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BREVES REFLEXÕES ACERCA DAS DIMENSÕES CULTURAIS DO CURRÍCULO
E SUAS INFLUÊNCIAS NA FORMAÇÃO DOCENTE Lucinéia Silva de Freitas. UEMS
- Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul-Unidade de Paranaíba-MS / UNOPAR/Pólo
de Paranaíba. [email protected]. José Antônio de Souza. UEMS - Universidade
Estadual do Mato Grosso do Sul. [email protected].
Eixo Temático: Formação de Professores
BRIEF
THOUGHTS
ABOUT
THE
CULTURALS
DIMENSIONS
OF
THE
CURRICULUM AND ITS INFLUENCES ON TEACHER'S TRAINING
Resumo: A discussão neste artigo inicia-se com a concretização de uma pesquisa realizada
para término de pós-graduação lato sensu em Docência Superior, da Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul, Unidade de Paranaíba, que teve como foco de investigação o currículo
do curso de Pedagogia da referida Universidade. Assim este texto tem a finalidade de
apresentar uma sucinta reflexão acerca das dimensões culturais do currículo e suas influências
na formação docente. Busca-se, para isso, compreender e discutir teoricamente, cultura e
currículo e suas implicações e interferências na sociedade como veículo ideológico. Dessa
maneira, demonstrar que currículo e cultura são indissociáveis, pois a cultura é constituída nas
práticas sociais que interferem diretamente na elaboração do currículo. Tal discussão permeia
a possibilidade de um trabalho escolar pautado na interculturalidade e no multiculturalismo,
mesmo sendo uma proposta um tanto utópica, se utilizados para realizar a elaboração do
currículo escolar, sua efetividade, pode contribuir para que o sujeito amplie seus
conhecimentos, reconheça que têm direitos, é sujeito ativo, parte constituinte da sociedade.
Nesse sentido, o estudo é alicerçado numa perspectiva qualitativa, e, para embasar a reflexão
acerca deste texto, foi realizada uma pesquisa de cunho bibliográfico.
Palavras-chave: Currículo. Cultura. Formação Docente.
Abstract: The discussion on this article starts with the achievement of a research done for
post-graduation course conclusion in Teaching, by the Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul (State University of Mato Grosso do Sul) in Paranaiba, which focused on checking of
the Pedagogy course curriculum of the mentioned university. Thus this paper aims to present
a brief reflection on the cultural dimensions of the curriculum and its influence on teacher's
1
training. It ittend to understand and discuss theoretically, culture and curriculum and its
implications and interference in society as ideological vehicle. This way, demonstrate that
curriculum and culture are inseparable, because the culture is constituted in social practices
that directly interferes in curriculum development. This discussion permeates the possibility
of a school work founded on the interculturality and multiculturalism, though it may sound
like an utopic proposal, if used to make the curriculum at school, their effectiveness may
contribute to the subject to enhance their knowledge, recognize their rights, that is an active
subject, a constituent of society. In this sense, the study is grounded in a qualitative way, and
to support the reflection on this text, we conducted a bibliographical research.
Keywords: Curriculum. Culture. Teacher Training
1. Introdução
Este artigo apresenta uma breve reflexão sobre dimensões culturais do currículo e suas
influências na formação docente, o qual tem como inspiração parte de um estudo realizado
para uma monografia de conclusão do curso de Pós-Graduação em Docência Superior1.
Nesse sentido, a investigação segue alicerçada numa perspectiva qualitativa já que não
é pretensão quantificar dados, mas interpretá-los. Assim, para iniciar a discussão, buscamos
uma fundamentação teórica sobre cultura e currículo e suas implicações e interferências nos
espaços sociais como veículo ideológico, com o objetivo de demonstrar que currículo e
cultura são indissociáveis, pois a cultura é constituída nas práticas sociais, interferindo
diretamente na elaboração do currículo, o qual intervém diretamente na formação docente.
As considerações finais, conta com uma sucinta explanação reflexiva acerca das
dimensões culturais do currículo e suas influências na formação de professores, com o intuito
de evidenciar os diversos obstáculos existentes no processo de formação docente.
2. A RELEVÂNCIA DA CULTURA E DO CURRÍCULO
2.1 Cultura
1
FREITAS, Lucinéia Silva. Educação do campo: um desafio na formação do pedagogo. 2010. Trabalho de
Conclusão de Curso (Especialização em Docência Superior) - Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul.
Paranaíba-MS, 2010.
2
Conceituar cultura é um tanto complexo, devido à vasta quantidade de conceitos desse
termo. Esses conceitos podem ser diferentes de acordo com as ciências que se apropriarem do
termo, por exemplo, a antropologia possui uma definição para cultura e a sociologia, outra.
Na antropologia, a definição de cultura possui diversas interpretações, que foram
sendo ampliadas no decorrer dos anos. Para este contexto, buscamos em Laraia (2001, p. 33)
o conceito de que cultura é “[...] a compreensão da própria natureza humana, tema perene da
incansável reflexão humana”. Nesse sentido, Murdock (1932 apud LARAIA, 2001, p. 33)
enfatiza a seguinte citação: “Os antropólogos sabem de fato o que é cultura, mas divergem na
maneira de exteriorizar este conhecimento”, com está frase fica nítida a complexidade que
envolve o conceito de cultura na antropologia.
Na sociologia, “[...] cultura é o conjunto acumulado de símbolos, idéias e produtos
materiais associados a um sistema social, seja ele uma sociedade inteira ou uma família”.
(JOHNSON, 1997, p. 59). Percebe-se que o conceito de cultura para os sociólogos está
intimamente ligado à vida social coletiva.
O Ministério da Educação (2008), em conjunto com a Secretaria de Educação Básica
realizaram discussões sobre o currículo, que se intitularam: “currículo, conhecimento e
cultura”. Nessas discussões, definiu-se cultura da seguinte forma:
Quando um grupo compartilha uma cultura, compartilha um conjunto de
significados, construídos, ensinados e aprendidos nas práticas de utilização da
linguagem. A palavra cultura implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das
quais significados são produzidos e compartilhados em um grupo. (BRASIL, 2008,
p. 27).
Dessa maneira, é impossível pensar em cultura dissociada do currículo, pois é por
meio das práticas sociais constituídas e compartilhadas que se fomenta o currículo, ou seja, a
cultura interfere diretamente na sua construção. Nesse contexto, é imprescindível emitir os
conceitos e definições de cultura pautada na cultura do povo e a cultura elitista, que configura
o autoritarismo das elites definidos por Marilena Chauí.
Um primeiro percurso interpretativo poderia conduzir-nos à análise da diversidade
entre a cultura do povo e a das elites a partir de uma questão precisa: a cultura do
povo é ou não uma recusa explícita ou implícita da cultura da elite? Se a resposta for
afirmativa, estaremos diante de duas culturas realmente diferentes que exprimiriam a
existência de diferenças sociais, de sorte que seria preciso admitir que a sociedade
não é um todo unitário, mas encontra-se internamente dividida. Neste caso, o
autoritarismo das elites se manifestaria na necessidade de dissimular a divisão, vindo
abater-se contra a cultura do povo para anulá-la, absorvendo-a numa universalidade
abstrata, sempre necessária à dominação em uma sociedade fundada na luta de
classes. Elite significaria precisamente elitismo e segregação, mas ao mesmo tempo,
3
afirmação de um padrão cultural único e tido como o melhor para todos os membros
da sociedade. (CHAUÍ, 2003, p. 40).
Nessa passagem, a autora é objetiva em suas definições, ao se referir a segregação e a
dominação da cultura elitista sobre a cultura do povo, isso implica em um processo de
dominação, em que o oprimido perde sua identidade e somente reproduz a cultura da elite sem
nenhuma criticidade. A elite, ao emitir um único padrão de cultura, como sendo o melhor
torna-se dominadora e repressora, assim, ocorre o assujeitamento da massa popular em função
da elitista.
Conforme Chauí (2003, p. 40),
Salta aos olhos, então, o caráter paradoxal do autoritarismo das elites, visto que a
idéia de padrão cultural único e melhor implica, por outro lado, simultaneamente, a
interdição do acesso a essa cultura ‘melhor’ por parte pelo menos uma das classes da
sociedade. Assim, negando o direito à existência para cultura do povo (como cultura
‘menor’, ‘atrasada’, ou ‘tradicional’) e negando o direito à fruição da cultura
‘melhor’ aos membros do povo, as elites surgem como autoritarismo por ‘essência’.
Em outras palavras, a expressão ‘autoritarismo das elites’ é redundante.
De acordo Chauí, a elite, ao afirmar um padrão cultural único, segrega, e este padrão
cultural único tem sido aceito como sendo o melhor para todos os membros da sociedade, sem
nenhum questionamento sobre tal cultura imposta. Nesse sentido, é possível afirmar que a
elite considera a sua cultura como sendo superior à do povo, considerando que o povo não é
capaz de construir sua própria cultura, ou seja, cultura capaz de estar no mesmo nível da
cultura elitista, assim prevalecendo o autoritarismo. Será que esse processo de dominação da
cultura elitista não pode ser vencido pela cultura do povo?
Para Chauí, o plano cultural define e é definido pelo campo econômico-social. Isto é, a
hegemonia econômica da elite ratifica sua hegemonia cultural e vice-versa. Sobre isso,
Marilena Chauí nos dirá: A elite está no poder, acredita-se, não só porque detém a
propriedade dos meios de produção e o aparelho do Estado, mas porque tem competência para
detê-los, isto é, detém o saber. (CHAUÍ, 2003, p. 49)
A autora ainda alerta sobre o significado da palavra autoritarismo, pois a tendência é
considerar-se a expressão ligada somente ao “[...] uso da força, a repressão, censura e invasão.
Contudo há uma outra forma mais sutil de exercê-lo no mundo capitalista.” (CHAUÍ, 2003, p.
49).
Essa chamada de atenção sobre outras maneiras de exercer o autoritarismo e fomentar
a ideologia capitalista e elitista, pode-se perceber a ligação direta com a Educação e o
currículo escolar, o qual determina o funcionamento da escola em sua complexidade maior.
4
Esse dado está sendo levantado, neste momento, para referenciar a intrínseca relação entre
cultura e currículo e suas implicações na formação docente.
Neste contexto, foi explanado que o termo cultura vem sendo utilizada a serviço da
elite, levantar hipótese de um trabalho escolar pautado na interculturalidade parece um tanto
utópico, mas há necessidade de sonhar e buscar a superação da alienação, mesmo que esta não
seja possível em sua totalidade.
O Referencial Curricular Nacional, para as Escolas Indígenas (RCNE/Indígena),
define o porquê da palavra intercultural:
Porque deve reconhecer e manter a diversidade cultural e lingüística; promover uma
situação de comunicação entre experiências socioculturais, lingüísticas e históricas
diferentes, não considerando uma cultura superior à outra; estimular o entendimento
e o respeito entre seres humanos de identidades étnicas diferentes, ainda que se
reconheça que tais relações vêm ocorrendo historicamente em contextos de
desigualdade social e política.
Mesmo que a efetivação da interculturalidade na prática não seja fácil, há muitas
barreiras travando este trabalho. Mesmo assim, é importante lutar para que haja relações
igualitárias entre todos que se encontram à margem da sociedade, tais como: os povos do
campo, os negros, os povos indígenas, favelados e outros. A Educação é um direito que deve
estar assegurado e ser construído de maneira a garantir e respeitar o patrimônio linguístico,
cultural e intelectual de todos.
Assim, a participação da comunidade no processo pedagógico da escola em todos os
níveis educacionais é imprescindível para a elaboração de um currículo escolar que contemple
conteúdos curriculares e, no exercício das práticas metodológicas, assume papel necessário
para a efetividade de uma educação específica e diferenciada, que respeite e valorize a cultura
do sujeito.
A preocupação com o resgate das culturas e sua inserção na sociedade, a luta por
relações igualitárias que almejam o fim da dominação da cultura elitista, soma forças com o
multiculturalismo, que “[...] pode ser analisado como sintoma, o indicador de uma mudança
social de grande importância.” (SEMPRINI, 1999, p. 40).
Para melhor entendimento do conceito multiculturalismo Andrea Semprini, ressalta:
[...] a perda de referenciais por parte de numerosos grupos sociais é sem duvida, uma
das causas principais das reivindicações identitárias e multiculturais. [...]
frequentemente, sua única exigência é que se apliquem na realidade da prática social
concreta (educação, trabalho, mobilidade social) a letra e o espírito igualitário da
Constituição e suas leis. (SEMPRINI, 1999, p. 40).
5
A partir dessas instâncias, pode-se considerar que as concepções e princípios que
perpassam a cultura, a interculturalidade e o multiculturalismo, quando utilizados, para
realizar a elaboração do currículo escolar e na sua efetividade, esse contribuirá para que o
sujeito amplie seus conhecimentos, reconheça que têm direitos, e é sujeito ativo e parte
constituinte da sociedade.
2.2 Currículo
O currículo vem sendo alvo de muitos questionamentos, pois não se sabe, de fato, se
este contribui para a humanização e formação do individuo ou se está sendo usado como
mecanismo de reprodução das relações de poderes, assim reproduzindo a ideologia do Estado
elitista. Os questionamentos e discussões em relação à influência do currículo na formação
docente são recentes, de modo que conceituar currículo é um tanto quanto complexo.
De acordo o Ministério da Educação (2008), pode-se definir currículo como:
[...] espaço em que se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes
significados sobre o social e sobre o político. É por meio do currículo que certos
grupos sociais, especialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, seu
projeto social, sua ‘verdade’. O currículo representa, assim, um conjunto de práticas
que propiciam a produção, a circulação e o consumo de significados no espaço
social e que contribuem, intensamente, para a construção de identidades sociais e
culturais. O currículo é, por conseqüência, um dispositivo de grande efeito no
processo de construção da identidade do (a) estudante. (BRASIL, 2008, p. 28).
Mediante esta citação, nota-se, claramente, que a cultura é o alicerce do currículo, ou
seja, cultura e currículo são indissociáveis. Assim, o currículo pode primar por uma formação
crítica ou colaborar com o autoritarismo da cultura elitista, consequentemente, reproduzir o
modelo capitalista, o qual serve a elite.
Nesse sentido, Sacristán (2000, p.13) ressalta que:
O currículo é um conceito de uso relativamente recente entre nós, se considerarmos
a significação que tem em outros contextos culturais e pedagógicos, nos quais conta
com a maior tradição. [...] Nossa cultura pedagógica tratou o problema dos
programas escolares, o trabalho escolar, etc. como capítulos didáticos, mas sem a
amplitude nem ordenação que quer sistematizar o tratamento sobre os currículos. A
prática que se refere o currículo, no entanto, é uma realidade estabelecida através de
comportamentos didáticos, políticos, administrativos, econômicos, etc., atrás dos
quais se encobrem muitos pressupostos, teorias parciais, esquemas de racionalidade,
crenças, valores, etc., que condicionam a teorização sobre currículo. [...] A partir
desta primeira constatação, não será difícil explicarmos as razões pelas quais a
teorização sobre o currículo não se encontra adequadamente sistematizada e uma
legitimação a posteriori das práticas vigentes e também por quê, em outros casos,em
6
menor número, aprece como um discurso critico que trata de esclarecer os
pressupostos e o significado de ditas práticas.
O autor, ao definir currículo, deixa explícito que não se pode reduzir o conceito de
currículo somente em meros programas escolares, pois é inegável a amplitude existente no
que se refere ao currículo, e no que diz respeito à prática, a complexidade aumenta e desnuda
a ideologia encoberta. O currículo está impregnado de ideologias, as quais têm ligação direta
com a cultura implícita na sua elaboração.
Para confirmação de que o currículo está repleto de ideologias, que são frutos das
práticas sociais e culturais, Grundy (1987) define que “o currículo não é um conceito, mas
uma construção cultural. Isto é, não se trata de um conceito abstrato que tenha algum tipo de
existência fora e previamente à experiência humana. É, antes, um modo de organizar uma
série de práticas educativas.” (GRUNDY apud SACRISTÁN, 2000, p. 14).
Para sintetizar, currículo é uma práxis, não sendo um instrumento estático composto
por conteúdos divididos em disciplinas e séries para se reproduzir integramente. O currículo
expressa, na prática, a “[...] função socializadora e cultural que determinada instituição tem,
que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se
encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente
chamamos ensino.”. (SACRISTÁN, 2000, p. 15).
Considerando toda complexidade que envolve o currículo, deve-se esclarecer que,
“[...] à palavra currículo, associam-se distintas concepções, que derivam dos diversos modos
de como a educação é concebida historicamente, bem como das influências teóricas que a
afetam e se fazem hegemônicas em um dado momento.” Isto ocorre por meio dos “[...]
diferentes fatores sócio-econômicos, políticos e culturais [...] “os quais reproduzem o que está
posto e acabam ajudando o fortalecimento do sistema capitalista assim, contribuindo para que
o currículo seja compreendido somente como”:
(a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos;
(b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos;
(c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas
educacionais;
(d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino;
(e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos
procedimentos selecionados nos diferentes graus da escolarização. (BRASIL, 2008,
p.18).
Já mencionamos que o currículo não pode ser reduzido somente a meros programas
escolares, mas diante desta colocação do Ministério da Educação e da Secretaria de Educação
Básica em reflexões sobre o currículo, percebe-se que várias pessoas pensam e discutem
7
currículo, como sendo um simples projeto a ser cumprido, ou seja, não há a preocupação e
necessidade de que os envolvidos no processo ensino/aprendizagem sejam sujeitos
construtores deste currículo.
Nesse contexto, deve-se considerar que o currículo passa a ser um produto de
reprodução do Estado, a serviço da classe dominante, o qual apresenta e reproduz do
estabelecido, sem criticidade do estabelecido. Nesse sentido, podemos afirmar que
As escolas não apenas controlam as pessoas; elas também ajudam a controlar o
significado. Pelo fato de preservarem e distribuírem o que se percebe como
‘conhecimento legitimo’- o conhecimento que todos devemos ter’-,as escolas
conferem legitimidade cultural ao conhecimento de determinados grupos. Todavia,
isso não é tudo, pois a capacidade de um grupo tornar o seu conhecimento o
“conhecimento de todos’ se relaciona ao poder desse grupo em uma arena política e
econômica mais ampla. O poder e a cultura, então, precisam ser vistos não como
entidades estáticas sem conexão entre si, mas como atributos das relações
econômicas existentes em uma sociedade. Estão dialeticamente entrelaçados de
forma que o poder e o controle econômico se apresentam interconectados com o
poder e o controle culturais. (APPLE, 2006, p. 103).
Michael W. Apple, em sua análise, explana que a escola é um mecanismo de controle
que estabelecem uma relação burguesa de poder, esta relação de poder só é possível de ser
estabelecida por meio do currículo, mas, especificadamente, o currículo oculto, sendo notável
que o currículo está impregnado de ideologias explícitas e implícitas.
Partindo desse pressuposto, Apple (2006, p. 130) é categórico em sua afirmação sobre
as implicações do currículo oculto no âmbito escolar, o qual, “[...] serve para reforçar as
regras básicas que envolvem a natureza do conflito e seus usos. Ele impõe uma rede de
hipótese que, quando internalizadas pelos alunos, estabelece os limites de legitimidade”.
A questão do currículo oculto também é ressaltada por Sacristán (2000, p. 43), que
entendemos pela:
[...] a acepção do currículo como conjunto de experiências planejadas é insuficiente,
pois os efeitos produzidos nos alunos por um tratamento pedagógico ou currículo
planejado e suas conseqüências são tão reais e efetivos quanto podem ser os efeitos
provenientes das experiências vividas na realidade da escola sem tê-las planejado, às
vezes, nem sequer ser conscientes de sua existência.
Logo, o currículo em seu maior grau de complexidade colabora tanto diretamente
quanto indiretamente para que aconteçam as efetivações dos controles de dominação da elite,
uma vez que este é elaborado com o intuito de atender um padrão à serviço de uma
escolarização capitalista, dispensando a criticidade.
De acordo com o Ministério da Educação,
8
Cabe destacar que a palavra currículo tem sido também utilizada para indicar efeitos
alcançados na escola, que não estão explicitados nos planos e nas propostas, não
sendo sempre, por isso, claramente percebidos pela comunidade escolar. Trata-se do
chamado currículo oculto, que envolve, dominantemente, atitudes e valores
transmitidos, subliminarmente, pelas relações sociais e pelas rotinas do cotidiano
escolar. Fazem parte do currículo oculto, assim, rituais e práticas, relações
hierárquicas, regras e procedimentos, modos de organizar o espaço e o tempo na
escola, modos de distribuir os alunos por agrupamentos e turmas, mensagens
implícitas nas falas dos(as) professores(as) e nos livros didáticos. São exemplos de
currículo oculto: a forma como a escola incentiva a criança a chamar a professora
(tia, Fulana, Professora etc); a maneira como arrumamos as carteiras na sala de aula
(em círculo ou alinhadas); as visões de família que ainda se encontram em certos
livros didáticos (restritas ou não à família tradicional de classe média). (BRASIL,
2008, p.18).
Dessa maneira, é possível perceber, nitidamente, as relações de poder presentes no
currículo, tanto as visíveis como as invisíveis, que são validadas por Sacristán (2000, p. 17):
Os currículos são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que gravitam sobre
o sistema educativo num dado momento, enquanto que através deles se realizam os
fins da educação no ensino escolarizado. Por isso, querer reduzir os problemas
relevantes do ensino à problemática técnica de instrumentar o currículo supõe uma
redução que desconsidera os conflitos de interesses que estão presentes no mesmo.
Portanto, o currículo pode ser considerado como um órgão vital para o funcionamento
da escola, isto nos torna responsáveis nos processos educacionais, pela sua elaboração e
manutenção. O educador, todos profissionais da educação, discentes e comunidade externa no
processo curricular são indispensáveis, pois são por meio do currículo que as identidades são
construídas, reconhecidas e suas culturas valorizadas. Tudo isso é materializado nas salas de
aulas, dessa forma, a relevância da participação de todos na construção dos currículos, das
discussões e reflexões permanentes em relação ao currículo e o currículo oculto.
Considerações finais
Diante da discussão apresentada neste artigo, podemos perceber a estreita relação
existente entre cultura e currículo, que interfere de forma direta na formação docente. Assim,
a formação teórica que o futuro professor recebe, ao longo de sua formação, é essencial para
sua prática, pois é por meio das teorias que são realizadas a materialização das aulas, ou seja,
são as teorias que compõem o currículo que dão vida às aulas. E quando o docente recebe
uma formação voltada para a reprodução, com conteúdos ministrados sem reflexão, os
resultados podem ser desastrosos para sociedade como um todo.
Nesse sentido, o professor deveria gerar situações de interação significativa e
permanente, propiciando aos discentes apropriações e objetivações dos conhecimentos,
9
promovendo não só o estudo dos conteúdos, mas das formas metodológicas que permitam a
utilização do conhecimento sócio-histórico e cientifico - tecnológico para intervir na
realidade, criando novos conhecimentos. Dessa maneira, é fundamental a superação do
aligeiramento/esvaziamento da formação docente, assim é importante termos um currículo
pautado na interculturalidade e no multiculturalismo, objetivando que sua efetivação
contribua para que o sujeito amplie seus conhecimentos, reconheça que têm direitos, é sujeito
ativo e parte integrante da sociedade.
Por isso a sociedade deve lutar por um ensino igualitário, dando oportunidades a
todos, proporcionar, ou melhor, provocar a reflexão do discente frente aos conhecimentos
científicos, para este ter possibilidade de sair da alienação, se isso for possível.
Portanto, é extremamente relevante primar por um currículo que integre a cultura, a
interculturalidade e o multiculturalismo em uma busca constante de conhecimento teórico,
então, talvez, consiga-se alcançar uma formação docente, que prime por um processo
ensino/aprendizagem de forma significativa.
Referências
APPLE, Michael W. Ideologia e Currículo. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.
BRASIL, Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica. Indagações sobre o
currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: MEC/SEB, 2008.
______. Ministério da Educação e Desporto; Secretaria de Educação Fundamental. O
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CHAUÍ, Marilena Sousa. Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas. 10.
ed. São Paulo: Cortez, 2003.
FREITAS, Lucinéia Silva. Educação do campo: um desafio na formação do pedagogo. 2010.
Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Docência Superior) - Universidade
Estadual do Mato Grosso do Sul. Paranaíba-MS, 2010.
JOHNSON, A. G. Dicionário de sociologia: guia prático da linguagem sociológica. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
LARAIA, R. B. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: JorgeZahar,
2001.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. 3. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2000.
SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
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