FILOSOFIA PERENE DO DIREITO PERENNIAL PHILOSOPHY OF LAW José Antonio Tobias1 Rosmar Tobias2 Resumo: Inegavelmente o direito tem sido aplicado entre os homens desde os tempos mais remotos, servindo de instrumento capaz de trazer a pacificação social. Ocorre que as ideias acerca de uma filosofia do direito, sob o ponto de vista científico, acompanham o homem há poucos séculos. Esta tentativa de se expor uma filosofia científica do direito sempre esteve cindida pela linha divisória do conceito de direito natural, nascendo daí o Jusnaturalismo, com a Filosofia Perene do Direito, quase sem tradição científica no mundo jurídico e desconhecida no direito brasileiro, de um lado, e o Juspositivismo, com a Filosofia Positivista do Direito, de outro lado, dominante de modo quase exclusivo no cenário jurídico pátrio de hoje. Eis a importância da filosofia perene para fins de buscar estes elos imprescindíveis para uma boa compreensão do fenômeno jurídico e da aplicação do direito na sociedade, recuperando cisões deixadas pela influência de tantos movimentos temporais e tantas ideologias que acabaram por desembocar no atual estágio positivista de entender a norma jurídica. Palavras-chave: Filosofia Perene; Direito Natural; Positivismo. Abstract: Undeniably the law has been applied among men since ancient times, serving as an instrument able to bring social peace. It happens that the ideas about a philosophy of law, especially under a scientific point of view, follow the man a just for few centuries ago. This attempt to explain a scientific philosophy of law has always been split by the dividing line of the concept of natural law, hence born the natural law, to the Perennial Philosophy of Law, with almost no scientific tradition in the legal world and unknown in the Brazilian law, on the one hand, and Juspositivism, with the positivist philosophy of law, on the other hand, almost exclusively dominant in the legal paternal scenario, nowadays. Hence the importance of the perennial philosophy for the purpose of these links are essential to get a good understanding of the phenomenon of legal and law enforcement in society, recovering divisions left by the influence of time and many moves so many ideologies that eventually flows into the current stage of understanding positivist the rule of law. Keywords: Perennial Philosophy; Natural Law; Positivism. SUMÁRIO Introdução. 1. Objeto material e objeto formal. 2. Filosofia perene: tão antiga quanto o homem. 3. O direito costumeiro, os códigos e a filosofia perene. 3.1 O costume e o direito costumeiro. 3.2 A escola histórica do direito. 3.3 Filosofia perene e escola histórica do direito. 4. Os códigos antigos. 5. Os primeiros pensadores do direito. 6. Os primeiros filósofos da filosofia do direito. 7. O jusnaturalismo. Considerações finais. Referências Bibliográficas. 1 Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Santo Tomás de Aquino” de Uberaba (MG); Doutor e Livre-Docente em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 2 Professora, Diretora Pedagógica do Curso de Direito da Faculdade de Alta Floresta – FADAF. DR.ª. em Ciências – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília. INTRODUÇÃO Por que Filosofia “Perene” do Direito? O motivo é que todas as outras filosofias do direito, por exemplo a positivista, a kantiana ou a marxista, são temporais e nenhuma é perene porque são de vida curta, cada uma conforme a existência de seu fundador: Comte, Kant ou Marx, ou qualquer outro. A Filosofia Perene do Direito, pelo contrário, é perene e vara o tempo e os séculos porque não tem fundador. Na realidade, seu fundador é a natureza humana, ou mais preciso, a razão humana e o direito natural. 1. OBJETO MATERIAL E OBJETO FORMAL Existem princípios e metodologias, úteis ou mesmo indispensáveis, mas como foram ou ainda são usados pelos “antigos”, às vezes são abandonados por certos “modernos”, que fazem deles chacota ou silenciosamente os ignoram, tachando-os de retrógrados e deles não tomando conhecimento, tanto em seus escritos quanto em suas aulas. Um desses assuntos é a distinção científica e prática entre objeto material e formal de uma ciência como é o caso no estudo da Filosofia Perene do Direito. Mas, para explicar a necessidade do conhecimento do objeto material e formal, inclusive no presente estudo, preliminarmente é preciso expor o que é objeto material e formal. Como o próprio nome indica, objeto material é a matéria que a ciência ou o estudo focaliza; na Filosofia Perene do Direito, o material, ou mais preciso, o objeto material que ela estuda é o direito. Já o objeto formal de uma ciência ou de um estudo é o ponto de vista sob o qual o objeto material é focalizado; na Filosofia Perene do Direito, o objeto formal será estudar o direito sob o ponto de vista das causas supremas do direito. Iniciando-se, portanto, o estudo da Filosofia Perene do Direito, a primeira coisa a ser estudada, como se falou acima, é a existência da matéria do direito desde seu início, porque o adjetivo “perene” mostra a existência do direito desde o começo da humanidade até hoje; do contrário, não seria Filosofia “Perene” do Direito. 2. FILOSOFIA PERENE: TÃO ANTIGA QUANTO O HOMEM Salvo a Filosofia Perene, as filosofias do direito são recentes, são de vida curta e começaram com a existência de seus fundadores; por exemplo, a Filosofia Kantiana do Direito começou com Immanuel Kant (1724-1804), a Filosofia Hegeliana do Direito com Georg W. F. Hegel (1770-1831), a Filosofia Positivista do Direito com Augusto Comte (1798-1857), a Filosofia Marxista do Direito com Karl Marx (1818-1883) e assim por diante. Ora, a Filosofia Perene do Direito, como seu nome indica, é tão antiga e tão venerável quanto a existência do homem. Desde que existe a espécie humana, o material da Filosofia Perene do Direito, que é o próprio direito, nasceu e cresceu em seus dois sentidos: primeiro, no sentido objetivo, aquele da definição tradicional de Tomás de Aquino: “o direito é o objeto da justiça”3, onde objetivo deriva de objeto; segundo, no sentido subjetivo, enquanto indica a relação pela qual uma coisa é referida a outrem como sua. Esses dois sentidos, existentes no homem desde seu início, constituem o objeto material, quer dizer, a matéria da Filosofia Perene do Direito. Tomado em sentido objetivo, o direito, através dos tempos, veio originar o direito positivo entre os homens e entre os povos. O homem primitivo sempre teve e manteve estreito relacionamento com Deus ou com os deuses, sobretudo através do casamento e da família, como magistralmente escreve e documenta Fustel de Coulanges em sua A Cidade Antiga. Mas, antes de originar o direito positivo e mesmo antes de originar o direito em seus dois sentidos, acima explicados, o direito é direito; em outras palavras, o direito, antes de todos os outros direitos, inclusive também antes do direito positivo, é direito natural que, como o nome indica, vem da natureza, isto é, da natureza humana do homem. Como se explanou longamente atrás, o direito natural, derivado da lei natural, é uma qualidade da natureza humana, é a fonte de todas as leis feitas pela razão humana. Isso é uma linha divisória de águas e de separação de todas as outras filosofias do direito que negam o direito natural, como é classicamente mostrado pela filosofia e tradição do Positivismo e do Juspositivismo, quando este é derivado de Grotius, de Hobbes, de Pufendorf e de Rousseau. Segundo o mundo antigo, a lei natural e o direito natural têm origem divina, vêm dos deuses. Exemplo histórico e clássico a este respeito é o representado por Antígona, tragédia de Sófocles (494a.C.–406a.C.). Condenada à morte, morre presa numa tumba. Contudo, ao enfrentar o rei Creonte, Antígona diz a célebre frase que a imortalizou ao interpretar e 3 AQUINO, Santo Tomás de. Summa Theologiae. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, 1956, 2-2, quaestio 57, articulus 1. personalizar a lei natural e o direito natural: “As leis e ordens do rei Creonte eram inferiores e submetidas às leis não-escritas e imutáveis dos deuses, existentes desde todo o sempre”. É nesta lei natural e neste direito natural que se fundamenta a Filosofia Perene do Direito. 3. O DIREITO COSTUMEIRO, OS CÓDIGOS E A FILOSOFIA PERENE 3.1 O COSTUME E O DIREITO COSTUMEIRO Desde o início da humanidade, o homem, sua família, seu clã e sua sociedade, seja ela qual for, sempre foram mantidos, vivenciados e continuados através de atos humanos, de ações e de hábitos que acabaram gerando os costumes de cada uma dessas sociedades. O costume, portanto através do uso prolongado e repetido, de um lado, baseando-se no passado da sociedade primitiva, tornou-se a cristalização e a síntese encarnada dos hábitos sociais e, de outro lado, perante o futuro da mesma sociedade, veio a adquirir o status de obrigatoriedade e de uma certa respeitabilidade e sacralidade. Daí que o costume, com o tempo e com a repetição, conquistou o nível e a força de norma, mas de norma social, ou de norma de conduta coletiva para as gerações vindouras. Quando chegou o costume a este alto nível de conjunto de normas sociais e, quando para completá-lo, foi assumido e depois imposto pelo Estado, adquiriu o máximo de altura: tornou-se direito, originando, assim, finalmente o Direito Costumeiro, que pode, portanto, “ser definido como um conjunto de normas de conduta social, criadas espontaneamente pelo povo, através do uso reiterado, uniforme e que gera a certeza da obrigatoriedade, reconhecidas e impostas pelo Estado”.4 Os códigos, por conseguinte, que constituem os costumes cristalizados e escritos, vão se transformar no veículo de passagem do costume, norma oral de conduta social, para norma escrita de conduta social, que cristaliza por isso, o Direito Costumeiro, que, desse modo e daí para diante, passa a ser o símbolo e a força da lei. Em consequência disso, e para traduzir a passagem do costume para lei e para o Direito Costumeiro, é tradicionalmente apresentada, em latim, a seguinte estrofe de um jurista francês, Jacques Cujas (1520-1590), em português, Cujácio, que sabiamente diz: Quid consuetudo?... O que é o costume? - Lex non scripta... É a lei não escrita. Quid lex?... O que é a lei? 4 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 150-151. Itálicos de Paulo Nader. - Consuetudo scripta... É o costume escrito”.5 O Direito Costumeiro é, portanto, o primeiro direito escrito e codificado. Todavia, os progressos da ciência, sobretudo depois do século XIX assim como a tecnologia que impregna o direito vão impulsionando o Direito Costumeiro e globalizando-o cada vez mais e provocando não só a diminuição da antiga passagem longa e regionalizada da transformação do costume em lei mas também fazendo crescer a diminuição do predomínio do Direito Costumeiro. 3.2 A ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO A partir do início do século XIX, na Alemanha, sobretudo sob a influência de Kant e seus discípulos, desenvolveu-se o Racionalismo, que ensinava que o direito vem de cima para baixo, isto é, vem da razão humana e do método dedutivo. A reação contra essa tendência nasceu e cresceu na Alemanha com a Escola Histórica do Direito, justamente fundamentada no costume e no Direito Costumeiro, exagerando-os, radicalizando-os. Segundo a Escola Histórica do Direito, só o povo, isto é, somente a História faz não só o Direito Costumeiro mas todo direito, como acontece também, segundo os partidários da Escola Histórica do Direito, para a Moral, para a religião, para os costumes e para todo direito, o qual seria uma derivação vindo de baixo para cima, isto é, da História e da consciência do povo, única fonte de todo e de todos os direitos. Conclusão da Escola Histórica do Direito: de um lado, o direito é regional, é variável de acordo com a história de cada povo e, de outro lado, não existe direito universal, nem direito natural e nem direitos naturais. 3.3 FILOSOFIA PERENE E ESCOLA HISTÓRICA DO DIREITO O Direito Costumeiro é ciência experimental, é ciência de constatação, é uma coletânea de leis de um povo. Já a Escola Histórica do Direito, não; ela só admite o direito que se origina dos costumes de um povo e de sua história, não estuda causas supremas e, por isso, não é Filosofia; é essencialmente diferente da Filosofia do Direito que procura saber o que é, a finalidade e a origem do direito, é ciência de reflexão, cujos princípios sustentam o Direito Costumeiro e todos os direitos. 5 Tradução minha. A Filosofia do Direito é diferente da Escola Histórica do Direito porque, segundo esta, somente existe o direito que se origina dos costumes e da História. Ora, a Filosofia Perene do Direito ensina, como a Filosofia Histórica do Direito, a existência e o uso do direito oriundo do Direito Costumeiro, mas vai muito além, ensinando igualmente a existência e o uso dos direitos originados do direito natural, da razão humana, da Moral e de Deus. 4. OS CÓDIGOS DOS ANTIGOS A Filosofia Perene do Direito, continuando a expor o florescimento da lei natural e do direito natural, chega aos códigos da antiguidade, semelhantes à Constituição Federal dos tempos modernos. O código, em falta de uma Constituição Federal, acabou fazendo no mundo antigo o papel da Constituição (Federal) do mundo moderno. A diferença essencial entre o código e a Constituição Federal é que o código em geral é originado de uma única pessoa física: Moisés, Hamurabi, Drácon ou Sólon, enquanto a Constituição Federal, direta ou indiretamente, brota do povo. A semelhança essencial entre o código e a constituição é que ambos atendem, num só texto legal, aos anseios e aos direitos do povo. Os Dez Mandamentos de Moisés é um dos códigos mais antigos da humanidade. Suas particularidades: 1.º - veio direto de Deus; 2.º - não foi retirado, por uma pessoa física, de direitos positivos anteriores e escritos; 3.º - originou-se de um governo teocrático. O Código de Ur-Nammu, na Suméria, por volta de 2050 a. C., é tido por um dos mais antigos do mundo. O Código de Hamurabi, elaborado por ordem do Rei Hamurabi, que reinou em Babilônia de 1792 a 1750 a. C., é um típico exemplo de Filosofia Perene do Direito porque representou a consolidação de 282 leis de Babilônia que, retiradas do rol e do nível de leis positivas, foram elevadas ao nível de leis federais. O Código de Hamurabi, aplicado por mais de mil anos em Babilônia e na Assíria, era a síntese das leis positivas desses povos compendiadas em 282 artigos que tratavam, entre outros assuntos, da família, do cultivo dos campos, do comércio, do trabalho e da compra de escravos. Depois aparecem outros códigos, como, na Grécia, o de Drácon, elaborado a partir de 621 a. C.; o de Sólon, de 640 a. C. até por volta de 560 a. C. e, em Roma, a Lei das Doze Tábuas, promulgada em 452 a. C. As três primeiras tábuas eram alusivas ao processo civil; as quatro seguintes, ao direito civil; a oitava, ao direito penal; a nona, ao direito público; a décima, à religião e as duas últimas, a matérias complementares das oito anteriores. A Lei das Doze Tábuas, que é o primeiro direito romano escrito e constitui a base de toda a ordem jurídica romana, sempre foram respeitadas pelos romanos como sua fonte primordial do direito e, por isso, na realidade nunca chegaram, até hoje, a ser formalmente abolidas. Na história da Filosofia Perene do Direito, a Lei das Doze Tábuas, que já podem ser consideradas estudos e ciência do direito, representam muito bem a transição dos direitos positivos antigos e isolados para a ciência do direito. Assim sendo, esses códigos e a Lei das Doze Tábuas já constituem uma primeira reflexão sobre os direitos antigos. Não é ainda reflexão filosófica que irá perguntar: o que é o direito, qual a finalidade do direito, ou se o direito da Lei das Doze Tábuas é direito? É simplesmente uma reflexão, síntese de uma preocupação prática de um rei ou de um monarca procurando o bem de seu povo; não constitui ainda uma reflexão filosófico-especulativa sem finalidade prática. 5. OS PRIMEIROS PENSADORES DO DIREITO Devagar, pensadores, como Platão, Aristóteles e Tomás de Aquino, entre dezenas de outros, vão passando do material, isto é, do objeto material do direito, constituído pela criação dos direitos positivos, civis, religiosos ou militares, para a formalidade, isto é, para a reflexão sobre os diversos direitos. Típico a este respeito é todo o trabalho jurídico encerrado num estado político, isto é, num país ou num povo como se encontra compendiado na República e nas Leis, de Platão, ou na Política, de Aristóteles. O mesmo, com as devidas mudanças, se pode afirmar a respeito dos escritos de Tomás de Aquino, dos árabes e dos escolásticos, no que eles já contêm de reflexões sobre o direito, reflexões estas que constituem o segundo nível para se chegar ao terceiro nível, onde se situa o início da reflexão filosófica sobre o direito, o nível próprio da formalidade, isto é, do objeto formal do direito e da Filosofia Perene do Direito. 6. OS PRIMEIROS FILÓSOFOS DA FILOSOFIA DO DIREITO Enfim, nos séculos XVII e XVIII, aparecem os primeiros pensadores que começam, de modo explícito e profundo, a se questionar e a questionar os outros sobre: 1.º - o que é o direito?; 2.º - existe o direito natural?; 3.º - qual é a origem do direito?; 4.º - a origem do direito é a natureza humana, é a razão humana, ou nenhuma delas?; 5.º - qual é a finalidade do direito?; 6.º - existe o Jusnaturalismo?; 7.º - se sim, o que ele é?; 8.º - qual a participação da natureza humana ou da razão humana no Jusnaturalismo? E, assim, para outras perguntas, novas, na História da Humanidade e da Filosofia do Direito. Esses pensadores e essas e outras perguntas é que vão fazer aparecer a Filosofia Perene do Direito com sua formalidade filosófica de estudo das causas supremas do direito. Dentre esses pensadores sobressaem Hugo Grócio (Grotius - 1583-1645), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Samuel Pufendorf (1632-1694). O problema central para esses filósofos do direito é o relacionamento entre a natureza humana, sobretudo entre a razão humana e o direito, tanto o direito natural quanto o direito positivo. Assim se inaugurou a existência do Jusnaturalismo dentro da História do Direito e particularmente dentro da Filosofia Perene do Direito. 7. O JUSNATURALISMO Segundo a etimologia latina, o Jusnaturalismo, “jus=direito + naturalis=natural”, é a filosofia do direito natural, que tem seu início no século XVII com Hugo Grócio (15831645). O nome está bem aplicado e corresponde ao conceito de Filosofia Perene do Direito porque o único direito perene é o direito natural, que permanece através dos séculos; de agora em diante, não mais expondo o objeto material da Filosofia do Direito mas já entrando no estudo de suas causas supremas. De início, o Jusnaturalismo enfatiza a origem, isto é, a causa eficiente do direito natural em sua relação ou na negação de sua relação com Deus e com a moralidade. Como resultado disso vão originar-se a autonomia e o posterior endeusamento da razão humana, que inventará criações e conceituações da natureza humana sem nenhuma ligação nem com Deus e nem com a moralidade, sobretudo com a moralidade objetiva. Como consequência, o Jusnaturalismo fica dividido em duas espécies: 1°. – o Jusnaturalismo de tipo objetivo e material, que admite a moralidade objetiva e material e, por isso, fica dentro da Filosofia Perene do Direito; 2°. – o Jusnaturalismo de tipo subjetivo e formal, que nega Deus e a moralidade, admitindo a razão humana, com autonomia absoluta e total, ficando assim fora da Filosofia Perene do Direito. No primeiro sentido, que admite Deus e a moralidade, o Jusnaturalismo se identifica com a lei natural (a sindérese), é a origem da moralidade objetiva que, como se analisou atrás, depende de seu objeto, circunstâncias e finalidades; em última instância, depende do objeto em si que, em outros termos, acaba enraizando-se no direito natural, porque se matar é mal moral e se amar ao próximo e a si mesmo é bem moral é porque, nesses casos, tanto do mal moral quanto do bem moral, tudo deriva da lei natural e do direito natural que são a própria natureza enquanto é a origem deles. No primeiro sentido, o direito é, portanto, a própria natureza humana, enquanto através da razão humana, independente da sociedade e do voto popular ou da vontade do Estado, determina o que é bem moral e mal moral e remotamente determina a moralidade objetiva dos Estados e dos indivíduos. Este é o primeiro sentido de Jusnaturalismo. O segundo sentido de Jusnaturalismo, chamado de Jusnaturalismo de tipo subjetivo e formal, de um lado afasta todo relacionamento do direito natural com Deus e com a moralidade e, de outro lado, eleva a razão humana, endeusando-a, em lugar de Deus e da moralidade e colocando-a como a autora da regulamentação necessária das relações humanas. Conclusão: agora o direito natural, trancado dentro da razão humana, cria duas espécies de natureza humana: a) a primeira, supondo-a social, como em Grócio, Pufendorf e Locke; b) a segunda, tendo a natureza humana como associal ou radicalmente individualista, por exemplo, em Hobbes, criador, por isso, do Leviatã; ou em Rousseau, este tão contra o social e a sociedade, que é apontado,por alguns, como um dos inspiradores do Comunismo. Esses são já os extremismos a que chegou o direito natural, ou melhor, o Jusnaturalismo, em seu segundo sentido, de um lado, suprimindo todo suporte externo e metafísico de um Ser Supremo e, de outro lado, trancando-se a si mesmo e à razão humana dentro de si próprios. Grócio, considerado o fundador da “ciência do direito natural” e apesar de estar cercado de pessoas e de autores católicos, acabou também sendo o iniciador da laicização do direito natural. Ora, pondera Hermes Lima, “as escolas de direito natural, que sucederam à concepção jurídico-teológica do cristianismo, apesar da preocupação de obterem uma base humana para o direito natural, caíam igual e invariavelmente sob a influência de princípios metafísicos. Aliás, dessa fatalidade não pode fugir nenhuma concepção de direito natural. A concepção postula necessariamente um fundamento metafísico, um fundamento fora e acima da experiência”.6 Tão verdadeiro é o princípio, acima exposto, de Hermes Lima, que Hobbes, com sua razão humana e seu direito natural, acabou criando uma sociedade de pessoas brigando e guerreando umas contra as outras, justificando, de um lado, o provérbio: “Homo homini lupus est (“O homem é lobo para outro homem”) e, de outro lado, a necessidade que Hobbes teve de criar seu famoso Leviatã, monstro, simbolizador do Estado totalitário e da autoridade civil despótica, que devora e destrói os direitos civis. A outra herança de Grócio e de seu direito natural, livre de qualquer ser superior e submetido exclusivamente à razão humana, é a filosofia de Jean-Jacques Rousseau que, ao 6 LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito. 33. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 2002. p. 212. constatar a impossibilidade da convivência humana em sociedade por efeito de sua razão humana sem nenhum ser superior, criou um pacto social, com o nome Do Contrato Social, com a finalidade de evitar a extinção da raça humana. COBSIDERAÇÕES FINAIS A História da Filosofia Perene do Direito é a História do Direito Natural. É o que se procurou fazer de modo expositivo, mas não histórico, no presente escrito sobre a Filosofia Perene do Direito. Os três assuntos “Ser Supremo, razão humana e direito natural” estão íntima e essencialmente interligados. Contudo, a ordem natural é a seguinte: Ser Supremo, razão natural e direito natural e não pode ser mudada ou ter qualquer uma de suas três partes supressa. Aliás, para ser mais explícito, a ordem natural é de quatro elementos: Ser Supremo, natureza humana, razão humana e direito natural. Outra conclusão: o Jusnaturalismo, de tipo formal e subjetivo, que nega Deus e a moralidade na origem do direito natural, erigindo a razão humana como norma suprema do direito natural, não se enquadra dentro da Filosofia Perene do Direito, seja quando toma a natureza humana como social, exemplos em Grotius, Pufendorf e Locke, seja quando toma a natureza humana como associal ou individualista, exemplos em Hobbes, Spinoza e Rousseau. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AQUINO, Santo Tomás de. Summa Theologiae. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, 1956, 2-2, quaestio 57, articulus 1. COULANGES, Fustel. Editora das Américas S.A. - EDAMERIS, São Paulo, 1961 LIMA, Hermes. Introdução à Ciência do Direito. 33. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 2002. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.