MECÂNICA GERAL Capítulo I CINÉTICA Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica Departamento de Engenharia Mecânica Escola de Engenharia UNIVERS IDADE DO MINHO J.C.Pimenta Claro [e-version: 2007 r.0] MECÂNICA APLICADA - Cinética 1 1.1 INTRODUÇÃO O estudo cinemático de um mecanismo tem como objectivo a definição da geometria do movimento e da relação entre os parâmetros de deslocamento e o tempo - posição, velocidade, aceleração desprezando as forças que provocam, ou resultam, desse mesmo movimento. De uma forma convenientemente simplificada, analisa o movimento de um determinado mecanismo (cinemática directa) ou define a geometria básica de um mecanismo capaz de determinado movimento (cinemática inversa). Todavia, numa segunda etapa, torna-se necessário proceder ao projecto específico de cada um dos elementos que compôem o mecanismo, em termos de material, forma e dimensões, de maneira a garantir a necessária robustez para absorverem, transformarem e transmitirem as forças (energia, trabalho, potência) em jogo. Simultaneamente, sendo essas forças transmitidas através das respectivas juntas, o binómio pressão/velocidade relativa no interface de contacto condiciona todo o comportamento mecânico dessas superfícies e respectiva tribologia - deformação, fadiga, regime de lubrificação, tipo de atrito, taxa de desgaste, etc. Assim, a análise dinâmica destina-se a possibilitar o projecto concreto de cada componente do mecanismo, tomando em consideração o desempenho (cinemática) do conjunto, mas também todos os esforços (cinéticos) que desenvolvem no seu funcionamento. Os princípios básicos da dinâmica fundamentam-se nas ‘Leis do Movimento’, enunciadas por Newton: 1. Um corpo permanece em repouso, ou em movimento uniforme e rectilíneo, na ausência de qualquer força externa que nele actue. 2. A taxa de alteração da quantidade de movimento de um corpo actuado por uma força, ou conjunto de forças externas, é proporcional e tem a mesma direcção da resultante dessas forças. Sendo a massa de um corpo invariável, a magnitude da sua aceleração é proporcional à resultante das forças que nele actuam e inversamente porporcional à sua massa. A direcção da aceleração é igual à da resultante das forças. 3. A uma acção sobre um corpo, realizada por uma força, corresponde sempre uma reacção oposta, de igual intensidade. 2 MECÂNICA APLICADA - Cinética 1.2 ANÁLISE ESTÁTICA Neste capítulo são revistos alguns conceitos físicos que, embora desenvolvidos para aplicações eminentemente estáticas (isto é, em que o movimento dos corpos é nulo, desprezável ou desprezado), constituem igualmente uma base para a análise dinâmica que se segue. 1.2.1 Forças Uma força é definida por uma magnitude e uma direcção podendo, portanto, ser encarada e tratada como outro qualquer vector. Adicionalmente, pode ou não ser considerada como um vector livre - isto é, o seu ponto de aplicação pode ser ou não importante - conforme a análise em causa. Assim, por exemplo, a Fig.3.1 ilustra dois casos distintos de forças actuando num corpo. Admitindo que (F1 ) e (F2 ) têm a mesma magnitude então: (i) o corpo está em equilíbrio, independentemente da situação (a) ou (b) considerada; (ii) no caso (a) o corpo está em compressão e no caso (b) em tracção. Sendo que a diferença entre os dois casos está apenas nos pontos de aplicação das forças, pode concluir-se que será importante considerar estes quando se pretende avaliar o estado de tensão criado internamente, isto é, no próprio corpo. F1 F2 (a) F2 F1 (b) Figura 3.1 - Forças e seu ponto de aplicação Tri-dimensionalmente uma força pode ser definida como, F = fx i + fy j + f z k em que (f x , f y , f z) representam as magnitudes das componentes coordenadas, conforma a Fig.3.2. y fy F j k x i fz z fx Figura 3.2 - Componentes de uma força 3 MECÂNICA APLICADA - Cinética 1.2.2 Momentos Por definição, um binário é constituído por um par de forças opostas, de igual intensidade, parale las e não co- lineares, e cujo efeito num corpo não pode ser substituído por uma simples força resultante. Num binário considera-se, assim, a existência de um braço, definido pela distância perpendicular entre as linhas de acção das forças, e de um plano formado por essas mesmas linhas de acção - Fig.3.3. M=RxF F F R Figura 3.3 - Momento e respectivos braço e plano O momento de um binário corresponde a um vector (M), de direcção normal ao plano do binário e direcção dada pela ‘regra da mão direita’, ou ‘regra do saca-rolhas’. A sua magnitude é dada pelo produto do braço pela intensidade de uma das forças (m=rf). Em termos vectoriais, o momento é igual ao produto externo dos vectores correspondentes ao braço e à força, ou seja: M=Rx F mas como: R= xi+ yj+ zk F = fx i + fy j + f z k então: M = Rx F = i x fx j k y z fy fz ou, decompondo, mx = y f z – z f y my = z f x – x f z mz = x f y – y f x em que, M = mx i + my j + mz k Algumas propriedades dos binários podem ser referidas, embora não demonstradas aqui. Assim: (i) o valor do momento resultante é independente do ponto que se considere para centro do binário de forças; (ii) o braço (R) do binário não tem necessariamente de ser perpendicular às forças em jogo; neste caso, apenas o momento resultante será afectado, uma vez que será igual ao produto da força pela componente do braço (RN) normal à direcção das forças. (iii) o momento (M) é um vector livre, uma vez que não tem, nem depende, de um ponto de aplicação específico; 4 MECÂNICA APLICADA - Cinética (iv) as forças de um binário podem ser rodadas em conjunto, no seu plano, desde que se mantenham as respectivas magnitudes e distância entre linhas de acção, ou podem ser ser transladadas para qualquer plano paralelo, sem que isso implique qualquer alteração no momento resultante; assim, pode afirmar-se que dois binários são idênticos se produzirem iguais momentos, independentemente dos valores das forças ou braços que os constituem. 1.2.3 Forças de Reacção - Atrito De uma forma geral, por ‘força de reacção’ entende-se qualquer força que se opõe ao movimento. No caso de um corpo em repouso - Fig.3.4 (a) - a força normal (N) poderá ser interpretada como a reacção do fixe ao peso (W) ou, muito simplesmente, a força que se opõe à queda desse corpo. Por outro lado, num corpo em movimento - Fig.3.4 (b) - haverá ainda a considerar a força de atrito (F) que se opõe à força actuante (P), W W P P F N (a) N R W R tan = F/N (b) Figura 3.4 - Forças de acção e de reacção em que, fazendo (=tan ), virá (F=N). Quanto a ( ) e (), designados respectivamente por ‘ângulo de atrito’ e ‘coeficiente de atrito’, distinguem-se ainda duas situações, (i) atrito estático: quando o movimento se encontra numa fase insipiente, ou seja, prestes a iniciarse o escorregamento entre as duas superfícies; (ii) atrito cinemático: quando o movimento se encontra perfeitamente estabelecido; e, de uma forma geral, este último tem um valor inferior ao primeiro. Notas: (i) a força de atrito entre dois corpos é um fenómeno co mplexo , envolve ndo a estrutura molecular das superfícies, afinidade electro-química, rugosidade, estado de limpesa, etc; para efeitos de cálculo, utilizam-se normalmente valores méd ios do coeficiente de atrito, estático ou cinemát ico, em função do par de materiais em con tacto; (ii) em aplicações usuais de mecânica, considera-se o coeficiente de atrito co mo independente da área de contacto, isto é, da pressão exercida, e da velocidade relativa das superfícies; (iii) em contactos lubrificados há ainda a considerar a separação total ou parcial dos corpos por uma película de flu ido, com características próprias de escoamento e possível interacção com os materiais das superfícies adjacentes; normalmente a viscosidade é tratada como um fenómeno semelhante ao do atrito e, portanto, independente da pressão e da velocidade. 5 MECÂNICA APLICADA - Cinética A geometria do contacto pode, ainda, trazer algumas particulariedades de análise. No caso comum em mecânica, de um par rotoide como o ilustrado na Fig.3.5 (em que a folga se encontra exagerada, apenas para comodidade de visualização), Casquilho W Moente A rf r B N F R Figura 3.5 - Atrito numa chumaceira não lubrificada a rotação do moente no sentido indicado, aliada à existência de atrito, fá- lo-á ‘subir’, rolando ao longo da periferia do casquilho até atingir a posição ilustrada, em que se a tinge um equilíbrio de forças e se iniciará o escorregamento ‘normal’ de funcionamento da chumaceira. Deste modo a força normal (N) não terá a mesma linha de acção da carga (W). A composição de (N) com a força de atrito (F=N) resulta numa força (R) de ponto de aplicação B que, essa sim, terá a mesma intensidade de (W) e sentido contrário. O círculo com centro em A e tangente à linha de acção de (R) é chamado ‘círculo de fricção’ e o seu raio é dado por: rf = rsen (1) É de notar que (rf) não depende da magnitude das forças envolvidas, mas apenas do raio do moente e do coeficiente de atrito. Notas: (i) este conceito de ‘círcu lo de fricção’ é utilizado na localização da linha de acção de forças entre casquilhos e moentes de chumaceiras não lubrificadas, mas apenas se justifica quando se pretende uma análise de precisão de mecanis mos; (ii) independentemente de outras considerações, uma análise de grande precisão implicaria igualmente a quantificação de fenómenos associados à deformação elástica su perficial, sob a pressão de contacto, etc; (iii) esta aproximação não é válida no caso de chumaceiras lubrificadas, em que a posição angular entre o casquilho e o moente, em funcionamento, é precisamente oposta à aqui descrita; (1) Dado que tan = sen /cos = , então vem que r f = rsen = rcos e co mo, por sua vez = [0º, 45º] para = [0, 1], pode constatar-se que rf = [0, 2/ 2r] 6 MECÂNICA APLICADA - Cinética 1.2.4 Diagramas de Corpo Livre Tendo em consideração que o termo ‘corpo’ pode ser aplicado a uma máquina, a um mecanismo ou a um simples componente, um ‘diagrama de corpo livre’ é um esboço desse corpo, em que se consideram todas as acções a que está sujeito e todas as reacções correspondentes aos corpos que com ele interagem. Na Fig.3.6 ilustra-se um exemplo simples de diagrama de corpo livre para uma viga em repouso, simplesmente apoiada em A e C, de peso desprezável e dotada de uma massa de peso (P) aplicada em B. P C A P C B B RA A RC Figura 3.6 - Exemplo de diagrama de corpo livre Assim, (P), (RA) e (RB ), respectivamente acção da massa e reacções dos apoios, podem ser encaradas como simples acções externas sobre a viga, cuja determinação permite analisar o seu estado de tensão e deformação estáticas, por exemplo. 1.2.5 Condições de Equilíbrio Um corpo encontra-se em equilíbrio estático se e só se forem nulas: (i) a soma vectorial de todas as forças, de acção e de reacção ( F=0); (ii) a soma dos momentos de todas as forças, actuando segundo qualquer eixo ( M=0). Segundo os eixos coordenados, estas condições podem expressar-se como: Fx = 0 Fy = 0 Fz = 0 Mx = 0 My = 0 Mz = 0 que, para problemas bi-dimensionais, se reduzem a: Fx = 0 Fy = 0 Mz = 0 Nota: estas condições de equilíbrio são também válidas para situações dinâmicas, isto é, em que o corpo esteja animado de movimento (com determinadas características de deslocamento, velocidade e aceleração, variáveis no tempo) desde que se introduzam as respectivas componen tes de força devidas à inércia, ou seja, às variações de velocidade das massas envolvidas. 7 MECÂNICA APLICADA - Cinética 1.3 ANÁLISE DINÂMICA Basicamente, a dinâmica estuda as forças decorrentes da aceleração a que estão sujeitos os componentes de um mecanismo ou, na óptica inversa, as forças necessárias para que esses corpos variem o seu estado de movimento. Os esforços resultantes, num dado corpo, serão então iguais à soma das forças dinâmicas e estáticas. Este estudo será, aqui, restringido ao caso bi-dimensional, ou seja, aplicável apenas a mecanismos planos. 1.3.1 Inércia - Princípio de D’Ale mbert Considerando um corpo rígido de massa (m), actuado por um conjunto de forças (F1 , F2 e F3 ) quaisquer, tal como esboçado na Fig.3.7 (a), y y F1 F = maG F h G G m M = Im F3 F2 x (a) x (b) Figura 3.7 - Dinâmica de um corpo a resultante dessas forças será ( F = F1 + F2 + F3 ) cuja linha de acção está a uma certa distância (h) do centro de massa G. O efeito desta resultante ‘desbalanceada’ (isto é, que não passa pelo centro de massa) será a aceleração do corpo, com uma componente linear e uma componente angular, cujos valores são dados por: F = m aG MG = Im como indicado na Fig.3.7 (b), onde (aG) representa a aceleração linear do centro de massa, ( ) a aceleração angular do corpo em torno de G e (Im ) o momento mássico de inércia do corpo em relação ao centro de massa G. O estudo de mecanismos inicia-se, geralmente, pela análise cinemática, sendo o movimento dos vários componentes definido e, portanto, a sua aceleração determinada. A questão seguinte prende-se, assim, com o cálculo das forças e momentos necessários para conseguir esse movimento. Como tal, torna-se conveniente reescrever as equações acima, na forma: F – m aG = 0 MG – Im = 0 que podem ser ‘lidas’ como: 8 MECÂNICA APLICADA - Cinética (i) a soma de todas as forças externas que actuam num corpo anula-se, quando adicionada a uma força fictícia de valor (- maG), denominada ‘força de inércia’; (ii) a soma dos momentos provocados por todas as forças externas, em relação ao centro de massa, e de todos os momentos externos aplicados a um corpo anula-se, quando adicionada a um binário fictício de valor (- Im ), denominado ‘binário de inércia’. e que traduzem o chamado ‘princípio de D’Alembert’. A utilidade desta análise reside no facto de qualquer situação dinâmica poder ser encarada como um problema de equilíbrio e, portanto, passível de ser resolvido pelos métodos empregues na estática. 1.3.2 Cinética do Corpo Rígido Num mecanismo, mesmo simples, podem encontrar-se componentes com movimentos de geometria complexa. A forma mais conveniente de abordar qualquer problema passa, assim, pela decomposição desses movimentos numa conjugação movimentos básicos, de mais fácil abordagem. a) translação Adoptando o critério básico de que a resultante de todas as forças passa pelo centro de massa, então ao corpo de massa (m) e aceleração (ax ) da Fig.3.8 (a) corresponderá o diagrama de corpo livre da Fig.3.8 (b), em que se assinalaram todas as forças externas (conhecidas e desconhecidas) actuantes, ax P1 ax P2 m ax W P1 P2 G max G F N (a) (b) (c) Figura 3.8 - Cinética da translacção e, por sua vez, este diagrama será equivalente ao da Fig.3.8 (c), em que se substituiram todas as forças pela resultante de valor (ma) que, passando por G e com direcção e sentido de (ax ), imprimirá ao corpo de massa (m) uma aceleração (ax ). Recorrendo ao ‘princípio de D’Alembert’, neste caso: Fx – max Fx – (W/g)ax = 0 e Fy = MG = 0 uma vez que (m=W/g), sendo (g) a aceleração da gravidade. O equilíbrio dinâmico conseguido encontra-se ilustrado na Fig.3.9 (b). A partir da construção de um sistema de equações, com base nos somatórios de forças segundo (xx) e (yy) e de momentos em torno de (zz), torna-se então possível a resolução do problema. 9 MECÂNICA APLICADA - Cinética ax ax P1 P1 W P2 P2 -max m Fa G N (a) (b) Figura 3.9 - Princípio de D’Alembert na translacção b) rotação centroidal Um dos casos mais comuns de rotação é a que se dá em torno de um eixo fixo, coincidente com o centro de massa do corpo - Fig.3.10. Im P1 P2 W Rh Rv Figura 3.10 – Rotação centroidal Independentemente do número, intensidade ou direcção das forças externas que actuem no corpo, Fx = 0 Fy = 0 MG = Im c) rotação não centroidal Considerando um corpo qualquer, rodando em torno de um eixo não centroidal ( A) – Fig.3.11, P Im G W Rh A W/gr2 G r A W/gr Rv Figura 3.11 – Rotação não centroidal a acção das forças aplicadas - peso próprio (W) e resultante das forças externas (P) - associada às componentes da reacção no apoio, no ponto A (Rh e Rv), originam valores instantâneos de velocidade 10 MECÂNICA APLICADA - Cinética () e de aceleração angular ( ). O centro de massa (G) move-se num círculo de raio (r) com centro em (A), tendo uma aceleração cujos componentes são: an = r 2 at = r segundo a linha (GA), d irigida para (A) perpendicular a (r), no sentido de () Igualando os momentos das forças em presença à soma dos momentos das forças efec tivas, em relação ao ponto (A), MA = Im = [(W/g)r] r = (Im + W/g r2 ) = [Im ]A em que ([Im ]A) é o momento másico de inércia do corpo, em relação ao ponto (A). Assim, as equações do movimento vêm como: Fx = (W/g) r 2 Fy = (W/g) r MG = Im MA = [Im ]A d) rolamento No caso de uma roda homogénea em rolamento, a análise é simplificada pelo facto de o centro de massa ter um movimento rectilíneo, paralelo ao plano de deslocamento – Fig.3.12. P2 Im P1 G W C Fa W/ga G C FN Figura 3.12 – Rolamento A resultante das forças efectivas traduz-se numa única força de valor (W/ga), passando por (G) e paralela ao plano de deslocamento, e no binário (Im ) aplicado em (G). Assim, e considerando (xx) como a direcção paralela ao plano, vem: Fx = W/ga Fy = 0 MG = Im 11 MECÂNICA APLICADA - Cinética todavia há dois casos particulares que merecem destaque. (i) rotação pura A condição de não escorregamento entre o corpo e o plano, é a de haver suficiente resistência tangencial no ponto de contacto (C). Neste caso o ponto (C) manter-se-á instantaneamente em repouso, ou seja, é um ‘Centro Instantâneo de Rotação’. Essa resistência é expressa por (Fa =FN), em que (FN) é a força exercida na normal ao plano de contacto e () é o coeficiente de atrito. Assim, estabelecendo um somatório de momentos em relação ao ponto (C), virá: MC = IC + (W/ga)r No caso de rolamento puro (a=r ), e então, MC = IG + (W/gr)r = (IG + W/gr2 ) mas, no caso de haver escorregamento, a posição do Centro Instantâneo é desconhecida pelo que é falso que (MC =IC ). No entanto, os somatórios de forças em (xx) e (yy), bem como o de momentos em (G), apresentados acima, continuam válidos. (ii) rotação desbalanceada No caso de o centro geométrico do corpo não coincidir com o seu centro de massa (G) - Fig.3.13 faz com que este não siga uma trajectória rectilínea pelo que os somatórios de forças em (xx) e (yy), tal como expostos acima, não são válidos. Contudo, a relação (MC =IC ) é ainda aplicável nos dois instantes por rotação em que (G) se encontra na linha definida por (C) e (O) pois, nestas posições, a aceleração do Centro Instantâneo é dirigida para o centro de massa. G O W C Fa FN Figura 3.13 – Rotação desbalanceada e) caso geral do movimento plano Para o caso genérico de um corpo animado de um movimento complexo, desde que integrado num qualquer mecanismo, é sempre possível determinar a aceleração de um ponto de referência (aA) e, a partir deste, a aceleração relativa do centro de massa (aG|A). 12 MECÂNICA APLICADA - Cinética Assim, vem que: aG = aA + aG|A = aA + r2 + r donde: W/ga = W/gaA + W/gr2 + W/gr Nesta equação, a parte direita é constituida pelas componentes da força resultante efectiva (W/ga) que podem ser representadas directamente num diagrama de forças – Fig.3.14. P G r W/gr2 W/gr G r W W/gaA Im A A aA aA Figura 3.14 – Caso geral de movimento plano 1.3.3 Determinação de Momentos Mássicos de Inércia a) caso genérico Considerando um corpo de massa (m), animado de um movimento de rotação com um raio (r) em torno de um qualquer eixo (AA ) – Fig.3.15, A m r A Figura 3.15 – Inércia de um corpo simples a resistência à mudança de estado desse movimento, ou seja, a inércia do sistema, é directamente proporcional à massa (m) e ao quadrado da sua distância (r) ao centro de rotação. 13 MECÂNICA APLICADA - Cinética Assim sendo, a inércia do corpo ou, mais exactamente, o momento mássico de inércia do corpo em relação ao eixo (AA ), pode definir-se como: ImAA = m r2 Para um corpo complexo, no qual haja a considerar diferentes componentes, ou elementos, de massas individuais (dmi) a diferentes raios (ri ) do eixo de rotação (AA ) – Fig.3.16, A r1 dm1 dm3 r3 r2 dm2 A Figura 3.16 – Inércia de um corpo complexo o momento mássico de inércia do conjunto será igual à soma aritmética das inércias parciais, ou seja, ImAA = (dmi ri2 ) o que, no limite, pode ser expresso por, ImAA = r2 dm Tendo em consideração um espaço carteziano tri-dimensional, os momentos mássicos de inércia de um qualquer corpo em relação aos eixos coordenados – Fig.3.17, dm y r z x Figura 3.17 – Inércia de um corpo em relação a eixos coordenados 14 MECÂNICA APLICADA - Cinética virão expressos como: Imxx = (y2 + z2 ) dm Imyy = (z2 + x2 ) dm Imzz = (x2 + y2 ) dm b) mudança de sistema de eixos Considerando agora uma situação análoga à anterior, mas referenciando-a em termos de um outro sistema de eixos (x’, y’, z’), paralelo ao primeiro e passando pe lo Centro de Massa (CG) do corpo – Fig.3.18, y’ y dm CG x' z’ x z Figura 3.18 – Inércia de um corpo em relação a eixos baricentricos a relação entre as coordenadas de cada elemento (dmi), relativamente aos dois sistemas de eixos pode ser expressa por: x = x’ + xCG y = y’ + yCG z = z’ + zCG pelo que, substituindo e simplificando, Imxx = Imxx’ + m(yCG2 + zCG2 ) Imyy = Imyy’ + m(zCG2 + xCG2 ) Imzz = Imzz’ + m(xCG2 + yCG2 ) Assim, em termos genéricos, o momento mássico de inércia de um corpo, relativamente a um qualquer sistema de eixos arbitrário, pode ser quantificado em termos do momento mássico de inércia relativamente ao baricentro ( CG) e da distância (d) entre esses dois sistemas de eixos, desde que paralelos, sendo dado por: Im = ImCG + md2 15 MECÂNICA APLICADA - Cinética c) momentos mássicos de inércia de placas finas Para uma placa fina, de espessura (t) e densidade (), uniformes, o momento mássico de inércia em relação a um qualquer eixo (AA ) – Fig.3.19, A dA B t r B C A Figura 3.19 – Inércia de uma placa fina pode ser expresso como: ImAA = r2 dm = t r2 dA, uma vez que dm = t dA em que (dA) é um elemento de área da secção e (r) a sua distância ao eixo em apreço. Tendo em consideração que o integral ( r2 dA) representa o momento de inércia da secção ( 2 ), em relação ao eixo (AA ), então pode escrever-se: ImAA = t IAA Do mesmo modo se poderá proceder em relação ao eixo coordenado ( BB) que, conjuntamente com (AA ), define a secção da placa, ImBB = t IBB e ainda com o terceiro eixo ( CC), perpendicular à placa, ImCC = t IP em que (IP) é o momento polar de inércia ( 3 ) da secção. (2 ) não confundir com o ‘mo mento mássico de inércia’ (ImAA); aqui a designação ‘mo mento de inércia’ ( IAA) refere -se ao mo mento resistente da secção tal como usado, por exemp lo, no cálculo estático à flexão. (3 ) tal como anteriormente, chama-se a atenção para o facto de a designação ‘mo mento polar de inércia’ (IP) se referir ao mo mento resistente da secção tal como usado, por exemp lo, no cálculo estático à torção. 16 MECÂNICA APLICADA - Cinética Também, e recorrendo às relações conhecidas entre os momentos de inércia à flexão (I AA , IBB) e o momento polar de inércia (IP ), se pode escrever, ImCC = ImAA + ImBB = t (IAA + IBB) d) momentos mássicos de inércia de corpos tri-dimensionais No caso mais geral, a determinação do momento mássico de inércia de um corpo tri-dimensional segue os mesmos princípios explanados para as placas finas, excepto que o elemento de massa (dm) é neste caso equivalente a ( dV), em que (dV) representa o volume elementar. A resolução implica usualmente a aplicação de uma tripla integração. Para geometrias simétricas em relação a dois eixos é, no entanto, possível utilizar uma aproximação mais simples. O princípio ilustra-se para a forma de secção circular da Fig.3.20, A z A’ dz C B’ Figura 3.20 – Inércia de um corpo tri-dimensional bi-simétrico em que, ImAA = ImBB = ¼ mr2 , ImCC = ½ mr2 , dm = r2 dz pelo que o momento de inércia em relação ao eixo (CC) se obtém pela integração de (ImCC) para cada elemento de espessura (dz): d ImCC = ½ mr2 = ½ r2 dm = ½ r4 dz enquanto que o momento de inércia em relação aos outros dois eixos é dado pela integração dos momentos de inércia de cada secção elementar (dz), segundo os respectivos eixos (AA ) e (BB), aferidos à distância que os separa dos eixos paralelos de referência (A ’A ’ e B’ B’), d ImAA = d ImA’A’ + z2 dm = (¼ r2 + z2 ) dm d ImBB = d ImB’B’ + z2 dm = (¼ r2 + z2 ) dm 17 MECÂNICA APLICADA - Cinética e) momentos mássicos de inércia de corpos compostos A forma mais expedita de determinar o momento mássico de inércia de corpos complexos é, muitas vezes, pelo recurso à determinação da inércia de formas simples – ver Tabela 1 – que, após serem aferidas para o eixo (paralelo) pretendido, se podem adicionar para obtenção da inércia total. Forma Mom. mássico inércia barra cilíndrica Imy = Imz = 1/12 mL2 placa rectangular Imx = 1/12 m(b2 +c2 ) Imy = 1/12 mc2 Imz = 1/12 mb2 prisma rectangular Imx = 1/12 m(b2 +c2 ) Imy = 1/12 m(c2 +a2 ) Imz = 1/12 m(a2 +b2 ) Disco fino Imx = ½mr2 Imy = Imz = ¼mr2 cilindro Imx = ½ma2 Imy = Imz = 1/12 m(3a2 +L2 ) cone Imx = 3/10 ma2 Imy = Imz = 3/5 m(¼ a2 +h2 ) esfera Imx = Imy = Imz = 2/5 ma2 Tabela 1 – Momentos mássicos de inércia de formas simples -----oOo-----