidente, é não deu para terminar, é, mas isso aí é uma parte da minha vida que eu pretendo acabar né, é. É a vida é difícil falar da vida né, não têm muito o que dizer. A minha filha quando eu sofri o acidente ela tinha nove anos, quer dizer nove meses, desculpe e fica comigo algum tempo, fora os empecilhos da mãe. E na semana que eu parei, que eu sofri o acidente é ela começou, quer dizer ela não andava ainda direito, ela começou a andar. Mudou bastante minha vida. Bom eu era muito jovem né, pensava em estudar, trabalhar como todo jovem, não programava muito a minha vida, eu deixava a vida me levar. Hoje não, hoje já é diferente, hoje eu penso totalmente diferente do que eu pensava. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 62 Olha meu sonho sempre foi ser feliz, eu não tenho muito o que pedir. Bom na época eu trabalhava das sete as cinco, eu entrava as sete da noite na escola, então eu não tinha muito tempo. Nos fins de semana eu ia tomar uma cerveja com os amigos, ia em uma lanchonete, no clube, danceteria. Quando você têm dinheiro para pagar uma cerveja você têm muitos amigos, né. De uns cinqüenta, uns dois eram amigos mesmo. O que mudou na sua vida após a lesão? Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo de reabilitação? Bom três dias antes de eu sofrer o acidente eu tinha pegado, eu estava de folga da firma, tinha feriado e eu tinha emendado, ia ficar três dias e então eu fui para casa de um colega, estava tendo um churrasco com uns amigos, com um pessoal e eu fiquei três dias. Só que era próximo de casa, então eu apareci em casa poucas vezes, e eu apareci, e um pouco antes de sofrer o acidente eu fui para casa, vi minha mãe, ela até pediu para eu ter cuidado, quem que ia imaginar né, eu estava em um churrasco, tudo normal, eu não tinha bebido muito. Um amigo me pediu para levar ele até a casa dele, daí eu disse para ele pegar a chave da moto, e pede para alguém te levar, daí ele disse, não, me leva você que eu quero falar com você. Daí eu fui né, fiquei uns dez minutos conversando. Daí ele falou vamos fumar um cigarro. Aí eu disse não, beleza, tenho que voltar logo. Acho que era para eu fumar um cigarro né? Bom, daí eu sai e na esquina o carro entrou e me pegou de moto. Batemos de Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 63 frente, eu, e me socorreram lá né, a vizinhança, chamaram a ambulância, e oito minutos depois eu fui encaminhado para o HC de Campinas. Lá eu fui consciente e dois dias eu fiquei lá, não sei era estranho, era meio confuso, eu não sabia o que pensar, estava meio dopado, eu lembro de algumas coisas que me aconteceram lá, mas assim falar com certeza assim eu não posso porque eu não me lembro não. Foram três cirurgias, a primeira para tirar os fragmentos né, porque duas vértebras explodiram da minha coluna, a segunda para fixar com osso da minha bacia e uma placa de titânio e a terceira um tempo depois foi para retirar porque eu tinha que entrar na AACD, que eu estava com a placa solta. Eu lembro que eu recebi muitas visitas, lá eu fiquei sabendo que minha filha começou a andar, não lembro de muita coisa. Depois de quatorze dias eu fui para casa, nem sabia se eu ia viver, se eu ia vegetar, se ia andar, na hora você pensa de tudo um pouco, mas não têm certeza de nada. É depois que eu cheguei em casa é o médico que me operou foi fazer algumas visitas e ele explicou o que tinha acontecido, disse que não podia dar diagnóstico nenhum. Não sabia se eu ia andar novamente porque ia estar mentindo né, falando alguma coisa e depois acontecesse outra, mas o choque foi grande, ninguém espera né. Uns dois meses após em casa, comecei a fazer fisioterapia particular em casa mesmo, mas foi o dia em que eu cheguei em casa em Outubro, o dia que fizeram o atentado das torres gêmeas, foi minha primeira sessão de tratamento na AACD né. Fiz uma triagem, me explicaram, eu passei com sete ou oito profissionais, com TO, fisio, psico, daí eles me explicaram como era o trabalho Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 64 lá, que não durava muito tempo, cerca de quatro meses, mais para mim aprender e voltar a fazer em casa, que eu ia ganhar uma mobilidade a mais, mais ou menos isso. A minha alimentação é normal, isso é , eu uso adaptação né, é na parte do banho eu só não consigo esfregar abaixo dos joelhos, as costas e a bunda, daí ou meu pai ou minha namorada lavam, escovar dente é normal também, no vestuário calça é difícil colocar, ir para cadeira eu preciso de um pouco de auxílio, em rampa, subida também. Agora para empurrar a cadeira de rodas em plano assim é normal, em subida ou descida leve, dependendo da descida dá para ir. Logo após a lesão eu não, eu não queria acreditar né, eu não estava acreditando que aquilo estava acontecendo porque ninguém me falou, olha você vai ficar em uma cadeira de rodas ou você vai vegetar. Sem querer eu escutei um comentário né, então é diferente. Eu escutei o médico com minha mãe, que se eu sobrevivesse ia ficar vegetando o resto de minha vida. Isso, acho que foi uns seis dias após ter entrado no hospital. Só que eu não comentei isso com ninguém né. Minha vida eu guardo quase tudo para mim, eu não falo se eu estou bem ou se estou mal. Foi difícil escutar aquilo. Será? Será que eu vou vegetar, vou viver, vou morrer sei lá? Se eu fosse ficar em cima de uma cama o resto da vida eu preferia ir embora, mesmo tendo uma filha para cuidar, uma vida inteira pela frente, na hora que você escuta algo assim, você não pensa muito para dizer as coisas, mas depois passa. Eu conversei nos últimos dias com o médico que eu fiquei lá, e eu falei para ele que eu ia mostrar que eu não ia ficar assim, e ele não falou nada, mas só que quando eu fui fazer uma outra cirurgia para retirar a haste de titânio que Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 65 eu tinha colocado na nuca, eu fui para UNICAMP de novo, e só que a primeira coisa que eu fiz foi procurar o médico, chamei ele e perguntei se ele lembrava de mim. Ele disse que não, expliquei que tanto tempo atrás tinha um paciente que tal, tal, tal, que estava em uma cama, e que eu tinha ido apertar a mão dele, e que ele estava errado. Bom, aí ele ficou sem graça, mas e aí fazer o que né. Bom, na época eu fiquei sem trabalhar, e eu na pensava em voltar, eu pensava que eu não podia fazer mais nada, eu só pensei em tratamento, pensava em me reabilitar, pensava em fazer nada, apenas reabilitação. Depois que eu comecei na AACD, que eu vim embora para São Paulo. No fim do ano agora em Novembro faz três anos que eu voltei para São Paulo, mais ou menos isso, e eu só comecei a me interessar em fazer alguma coisa depois que eu saí da AACD, que eu acabei meu tratamento. Comecei a trabalhar com digitação, ia para AACD e essas coisas, mas antes, apesar de eu ter saído com emprego da AACD né em telemarketing, eu tinha que ser registrado, e o salário era menor do que eu ganhava, mas eu pensei se um dia eu for mandado embora, mas se eu for me aposentar um dia novamente, e então eu até questionei, sem registro não pode ser, e ela disse que não, então eu não fui. Nessa época eu ia para a AACD na hora do almoço e voltava no fim da tarde. A noite eu descansava, e de manhã eu ficava em casa com meu pai. Como eu tinha que vir para São Paulo várias vezes, então eu vim morar com meu pai. Eu ficava sozinho em casa, porque meu pai trabalha, mas minha avó, a gente mora em um sobrado, e minha avó mora em cima, e eu e meu pai embaixo. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 66 Tiveram várias situações, por exemplo, na parte da alimentação no começo era complicado, para pôr um prato no microondas, para esquentar um alimento, quando tinha que cortar algum alimento. Eu uso uripem, eu vou no banheiro uma vez sim e uma vez não, então dá para alternar esses dias, mas quando era no começo era complicado, eu usava fralda, podia fazer a qualquer momento né, do dia da noite, era bem complicado. Algumas vezes eu já fiquei mal na foto, a maioria das vezes em casa né. Meu pai saía para trabalhar, e como você não têm controle, vêm e a única coisa que você pode fazer é ligar e pedir para alguém te socorrer. Primeiramente sempre ligava para meu pai, depois um vizinho lá perto de casa que é enfermeiro. Quais suas expectativas de vida de hoje em diante (em todos os aspectos)? O que pensar né? Eu não sei né! Eu penso em me dar bem na vida, continuar matando um leão por dia. Eu não reclamo muito da vida, eu acho que a vida é dura só para quem é mole né. Todos têm dificuldades, todos reclamam. Eu procuro não reclamar muito. Depois que eu entrei na AACD tiveram algumas coisas que me chocaram, eu procuro ver que eu estou bem. O futuro a Deus pertence né, eu só tenho certeza de uma coisa, que um dia eu vou morrer. Antes eu pensava uma coisa para mim, eu não pensava que ia acontecer isso comigo o que eu posso pensar? Eu posso tomar outro tombo da cadeira, é complicado dizer o futuro. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 67 Em relação as informações, na AACD não se fala muito sobre células tronco, não sei, eu gostaria, eu gostaria de saber qual é a experiência. Eu sei que uma coisa eu quero para mim, é tentar. Eu pesquisei né via Internet, jornal, revista. Tive um fisioterapeuta que no começo do acidente que tinha falado sobre células tronco, o bem que ela pode dar para algumas pessoas né. Têm um estudo na revista lá na USP que eles estão fazendo, que em 30 pacientes que aplicaram o tratamento com células tronco, e voltaram a mexer a perna com lesão medular alta ou baixa. Já da família é difícil dizer, ficar longe da minha filha, da minha mãe, eu, é complicado falar da família. Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a entrevista? Eu gostaria de falar que eu escrevi um livro logo depois que eu fui para casa, logo depois que eu comecei a mexer com computador, porque eu não pensava nisso antes né. Há cinco anos atrás quase ninguém mexia com computador, isso de Internet, computador é mais agora. Eu escrevi um livro só que eu guardei para mim, não publiquei. Ficou mesmo para mim, nele eu falo como era minha vida antes do acidente, um pouco na hora do acidente, como foi, e como poderia ser. Eu lembro que, ele não têm fim. Meu livro não têm fim, eu não sei como poderia ser. Eu na UNICAMP, eu achava, que eu achava, que eu deveria ser o primeiro a saber o que estava acontecendo né. Mas como ninguém falou eu descobri sozinho então, bom, eu achava que o maior interessado era eu, não tinha porque esconder, eu acho. Mais para frente eu ia ficar sabendo mesmo. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 68 Já na AACD eu não tenho muito o que reclamar, sempre fui bem atendido sempre fui orientado. Hoje em dia eu acho que a pessoa que têm lesão nunca pode parar de fazer uma fisio. Hoje em dia eu estou te Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 69 Relato 2: Paciente D. P. W, 26 anos, sexo masculino Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida, sonhos...? Antes da lesão eu só estudava, eu estava estudando Ciências da Computação, eu estava no primeiro semestre, não trabalhava. Eu recebo um auxílio pela morte do meu pai, eu não quis me aposentar pelo governo. Antes da lesão eu só estudava e estava pretendendo arrumar um emprego, é eu não tinha emprego ainda, e o meu objetivo era esse. Eu tinha 20 anos, já estava para fazer 21 eu só ia para academia e a noite ia para a faculdade. Eu acordava meio dia, comia alguma coisa e ia para academia e a noite ia para faculdade. Eu tinha alguns amigos, saía com eles bastante, no fim de semana assim, às vezes viajava com eles, até que na época da lesão eu tinha viajado com meu primo, mas era tudo, tudo muito normal. Eu morava com minha mãe, o meu pai morava no Rio, eles se separaram quando eu tinha nove anos. Eu nasci aqui em São Paulo, daí meu pai foi transferido para o Rio, e a gente foi com ele, moramos no Rio, e daí quando eu tinha nove anos eles se separaram e minha mãe voltou para casa dos pais dela. Eu fiquei morando com meu pai lá no Rio, depois a gente foi para Fortaleza, eu tinha 10 anos, morei dois anos em Fortaleza e voltei para o Rio Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 70 de Janeiro. No Rio eu morei até os 15 anos, e daí com 15 anos eu vim morar com minha mãe aqui em São Paulo. Eu queria na época trabalhar na área que eu estava estudando, esse era o meu principal objetivo e eu era promotor de vendas em uma gráfica. O que mudou na sua vida após a lesão? Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo de reabilitação? Eu não sei direito o meu diagnóstico médico, eu sei que foi lesão medular entre a C5 e C6, e que foi incompleta. Na hora da lesão não me explicaram nada, só no outro hospital que explicaram. A lesão foi dia 28 de Dezembro de 2001. A minha renda média é de menos de dois salários mínimos. Sou solteiro, não tenho filhos. No dia da lesão eu lembro mais da tarde, que eu estava na casa dos avós do meu primo, e são da parte da mãe dele, e eu lembro que de tarde eu estava brincando de soltar bombinha com os primos pequenos dele, aí eu ia entrar no chuveiro para tomar banho, eu já estava com a toalha no banheiro, aí o namorado da prima dele chamou a gente e perguntou se a gente não queria ir para o clube lá em Brotas, aí a gente foi com ele para o clube, aí ele foi para sauna e quando a gente foi para o banheiro, e aí a gente estava voltando do banheiro porque a gente ia jogar bola enquanto ele estava na sauna, aí a bola caiu no lago, e os moleques pediram para eu pegar a bola né, daí quando eu fui pegar a bola, na hora que eu pulei, que eu pulei de cabeça, daí eu já, eu já perdi todos os movimentos do corpo, aí eu fiquei embaixo da água já uns dois minutos, e aí tinha uma família fazendo um churrasco ali, aí o rapaz me viu e Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 71 me tirou da água, eu já tinha engolido um pouco de água porque tinha acabado o meu fôlego e eu respirei água umas duas ou três vezes, aí ele me tirou de lá. Daí ele me colocou no gramado e chamaram a ambulância, chegou a ambulância, me colocou o colar né, me colocou na tábua e me levaram para o hospital, tiraram o raio X e não me disseram nada o dia inteiro. O médico não apareceu, quem ficou comigo foi a família do meu primo, que ficou comigo tudo, passaram a noite inteira lá, ficou a tia dele lá, enquanto isso, ele estava ligando aqui, estava ligando para a minha mãe, porque minha mãe e minha irmã estavam no Rio, aí ligou para eles, e eles vieram para São Paulo. Eu estava o tempo inteiro consciente, na maca esperando, eu passei a noite inteira na maca porque não podia ir helicóptero para lá, aí tinha que esperar amanhecer. Só estava eu e a família do meu primo lá, deixaram a gente numa salinha lá, eu e família do meu primo. Não tinha médico nada, daí eu vim para São Paulo no hospital Paulistano e assim que eu cheguei já foram fazer exames, e ressonância e depois me levaram para UTI, eu fiquei acho que um mês na UTI, só que consciente e esperando porque eu fiquei com febre, daí ficou esperando a febre passar para poder operar, aí a febre não passava e aí me mandaram para o quarto e eu fiquei lá mais um tempo esperando a febre passar, só depois que a febre passou que pode fazer a operação. Falaram daí, falaram que, falaram só mesmo foi da operação que tinha afetado o pescoço e daí eu já sabia. Aí eles falaram, mas acho que eles não sabiam muito bem o que estava acontecendo, eles falaram que mais ou menos depois de um ano eu já voltaria andar de novo, com bengala, com essas coisas, então eles não tinham muita noção. Quem conversava comigo mesmo eram os meus pais. Falaram o que eu ia fazer na cirurgia, que iam colocar um enxerto porque Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 72 quando eu pulei prensou e quebrou a coluna e tinha machucado a medula e quebrou a coluna, para colocar uma haste de titânio e tirar um pedaço do osso para fazer o enxerto. Eu só fazia fisio no hospital mesmo, só fazia movimentação na minha perna umas duas vezes por dia com as fisioterapeutas do hospital, claro que eu queria fazer fisio, meu pai também exigiu, o médico que operou tinha falado que eu ia fazer três vezes por dia, daí quando chegou no quarto só estava vindo uma vez por dia, aí meu pai foi ver, e a fisioterapeuta lá falou que não precisava fazer tanto, e também fazia respiratória, colocava uns exercícios para o pulmão, mobilização e alongamento. Eu não voltei para a faculdade, eu tinha acabado o primeiro semestre. Eu fiquei ao todo uns três, quatro meses internado, daí fui para casa, tinha home care e já fui para casa encaminhado com home care, tinha uma enfermeira e a fisioterapia, a fisioterapeuta uma vez por dia. Depois eu fui para rede Sarah e fiquei 45 dias fazendo fisioterapia, aí eu voltei e fui para o DMR e fiquei um ano lá. Eu pensei que os movimentos iam voltar pouco a pouco, e aí não iam voltando e eu fui ficando assim, e depois eu fui acostumando, mas depois eu me animei de novo, e depois eu vim para UNIP e fiquei mais um ano. Quais suas expectativas de vida de hoje em diante (em todos os aspectos)? Hoje eu fico mais em casa, eu acordo e fico la´ em casa assistindo televisão, de vez em quando eu dou uma saída assim, vou para shopping com a minha mãe e com minha irmã. Eu almoço, como sozinho, uso o adaptador, Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 73 tomo café sozinho, eu como o pão, o leite têm uma moça que trabalha lá em casa que me dá, e para tomar banho têm uma moça e minha tia que me ajudam. A parte urinária e fecal minha mãe que faz. Daqui para frente por enquanto eu estou pensando em abrir um negócio, um negócio de vender doces, dentro de casa mesmo, vender para restaurantes, estas coisas assim. O meu primeiro é esse, é que eu estou agora a divisão dos bens do meu pai que faleceu porque eu tenho duas irmãs e a minha madrasta que morava com ele. Eu tenho 100% de esperança de voltar tudo, eu parei com os tratamentos por falta de transporte, e a minha mãe está trabalhando e então ficou muito difícil, a minha irmã também está trabalhando, esta na faculdade. Têm uma moça que me ajuda em casa, que vai de segunda à sexta. Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a entrevista? Eu sou crente, eu pratico só o que está na bíblia, eu vou na minha igreja, eu não pratico nenhuma atividade religiosa, eu só acredito em Deus, é a Igreja Bíblica da Paz. Eu comecei a ir depois que eu me acidentei, na hora que eu me acidentei, já tinha acabado toda a minha esperança, acabou meu fôlego e eu vi que ia morrer, e eu já tinha certeza, e aí pedi para Deus me ajudar, aí eu disse que se ele me tirasse dali, me ajudasse, eu ia seguir os caminhos dele, e é o que eu tenho feito desde então Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 74 Relato 3: Paciente T.T, 27 anos, sexo feminino. Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida, sonhos...? Eu sempre fui uma pessoa muito extrovertida, brincalhona, fazia um monte de coisas, adorava viajar nos feriados, fazia musculação, cuidava do meu corpo, paquerava muito, beijava muito. A T. era feliz para caramba, deixa eu ver, como eu falei, passeava muito, namorava, queria estudar de novo, eu cheguei a fazer a faculdade de Direito, parei porque estava sem condições financeiras, mas estava pretendendo voltar, não sei se ia continuar fazendo Direito, mas eu ia fazer alguma coisa. Trabalhava, não gostava muito, mas já que têm que trabalhar né, trabalhava, gostava muito de passear, , era uma pessoa assim normal. Eu tinha objetivo de um dia assim, mais para frente, não de casar, mas de ter filho, esse é um sonho que eu sempre tive, mesmo que fosse para ficar mãe solteira, uma pessoa assim normal. Quando eu estava trabalhando tinha aquele rotina de acordar, ia para o serviço o dia inteiro, quando voltava do serviço vinha para casa e descansava um pouquinho, ia para musculação, ia passear com o namorado, antes de estar trabalhando, eu acordava, ficava em casa assistindo televisão, escutava música, ia para o clube, na piscina, ia encontrar os amigos, sempre pela rua Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 75 né. Só ia para casa para dormir, comer e trocar de roupa porque eu sempre gostei mesmo da rua. Eu tinha parado a faculdade e eu pretendia voltar, não sei mesmo se Direito, mas talvez eu fosse para a área criminal, que eu gosto muito dessa parte. O que mudou na sua vida após a lesão? Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo de reabilitação? Eu já não estava mais trabalhando, já tinha cumprido aviso prévio. Naquele dia eu tinha ficado em casa, fui para musculação, e a noite tinha sempre aquele horário né combinado com o namorado, e como eu sempre fui ciumenta, fiquei nesse dia ligando, enchendo, mandando mensagem para ele vir embora e ele chegou na minha casa alterado, meu pai abriu a porta viu ele alterado. Ele disse para o meu pai que tinha sido assaltado e tal, e eu como sempre gostei de ajudar ele, mesmo sabendo das coisas erradas dele, sempre tentando dar conselho bom, tentando endireitar ele resolvi sair para ajudar. O meu pai tentou por duas vezes me segurar, pegou no meu braço, pediu para mim não sair duas vezes, só que eu resolvi sair para ajudar ele. E meu pai falou não sai filha duas vezes, ele disse que se eu saísse o meu namorado ia bater o carro, e eu não quis ouvir ele, eu falei que eu ia sair e eu já voltava, e eu voltei só 35 dias depois assim, sem meus movimentos. Ele bateu o carro quatro quarteirões aqui de casa. Ele saiu daqui que nem um louco, passou quatro faróis, e no quarto a gente bateu, na hora eu já perdi meus movimentos, Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 76 não me mexia mais, fiquei presa dentro do carro uma hora, consciente, meio sem entender o que estava acontecendo. Me levaram para o HC, sem eu mexer nada, não sei, eu não sabia, não entendia o que era, era só aquele zum zum zum no meu ouvido, eu não entendia nada, depois que os meus pais chegaram eu só via eles, mas ninguém me dizia nada, eu só ouvi que tinham que raspar meu cabelo, e aí eles rasparam meu cabelo, fui para o centro cirúrgico, me colocaram a tração, aí eu fiquei cinco dias com o halo craniano, tinham dezesseis quilos puxando o meu pescoço, tudo sem me mexer, tinha dor, formigamento, não sabia o que estava acontecendo. Depois do quinto dia eu fiz a cirurgia, a minha respiração não estava legal, e depois de três dias que eu estava na UTI, tiveram que pedir autorização para o meu pai ficar comigo, porque não me agüentavam, eu xingava todo mundo, meu pai fala que eu negociava medicação com os médicos, tudo isso sabe ainda estava aquela coisa confusa no meu cérebro, para mim era aquela coisa sabe eu vou voltar, eu vou me mexer, isso daí é só agora sabe, a minha ficha ainda não tinha caído, enquanto eu estava no hospital a minha ficha estava completamente fora. Daí eu fiz essa cirurgia pedi para o meu pai ficar porque ninguém me agüentava, e daí um dia meu pai saiu de madrugada para fumar e daí quando ele voltou, ele viu no balcão o médico falando que tinha um para entubar, e não passou uns dois minutos meu pai olhou para trás o aparelho zerou, eu tive uma parada cárdio – respiratória, colocaram meu pai para fora, me reanimaram, depois de uns 20 segundos eu voltei, e o médico disse já estou entubando sua filha, ela vai ficar entubada, daí me deram uma injeção para eu apagar, isso foi o que me falaram né, e depois de um dia e pouco eu despertei, e me tiraram o tubo, foram os piores dias da minha vida porque eu tinha medo de morrer, elas Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 77 deixavam minhas mãos amarradas, mesmo eu não mexendo porque tinham medo que eu fosse tirar o tubo, e eu tinha muita secreção, e tinham que aspirar, e como eu não falava, tinha umas que entendiam, tinha outras que não, tinha umas que falavam que eu agüentava, que a minha saturação estava boa, e não estava, umas não me trataram bem, e então eu tinha muito medo de morrer, eu dormia em média duas ou três horas por noite, mas acordava sempre com pesadelo, chorando, foram os piores dias da minha vida, depois que tiraram o tubo daí que eu subi para o quarto daí que eu fui melhorando, e foi assim eu sempre com aquela coisa, acho que daqui um mês, acho que daqui dois meses, acho que daqui três meses, e foi passando, passando, e agora já fazem três anos e três meses. Depois de uns seis meses que a minha ficha mesmo caiu, só que graças a Deus de lá para cá, quando eu cheguei em casa eu não mexia nada, male male conseguia tirar a mão do colchão, hoje eu mexo, não tenho força de tríceps, mas consigo mexer bastante os braços, não consigo mexer os dedos, mas dependendo da coisa que colocar na minha mão eu consigo mexer um pouquinho, consigo tocar um pouco a cadeira com dificuldade, consigo me mexer um pouco na cama me apoiando na grade para levantar a cabeça, coisas que eu não fazia antes né, tenho um pouco mais de sensibilidade do que eu tinha no começo, só que hoje eu não percebo mais tanta diferença, o pessoal de fora mesmo que fica muito tempo sem me ver que fala das mudanças, mas eu não percebo mais. Estou correndo atrás, é lógico têm aquela parte monetária, que eu poderia correr até mais. No hospital ninguém me falou o que estava acontecendo, lá foi assim aquela coisa, quando chegou lá falaram assim para o meu pai e para minha mãe têm 99% de chance de sua filha só mexer os olho, sabe é lesão Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 78 praticamente completa, temos que ver durante dois anos o que pode estar modificando, só que lá falaram meio assim por cima o que aconteceu, falaram mais para os meus pais do que para mim, é aquela coisa, vamos ter calma, vamos esperar, e só depois de um mês e pouco uma amiga minha que é fisioterapeuta veio aqui em casa, sentou comigo, ela fez os desenhos e explicou onde eu sofri a lesão, fez o desenho para eu estar entendendo o que aconteceu e me explicou, foi daí que eu entendi, mas no hospital eles meio assim que não falam, como também têm muito paciente também, eu também acho que eu não queria muito saber não e então não ficava perguntando. Essa minha amiga falou para os meus pais que do jeito dela ia me explicar tudinho, desenhou, mas é aquela coisa, eu fico sempre naquilo lá, eu tenho que voltar a andar, eu não quero ficar assim, eu não vou conseguir conviver desse jeito, sabe se têm deficientes que conseguem parabéns, mas eu T., eu não consigo, eu não sei se é pior eu não aceitar, têm dia que eu estou revoltada brigo com todo mundo, xingo mãe, pai, tio, mando para cada lugar mas é na hora do meu estresse, passou eu estou falando com todo mundo. Eu sempre fui aquela pessoa, eu sempre gostei de ajudar os outros, eu nunca gostei de ser ajudada, então para mim fica difícil, sabe essa coisa de estar toda hora, precisar de alguém para passar uma sonda, mexer no intestino, tomar um banho, é você depender dos outros, do tempo dos outros, é você não poder fazer no seu tempo, meu tempo era um ,o tempo de cada um é outro, então fica complicado. Lá no HC me encaminharam para o DMR ou para a AACD, eu fiz DMR por oito meses, fiquei parada um tempo, fui para UNIP, fiquei parada mais um tempo, faço com um fisio em casa, e realmente o que está faltando mais para eu fazer é em relação a questão monetária. Em casa eu tenho a minha auxiliar Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 79 que graças a Deus está dando para pagar, minha irmã me ajuda mexe um pouco comigo. Em casa têm a parte do quintal que dá para tomar um pouco de sol, e eu tomo, brinco com meu cachorro, vai indo né. O que eu quero daqui para frente é melhorar, quero que essa pesquisa com células tronco saia logo, pode fazer a experiência que quiser comigo que eu topo, quero ser a primeira, eu quero voltar a andar, porque assim a T. de antes não é a de agora, eu era muito mais feliz, eu me tornei uma pessoa mais amarga, mais estúpida, brigo muito com minha mãe, não era assim. Eu gosto sabe que alinhe a calça, as coisas tudo certinho sabe, se você está em pé, você se veste você não vai sair tudo amarrotado e então os outros acham a você está com frescura , você vai ao médico, mas não me interessa a minha vaidade eu não quero que mude, mas acabou mudando porque cabelo eu deixei de cuidar, minhas unhas coitadas nem se fala e eu cuidava antes e hoje em dia ficaram de lado e eu não estou gostando disso, eu tenho que voltar a fazer pelo menos isso, um pouco, eu não me suporto, eu não consigo mais me olhar no espelho, eu só olho mesmo quando eu estou na cadeira de banho e eu tenho que entrar no banheiro, mas fora isso eu detesto, eu não consigo mais me olhar no espelho, eu não gosto mais de olhar para o meu corpo, eu cuidava, eu malhava, tinha um corpo todo bonitinho, agora é horrível você olhar para sua barriga, para suas pernas e você não mexer, eu espero melhorar lógico, espero muito que essa pesquisa com células tronco funcione, minha mãe já entrou em sites já viu, e eu estou esperando, eu não sei se eu vou ter tanta paciência assim, mas para mim está muito cansativo, minha família está esgotada, está super esgotada, principalmente a minha irmã que é quem me dá mais força, ela deixa de fazer Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 80 as coisas dela para ficar comigo, eu não acho justo, ela é mais nova do que eu, eu acho que ela têm que sair, ir para balada, sem ter aquela preocupação de ter a irmã aqui, se eu estou com dor, os outro não podem fazer as coisas que antigamente a gente fazia. Antigamente a gente ia para Peruíbe e passava 45 dias lá, hoje já não pode ser assim porque a minha cadeira não cabe no apartamento, têm que ser casa, que é mais caro e com os gastos que a gente está tendo já não dá mais para ter esse lazer, são coisas assim, a família inteira acabou perdendo. Meu pai fuma mais, emagreceu, todo dinheiro que ele guardou para comprar uma casa ele gastou tudo comigo, todo dinheiro foi embora, meu pai eu vejo como um cara infeliz, eu acabei com a vida de todo mundo, eu não suporto ver minha família desse jeito, eu sinceramente preferiria não ter sobrevivido, teria sido melhor, eles estariam tocando a vida, eu não estaria também sofrendo, nada é como antes, não têm mais a mesma harmonia, eu não estou agüentando, tenho medo que aconteça alguma coisa com meu pai ou com minha mãe. Têm horas que eu não quero falar que eu estou com dor para não ver eles mal. Tiveram situações que eu me senti muito exposta por exemplo lá no HC quando eu estava na UTI, na hora de me darem o banho no leito, geralmente na UTI eram oito pessoas, a maioria homens, a minha cama sempre foi a primeira porque eu estava acho que mais de risco, eu era a única e novinha, e como eu estava com o tubo a maioria das enfermeiras fazia que não me entendia, e na hora elas colocavam os biombos para os outros pacientes, e tinham médicos e enfermeiros próximos que me olhavam, e eu ficava totalmente exposta, mas não dava para eu falar porque eu estava entubada, e ao invés de colocaram os biombos, eu ficava exposta, eu me sentia invadida, e Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 81 hoje em dia eu ainda me sinto, mesmo com a minha mãe, mesmo com a minha irmã, minha auxiliar, se vai passar sonda eu tenho muita vergonha, no meu intestino eu só deixo a minha mãe e a minha irmã mexerem comigo, têm que dar os toques, eu me sinto invadida, tirou minha privacidade, eu não posso tomar um banho, eu não posso me esfregar, saber que têm uma outra pessoa colocando a mão em você, não é a mesma coisa se fosse eu, eu me tocando, é complicado, eu sempre tive mais vergonha, hoje se alguém entra no quarto eu não posso me cobrir então eu grito me cobre, sai daqui. Tirou minha privacidade. Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a entrevista? O que me incomoda é essa coisa de ser deficiente, não deveria existir isso, todo mundo deveria ser normal, ninguém deveria ficar em cadeira, é a pior coisa do mundo, deveria ter uma poção e todo mundo ficasse normal, não existisse mais cadeirante, cegos, pessoas com síndrome de Down, todos viverem cem, duzentos anos, isso é muito ruim. Espero que essas células tronco adiantem, e que faça todo mundo andar de novo inclusive eu. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 82 Relato 4: Paciente A. L, 27 anos sexo masculino. 1. Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida, sonhos...? Antes da lesão eu trabalhava, eu estudava, era bom, no final de semana eu saía, mas quando aconteceu o acidente já mudou tudo. Eu acordava, ia trabalhar, chegava em casa umas três e meia, e quando dava umas seis horas eu tomava banho e ia estudar. Todo final de semana eu saía, ia para o shopping, na época não tinha tanta balada quanto têm hoje, saía com amigos, namorava, na época eu queria comprar um carro para mim, eu trabalhava na época, eu ia tirar a carta de motorista, mas acabei não tirando. Acho que era só isso. O que mudou na sua vida após a lesão? Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo de reabilitação? O dia do acidente foi uma segunda feira, eu estava de férias e faltavam quinze dias para eu voltar a trabalhar, e estou de férias até hoje, eu e minha família estávamos indo para Peruíbe e na volta o caminhão pegou a gente na estrada, estava eu, e eu vou contar uma coisa que eu não tinha contado ainda, Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 83 nesse acidente meu irmão morreu, meu pai machucou o punho, minha irmão não aconteceu nada com ela, tinha uma outra menina que não aconteceu nada, e com meu pai o vidro estourou no rosto dele, o pior mesmo foi o meu irmão ter falecido. Socorreram a gente lá na BR, acho que foi o resgate mesmo e levaram a gente lá para o hospital da BR mesmo, não me disseram que meu irmão tinha morrido, e de lá eu fui transferido para o hospital São Paulo e de lá eu fui transferido para o meu convênio que era no Evaldo Foz, eu fiquei internado por treze dias, e só fui saber que meu irmão tinha morrido no décimo dia, os médicos tinham aconselhado a minha família a não falar para mim que meu irmão tinha morrido, ele era meu irmão do meio, têm minha irmã que têm dezoito anos, eu acho que ele tinha uns vinte e dois anos. Os médicos falaram assim então, é desanimaram total, falaram que eu não ia andar mais, por que assim logo no acidente, eu estava no Hospital São Paulo e eu já não sentia mais o corpo, e eu lembro até que um dia meu pai olhou para mim e eu disse, pai eu já era, porque eu já não sentia mais nada do corpo, e depois que eu fiquei internado eu achei que eu melhorei um pouco, e o tempo todo eu estava consciente, eu não fiquei em coma nem nada, depois o médico foi lá falar comigo e ele disse você está com seu corpo paralisada, porque você sofreu uma lesão muito alta e eu não posso te dizer o que vai acontecer com você daqui em diante. Acho que só a minha família que ficou a par de tudo né, acho que eles souberam principalmente depois que tiveram que colocar um colar aqui na minha cabeça para ficar firme né, como eu não podia fazer uma cirurgia né, porque era perigoso eu falecer, daí não fizeram a cirurgia colocaram só o colar para fixar o osso. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 84 Daí no hospital falaram a gente vai fazer fisioterapia mas o importante mesmo é você fazer em casa, para você não atrofiar, e como você é magro é bom você sempre estar fazendo, quando você sair daqui procure uma fisioterapia. Nunca me falaram da minha perspectiva, nada, só falavam que eu tinha que fazer fisioterapia. Um médico disse, você vai ter que fazer fisioterapia, mas eu não posso te falar se você vai andar ou não, e você têm que continuar sua vida. Na época eu respondi, vamos ver o que vai acontecer comigo, eu achava que em seis meses eu voltava a andar, ali na hora o médico fala para você, mas você pensa daqui seis meses eu vou voltar a andar, e eu só queria colocar meus planos em dia que era trabalhar e comprar meu carro, o que o médico falou entrou por um ouvido e saiu pelo outro, mas hoje cada dia que vai passando nada de fazer planos, a gente não sabe o que vai acontecer amanhã. Nesses treze dias que eu fiquei no hospital, sempre consciente, eu lembro que davam um banho de gato em mim, depois eu almoçava, e no final da tarde vinha visita. Logo que eu saí do hospital meu pai procurou fisioterapia para mim na AACD e no DMR do Hospital das Clínicas, daí eu fiquei dois anos no DMR, fiz TO, fisioterapia, enfermagem, serviço social, passei por tudo. Às vezes eu me sinto incomodado quando vêm visita, eu fico ainda constrangido, porque não vou deixar tudo escancarado. Ainda não me acostumei com essa situação. É difícil dizer o que eu espero daqui para frente, eu sempre fico me perguntando o que eu posso fazer da minha vida deste jeito que eu estou, eu não tenho ninguém assim disponível, eu não vou dizer o meu pai, os outros eu tenho que pagar para me ajudar, por exemplo para eu vir aqui para fisio eu Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 85 pago, ninguém faz nada de graça entendeu, por exemplo se eu fosse para a faculdade não teria ninguém para me levar, e então eu fico mais em casa mesmo, e só as vezes eu saio, vou no shopping, no cinema. Por exemplo, como eu não mexo minhas mãos direito a minha mãe me passa a sonda, depois me deixam um pouco na cadeira de rodas e depois me tiram por que eu não posso ficar muito tempo sentado porque pode abrir escara. E então eu fico me perguntando por que eu? Mas eu não sei, é difícil de responder. O que mais me incomoda é depender dos outros, eu perdi tudo, me bate uma inveja de ver os outros andarem, de irem para lá e para cá. Eu queria voltar a ser independente, não precisava nem andar, eu só queria poder sentar sozinho e ter todos os movimentos das mãos. Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a entrevista? Eu só não queria depender dos outros, não ter que passar sonda, na hora de evacuar, de tomar banho, eu queria ser independente. Eu já passei vergonha por tudo isso, no dia a dia. Eu espero as células tronco, eu sei que não é para agora, que ainda é pesquisa aqui no Brasil, mas é a minha única esperança, e eu torço para que seja rápido. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 86 Relato 5: Paciente C. M, 28 anos de idade, sexo masculino. Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida, sonhos...? O que eu posso te dizer, antes da lesão eu sempre fui uma pessoa muito ativa, desde pequeno eu fui aquela criança que não consegue ficar parada, que a gente dá o nome de hiperativa. Por exemplo, eu ia para casa da minha avó e dizia que ia ficar até o dia seguinte então me dava os cinco minutos e eu pegava minhas coisas e ia embora. Eu pensava em dez coisas ao mesmo tempo. Eu era militar, e eu era um cara que nunca gostou de depender de ninguém, eu não dependia do meu pai, da minha mãe, do meu irmão. Eu gostava mais de ajudaras pessoas do que ser dependente delas. Então eu posso te contar um dia meu quando eu era militar. Eu acordava às seis horas da manhã, e as seis e meia ou sete horas eu já estava marchando para entrar na aula, daí dava bom dia para a bandeira, das oito as onze eu ficava estudando, tinha aulas, tinha um período de intervalo de duas horas, aí de tarde tinha mais duas, era tipo uma faculdade integral. Geralmente às três horas da tarde tinha a educação física, se estivesse chovendo tinha uma outra atividade. Daí às sete horas da noite era a última formatura, então daí eu já tinha que estudar para o dia seguinte. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 87 Daí eu chegava em casa dormia um pouco, acordava e estudava até as duas ou três horas da manhã e já ia no outro dia começar tudo de novo. Eu estudava e treinava para ser piloto de avião, porque o que acontece se eu não estudasse poderia acontecer um acidente com o avião. Então o que eu fazia, o meu final de semana eu queria aproveitar do primeiro ao último minuto. Então eu não trazia a minha rotina da semana para o final de semana. A minha semana era corrida ao máximo, eu nunca consegui ficar parado nem nada. Depois dessa rotina que era ser piloto eu comecei a trabalhar com vendas. Eu acordava às sete horas da manhã, foi no período que eu estava pedindo transferência da aeronáutica para outra força. Eu comecei a trabalhar na avenida Sumaré na Peugeot, eu trabalhava com show room, eu vendia só carro zero, eu ficava até as oito horas da noite, porque como eu estava entrando no ramo de veículos eu queria vender mais, nessa época eu comecei a trabalhar de domingo a domingo, o dia todo ocupado. Eu dormia um pouco, eu dormia só o suficiente para tentar me reabilitar para o dia seguinte. Tentava estudar ao máximo os avanços na área que eu estivesse, e daí eu sofri o acidente. O que mudou na sua vida após a lesão? Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo de reabilitação? Então a partir do momento que eu colidi com o veiculo, que foi um senhor que tentou entrar na garagem do prédio, eu estava na moto quando fui atingido, daí acho que eu estive uma doze horas de memória cortada, eu acho Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 88 que pode ter sido um princípio de com, porque tudo o que aconteceu das onze horas até o meio dia do outro dia eu não lembro de nada, eu lembro de alguns fatos aleatórios, por exemplo do resgate eu lembro que me perguntaram se eu sentia as pernas e eu então comecei a chorar, daí eu dizia que eu corria, que eu era atleta que eu não podia perder meus movimentos, daí eles me disseram para ter calma, que não sabiam o que tinha agredido. Então eu lembro da viatura do resgate, lembro que eu falei para a minha mãe que eu não estava sentido nada, lembro do atendimento no primeiro pronto socorro que foi no PS da Lapa, lembro que eu chorava, que eu falava que uma pessoa tinha batido em mim, que era esse senhor, que eu falava que eu não estava sentindo as pernas. Eu tive umas escoriações no joelho, no lábio, no olho e na mão. Eu estava com luva de motovelocidade e por isso não agrediu mais a minha a mão. Nesse dia eu fui transferido depois que me medicaram e me fizeram s primeiros socorros para a lesão medular não se agravar mais, e eu fiquei internado desde oito de março de 2003 até treze de junho de 2003. Eu passei por uma cirurgia para a colocação da placa para estabilização da minha coluna cervical em doze de maio de 2003 e me recuperei muito bem da cirurgia, o que aconteceu foi que eu tive um fechamento do meu pulmão o que acarretou que eu ficasse sete ou oito dias na UTI e eu me recuperei, eles forçaram que o meu pulmão voltasse a abrir, eu fiquei na UTI mais por precaução, daí eu voltei para o quarto, não estava mais com o pulmão fechado, depois disso eu nunca tive problema de pneumonia, de ficar gripado nem nada. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 89 Saí da UTI fui para o quarto, fiz fisioterapia de reabilitação para os membros que poderiam ser reabilitados. Nessa época eu estava com o colar cervical que foi colocado no Instituto de Traumatologia e Ortopedia, eu fiquei internado mais alguns dias para tomar antibiótico por causa da lesão, e eu estava me acostumando a minha nova condição de tetraplegia nível C5 e C6 assim que eu saí do hospital eu fiquei na casa da minha avó para as minhas tias ajudarem a cuidar de mim, eu fiquei na casa da minha avó nos primeiros dois anos da minha lesão me reabilitando. Eu lembro que logo que eu cheguei no primeiro pronto atendimento, o médico me perguntou se eu havia ingerido bebida alcoólica, ou se eu era viciado em cocaína ou outro tipo de droga, me lembro da transferência para o segundo hospital. Eles só me falaram, no momento nos temos que estabilizar a sua coluna, porque para você viver você não vai poder fazer movimentos bruscos, daí foi sugerido a cirurgia, e a minha mãe que era a minha responsável autorizou fazer a cirurgia. Só que no primeiro momento eu achei que eles iam fazer o reparo da minha coluna, só que eu não sabia no caso que a minha tetraplegia não tinha nada a ver com a cirurgia. Então eu estava consciente do que eles estavam fazendo, mas eu achava que com aquilo eu iria voltar a andar. Eu não sabia que eles só estavam estabilizando minha coluna para eu ficar sentado deitado de lado, eu não sabia dos problemas que eu ia vir a ter depois, que seria a fisioterapia, da demora da recuperação dos movimentos que eu havia perdido e que o máximo do meu corpo estaria com a limitação, Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 90 pela lesão medular, disso eu não sabia nada. Isso foi explicado aos poucos no centro de reabilitação e em cada consulta posterior que eu fui passando. Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a entrevista? Hoje em dia eu tento não depender de ninguém o máximo possível. Por exemplo, eu prefiro tomar banho três vezes por semana, só tomar quando eu me sinto sujo para não depender da ajuda de ninguém. Eu não tenho controle total da parte urinária e fecal, eu tento depender o menos das pessoas, tenho diminuição dos movimentos peristálticos e não controlo a urina, eu uso uripem, que é tipo uma camisinha para segurar a urina, tento não usar a fralda, mas quando eu preciso eu peço para colocar para usar como minha privada, como refugio para não depender de ninguém. Eu acredito que o que mais complica para um tetraplégico é a perda do controle da urina e das fezes, porque isso atinge a parte da intimidade da pessoa. Ninguém gosta de fazer xixi nas calças, ninguém gosta de ter diarréia no metrô. Eu acho que no tratamento da tetraplegia muitas coisas não são expostas para o paciente logo de cara, acho que é difícil você pegar um caminhão de coisas ruins e despejar em cima da pessoa, ninguém sabe o que ela têm direito só que esta passando por isso. Às vezes eu acho que os médicos jogam as informações devagar para a pessoa se adaptar, cada lugar têm seu estilo, ou o próprio paciente não quer ouvir. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 92 Relato 6: C. R, 27 anos de idade, sexo feminino. Como era sua vida antes da lesão? Quais os hábitos, objetivos de vida, sonhos...? Eu era hiperativa, trabalhava, estudava para ser auxiliar de enfermagem, cuidava do meu filho que vai fazer nove anos agora, eu era hiperativa, sempre trabalhei sempre estudei, sempre fiz academia, eu lutava, fazia jiu jitsu. Na época eu tinha vinte e três anos, eu terminei o curso de auxiliar de enfermagem um pouco antes do acidente e eu trabalhava com psiquiatria em uma clínica geriátrica. Durante um tempo eu fiquei afastada do meu emprego, eu trabalhei um tempo como caixa de supermercado, eu caí da moto e machuquei o joelho, nessa época eu também fazia estágio no hospital do Mandaqui, então as seis horas da manhã eu acordava, ia para o meu estágio. Um pouco antes eu estava viajando e daí quando eu voltei de viagem tomei esse tiro, que foi um fato que aconteceu, eu estava me envolvendo com uma pessoa, só que eu não sabia da índole dessa pessoa. O que mudou na sua vida após a lesão? Desde a data da lesão até hoje de que forma você participou do processo de reabilitação? Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 93 Eu tomei um tiro daí eu fiquei em coma induzido, e isso foi no dia três de janeiro de 2005, o esquentamento da bala atingiu a minha medula na C5 e C4, eu fui levada para o hospital pelos policiais e eu acho que no transporte complicou alguma coisa, nessa hora eu fiquei desacordada, depois eu fiquei consciente, daí eu fiquei cinco dias no hospital Mandaqui e fui transferida para o hospital Paulistano, fiquei na UTI, tomei muito corticóide, vim para casa com sonda naso enteral, sonda vesical de demora, muitas medicações, muita dor na traquéia. Nessa época no hospital cada um falava uma coisa, que eu ia voltar a andar em um ano, falavam várias coisas, que eu podia morrer, nessa época eu tirei a sonda e comecei a me alimentar pela boca, tiraram os pontos, porque eles me operaram para ver se tinha vestígios de bala. Eu achava que logo ia voltar, que eu ia andar em seis meses. Depois de seis meses, que é o choque medular, eu comecei a ter espasmos e fui para a AACD, precisava da enfermagem vinte e quatro horas, tenho uma cuidadora, foi uma fase de revoltada e agora eu estou mais conformada, não adianta gritar, espernear porque não vai melhorar o meu quadro, eu estou me esforçando. Eu me senti exposta no hospital na hora de esvaziar, de me trocar, quando tinha enfermeiro para passar a sonda, porque eu estava consciente. Antes eu não conseguia ficar sentado na cadeira, hoje com a cadeira adaptada eu já posso ficar sentada quase cinco horas, hoje eu já consigo mexer um pouco os ombros. Eu tinha muita falta de ar e eu tenho um pouco de sensibilidade nos glúteos, sinto minhas mãos formigarem. Débora Sanchez Pedrolo Estudo qualitativo com pacientes vítimas de trauma raqui medular cervical: Perda da autonomia associada a seqüelas físicas 94 Teve um dia que eu estava com muitos pontos de interrogação na minha cabeça, depois de muito tempo da lesão, porque cada neurologista falava uma coisa, ai têm que operar, não têm que esperar, entendeu. Aí eu fui para a AACD, e lá pelo que me parece eles são muito competentes, e eu perguntei para o fisiatra qual era a minha chance, qual a porcentagem, e ele sentou do meu lado da cama, segurou a minha mão, e disse que eu tinha 99% de chance de não andar e 1% de chance de andar, daí eu chorei muito, mas tirei esses pontos de interrogação. Hoje eu vivo como em uma UTI em casa, eu não posso sair, eu pinto meu cabelo em casa, faço minha unha em casa, faço depilação, entendeu. Os meus amigos sumiram, a minha família sumiu, só ficou a minha mãe, o meu padrasto e meu filho do meu lado. No começo perguntavam como eu estava, depois sumiam. Você gostaria de acrescentar outros dados para finalizarmos a entrevista? Eu vou seguir a minha vida, vou me esforçar, me posicionar na cama, eu espero a minha melhora, espero que a fisioterapia me ajude, eu só queria voltar a mexer as mãos o que já seria uma grande vitória. Eu estou fazendo uma campanha para conseguir cinco mil assinaturas porque o governo e a religião não permitem o uso de células tronco, e eu tenho esperança dessas pesquisas, essas assinaturas eu quero mandar para o Hospital das Clínicas, e juntando essas cinco mil assinaturas eu vou ajudar a acelerar esse processo. Débora Sanchez Pedrolo