Entrelaçando Revista Eletrônica de Culturas e Educação N. 6 • V.2 • p. 29-45 • Ano III (2012) • Set.-Dez. • ISSN 2179.8443 Caderno Temático V Educação, Escolas e Movimentos Sociais do/no Campo EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO AFIRMAÇÃO DO PROJETO EMANCIPATÓRIO: Contribuições e contradições da Pedagogia do MST Cléber Eduão Ferreira1 RESUMO: O presente artigo investiga como as categorias luta social do campo e a identidade de classe são tratadas na Proposta Educativa do Movimento Sem Terra - MST. As análises estão pautadas em revisões bibliográficas e documentais, na leitura de materiais publicados pelo (e sobre) MST (livros, artigos e periódicos) e outros disponibilizados na Internet (matérias de jornais, revistas, etc.), todos eles resultantes de reflexões sobre sua prática na luta social. O estudo evidencia uma mudança gradativa nos princípios gerais e na proposta de reforma agrária do MST desde a sua institucionalização formal em 1984, enquanto que na sua proposta pedagógica, mesmo apresentando diversas contradições, apontam para a necessidade da articulação entre luta social e um projeto identitário da classe trabalhadora. Palavras-Chave: Luta Social. Identidade de Classe. MST. Educação do Campo ABSTRACT: This paper investigates how categories of social struggle and class identity field are treated in Motion Educational Landless Movement - MST. The analyzes are guided by literature review and documentary, reading materials published by (and about) MST (books, articles and journals) and others available on the Internet (newspaper articles, magazines, etc..), All resulting from reflections on his practice in the social struggle. The study shows a gradual change in the general principles and the proposed MST agrarian reform since its formal institutionalization in 1984, while in his pedagogical proposal, even presenting several contradictions point to the need for coordination between social struggle and identity project the working class. Keywords: Social Struggle. Class identity. MST. Field Education 1 Graduado em Pedagogia – Habilitação em Administração e Coordenação de Projetos Pedagógicos, Campus IX – Universidade do Estado da Bahia - UNEB, com especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial do Semiárido Brasileiro, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB / CFP, Campus Amargosa-BA. E-mail: [email protected] Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 30 Introdução O presente artigo é o resumo de um dos capítulos da nossa monografia de conclusão do curso de Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial do Semiárido Brasileiro, apresentada em novembro de 2012 à Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB | Centro de Formação de Professores. O momento histórico atual está marcado pela multiplicidade de “discursos” e experiências em educação do campo, o que nos provocou a necessidade de fazer um balanço da pedagogia do MST e analisar em que medida esta apresenta contribuições para um projeto identitário emancipatório2 da sociedade. Além do mais, em algumas leituras que tivemos acesso sobre o “Movimento Por uma Educação do Campo”, principalmente nos últimos cadernos3, percebemos ausência de referências a um projeto histórico da classe trabalhadora. Propomos como objetivo principal investigar, nesse sentido, como a luta social do campo e a identidade de classe são tratadas na proposta educativa desenvolvida pela Pedagogia do Movimento Sem Terra em seus documentos específicos. Apontamos a partir das análises documentais e também da leitura de diversos pesquisadores, perspectivas para o fortalecimento do projeto identitário emancipatório do MST, e, conseqüentemente, da classe trabalhadora, identificando contribuições, mas também desafios. Para nos auxiliar nas análises referendamos COSTA (2012); DALMAGRO (2011); ERMAKOVA, A., RÁTNIKOV, V. (1986); MARX, K; ENGELS (2003); MENEZES NETO (2009); PONCE (2001); RIBEIRO (2010); STEDILE (2005); VENDRAMINI (2008); SILVA (2009), dentre outros. O artigo está divido em três momentos: 1) breves reflexões sobre Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório da classe trabalhadora em construção; 2) quais as relações da luta pela reforma agrária e a pedagogia do MST – contribuições e contradições e 3) considerações finais. Educação do Campo como Afirmação do Projeto Emancipatório Educação do Campo é resultante Da resistência à classe opressora Pelas lutas da classe trabalhadora Que na história humana é constante. Cléber Eduão Ferreira 2 Segundo TONET (1997: 155) “a emancipação humana não é nem uma utopia ou simples idéia reguladora, nem um acontecimento inevitável. É uma possibilidade, certamente a mais conveniente para a humanidade, mas apenas uma possibilidade que dependerá da ação dos próprios homens para tornar-se realidade”. 3 Por uma Educação do Campo: Contribuições para a Construção de um Projeto de Educação do Campo, Organizadoras Mônica Castagna Molina e Sônia Meire Santos Azevedo de Jesus. Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 31 Se “a história de todas as sociedades que existiram até hoje é a história de lutas de classes” (MARX & ENGELS, 2003, p. 45), a história da instituição escolar, desde o seu nascimento, e, principalmente após a revolução burguesa não tinha como não carregar em seu estatuto interesses de classe. Evidente que nas comunidades primitivas pré-capitalistas (sem classes), o que acontecia era uma educação espontânea e informal que não estava sob controle de nenhum grupo, pois tinha como objetivo único a sobrevivência das tribos. (PONCE, 2001). Mas, segundo o mesmo autor, a educação institucionalizada sempre foi negada para maioria da população, enquanto uma pequena minoria rica gozava de todos os privilégios. Quando olhamos rapidamente para a história do Brasil, é fácil notar que a educação da população pobre não vai ser diferente. Como lembra Romanelli (1978), nossa história já começa com a chegada dos jesuítas que foram os primeiros “educadores”. Eles vieram para o Brasil após a “chegada” dos portugueses com o intuito de catequizar os índios, num modelo de educação em que o índio se tornasse submisso. Daí em diante a história é a mesma com a classe dos trabalhadores e trabalhadoras (camponeses e camponesas). Dito isto não é difícil entender o porquê do nascimento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST (e de muitos outros movimentos sociais). Ele é fruto das contradições e da luta de classes. Sempre existiram no Brasil insurreições das populações oprimidas e sempre existirão enquanto vivermos numa sociedade que se ancora na exclusão e na desigualdade. Essas lutas do MST, como tantas outras, são alicerces em construção de uma contrahegemonia. Conforme Gramsci (ARANHA, 1981) hegemonia significa dirigir, guiar ou conduzir e uma classe é hegemônica quando tem o poder de conduzir, através da força bruta ou através das idéias, os dominados. Quando os trabalhadores e trabalhadoras passam a não aceitar essa dominação docilmente, e se organizam e contestam essa hegemonia, Gramsci acredita estar nascendo aí uma contra-hegemonia. As contradições no campo brasileiro são visíveis, com seus latifúndios e concentração das terras. Enquanto de um lado representando a classe hegemônica estão os exploradores do trabalho escravo, grileiros de terras, defensores do agronegócio, dos venenos etc. do outro, como categoria importante da classe trabalhadora, os movimentos sociais do campo (confrontacionais), com suas diversas estratégias e formas de resistir as enxurradas do grande capital. A educação do e no campo brasileiro, nesse sentido é um território em disputa. Segundo Menezes Neto4: 4 Artigo Formação de Professores para a Educação do Campo: Projetos Sociais em Disputa, de Antônio Júlio de Menezes Neto, publicado no livro Educação do Campo: Desafios para a Formação de Professores, organizado por Maria Isabel Antunes Rocha e Aracy Alves Martins, Editora Autêntica, Belo Horizonte, 2009. Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 32 No campo brasileiro, neste novo século, apresentam, basicamente, dois projetos políticos em disputa: de um lado, o agronegócio, que se apresenta como globalizado e moderno e, de outro, o camponês que, apesar de produzir boa parte dos alimentos para consumo interno no Brasil, é considerado retrógrado (MENEZES NETO, 2009, p. 25). Educação do e no campo, portanto, tem que ser analisada aqui numa perspectiva determinada para formação da consciência e libertação da classe trabalhadora, dentro do marco da emancipação social, na busca da superação do capitalismo. Assim, não pode ser entendida apenas como um direito social a ser conquistado no Estado burguês ou dentro do viés diferencialista de valorização e respeito cultural, mas, principalmente, num horizonte de luta pela igualdade, ou seja, um meio (não o único) para contribuir na transformação da realidade brasileira, da liberdade da classe trabalhadora do julgo do Estado capitalista. Para chegar à emancipação de fato, de acordo com essas análises pelo próprio Marx, exige-se a superação do capital e do Estado, “não se trata, nessa perspectiva, de democratizar o estado em nome da liberdade, pois essa liberdade (...) só é verdadeiramente possível superando o Estado” (IASI, 2011, p. 74). A emancipação humana é contrária ao Estado burguês, nega a propriedade privada e a venda da força de trabalho como mercadoria e só acontecerá em uma outra sociedade. Para construir uma outra sociedade, torna-se necessário a luta, resistência e uma identidade de projeto histórico claro, contributo para formação da consciência, que se materializa em ação. Parte dos movimentos sociais de luta vem vivenciando e percebendo que dentro das condições atuais, é imperativo não ficar apenas lamentando o processo de dominação exercido pelo capitalismo, mas, com perspectiva de um projeto histórico de sociedade, construir na luta uma nova história. O MST tem dito isso em seus documentos. A busca pela emancipação social, a ser encampado pela classe trabalhadora, e que, os trabalhadores e trabalhadoras do campo estão inclusos, não pode perder de vista o projeto coletivo, e, para isso, a consciência da classe é prérequisito. Consciência de classe (ou para si) é consciência da transformação ou consciência da ação; superação da consciência de si, e, portanto, muito mais do que consciência crítica. Acreditamos que no momento histórico atual é necessário lutar pela unidade de classe (identidade de classe) como projeto histórico, bem como fortalecer as ações concretas e teóricas para enfrentar o fatalismo do “discurso” dominante, apesar das primeiras serem primordiais. Desde a educação jesuítica até as lutas e propostas dos movimentos sociais de luta do campo, existiram alguns projetos, programas e iniciativas educacionais para o meio rural por parte do Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 33 Estado5. Num certo período da história recente da república brasileira, é possível agrupá-los em dois movimentos: um chamado ruralismo pedagógico e outro urbanismo pedagógico (LEITE, 1996). A proposta de educação libertadora de Paulo Freire da década de 60, apesar de ter influenciado muitos movimentos no Brasil, foi “emudecida” (temporariamente) nas iniciativas e prerrogativas do governo militar. O Ruralismo Pedagógico propunha basicamente alternativas para o campo no sentido de conter o movimento migratório que começara devido ao crescimento industrial. Segundo Maia (MAIA apud LEITE, 1996, p.28), esse movimento queria “uma escola integrada às condições locais regionalista, cujo objetivo maior era promover a fixação do homem ao campo”. Percebe-se, nesse primeiro momento, que por trás desse “discurso para o campo” e não do campo, apesar de à primeira vista parecer comprometido, interesses ideológicos visíveis das elites urbanas. Nesse sentido esclarece Leite (1996, p.29): “o ruralismo contou também com o apoio de alguns segmentos das elites urbanas, que viram na fixação do homem no campo uma maneira de evitar a explosão de problemas sociais nos centros urbanos”. Enquanto de um lado o Ruralismo Pedagógico pregava um ideal, do outro lado, “o discurso” do Urbanismo Pedagógico voltava-se para negação da existência de uma divisão entre rural e urbano. Essa concepção não deixa de ser ideológico. Segundo Silva (apud LEITE, 1996, p. 161), o Urbanismo Pedagógico, acreditava não haver “necessidade de se fazer essa distinção entre campo e cidade (...) a escola deveria ensinar uma cultura geral e informações gerais que possibilitassem ao ser humano integrar-se, adaptar-se a essa realidade”. Essa realidade seria o futuro do rural, que segundo esse discurso, não teria outro destino, senão a cidade. O campo estaria pré-destinado a um dia, urbanizar-se. É essa visão que vai perpassar em muitos outros programas e iniciativas do Estado, o que para nós carece de um aprofundamento e problematização. Qualquer iniciativa vertical proposta pela classe hegemônica na sociedade, sem o consentimento e participação das populações camponesas (ou até mesmo com a participação dessas), certamente não permitirá qualquer questionamento às premissas do capital, ou se apegam à ruralismos pedagógicos (que nos lembra um pouco as políticas diferencialistas irredutíveis) ou à urbanismos pedagógicos (o que também é insuficiente e não questiona a lógica do capital, além de negar irredutivelmente as culturas camponesas). O MST tem questionado essas políticas compensatórias para o campo, principalmente ligadas a educação. Como já dissemos, está clara a parcialidade do Estado burguês, pois, quando este 5 Campanha Nacional de Educação Rural – CNER; Serviço Social Rural – SSR, Campanhas de Educação de Jovens e Adultos – EJA; Polonordeste; Pronasec; Pró-município; Plano Nacional de Desenvolvimento – PND; Plano Setorial de Educação, Cultura e Desportos – PSECD, Edurural, dentre outros. Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 34 oferece uma educação para o campo (ou educação rural), sem o consentimento dos trabalhadores que estão no campo, logicamente, a educação “oferecida” (imposta) será mais um instrumento para camuflar a luta de classes, não formar trabalhadores com consciência da classe (identidade de classe), menos ainda contribuir para emancipação social. Ao não concordar com a terminologia “educação para o campo” (ou educação rural), Caldart (2004) defende uma “educação no e do campo”, ou seja, as pessoas têm o direito de serem educadas NO campo e essa educação não pode ser pensada de fora pra dentro sem o consentimento e demandas dos sujeitos DO campo. Compreendemos as limitações da educação no e do campo dentro do Estado burguês, mas Caldart (2004) consegue trazê-la para o foco da resistência e, portanto, apresenta-a como negação da educação rural que tem estado historicamente nas entrelinhas das propostas pedagógicas de Governos “para o campo”, bem como nas entranhas da escola tradicional. Dalmagro (2011) e Vendraminni (2008) acreditam que o Movimento por uma Educação do Campo (EdoC) tem se afastado da perspectiva da luta de classes, isto é, “a formulação da questão expressa na denominação Educação do Campo não deixa clara a marca de classe e permite uma oposição (falsa) entre campo e cidade”. (DALMAGRO, 2011, p. 70 apud VENDAMINNI, 2008). Estamos compreendendo aqui, assim como Ribeiro (2010) e outros autores referendados que a educação rural deve ser entendida como instrumento do capital e a educação do e no campo (apesar das contradições incutidas no conceito) como demandas históricas dos movimentos sociais populares, da classe trabalhadora. As relações entre a luta pela reforma agrária e a pedagogia do MST: contribuições e contradições Em 1984, após o 1º Encontro Nacional do MST é que foi elaborada a sua primeira proposta de um Programa de Reforma Agrária (MORISSAWA, 2001). Se compararmos com a Proposta de Reforma Agrária Unitária dos Movimentos Camponeses do Brasil elaborada ainda em 1961, fruto do momento histórico específico, iremos perceber semelhanças, inclusive a defesa de uma reforma agrária mais radical (STEDILE, 2005). Nesse primeiro programa de reforma agrária do MST, as categorias luta social e identidade de classe aparecem, sendo a primeira explicitamente e a segunda mais nas entrelinhas. Nos princípios gerais do documento fica claro a necessidade de articulação da classe trabalhadora para construção de uma outra sociedade, e como estratégias de luta as ocupações, marchas e caminhadas (MST, 1989). Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 35 Desse período de institucionalização até os dias atuais, camponeses e camponesas ligadas ao MST vem se organizando na luta, todavia, apesar dos avanços, ao observamos os dados levantados pelos Relatórios do DATALUTA (2010), perceberemos uma gradativa redução de ocupações, assentamentos obtidos e grandes manifestações sociais nos últimos 5 ou 6 anos, o que podemos aferir de forma parcial é que as linhas e estratégias de ação do MST foram sofrendo modificações no decorrer dos anos, sem esquecer todo um contexto histórico pós-ditadura militar, governos neoliberais e eleição do governo Lula (dito popular). De forma resumida, desde o princípio do Movimento aos dias atuais, a categoria luta pela reforma agrária (luta social) é referendada em documentos oficiais do MST. O que os próprios integrantes do Movimento vão nos dizer é que, no momento histórico, passaram a defender uma Proposta de Reforma Agrária Popular, a qual, ao contrário de uma concepção mais radical, propõe um diálogo e aliança dos camponeses com governos de natureza popular, com amplo processo de desapropriação dos latifúndios e atendimento aos diversos direitos sociais a essa população. (STEDILE, 2012; FERNANDES, 2012)6. O que acreditamos ser legítimo, mas limitador, se o Movimento se propõe questionador do estado das coisas (e do Estado Burguês) e às vezes se diz ancorar-se num outro projeto histórico de sociedade. Para analisarmos as contribuições e contradições da proposta educativa do MST, bem como identificar como a luta social e identidade de classe aparecem, fizemos sínteses de alguns documentos, dentre eles: 1) O Dossiê MST Escola: Documentos e Estudos (1990-2001); 2) O Documento Manifesto das Educadoras e dos Educadores da Reforma Agrária ao Povo Brasileiro (1997); 3) A Pedagogia do Movimento Sem Terra – Roseli Caldart (2004) e 4) o Caderno do ITERRA, Ano X, No 15 (2010). Para melhor entendermos as relações entre a luta pela reforma agrária e proposta educativa do MST, dividimos o período de 1984 a 2012 em três: De 1984 a 1990; De 1991 a 2000 e de 2001 a 2012. De 1984 a 1990: Este foi um período em que o MST, fruto de um contexto social bastante excludente, defendia uma reforma agrária, na nossa opinião, mais radical e, explicitamente, deixava claro em seus princípios gerais que a luta social pela reforma agrária era também uma luta contra o capitalismo, além de buscar articular a classe trabalhadora. Dos documentos pedagógicos que pesquisamos não identificamos nenhum escrito nesse primeiro período. De 1991 a 2000: Identificamos esse período como indefinido ou intermediário na proposta de Reforma Agrária do MST. Foi também esse período que apresentou um maior número de 6 Dicionário Educação do Campo, 2012 Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 36 ocupações e conflitos, e coincide com os momentos de maior produção dos cadernos pedagógicos (Dossiê MST Escola). Há uma busca explícita, principalmente nos últimos textos pedagógicos do Dossiê MST Escola, com foco na luta social para além das conquistas da categoria e da passagem da consciência de si para consciência de classe (identidade de classe). Esse terceiro momento já referenda bases teóricas que buscam primeiro, romper com o histórico de negação do movimento camponês como protagonista na luta contra o capital, assim apresentado-o como sujeito histórico7 na transformação radical da sociedade. Mas, precisamos questionar: Como contribuir para formação de sujeitos políticos coletivos da luta de classes se em nenhum momento o Movimento se propõe tomar o poder? Há de fato afirmações categóricas nos princípios filosóficos e pedagógicos do MST e uma intencionalidade transformadora (diríamos assim), todavia, nos próprios documentos são alegadas dificuldades práticas para que as orientações cheguem às escolas do Movimento. Mesmo que a formação desses sujeitos políticos coletivos seja possível em curto ou médio prazo, como fazer desse esforço (diríamos pedagógico) uma “transformação radical da sociedade” sem a tomada do poder das mãos da classe dominante? Ermakova & Rátnikov (1986), inspirados em Marx e Engels, acreditam que na luta de classes, todas as lutas são importantes (apontando seus limites é claro), incluindo a luta econômica, a luta ideológica no campo das idéias e a principal, a luta política, esta última, considerada pelos autores como “a forma superior de luta de classe (...) diferentemente da luta econômica, cujos objetivos se reduzem à satisfação das necessidades econômicas e sociais quotidianas dos trabalhadores, a luta política é a luta pelos interesses radicais do proletariado” (ERMAKOVA; RÁTNIKOV, 1986, p. 120). E, segundo os mesmos autores, sem a perspectiva de tomado do poder, sem um partido que unifique as lutas econômicas (de sindicatos, associações culturais, movimentos educacionais, movimentos identitários, movimentos de luta do campo, etc.) não existe possibilidade real de “cumprir a sua tarefa radical: a liquidação da ordem capitalista e a realização da revolução socialista” (ibid, p. 129). Bogo (2010) e Costa (2012) comungam desse entendimento. Acreditamos que, assim como Ribeiro (2010) o MST pode ser considerado como um sujeito político coletivo em 7 Ribeiro (2010) conceitua os significados de sujeitos sociais, sujeitos históricos e sujeitos políticos coletivos. Sujeito social são organizações que podem representar tanto o trabalhador quanto o grande capital, qualquer grupo ou categoria que se organiza e luta, independente da bandeira que defenda, pode ser considerado como sujeito social. Já o sujeito histórico está mais relacionada a classe com condições de protagonizar a transformação da sociedade. Assim como a burguesia protagonizou o fim do feudalismo, o movimento operário, em muitos momentos da história, protagonizou a luta contra a classe burguesa. O sujeito político coletivo é capaz de unificar “uma diversidade de interesses específicos, próprios da identidade à qual nos referimos, mas também da contraditoriedade presente no seu interior, através do movimento de conservar/transformar. (RIBEIRO, 2010, p.136). Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 37 construção, pois tem protagonizado uma luta contra a grande propriedade privada apontando para uma identidade de projeto e com caráter de classe, influenciando inclusive muitos outros movimentos camponeses e urbanos. Organizações como a Via Campesina tem conseguido unificar alguns movimentos camponeses no Brasil e no mundo em torno da luta maior, no entanto, acreditamos que os limites (digamos revolucionários) estão justamente na dificuldade e disposição dos militantes de esquerda de lutar por um partido operário-camponês autônomo e independente, o que dificulta e retarda a tomada do poder das mãos da classe opressora. De 2001 a 2012: é um período onde o MST consolidou sua proposta de reforma agrária, a qual ficou intitulada como Proposta de Reforma Agrária Popular8, inspirada nas mudanças anunciadas pelo Presidente Lula, eleito em 2003 com forte apoio popular e dos Movimentos Sociais. A partir da segunda metade desse período há um abrandamento da luta pela reforma agrária e uma redução de conflitos, ocupações e novos assentamentos, ao mesmo tempo em que se identifica uma redução de material especifico sobre educação do MST, e de ascensão da produção sobre a Educação do Campo, ou seja, quando se amplia a discussão em torno do Movimento por uma Educação do Campo do qual o MST é um dos principais protagonistas, há um decréscimo da produção sobre a Educação do MST. Os dois documentos pedagógicos que analisamos nesse período são: A Pedagogia do Movimento Sem Terra, tese de Caldart defendida em 1999, mas publicada em 2004 pela Expressão Popular (2ª edição) e o Caderno do ITERRA, Ano X, No 15 (2010), os quais serão problematizados separadamente. 3) O Livro A Pedagogia do Movimento Sem Terra é um aprofundamento dos princípios apresentados nos últimos textos do Dossiê MST Escola. O foco do livro é entender como o movimento social é educativo, ao mesmo tempo em que produz uma cultura de luta enquanto luta: “trata da formação humana em sua relação com a dinâmica de uma luta social contemporânea: a luta pela Reforma Agrária”. (CALDART, 2004, p. 18). Já nos primeiros processo de formação do MST, a categoria luta social aparece de forma basilar tanto que o estudo das lutas pela terra no Brasil e na América Latina eram conteúdos de formação das lideranças (CALDART, 2004). E o sentido sociocultural do MST, segundo a autora, é justamente projetar essa luta social para além da reforma agrária e entendendo a cultura “enquanto uma dimensão dos processos de formação de novos sujeitos sociais”. (ibid, p. 37), tendo a formação desses sujeitos como um processo cultural intencional. Segundo a autora, “as condições sociais produzidas pelo início da sociedade capitalista (...) produziram a luta operária. A luta operária produziu o movimento operário (...) e foi transmitida exatamente como cultura”. (ibid, p. 75). Em todos os capítulos do livro é ressaltada a luta social 8 MST – Lutas e Conquistas. 2ª Edição, 2010. Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 38 como base para existência dessa Pedagogia do Movimento e como alicerce para reconstrução da própria identidade dos trabalhadores e trabalhadoras, identidade essa vinculada a “uma luta social, com uma classe e com um projeto de futuro”. (ibid, p. 33). De fato a luta operária produziu o movimento operário e uma cultura política foi sendo construindo a partir dessa luta, todavia o que Caldart (2004) não pode esquecer, é que, havia uma pretensão de tomar o poder da classe dominante. Outrossim, o movimento operário se propôs fundar um partido, mesmo reconhecendo as disputas e contradições do mesmo. Caldart (2004) defende, basicamente, que as palavras-chaves luta, organização, coletividade, terra, cultura e história resumem a Pedagogia do MST, e as trazem nas cinco matrizes básicas: 1ª) A Pedagogia da Luta Social significa “manter os sem terra em estado de luta permanente é uma das estratégias pedagógicas mais contundentes produzidas pelo Movimento”. (ibid, p. 333); 2ª) Pedagogia da Organização Coletiva coloca a luta social em movimento e educa os sem-terra para além do individualismo, “a ocupação é, como disse Stedile, a matriz organizativa do Movimento, à medida que foi em torno dela que se constituiu e se formatou a coletividade sem-terra”. (ibid, p. 343); 3ª) A Pedagogia da Terra, base da luta social do MST significa dizer que “os sem-terra do MST se educam em sua relação com a terra, com o trabalho e com a produção (ibid, p. 351); 4ª) A Pedagogia da Cultura mistura as demais pedagogias: “há cultura na pedagogia da luta, na pedagogia da organização coletiva, na pedagogia da terra e da produção e na pedagogia da história”. (ibid, p. 366); 5ª) A Pedagogia da História acredita haver “um componente pedagógico fundamental também no conhecimento e na compreensão da história”. (ibid, p. 376). As contribuições para a luta social e identidade de classe foram intensamente lembradas na Pedagogia do MST, no entanto, não podemos negar suas contradições. As contradições na Pedagogia do Movimento Sem Terra são assumidas pela própria Caldart (2004), ao reafirmar o seu dinamismo constante nas práticas do Movimento e concepções teóricas que a vão abarcando na caminhada, além disso, nos lembra que “essas pedagogias, ao mesmo tempo (em) que se combinam, podem, em alguns momentos, também contradizer-se, sendo a busca da coerência (...) um desafio pedagógico”. (ibid, p. 330). Ao analisar o Dossiê MST Escola, inclusive alguns textos de Caldart que tratam da Pedagogia do MST, TEIXEIRA (2009) verifica um ecletismo teórico prejudicial e perigoso, pois perspectivas diferentes e antagônicas ao serem misturadas, podem acarretar em uma desorientação da sua militância e das linhas de ação de um Movimento importante quanto o MST. Dentre várias contradições destacaremos aqui algumas que pudemos observar. Além das constatações de TEIXEIRA (2009) e focando especificamente nosso estudo, é possível verificar primeiramente que na matriz Pedagogia da Luta Social confirma que ela nasce e existe da “luta Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 39 permanente” (luta pela Reforma Agrária) do Movimento. Questionamos: Quais os rumos a pedagogia do MST tem tomado num período de descenso da luta e do confronto pela reforma agrária? Qual é a relação disso com redução de produção teórica sobre educação própria do MST? Qual a relação da paralisia da reforma agrária com a ascensão da produção teórica e de políticas públicas para Educação do Campo? Porque parece que os princípios políticos-filosóficos da Pedagogia do MST aparecem diluídos nas discussões e textos da Educação do Campo? Qual o balanço político do MST desta ascensão das políticas em torno da Educação do Campo? Está evidente, a compreensão de cultura em Caldart (2004) vai além da tradição, pois enxerga a cultura como projeto, um conjunto de valores e jeitos forjados na luta social (identidade de resistência com projeto de futuro), todavia, como a própria autora nos lembra, contraditoriamente, na tentativa de não cair na mesma armadilha dos “discursos” culturalistas a-históricos, afirma “não inscrevo esse trabalho numa certa tendência teórica atual que passou a considerar a cultura como categoria central”. (ibid, p. 91), só que ao mesmo tempo pensa a Matriz Pedagogia da Cultura como espinha dorsal da Pedagogia do MST, misturando a esta todas as outras matrizes pedagógicas. Corre o risco de se perder em meio as demandas culturalistas de forma irredutível (ou não), se fechar como categoria social (sem identidade de classe). Nas palavras de IASI (2011), para alcançar a identidade de classe (ou consciência de classe) é preciso ir além das reivindicações do grupo e das conquistas imediatas da categoria (consciência de si). Nos parece que muitos educadores e educadoras sociais, erroneamente, já vêem a Pedagogia da Cultura numa perspectiva cultural relativista, conservadora e a-crítica das tradições culturais, se esquecem que por esse caminho os valores de convivência, união, solidariedade dos camponeses (e camponesas) coexistem e se misturam com todos os equívocos e vícios burgueses, não percebendo os opressores hospedados dentro deles (delas), como nos diria Paulo Freire (1987). Terminam se esquecendo das lutas (imediatas ou não) e se contentando em preservar a(s) cultura(s) e a(s) identidade(s), sem questioná-las, entendendo-as como separadas de uma totalidade social contraditória, prendendo-se então a localismos cristalizados. Ao contrário dos últimos textos do Dossiê MST Escola, em Pedagogia do Movimento Sem Terra, Caldart (2004) ora apresenta a Pedagogia do Movimento numa perspectiva de classe (nas entrelinhas), ora apenas como formadora desse sujeitos sociais. É tanto que o papel da escola é visto (para além da escola) como contributo mais para ajudar formar os sujeitos sociais para assumirem a luta social do que revolucionária: “o MST não assumiu a escola como uma de suas tarefas para construir uma escola revolucionária modelo, mesmo que este até pudesse ser, no início, o propósito de alguns membros de seu Setor de Educação”. (ibid, p. 393). A autora reafirma que a Pedagogia do Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 40 MST está em construção, mas como defendê-la fruto da luta concreta se há momentos em que a coloca com objetivo de classe e com projeto de futuro sem ser revolucionária? Ou sem pretender ser revolucionária? A autora acredita que Sua herança será menos o número de assentamentos conquistados e mais a convicção ou o aprendizado coletivo de que as pessoas se fazem mais humanas, quando movidas pela indignação diante das injustiças e quando dispostas a traduzir essa indignação em luta e em organização, temperando-as com os valores da solidariedade, da esperança, da beleza, da vida como um bem supremo, que devem estar presentes no próprio jeito de lutar e de construir sua coletividade (CALDART, 2004, p. 367). Podemos estar enganados, mas essa passagem nos parece um apego exagerado por uma herança cultural a ser deixada pelo Movimento (com toda importância que possa ter) como se estivesse se despedindo de um histórico de luta e se contentando com algo que restou de tudo isso, ou seja, a herança que é a Pedagogia do Movimento Sem Terra. Mas como se contentar com a Pedagogia do Movimento se ela nasceu como princípio “educativo e cultural” a partir da luta e só existe (ou existirá) na permanência dessa luta, segundo a própria Caldart (2004)? 4) Dando continuidade as análises de documentos pedagógicos do MST, analisamos o texto O MST e a Escola: Concepção de Educação e Matriz Formativa, sintetizado por Roseli Caldart do Setor de Educação do MST e publicado em 2010 no livro Caminhos para Transformação da Escola (Editora Expressão Popular) - Caderno do ITERRA, Ano X, No 159. É um texto que reafirma 25 anos de debates e trabalho do MST e “orienta o seu projeto de escola”. Já nos primeiros parágrafos há uma clareza pedagógica no fortalecimento do projeto da classe trabalhadora, ou seja, o desafio é transformar a experiência pedagógica construída pelo MST na luta social nas últimas décadas e mudar à lógica de reprodução do capitalismo nas famílias, possibilitando uma “educação emancipatória que se orientam por um projeto histórico (...) projeto histórico no sentido de um projeto de classe” (CALDART, 2010, p. 64). Para isso, o vínculo com o trabalho contribui para a formação da consciência de classe: “trabalho que produz cultura e produz também a classe trabalhadora (...) Não há formação da consciência fora da vivência de determinadas relações sociais de produção”. (ibid, p. 65-66). O documento também referenda a importância do papel da escola para formação de novos sujeitos para uma nova sociedade, entendendo suas tarefas pedagógicas 9 Neste texto, Caldart dirime dúvidas deixadas no texto anterior, e avança expondo com radicalidade os desafios da educação do MST. É fundamental destacar isso vez que é um texto mais recente, e por aparecer num momento onde a produção específica do MST diminuiu. Porém, vale salientar que, diferente dos Cadernos de Educação (que eram gratuitos), este não é um material de distribuição gratuita para os educadores do MST. Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 41 nessa formação e os seus limites: “a escola precisa ser transformada, exatamente porque ela não nasceu para educar a classe trabalhadora (...) e não haverá uma transformação mais radical da escola fora de um processo de transformação da sociedade”. (ibid, p. 67). De forma mais consistente a escola é apontada como um mecanismo, com seus limites revolucionários, mas que precisa ultrapassar a luta social dos Sem Terra para uma intencionalidade pedagógica voltada para a formação do projeto da classe trabalhadora (identidade de classe), não pode ser “uma ilha de educação emancipatória” (ibid, p. 68). Ou seja, essa emancipação tem que ser dos trabalhadores e trabalhadoras: “o projeto formativo maior não deve ser da escola (em si mesma), mas de um coletivo maior, em nosso caso, da organização dos trabalhadores a que pretendemos vincular a atuação educativa da escola”. (ibid, p. 71). No mesmo sentido que afirmou Marx10 numa passagem do Estatuto da Associação Internacional dos Trabalhadores: Que a emancipação das classes trabalhadoras deverá ser conquistada pelas próprias classes trabalhadoras; que a luta pela emancipação das classes trabalhadoras não significa uma luta por privilégios e monopólios de classe, e sim uma luta por direitos e deveres iguais, bem como pela abolição de todo domínio de classe (MARX & ENGELS, 2003, p. 107). O texto também aponta a necessidade de trabalhar o conhecimento a partir da realidade, entendendo a realidade para além da visão neoliberal pragmática, sem perder de vista o projeto formativo da classe trabalhadora: “conhecimento e realidade visa a ampliação do acesso e a produção pelos trabalhadores de conhecimentos que ajudam na sua humanização, conhecimentos que são necessários à formação de sujeitos coletivos, às lutas sociais emancipatórias”. (ibid, p. 79). Acreditamos que esse entendimento sobre trabalhar a realidade é um pouco do que Chassot & Knijnik (2007) ressaltam quando refletem sobre os princípios pedagógicos do MST: A realidade passa a ser considerada não apenas aquilo que é mais próximo, mas tudo aquilo que merece ser conhecida, do Planeta Terra e do universo (...) o estudo da realidade agrícola do assentamento, onde está a escola, tem como objetivo se conectar com discussões acerca da agricultura nacional e até internacional (CHASSOT & KNIJNIK, 2007, p. 126-127). O texto termina buscando reforçar o caráter imprescindível da luta concreta (Luta por Reforma Agrária) do Movimento, sem desmerecer as lutas no campo pedagógico: “as lutas pedagógicas não substituem as lutas sociais e políticas mais amplas, ainda que também na pedagogia a vida seja defendida somente com palavras”. (CALDART, 2010, p. 83) 10 Publicado nos Anexos do livro Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, Editora Martin Claret, 2003. Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 42 Nesse trabalho buscamos identificar como a luta social e a identidade de classe aprecem na Pedagogia do MST na atualidade e o foco foi basicamente analisar com detalhes as contribuições e contradições da Pedagogia do MST (entendida como uma importante experiência de educação do campo) como espaço de disputa e como identidade de projeto da classe trabalhadora, contributo para emancipação social. Podemos aferir que, retomando rapidamente as análises, o MST foi passando (nos textos específicos do próprio Movimento!) de uma consciência de si para uma necessidade de consciência de classe, de uma identidade de resistência para uma identidade de projeto (identidade de classe) ou de sujeito social para sujeito político coletivo, como referendamos nas reflexões acima, sem desconsideramos as contradições inerentes a esse processo ainda em construção. Considerações Apesar das contribuições do Dossiê MST Escola para nosso estudo, principalmente a partir dos últimos textos do documento, na Pedagogia do Movimento Sem Terra (CALDART, 2004) e no Caderno do ITERRA (CALDART, 2010) várias contribuições e contradições foram postas à mesa, não para desmerecer nenhum esforço teórico-prático desse Movimento Social de Luta que para nós ainda representa uma força fundamental no Brasil, na América Latina e no mundo no enfrentamento das contradições do capitalismo, evidente que considerando os limites de um movimento social (mesmo questionador) para transformação da sociedade capitalista. Qualquer movimento que não se proponha a fazer parte de uma unidade de luta para tomar o poder da classe dominante, por mais pedagogias, reflexões ou lutas sociais que tenham construído em sua história, quando alcançar seu objetivo maior (que pode ser terra, educação, saúde, reconhecimento simbólico) tende ser engolido pelo capital. E a emancipação humana fica no caminho das conquistas por direitos sociais emancipação política -, necessários, mas limitados, quando tratamos da construção de uma outra ordem social. Podemos averiguar também que enquanto na proposta de reforma agrária do MST há um abrandamento teórico-prático, passando a defender uma proposta de reforma agrária popular, principalmente a partir de diálogos estabelecidos com a eleição do presidente Lula, nos documentos que tratam da Pedagogia do Movimento Sem Terra que tivemos acesso, ora temos momentos em que há uma preocupação mais voltada para a sua luta social, ora uma tentativa de articulação entre a luta social e um projeto de classe, o que está resumido no artigo MST e a Escola, publicado no Caderno do ITERRA (CALDART, 2010). Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 43 Uma educação para a emancipação humana pode e deve dar atenção às culturas dos sujeitos, todavia, como movimento que se propõem articular luta social e identidade de classe, não pode cair no “discurso da neutralidade aparente das defesas das diferenças culturais” da política oficial de forma irredutível. É preciso ir além da cultura ou das culturas; ir além das tradições (e apontar suas contradições), questioná-las, ressaltando, como resultado da luta social, uma nova cultura para novos homens e mulheres, com novas identidades que caminhem para um novo projeto de sociedade para além do capitalismo. Acreditamos que uma proposta de educação com viés revolucionário pautado em irredutibilidades das diferenças culturais (ou quaisquer outras diferenças corporais, regionais, geográficas, étnicas ou sexuais) e sem perspectiva de fortalecimento da classe trabalhadora é limitadora. Na nossa sociedade mergulhada na desigualdade, uma luta social (independente da bandeira) só consegue se organizar e ultrapassar a consciência de si se focar uma luta maior pela igualdade (para além da diferença), numa perspectiva de identidade de classe. Para isso vamos ter que pensar e repensar a necessidade de tomar o poder da classe opressora, através das lutas econômicas, lutas ideológicas e, principalmente da luta política. Reconhecer que somos oprimidos e que também podemos carregar opressores hospedados em nós como diria Freire (1987) não significa negar a existência dos detentores do capital que na sociedade subordinam todos os movimentos de lutas sociais ao seu jugo, principalmente quando esses não vêem suas lutas para além do imediato ou da própria categoria. As nossas reflexões apontam, portanto, que somente a luta social do MST (ou de qualquer outro movimento questionador do capitalismo), mesmo que articulado com um projeto histórico, é um caminho a ser percorrido, mas não é suficiente para as transformações radicais da sociedade. Só a tomada do poder das mãos da classe dominante e, conseqüentemente da eliminação do poder de uma classe sobre outra é que podemos caminhar para outra ordem social, para a emancipação humana. Quando se tem um projeto histórico claro da luta da classe trabalhadora e não se tem perspectiva de unificação de todas as “diferenças oprimidas” para lutarem contra todos os “diferentes opressores”, o limite está dado justamente na falta dessa perspectiva. Assim como Marx & Engels (2003) em determinado momento histórico questionaram o socialismo reacionário ou conservador da grande ou pequena burguesia, bem como os socialismos utópicos que acreditavam na “bondade da classe opressora” (ou em transformações pacíficas), acreditamos que o único caminho para a organização dos trabalhadores é o movimento revolucionário “contra as condições sociais e políticas existentes (...) como questão fundamental a Entrelaçando • Nº 7 • V. 2 • Ano III (2012) • p.31-45 • Set.-Dez • ISSN 2179.8443 Educação do Campo como afirmação do projeto emancipatório _ FERREIRA 44 questão da propriedade” (MARX; ENGELS, 2003, p. 82). Podemos fazer uma analogia desses “socialismos burgueses e conservadores” criticados por Marx e Engels (2003) com os limites das infinitas lutas sociais dos infinitos diferentes oprimidos que não buscam unidade para questionarem organicamente a propriedade privada e a sociedade de classe. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação. São Paulo: Moderna, 1981. CALDART, Roseli Salete (org.). Cadernos do ITERRA Ano X n. 15. Caminhos para transformação da escola: reflexões desde práticas da licenciatura em educação do campo. São Paulo: Expressão Popular, 2010. CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3a ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004. CEB/CNE. Resolução n° 1 de 2002. Estabelece as Diretrizes Operacionais para as Escolas de Educação Básica no Campo. Brasília, 2002. CHASSOT, A., KNIJNIK, G. Educação no Movimento Sem Terra: reflexões sobre seus princípios pedagógicos. In: OLIVEIRA, Inês Barbosa de (Org.). 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