o voto enquanto dever do cidadão e as situações jurídicas

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
O VOTO ENQUANTO DEVER DO CIDADÃO E AS SITUAÇÕES
JURÍDICAS DE DISPENSA DESSA OBRIGAÇÃO
Monografia apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de bacharel em Direito na
Universidade do Vale do Itajaí
ACADÊMICO:
LEAL VIEIRA
EDUARDO
São José (SC), junho de 2004.
DA
CUNHA
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
O VOTO ENQUANTO DEVER DO CIDADÃO E AS SITUAÇÕES
JURÍDICAS DE DISPENSA DESSA OBRIGAÇÃO
Monografia apresentada como requisito parcial
para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob
orientação da Prof. Volney Campos dos Santos.
ACADÊMICO:
LEAL VIEIRA
EDUARDO
São José (SC), junho de 2004.
DA
CUNHA
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA
COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
O VOTO ENQUANTO DEVER DO CIDADÃO E AS SITUAÇÕES
JURÍDICAS DE DISPENSA DESSA OBRIGAÇÃO
EDUARDO DA CUNHA LEAL VIEIRA
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em
Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José,
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Prof. Volney Campos dos Santos
Orientador
_______________________________________________________
Prof. –
Membro
_______________________________________________________
Prof. –
Membro
AGRADECIMENTOS
Sobram razões para agradecer, nesta página, aos que me ajudaram a dar vida a
este trabalho, pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram para a sua realização.
Em primeiro lugar a DEUS, criador do Universo.
À minha mãe, Angela Regina da Cunha Leal, por ser uma presença constante e
incentivadora na minha vida, um exemplo, sem a qual eu nada seria.
Ao Professor Volney Campos dos Santos, pela sua orientação precisa, que quando
sempre solicitado nunca deixou de prestar auxílio.
Ao Professor Fábio de Oliveira por ter me ajudado no início desta pesquisa,
mesmo não fazendo mais parte desta instituição de ensino.
Aos advogados Luiz Fernando Chaves da Silva e Silvana Westarb, amigos de
elevado conhecimento, por compreenderem as diversas vezes que tive de me ausentar do
estágio pra que pudesse realizar este trabalho.
Agradecimentos aos que, fora desta instituição, abriram suas portas para que a
pesquisa fosse realizada, assim, aos servidores da Ordem dos Advogados do Brasil, que em
sua biblioteca, conta com funcionários sempre solícitos, e aos funcionários do Tribunal
Regional Eleitoral de Santa Catarina por suas colaborações e esclarecimentos.
A todos os amigos que me ajudaram e me entenderam nos momentos de ansiedade
e ausência no decorrer da construção desta tarefa cumprida.
Obrigado a todos.
“A democracia ... não existe entre nós senão
nominalmente, porque as forças populares, pela incapacidade
relativa em que as coloca a ausência de sistema de educação
nacional, estão de fato mais ou menos excluídas do governo.”
Rui Barbosa (1849-1923), Orações do Apóstolo .
SUMÁRIO
RESUMO........................................................................................................................... 7
LISTA DE ABREVIATURAS ........................................................................................... 8
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9
1 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA ......................................................................... 11
1.1 ORIGEM HISTÓRICA DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA ...................... 11
1.2 NOÇÃO CONCEITUAL........................................................................................ 14
1.3 A DEMOCRACIA COMO EXPRESSÃO MÁXIMA DO AUTOGOVERNO
POPULAR ................................................................................................................... 17
1.4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A DEMOCRACIA: DISPOSITIVOS
CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS........................................................................... 22
2. VOTO E SUFRÁGIO COMO INSTRUMENTOS DEMOCRÁTICOS ........................ 26
2.1 SUFRÁGIO............................................................................................................ 27
2.1.1 Plebiscito e referendo....................................................................................... 29
2.1.2 Iniciativa popular ............................................................................................. 31
2.2 VOTO .................................................................................................................... 33
2.3 DEBATES QUE RESULTARAM NA ADOÇÃO DO VOTO OBRIGATÓRIO NO
BRASIL ....................................................................................................................... 34
2.4 VOTO COMO DIREITO E COMO DEVER E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS..... 38
3. VOTO FACULTATIVO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ........................................ 42
3.1 O VOTO FACULTATIVO NO CÓDIGO ELEITORAL ........................................ 46
3.2 COMO SE PROCEDE A COBRANÇA DE MULTAS PARA O ELEITOR QUE
NÃO VOTAR .............................................................................................................. 48
3.3 LEIS DE ANISTIA QUE ENFRAQUECEM O VOTO OBRIGATÓRIO............... 50
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 56
RESUMO
O presente estudo tem por objetivo abordar a forma com que se vem sendo implantado o
instrumento democrático que o cidadão mais conhece, o voto, passando por discussões
doutrinarias quanto ao seu caráter de ora instituído como dever e ora como direito. As
representações democráticas instituídas nos tempos de hoje são decorrentes da necessidade
que o povo tem de eleger representantes, face a impossibilidade de autogovernarem-se.
Desta razão surge a exigência do voto, que no Brasil adota a natureza de obrigatório.
Mesmo o voto sendo norma constitucionalmente positivada, ele não caminha em direção a
obrigatoriedade prevista na Constituição e no sistema eleitoral brasileiro, pois face as
criações normativas que anistiam os eleitores que não votam, observa-se que cada vez mais
os eleitores faltosos estão sendo freqüentemente anistiados de sua penalidades,
enfraquecendo o regime democrático.
LISTA DE ABREVIATURAS
art (s).
atual.
CE
CF
DARF
Dec.
dez.
EC
ed.
ex.
f. (s)
inc (s).
jan.
jun.
JE
mar.
n.
n.º (s)
nov.
OAB
out.
p. (s)
rev.
SC
sec.
set.
v.
TRE
TSE
artigo (s)
atualizada
Código Eleitoral
Constituição Federal
Documentos de Arrecadação de Receitas Federais
Decreto
dezembro
Emenda Constitucional
edição
Exemplo
folha (s)
inciso (s)
janeiro
junho
Justiça Eleitoral
março
número
número (s)
novembro
Ordem dos Advogados do Brasil
outubro
página (s)
revisada
Santa Catarina
século
setembro
volume
Tribunal Regional Eleitoral
Tribunal Superior Eleitoral
INTRODUÇÃO
O presente trabalho surgiu do fato de este ano o Brasil voltar às urnas. São quase
120 milhões de eleitores aptos a exercer o poder de sufragar, segundo o Tribunal Superior
Eleitoral.
Na situação atual de nosso ordenamento jurídico verifica-se a presença de um
Estado Democrático de Direito. Antes do mais nada, a democracia não é um governo da
minoria, pois é a vontade da maioria que faz o sistema funcionar.
A delegação do poder ao povo é uma premissa básica para a compreensão de
democracia, cujo o regime brasileiro, baseado numa operação lógica de um sistema de
normas práticas, deixa transparecer no parágrafo único do artigo primeiro da Constituição
Federal toda a sua soberania popular.
Em misto a esse caráter democrático, surge o voto como instrumento capaz de
expressar a manifestação do eleitor, designando e escolhendo as autoridades que irão
governar e representar a sociedade.
O voto vem sendo utilizado como forma de expressão onde o eleitor manifesta
todo o seu descontentamento ao anulá-lo, a sua falta de conhecimento educacional ao
vende-lo, deixando de lado o seu real significado que é o de atribuir o poder e o dever aos
que governam, exigindo dos que dirigem o país comprometimentos para atender a
exigência e necessidade do corpo social.
Partindo de tais pressupostos, somente é possível estabelecer a obrigatoriedade
dos eleitores de comparecerem as urnas por força de lei. O voto obrigatório no Brasil,
apesar de ser constitucionalmente positivado, não vem sendo executado de forma efetiva,
observa-se que as conseqüências práticas de sua implementação e penalidades face ao seu
descumprimento, têm sido enfraquecidas em decorrência de leis que anistiam os eleitores
que não votam.
Para se chegar ao entendimento de como funciona a propriedade do voto nos
dias de hoje o primeiro capítulo deste trabalho conduz a um processo de evolução
histórica da representação democrática, a sua questão conceitual, bem como a sua
efetivação no ordenamento brasileiro.
Em seguida é tratado sobre as formas de se exercer o sufrágio dando um especial
enfoque ao voto, discutindo o seu caráter de ser tratado como direito ou como dever,
verificando as penalidades que são aplicadas aos eleitores que deixarem de comparecer as
urnas.
Por fim, após demonstrar os aspectos do ato de sufragar, surge inseparavelmente
a questão dos casos de voto facultativo, verificando-se que a obrigatoriedade não vem
sendo concernente com o direito positivo no período posterior a edição da Constituição
Federal de 1988.
1 DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
A base deste capítulo será fundamentada sob o conceito da democracia
representativa existente, passando por seu surgimento em Atenas até o entendimento mais
recente da sua concepção.
No caminho do raciocínio para se chegar a um conceito de democracia Sahid
Maluf afirma que diante a moderna ciência do Estado as formas de governo são duas:
Monarquia e República, subdivididas estas em varias modalidades. No seu conceito
extrínseco ou formal, a democracia vem a ser uma modalidade de forma republicana (a
República pode ser aristocrática ou democrática), e, intrinsecamente, é uma condição
comum de qualquer governo, monárquico ou republicano.1
Em decorrência de o Estado brasileiro adotar o regime democrático, para sua
melhor compreensão se faz necessário entender o seu surgimento e sua aplicabilidade no
ordenamento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Por ser um elemento constitutivo da democracia representativa, o voto será
analisado posteriormente em outro capítulo, tendo como enfoque a questão da sua
obrigatoriedade.
O assunto ora em análise, demanda uma breve forma de buscar em fatos
históricos, através de consultas doutrinárias, a evolução do processo democrático até na sua
aplicabilidade no contexto jurídico atual.
1.1 ORIGEM HISTÓRICA DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
Democracia é a forma de governo que emana do exercício do poder político do
povo em governar sua nação.
Na Grécia, o Estado não era apenas uma questão abstrata de localização
geográfica e sim, uma realidade evidente. Especialmente em Atenas, o cidadão não era
apenas um produto da razão, mas um conjunto de indivíduos dotados de inexorável
conhecimento imediato da sua própria atividade social e de zelo pela tradição. O ateniense
1
Cf. MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. 23. ed. rev. e atual. pelo Prof. Miguel Alfredo Malufe Neto.
São Paulo: Saraiva, 1995. p.276/277.
via na participação na vida pública o derradeiro bem a ser desejado por um homem, na qual
por intermédio da cidadania lhe seria assegurado seus direitos subjetivos.2
No tempo das antigas repúblicas gregas e romanas de vinte e cinco séculos
passados, entre as quais de grande destaque como modelo clássico o Estado ateniense,
foram as primeiras manifestações concretas de governo democrático, cujo as experiências
das sementes de democracia lançadas pelos filósofos antigos e medievais conservaram-se
vivas até que germinassem assinalando o advento dos tempos modernos.3
Foi em Atenas que surgiu as primeiras manifestações de democracia, exercida de
forma direta pela população, participando das assembléias políticas que ocorriam nas
praças públicas, sem representação política, sendo que isso era possível em virtude da
reduzida dimensão populacional e do Estado.
Porém, mesmo apresentando este caráter de democracia direta, não se manifestava
de forma democrática, pois, estima-se que, de uma população de 230 a 240 mil pessoas,
somente 6 mil eram os cidadãos presentes nas assembléias, sendo os demais escravos sem
direito algum, mulheres e crianças.4
José da Cunha Nogueira ao tratar sobre o voto e a origem da democracia leciona:
As democracias gregas tinham-no como das mais relevantes instituições
políticas. Embora sendo rudimentar o seu processo – pois os gregos votavam nas
assembléias populares , levantando a mão ou lança, como forma de exercer o seu
voto. Através das assembléias elaboravam-se leis, escolhiam-se os titulares das
diversas magistraturas, julgavam-se os criminosos e tomavam-se as mais graves
deliberações por intermédio do voto.
Os romanos aperfeiçoaram o sufrágio, o voto e a eleição grega, abolindo o
processo simbólico. Este era inconciliável com suas instituições, eminentemente
individualista e de responsabilidades definidas. Instituíram o voto individual
típico, oral ou escrito, a descoberto ou secreto, conforme a gravidade do assunto
sobre o qual deliberavam.5
Deste modo, a democracia ateniense durou cerca de dois séculos, tendo as
instituições de Atenas estabelecido o primogênito do modelo de democracia, modelo esse
2
Cf. ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1994. p.112.
Cf. MALUF, Teoria Geral do Estado, p. 275
4
Cf. AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado. 44. ed. Porto Alegre: Globo, 2003. p.217.
5
NOGUEIRA, José da Cunha. Manual prático de direito eleitoral. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.
p.64.
3
que, pelo menos até os fins do século XVIII, foi estimado como sendo o único
verdadeiramente democrático.6
Nos Estados helênios e romanos, como mais tarde nos Cantões da Confederação
Helvética, a democracia tomou seus ideais e começou a se exprimir de forma direta, ou
seja, o próprio povo que se governava, em assembléias gerais realizadas periodicamente em
praças públicas, sendo possível porque então o Estado-Cidade (Polis, na Grécia, e Civitas,
em Roma) era pequeno, restringindo-se aos limites da comunidade urbana.7
Incontestável admitir que desde os velhos tempos que na democracia quem
governa não é a totalidade do povo e sim, aqueles cidadãos que compõem o corpo eleitoral
por possuírem todos os atributos determinados pela lei.
Surge então a partir do último quartel do século XVIII a democracia
representativa, que provem do governo representativo que as revoluções liberais
começaram a implantar pelo mundo, baseando-se nas idéias de que os homens em geral não
possuíam a capacidade para apreciar e decidir os problemas políticos, sendo que essas
decisões deveriam ser confiadas aos mais capazes.8
Sobre a adoção do regime democrático, Wilson Accioli ensina que:
Na realidade, os tempos modernos, por força da multiplicidade das atividades e
dos encargos atribuídos não somente aos indivíduos como também aos governos
dos Estados; por injunção do desenvolvimento dos índices demográficos das
populações, e pela amplitude e alargamento dos territórios dos diversos países,
forçaram os povos a confiar a outros cidadãos a tarefa de exercer – mediante seu
controle mais ou menos efetivo – as principais funções do poder.9
Nos Estados modernos, a democracia manifestou-se sob a forma indireta ou
representativa, mantendo-se o princípio da soberania popular (todo poder emana do povo e
em seu nome será exercido), transferindo-se o exercício das funções governamentais aos
representantes ou mandatários do povo.10
Com efeito, observa-se que durante a evolução do homem em sociedade,
acarretava-se em cada época, um novo conceito de democracia, sendo que em todas as
épocas, nunca se deixou de notar a participação consciente dos cidadãos.
6
Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 17. ed. rev. e atul. São
Paulo: Saraiva, 1989. p.70.
7
Cf. MALUF, Teoria Geral do Estado, p. 275
8
Cf. FERREIRA FILHO, Curso de Direito Constitucional, p.71/72.
9
ACCIOLI, Wilson. Teoria Geral do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p.313.
10
Cf. MALUF, Teoria Geral do Estado, p. 275/276.
A própria idéia de representar está vinculada a origem e a evolução do vocábulo
democracia, na questão da duplicidade de sujeitos, partindo do princípio em que o
representante reflete e espelha a vontade do representado.11
1.2 NOÇÃO CONCEITUAL
O desenvolvimento do conhecimento especulativo do termo democracia é
resultante do avanço histórico, na qual, trazer etimologicamente seu verdadeiro significado
é penoso, pois o mesmo está diretamente relacionado com a prática política e o
desenvolvimento social.
A palavra e o conceito de democracia tiveram origem na Grécia, especificamente
em Atenas, que significa literalmente “poder do povo”, expressão que era interpretada
como sendo o “poder exercido pelo povo”.12
Empregado pela primeira vez por Heródoto há quase dois mil e quinhentos anos,
seu significado tem variado e transmutado; na prática, essa variação é decorrente dos
períodos históricos, e em teoria nas obras de todos os autores.13
A afirmação de Antônio Carlos Mendes é de que o termo democracia possui
diversos significados e a sua concepção abrange inúmeras dificuldades metodológicas.
Numa perspectiva histórica, encontra-se a exaltação da democracia por Heródoto
preconizando que esta era a melhor forma de governo para o Reino da Pérsia, porque não se
deve confiar a administração do Estado a uma só pessoa, pois o exemplo dos tiranos
evidencia que o povo deve governar-se diretamente.14
Difundido pela teoria política da Grécia antiga, o termo “democracia” significa
originalmente “governo do povo” (demos = povo, kratein = governo). A idéia principal
dessa ocorrência passível de política, determina a participação dos governados no governo,
o princípio de liberdade no propósito de autodeterminação política e, através deste sentido é
que o termo foi adotado pela teoria política da civilização ocidental.15
11
Cf. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil: promulgada
em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, v.2, 1989. p.576.
12
Cf. AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 44. ed. Porto Alegre: Globo, 2003. p.216.
13
Cf. AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p. 215.
14
Cf. MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades. São Paulo: Malheiros, 1994.
p.15.
15
Cf. KELSEN, Hans. A Democracia. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p.140.
Segundo Darcy Azambuja o conceito atual de democracia está em preparo:
O conceito atual de democracia está ainda em elaboração, é um dos aspectos da
revisão geral de valores que se processa nas doutrinas contemporâneas. Na
profunda e extensa crise moral e intelectual que a humanidade atravessa, seria
prematuro afirmar que ela se fixou neste ou naquele conceito, e provavelmente
no campo político, ponto de convergência de todos os fatores da crise, a
estabilidade é ainda mais remota. No entanto, será talvez possível assinalar
algumas tendências, já sublinhadas por escritores e filósofos.16
O conceito moderno de democracia preponderante na civilização ocidental não é
perfeitamente fiel ao conceito que provém da antiguidade, na medida em que este foi
alterado pelo liberalismo político, cuja tendência é restringir o poder do governo no
interesse da liberdade do individuo.17
No entendimento de Azambuja uma definição rigorosamente jurídica de
democracia seria considerá-la como o regime em que os governantes são periodicamente
eleitos pelos governados, mas o conceito completo de democracia é mais amplo, pois supõe
ainda a liberdade e a igualdade.18
A afirmação do termo democracia foi admitindo na sucessão dos anos, inúmeras
qualidades, formando conceitos para legitimar a aberração do complexo de informações
sociais e políticas da sociedade.
Neste sentido, para José Afonso da Silva a democracia não pode ser interpretada
como um mero conceito político e estático, e sim como uma forma de processo de
afirmação do povo e de suas garantias e direitos individuais que vão sendo conquistado no
decorrer da história.19
A democracia não pode ser entendida apenas como uma fórmula política, restrita
tão somente a escolha de representantes, mas sim deve ser entendida como uma forma de
convívio social, pois primeiramente ela é social, moral, espiritual e, secundariamente
política, da forma em que é baseada nos direitos dos cidadãos representados.20
Ao falar sobre democracia Paulo Bonavides assim manifesta-se:
16
AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p. 219
Cf. KELSEN, A Democracia, p. 143
18
Cf. AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p. 238
19
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
p.114.
20
Cf. SILVEIRA, José Néri da. Aspectos do processo eleitoral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.
p.13.
17
Nos dias correntes, a palavra democracia domina com tal força a linguagem
política deste século, que raro o governo, a sociedade ou o Estado que não se
proclamem democráticos. No entanto, se buscarmos debaixo desse termo o seu
real significado, arriscamo-nos à mesma decepção angustiante que varou o
coração de Bruto, quando o romano percebeu, no desengano das paixões
republicanas, quanto valia a virtude. Mas a democracia, que não é mais que um
nome também debaixo dos abusos que a infamaram, nem por isso deixou de ser
a potente força condutora dos destinos da sociedade contemporânea, não importa
a significação que lhe empreste.21
Para Wilson Accioli é mais fácil fazer uma descrição das instituições que
compõem a democracia do que propriamente defini-la numa fórmula exata. Deste modo, a
democracia será melhor compreendida como formando um conjunto global de instituições,
todas imprescindíveis a seu correto funcionamento, não se podendo tornar estanques
nenhuma delas, no sentido de priorizar esta ou aquela característica.22
No entendimento de Atílio A. Boron a democracia por ter em seu pensamento a
igualdade, veio para substituir a arcaica ordem aristocrática, inevitavelmente condenada à
desaparição.23
No entendimento de Azambuja uma definição rigorosamente jurídica de
democracia seria considerá-la como o regime em que os governantes são periodicamente
eleitos pelos governados, mas o conceito completo de democracia é mais amplo.24
Norberto Bobbio ao tratar sobre democracia afirma que o único modo de se
chegar a um acordo seria enquadrá-la como contraposta a todas as formas de governo
autocrático, e de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primarias ou
fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com
quais procedimentos.25
Cabe ainda lembrar do famoso dito de Abraham Lincoln, na parte final de seu
discurso de Gettysburg, em 1863, durante a Guerra Civil nos Estados Unidos, cujo
pronunciou o Presidente norte-americano na ocasião demonstrando a expressão máxima do
21
BONAVIBES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 267.
Cf. ACCIOLI, Teoria Geral do Estado, p.310.
23
Cf. BORON, Atílio A. Estado, Capitalismo e Democracia na América Latina; tradução Emir Sader. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1994. p.128.
24
Cf. AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p. 238
25
Cf. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. 8.ed rev. e apm. Tradução Marco Aurélio Nogueira. São
Paulo: Paz e Terra, 2002. p.30
22
conceito de democracia: “[...] para que o governo do povo, pelo povo e para o povo não
desapareça da face da terra.”
26
Todas estas formas com que aparece no passar dos anos, buscando compreender
mais o sentido de democracia, só fizeram aumentar a distância cada vez mais entre os
governantes e os governados.
Não é pouca a discussão que envolve o conceito de democracia, sendo que, para
se obter com clareza seu real significado se faz mister compreender suas características
fundamentais, sendo que em virtude dos desenvolvimentos históricos da forma de governo
sua concepção também sofre alterações.
1.3 A DEMOCRACIA COMO EXPRESSÃO MÁXIMA DO AUTOGOVERNO
POPULAR
Como foi apresentada, a democracia sempre foi muito questionada pelos seus
ideais e sua forma de aplicabilidade no decorrer dos anos, sempre sofrendo modificações,
ajeitando-se as transformações de cada época.
Ao se falar em democracia se faz necessário ter um conhecimento de alguns
princípios basilares, pois como foi demonstrado no contexto histórico, a medida que o
homem evoluía a representação democrática também sofria modificações.
A efetivação do regime democrático, como foi apresentado anteriormente, é fruto
de uma operação historicamente que abrange muitos elementos ou partes, além de extenso,
na qual se conectam construção teórico-conceitual e vivência prática.27
Na concepção de Darcy Azambuja democracia é o regime em que o povo governa
a si mesmo, quer diretamente, quer por meio de funcionários eleitos por ele para reger com
autoridade os negócios públicos e fazer as leis de acordo com a opinião geral, baseando-se
em certas idéias, cujo reconhecimento e realização foi demorado e difícil, na qual através
de reivindicações que foram e ainda são a causa de lutas sangrentas entre o povo e os
indivíduos que queriam lhe impor pela força a sua vontade.28
26
Cf. ACCIOLI, Teoria Geral do Estado, p.303.
Cf. PASOLD, César Luiz. Eleições e democracia. Resenha Eleitoral, Florianópolis, v.1, n.1, jun./dez.
1994, p. p.20.
28
Cf. AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p.237.
27
No entendimento do autor citado, a primeira condição para existência de uma
democracia é que haja constituição, previamente estabelecida e regulada por normas
explícitas, permanentes, conhecidas e observadas pelos governantes, sendo isto tão
incontestável que afasta qualquer contestação.29
Como segunda condição o autor enumera os direitos individuais que devem estar
pelo menos consignados explícita ou implicitamente na Constituição, pois sem a liberdade
civil e a liberdade política não há como existir democracia, sendo incabível um governo
democrático, que por definição é representante do povo, se o povo não tivesse liberdade
para manifestar sua vontade e sua opinião seja pela palavra, imprensa, associações, partidos
ou eleições.30
J.J.Gomes Canotilho entende que tal como são um elemento constitutivo do
estado de direito, os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do
princípio democrático, ao pressupor a participação igual dos cidadãos.31
A terceira condição indispensável pra que exista democracia é a escolha de
governantes eleitos periodicamente por sufrágio universal e livre, liberdade civil e política,
na qual através das eleições de seu governante o povo exerça o seu poder de governar.32
O pressuposto social e o pressuposto econômico são condições necessárias para se
atingir a democracia na visão de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, pois para um homem
economicamente desfavorecido torna-se praticamente impossível exigir seus direitos a
igualdade:
Para que o indivíduo se possa governar por si no mundo, exige o direito
universal que atinja uma certa idade que faz presumir o seu amadurecimento. Da
mesma forma, pra que um povo possa se governar, é preciso que atinja certo
grau de maturidade que não se resume na maioridade de seus membros, os
eleitores. O governo do povo pelo povo pressupõe em primeiro lugar um certo
nível cultural (e não apenas um certo nível de alfabetização) desse povo. Qual
seja esse nível é difícil determinar, embora possível.33
29
Cf. AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p.321.
Cf. AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p.322.
31
Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed.
Coimbra: Almedina, 2002. p. 290/291
32
Cf. AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p.322.
33
FERREIRA FILHO, Curso de Direito Constitucional, p. 87/88
30
Seja como for, para que o povo se governe certas condições precisam ser
preenchidas, sendo a primeira delas desfrutar de informação abundante para que não seja
doutrinado por noticiário deturpado, de informação neutra, ou contraditória, além de
usufruir de amplas liberdades públicas – direito de reunião, de associação, de manifestação
etc.- sem o que seu pronunciamento não poderá ser livre.34 A quem cabe escolher os
representantes é imprescindível ter um mínimo de conhecimento social e econômico para
que se possa fazer valer os seus direitos.
Na compreensão de César Luiz Pasold o primeiro elemento estratégico ao jogo
democrático é o eleitor com o seu voto, tendo como segundo elemento constitutivo os
políticos, os quais não podem se esquecer a dinamicidade da realidade e as características
fundamentais do povo que pretendem representar, e finalizando esse sistema encontra-se o
Estado.35
Para José Afonso da Silva a democracia repousa, em verdade sobre dois princípios
fundamentais ou primários, que lhe dão a essência conceitual: a) o da soberania popular, na
qual o povo é a exclusiva fonte do poder, que se exprime pela regra de que todo poder
emana do povo; b) a participação, direta ou indireta, do povo no poder, para que este seja a
efetiva expressão da vontade popular; nos casos em que a participação é indireta, decorre
um princípio derivado ou secundário: o da representação, na qual as técnicas que a
democracia usa para concretizar esses princípios têm variado, e decerto continuarão a se
diversificar, com a evolução do processo histórico, prevalecendo atualmente as técnicas
eleitorais com suas instituições e o sistema de partidos políticos, como instrumentos de
expressão e coordenação de vontade popular. 36
Kelsen, ao escrever sobre democracia, afirma que liberdade e igualdade são as
idéias fundamentais de sua base, bem como os dois instintos primitivos do homem
enquanto ser social, onde sempre há a busca pela liberdade e pelo desejo de igualdade,
contudo ainda que não pareçam exeqüíveis ao mesmo tempo, a ideologia política consiste
em combiná-las na idéia de democracia.37
34
Cf. FERREIRA FILHO, Curso de Direito Constitucional, p. 88.
Cf. PASOLD, César Luiz. Eleições e democracia, p.20/23.
36
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.119/120.
37
Cf. KELSEN, A Democracia, p. 167/168.
35
Em se falando ainda no conceito de democracia, não se pode deixar de lado o seu
significado em razão dos valores dos grupos em que opera, tratando em caráter de
igualdade, mas a distinção entre a democracia formal que diz respeito precisamente a forma
de governo, e a democracia substancial, que diz respeito ao conteúdo dessa norma.38
Sahid Maluf, ao expor sobre democracia preleciona que:
Reunindo-se ambos os conceitos – formal e substancial -, temos que a
democracia consiste em um sistema de organização política no qual : 1º) todo o
poder emana do povo, sendo exercido em seu nome e no seu interesse; 2º) as
funções de mando são temporárias e eletivas; 3º) a ordem pública baseia-se em
uma Constituição escrita, respeitando o princípio da tripartição do poder do
Estado; 4º) é admitido o sistema de pluralidade de partidos políticos, com a
garantia da livre crítica; 5º) os direitos fundamentais do homem são
reconhecidos e declarados am ato constitucional, proporcionando o Estado os
meios e as garantias tendentes a torná-los efetivos; 6º) o princípio da igualdade
se realiza no plano jurídico, tendo em mira conciliar as desigualdades humanas,
especialmente as de ordem econômica; 7º) é assegurada a supremacia da lei
como expressão de soberania popular; 8º) os atos dos governantes são
submetidos permanentemente aos princípios da responsabilidade e do consenso
geral como condições de validade. 39
Em sentido amplo, para Azambuja, a existência de democracia carece do
consentimento geral do povo, pelo menos da maioria considerável povo, sendo que para
isso não significa ter um conhecimento “científico” do regime, pois o saber político é um
privilégio de poucos, necessitando apenas de um saber empírico que é inevitável para se
viver normalmente em uma sociedade, razão pela qual é facultativo o voto aos
analfabetos.40
O próprio autor, ao trazer o conceito de democracia já apresenta em seu conteúdo
os pressupostos e suas características:
Democracia é o sistema político em que, para promover o bem publico, uma
Constituição assegura os direitos individuais fundamentais, a eleição periódica
dos governantes por sufrágio universal, a divisão e limitação dos poderes e a
pluralidade dos partidos.41
38
Cf. BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política. 8.ed. Tradução
Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2000. p. 57.
39
MALUF, Teoria Geral do Estado, p. 279.
40
Cf. AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p. 326
41
AZAMBUJA, Teoria Geral do Estado, p. 331.
Para se obter uma descrição mínima de democracia no entendimento de Bobbio
não bastam nem a atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar
direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas, nem a existência de regras de
procedimento como a da maioria, é sim, é indispensável uma terceira condição: é preciso
que aqueles que são chamados
a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam
colocados diante alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma ou
outra.42
Sem a efetivação do povo de forma ativa no exercício do Poder não há de se falar
em democracia, nem em soberania popular, pois a participação popular é o ingrediente
básico fundamental da democracia. O povo é o elemento indispensável, é pressuposto
constitucional, necessitando de sua liberdade, capacidade educacional para ter senso crítico
em sua determinação e solidariamente atuante em sua condição, caso contrário gera-se uma
afirmação falsa de um ideal mais justo e mais humano.43
José Afonso da Silva entende que a democracia não precisa de pressupostos
especiais, basta a existência de uma sociedade, ou seja, se o seu governo emana do povo, é
democrático; se não, não o é:
Ora, em verdade, a tese inverte o problema, transformando, em pressupostos da
democracia, situações que se devem ter como parte de seus objetivos: educação;
nível de cultura, desenvolvimento, que envolva a melhoria de vida,
aperfeiçoamento pessoal, enfim, tudo se amalgama com os direitos sociais, cuja
realização cumpre ser garantida pelo regime democrático. Não são pressupostos
desta, mas objetivos. Só numa democracia pode o povo exigi-los e alcançá-los.44
Assim, para que se tenha uma democracia, é indispensável que certos elementos
mínimos estejam presentes como a existência de uma constituição, que o povo goze de
garantias para poder se expressar, necessitando de um certo conhecimento, pois a
democracia é um conjunto de procedimentos que vêm se incorporando uns aos outros no
transcorrer dos anos.
42
Cf. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia, p.32
Cf. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O processo eleitoral como instrumento para a democracia. Resenha
Eleitoral, v. 5, n.1, jan./jun. 1998. p.66.
44
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.116
43
A busca de um conceito de democracia, bem como a sua previsão legal,
garantindo ao povo o poder de participação, se faz necessário para o entendimento do
porque da obrigatoriedade do voto no ordenamento jurídico brasileiro.
1.4 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS
E
A
DEMOCRACIA:
DISPOSITIVOS
A democracia não é unicamente um regime político ou uma forma de Estado, e
sim um direito que o povo goza de participar na escolha de representantes pra governar
uma coletividade em busca de resguardar seus direitos individuais.
O regime democrático tem nos seus diferentes moldes inata capacidade adaptativa
em seus princípios, sempre demonstrando sensibilidades às exigências de cada época,
reajustando os seus acumulativos legados históricos, acolhendo significativas mutações
ditadas por questões culturais, sociais, econômicas e políticas, defronte a atacar,
aprofundando e restaurando o próprio substrato da legitimidade, elevando as
desacomodações temporais e dando condições ao desenvolvimento ao acesso participativo
do povo, mantido em relações interdependentes com a igualdade e a liberdade encobertos
por todos os espaços políticos, garantindo condições para manifestações eletivas ou as
deliberações diretas se tornem mais genuínas e menos desfiguradas.45
Para o modelo de democracia constitucional no Brasil na compreensão de
Carmem Rocha, é de se sobressair para chegar a sua realização dentro e fora do Estado, se
faz preciso compreender este modo de vida democrático:
A democracia expõe-se num conjunto de valores sociais e políticos que se
juridicizam quando absorvidos pelo sistema normativo, no qual se transformam
em princípios jurídicos. Sistematizados, estes princípios informam as
instituições que passam a ter seu desempenho secundado por eles. Assim, não é
apenas o modelo institucional formalizado em determinado ordenamento
jurídico que dita a existência de uma Democracia. É a vivencia do modelo que a
torna efetiva, concreta e justa. Democracia não se realiza no texto constitucional
pendurado em prateleiras de bibliotecas bem organizadas, mas no contexto
político que se fez constitucional nas rotas ruas fervilhantes em mosaicos
humanos sem forma, livremente informes e coerentes com as clores plurais do
povo.46
45
46
Cf. RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral. 5.ed. Forense: Rio de Janeiro. 2000. p. 55/56.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O processo eleitoral como instrumento para a democracia, p.66.
A democracia é o sistema de participação do povo no processo político de um
Estado, que encontra na constituição dispositivos capazes de tornar este compromisso
inerente a sua realização, na forma de atuar e tomar decisões na direção do interesse
coletivo.
Sendo direta a participação do povo, ter-se-á a Democracia direta; indireta a
participação, o figurino da democracia será indireto ou representativo, pela
circunstância de o exercício ser feito em nome do povo e para o povo, mas pelo
seu representante; quando à participação indireta, pelos representantes,
somarem-se instrumentos de atuação direta do Povo no poder, tem-se a
Democracia semi-direta. Esta a opção constituinte de 1988, tal como posto no
art.1º, parágrafo único, da Lei Fundamental da República, verbis: “Todo o poder
emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição”.47
Esse fundamento faz a ligação e indissociável em que se assenta a organização
política nacional, fornecendo o lastro concernente que se expande à atividade de integração
com a acolhida de diferentes conteúdos, como é observado nas produções do
constitucionalismo contemporâneo, expandindo as responsabilidades jurídicas e políticas
pelas contingência ditadas pela realidade nacional transportando com pautas delineadoras
dos aspectos básicos referentes às ordens cultural, social e econômica, que também
receberam características constitucionais, apresentando-se o Estado Democrático de Direito
implantado no Brasil com a atual Constituição Federal, a partir do seu art.1º, logo se
fazendo acompanhar do conjunto de princípios que refletem seus aspectos essenciais: a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa e o pluralismo político. 48
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
47
48
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O processo eleitoral como instrumento para a democracia, p.69.
Cf. RIBEIRO, Fávila. Direito eleitoral, p.56.
Neste sentido, a noção de povo apreendida no contexto constitucional,
especialmente para o fim apontado pelo parágrafo único do art.1º da Constituição Federal,
tem a conotação de eleitorado, pois apenas os cidadãos alistados são aqueles qualificados
juridicamente a selecionar e propiciar a investidura de agentes públicos por meio de
mandatos eletivos.49
Mas à frente, no capítulo IV, quando trata dos direitos políticos, no art. 14, a
Constituição Federal dispõe que:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto
direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa polpular.
A soberania popular tratada no art. 14, que é um desmembramento do art. 1º da
Constituição, é exercida pelo sufrágio universal. A soberania é a força de decisão em última
instância, legitimada consenso e pela justiça social, exprimindo a fonte de todo o seu poder,
que reside no povo e em seu nome é exercido através do sufrágio universal, bem como
mediante iniciativa popular, referendo, plebiscito e voto.50
Para Canotilho, a soberania popular consiste essencialmente no poder de
atribuições constituídas pelo povo, pela qual os poderes criados pela constituição são
poderes múltiplos e divididos, mas todos sem separação, são provenientes da vontade geral,
todos vêm do povo, que delega certa parte de seu poder as autoridades representantes.51
A expressão soberania popular inserida no referido artigo da Constituição Federal
significa dizer que o povo é o detentor da soberania, sendo esta a razão pela qual se pode
declarar com firmeza que o ato de votar é oriundo de um direito e não de uma obrigação.52
Constituição Federal prevê expressamente que uma das formas de exercício da
soberania popular será por meio da realização direta das consultas populares, mediante
plebiscitos e referendos, disciplinando, ainda, que caberá privativamente ao Congresso
49
Cf. MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades, p.23.
Cf. FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira.v.1. São Paulo: Saraiva. 1989. p.289/290.
51
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1995. p. 94.
52
Cf. MENDONÇA, Valda de Souza. Voto livre e espontâneo: exercício de cidadania política consciente.
Florianópolis: OAB/SC, 2004. p.164.
50
Nacional autorizar referendo e autorizar plebiscitos,53 buscando sempre pelo ideal
democrático.
Observa-se que no art. 14 da Constituição Federal o Estado fornece ao povo
mecanismos para tornar efetivo o instituto da democracia, podendo o povo intervir no
controle e na administração de seu representante legal.
53
Cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 7.ed. revista, ampliada e atualizada com a EC nº
24/99. São Paulo: Atlas, 2000. p.225.
2. VOTO E SUFRÁGIO COMO INSTRUMENTOS DEMOCRÁTICOS
A partir da idéia de democracia representativa, é possível se observar a
necessidade de se instituir mecanismos que possam colocar em prática essa forma de
representação.
Através das eleições, o voto, que é o tema abordado neste capítulo, representa o
instrumento mais popular na construção da democracia. Assim, este capítulo tem por
objetivo articular a distinção existente entre voto e sufrágio, a fim de traçar suas relações
com a democracia representativa que foi tratada no capítulo anterior.
Neste sentido, leciona Maria da Graça Melo:
“ Eleição significa, etimologicamente, o ato de ELEGER. Escolha, por meio de
sufrágio ou votos de pessoa pra ocupar um cargo ou desempenhar certas
funções.Pode, por sua peculiaridade, ser considerada talvez o fato mais
importante de um regime democrático, uma vez que, na sociedade democrática,
a legitimidade do governo é baseada no consentimento do povo, expresso
através do voto, sendo que suas funções devem emanar da coletividade, e
exercidas em seu e em seu proveito.” 54
Bem como o art. 14 da Constituição Federal, a Lei 4.737, de 15 de julho de 1965
que instituiu o Código Eleitoral faz menção quanto ao caráter universal do sufrágio e sobre
a instituição do voto de forma obrigatória em seu art. 82. onde afirma que o sufrágio é
universal e direto; o voto, obrigatório e secreto.
José Néri da Silveira mostra a ligação entre o Estado democrático e a necessidade
de um corpo eleitoral consciente:
De outro lado, a democracia política e representativa encontra no sistema
eleitoral forma significativa de manifestação de sua legalidade, quer pela lisura
na composição do corpo eleitoral, quer no sufrágio esclarecido, consciente e
livre de qualquer forma de coação ou pressão, quer pela apuração dos votos sem
ilegalidade nem fraude. Neste contexto, ganha ainda maior importância a
representação do povo, no Executivo e no Legislativo, para que a democracia
possa ser, efetivamente, o governo dos mais capazes e dos melhores.55
54
MELO, Maria da Graça. As eleições e seu verdadeiro papel no desenvolvimento democrático brasileiro.
Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, v.1, n.1, p.62, jun. 1995.
55
SILVEIRA, José Néri da. Aspectos do processo eleitoral, p.13.
As palavras sufrágio e voto são empregadas comumente como sinônimas, no
entanto, a Constituição dá-lhes sentidos diferentes, especialmente no seu art.14, por onde
se vê que o sufrágio é universal, e o voto é o direto, secreto e de igual valor para todos.56
Dada a importância do sufrágio, se faz necessário compreender o seu conceito,
para melhor poder ser analisado o instituto do voto.
2.1 SUFRÁGIO
O sufrágio é universal e direto,ou seja, todos os cidadãos qualificados pela justiça
eleitoral, sem intermediários, têm o direito de escolher os titulares dos mandatos e de
cargos eletivos. É o poder de decisão, em sentido eleitoral mais específico, é o direito de
escolher um candidato ou de se escolher candidato (direito de concorrer) com a
incumbência eletiva. 57
A expressão sufrágio, do latim “ sufragium”, quer dizer aprovação, ou seja, é um
direito de natureza política que o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um
Estado de eleger, ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal.58
De Roberto Amaral e Sérgio Sérvulo da Cunha pode-se compreender o que é
sufrágio universal, diz-se que o sufrágio é direito quando, por intermédio do voto, o eleitor
elege diretamente seus representantes ou governantes. Voto universal é aquele em que a
capacidade de participação no pleito não sofre limitações, seja de riqueza, seja de raça, seja
da origem do nascimento, seja de gênero, mas admite restrições, v.g., o direito brasileiro, de
nacionalidade, residência ou domicilio e idade. Nosso direito político, numa inflexão
democrática, vem abolindo as condicionantes excludentes, como no inicio do século, as de
renda mínima e as de gênero, e, mais recentemente, as limitações derivadas do grau de
instrução (abolidas com a introdução do voto do analfabeto) e, na ordem constitucional de
1988, a redução dos limites mínimos de idade. O voto secreto é uma conseqüência
complementar do voto universal. Através do sigilo visa a proteger a manifestação autônoma
da vontade eleitoral, tanto mais ameaçada, seja pelo poder político, seja pelo poder
econômico, quanto mais atrasado é o ambiente em que se desenvolve nossa precária
56
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.309.
Cf. CÂNDIDO, Joel J. Inelegibilidades no direito brasileiro. São Paulo: Edipro, 1999. p.25.
58
Cf. RIBEIRO, Ricardo Carlos. Resumo de Direito Eleitoral. 1. ed. Goiânia: Visão, 1998. p.25
57
democracia representativa. A legislação vem, ano após ano, armando o processo eleitoral
de recursos tendentes a assegurar esse sigilo e a autonomia que procura preservar, seja
primeiro com a cédula única de votação, seja de último com a universalização do voto
eletrônico.59
O sufrágio universal é aquele que não admite a privação do direito de votar
alegando fundamentações de caráter racial, ideológico ou sexual.
O direito de sufrágio é a idéia principal do direito político, que se expressa pela
capacidade de eleger e de ser eleito. Assim, a capacidade eleitoral ativa é o direito que o
cidadão tem de votar (alistabilidade) e a capacidade eleitoral passiva é o direito de ser
votado (elegibilidade).60
Sendo assim, os cidadãos de um determinado Estado, escolherão os seus
representantes que irão cumprir com as obrigações inerentes aos seus cargos estatais, pois,
seguindo este raciocínio, toda a base do sistema democrático atinge a sua aplicabilidade
através do sufrágio. Pode o povo atuar de forma participativa nas funções sociais do Estado
democrático-representativo de duas maneiras: a primeira, através da ação política difusa, a
qual se leva a cabo pela atuação da opinião pública, dos partidos políticos, dos grupos de
pressão, e a segunda forma é através da ação política concreta, que se realiza pelas diversas
formas de sufrágio, na qual o povo escolhe réus representantes políticos integrantes do
Poder Legislativo e Executivo, bem como na intervenção direta da criação de normas
jurídicas e sua aprovação.61
No entendimento de Douglas Vitoriano Locateli o sufrágio sempre se resolve em
uma ação política concreta, seja atuando como coadjuvante no processo de formação da
ordem jurídica do Estado, através de iniciativa popular, seja aprovando ou desaprovando
um ato legislativo através do referendum, seja sancionando ato ou medida do Executivo
através do plebiscito ou, por fim, designando os titulares dos órgãos eletivos do Estado
através do voto.62
59
AMARAL, Roberto e CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Manual das Eleições. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
p.34.
60
Cf. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p.221.
61
Cf. LOCATELI, Douglas Vitoriano. Representação política e realidade brasileira. Revista dos Tribunais,
São Paulo, v.86, n.744, p.22-23, out.1997.
62
Cf. LOCATELI, Douglas Vitoriano. Representação política e realidade brasileira, p.23.
Desta forma, entende-se que sufrágio é a manifestação do povo na qual, através
do voto, ele escolhe seus representantes.
Bem por isso, o direito de sufrágio não é um mero direito individual, pois seu
conteúdo que predica o cidadão de tomar parte da vida política do Estado, transforma-o em
um instrumento intermediário para empregar o regime democrático, que por princípio, só
pode concretizar-se pela demonstração dos cidadãos na vida do Estado, desta forma, o
sufrágio constitui simultaneamente um direito e um dever.63
Finalmente como ilustra Roberto Amaral e Sérgio Sérvulo da Cunha a expressão
“sufrágio universal”, assim, parece representar uma incoerência entre as afirmações dos
termos, pois todo sufrágio absorvido na universalidade, contém restrições, sendo o que
importa é reduzi-las, sempre e gradualmente.64
Ainda que o voto seja o mais popular das formas de exercício democrático, devese reconhecer que há outras condições de desempenhar a soberania popular. Presentes no
dispositivo constitucional no art.14, destacam-se o plebiscito, o referendo e a iniciativa
popular.
2.1.1 Plebiscito e referendo
Tratam-se de instrumentos de aproximação que o constituinte colocou a
disposição do povo, estando previstos no art.14, I e II da Constituição Federal.
As discussões doutrinárias sobre o conceito e a distinção entre de plebiscito e
referendo perderam vigor com a promulgação da Lei nº 9.709 de novembro de 1998 em seu
art.2º, que fez uma separação material quanto a estes institutos, levando em consideração
somente a questão temporal:
Art. 2º Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que
delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional,
legislativa ou administrativa.
§ 1º O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou
administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha
sido submetido.
63
Cf. ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 5.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p.183
64
Cf. AMARAL, CUNHA, Manual das Eleições, p.13.
§ 2º O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou
administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.
O plebiscito é uma das formas de ação política concreta e consiste na consulta
direta do corpo eleitoral sobre algum assunto de extraordinário interesse na vida da
coletividade, tal como a determinação do destino nacional, a decisão de independência, a
anexação e seção de território, a união com outro Estado ou qualquer outra questão
igualmente importante que, por comprometer o destino do grupo, requeira o expresso
consentimento dos cidadãos.65
O plebiscito constitui modalidade de consulta popular, mediante votação,
convocada com anterioridade a ato legislativo ou administrativo que verse sobre matéria de
acentuada relevância, necessariamente de natureza constitucional, legislativa ou
administrativa, a fim que o povo delibere, aprovando-o ou denegando-o. 66
Típico elemento de caráter democrático, o plebiscito permite que os cidadãos
aprovem, pelo voto, opções políticas que demandem tanto providências de natureza
constitucional quanto legislativa. Com freqüência é confundido com o referendo. O traço
distintivo entre o plebiscito e o referendo consiste na manifestação estritamente política do
eleitorado, mas não referida diretamente à ratificação de atos legislativos.67
Referendo é o ato através do qual os eleitores aprovam ou desaprovam certos atos
dos órgãos legislativos e administrativos, tratando-se de uma consulta dirigida ao povo que
decida a respeito da conveniência ou não em se adotar uma determinada disposição
constitucional ou legal.68
O instituto-jurídico do referendo caracteriza-se pela intervenção dos cidadãos, por
meio de voto direto, no processo legislativo, consistindo na consulta ao eleitorado para que,
por meio do sufrágio, manifeste o seu consentimento ou desaprovação àquele determinado
ato normativo.69
Sem nenhuma prática concreta ainda, após a Constituição Federal de 1988, o
referendo é uma consulta ao povo sobre iniciativa de competência do poder legislativo ou
sobre ato administrativo, sendo sempre posterior ao ato a que se quer referendar, podendo
65
Cf. LOCATELI, Douglas Vitoriano. Representação política e realidade brasileira., p.24.
Cf. SOBREIRO NETO, Armando Antônio. Direito eleitoral: teoria e prática. Curitiba: Juruá. 2000. p.40.
67
Cf. MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades, p.28.
68
Cf. LOCATELI, Douglas Vitoriano. Representação política e realidade brasileira, p.23.
69
Cf. MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades, p.30.
66
ou não ser ratificado.70 Importando na participação do povo, por intermédio do voto, com a
finalidade específica de se confirmar, ou não, um ato governamental.
Mendes ao fazer a distinção entre estes dois instrumentos de forma direta e
objetiva vale-se da questão temporal:
No referendo, submetem-se ao voto dos eleitores, para ratificação ou
desaprovação, aos atos legislativos. Trata-se de uma opção política do eleitorado
voltado à validade formal do ato legislativo. Enquanto que, no plebiscito, tal
opção política se faz de maneira excepcional ou extraordinária e concerne à
deliberação popular acerca de manutenção ou modificação de aspectos
essenciais de estrutura não só do Estado, mas também da forma de governo
adotada.71
Neste mesmo sentido Moraes leciona:
Em nosso ordenamento jurídico-constitucional essas duas formas de participação
popular nos negócios do Estado divergem, basicamente, em virtude do momento
de suas realizações.
Enquanto o plebiscito é uma conduta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de
seus direitos políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente,
discutida pelo Congresso Nacional, o referendo consiste em uma consulta
posterior sobre determinado ato governamental para ratificá-lo, ou no sentido de
conceder-lhe eficácia (condição suspensiva), ou, ainda, pra retirar-lhe a eficácia
(condição resolutiva)72
Todavia, nada mais obstante seria uma constituição democrática privar o povo,
que é o titular do direito de manifestar-se, num ou outro sentido, de apreciar e submeter o
ato legislativo ou administrativo à analise popular.
2.1.2 Iniciativa popular
Outro instrumento de participação popular nos atos governamentais é a iniciativa
popular prevista no art.14, III da Constituição Federal.
A iniciativa popular pressupõe a conscientização e organização da sociedade em
relação às grandes questões nacionais que estão em desacordo com processo legislativo.73O
art.61, §2º da Constituição Federal trata dos requisitos para a efetivação deste instrumento
de participação popular no processo democrático.
70
Cf. CÂNDIDO, Joel J. Inelegibilidades no direito brasileiro, p.29.
MENDES, Antônio Carlos. Introdução à teoria das inelegibilidades, p.29.
72
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, p.225.
73
Cf.CÂNDIDO, Joel J. Inelegibilidades no direito brasileiro, p.29.
71
§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos
Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do
eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos
de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
A iniciativa popular é um processo eleitoral pelo qual o povo, mediante o
recolhimento de um determinado número de assinaturas, desta forma manifestando sua
vontade de forma expressa, pode propor a iniciativa de mudanças constitucionais ou
legislativas.74
Segundo Aroldo Mota iniciativa popular é o movimento pacífico subjacente,
visando melhorias para uma porção da sociedade ou o seu conjunto, diante da ausência do
poder, seja pela inércia dos governantes, ainda que,de índole, reivindicatória.75
Fávila Ribeiro ao lecionar sobre o assunto:
Ora, ao modo como foi incorporada na ordem constitucional brasileira, a
iniciativa popular adquiriu típica feição de direito de petição, de teor grupalista,
em que eleitores, de acordo com os percentuais estabelecidos, encaminham
projeto de lei à apreciação dos órgãos legislativos nas três esferas, federal,
estadual e municipal. Da parte dos peticionantes inexiste qualquer manifestação
deliberativa, tudo ficando, neste tocante, no exclusivo alvedrio quanto à
produção legislativa, e ate mesmo quanto à admissibilidade da matéria, que pode
encerrar-se ao nascedouro. A fórmula de iniciativa popular, apesar da expressão
numérica para postulação, não previu, em território constitucional,. A
possibilidade de ser levada à acolhida pelo próprio povo, mediante lei. Pode ser
que, ao ser matéria disciplinada por lei, como prevê o caput do ar.14, possa
aparecer o acoplamento decisório por via de referendo. Somente em tal hipótese
teria havido sentido na aproximação do referendo e plebiscito com a iniciativa
76
popular, sob a égide do artigo que os encalça.
A iniciativa popular é uma das formas pelas quais se pode exercer o sufrágio,
corporificando-se no direito que possui determinada fração do corpo eleitoral de propor o
estabelecimento de novas normas jurídicas, revogando as já existentes que sejam
conflitantes.77
74
Cf. FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira, p.303.
Cf. MOTA, Aroldo. Direito eleitoral na constituição, na jurisprudência e na legislação. Fortaleza: ABC
Editora, 2002. p.21.
76
RIBEIRO, Fávila.Direito eleitoral, p.51.
77
Cf. LOCATELI, Douglas Vitoriano. Representação política e realidade brasileira, p.23.
75
2.2 VOTO
O voto é a maneira ou o recurso empregado pelo eleitor através do qual se exerce
o poder ou direito adquirido pelo sufrágio.
Do latim votum, de votare (prometer, fazer promessa, eleger, ou escolher pelo
voto), na linguagem jurídica, em amplo conceito, é a demonstração da vontade, ou a
opinião manifestada, representando sua expressão pública e coletiva.78
Encontra-se aqui a forma mais utilizada do sufrágio, pela qual o povo, através do
ato de ir as urnas e votar, expressa sua manifestação, designando e atribuindo competência
para que seja formado um grupo com capacidade pra desempenhar as funções de caráter
eletivo do Estado.
Não há de se confundir voto com sufrágio. O primeiro é um direito em sua
expressão genérica: o segundo é o exercício desse direito, resultando na afirmação de que
nem todo sufrágio é voto, mas todo voto é sufrágio.79
O direito de sufrágio cumpre-se realizando atos de vários tipos. No que tange a
sua função eleitoral, o voto é o ato fundamental de seu exercício, que se manifesta também
como ato de alguma função participativa: plebiscito e referendo. O voto é distinto do
sufrágio, sendo este o direito político fundamental da democracia, na qual aquele origina-se
de tal direito.80
Nos ensinamentos de Ferreira a iniciativa popular, o plebiscito, o referendo e o
voto popular são modos de participação na vontade popular, onde tanto o plebiscito como o
referendo são também modalidades de manifestação do voto.81
Evidentemente, fica comprovado nos ensinamentos de Locateli que a função de
eleger governantes é uma das formas de ação política concreta do povo, que consiste em
expressar, por meio de voto, sua vontade no tocante a quem deve integrar os órgãos
representativos do Estado, ainda que não seja o povo que manifeste diretamente sua
78
Cf. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. vol. IV.4. ed. São Paulo: Forense, 1975. p.1666.
Cf. CERQUEIRA, Manfredi Mendes de. Matéria eleitoral, CEJUP, Para, 1986,p.35. apud CÂNDIDO,
Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 8.ed. rev. e atual. São Paulo: Edipro, 2000. p.193.
80
Cf. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.315
81
Cf. FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira, p.295.
79
vontade, mas sim um corpo eleitoral integrado pelos cidadãos, considerando cada eleitor
como um órgão do Estado encarregado de desempenhar sua função eleitoral.82
Para atingir a sua finalidade, ou seja, representar o real interesse do eleitor no
exercício democrático, o voto deve ser livre, direto, secreto e personalíssimo. A liberdade
do voto deriva da possibilidade de escolha de um dos candidatos, ou mesmo de nenhum
deles (voto em branco ou nulo), sendo que as eleições são diretas, quer dizer, o cidadão
vota diretamente no candidato ao cargo público colocado em disputa, sem que exista a
interdição de um colégio eleitoral. No mesmo caminho, o voto é secreto pois não é dado
publicamente, assegurando o cidadão o direito de manter sigilo a sua opção, e
personalíssimo por ter que ser exercido diretamente pelo titular, sendo vedado o voto por
meio de procurador.83
O direito essencial ao voto que todo cidadão capacitado possui, bem como a sua
função de ser um mecanismo da soberania popular na democracia representativa, traz à
superfície a natureza de caráter obrigacional, na qual o cidadão deve manifestar a sua
vontade.
Por obrigatoriedade do voto se entende a exigência do Estado de que cada um, sob
sanção, manifeste sua vontade nas urnas, como dever, além de um direito; e, finalmente,
por secreto se compreende que ninguém fora o eleitor, pode saber quem por ele foi
escolhido, punindo-se quem violar esse sigilo.84
2.3 DEBATES QUE RESULTARAM NA ADOÇÃO DO VOTO OBRIGATÓRIO NO
BRASIL
A atual Constituição brasileira manteve a tradição do voto obrigatório iniciado
como Código Eleitoral de 1932. Os debates sobre o voto facultativo durante os trabalhos da
Assembléia nacional Constituinte foram intensos, prevalecendo, no entanto, uma visão de
que neste aspecto, o Estado é o tutor da consciência das pessoas, impondo à sua vontade do
cidadão até mesmo para obrigá-lo a exercer a sua cidadania, sendo que a própria Carta
82
Cf. LOCATELI, Douglas Vitoriano. Representação política e realidade brasileira, p.25.
Cf.CÂNDIDO, Joel J. Direito eleitoral brasileiro. 8.ed. rev. e atual. São Paulo: Edipro, 2000. p.193.
84
Cf. CÂNDIDO, Joel J. Inelegibilidade no direito brasileiro, p.25.
83
Política consagra, como as demais do mundo civilizado, a soberania e a supremacia do
povo sobre o Estado, pois é do povo que emana o poder e só o povo é soberano.85
Em texto de 1922, dizia Tavares de Lyra: “Sobre o voto, temos ensaiado todos
os sistemas conhecidos, com exceção, apenas, do voto obrigatório, do voto
proporcional e do voto às mulheres”.
Ele deixava de anotar que, em julho de 1913, pela Lei nº153, do governo Borges
de Medeiros, no Rio Grande do Sul, com a faculdade de, naquela Republica
Velha, poderem os Estados legislar sobre o processo eleitoral, dispunha-se
“Art.81.Todas as opiniões políticas terão direito a representação proporcional à s
suas forças eleitorais”.
E Tavares de Lyra mostrava desconhecer que as multas trazidas pela Lei nº387,
de 1846, pra os que faltassem às reuniões dos colégios eleitorais ou não
participassem da escolha de Juízes de Paz e vereadores indicavam o começo de
voto obrigatório.
É certo que a legislação que se segui não cuidou dessa obrigatoriedade. E na 1ª
Republica, ao lado da grande desconfiança no sistema eleitoral, esse voto
facultativo foi responsável pela grande abstenção que enodoava os pleitos.
Somente com o nosso primeiro Código Eleitoral, trazido pelo Decreto nº21.076,
de 24.2.1932, passou a ser obrigatório o alistamento: o cidadão alistável, um ano
depois de completar a maioridade ou um ano depois de entrar em vigor o
Código, deveria apresentar o titulo para: a) desempenhar ou continuar
desempenhando funções ou empregos públicos ou profissões para as quais se
exigir a nacionalidade brasileira; b)provar identidade em todos os casos exigidos
por leis, decretos ou regulamentos.
Com a Constituição de 1934, veio a obrigatoriedade do alistamento e o voto pra
os homens e mulheres, estas quando exercessem funções públicas
remuneradas.86
No entendimento de Nilson Borges Filho, o texto constitucional de 1988 coloca o
Brasil como um dos países mais adiantados no campo do sistema eleitoral, no que se refere
ao direito ao voto, portanto, qualquer iniciativa que vise reduzir o atual colégio eleitoral ou
restringir ainda mais o direito ao voto nada mais é do que um retrocesso político com
objetivos claros de elitizar o exercício da cidadania política.87
Ao analisar o processo de mobilização que ocorreu durante o processo
Constituinte, verifica-se que a sociedade brasileira, na sua maioria, não desejava muito, isto
é, apenas reconquistar a democracia e fazer com que o país tivesse uma Constituição onde
prevalecesse a justiça social sobre os interesses econômicos de uma minoria. Em contra
partida, uma parcela mais instruída e politizada buscava ir muito mais além, buscava a
85
Cf.REZENDE. Ires, PORTO, Walter Costa. Voto facultativo. Prática Jurídica. Editora Consulex, ano 1,
n.9, p.30, dez. 2002.
86
REZENDE. Ires, PORTO, Walter Costa. Voto facultativo, p.31
87
Cf. BORGES FILHO, Nilson. Partido e voto: a propósito da revisão constitucional. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris, 1993. p.83.
formulação de uma Constituição com uma cidadania mais democrática e com mais força na
soberania popular.88
Essa conduta fica evidenciada por Fávila Ribeiro:
Enquanto a Justiça Eleitoral e voto secreto conseguem de certo modo conter a
participação abusiva do poder governamental, ergue-se novo desafio, que se vem
alastrando de um pleito para outro, em multiforme atuação, a comprometer a
expressão democrática das eleições, caracterizando pelo poder plutocrático. A
ação do poder econômico é sobre modo dúctil e viscosa, derramando-se por
todas as etapas do processo eleitoral, sem que se tenha podido, vantajosamente,
interceptar, não obstante a multiplicidade de diplomas legais postos em vigor
com essa finalidade. A sua plasticidade permite vê-lo aproveitar-se dos traços
arcaicos persistentes em nossa estrutura rural, com mercadejamento de votos por
atacado, ou na mobilização clandestina dos instrumentos de divulgação coletiva,
com seu dispendioso aparelhamento tecnológico, interferindo na arregimentação
das massas nos modernos segmentos da sociedade brasileira. A intromissão do
poder econômico revela-se, portanto, bifrontal, atuando como elemento de
perpetuação dos velhos clãs eleitorais, aos quais estimula econômica e
politicamente, e de mobilização dos modernos veículos de comunicação,
provocando concorrência desleal na disputa política. 89
Foi dentro desse contexto, onde de um lado figurava a amplitude do poder
democrático exercido através do voto e do outro a repressão, que se desenvolveram as
discussões:
“No âmbito do sistema eleitoral, durante o processo const ituinte, as discussões
entre o Centrão e os progressistas se concentraram na exclusão do direito ao voto
aos menores de 18 anos e aos analfabetos. O Centrão entendia que o voto dos
jovens eleitores, pela sua própria rebeldia, seria voto de protesto canalizado pra
os candidatos de oposição ao governo. Na mesma direção, os parlamentares
conservadores descartavam o direito de voto aos analfabetos tendo em vista que,
pelo fato de não terem esses qualquer tipo de escolaridade, seus votos seriam
facilmente manipulados pelos partidos de esquerda, mediante a utilização
articulado. Já as forças progressistas procuravam diminuir as restrições ao direito
de voto como uma forma de ampliar a participação popular nos diversos
processos eleitorais.
Do confronto entre as duas correntes, surgiu uma decisão conciliadora, ou seja,
estendia-se o direito de voto aos menores de 18 anos e aos analfabetos, desde
que afastado o principio da obrigatoriedade.” 90
Uma revisão constitucional no entendimento de Borges Filho para uma forma
mais democrática no momento em que o país se encontra seria de grande consumo
decorrente do atrito que causaria:
88
Cf. BORGES FILHO, Nilson. Partido e voto, p.84.
RIBEIRO, Fávila.Direito eleitoral, p.35.
90
BORGES FILHO, Nilson. Partido e voto, p.85.
89
A garantia do direito de voto, cuja existência esta intimamente vinculada ao
regime representativo; a sua universalidade que, com reduzida restrições
ampliou a participação popular nos embates eleitorais e a liberdade de
organização partidária, colocam o Brasil entre aqueles países latino-americanos
fortemente credenciados à consolidação democrática. É correto afirmar que
ainda faltam muitos ingredientes jurídicos e políticos para que se implemente no
país uma democracia sem sobressaltos institucionais, mas, sem sombra de
dúvida, a Carta de 1988 oferece essas condições. É também correto afirmar que
existem distorções nos sistemas eleitoral e partidário brasileiros e que, por isso,
necessitam passar por um aperfeiçoamento mais amplo, ate mesmo como
garantia de estabilidade democrática. Através de emendas à Constituição e
mediante a elaboração de legislação eleitoral e partidária mais consistentes e
democráticas, as distorções existentes poderiam ser corrigidas sem a necessidade
de enfrentar o desgaste político que uma revisão constitucional exigiria do país
neste momento de incertezas econômicas e de crise de governabilidade.91
Levando-se em conta que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado
democrático de direito e que todo poder emana do Estado emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos (art. 1º da Constituição Federal, ou seja considerando que o
Estado esta fundado no princípio da soberania popular, que se materializa pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos (caput do art.14 da CF),
subentende-se que o povo brasileiro é soberano e o sufrágio é a expressão de vontade de
cada eleitor. Por outro lado, tendo em vista que o inciso I do §1º do art.14 da Constituição
determina a obrigatoriedade do voto, faz-se necessário que essa obrigação seja afastada por
meio de emenda constitucional, para que o exercício da cidadania seja pleno.92
Maria da Graça Melo ao escrever sobre o desenvolvimento democrático
brasileiro, conclui que:
Urge, ainda, um amadurecimento da sociedade através da retroalimentação
cultural pelos meios de comunicação de massa, permitindo que se acabe
terminantemente, com a negociação do voto ou da pouca negociação deste,
deixando-se reconhecer que a consciência, a humanização política do Brasil, em
todos os níveis, é imprescindível à consolidação da DEMOCRACIA.
Apesar de a HISTÓRIA ter páginas marcadas pelas causas e conseqüência, das
lides eleitorais, muitas vezes folclóricas, desonestas e incompatíveis com a
dignidade do povo brasileiro, ainda é através do VOTO – e diga-se que o
exercício deste é o ultimo momento do processo eleitoral – que teremos um
BRASIL à altura das necessidades e do merecimento do POVO BRASILEIRO.93
91
BORGES FILHO, Nilson. Partido e voto, p.89.
Cf. MENDONÇA, Valda de Souza. Voto livre e espontâneo, p.85-88.
93
MELO, Maria da Graça. As eleições e seu verdadeiro papel no desenvolvimento democrático brasileiro,
p.70.
92
J. Cândido ao escrever sobre o sufrágio e a democracia pondera:
Quanto mais amplo e garantido o poder do sufrágio, mais efetivo, a principio,
será o regime democrático, sendo aquele característica deste. O fato, porém, de a
lei impor condições pra o exercício do sufrágio não significa restrição a essa
universalidade que, mesmo assim, continua universal. Trata-se do “universal
relativo”, dentro do “universal absoluto”. Este é composto por todos os
nacionais, enquanto aquele se circunscreve aos nacionais-cidadãos, ou seja, os
que, nos termos do que autoriza a lei, têm condições de exercer – de fato – a
soberania que, de Direito, é por todos representada.94
Ocorre que, uma legislação eleitoral é fundamental ao desenvolvimento de um
Estado democrático, por lhe assegurar uma representação popular, ajudando a corrigir as
distorções sociais do povo, sendo o direito eleitoral responsável por reger o comportamento
exterior do cidadão, através da teoria de sistemas de controle do comportamento, que é
regulado por normas jurídicas, que permitem, proíbem e obrigam determinada conduta.95
2.4 VOTO COMO DIREITO E COMO DEVER E AS SUAS CONSEQUÊNCIAS
Inúmeros são os questionamentos da natureza do voto como um exercício regular
do direito ou se o voto deve ser tratado como uma obrigação.
Por outro lado, embora haja distinção entre os vocábulos sufrágio e voto, de nada
adianta falar-se em direito de sufrágio se o seu exercício, que se materializa pelo voto, for
considerado função ou dever que implique em obrigação, pois o voto é um direito garantido
para que o eleitor exprimir o seu desejo, a sua vontade política com absoluta liberdade,
portanto, o voto além de ser ato político é também um direito do cidadão de participar da
vida política do Estado.96
Ângelo Fernando Facciolli, ao tocar neste assunto afirma:
A dupla órbita de incidência, ora como direito, ora como dever, decorre da forte
conotação política emprestada ao instituto, historicamente valorizado pela
sociedade brasileira.
Como direito, funde-se aos princípios liberais de opinar na direção dos negócios
comuns, que interessam a todo os segmentos representativos do organismo
94
CÂNDIDO, Joel J. Inelegibilidade no direito brasileiro, p.25.
Cf. CARLI, Vilma Maria Inocêncio. Processo Eleitoral: ética e mudança de comportamento. vol.15,
informativo eleitoral. Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso do Sul, 2003. p.20/21.
96
Cf. MENDONÇA, Valda de Souza. Voto livre e espontâneo, p.105.
95
social. Como dever, induz o cidadão – na verdade obriga-o a participar do
processo político de escolha dos governantes, como verdadeiro co-responsável
pelo resultado final do sufrágio. As conseqüências dos atos que o povo
represente, instituído pela maioria popular, é de responsabilidade solidária
(pluralizada), pois se parte do princípio que todos tiveram oportunidade de
interferir no processo eletivo.97
A obrigatoriedade do voto é reconhecida pelo Estado, como demonstra a sua
previsão legal, sendo decorrente da necessidade de que o mesmo não pode ficar à mercê da
indecisão ou indiferença do eleitor, porém é verdade que o eleitor pode votar em branco,
mas mesmo assim o voto será computado para efeito de cálculo eleitoral, cumprindo desta
forma com seu dever cívico, estabelecendo-se a perfeita correlação entre direito de votar e
o dever correspondente. 98
No que tange ao questionamento do voto como direito ou como dever, J. Cândido
manifesta-se:
Já dissemos que o voto é o instrumento prático do poder de sufrágio. Ele implica
em um ato jurídico de exteriorização de uma manifestação de vontade política. É
direito (enquanto que todo o poder emana do povo que é o titular da soberania) e
dever, ao mesmo tempo, à medida em que o Estado obriga o seu exercício para
os maiores de 18 a 70 anos, mediante sanção, embora não tenha nenhuma
relevância para ele o tipo de opção manifestada livremente pelo eleitor. Assim
tanto cumpre esse dever, legalmente, quem escolheu um candidato; quem votou
em uma sigla; quem votou em branco, como – igualmente – quem
deliberadamente anulou seu voto.99
É preciso lembrar que a exposição metódica daqueles que defendem a
obrigatoriedade do voto, no Brasil, ao argumento de que o eleitorado brasileiro é ignorante,
incapaz e submisso, vale lembrar que de fato o grau de instrução da população brasileira,
infelizmente, é baixo, entretanto, considerando que o analfabeto brasileiro já exerce o
direito de sufrágio de forma facultativa, para os demais eleitores, não há justificativa para
manter-se o voto obrigatório.100
Valda Mendonça ao lecionar sobre o ato de afirma que:
97
FACCIOLLI Ângelo Fernando. Voto e o serviço militar obrigatório. Revista Direito Militar, nº 26,
nov/dez, 2000. p.10.
98
Cf. CERQUEIRA, Manfredi Mendes de. Matéria Eleitoral.3.ed. Belém: CEJUP, 1989, p.147
99
CÂNDIDO, Joel J. Inelegibilidade no direito brasileiro, p.26.
100
Cf. MENDONÇA, Valda de Souza. Voto livre e espontâneo, p.164.
Nesta oportunidade, vale lembrar que a tese defendida pela teoria da soberania
nacional é a de que o ato de votar não decorre apenas de um direito, mas também
de uma obrigação de eleger o corpo representativo. Todavia, para aceitar essa
idéia, haver-se-ia de considerar o cidadão um mero instrumento do Estado, ou
seja, votar seria uma função eletiva e não um direito. Nesse caso, o cidadão
perde por completo sua vontade autônoma e passa e ser um mero instrumento do
Estado. Porém é o povo que é o titular do poder, e não o Estado. Assim, o ato de
votar é um direito para concretização da soberania popular, pois considerar o
voto como função ou como dever contraria o principio da liberdade do sufrágio,
tendo em vista que este se materializa pelo voto.101
O voto obrigatório, apesar de constitucionalmente previsto, não se concretiza de
forma absoluta no direito brasileiro, em face de criações normativas que anistiam os
eleitores que não votarem de sua penalidades, além de não obrigar a votar àqueles que não
se encontram em sua respectiva previsão legal estabelecida.
Tanto a Constituição Federal quanto o Código Eleitoral obrigam o eleitor a votar.
Contudo, se o eleitor não votar, deverá justificar-se perante o juiz eleitoral no prazo
estabelecido em lei após a realização da eleição.
Dispõem o art. 7º do Código Eleitoral:
Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até
30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10
(dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e
cobrada na forma prevista no art. 367. (Redação dada pela Lei nº 4.961,
de 4.5.1966).
A redação deste caput, está desatualizada por dois motivos: primeiramente porque
o prazo de justificativa do não comparecimento para não votar foi ampliado para 60
(sessenta) dias pelo art.7º da lei nº6.091/74, e pelo fato de a Constituição Federal, em seu
art. 7º, VI, in fine, vedar a vinculação do salário mínimo para qualquer fim.102
Ao leitor que não votar e deixar de justificar a sua ausência no prazo devido o
Código Eleitoral traz em seu art. 7º sanções provenientes de tal ato:
§ 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de
que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:
I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se
ou empossar-se neles;
101
MENDONÇA, Valda de Souza. Voto livre e espontâneo, p.164.
Cf. BECKER, Gustavo; TELLES, Octávio Mendonça. Código eleitoral anotado e manualizado. Brasília:
Brasília Jurídica. 1998. p.22.
102
II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou
emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações
governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza,
mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público
delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;
III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados,
dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas
autarquias;
IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas
econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social,
bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de
cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;
V - obter passaporte ou carteira de identidade;
VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo
governo;
VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou
imposto de renda.
A legislação brasileira determina conseqüências para os que não votam,
importando em sanções pecuniárias, criando uma pressão informal para o cumprimento do
dever eleitoral, além dos demais efeitos, possuindo esta obrigatoriedade e penalidade o
caráter de se evitar o abstencionismo. 103
Observa-se que a obrigatoriedade de votar está intimamente ligada à
aplicabilidade de sanções provenientes do seu inadimplemento, desta forma, caracterizando
o ato de votar como um dever ao eleitor.
Todavia, o ordenamento brasileiro no tocante a obrigatoriedade do voto estabelece
medidas, como as leis de anistia, que enfraquecem a sua forma obrigatória, dispondo ainda
de casos em que pode ser exercido de forma facultativa.
103
Cf. PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto. Brasília: Universidade de Brasília. 2000. p.455.
3. VOTO FACULTATIVO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A democracia é fortalecida através dos procedimentos de participação política da
população, geralmente por intermédio do voto.
Porém, é necessário que o cidadão que irá votar tenha esclarecimentos suficientes
para que realmente se adquira o caráter democrático com realização do ato de manifestar a
sua escolha no representante legal.
No entanto, em uma coletividade, não são todos os seus componentes que podem
exercer as funções eleitorais. Para desempenhar com tais funções, é inevitável reunir certos
requisitos estabelecidos na lei, os quais assegurar certo grau de capacidade para exercitar
função democrática de votar, concluindo-se que, o grupo de eleitores que possuem esta
capacidade eleitoral é quantitativamente inferior ao populacional, onde a capacidade de
entendimento recai não sobre o todo social, mas somente à parte mais qualificada
capacitada para representar a função de sufragar. 104
Para atingir sua finalidade maior – fazer com que o povo participe
legitimamente da vida nacional -, deve satisfazer os seguintes requisitos: 1º)
ser livre, isto é, não se encontrar preso a interesses particulares ou individuais,
injunções ou pressões de qualquer natureza (daí decorre, conseqüentemente, a
necessidade de ser secreto); 2º) ser esclarecido: a lei exige do eleitor um
mínimo de esclarecimento intelectual, inibindo o seu exercício àqueles – pelos
menos potencialmente – incapazes de compreender os problemas do estado e a
importância do referido ato (não é à toa que a constituição atual trata à parte a
questão do alistamento e o voto aos analfabetos e aos maiores de 70 anos); 3º)
ser consciente, ser responsável. Elemento subjetivo, complexo e, por demais
importante, em qualquer processo prático do exercício da cidadania, vinculase a capacidade (competência) em exercitar corretamente o instituto. O
beneficio visado pelo eleitor deve ser aquele que elege o interesse coletivo,
acima do particular, desvinculando-o de possíveis trocas de favores, relações
intimas de amizade, grau de parentesco, etc.105
O sistema brasileiro vem gradativamente estabelecendo uma maior relações entre
o universo dos que têm condições e os que têm direito de votar, pois, observa-se que, desde
o surgimento da democracia representativa, sempre foram impostas condições para que o
povo pudesse exercer o direito de escolher seus representantes e, sendo o sufrágio universal
uma conquista recente, novas condições surgiram para ampliar o número do eleitorado, sem
104
105
Cf. LOCATELI, Douglas Vitoriano. Representação política e realidade brasileira, p.25.
FACCIOLLI, Ângelo Fernando. Voto e o serviço militar obrigatório, p.10.
que essas limitações e faculdades do poder se sufragar impliquem na perda do seu caráter
de universalidade.106
A Constituição Federal de 88 em seu art. 14 parágrafo 1º ampliou a abrangência
de participação popular nos processos eleitorais brasileiros, reconhecendo ao analfabeto e
aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos o direito ao voto. Considerando que o
voto é desta forma um ato político, pois contém decisão de poder, o dispositivo
constitucional acima citado além de ter ampliado o colégio eleitoral brasileiro serviu para
intensificar o exercício da democracia, desta forma, ficando excluídos para o desempenhar
a função do voto somente os menores de dezesseis anos, os estrangeiros e os conscritos107
durante o serviço militar obrigatório, sendo que tais restrições não interferem no principio
da universalidade do voto.108
Porém não há de se misturar e confundir os que estão meramente isentos do dever
de votar, que são os analfabetos, os maiores de setenta anos e os maiores de dezesseis e
menores de dezoito anos, com os que estão proibidos de votar, aqueles, não podem sofrer
nenhuma sanção no caso de deixar de comparecer ao local da votação, sendo que ninguém
pode impedi-los de exercer seu direito caso queiram comparecer as urnas para votar.109
Desta forma, observa-se no ordenamento jurídico brasileiro, três formas com
relação ao exercício do voto: os que são obrigados, os que não podem e os que possuem a
faculdade de votar, assim disposto no art.14 da CF/88:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto
direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
[...]
§ 1º – O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
§ 2º – Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o
período do serviço militar obrigatório, os conscritos.
106
Cf. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil, p.581.
Conscritos: São denominados conscritos aqueles brasileiros que foram recrutados para o serviço militar
obrigatório, cujo não integram a condição de profissionais e sim de jovens no cumprimento do dever
constitucional que deve ser prestado durante tempo determinado, ficando os demais integrantes das forças
armadas, independente da posição na hierarquia militar, oficial ou não, possuindo o direito-dever de se alistar
e votar. (BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil: p.583.)
108
Cf. BORGES FILHO, Nilson. Partido e voto, p.83.
109
Cf. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil, p.581.
107
A Constituição atual reduziu as restrições com relação ao direito de alistar-se,
limitando-se apenas aos estrangeiros e aos conscritos, verificando-se no alistamento o
primeiro passo do processo eleitoral democrático.
Por alistamento, entende-se o comparecimento do cidadão, que através de um
pedido feito aos postos da Justiça Eleitoral com a finalidade de receber o seu título de
eleitor, adquire desta forma o pressuposto essencial para participar das manifestações de
soberania popular, ou seja, o alistamento.110
Ari Ferreira de Queiroz ao tratar sobre alistamento, conclui que:
O alistamento é o processo por meio do qual o indivíduo tem o seu nome
incluído no corpo eleitoral, sendo, pois, daí por diante, cidadão, titular do
direito de cidadania. Pelo alistamento se reconhece ao indivíduo a condição de
eleitor.111
Desta forma, somente com o alistamento origina-se a condição de eleitor que
confere ao cidadão direitos e deveres políticos.
Isto demonstra a importância que com que é tratado o exercício democrático no
sistema constitucional, atribuindo ao voto obrigatório um menor grau de limitação possível,
a fim de assegurar a livre participação popular na soberania nacional.
Quanto a questão do direito ao voto do analfabeto, conferindo a este o poder do
exercício democrático, merece um maior destaque visto que, partindo-se de uma origem
histórica legislativa, observa-se que inicialmente no império lhe era permitido votar, sendo
que por vezes de modo indireto, ou seja, a cédula na hora da votação seria assinada por
outrem, a rogo dos votantes. Com a chamada Lei Saraiva (Lei nº 3.029, de 9 de janeiro de
1881) se proibiu o voto aos analfabetos, tendo o cidadão provar que sabia ler e escrever no
momento de seu alistamento eleitoral.112
Essa restrição ao analfabeto perdurou até a promulgação da Emenda
Constitucional nº 25, de 15 de maio de 1985, sendo que hoje, nos termos da Constituição
Federal 1888, o alistamento e o voto são facultativos para o analfabeto.113
110
Cf. NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Lineamentos do direito eleitoral: comentários e
legislação. Porto Alegre: Síntese. 1996, p.43.
111
QUEIROZ, Ari Ferreira de. Direito Eleitoral. 4.ed. Goiânia: Jurídica IEPC. 1998, p.58.
112
Cf. PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto, p.442.
113
Cf. PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto, p.443.
Observa-se que no campo de direito eleitoral e constitucional do ponto de vista
legislativo, não existe nenhum conceito ou atributo que se aplique a analfabetos de diversos
tipos, pois há graduações de analfabetismo, que vai daquele que utiliza-se da impressão
digital pois não sabe ler nem escrever até aquele que implica na impossibilidade de mínima
escrita. 114
Para a Justiça Eleitoral, o analfabeto é aquele cidadão que não sabe assinar seu
próprio nome, valendo-se da impressão digital em substituição à assinatura, estando desta
forma dispensando da obrigatoriedade.115
Ler e escrever são potenciais que permite sofrer graduações, sendo alfabetizado
aqueles eleitores que lêem e escrevem razoavelmente, mesmo que possuam uma leitura
precária, dotada de pouca compreensão ou escrevam esbarrando sempre nos percalços
gramaticais, já o analfabeto ao revés, é aquele que não sabe ler nem escrever com um
mínimo de sentido, ou com total impossibilidade de expressar seus pensamentos.116
No sentido de que todo analfabeto é um cidadão, porém, com dificuldades de
exercer seu direito de sufragar devido a sua limitação, Porto leciona:
O analfabeto não está tão alheado da vida social, vive os fatos econômicos,
pode bem medir o quanto as decisões da comunidade afetam sua existência.
Depois, não se tratando de uma democracia direta, mas de governo indireto
cabe-lhe apenas indicar aqueles que, em seu nome, farão as opções entre as
políticas alternativas.
De qualquer modo, essa não é uma questão que afete as sociedades mais
avançadas, onde o analfabetismo se reduz ao nível dos fenômenos patológicos.
E mesmo no chamado terceiro mundo, a sofisticação dos meios de
comunicação permite, hoje, também ao analfabeto uma massa de informação
que antes, não se poderia suspeitar pudesse, um dia, lhe ser oferecida.117
Neste sentido, mesmo o analfabeto tendo pouco conhecimento, ainda pode ser
considerado um eleitor:
Todavia, o analfabeto não deixa de ser um cidadão que possui direitos e
deveres, não podendo unicamente exercitar o seu direito de voto, pois
nem todo cidadão pode ser eleitor.
114
Cf. COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral: teoria da inelegibilidade – direito
processual eleitoral; comentários à lei eleitoral.4.ed. Belo Horizonte: Del Rey.2000, p.120.
115
Cf. MENDONÇA, Valda de Souza. Voto livre e espontâneo, p.13.
116
Cf. COSTA, Adriano Soares da. Instituições de direito eleitoral, p.120.
117
PORTO, Walter Costa. Dicionário do voto, p.441.
No tocante aos maiores de 70 (setenta) anos, a faculdade ao exercício de
sufragar é decorrente da dificuldade que estas pessoas encontram pra se
deslocar até os locais de votação.
Para os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos também
está previsto a possibilidade de se alistar e votar caso queiram, lembrando
que a Constituição não fala em maior ou menor de idade, e sim, determina
a faixa etária para os casos facultativos, ficando a idade mínima para o
exercício do voto estabelecida em 16 anos.118
3.1 O VOTO FACULTATIVO NO CÓDIGO ELEITORAL
O Código Eleitoral também faz menção a obrigatoriedade do voto, colocando
ainda de forma implícita os caso de voto facultativo:
Art. 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de um e
outro sexo, salvo:
[...]
II - quanto ao voto:
a) os enfermos;
b) os que se encontrem fora do seu domicílio;
c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os impossibilite de
votar.
Embora seja não estejam obrigados a votar, os casos elencados no art.6º, II do CE
necessitam de justificativa eleitoral. Em caso de não puderem comparecer as urnas para
exercerem o seu direito-dever de votar, os enfermos, os que se encontram fora do seu
domicílio e os funcionários público civil ou militar, devem se justificar perante a Justiça
Eleitoral no prazo de 60 (sessenta) dias contados a partir do término da eleição.
O dispositivo diz que o voto é obrigatório, ressalvada as situações que arrola que
o voto seria facultativo, neste sentido Tupinambá Miguel Castro do Nascimento leciona:
O fato de não votar leva, como já enfatizado, ao pagamento de multa. Isto não
significa dizer, porém, que alguém que se encontre hospitalizado no dia da
eleição e não possa se locomover ou deambular, esteja obrigado a pagar multa
pela circunstância de não ter votado. Há certas ocorrências que explicam a razão
do eleitor não ter votado, visto a impossibilidade do momento. Isto não está
escrito na Constituição mas é dela extraído atualmente a razoabilidade da
interpretação. São as circunstancias, ou contingências, que permitem a
justificação, perante o Juiz Eleitoral, do fato de não votar e, por isso, não sofrer
multa. A enfermidade, se e enquanto impossibilitar o eleitor para exercer o
direito de voto; o estar fora do domicílio, quando é suficiente para obstar o
direito de votar; ou quando os servidores civis e militares em serviço não têm
118
BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil, p.582.
condições de tempo para votar – são causas bastantes para justificar a ausência
do eleitor nas urnas. Não são situações que se possam qualificar como exceções
à obrigatoriedade do voto. Na verdade, são hipóteses indicadas em lei, que
servem, se comprovadas de justificativas do não exercício do voto. Esta é a
interpretação que se deve dar a artigo 6º, II, do Código Eleitoral, interpretação
que s e compatibiliza com o texto constitucional.119
Com relação à justificativa por não votar, a Lei nº 6.091 de 15 de agosto de 1974
assim dispõe:
Art. 16 O eleitor que deixar de votar por se encontrar ausente de seu domicilio
eleitoral deverá justificar a falta, no prazo de 60 (sessenta) dias, por meio de
requerimento dirigido ao Juiz Eleitoral de sua Zona de Inscrição, que mandará
anotar o fato na respectiva folha individual de votação.
§ 1º O requerimento, em duas vias, será levado em sobrecarta aberta à agência
postal, que depois de dar andamento à 1ª via, aplicará carimbo de recepção na
2ª, devolvendo-a ao interessado, valendo esta como prova para todos os
efeitos legais.
§ 2º Estando no Exterior no dia em que se realizarem eleições, o eleitor terá o
prazo de 30 (trinta) dias, a contar de sua volta ao País, para a justificação.
Com a promulgação desta lei a redação do caput do art. 7º do Código Eleitoral
que estabelecia o prazo de 30 (trinta) dias para justificar do não comparecimento às urnas
foi alterada, passando o leitor a gozar do prazo de 60 (sessenta) dias para justificar-se.
A obrigatoriedade do voto está disposta tanto na constituição Federal quanto no
Código Eleitoral, entretanto, se o eleitor deixar de cumprir com o seu dever, deverá
justificar-se perante a justiça eleitoral no prazo de sessenta dias após a realização da
eleição, caso contrario sofrerá as sanções previstas na lei, sendo a primeira sanção a multa
pecuniária, podendo ainda estar sujeito a outras sanções caso não comprove que votou na
ultima eleição.
120
Mesmo não estando obrigados a votar, estão isentos das multas eleitorais caso
apresentem a justificativa no prazo determinado pela lei, caso contrário sofreram as
penalidades fixadas na lei.
119
120
NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Lineamentos do direito eleitoral, p.33.
Cf. FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado. 5.ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva. 1998, p.40.
3.2 COMO SE PROCEDE A COBRANÇA DE MULTAS PARA O ELEITOR QUE NÃO
VOTAR
O eleitor que não votar fica em situação irregular com a justiça eleitoral, sofrendo
limitações de seus direitos cívicos como demonstrado no capitulo anterior, ficando condicionado ao
pagamento das multas para regularizar-se e poder gozar de seus direitos.
A multa para o eleitor que deixar de votar e não justificar nos casos previstos em lei é
estabelecida de acordo com o juiz eleitoral, que levará em consideração as condições econômicas
do eleitor.
O procedimento para a sua imposição e normas a serem seguidas encontram-se no art.
367 do Código Eleitoral:
Art. 367. A imposição e a cobrança de qualquer multa, salvo no caso das
condenações criminais, obedecerão às seguintes normas:
I - No arbitramento será levada em conta a condição econômica do eleitor;
II - Arbitrada a multa, de ofício ou a requerimento do eleitor, o pagamento
será feito através de selo federal inutilizado no próprio requerimento ou no
respectivo processo;
III - Se o eleitor não satisfizer o pagamento no prazo de 30 dias, será
considerada dívida líquida e certa, para efeito de cobrança mediante executivo
fiscal, a que for inscrita em livro próprio no cartório eleitoral;
IV - A cobrança judicial da dívida será feita por ação executiva na forma
prevista para a cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, correndo a ação
perante os juízos eleitorais;
V - Nas Capitais e nas comarcas onde houver mais de um Promotor de Justiça,
a cobrança da dívida far-se-á por intermédio do que for designado pelo
Procurador Regional Eleitoral;
VI - Os recursos cabíveis, nos processos para cobrança da dívida decorrente de
multa, serão interpostos para a instância superior da Justiça Eleitoral;
VII - Em nenhum caso haverá recurso de ofício;
VIII - As custas, nos Estados, Distrito Federal e Territórios serão cobradas nos
termos dos respectivos Regimentos de Custas;
IX - Os juízes eleitorais comunicarão aos Tribunais Regionais,
trimestralmente, a importância total das multas impostas, nesse período e
quanto foi arrecadado através de pagamentos feitos na forma dos números II e
III;
X - Idêntica comunicação será feita pelos Tribunais Regionais ao Tribunal
Superior.
§ 1º As multas aplicadas pelos Tribunais Eleitorais serão consideradas
líquidas e certas, para efeito de cobrança mediante executivo fiscal desde que
inscritas em livro próprio na Secretaria do Tribunal competente. (Parágrafo
acrescentado pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
§ 2º A multa pode ser aumentada até dez vezes, se o juiz, ou Tribunal
considerar que, em virtude da situação econômica do infrator, é ineficaz,
embora aplicada no máximo. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 4.961, de
4.5.1966)
§ 3º O alistando, ou o eleitor, que comprovar devidamente o seu estado de
pobreza, ficará isento do pagamento de multa. (Parágrafo acrescentado pela
Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
§ 4º Fica autorizado o Tesouro Nacional a emitir selos, sob a designação
"Selo Eleitoral", destinados ao pagamento de emolumentos, custas, despesas e
multas, tanto as administrativas como as penais, devidas à Justiça Eleitoral.
(Parágrafo acrescentado pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
§ 5º Os pagamentos de multas poderão ser feitos através de guias de
recolhimento, se a Justiça Eleitoral não dispuser de selo eleitoral em
quantidade suficiente para atender aos interessados.(Parágrafo acrescentado
pela Lei nº 4.961, de 4.5.1966)
Observa-se neste art.286, no §2º e §3º do CE, que cuida sobre os critérios para a
fixação das penas de multa, que em determinadas circunstâncias podem ser aumentadas por
determinação do juiz, bem como deixarem de ser aplicadas caso fique comprovado a
situação de pobreza do condenado, podendo mesmo tornar-se ela ineficaz caso seja
inviável seu cumprimento.121
O art. 286 do CE também tem regras sobre a aplicação da pena de multa:
Art. 286. A pena de multa consiste no pagamento ao Tesouro Nacional, de
uma soma de dinheiro, que é fixada em dias-multa. Seu montante é, no
mínimo, 1 (um) dia-multa e, no máximo, 300 (trezentos) dias-multa.
§ 1º O montante do dia-multa é fixado segundo o prudente arbítrio do juiz,
devendo êste ter em conta as condições pessoais e econômicas do condenado,
mas não pode ser inferior ao salário-mínimo diário da região, nem superior ao
valor de um salário-mínimo mensal.
§ 2º A multa pode ser aumentada até o triplo, embora não possa exceder o
máximo genérico (caput), só o juiz considerar que, em virtude da situação
econômica do condenado, é ineficaz a cominada, ainda que no máximo, ao
crime de que se trate.
Enquanto o CE menciona que a pena de multa deve ter como referencia o salário
mínimo, leis mais recentes como a lãs eleições (Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997),
impõem como base o critério para que o seu cálculo seja em UFIR ( Unidade Fiscal do
Imposto de Renda).122
O Tribunal Superior Eleitoral determinou que as multas previstas no CE seriam
cobradas considerando-se a equivalência entre os valores fixados em salário mínimo e a
121
Cf. COSTA, Tito. Crimes Eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2002,
p.217.
122
Cf. COSTA, Tito. Crimes Eleitorais e processo penal eleitoral, p.216.
UFIR, servindo como medida de valor e parâmetro de atualização monetária, sendo que
estas multas de acordo com as instruções normativas nº 36/96, da Secretaria da Receita
Federal, as multas devem ser recolhidas nas agencias bancárias da rede arrecadadora
federal mediante preenchimento de Documentos de Arrecadação de Receitas Federais
(DARF).123
A Constituição Federal de 1988 em seu art.7º, IV veda a vinculação do salário mínimo
para qualquer fim. A resolução nº 20.132/98 do TSE em seu art.84 fixa o valor de 33,02 Ufirs para
base de cálculo das multas previstas pelo CE. O art 80, §4º estabelece o percentual mínimo de 3% e
o Maximo de 10% desse valor para o arbitramento da multa pelo não exercício do voto. A lei nº
8.383/91 institui a Ufir como medida de valor e parâmetro de atualização monetária.124
As multas e as sanções deveriam ser cobradas de forma efetiva, pois só assim não
contribuiria para uma decadência do sistema democrático, neste sentido Ferreira leciona:
Toda pessoa, seja do sexo masculino ou feminino, é obrigada, ao atingir os 18
anos, a fazer a sua qualificação eleitoral, havendo além de multa, alguns
entraves, inclusive no tocante ao trabalho, correndo, contudo, em certo
descaso em algumas faixas para o atendimento dessa exigência, o que
possivelmente concorre pra aumentar dia a dia o número de faltosos.
O fato é que tanto a Constituição Federal quanto a legislação ordinária
estabelecem a obrigatoriedade de alistamento e voto para aqueles capazes de
exercer os seus direitos políticos, desde que, é evidente, não estejam
impedidos ou dispensados por lei.125
3.3 LEIS DE ANISTIA QUE ENFRAQUECEM O VOTO OBRIGATÓRIO
A cada ano surgem medidas legais que perdoaram os débitos de eleitores, as
famosas leis de anistia, que faz com que o voto perca o seu caráter de obrigatoriedade.
Na prática, observa-se no ordenamento brasileiro, que as multas têm sido sempre
exigidas, porém muitas vezes são dispensadas por diversas leis de anistia, como as Leis nº
5.780, de 5 de junho de 1972, e nº 6.319, de 2 de fevereiro de 1976.126
123
Cf. BECKER, Gustavo; TELLES, Octávio Mendonça. Código eleitoral anotado e manualizado, p.22.
Cf. BECKER, Gustavo; TELLES, Octávio Mendonça. Código eleitoral anotado e manualizado, p.22/23.
125
FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado, p.41.
126
Cf. FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado, p.41.
124
Outros exemplos de leis de anistia: LEI Nº 9.996, DE 14 DE AGOSTO DE
2000,Dispõe sobre anistia de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral em 1996 e 1998; LEI
Nº 9.274, DE 7 DE MAIO DE 1996, Dispõe sobre anistia relativamente às eleições de 3 de
outubro e de 15 de novembro dos anos de 1992 e 1994;LEI Nº 8.985, DE 7 DE
FEVEREIRO DE 1995, Concede, na forma do inciso VIII do art. 48 da Constituição
Federal, anistia aos candidatos às eleições de 1994, processados ou condenados com
fundamento na legislação eleitoral em vigor, nos casos que especifica; LEI Nº 8.744, DE 9
DE DEZEMBRO DE 1993,Anistia débito dos eleitores que deixaram de votar no plebiscito
de 21 de abril de 1993; DECRETO LEGISLATIVO Nº 47, DE 1966, Concede anistia aos
leitores responsáveis por infrações previstas no art. 289 da Lei nº 4.737, de 15 de julho de
1965; LEI N° 1.346, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1951, Considera anistiados os infratores
das leis eleitorais revogadas pela de nº 1.164, de 24 de julho de 1950; DECRETO-LEI N.
41 – DE 6 DE DEZEMBRO DE 1937.
Desta forma, parece atraente para os deixarem de votar serem agraciados com as
leis de anistias dos débitos eleitorais ,pois desta forma não sofreram nenhuma conseqüência
por ter cumprido com seu dever legal, assim:
Com relação ao voto obrigatório ou facultativo, é importante registrar que nas
principais democracias representativas o voto é, sempre, facultativo. Constatase, de fato, uma correlação entre o voto obrigatório e o autoritarismo político.
O voto facultativo é, sem dúvida, mais democrático e aufere melhor a vontade
do eleitor.
Corrobora, ainda, a tese do voto facultativo o fato de que o exercício da
cidadania é um direito fundamental do cidadão na democracia representativa.
É quando o povo, regularmente, exerce o supremo poder. O poder de escolher
os seus representantes.
O exercício da cidadania tem levado à maturidade política. Por outro lado, a
obrigatoriedade do voto, na prática, não tem ocorrido, visto que após os pleitos
eleitorais tem havido a apresentação e aprovação de projetos anistiando os
faltosos.
Temos convicção de que o voto deve ser encarado como um direito e não
como uma obrigação, um dever, passível de punição, por essa razão somos
pela instituição do voto facultativo, mantendo, todavia, o alistamento eleitoral
obrigatório para os maiores de dezoito e menores de setenta anos.127
O Brasil vive numa democracia representativa, conferindo aos representantes
legais do povo a capacidade de legislar sobre regras que serão aplicadas na sociedade. Ao
127
MACHADO, Sérgio. Voto Facultativo. http://www.senado.gov.br/web/HPRFINAL/relat09.htm
ser sancionada e promulgada uma lei de anistia, tanto o representante que cometeu crime
eleitoral passível de ter o seu mandato caçado além das penas de reclusão e detenção a
impostas, bem como o eleitor que deixou de votar tendo que arcar com as multas, serão
beneficiados.
Ao cancelar as punições impostas pela Justiça Eleitoral, a leis de anistia abrangem
tanto as multas aplicadas em decorrência de quaisquer ilícitos eleitorais, previstos na
legislação em vigor, entendendo-se a todos os eleitores que não votaram, aos candidatos,
aos partidos políticos e meios de comunicação.128
A prática reiterada das leis de anistia é mais do que uma dispensa da cobrança de
multas, gerando repercussões negativas, pois prejudica o valor do voto, interferindo na
democracia do país, faltando possivelmente uma melhor compreensão do povo sobre as
conseqüências que as leis de anistiam apresentam e não pensando somente que a
promulgação desta lei o deixará isento de pagar com a multa que é imposta ao eleitor
faltoso.129
A falta de condutas que determinem a cobrança efetiva das multas eleitorais
enfraquecem a obrigatoriedade do voto, fazendo com que cada vez mais eleitores deixem
de comparecer às urnas debilitando o sistema democrático brasileiro, perdendo o disposto
no art.1º, parágrafo único da Constituição, seu real significado, pois estando os eleitores
faltosos convictos que serão anistiados, os representantes não estarão representando o poder
que emano do povo.
128
Cf. TULIO, Denise Vinci. Infrações relativas à propaganda eleitoral: anistia das penalidades pecuniárias.
Paraná Eleitoral. Curitiba: Tribunal Regional Eleitoral do Paraná. n.35, jan/mar.2000, p.20
129
Cf. FERREIRA, Pinto. Código eleitoral comentado, p.41/42
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste presente ano eleitoral, novos debates políticos e discussões entre
representantes partidários tomarão conta dos rádios, jornais e televisões. Fortalecendo e
antecipando esse inevitável debate que se repete a cada dois anos, apresentou-se este tema
como meio de se demonstrar e entender a necessidade da importância do voto, bem como
suas conseqüências e como vem sendo aplicado no ordenamento jurídico brasileiro com a
promulgação da Constituição de 1988 a fim de constituir um Estado democrático.
Desde o início do convívio do homem em sociedade, sempre se fez necessário por
questões de organização, a representatividade como meio de estruturação política e social,
tendo suas primeiras aparições no tempo das antigas repúblicas gregas, especificamente em
Atenas.
Porém, como todo processo, a democracia apresentou variações em sua forma de
representação, tendo como característica primordial em seu início a participação direta do
povo no controle governamental. Isto era possível face ser a quantidade populacional
reduzida daquela época, agregada com as limitações que eram impostas aos cidadãos para
que pudessem fazer parte do corpo eleitoral.
Durante o passar dos anos, a democracia foi modificando-se até chegar ao estado
em que hoje se encontra, com previsão legal na Constituição Federal onde em seu artigo 1º,
parágrafo único estabelece que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, concedendo a democracia características de
representatividade.
Para se estabelecer este ideal de representação política, o povo utiliza-se de
instrumentos democráticos que o ajudam no processo de formação do Estado, na qual,
através do sufrágio, que é o direito que possibilita o eleitor a gozar de sua prerrogativas
eleitorais, concede ao povo mecanismos de controle e fiscalização.
O voto neste contexto de representação democrática apresenta-se como o meio
pelo qual o eleitor comumente utiliza-se para manifestar sua vontade, sendo que diante das
formas estabelecidas na Constituição Federal que possibilita ao povo poder de interferir nas
decisões governamentais por meio de plebiscitos, referendos e iniciativas populares, é por
intermédio do voto que o sufrágio é constantemente exercido, pois o voto é um
direito/dever que o cidadão possui.
Bem como a Constituição Federal o Código Eleitoral também atribui ao voto o
caráter de obrigatoriedade, desta forma, o voto vem sendo tratado como um dever que os
eleitores têm, pois, ao comparecer às urnas, o leitor pode anular seu voto, abrindo mão
desta forma do seu direito de escolher os representantes legais, mas não lhe é permitido
dispor sobre o dever de no dia das eleições apresentar-se no local determinado em que está
obrigado a votar.
Para o eleitor que deixar de comparecer as urnas de forma injustificada, pois a
justiça possibilita através de seu ordenamento constitucional que no caso dos analfabetos,
dos que possuam idade superior a 70 (setenta) anos e os entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito)
anos a faculdade de exercerem seus deveres eleitoras sem que precisem comparecer a
Justiça Eleitoral para justificarem-se, será imposto sanções.
Aos faltosos que não estão respaldados por garantias legais, terão que arcar com
as sanções que lhe são impostas, que vão desde impedimentos de participar em concursos
para exercer função pública até a aplicabilidade de penas pecuniárias.
A cobrança dessas multas deve ser feita conforme procedimento estabelecido no
Código Eleitoral em seu artigo 367, onde será levado em consideração pelo juiz a condição
econômica do eleitor.
De fato seja obrigatório a cobrança de penalidades para quem não votar, as
práticas legislativas vêm sendo coniventes com o exercício do voto facultativo, pois o
eleitor faltoso será anistiados de suas dívidas perante a justiça eleitoral.
Essas multas que não são cobradas são decorrentes do poder do povo de participar
de forma direta no governo e de ser ouvido pela representação política revelam algumas
contradições, mais uma vez justificáveis sob o ponto de vista de que o cidadão não pode ser
punido pois o dever de escolher o representante legal foi cumprido.
Porém, como cabe aos candidatos eleitos que também podem ter sido punidos em
face de infrações à legislação eleitoral, e que não pagaram seus débitos, eles próprios se
autoconcedem o direito de não pagarem por aquilo a que foram condenados pelo Judiciário,
ficando o povo como um mero elemento coadjuvante nestas leis de anistias eleitorais.
Com base nessas concepções, como pode ser obrigatório o voto que impõe ao eleitor
faltoso multas, e depois criando os representantes eleitos pelos que cumpriram com seu dever,
leis que anistiam as multas, enfraquecendo o Estado Democrático de Direito. Desta forma,
estabelecer que o voto no Brasil é obrigatório não é uma expressão precisamente
verdadeira, pois existe os casos de voto facultativo além de se observar na prática que vem
sido estabelecido leis que anistiam os eleitores que não votarem, não precisando arcar com
as conseqüências de não terem votado.
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