Actualidade em terapêutica LEITURAS DO CIM Aparelho cardiovascular cerebral (AVC) não fatal ou morte por causa cardiovascular, ocorreu em 723 doentes (352 do grupo intensivo É aconselhável um controlo glicémico intensivo e 371 do padrão), sem diferenças significativas entre em doentes com diabetes tipo 2? os grupos. Houve 257 mortes por qualquer causa no Effects of intensive glucose lowering in type 2 grupo de terapia intensiva em comparação com 203 diabetes. no grupo com terapia padrão (5.0% vs. 4,0%; Hazard The Action to Control Cardiovascular Risk in Diabetes Ratio (HR) 1.22; IC 95%, 1.01 a 1.46; P=0.04). No gru- Study Group. po de tratamento intensivo ocorreram mais episódios N Engl J Med 2008; 358: 2545-59. de hipoglicemia requerendo assistência e um maior aumento de peso. Intensive blood glucose control and vascular São discutidos os possíveis factores responsáveis outcomes in patients with type 2 diabetes. pela maior mortalidade: diferenças no nível de HbA1c The ADVANCE Collaborative Group. alcançado, velocidade na redução de HbA1c, alterações N Engl J Med 2008; 358: 2560-72. nos fármacos utilizados e na taxa de hipoglicemia. Os autores concluem que, nesta população de do- Diversos estudos têm sido efectuados para dar res- entes, a intensificação do controlo glicémico durante posta às controvérsias existentes sobre os objectivos 3,5 anos não conseguiu reduzir significativamente as de controlo glicémico nos diabéticos. Estes dois estu- complicações cardiovasculares associadas e aumentou dos investigam se uma estratégia terapêutica baseada a mortalidade. na redução intensiva dos níveis de glicemia poderia traduzir-se numa menor probabilidade de aparição de O estudo ADVANCE analisou a possibilidade de complicações em doentes com diabetes mellitus (DM) lograr uma redução da pressão arterial (estudo já tipo 2. Estudos epidemiológicos anteriores mostraram publicado em 2007) e da aparição de acontecimen- que, nestes doentes, a incidência de complicações es- tos vasculares graves, mediante redução dos níveis tava associada ao grau de hiperglicemia. de HbA1c. Neste estudo participaram 11 140 doentes com DM O ensaio realizado pelo grupo do The Action to tipo 2, com mais de 55 anos e com história de doença Control Cardiovascular Risk in Diabetes (ACCORD) ti- macro ou microvascular grave, ou pelo menos outro nha como objectivo avaliar se um controlo intensivo factor de risco cardiovascular, além da diabetes. da glicemia em doentes de alto risco poderia dimi- Um grupo submetido a controlo glicémico intensivo nuir as complicações cardiovasculares. Neste estu- (redução dos níveis de HbA1c para valores de 6,5% ou do participaram 10 251 doentes, entre os 40 e os 79 inferiores) foi comparado com um grupo sujeito a tra- anos, com DM tipo 2 e doença cardiovascular, ou do- tamento padrão (valores de HbA1c a alcançar, confor- entes com 55-79 anos e evidência de aterosclerose, me as normas locais). O tratamento no grupo intensivo albuminúria, hipertrofia ventricular esquerda ou pelo foi realizado com gliclazida de libertação modificada, menos dois factores de risco cardiovascular signifi- juntamente com outros fármacos que fossem requeri- cativos, adicionalmente à diabetes. Os participantes dos, segundo critério do médico. tinham um nível médio de hemoglobina glicosilada basal (HbA1c) de 8,1%, 48 ROF 85 O resultado foi medido por um indicador composto de acontecimentos cardiovasculares (morte por cau- Um dos dois grupos em que foram divididos os sa cardiovascular, enfarte de miocárdio não fatal ou doentes foi tratado com o tratamento padrão para di- AVC não fatal), e microvasculares (aparição ou agra- minuir os níveis de HbA1c até 7,0-7,9% e o outro re- vamento de nefropatia ou retinopatia), avaliados con- cebeu tratamento intensivo para alcançar níveis infe- juntamente, ou por separado. Também se avaliou a riores a 6%. mortalidade por qualquer causa. Com os dois tratamentos foi conseguida a redução Após uma média de seguimento de 5 anos, o valor dos níveis de HbA1c; em 4 meses passaram a um valor médio de HbA1c no grupo de tratamento intensivo foi médio de 6,7% no grupo de tratamento intensivo e de de 6,5% em comparação com 7,3% no grupo padrão; 7,5% no grupo com a terapêutica padrão. 2 125 doentes sofreram um evento macro ou micro- A constatação de um aumento da mortalidade no vascular, com menor frequência no grupo de tratamen- grupo que recebia o tratamento intensivo levou à sus- to intensivo (18,1% vs. 20,0%; HR, 0,90; IC 95%, 0,82 pensão do estudo após um seguimento médio de três a 0,98; P=0,01). Isto deveu-se, principalmente, a uma anos e meio. A variável principal de resultado, compos- redução de eventos microvasculares, especialmente ta por enfarte de miocárdio não fatal, acidente vascular nefropatia (4,1% vs. 5,2%; HR, 0,79; 95% IC, 0,66 a 0,93; P=0,006), sem efeito significativo na retinopatia. O melhor método para conhecer o estado dum in- Ao desagregar a variável combinada, observa-se que divíduo em vitamina D é a medição da concentração os resultados positivos foram à custa da redução das sérica de 25-hidroxivitamina D. complicações microvasculares, já que nas complica- A deficiência em vitamina D causa raquitismo em ções macrovasculares não se observou uma redução crianças e pode precipitar e exacerbar osteopenia, significativa, bem como na morte por causas cardio- osteoporose e fracturas nos adultos. A deficiência em vasculares ou na morte por qualquer causa. Faleceram vitamina D tem sido associada a importantes doenças 1301 doentes, 8,9% no grupo intensivo e 9,6% no pa- crónicas como: aumento de risco de alguns cancros, drão (HR 0,93; IC95% 0,83-1,06; P=0,28). No grupo em doenças auto-imunes, hipertensão e doenças infec- tratamento intensivo houve um maior número de epi- ciosas. sódios graves de hipoglicemia. O artigo define e revê as recomendações para a Em conclusão, esta estratégia de controlo intensivo prevenção e tratamento da deficiência em vitamina D. dos níveis de glicemia logrou uma redução relativa de Para maximizar os efeitos benéficos da vitamina D na 10% nos acontecimentos microvasculares e macrovas- saúde é necessário um nível circulante de 25-hidroxi- culares, principalmente como consequência da redução vitamina D superior a 75 nmol/L, ou 30 ng/mL. A litera- relativa em 21% do risco de aparição ou agravamento tura recente sugere que as recomendações podem ser de nefropatia. inadequadas. Alguns peritos afirmam que, para alcan- Existem algumas limitações a este estudo, uma vez çar esse nível, na ausência de uma adequada exposi- que não se controlaram adequadamente os factores de ção solar, pode ser necessária a ingestão de pelo me- risco não glicémicos. nos 800-1000 UI de vitamina D3 por dia, em crianças e adultos. A vitamina D2, quando dada em concentrações Os ensaios sugerem que o controlo glicémico inten- fisiológicas, pode ser igualmente eficaz para manter sivo pode reduzir os acontecimentos microvasculares, concentrações circulantes adequadas de 25-hidroxivi- mas – pelo menos a curto prazo – pode não melhorar tamina D. os resultados macrovasculares ou pode inclusivamente piorá-los. Pediatria Os editoriais deste mesmo número da revista comentam estes ensaios, assinalando as similitudes e Qual a precisão dos dispositivos de medição para suas diferenças, tais como na duração dos estudos e preparações orais? nos tratamentos hipoglicemiantes e outra medicação Accuracy of oral liquid measuring devices. utilizada. Comparison of dosing cup and oral dosing syringe. Sobhani P, Cristopherson J, Ambrose PJ, Corelli RL. Nutrição Ann Pharmacother 2008; 42: 46-52. Muitos medicamentos estão disponíveis em formula- A deficiência em vitamina D é importante para a ções líquidas, sendo grande a possibilidade de poten- saúde? ciais erros posológicos e de administração. Estudos Vitamin D deficiency: a worldwide problem with health prévios indicaram que para administrar preparações consequences líquidas orais às crianças são utilizadas habitualmente Holick MF, Chen TC. colheres pequenas. A capacidade de uma colher peque- Am J Clin Nutr 2008; 87(4): 1080S-6S. na oscila entre 1,5 e 9 ml, o que pode conduzir, potencialmente, a erros de dosagem. Existem poucos estu- A deficiência em vitamina D é reconhecida actualmente como um problema de saúde a nível mundial. dos para avaliar a utilização de outros dispositivos de medida. A maior causa de deficiência de vitamina D é a falta de O objectivo deste estudo foi avaliar a experiência reconhecimento de que uma exposição moderada ao prévia de consumidores adultos com dispositivos de sol é a maior fonte de vitamina D para a maioria dos medição de preparações líquidas orais, comparar a humanos. exactidão de uma seringa oral com a de um copo dosi- Os factores que influenciam a produção de vitamina D ficador e determinar também a percepção da precisão na pele incluem o uso de protectores solares, a pig- e facilidade de utilização de ambos, na perspectiva do mentação cutânea, a hora do dia, a estação do ano, consumidor. a latitude e a idade. Pouquíssimos alimentos contêm Um total de 96 sujeitos, com um mínimo de 18 vitamina D de forma natural e os alimentos que são anos de idade, completou o estudo. Os participan- fortificados com vitamina D geralmente não satisfazem tes prepararam uma suspensão de 5 ml de uma mar- adequadamente as necessidades de adultos e crianças. ca comercial de paracetamol mediante uma seringa O envelhecimento está associado a concentrações di- oral (EZY Dose) e utilizando o copo dosificador pro- minuídas de 7-dehidrocolesterol, o precursor de vita- porcionado pelo fabricante. Definiu-se uma dosagem mina D3, na pele. aceitável como 5.0 ± 0,5 ml. Depois, os participantes ROF ROF 79 85 49 LEITURAS DO CIM preencheram um inquérito para avaliar as suas per- tamol 15 mg/kg por dose e ibuprofeno 10 mg/kg por cepções e o uso prévio de dispositivos de medida para dose. líquidos. Os doentes receberam paracetamol mais ibuprofe- Os participantes notificaram usar habitualmente no, paracetamol ou ibuprofeno; todos os pais recebe- conta-gotas (68%), copos dosificadores (67%) e co- ram duas embalagens de medicamentos, as duas com lheres (62%) para medir preparações líquidas orais. fármacos activos ou uma delas contendo o medicamen- Do total de participantes, 64 sujeitos (66,7%) prepa- to activo e a outra com placebo. raram uma dose aceitável com a seringa em compara- Os dois resultados principais analisados foram o ção com 14 (14,6%) com o copo dosificador. O volume tempo que a criança permanecia sem febre (<37,2°C) médio com seringa e com copo foi de 4,5±0,7 ml e de nas primeiras quatro horas após a administração da 6.3±0,7 ml, respectivamente. primeira dose e a percentagem de crianças com um Após ter utilizado ambos os dispositivos, a maioria bom estado geral (normais na escala de desconforto) dos sujeitos pensava que a seringa (80%) e o copo às 48 horas. As variáveis secundárias incluíram o tem- (71%) mediriam uma dose exacta. A maioria dos su- po até à desaparição da febre, o tempo total sem febre jeitos (87%) considerou que o copo era fácil de usar, durante as primeiras 24 horas, os sintomas associados enquanto 63% indicava que a seringa era fácil de à febre e os efeitos adversos. Foi realizada uma análise usar. por intenção de tratar. Em resumo, os conta-gotas e os copos dosificado- A administração de paracetamol mais ibuprofeno res são os dispositivos mais utilizados no domicílio. foi superior ao paracetamol em relação a um menor A probabilidade de que se obtivesse uma dose acei- tempo com febre nas primeiras quatro horas (diferen- tável foi maior com a seringa do que com o copo. No ça ajustada de 55 minutos, IC 95% 33 - 77; P <0,001) entanto, uma grande proporção dos participantes não (4,4 horas, 2,4 a 6,3; P <0,001). O uso dos dois fár- conseguiu obter uma dose exacta com nenhum dos macos foi superior ao ibuprofeno só em 16 minutos, dispositivos. uma diferença não significativa (p=0,2). O uso de pa- Os farmacêuticos comunitários podem educar os uti- racetamol mais ibuprofeno foi superior a paracetamol lizadores sobre a escolha e o uso correcto dos dispositi- (4,4 horas; IC 95% 2,4-6,3; P=0,001) e a ibuprofeno vos de medição, para melhorar a precisão da adminis- (2,5 horas; 0,6-4,4; P=0,008) no menor tempo com tração de medicamentos no domicílio. febre durante as primeiras 24 horas. A terapêutica com os dois fármacos conseguiu o desaparecimento da febre 23 minutos mais rapidamente do que o para- Paracetamol, ibuprofeno ou a sua associação cetamol, mas não com mais rapidez do que o ibupro- para crianças com febre? feno. Não se observaram diferenças em relação aos Paracetamol plus ibuprofen for the treatment of fever efeitos adversos entre os grupos. Não foi encontrado in children (PITCH): randomised controlled trial. benefício para o desconforto ou outros sintomas, ain- Hay AD et al. da que a potência do estudo para esses resultados BMJ 2008; 337: a 1302. fosse baixa. http://www.bmj.com/cgi/reprint/337/sep02_2/a1302 Os autores do estudo concluem que os resultados apoiam o uso de ibuprofeno como fármaco de primei- Este estudo aleatorizado com três grupos de tratam- ra eleição para complementar as medidas físicas em mento foi realizado em cuidados primários e destinou- crianças com febre, e que devem ser considerados os -se a avaliar se a administração de paracetamol mais efeitos benéficos e os riscos de administrar paraceta- ibuprofeno seria superior a cada fármaco em monotera- mol e ibuprofeno por mais de 24 horas. pia, com a finalidade de aumentar o período sem febre e alívio do desconforto associado em crianças. Foram incluídas 156 crianças com idades entre os Aurora Simón 6 meses e os 6 anos e temperaturas axilares entre os Centro de Informação do Medicamento 37,8°C e os 41,0°C. Foram proporcionadas instruções orais e escritas aos pais sobre o uso apropriado de medidas físicas para redução da temperatura, como vestuário ligeiro, e recomendada a toma de líquidos frescos para uma correcta hidratação. Também receberam conselhos sobre a forma de utilizar os medicamentos durante 48 horas: paracetamol cada 4-6 horas (com um máximo de quatro doses em 24 horas) e ibuprofeno cada 6-8 horas (com um máximo de três doses em 24 horas). A dose foi determinada pelo peso da criança: paraceOs artigos podem ser consultados no CIM. Quando os artigos são de acesso gratuito são indicados os endereços na Internet 50 ROF 85