Política de Saúde Mental de Sobral/CE-Proposta

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POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL DE SOBRAL/Ce
PROPOSTA
INTRODUÇÃO
Embora com cronologia e características históricas diferentes, a Doença Mental,
submersa no conceito genérico e ideológico de Loucura, permaneceu silenciosa
durante muito tempo, tanto na Europa como no Brasil.
Na Europa, até o Renascimento, os loucos viviam pelas ruas e estradas,
sobrevivendo da caridade pública sem, contudo, serem considerados um
problema médico ou político, embora com alguma frequência fossem
confundidos com hereges, feiticeiros e bruxos. Constituíam um problema natural
ou religioso e, segundo RESENDE (1994), o louco-natural até desfrutava de
apreciável grau de tolerância social e de relativa liberdade, isso até o momento
em que o empobrecimento dos camponeses, a urbanização em massa, as
guerras e a Revolução Industrial possibilitaram a terapêutica moral e os Asilos.
No Brasil Colônia e Imperial, o trabalho escravo apresentou conotação
pejorativa especial, o que contribuiu para o precoce e crescente surgimento de
desordeiros e desocupados nas cidades. Então a loucura foi rapidamente
confundida com pobreza, mendicância, vagabundagem e rebeldia social. Como
demonstra SAMPAIO (1988), comportamento desordeiro e falta de dinheiro
justificaram as primeiras internações de loucos, já vislumbrados como doentes,
nas Santas Casas de Misericórdia, em São João Del Rey, Santos, Rio de
Janeiro e Salvador, no início do século XIX.
A modernização dos Asilos, iniciada pela República três anos após a
Abolição da Escravatura, usou as senzalas vazias como novo espaço de
acolhida e tutela aos doentes mentais. De 1890 para cá desenrola-se a história
mais consistente da Psiquiatria brasileira, caracterizada por uma marca bem
identificada por RESENDE (1994): tutela, violência autoritária e exclusão social
dos doentes mentais, considerados como improdutivos órfãos da razão.
A moderna luta brasileira em prol da cidadania da pessoa com transtorno
mental, da organização extra-hospitalar do sistema assistencial, da prática
interdisciplinar e da coordenação municipal de uma política de saúde mental
realiza um salto de qualidade frente a uma história repleta de tentativas
abortadas de reforma, onde o ideal asilar sempre foi dominante (SAMPAIO &
BARROSO, 1996):
A Reforma Clemente Pereira, na década de 1850, ocorreu no bojo da
crise das Regências Trinas e da Maioridade de D. Pedro II e gerou a Era de
Ouro dos Asilos. Dentro do espírito higienista francês da Medicina das Cidades,
o Brasil Imperial ordena os espaços para os escravos (senzala), a morte
(cemitérios públicos), as doenças infecto-contagiosas (sanatórios para lepra e
tuberculose) e a loucura (hospícios). O objetivo é preventivo: isolar da cidade
aqueles que a possam perturbar e excluir os improdutivos.
A Reforma Teixeira Brandão, na década de 1890, após a Abolição da
Escravatura e a Proclamação da República, inaugura a Era das Colônias
Agrícolas. Mesmo os excluídos são chamados a produzir, condição considerada
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pelo Positivismo, a grande filosofia republicana, como prioritária para a saúde
individual e coletiva. Somente o Estado tem poder para excluir, definindo quem é
ou não sujeito do direito. Deste modo são estimulados por todo o país a
estatização dos hospitais e a criação de campos de trabalho.
A Reforma Adauto Botelho, na década de 1940, desenrola-se no centro
do Estado Novo e da primeira grande crise republicana de legitimidade. Uma
prática política autoritário-populista, em franca descoberta dos limites da
manutenção da ordem pública pela força, descobre na assistência médica um
peão estratégico para a sedução das novas massas populares, no limiar da
urbanização e da industrialização. O objetivo é desenvolver campanhas para
atender aos abandonados sociais e criar uma máquina previdenciárioassistencial para os trabalhadores. Assim são criados hospitais psiquiátricos
estaduais por todo o país.
A Reforma Leonel Miranda, na década de 1960, no âmbito do Golpe
Militar, inaugura a Era de Ouro dos Hospitais Privados. O objetivo específico é
ampliar a rede hospitalar até a obtenção de 1 leito para cada 1000 habitantes; o
objetivo geral é criar um sistema de empresas privadas para terceirizar funções
do Estado. De 1964 a 1982 os leitos psiquiátricos cresceram dezesseis vezes
mais rapidamente que a população brasileira. Unindo interesse econômico e
poder político centralizado-autoritário os objetivos foram atingidos, instalando
uma imensa e conservadora máquina liberal-curativa, ainda hoje resistente.
A assistência psiquiátrica no Brasil carrega por muito tempo a fama de
oferecer serviços de má qualidade, de reduzir o complexo fenômeno da doença
mental apenas à sua vertente biológica e de violar constantemente os direitos
humanos e de cidadania dos clientes internados em hospitais psiquiátricos.
A partir do final da década de 70, dentro de um contexto político que
envolve o fim da Ditadura Militar e do centralismo federativo, quando as palavras
de ordem passam a ser Democracia, Ética e Municipalismo, surge o Movimento
Brasileiro de Reforma Psiquiátrica, através do Movimento de Trabalhadores em
Saúde Mental e do Movimento da Luta Anti-Manicomial.
O estabelecimento jurídico do Sistema Único de Saúde-SUS, entre a VIII
(1986) e a IX (1992) Conferências Nacionais de Saúde, permitiu a consolidação
da Reforma Psiquiátrica no Brasil, embora ainda muito tímida (SANTOS, 1997),
que tem por pano de fundo a luta pela aprovação do Projeto de Lei Paulo
Delgado (No. 3657/89). Os determinantes, os concomitantes e as
consequências imediatas da tramitação do Projeto de Lei encontram-se
sistematizados por SAMPAIO, MOURA-FÉ & SANTOS (1997).
Os determinantes foram o diagnóstico e as conclusões emanadas da I
Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada no Rio de Janeiro/RJ, em
1987. Para esta Conferência convergiram aproximadamente uma década de
esforços da sociedade civil e do próprio governo, no sentido de modernizarem a
assistência psiquiátrica brasileira.
Paralelamente à tramitação legislativa do Projeto de Lei, as Organizações
Panamericana de Saúde-OPS, Mundial de Saúde-OMS e das Nações UnidasONU realizaram grupos de trabalho, encontros e documentos, cuja inspiração
converge com a do Projeto de Lei.
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As organizações, associações, autoridades de saúde, profissionais de
saúde mental, legisladores e juristas, reunidos em Caracas/Venezuela, em 1990,
na Conferência Regional das Américas sobre Reestruturação da Atenção
Psiquiátrica no contexto dos Sistemas Locais de Saúde, conclamam os
Ministérios da Saúde e da Justiça, os Parlamentos, a Previdência Social e outros
prestadores de serviços, as organizações profissionais, as associações de
usuários, as Universidades e outros centros de formação, e os meios de
comunicação a apoiarem os movimentos de reforma psiquiátrica, de forma a
assegurar implantação e desenvolvimento qualificado.
A ONU, através de Declaração aprovada na Assembléia Geral de
17.12.91, adota princípios para a proteção de pessoas com transtorno mental e
para a melhoria da assistência à saúde mental das populações, além de
requisitar à Secretaria Geral que inclua os referidos princípios na próxima edição
do documento sobre Direitos Humanos e lhes dê a mais ampla divulgação junto
a povos e governos.
A tramitação do Projeto de Lei e os debates públicos daí emanados
permitiram que se constituísse uma nova regulamentação para as práticas de
saúde mental no Brasil, das quais pode ser destacado o seguinte, para efeito de
exemplificação.
As conclusões da II Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada em
Brasília/DF, em 1992, dão forma a um processo de Reforma Psiquiátrica
baseado nos princípios de atenção integral extra-hospitalar à saúde mental e
respeito aos direitos de cidadania da pessoa com transtorno mental.
A Lei 12.151, de 1993, do Estado do Ceará, dispõe sobre a extinção
progressiva dos hospitais psiquiátricos e sua substituição por outros recursos
assistenciais e regulamenta a internação psiquiátrica compulsória.
O Decreto 9.057, de 1993, institui, no âmbito da Secretaria de Saúde do
Município de Fortaleza, o Programa de Saúde Mental e autoriza a instalação da
Comissão Municipal de Reforma Psiquiátrica.
A Resolução 93, ainda de 1993, do Conselho Nacional de Saúde, resolve
constituir em seu âmbito, a Comissão Nacional de Reforma Psiquiátrica, com os
objetivos de definir estratégias para o cumprimento das Resoluções da II
Conferência Nacional de Saúde Mental e avaliar o desenvolvimento do processo
de reforma psiquiátrica no país.
A Resolução 145, de 1994, do Conselho Nacional de Saúde, recomenda
aos estados e municípios a criação das comissões estaduais e municipais de
Reforma Psiquiátrica, junto aos respectivos Conselhos de Saúde.
A coorte de consequências da simples tramitação do Projeto de Lei é
muito grande e demonstra o amplo eco social despertado. Como resultado de
todo esse processo de discussão e questionamentos, algumas mudanças têm
ocorrido no quadro da saúde mental brasileira, como a redução do número de
leitos e hospitais psiquiátricos asilares, a abertura de leitos em hospitais gerais,
a implantação de hospitais-dia, abrigos protegidos, oficinas protegidas, Núcleos
de Atenção Psicossocial-NAPS e Centros de Atenção Psicossocial-CAPS em
diversas regiões do país.
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O Estado do Ceará tem aproximadamente 7.500.000 habitantes,
distribuídos por 184 municípios, dos quais apenas 31 com mais de 40.000
habitantes, tamanho a partir do qual recomenda-se a existência de uma política
de saúde mental organizada a partir de um CAPS. Nenhuma cidade cearense
com CAPS tem mais de 80.000 habitantes e nenhuma está situada na região de
Sobral. Nenhuma cidade cearense com hospital psiquiátrico tem CAPS.
Fortaleza é um caso à parte - concentra 25% da população do Estado e 80%
dos leitos psiquiátricos, quase exclusivamente de modalidade asilar.
Os municípios cearenses com mais de 40.000 habitantes, quanto ao tipo
de assistência psiquiátrica instalada, podem ser classificados conforme os
Quadros I e II:
QUADRO I
Distribuição dos municípios cearenses com mais de 40.000 habitantes segundo
presença ou ausência de Hospital Psiquiátrico-HP.
POPULAÇÃO
(hab)
mais de 40.000 a
80.000
Mais de 80.000 a
120.000
mais de 120.000 a
160.000
mais de 160.000
CIDADES SEM HP
(28)
Acaraú, Acopiara, Aquiraz, Aracati,
Boa Viagem, Camocim, Canindé,
Cascavel, Crateús, Granja, Itapipoca,
Iguatu, Icó, Limoeiro, Maranguape,
Mombaça, Morada Nova, Pacatuba,
Quixeramobim,
Quixadá,
Russas,
Santa Quitéria, Tauá, Tianguá, Viçosa.
CIDADES COM HP
(3)
Crato.
Maracanaú.
Sobral.
Caucaia, Juazeiro.
Fortaleza.
QUADRO II
Distribuição dos municípios cearenses com mais de 40.000 habitantes segundo presença ou
ausência de Centro de Atenção Psicossocial-CAPS.
POPULAÇÃO
CIDADES SEM CAPS
CIDADES COM CAPS
(hab)
(26 cidades)
(5 cidades)
mais de 40.000 a Acaraú, Acopiara, Aquiraz,
Boa Aracati, Canindé, Iguatu,
80.000
Viagem, Camocim, Crateús, Granja, Cascavel, Quixadá.
Itapipoca, Icó, Limoeiro, Maranguape,
Mombaça, Morada Nova, Pacatuba,
Quixeramobim,
Russas,
Santa
Quitéria, Tauá, Tianguá, Viçosa.
Mais de 80.000 a Crato.
120.000
mais de 120.000 a Maracanaú, Sobral.
160.000
mais de 160.000
Caucaia, Juazeiro, Fortaleza.
Os CAPS que se encontram em pleno funcionamento, modificando de
maneira evidente o perfil da assistência psiquiátrica e inaugurando políticas de
promoção e de prevenção no campo da saúde mental, são produtos da vontade
política dos municípios onde atuam. Eles envolvem hoje 52 trabalhadores e
efetuam, na somatória geral, uma média mensal de 3.000 atendimentos.
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O primeiro CAPS cearense foi inaugurado em novembro de 1991, pela
Secretaria Municipal de Saúde de Iguatu. O segundo, em agosto de 1993, pela
Sociedade Hospitalar São Francisco, entidade filantrópica de Canindé. O terceiro
foi inaugurado em dezembro de 1993, pela Secretaria Municipal de Saúde
Quixadá. O quarto, em maio de 1995, pela Secretaria Municipal de Saúde de
Cascavel. O quinto, e último, CAPS, foi inaugurado em agosto de 1997, pela
Secretaria Municipal de Saúde de Aracati.
Nas cidades com CAPS grandes movimentos sociais estão sendo
desenvolvidos para a criação de núcleos do Movimento da Luta Antimanicomial,
para a criação de Comissões Municipais de Saúde Mental, para a instalação de
leitos psiquiátricos nos serviços gerais de emergência e nos hospitais gerais,
além da aprovação de emendas referentes à Reforma Psiquiátrica nas Leis
Orgânicas Municipais.
JUSTIFICATIVA
1- O Estado do Ceará e o Município de Sobral.
O Município de Sobral faz parte, na divisão político administrativa do Ceará, de
uma micro-região geográfica que se integra a micro-região vizinha para formar a
Área de Desenvolvimento Regional Sobral/Ibiapaba, com território de 11.936
km2 (8,1% do Estado) e 537.960 habitantes (7.2% do Estado).
Sobral conta com uma população de 138.274 habitantes, sendo 53% do
sexo feminino e 47% do sexo masculino, 14% do total menor de 5 anos de
idade. Conforme estimativa do Instituto de Planejamento do Ceará-IPLANCE,
para o ano de 1997, 86% da população sobralense vive em zona urbana e 14%
em zona rural. O quinto mais populoso município cearense apresenta alta
concentração de habitantes/km2 e é um dos mais urbanizados.
Sobral localiza-se na zona do sertão centro–norte do Estado do Ceará e
dista 224 km de Fortaleza, tendo como vias de acesso à capital a BR 222 e a
CE 362.
O relevo do município é acidentado, cortado pelas serras da Meruoca, do
Rosário, Verde, das Andorinhas, da Barriga, Manuel Dias e do Pajé. O solo
apresenta boas condições químicas, mas o relevo, a pedregosidade, a pequena
profundidade da cobertura sedimentar sobre rochas cristalinas, a
susceptibilidade a erosão e evidências de desertificação devida ao manejo
inadequado da terra, prejudicam a exploração econômica e o acesso de
prestadores de serviço aos grupos humanos que permanecem com estilo de
vida rural.
Dos habitantes do município, aproximadamente 80% compõem a
População em Idade Ativa-PIA, da qual 47% integra população que se encontra
trabalhando ou em busca de trabalho, a População Economicamente Ativa-PEA.
Temos, portanto, 53% fora do mercado de trabalho. No geral podemos deduzir
que o trabalho de um sustenta, em média, três pessoas. Devido à juventude
relativa da população, 40% dos que buscam trabalho o fazem pela primeira vez.
Em pesquisa realizada pela revista EXAME (03.12.97), registrou-se
Sobral ocupando o 16.º lugar no ranking das cidades brasileiras emergentes,
propícias para novos investimentos por parte de empresas do sul e sudeste do
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país. É uma boa notícia, no meio de dificuldades que remontam ao fim do último
ciclo de desenvolvimento econômico que a região viveu, no início do século XX.
Mas a mudança dos perfis produtivo e demográfico da região, inevitavelmente
resultará em mudança do perfil epidemiológico da população, sobretudo do
psicossanitário.
2- A assistência psiquiátrica instalada em Sobral.
O município de Sobral, conta hoje com os seguintes atendimentos psiquiátricos:
a) Hospitalar - O município e a micro-região dispõem da Casa de
Repouso Guararapes, hospital psiquiátrico clássico, com 80 leitos de internação
diuturna e 30 leitos de internação-dia (hospital-dia). A clientela apresenta alto
grau de cronificação, com grande tempo de permanência e freqüentes reinternações. A internação diuturna destina-se à área de abrangência e a
internação-dia à cobertura do município. Os leitos psiquiátricos representam 6%
dos leitos hospitalares instalados mas são responsáveis por apenas 3.7% das
autorizações de internação o que demonstra baixa rotatividade.
b) Ambulatorial - No âmbito do atendimento ambulatorial a carência é
grande, pois há pequena quota de assistência pública na Santa Casa de
Misericórdia (conveniada com o SUS) e no Posto de Atendimento Médico-PAM
(próprio do SUS). Existem ainda dois consultórios privados, ambos para
atendimento liberal ou a planos privados de saúde.
3- Diagnóstico crítico de situação.
Conflitos associados à estrutura sócio-econômica, que mantém um abismo
profundo entre excluídos e abastados, que inicia apenas recentemente um
processo de industrialização e mantém tensa as transições rural-urbano e
arcaico-moderno, criam um perfil psicossanitário bastante complexo. Quadros de
deficiências mentais, de demências senis e pré-senis, de transtornos mentais
associados a epilepsia e de psicoses com base orgânica, associam-se ao polo
mais pobre, rural e arcaico da estrutura sócio-econômica. Quadros de abuso e
dependência de drogas (legais e ilegais), de transtornos psicossomáticos, de
neuroses e de psicoses reativas, associam-se ao polo mais rico, urbano e
moderno da mesma estrutura. A complexidade do perfil leva os gestores a
grandes impasses, como o de ter de eleger prioridade onde tudo é prioridade.
Dispomos de duas populações como base para projeções
epidemiológicas: a do município (138.274 hab) e a da área de abrangência
(537.960 hab). Várias pesquisas realizadas no Brasil apontam para a
prevalência de 20% de sofrimento psíquico, isto é, 20% da população pode
apresentar, ao longo de um ano, pelo menos um episódio estruturado de
sofrimento psíquico, o que nos remete para 28.000 hab no município e 107.000
hab na área regional de cobertura. Se o restante da população pode necessitar
de abordagens educativas e de promoção de saúde para não entrarem na
estatística de sofrimento, daqueles 20% identificados, metade beneficiar-se-ia de
abordagens preventivas e a outra metade beneficiar-se-ia de abordagens
terapêuticas. Concentrando nossa visão este último grupo (10%), teremos
14.000 hab no município e 53.500 hab na área regional de cobertura, gerando
no mínimo uma consulta psiquiátrica/ano, um atendimento de emergência/ano
ou uma diária de internação/ano.
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De grande levantamento sobre a assistência psiquiátrica, realizado
recentemente (COSTA et alii, 1997), extraímos o que diz respeito a Sobral:
O Ceará tem instalado 1287 leitos psiquiátricos, dos quais 80 em hospital
geral, 120 em serviços psiquiátricos denominados hospital-dia e 1087 em
hospitais psiquiátricos especializados, o que implica em predomínio absoluto da
modalidade clássica ou asilar de assistência. Sobral não dispõe de leitos
psiquiátricos em hospital geral, dispõe de 30 em hospital-dia (25% da
modalidade) e 50 em hospital psiquiátrico especializado (4.6% da modalidade).
A indicação de internação em hospital geral, reforçada pelas modernas
teorias psicológico-psiquiátricas, de caráter dessegregador e eminentemente
médico, não tem sido seguida em Sobral. Os hospitais-dia, também indicação
moderna e competente, incluídos nos sistemas propostos pelo Movimento
Brasileiro de Reforma Psiquiátrica, têm, no Ceará, representado mais uma
estratégia de sobrevivência de hospitais psiquiátricos clássicos, dos quais são
concebidos como anexo, do que um aparelho revolucionário de cuidados,
integrado a sistema público bem concebido. O hospital psiquiátrico de Sobral,
com mais de 20 anos de funcionamento, tem diminuído o número de leitos,
reduzindo a proporção no total do Estado, mas representa a alternativa
conhecida pela população, naturalizada na cultura local e referência regional,
embora apresente as mesmas características de pobreza terapêutica, de
reducionismo a abordagem bio-farmacológica e de exclusão social atribuídas à
rede.
De janeiro de 1995 a setembro de 1997 (33 meses), a Secretaria
Estadual de Saúde do Ceará registrou 37.515 internamentos psiquiátricos,
contabilizando, de junho de 1995 a setembro de 1997, o gasto de R$ 14
milhões. O hospital psiquiátrico de Sobral recebeu R$ 1.019.213,52, média de
R$ 30.885,24 por mês.
Analisando a composição global dos dados, para o Estado e para os 33
meses do período em foco, cruzando número de internações, número de
clientes, número de re-internações e tempo médio de permanência, o
diagnóstico do sistema aponta para uma grande incompetência: 2/3 das guias
atendem 500 clientes. O SUS/Ceará gasta R$ 14 milhões para manter ocupados
1287 leitos com 500 clientes cronificados, periodicamente re-internados,
enquanto transtornos mentais ocupacionais, crises de desenvolvimento, uso de
drogas, problemas psicossomáticos e somatopsíquicos, neuroses e psicoses
reativas são subdimensionados e maltratados. A comparação com a projeção
epidemiológica feita anteriormente desperta preocupação: o sistema somente
capta casos graves e os cronifica.
Detalhando um pouco mais, o estudo de COSTA et alii (!997), mostra
que, no caso do hospital psiquiátrico de Sobral, pelo menos 10% dos
internamentos foram inadequados, pois não foram de clientes com diagnóstico
de psicose, basicamente o único diagnóstico psiquiátrico a, em situações de
crise, ter internação recomendada. Também é possível identificar alto número de
óbitos, alto número de evasões e nenhuma alta com complementação
ambulatorial sugerida. Este último indicador demonstra a completa ausência de
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um sistema de cuidados, colocando a terapêutica-leito, modalidade onerosa e de
desempenho insuficiente, como única opção.
O hospital psiquiátrico de Sobral custa ao SUS mais caro que o Instituto
de Medicina Infantil de Fortaleza, o Hospital Cura D’Ars de Fortaleza, o Instituto
José Frota/Parangaba, o Hospital Gonzaga Mota/Messejana e o Hospital
Gonzaga Mota/José Walter, por exemplo, e presta serviços mais baratos. Há
algo bem equivocado na lógica do sistema.
Dados da Previdência Pública brasileira apontam para diagnósticos
psiquiátricos, isolados ou associados, como terceiro grupo de motivos para
licenças-saúde e aposentadorias por invalidez. A situação não deve ser
significativamente diferente em Sobral.
Dados da OMS e do Ministério da Saúde do Brasil, no que diz respeito ao
uso de tranqüilizantes menores e antidepressivos, apontam para o seguinte
esquema: de cada 100 unidades consumidas no mundo, 60 o são no Brasil; de
cada 100 unidades consumidas no Brasil, 65 o são por mulheres; de cada 100
prescritas no Brasil, apenas 32 o foram por psiquiatras; de cada 100 consultas
psiquiátricas ambulatoriais no Brasil, 14 estão associadas a dependência de
medicamentos controlados. A situação não deve ser significativamente diferente
em Sobral.
A Vigilância Sanitária do Município de Sobral oferece a seguinte situação,
em referência aos três tranqüilizantes mais usados (Diazepam, Lorazepam e
Bromazepam), para 1996, pois os mapas de 1997 ainda não foram fechados: a
farmácia do PAM dispensou 16.400 comprimidos e as farmácias comerciais
(n=24) venderam 62.000 comprimidos, totalizando um fornecimento mensal de
6.530 comprimidos, excluindo outros tranqüilizantes e antidepressivos, além de
outras fontes de fornecimento. O cálculo per capita não é possível pela falta da
base populacional.
Em Quixadá, onde um CAPS foi criado há mais de quatro anos, vários
resultados muito interessantes já se encontram registrados: a) As transferências
de clientes para internação psiquiátrica em Fortaleza caíram de 240 para seis
por ano; b) A dispensação de tranqüilizantes menores e antidepressivos, pela
Secretaria Municipal de Saúde, que, no caso de Quixadá, tem um grande poder
centralizador, caiu de 9.000 para 3.500 unidades por mês; c) Um serviço
polêmico, àquele momento pouco testado, sobreviveu a processo eleitoral e
transferência do poder municipal entre grupos políticos bem distintos, sem
prejuízo da competência técnica e da credibilidade social.
PROPOSTA DE POLÍTICA E DE SISTEMA DE SAÚDE MENTAL
1- Princípios.
a) Montagem de subsistema de saúde mental integrado ao sistema de saúde, de
modo sistemático, em todos os níveis pertinentes de ação.
b) Existência de rede de referências e contra-referências, crítica, entre os
serviços que compõem o subsistema.
c) Centralidade do subsistema situada em CAPS, não em serviço hospitalar.
d) Vinculação dos usuários ao subsistema e aos serviços, como clientela e
organicamente, com poder de influência, através de associações.
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e) Atuação dos serviços integrada, de modo sistemático, a programas sociaispúblicos e sócio-comunitários.
f) Organização competente de banco de dados e realização de pesquisa para
crítica permanente ao desempenho.
g) Ocorrência sistemática de sessões de estudo e debate de casos clínicos, de
problemas técnicos de organização e planejamento, de determinações e de
consequências sócio-político-econômicas.
h) Trabalho desenvolvido por equipe multiprofissional completa, atuando
segundo lógica interdisciplinar.
i) Existência de supervisão institucional permanente e de supervisões técnicas
específicas quando necessárias.
j) Desenvolvimento de um sistema de coordenação de serviço, por prazo
determinado, escolhido através de consenso do grupo de trabalhadores e
homologado pelo gestor do sistema local de saúde.
k) Oferta de múltiplos projetos terapêuticos integrados, fundamentados em
filosofia de reabilitação psicossocial.
l) Respeito aos princípios gerais do SUS: ética, democratização,
descentralização,
competência, universalidade, equidade, lógica básica
fundamentada na atenção primária e redução crítica de hierarquia
assistente/assistido.
2- Sistema de saúde mental de Sobral.
a) Criação de um Programa de Saúde Mental, com equipe mínima, no PAM,
como tática preparatória da criação de um Centro de Atenção Psicossocial.
b) Criação e instalação do Centro de Atenção Psicossocial de Sobral.
c) Articulação do CAPS/Sobral com o Programa de Saúde da Família-PSF, com
os Agentes Comunitários de Saúde-ACS e com o Posto de Atendimento
Médico-PAM.
d) Criação e instalação de atendimento psiquiátrico de emergência na
emergência geral da Santa Casa de Misericórdia.
e) Modernização do Hospital Guararapes, através da transformação do serviço
de lógica asilar em complexo que ofereça múltiplos produtos: oficina
terapêutica-OT, pensão protegida-PP, hospital-dia-HD, hospital. A
modernização permite a manutenção do equipamento, a manutenção dos
postos de trabalho, a duplicação e a qualificação da cobertura. O Complexo
Guararapes articula-se somente com o CAPS, com ele estabelece sistema de
referência e contra-referência e por ele é supervisionado
f) Articulação da Secretaria de Educação com o CAPS através de programas de
promoção de saúde, de prevenção e de assistência a Epilepsia, Retardo
Mental, Transtornos de Aprendizagem, Abuso de Drogas etc.
g) Articulação da Secretaria de Ação Social com o CAPS através de programas
especiais de combate ao trabalho precoce, ao desemprego de adultos, à
gravidez precoce, à delinqüência infanto-juvenil, ao desamparo da terceira
idade etc.
h) Criação da Comissão Municipal de Saúde Mental, como extensão do
Conselho Municipal de Saúde.
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i) Elaboração e aprovação de aditivo, contendo os princípios da Reforma
Psiquiátrica, à Lei Orgânica do Município.
3- Desenho básico do sistema de saúde mental de Sobral.
⇒
⇐
Emergência
⇓ ⇑
⇐
⇒
⇒
⇐
CAPS
⇓ ⇑
⇐
⇒
POPULAÇÃO
PSF
ACS
PAM
Complexo
Guararapes
BIBLIOGRAFIA
COSTA, Lídia & Cols - Análise de Internamentos Psiquiátricos da Rede
Hospitalar Pública, Contratada e Conveniada pelo Sistema Único de
Saúde no Ceará. Aracati: Centro de Atenção Psicossocial de Aracati,
mimeo, 1997.
RESENDE, Heitor - Política de Saúde Mental no Brasil/Uma Visão Histórica. In
Cidadania e Loucura/Políticas de
Saúde
Mental no Brasil,
organizado por Silvério TUNDIS e Nilson COSTA. Petrópolis: Vozes,
1994, 288p.
SAMPAIO, José J. C. - Hospital Psiquiátrico Público no Brasil/A
Sobrevivência do Asilo e Outros Destinos Possíveis. Rio de Janeiro:
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Dissertação de Mestrado, 1988.
SAMPAIO, José J. C. & BARROSO, Carlos M. C. - Manual de Organização
dos Centros de Atenção Psicossocial. Quixadá: Centro de Atenção
Psicossocial de Quixadá, mimeo, 1996.
SAMPAIO, José J. C., MOURA-FÉ, Nilson de & SANTOS, Antônio W. G. dos Projeto de Lei Paulo Delgado/Um Instrumento da Luta pela Reforma
Psiquiátrica no Brasil. Encaminhado para publicação na Revista
Informação Psiquiátrica, Rio de Janeiro, 1997.
SANTOS, Antônio W. G. dos - Avaliação Crítica dos Centros e Núcleos de
Atenção Psicossocial no Nordeste. Fortaleza: Curso de Mestrado em
Saúde Pública da Universidade Estadual do Ceará, Dissertação de
Mestrado, 1997.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Documentos
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO RIO GRANDE DO SUL - Lei 9.716/92.
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO CEARÁ - Lei 12.151/93.
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MINISTÉRIO DA SAÚDE - Relatório Final do I Encontro de Coordenadores de
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MINISTÉRIO DA SAÚDE - Relatório Final da II Conferência Nacional de Saúde,
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MINISTÉRIO DA SAÚDE - Informativo da Coordenação de Saúde Mental, 1996.
MINISTÉRIO DO INTERIOR E JUSTIÇA - Decreto 24.559/34.
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