Contenção física de pacientes em CAPSAD por Guarda Municipal

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PARECER Nº 2456/2014 CRM-PR
PROCESSO CONSULTA N.º 09/2014 – PROTOCOLO N. º 2469/2014
ASSUNTO: CONTENÇÃO FÍSICA DE PACIENTES EM CAPS AD
PARECERISTA: CONS. MARCO ANTONIO DO SOCORRO MARQUES RIBEIRO BESSA
EMENTA: Contenção física de pacientes em
CAPSAD por Guarda Municipal ou Polícia Militar.
CONSULTA
Em correspondência encaminhada a este Conselho Regional de Medicina, o Dr.
XXX, formula consulta com o seguinte teor:
“Trabalho no CAPS AD. Às vezes paciente chega intoxicado e agressivo. Muitas
vezes não aceita a medicação e fica agitado e agressivo com a equipe, nos colocando em risco.
Infelizmente o SAMU demora muito – dúvida: a guarda municipal ou policia militar tem respaldo
legal para ajudar na contenção física destes pacientes, podemos chama-los? Justificativa: Em
breve estaremos funcionando 24 horas com 20 leitos de internação para Dependentes Químicos.
Precisamos saber o que diz a lei a este respeito.”
FUNDAMENTAÇÃO E PARECER
Considerando a Resolução CFM no. 2057/2013
Considerando a Resolução CFM 1952/2010
Considerando o PARECER CFM N.º 01/2011,
Considerando o PARECER CFM N.º 1317/2001,
Considerando a PORTARIA N.º 224/1992,
Considerando a PORTARIA MS/GM N.º 336/2002.
Considerando a PORTARIA MS/GM N.º 3088/2011.
Considerando a PORTARIA MS/GM N.º 121/2012,
A resposta será fundamentada primeiro na definição médica do quadro de agitação
psicomotora, da sua forma e de suas condições técnicas de tratamento e a seguir, nas
determinações do Conselho Federal de Medicina.
Agitação psicomotora é uma emergência psiquiátrica, cuja intervenção terapêutica
imediata é imperativa. Existem diversas definições de agitação psicomotora e agressividade na
literatura médica, com variadas implicações do ponto de vista médico, científico e jurídico. O
comportamento agressivo pode ser definido como aquele que inflige danos morais e/ou físicos ao
próprio paciente e aos demais. A agitação psicomotora é caracterizada por inquietação, aumento
da excitabilidade psíquica, resposta exacerbada aos estímulos, irritabilidade, atividade motora e
verbal
aumentada,
inadequada
e
repetitiva,
podendo
cursar
com
agressividade.
Frequentemente associada à insônia, logorreia e hostilidade. A agitação pode ter um curso
flutuante, podendo modificar-se rapidamente ao longo do tempo. Geralmente está marcada pela
ausência de autocrítica do paciente sobre seu estado. Pode ser dividida, segundo Dalgalarrondo
(2000), em nove subtipos:
Agitação maníaca: secundária a um intenso taquipsiquismo. O indivíduo se
apresenta logorreico, inquieto, com ideias de grandeza e desinibição social.
Agitação paranoide: secundária ao delírio paranoide e alucinações. O paciente se
mostra desconfiado, hipervigilante, potencialmente agressivo e hostil, pronto para defender-se das
possíveis ameaças que supostamente o cercam.
Agitação catatônica: agitação impulsiva e intensa com movimentos repentinos e
explosões agressivas.
Agitação no Delirium: com origem orgânica. Além da agitação e irritabilidade, o
paciente se encontra obnubilado, não apreendendo o ambiente, desorientado no tempo e espaço,
com fluxo confuso de pensamento.
Agitação nas demências: secundária ao quadro demencial, podendo estar associado
a episódios paranoides, obnubilação e piora das capacidades cognitivas.
Agitação oligofrênica: devido à dificuldade em compreender o ambiente, o paciente
com deficiência mental se constrange e desespera-se, entrando em estado de agitação podendo
ficar hetero ou auto-agressivo.
Agitação explosiva: associada a transtornos de personalidade do tipo explosivo,
borderline e sociopático. Os pacientes, quando minimamente frustrados, reagem de maneira
agressiva e explosiva, voltando a calma quando atendidas suas necessidades.
Agitação histérica: agitação mais teatral e escandalosa, com sentido comunicativo.
Agitação ansiosa: secundária a ansiedade e angústia extrema, o paciente se mostra
irritado, tenso, andando rapidamente de um lado para o outro. Neste caso o risco de suicídio deve
ser sempre considerado e as medidas de segurança rapidamente tomadas.
Estudos epidemiológicos demonstraram que pessoas com transtornos mentais são
propensas a desenvolverem quadros de agressividade e agitação, e 18% a 25% delas
apresentam esse comportamento enquanto internadas. Entre os pacientes esquizofrênicos, 10% a
45% exibem comportamento agressivo ou ameaçador, principalmente em virtude de sintomas
psicóticos agudos durante a hospitalização.
A grande maioria das pessoas com transtornos mentais, entretanto, não é violenta. A
violência raramente aparece de modo súbito, e sinais de alerta são frequentes. No entanto, esses
sinais podem ser difíceis de identificar e interpretar.
Frequentemente, agressão e violência se seguem a um período de aumento de
tensão. Num cenário típico, primeiro a pessoa se mostra irritada, então resiste a ordens e,
finalmente, confronta os demais e se torna declaradamente violenta.
Quando pacientes psicóticos ficam agitados ou agressivos, ha necessidade urgente
de um tratamento que estabilize o seu estado mental e reduza o risco de machucarem a si
próprios ou alguém da equipe hospitalar. Contenção física e isolamento em ambiente apropriado,
como um quarto vazio, são intervenções usadas para lidar e controlar esses comportamentos
violentos na psiquiatria. A contenção envolve técnicas desenhadas para confinar os movimentos
do corpo do paciente, ou seja, restringir a habilidade do paciente de se mover usando dispositivos
diferentes, como algemas ou amarras de algodão ou couro. O uso de contenção, para alguns
autores, geralmente tem um efeito desejado imediato: a situação ameaçadora é resolvida e não se
repete com a liberação do paciente.
Portanto, a contenção física seria a resposta final ao comportamento violento
iminente, quando medidas menos restritivas falharam ou não são apropriadas.
O manual da American Psychiatric Association, baseado em um consenso de
especialistas, sugere as seguintes intervenções, nesta ordem: (i) tentar acalmar o paciente
verbalmente; (ii) fazer um diagnostico obtendo o histórico, medindo sinais vitais, exame físico e
laboratorial, incluindo uma analise de urina. Quando a tentativa de acalmar verbalmente uma
pessoa agressiva falha, existe um numero limitado de maneiras para controlar a situação e
garantir que todos estejam a salvo: (i) tratar o paciente com benzodiazepínico via oral, a não ser
que o paciente esteja visivelmente psicótico; (ii) usar um antipsicotico via oral ou IM e (iii) amarrar
ou isolar o paciente. Segundo esse manual, maiores riscos de dano ao paciente estão associados
às seguintes intervenções, em ordem crescente: (i) medicação voluntaria; (ii) medicação de
emergência; (iii) combinação de medicação mais contenção física, isolamento; (iv) observação
sem intervenção; (v) contenção física e (vi) nenhuma intervenção. No entanto, esse manual
também afirma que a contenção, quando usada apropriadamente, pode ser uma medida capaz de
proteger a vida, evitar lesões e diminuir a agitação do paciente, opinião essa compartilhada por
outros autores.
O desafio nos quadros de agitação e agressividade é aplicar uma abordagem que
garanta a segurança, mantendo a dignidade individual e evitando o uso inapropriado da
contenção, pois também se reconhece que o uso dessas técnicas pode gerar efeitos físicos e
psicológicos danosos ao paciente. Em 1994, uma comissão constituída pelo U.S. Department of
Health and Human Services13 relatou 111 mortes de pacientes em contenção física no período de
10 anos, terminando em 1993. No Reino Unido, um manual elaborado pelo National Institute for
Health and Clinical Excellence afirma que a pratica mais frequente é o uso de isolamento e
contenção manual dos pacientes e recomenda que a contenção física seja utilizada como ultimo
recurso.
No entanto, reconhece que inexistem estudos adequadamente conduzidos nos
quais se possam amparar essas recomendações. (J Brás Psiquiatr.2010;59(2):94-98).
Pacientes agitados e/ou agressivos costumam apresentar baixa capacidade
de insight com relação à sua morbidade e juízo crítico da realidade prejudicado. Portanto, esses
pacientes podem ter dificuldades em reconhecer que estão doentes e, consequentemente, podem
não reconhecer a necessidade de ajuda externa.
Dependendo do grau de agitação, esses pacientes representam um risco para a
integridade física, tanto para os profissionais de saúde, como para si mesmos e outros pacientes.
Tão importante quanto à premência em diminuir o grau de agitação ou o risco envolvido na
situação situa-se a necessidade de coleta de informações para a formulação de hipóteses
diagnósticas e diagnóstico diferencial.
Em atendimento de emergência, quer em sala de urgência geral ou uma unidade de
emergência psiquiátrica, as causas de agitação e violência são numerosas e solicitam do médico
conhecimento abrangente sobre os possíveis diagnósticos diferenciais, que determinarão o tipo de
manejo clínico para cada caso.
A avaliação e o manejo de um paciente agitado, potencialmente agressivo ou
francamente violento são tarefas complexas que exigem dos profissionais habilidades diversas,
que necessitam ser aplicadas em conjunto e com agilidade. Por questões didáticas, os diferentes
aspectos envolvidos nesta tarefa serão tratados aqui de maneira separada, mas a situação real
exige um esforço no sentido de integrar todos esses componentes para uma intervenção ágil e
articulada.
Diagnóstico diferencial
Agitação psicomotora
e
agressividade
são
manifestações
psicopatológicas
complexas, mas inespecíficas, que podem ser decorrentes de condições clínicas variadas, o que
exige o estabelecimento de raciocínio clínico voltado para um diagnóstico diferencial amplo.
Como, em geral, os pacientes atendidos em situação de emergência não são
conhecidos pelo psiquiatra que o atende, um aspecto relevante a ser considerado na avaliação de
um paciente agitado ou violento é o fato de que essas alterações podem ser manifestações de
outras condições que não necessariamente um transtorno mental primário, como condições
médicas gerais e neurológicas.
Portanto, o psiquiatra de emergência deve estar atento para esta possibilidade e
buscar ativamente informações relevantes para o diagnóstico diferencial. Entre as causas médicas
gerais mais comumente associadas a estados agudos de agitação psicomotora podem ser
citadas: hipoglicemia, hipóxia, traumatismo crânioencefálico, sangramento, hiper e hipotermia,
meningite, sepse, acidente vascular cerebral, hemorragia subaracnoide, estados pósictais ou
status
epilepticus,
tumores
cerebrais,
doenças
tireoidianas
e,
mais
raramente,
hiperparatireoidismo, doença de Wilson e doença de Huntington.
É importante ressaltar que não se espera que o psiquiatra memorize as listas
infindáveis de possíveis diagnósticos diferenciais disponíveis em livros-textos, mas sim que
estabeleça
uma
rotina
para
o
seu
raciocínio
clínico,
de
maneira
a
garantir
que
informações relevantes para o diagnóstico diferencial sejam obtidas. Entretanto, alguns dados
clínicos, como início súbito, idade maior que 40 anos, nenhuma história psiquiátrica anterior,
alucinações visuais, olfativas e tácteis, discurso desconexo, confusão mental, desorientação,
história e/ou sinais físicos de trauma, podem sugerir a presença de uma condição médica geral ou
neurológica.
O mesmo raciocínio clínico deve ser aplicado para a investigação do uso de
substâncias psicoativas, quer sejam drogas lícitas, ilícitas ou medicações prescritas para
tratamento de condições médicas gerais, mas que podem ter efeito sobre o sistema nervoso
central, levando a alterações de comportamento. Problemas relacionados ao uso de substâncias
psicoativas, incluindo episódios de intoxicação e de abstinência, que comumente estão
associados a comportamento agitado e/ou violento, estão entre as principais causas de
atendimento psiquiátrico em serviços de emergência.
Comportamento agitado, potencialmente agressivo ou francamente agressivo
também não é particularidade de nenhum transtorno mental específico e implica em uma ampla
investigação do diagnóstico diferencial. Pacientes com transtornos psiquiátricos graves, em
particular esquizofrenia e episódio maníaco, usam serviços de emergência geral e de emergência
psiquiátrica com maior frequência do que aquela observada na população geral.
Episódio psicótico ou maníaco caracteriza-se por distúrbios do pensamento e do
afeto, que resultam numa percepção alterada da realidade, podendo cursar com períodos de
agitação psicomotora ou violência, que justificam a avaliação de emergência. Episódios
depressivos com aumento de psicomotricidade também podem cursar com agitação e risco de
violência. Ainda dentre os distúrbios psiquiátricos, alguns transtornos de personalidade,
particularmente aqueles do agrupamento B, também podem levara comportamento agitado ou
violento devido à baixa tolerância à frustração e ao controle pobre de impulsos.
Agitação psicomotora na abstinência alcoólica
A redução ou a interrupção do uso do álcool em pacientes dependentes produz um
conjunto bem definido de sinais e sintomas chamado de síndrome de abstinência alcoólica. Estes
sintomas no início são leves, intermitentes e pouco incapacitantes, mas, nas fases mais severas
da dependência, podem manifestar-se os sintomas mais significativos, como tremor intenso,
agitação psicomotora e alucinações. Entre os principais sintomas que levam o paciente para o
pronto-atendimento (PA) são (Gigliotti, 2004): I) Físicos: tremores (desde finos de extremidades
até generalizados), náuseas, vômitos, sudorese, cefaleia, cãibras e tontura. II) Afetivos:
irritabilidade, ansiedade, fraqueza, inquietação e depressão. III) Sensopercepção: pesadelos,
ilusões, alucinações (visuais, auditivas ou tácteis). Segundo Laranjeira (2000), é frequente o aparecimento destes sintomas em
indivíduos que são hospitalizados para tratamento clínico ou cirúrgico. Neste contexto os sintomas
que primeiro chamam atenção do profissional de saúde são: agitação, ansiedade, alterações de
humor (irritabilidade, disforia), tremores, náuseas, vômitos, taquicardia e hipertensão arterial. Em
algumas ocasiões podem ocorrer sintomas mais graves, como: I) Convulsões: a maioria das
crises convulsivas é do tipo tônico-clônica generalizada e correspondem a uma manifestação
relativamente precoce, sendo que mais de 90% ocorrem até 48 horas após a interrupção do uso
de álcool (pico entre 13 e 24 horas) e estão associadas com evolução para formas graves de
abstinência. II) Delirium tremens: forma grave de abstinência, geralmente, iniciando-se entre um a
quatro dias após a interrupção do uso de álcool, com duração de até três ou quatro dias. É
caracterizado
por
rebaixamento
do
nível
de
consciência,
desorientação,
alterações
sensoperceptivas, tremores e sintomas autonômicos (taquicardia, elevação da pressão arterial e
da temperatura corporal). Doses elevadas de BDZ são necessárias, mas o uso associado de
neurolépticos é geralmente indicado. O tratamento farmacológico inclui: diazepam até 60 mg por
dia (ou lorazepam até 12 mg por dia, em casos de hepatopatia grave), olanzapina IM ou VO até
40 mg ao dia e haloperidol 5 mg por dia. No caso de ocorrer distonia induzida por neurolépticos
(particularmente se forem administrados por via parenteral), esse efeito colateral pode ser
controlado com o uso de anticolinérgicos (biperideno 2 mg). III) Alucinose alcoólica: quadro
alucinatório predominantemente auditivo, com sons do tipo cliques, rugidos, barulho de sinos,
cânticos e vozes. As alucinações podem ser também de natureza visual e tátil. Os pacientes
podem apresentar medo, ansiedade e agitação em decorrência dessas experiências. Uma
característica peculiar desse tipo de fenômeno é que ocorre na ausência de rebaixamento do nível
de consciência e evolui sem alterações autonômicas óbvias. Ainda, segundo Laranjeira (2000), com a síndrome abstinência alcoólica ocorre uma
redução importante na liberação da dopamina, que, por sua vez, acarreta reações fisiológicas.
Estes sintomas estão relacionados à alteração nos níveis de liberação de noradrenalina e
dopamina. A hiperestimulação adrenérgica se deve a uma redução da atividade de
adrenorreceptores inibitórios pré-sinápticos do subtipo a2, um fenômeno conhecido como downregulation. Os sintomas mais frequentemente encontrados são: Taquicardia por ativação de
receptores beta-adrenérgicos; Hipertensão por ativação de vias alfa-adrenérgicas; Aumento da
força de contração do músculo cardíaco por ação adrenérgica inotrópica positiva; Náuseas e
vômitos devido à redução do esvaziamento gástrico; Piloereção; Midríase; Tremores pela
facilitação da neurotransmissão muscular; Aumento do consumo de oxigênio; Aumento da
temperatura corporal em até 2oC. Contenção física na abstinência alcoólica.
Os pacientes agitados, que ameaçam violência, devem ser contidos se não forem
suscetíveis à intervenção verbal. A contenção deve ser feita por pessoas treinadas,
preferivelmente com quatro ou cinco pessoas, e é muito importante explicar ao paciente o motivo
da contenção. Os pacientes devem ser contidos com as pernas bem afastadas e com um braço
preso em um lado e o outro preso sobre a sua cabeça. A cabeça do paciente deve estar
levemente levantada para diminuir a sensação de vulnerabilidade e reduzir a possibilidade de
aspiração. A contenção deve ser feita de modo que as medicações possam ser administradas e
contenção deve ser removida, uma de cada vez a cada cinco minutos, assim que o paciente seja
medicado e apresente melhora do quadro de agitação.
Agitação psicomotora associada ao uso de cocaina
Os indivíduos dependentes químicos fazem uso de múltiplas substâncias em curto
período de tempo. O consumo de cocaína inalada, mesmo em baixas doses (2 a 3 mg/kg) pode
causar uma série de alterações de excitabilidade, entre as quais (Diehl, 2010):
Aumento da
pressão arterial; Aumento da frequência cardíaca; Aumento da autoestima; Aumento do desejo
sexual; Euforia; Sudorese; Dilatação pupilar; Comportamentos estereotipados; Comportamentos
violentos; Bruxismo; Hipervigilância; Paranoia; Agitação psicomotora; Comportamentos bizarros;
Alucinações auditivas e visuais.
Vale realçar que estes sintomas não aparecem apenas em
indivíduos dependentes, mas também em usuário iniciante. A cocaína e o seu subproduto, o
crack, têm a característica de exercer ação reforçadora, mantendo o comportamento de uso com
potencial elevado de dependência (Azevedo, 2000). A síndrome de abstinência da cocaína é caracterizada pelo surgimento de diversos
quadros psiquiátricos, como: Depressão; Sintomas psicóticos do tipo esquizofreniforme;
Síndromes maníacas; Distúrbios de personalidade; Ansiedade; Pânico; Agitação psicomotora;
Sintomas psicóticos caracterizados por ideias paranoides; Sintomas obsessivo-compulsivos;
Flutuações do estado de humor caracterizadas por intensa ansiedade e sintomas depressivos;
Comportamento agressivo; Impulsividade; Perda do autocontrole; Discinesias e Distonias.
(Gold
Miller, 1997).
Estes sintomas ocorrem devido à hiperestimulação dopaminérgica desencadeada
pela cocaína nas vias mesolímbicas e nigroestriatais e tuberoinfundibular. Segundo Azevedo
(2000), a cocaína bloqueia a recaptação da dopamina na fenda sináptica destas vias provocando
aumento da neurotransmissão dopaminérgica e conduzindo a transtornos psicóticos e da
psicomotricidade. “As manifestações clínicas, em geral associadas a distúrbios de natureza
psicótica, seriam resultantes da hiperatividade dopaminérgica em várias vias cerebrais onde este
neurotransmissor exerce papel central, obviamente, em equilíbrio com a ação dos outros
neurotransmissores. Regiões como o córtex frontal, giro anterior do cíngulo, estruturas do sistema
límbico e as conexões dessas regiões com os núcleos da base seriam áreas cerebrais também
frequentemente implicadas nos distúrbios neuropsiquiátricos causados pela cocaína (Goldstein
Volkow, 2002).”
Agitação psicomotora associado ao uso de anfetaminas
Atualmente a anfetamina é a segunda droga mais popular, perdendo apenas para a
maconha. As anfetaminas são potentes estimulantes do sistema nervoso central, com grande
chance de abuso e dependência, apesar de também serem utilizadas para fins terapêuticos, como
no TDAH, narcolepsia e obesidade. As anfetaminas com fins terapêuticos mais conhecidas são
metilfenidato, fenproporex, anfepromona e dietilpropiona (Cordeiro,2010). O efeito que caracteriza
as anfetaminas é o aumento da capacidade física, aumento da capacidade respiratória e da
pressão arterial, deixando o usuário em estado de alerta constante. A intoxicação aguda é
caracterizada por: Quadros ansiosos agudos, com sintomas de inquietação; Irritabilidade; Tremor;
Instabilidade do humor; Cefaleia; Calafrios; Vômitos; Sudorese; Verborragia; Pesadelos; Redução
da energia; Lentificação psicomotora
e Humor depressivo.
No Brasil a anfetamina utilizada
como droga de abuso é o ecstasy, que tem como principais efeitos euforia e bem-estar intensos,
sensação de intimidade e proximidade com outras pessoas. A droga age no cérebro, aumentando
a concentração de duas substâncias: dopamina e serotonina. O usuário sob efeito da droga fica
muito mais sociável, com uma vontade incontrolável de ter contatos físicos com outras pessoas
(Murer, 2010).
Ainda, segundo Murer (2010), entre os sintomas de intoxicação por ecstasy
temos:
Ressecamento da boca; Perda do apetite; Náuseas; Coceiras; Reações musculares como
cãibras; Contrações oculares; Espasmo do maxilar; Fadiga; Depressão; Dor de cabeça; Visão
turva; Manchas roxas na pele; Movimentos descontrolados de vários membros do corpo como
braços e pernas; Crises bulímicas
e Insônia.
CONDUTAS
Local de atendimento
A equipe de atendimento deve ser composta pela equipe médica, enfermagem
treinada e por profissionais de segurança. A sala de atendimento deve conter poucos móveis e
objetos. A porta do consultório deve permanecer aberta e o entrevistador, assim como o paciente,
deve ter acesso à mesma sempre que desejarem.
Abordagem inicial
Algumas medidas são sugeridas visando a tornar o atendimento mais eficiente e
seguro tanto para a equipe quanto para o paciente:
1) Colher o máximo de informações a respeito do paciente antes de encontrá-lo;
2) Recorrer a procedimentos de contenção física e medicamentosa com auxílio de
pessoas habilitadas;
3) Estar alerta a riscos de violência iminente;
4) Atentar para segurança de adjacências;
5) Manter outra pessoa presente durante a entrevista do paciente;
6) Procurar criar aliança terapêutica com o paciente.
Após resguardar a segurança do paciente e da equipe, mesmo que necessárias
técnicas de contenção química e/ou física deve-se iniciar a investigação da causa da agitação.
Inicialmente se deve investigar condições clínicas que possam justificar a alteração
comportamental, mesmo que o quadro aparente ser de origem psiquiátrica.
Alguns sinais são indicativos e reforçam a hipótese de causa orgânica para a
agitação, como ausência de transtornos psiquiátricos prévios, início agudo do quadro, flutuação do
nível de consciência, desorientação temporal ou espacial e doença clínica subjacente conhecida
(Lindenmayer e cols., 2002).
A avaliação inicial inclui anamnese, exame físico, neurológico e do estado mental.
Exames laboratoriais e de imagem são solicitados, conforme as situações clínicas específicas,
mas se sugere que, como rotina, colham-se exames para avaliação da função hepática, função
renal, hemograma e glicemia, além de sorologias para hepatites, sífilis e HIV. Deve-se pesquisar o
histórico de alergias, reações adversas a medicamentos, doenças de base (epilepsia, por
exemplo) e uso de substâncias (lícitas e ilícitas), além de pesquisar o histórico pessoal e familiar
para transtornos mentais.
Diante do quadro de agitação e comportamento agressivo, vários tipos de
intervenções são possíveis e incluem ambiente com reduzidos estímulos, contenção física e
abordagem psicofarmacológica. Um paciente agitado, mas que não perdeu o controle, pode
responder favoravelmente a uma intervenção verbal. Entretanto, um paciente agitado, com um
distúrbio psicótico, pode necessitar do uso de contenção física seguida de contenção
farmacológica.
Contenção física
A contenção física pode ser entendida como um procedimento indicado por médico
que consiste na privação ou restrição da liberdade de ação corporal com o intuito de preservar a
integridade física e moral do paciente e dos outros.
A contenção física está indicada quando, em virtude de agitação psicomotora ou
agressividade, existe uma situação de risco ao paciente ou a outras pessoas. Recomenda-se que
a contenção deva ser realizada por equipe composta por pelo menos cinco pessoas. O paciente
deve ser contido pelo menor tempo possível, com faixas confeccionadas para que não acarretem
lesões. É imperativo evitar contenções que possam promover estrangulamento, obstrução de vias
aéreas, que prejudiquem a perfusão dos membros ou restrições por tempo prolongado.
A contenção física não deve ter o caráter punitivo e, mesmo que o paciente esteja
psicótico, ele deve ser constantemente orientado sobre o procedimento. A contenção física deve
ser seguida de contenção química.
O paciente sob contenção física deve ser continuamente reavaliado para que se
previnam complicações da contenção.
Por outro lado a Resolução CFM N.º 2057/2013 define:
CAPÍTULO I
DOS DEVERES DOS MÉDICOS
Art. 1º Os médicos que integram o Corpo Clínico de uma instituição devem colaborar para que se
façam presentes as condições mínimas para a segurança do ato médico, conforme definido
nestas normas e no Manual de Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil, lançado pelo
Conselho Federal de Medicina.
§ 1º É dever dos médicos defender o direito de cada paciente de usufruir dos melhores meios
diagnósticos cientificamente reconhecidos e dos recursos profiláticos, terapêuticos e de
reabilitação mais adequados à sua situação clínica ou cirúrgica.
§ 2º Na ausência das condições descritas nestas normas e no Manual de Vistoria e Fiscalização
da Medicina no Brasil, deve(m) o(s) médico(s) oficiar ao diretor técnico médico solicitando a
correção das deficiências, com cópia à comissão de ética médica da instituição, quando houver, e
ao Conselho Regional de Medicina.
§ 3º Na ausência de resposta do diretor técnico médico no prazo de sete dias úteis, deve(m) o(s)
médico(s) informar a omissão à comissão de ética médica, quando houver, e ao Conselho
Regional de Medicina.
§ 4º Recebida à informação mencionada no § 3º deste artigo, o Conselho Regional de Medicina
terá o prazo de sete dias úteis para realizar a fiscalização com vistas a averiguar as condições
denunciadas e decretar providências.
§ 5º Havendo inércia dos dirigentes da instituição em sanar as irregularidades apontadas no
relatório conclusivo da Fiscalização, o Conselho Regional de Medicina poderá determinar a
suspensão parcial ou total das atividades médicas no local.
§ 6º Nas instituições onde for obrigatória a existência da Diretoria Clínica, este diretor,
representante do Corpo Clínico, será encarregado de apresentar as reclamações perante a
instância técnica e administrativa do estabelecimento médico, bem como ao Conselho Regional
de Medicina.
CAPÍTULO V
DOS ESTABELECIMENTOS MÉDICO-PSIQUIÁTRICOS
Art. 9º São considerados serviços de assistência psiquiátrica todos aqueles que se destinem a
realizar procedimentos diagnósticos psiquiátricos, ou a assistir doentes psiquiátricos, e que
requeiram o trabalho de médicos para desempenhar sua atividade-fim, elencados na letra “a” do
parágrafo 1º do art. 2º deste dispositivo.
§ 1º Estes serviços só poderão funcionar mediante prévia inscrição no Conselho Regional de
Medicina.
Art. 10. Os serviços que realizem assistência psiquiátrica sob regime de internação (turno, dia ou
integral) devem oferecer as seguintes condições gerais:
I. Instalações para atividades educativas, recreativas e de lazer.
II. Instalações para o engajamento do paciente em ocupação adequada a sua tradição cultural e
para medidas de reabilitação profissional que favoreçam sua reintegração na comunidade.
III. Espaço físico suficiente para oferecer a cada paciente um programa terapêutico pertinente e
ativo.
IV. Infraestrutura de hotelaria quando a permanência exigir leitos de retaguarda para repouso ou
pernoite, bem como cozinha, lavanderia, almoxarifado com depósitos para mantimentos e material
de higiene e limpeza de acordo com as normas sanitárias brasileiras.
§ 1º O trabalho pode fazer parte das estratégias terapêuticas indicadas. Neste caso, a escolha da
atividade laboral deve ser discutida com o paciente, para que seja a mais compatível possível com
suas necessidades e habilidades e às condições da instituição.
§ 2º O trabalho dos pacientes não pode substituir o dos funcionários da instituição. Caso isto
ocorra, este fará jus à remuneração equivalente ao que o estabelecimento pagaria a funcionário
regular.
Art. 11. Um estabelecimento que realize assistência psiquiátrica sob regime de internação (turno,
dia ou integral) deve oferecer as seguintes condições específicas para o exercício da Medicina:
I. Equipe profissional composta por médicos e outros profissionais qualificados, em número
adequado à capacidade de vagas da instituição.
II. Pessoal de apoio em quantidade adequada para o desenvolvimento das demais obrigações
assistenciais.
III. Equipamento diagnóstico e terapêutico.
IV. Assistência médica permanente (durante todo o período em que estiver aberto à assistência);
e
V. Tratamento regular e abrangente, incluindo fornecimento de medicação.
§1º Os serviços psiquiátricos devem garantir o acesso dos pacientes a recursos diagnósticos e
terapêuticos da clínica médica que se fizerem necessários no curso do tratamento psiquiátrico.
§ 2º Tratando-se de serviço destinado a cuidados médicos intensivos ou semi-intensivos, incluindo
internações breves para desintoxicação, deve preencher os requisitos hospitalares gerais no que
se refere a recursos humanos (equipe profissional) e a infraestrutura de suporte à vida, conforme
definido nestas normas e no Manual de Vistoria e Fiscalização da Medicina no Brasil.
CAPÍTULO VI
DO TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO
Art. 14. Nenhum tratamento será administrado à pessoa com doença mental sem consentimento
esclarecido, salvo quando as condições clínicas não permitirem sua obtenção ou em situações de
emergência, caracterizadas e justificadas em prontuário, para evitar danos imediatos ou iminentes
ao paciente ou a terceiro.
Parágrafo único. Na impossibilidade de se obter o consentimento esclarecido do paciente,
ressalvada a condição prevista na parte final do caput deste artigo, deve-se buscar o
consentimento do responsável legal.
Art. 15. As modalidades de atenção psiquiátrica extra-hospitalar devem ser prioritárias e, na
hipótese da necessidade de internação, esta se dará pelo tempo necessário à recuperação do
paciente.
Art. 16. Médicos assistentes e plantonistas, bem como aqueles envolvidos nos processos
diagnósticos, terapêuticos e de reabilitação de doentes mentais, devem contribuir para assegurar
a cada paciente o direito de acesso à informação, comunicação, expressão, locomoção e convívio
social.
§ 1º O tratamento e os cuidados a cada paciente devem basear-se em plano prescrito
individualmente, discutido com o interessado e/ou seu responsável, revisto regularmente,
modificado quando necessário e administrado por profissional qualificado.
§ 2º Qualquer tratamento administrado a paciente deve ser justificado pela observação clínica e
registrado no prontuário, inclusive os casos de contenção física.
§ 3º É admissível à contenção física de paciente, à semelhança da contenção efetuada em
leitos de UTI, nos serviços que prestem assistência psiquiátrica, desde que prescrita por
médico, registrada em prontuário e quando for o meio mais adequado para prevenir dano
imediato ou iminente ao próprio paciente ou a terceiro.
§ 4º O paciente que estiver contido deve permanecer sob cuidado e supervisão imediata e
regular de membro da equipe, não devendo a contenção se prolongar além do período
necessário a seu propósito.
§ 5º Quando da contenção física, o representante legal ou a família do paciente devem ser
informados tão logo possível.
CONCLUSÃO
A contenção física é um ato com finalidades terapêuticas e por isso deve ser
prescrito pelo médico. A equipe multidisciplinar de atendimento deve participar de sua execução e
um profissional deve fazer observações constantes do paciente, a cada 15 minutos no máximo e
avaliar e registrar seus dados vitais e estado geral. A contenção deve ser anotada em prontuário
e sua evolução em uma ficha registro de específica.
Fundamentado no Código de Ética Médica e nas Resoluções e Pareces do CFM e
nas Portarias do Ministério da Saúde que normatizam os CAPS: Resolução CFM N.º 2057/2013,
Resolução CFM N.º 1952/2010, Parecer CFM N.º 01/2011, Parecer CFM N.º 1317/2001, Portaria
N.º 224/1992, Portaria MS/GM N.º 336/2002. Portaria MS/GM N.º 3088/2011. Portaria MS/GM N.º
121/2012, conclui-se que é obrigação dos gestores e dos responsáveis por essas instituições
oferecer as condições de segurança aos pacientes e aos profissionais de saúde e condições
físicas adequadas ao atendimento dos pacientes, que vão desde boas instalações e equipe
multiprofissional, bem como capacitação técnica a todos os profissionais de saúde para exercerem
todas as suas funções terapêuticas necessárias à correta assistência aos doentes, inclusive a
contenção física, quando necessária.
Também é dever do médico exigir as condições físicas, de segurança e técnicas
para o exercício profissional e para oferecer ao paciente as melhores condições de atendimento
e oficiar ao diretor técnico médico solicitando a correção das deficiências, com cópia à comissão
de ética médica da instituição, quando houver, e ao Conselho Regional de Medicina.
Sendo a contenção física um ato terapêutico e não punitivo cabe ao médico
prescrevê-la e aos profissionais do CAPS executá-la.
Em um momento em que a Medicina é tão desvalorizada e que se tenta
responsabilizar os médicos pelas mazelas e deficiências das políticas públicas de saúde ou pela
ausência dessas, seria um contrasenso os próprios médicos transferirem para a polícia o
atendimento de condições clínicas que podem por em risco a vida do paciente ou de outros. Como
todos sabemos a política de segurança pública também não oferece aos policiais boas condições
profissionais e nem treinamento adequado para proteger o cidadão comum e muito menos para
intervir em situações que exigem extremo cuidado, conhecimento clínico e sensibilidade para
abordar um cidadão em precário estado emocional e mental.
É o parecer, s. m. j.
Curitiba, 10 de março de 2014.
CONS. MARCO ANTONIO DO SOCORRO MARQUES RIBEIRO BESSA
Parecerista.
Aprovado em Sessão Plenária n.º 3447.ª de 10/03/2014 – CÂM II.
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