Comunicação moderna e as empresas

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Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
Comissão de Tabagismo
Artigo em Destaque: Comunicação moderna e as empresas jurássicas
Articulista: Wilson da Costa Bueno
Data: 4 de Abril de 2011
Portal da Imprensa:
http://portalimprensa.uol.com.br/colunistas/colunas/2011/04/04/imprensa855.sht
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É inacreditável que ainda existam, em pleno século XXI, empresas que insistem
em afrontar as boas práticas por incompetência ou má fé. Certamente, estas
posturas que estão deslocadas no tempo têm a ver com sistemas de gestão e
culturas organizacionais que não vislumbram os valores básicos da
modernidade, como a ética, a sustentabilidade, a transparência, o respeito ao
consumidor, entre outros.
Um caso emblemático ajuda-nos a entender o perfil destas empresas jurássicas e
está relatado em reportagem publicada na Carta Capital de 23 de março último.
Depois de tentar sem sucesso, por alguns anos, que a Renault desse um jeito no
seu Mégane (nas redes sociais há quem diga - brasileira é fogo - que é o Me
Engane), que veio da fábrica com defeito, a advogada Daniely Argenton, que
mora no interior catarinense, fez o que muita gente faz hoje em dia. Criou um site,
intitulado Meu carro falha (www.meucarrofalha.com.br), postou vídeo no
YouTube e acionou o seu Twitter para botar literalmente a boca no trombone.
Não conseguiu que a montadora colocasse o seu carro para funcionar mas fez
repercutir de tal modo o problema que incomodou a empresa. O que ela decidiu
fazer? Acionar a sua consumidora insatisfeita (e com toda a razão), obrigando-a,
por liminar expedida por um juiz de Concórdia/SC, a retirar em 48 horas o site do
ar e também todas as contas que mantêm nas redes sociais. Caso isso não
acontecesse, entre outras sanções legais, receberia uma multa diária por atraso
no cumprimento da decisão judicial.
A advogada reagiu, como era de se esperar e, alegando (com toda a razão)
restrições à sua liberdade de expressão e a manutenção do direito de reclamar
de um produto com defeito (ela fez o que pode para ser atendida, mas a Renault
não resolveu o seu problema), decidiu não calar a boca.
Daniely teve um aumento surpreendente de visitação no seu site logo após
comunicar a todos o ocorrido. Estar presente nas redes sociais para relatar o seu
drama era obviamente o seu desejo e não o da montadora que se empenhou
exatamente para impedir que ela se manifestasse publicamente sua
contrariedade, com o argumento de que, com isso, estaria arranhando a sua
imagem.
Convenhamos, aí está uma postura inaceitável e tem a ver com a truculência e a
incapacidade que muitas organizações têm de conviver com as críticas, mesmo
sendo justas. Na sociedade da informação, com o nível de conectividade e
acesso que a caracterizam, com as redes sociais em plena efervescência, é
fundamental respeitar a divergência, ouvir os stakeholders (os consumidores ou
clientes são, é lógico, um deles) e estabelecer canais de relacionamento que
promovam o diálogo.
Mas a Renault, como muitas montadoras aqui estabelecidas no tempo da
ditadura que chamavam a polícia para agredir os trabalhadores durante as
greves, preferiram o caminho mais curto e menos moderno: ameaçar, punir,
valer-se da truculência para calar uma manifestação contrária.
As empresas jurássicas estão paradas no tempo e não conseguem vislumbrar as
mudanças que já estão em curso e aquelas que se anunciam para o futuro.
Continuam acreditando que o poder econômico lhes permitirá seguir incólumes
mesmo quando erram e que o fato de serem corporações globais, de investirem
verbas significativas em publicidade, lhes garante o controle da informação.
A Carta Capital mostrou a ela que não é possível calar os veículos tradicionais
independentes apenas exibindo poder de fogo como anunciante. Mas sobretudo
as redes sociais (o site Meu carro falha tinha já contabilizado mais de 600 mil
visitantes no dia seguinte à ordem judicial) confirmam que o pluralismo de idéias
e opiniões não dão espaço para posturas tipo "mão de ferro" porque os tempos
são outros e os porões da ditadura estão lacrados, depois do julgamento
implacável da história.
As empresas modernas optam exatamente por uma estratégia inteligente que
pressupõe a interação saudável com os seus públicos de interesse, privilegiando
a transparência em detrimento da sonegação das informações porque, agora, a
mentira viu encurtadas as suas pernas e não vai muito longe sem ser
imediatamente desmascarada.
Vejamos o caso de algumas grandes empresas - como a Nestlé, a Pepsico, a
Kraft Foods e a Adria, entre outras, que foram pegas pelo DPCD (Departamento
de Proteção e Defesa do Consumidor) do Ministério da Justiça porque estavam
descumprindo as regras de rotulagem em produtos que contêm transgênicos.
O DPCD acabou identificando substâncias transgênicas no milho e na soja que
são utilizados como ingredientes essenciais em produtos comercializados por
essas empresas, como biscoitos, salgadinhos, mistura para bolo etc. A lei exige
que, se houver mais de 1% de substâncias transgênicas em um produto, esta
situação precisa estar explicitada na embalagem, mas, segundo o DPCD, isso
não ocorreu. Ou seja, estando o órgão correto (alguém dúvida?), as empresas
(grandes empresas, não é verdade?) estão afrontando a legislação e enganando
o consumidor que tem o direito de saber o que está comendo ou, particularmente
no caso destes produtos sob suspeita, dando para os seus filhos. A reportagem
a este respeito saiu publicada na Folha de S. Paulo, em 17 de março último.
As empresas jurássicas imaginam que podem fazer o que bem entendem,
praticam o assédio moral contra funcionários (o número de casos cresceu
assustadoramente nos últimos anos), usam a censura e estimulam a autocensura na comunicação interna e, com a cara mais deslavada do mundo,
proclamam falsa responsabilidade social e sustentabilidade com o objetivo de
criar uma imagem positiva. O marketing verde é uma festa e movimenta milhões
em propaganda e ações de manipulação da opinião pública.
Muitas vezes esse esforço nefasto de parecer o que não é tem o respaldo de
agências de propaganda e assessorias e de veículos que colocam os seus
interesses particulares (a volúpia imoral pela grana!) acima do interesse público.
Assistimos neste momento a um embate desigual entre determinados setores (
fabricantes de fast-food, bebidas, cigarro, agrotóxicos, medicamentos etc) e a
ANVISA que faz o seu papel no sentido de regular a publicidade de produtos não
saudáveis ou mesmo fatais, como é o caso do cigarro que é o agente que mais
mata (são milhões anualmente) em todo o mundo. Sob a alegação de que a
regulação inibe a liberdade de expressão, defendem a escalada de ações de
comunicação/marketing que têm como único objetivo seduzir o consumidor para
um consumo não consciente.
Estes setores, aliados às agências de publicidade, a entidades que representam
os meios de comunicação, criaram um Instituto apenas para fazer lobby contra a
regulamentação e estão tentando, a todo custo, dificultar o trabalho do órgão
fiscalizador, com a cumplicidade de políticos que integram a bancada da
insustentabilidade. Evidentemente, o lobby, se legítimo, faz parte da democracia,
mas no Brasil o poder econômico distorce o equilíbrio entre as partes,
particularmente quando mancomunado com o poder político (muitos
parlamentares se valem do apoio de determinados setores para se elegerem) e
com a ambição por votos de governantes às vésperas de eleição.
O assédio aos fumicultores do Rio Grande do Sul foi enorme antes da eleição
presidencial e eles agora cobram do Governo apoio para continuarem colocando
aditivos no cigarro. A desculpa é a mais deslavada possível (repor o açúcar etc
que foi perdido no processo de produção), mas a intenção mesma é disfarçar,
sobretudo para os iniciantes no vício, o gosto ruim do cigarro e estimulá-los a
continuar fumando). A sociedade, nós todos, precisamos vigiar sempre porque
baixar a guarda significa perpetuar discursos e práticas que atentam contra a
saúde e a qualidade de vida.
Afinal de contas, que legitimidade tem a indústria do tabaco para defender a
liberdade de expressão, com a trajetória exibida ao longo do tempo, marcada por
tentativas (finalmente desmascaradas) de dissociar o uso do cigarro com o
câncer e outras dezenas de doenças, quando já tinham plena consciência desse
fato?
Que legitimidade têm muitas farmacêuticas de defender a liberdade de expressão
quando sonegam informações importantes para os consumidores ou agem à
surdina (as denúncias pululam a todo instante no meio acadêmico, profissional e
na mídia) para incentivar o consumo de remédios perigosos? As agroquímicas
querem liberdade de expressão para continuar vendendo agrotóxicos como se
fossem remedinho pra planta, quando assistimos a centenas de casos de
contaminação de produtos e de pessoas no campo (vide estatísticas da ANVISA
e pesquisas recorrentes da Fiocruz!)? As empresas de fast-food advogam a
liberdade de expressão para continuarem empurrando comida repleta de aditivos
e de substâncias nocivas para as nossas crianças? Por que usam palhaços
idiotas em sua estratégia de comunicação/ marketing pretendem impor-nos a
mesma condição?
As empresas jurássicas merecem punição exemplar, merecem o repúdio da
opinião pública, de grupos mobilizados para a defesa da qualidade de vida e da
ética nos negócios.
Não é possível ouvir, sem indignação, este discurso cínico da liberdade de
expressão porque ele apenas esconde objetivos inconfessáveis que tem a
intenção de desviar o foco da questão. As pessoas bem informadas e que têm o
compromisso efetivo com a liberdade de expressão, diferentemente do que estes
setores, empresas e entidades a seu serviço andam dizendo por aí, também
repudiam a censura na mídia (seja pelos governos ou quaisquer outras forças
coercitivas) e não querem, de forma alguma, calar adversários, como fez a
Renault com a advogada de Santa Catarina. Não pretendemos fazer piquete
contra a venda de cigarros (embora não tenhamos dúvida -alguém tem? - de que
é uma droga e que mata e causa doenças sem dó!) mas postulamos o
esclarecimento público, o impedimento de abusos e de desvios éticos.
As empresas jurássicas fazem o diabo para fazerem prevalecer os seus
interesses ainda que à custa da nossa saúde.
É preciso manter a vigilância, a capacidade de crítica (afinal de contas elas não
são a favor da liberdade de expressão?) e não cruzar os braços diante desta
hipocrisia empresarial.
Queremos um debate sem mentol, sem gordura trans, sem glifosato, sem a
sonegação de informações sobre os efeitos colaterais. Mas também sem a
censura, sem a truculência típica das empresas jurássicas. Façamos hoje a
nossa parte e a história nos julgará. Não é necessário voltar muito no tempo para
lembrarmos que, um dia, a indústria do tabaco prometia saúde, bem estar e
prestígio para os fumantes; que agroquímicas vendiam livremente o DDT (ainda é
encontrado por aqui, infelizmente) e outras substâncias cancerígenas; que
centenas de remédios perigosos eram os "blockbusters" do mercado, garantindo
lucros fabulosos para as farmacêuticas, até serem descartados (belo controle faz
a FDA, hein?). Nossas crianças também eram menos obesas e não corriam atrás
de brindes distribuídos, sem controle, por cadeias de fast-food que se aliam a
heróis das histórias em quadrinhos.
Somos a favor da liberdade de expressão legítima e não a contaminada por
interesses escusos. E espero continuar, como muitos outros colegas (minha
solidariedade à Daniely Argenton), ONGs, entidades de defesa do consumidor
etc, tendo o direito de manifestar a minha opinião. Afinal de contas, é assim que
se constrói a democracia. O resto é fumaça com alto teor de nicotina, insumo
químico, gordura, pílulas coloridas e a perspectiva transgênica que invade
campos e mentes.
Em tempo 1: apenas para apimentar o debate. Se tiver interesse , assista O
mundo segundo a Monsanto ou leia o livro, editado por aqui. Leia também A
verdade sobre os laboratórios farmacêuticos, de Márcia Angell e veja o filme O
jardineiro fiel. Não deixe de dar uma olhada nas pesquisas e na literatura sobre
agrotóxicos da Fiocruz, uma instituição de respeito. Consulte o livro O cigarro,
de Mário Cesar Carvalho, editado pela Publifolha, e assista ao filme Obrigado por
fumar. Alugue na sua locadora preferida o Supersize Me que mostra o que pode
acontecer com você, se aderir demais ao fast-food. Pode também assistir ao
documentário A corporação e ver a obra de Jeffrey Smith, intitulada Roleta
Genética, sobre riscos documentados dos alimentos transgênicos sobre a saúde.
Em tempo 2: Parabéns à prefeitura de Ribeirão Preto, minha querida terra natal,
por ter proibido a presença de representantes da indústria farmacêutica em
unidades de saúde municipais. Fico com o Dr. Bráulio Luna Filho, do Cremesp,
que acredita que a relação entre médicos e a indústria pode ser promíscua e me
oponho à opinião do Sr. Edson Ribeiro Pinto, presidente da Fenavenpro, que
alega que os propagandistas "vendem vida, saúde", como está na reportagem da
Folha de S. Paulo, de 2 de abril último.
Respeitamos o direito dos propagandistas de fazerem o seu trabalho, mas é
preciso alertar para o fato de que eles induzem os profissionais de saúde (não
conscientes) a prescreverem remédios, valendo-se de informações incompletas e
nem sempre verdadeiras. São propagandistas, como o nome indica, e estão a
serviço prioritariamente dos laboratórios que pagam seus salários ou comissões.
Como somos a favor da liberdade de expressão, eles devem continuar fazendo o
que sempre fizeram (propaganda de remédio) e permaneceremos chamando a
atenção para os riscos desta estratégia de sedução. Ela dói no nosso bolso e
também, muitas vezes, fazem mal pra nossa saúde.
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Matéria selecionada e enviada por Alberto José de Araújo.
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