ARTIGO - ANPOCS

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RESUMO – 39º ENCONTRO NACIONAL DA ANPOCS
EMERGENTES CONVERGENTES: O PAPEL POTENCIAL DAS NOVAS
INSTITUIÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS PARA A ORDEM GLOBAL EM
FORMAÇÃO.
Gustavo de Andrade Rocha*
Já faz algum tempo que estamos sendo apresentados, com certa frequencia, a um novo
grupo de instituições internacionais: IBAS, BRICS (inicialmente BRIC), NBD, ACR,
AIIB. Provavelmente algumas outras instituições poderão ser criadas, a depender do
caminhar da carruagem. Como tudo que é novo com potencial para transformar o
mundo, de imediato surgiram análises conflitantes sobre o papel e o objetivo dessas
instituições. É necessário observar, porém, que este fenômeno é sinal de um ponto de
inflexão que se aproxima no cenário internacional. E esse ponto de inflexão será
conhecido como o ponto de mudança na ordem global. Ainda não é certo qual será a
configuração da ordem global que está se formando1, e qual o papel dos atuais atores
estatais nesse futuro próximo, porém é ponto pacífico que um dos seus protagonistas
será a China.
Entretanto até a pouco tempo atrás, o governo de Pequim, candidato a protagonista e até
a nova superpotência mundial, não assumia a postura de líder global e de alternativa
para promoção do desenvolvimento da economia global. O que parece ter sido, até
meados da primeira década do século XXI, mais uma vantagem do que uma fragilidade.
A partir de 2014, porém, a postura da China parece ter mudado. A aproximação com
outros países periféricos e a consolidação do grupo dos BRICS e seus braços
econômico-financeiros (o Novo Banco de Desenvolvimento2 e o Acordo Contingente de
Reservas), além do recente projeto chinês denominado “Banco Asiático de Investimento
em Infraestrutura3” são sinais de que o país pretende assumir uma posição de liderança e
até mesmo de alternativa às imposições do hegemon global anterior.
Dentro deste contexto, este artigo trará a discussão se (no aspecto das finanças
internacionais) a China busca se posicionar em prol de uma “hegemonia compartilhada”
global, ou como um challenger da hegemonia internacional dos EUA. Essas duas
*
É doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE, Mestre em Economia e
Bacharel em Relações Internacionais. É também professor de Relações Internacionais, atualmente sem
vínculo.
2
3
Cuja sigla em portugês é NBD.
AIIB na sigla em inglês
hipóteses não são exclusivas, mas a predominância de uma delas em detrimento da outra
indica o grau de atrito que haverá durante a escalada de poder na dimensão econômica.
Ainda sobre esta Ordem Global em formação, é preciso tentar entender qual o papel das
instituições financeiras para o mundo e para o interesse dos cinco membros do BRICS.
ATUAL ORDEM GLOBAL (SISTEMA BRETTON WOODS PÓS-PADRÃO
DOLAR-OURO E PÓS-GUERRA FRIA)
Para entender a importância dessas iniciativas, especialmente dos instrumentos
financeiros, é preciso retomar o contexto internacional que essas instituições estão
pretendendo mudar. Trata-se de um mundo ainda sob a ordem mundial estabelecida na
conferência de Bretton Woods. Não mais sob a vigência do Padrão Dólar-Ouro, porém
ainda dominado pela ingerência de suas instituições políticas (tais como as Nações
Unidas), e econômico-financeiras (OMC-GATT4, Banco Mundial5 e FMI6).
Essas instituições, criadas às vésperas do fim da Segunda Guerra, foram pensadas e
moldadas para o estabelecimento e manutenção de um sistema internacional onde os
EUA liderassem a reconstrução do pós-guerra e posteriormente, possuíssem uma
posição de destaque na política e economia internacional. Inicialmente o Reino Unido e
a França obtiveram posições de destaque nesse cenário. Porém após os acordos que
levaram ao fim da guerra e do início da Guerra Fria, outros países foram alçados ao
núcleo dessas instituições, inicialmente como clientes preferenciais, posteriormente
como sócios, o caso da Alemanha, do Japão e dos demais países considerados
estratégicos para conter o avanço do Bloco Socialista (CHANG, 2007).
A “tríade de Bretton Woods” teve um papel central na estratégia de contenção do
avanço do bloco soviético, com dois modus operandi. O primeiro, como forma de
projetar apoio econômico aos países da Europa e do leste asiático, “que interessavam”,
pois estavam na fronteira entre os mundos dominados pelas duas potências
hegemônicas, EUA e URSS. Para os outros países, onde não havia ameaça latente de
uma revolução socialista, essas instituições atuavam como mecanismos para impedir o
desenvolvimento econômico, mantendo-os como países periféricos do sistema,
permitindo assim o avanço do modelo econômico da superpotência e de seus principais
aliados (PAULINO, 2014).
4
Organização Mundial do Comércio e Acordo Geral de Comércio e Tarifas
Também denominado BIRD, Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
6
Fundo Monetário Internacional
5
É nítido que esse não foi o único elemento para a consolidação de um país como central
ou periférico no sistema econômico ainda vigente (e em início de metamorfose).
Existiram outros fatores internos, que permitiram que países beneficiados pelo sistema
se dessem melhor do que outros, e países excluídos dos benefícios sistêmicos também
atingissem resultados positivos. A China é um caso particularmente chamativo, como
um país socialista, foi excluído do comércio mundial. Mas ao aprender com a
experiência dos seus vizinhos, e adaptar essas experiências, os governos que sucederam
em Pequim promoveram uma política de desenvolvimento econômico com resultados
sem precedentes. Esse desenvolvimento econômico permitiu que a China pudesse
ensaiar voos mais altos (CHANG, 2002).
O segundo modus operandi promoveu dois grupos de países. Os que não conseguiram
apresentar grandes resultados de desenvolvimento. Além de não conseguirem atingir
algum grau de desenvolvimento não conseguiram elevar seu status na comunidade
internacional. E os que conseguiram se industrializar e ascender à uma categoria de
relativo desenvolvimento e ascender à uma categoria de Emergentes. São considerados
relevantes para temas específicos. Mais tardes, alguns desses países conseguiram
almejar a posição de Global Players. Entre esses países, se destacam o Brasil, o México
e a India (COSTA LIMA, 2011).
Posteriormente, com a criação da União Européia (UE), esta passou a ter posição de
destaque na ordem de Bretton Woods, inclusive, compartilhando com os EUA o poder
de indicar os dirigentes dos seus dois braços econômicos. Em complemento, a UE em
si, reflete a própria ordem de Bretton Woods. Visto que seus principais membros plenos
são a Alemanha e a França. A primeira é a maior economia do bloco, fruto dos esforços
do próprio Banco Mundial em construir uma sólida economia industrial-exportadora,
dotada de uma das maiores produções de propriedade intelectual do globo. A segunda,
membro permanente do proeminente Conselho de Segurança da Organização das
Nações Unidas, que ainda hoje, é o principal foro para decisões internacionais, o que
atribui ao país um peso suficiente para equilibrar o poderio econômico do vizinho
(FIORI, 2008).
Não é por qualquer motivo, que apesar de sócios, frequentemente essas duas potências
divergem em posições sobre a reforma das instituições políticas internacionais e sobre
as decisões em organismos de cooperação econômica.
Ainda nessa ordem global, a China já se encontrava em posição de destaque, devido à
sua posição como membro permanente do Conselho de Segurança. Porém, como
sugerido anteriormente, esteve excluída do GATT e posteriormente da OMC até o início
do século XXI. Quem ocupou por muito tempo a posição de ameaça à hegemonia
econômica dos EUA foi o seu vizinho e rival histórico, o Japão. Até o ponto em que
simplesmente parou de apresentar resultados de crescimento significativo de sua
produção. Antes disso, vários analistas anunciaram o Japão como futuro líder
econômico do mundo e possível hegemon global (ARRIGHI, 1995).
É preciso ressaltar que Tóquio foi, talvez, o maior beneficiário do Plano Marshall, em
função de uma política de remissão dos EUA (por causa do impacto negativo na opinião
pública internacional pelo uso das duas bombas nucleares em território japonês)
(CHANG, 2014).
É de se notar que no contexto em questão, os EUA se encontraram numa posição
confortável no que se refere à Ordem Global. Afinal, quando havia alguma ameaça ao
seu poder, essa ameaça se limitava ao campo econômico. Não havendo qualquer
inimigo em potencial que tivesse a capacidade de intimidar os norte-americanos, no
quesito bélico. Esta uni-multipolaridade permaneceu consolidada por pouco mais de
uma década (PAULINO, 2014). Hoje, apesar de ainda ser o formato da ordem global,
existe um polo de Hard Power em consolidação. Este simples fato faz com que os EUA
comecem a criar mecanismos para evitar a ascenção da China em importância em
questões de alta densidade7.
O CRESCIMENTO CHINÊS E A PAX AMERICANA
Após o fim da União Soviética, e o desmanche do aparato construído pelo Bloco
Socialista, não surgiu nenhum país, ou grupo de países, que se colocasse em posição de
desafiar a hegemonia norte-americana. Entretanto, surgiram candidatos. O Japão e a
União Europeia se apresentaram como promessas para equilibrar a balança de poder
internacional. O Japão chegou a iniciar uma arrancada de crescimento, sustentado por
um longo período, e colocando em cheque a indústria norte-americana e se colocando
como possível nova grande potência industrial do mundo. Semelhantemente, a União
Européia foi construída para, reunindo as economias europeias sob uma única política
monetária e cambial, tentar enfrentar a hegemonia comercial dos EUA e do Dólar como
moeda de circulação universal (ARRIGHI, 2008).
7
A expressão política de alta densidade é consolidada como a tradução mais próxima para Hard Politics.
Portanto, questões de alta densidade, são questões de Hard Politics.
Porém nem o Japão, nem a União Europeia enfrentaram os norte-americanos em outras
arenas, fora da arena econômica (industrial, comercial e financeira). Mesmo na arena
econômica, não passaram de potenciais ameaças à dominância dos Estados Unidos
frente ao mundo. Neste sentido, foi o Japão, por muito tempo a segunda potência
econômica do globo, o mais bem sucedido. A União Europeia, apesar de uma moeda
única, ainda tinha um problema da institucionalidade. Apesar de ser ainda hoje o mais
próximo de um governo supranacional, não goza da mesma unidade política e decisória
que um Estado apresenta (PAULINO, 2007).
Somente no final dos anos 90, a República Popular da China iniciou um fenômeno,
inicialmente restrito ao crescimento econômico, voltado para a exportação, marcado por
conseguir preços imbatíveis. O que aparentava ser apenas mais um tigre asiático, porém
com uma população bem maior, ou mais uma promessa de “futura grande potência
mundial”, passou rapidamente a condição de segunda maior economia mundial, fábrica
global, maior credor dos EUA. E tudo isso, com condições plenas de manter por mais
tempo o seu crescimento econômico (ARRIGHI, 2008).
Aproveitando-se de ter uma enorme população, condições para atrair investimentos
internacionais e grandes vantagens comparativas, desenvolveu uma política específica
para atração de investimento externo direto, atrelando o capital estrangeiro
necessariamente a parceiros chineses. Além disso, com sólidos investimentos em
setores como defesa, tecnologia aeroespacial e começou uma estratégia para projetar seu
Soft Power (Ibidem). Por fim, o Partido Comunista Chinês anunciou que para o
próximo período quinquenal, o país passará por reformas, entre elas, a construção de
uma rede de proteção social para sua população, e criarão as bases para o
desenvolvimento do mercado doméstico chinês8.
Tendo por base o exposto acima, não se está “profetizando” a China como
superpotência, suplantando os EUA. Porém os indícios apontam que esta tende a ter um
importante papel para as relações internacionais daqui para a frente, no mínimo, como
um desafiante9 do país hegemônico. Portanto, na realidade, para este artigo é importante
constatar esse papel, que o país já vem assumindo, para analisar quais as repercussões
conjunturais e estruturais para o cenário internacional dos seus mais recentes projetos,
que serão tratados abaixo.
8
Notícia veiculada no site da Embaixada Chinesa no Brasil, disponível em: http://br.chinaembassy.org/por/szxw/t1188719.htm
9
Frequentemente é utilizada a expressão em inglês challenger, para definir o país que desafia a ordem
global imposta pela potência hegemônica do globo ou de uma região.
Recentemente, a China passou a participar de uma série de reuniões entre países
denominados emergentes, dentre eles, o grupo dos BRICS. Porém essa articulação em
forma de reuniões vai além desse órgão, passando por articulações prévias para as
reuniões do G-20, articulações com países da África, da Ásia Central e da América
Latina (CARLETTI, 2013).
Especificamente em relação aos demais países do BRICS, há uma diversidade de
características entre seus membros. A maioria não visa ameaçar diretamente a
hegemonia norte-americana. O que não mina o potencial do grupo, especialmente como
extensão da influência chinesa. Três deles são países emergentes que ora estão sendo
denominados de potências médias. São eles Brasil, Índia, África do Sul. É certo que se
houver no longo prazo, crescimento dessas economias, elas ganharão cada vez mais
influência no cenário político e econômico. A China, como possível indutor desse
crescimento (como vem sendo na última década) e através dos BRICS, se torna o aliado
prioritário desses países (VELLOSO, 2009).
Além da China, a Rússia também é um país que se diferencia desses três membros
supracitados. Não é exatamente um país emergente, mas que vem tentando frear sua
decadência e aumentar sua projeção de poder. Possui uma quantidade considerável de
instrumentos de Hard Power derivados dos tempos de União Soviética, e que
frequentemente são atualizados. Fora das reuniões em bloco com os BRICS, vem
tentando organizar um diálogo mais próximo entre Moscou e Pequim a fim de conseguir
uma aliança bilateral estratégica. Essa aliança poderia ser uma saída para o isolamento
que vem sofrendo frente às potências europeias.
Essas alianças, de cunho militar, geopolítico, de infraestrutura, trará benefícios mútuos.
Sem dúvidas, trará também muita dor de cabeça aos formuladores de política externa
nos EUA, em face do aprofundamento na complexidade da relação com esses atores.
Essa aliança garante margem de manobra e aumento das capacidades de ambos países.
Assim, se tornarão players mais ousados no cenário internacional.
AS POTÊNCIAS MÉDIAS – INDIA, BRASIL E ÁFRICA DO SUL
Esses três países, mencionados anteriormente, formam um grupo pouco mais antigo que
os BRICS, o Fórum IBAS10. São os membros com maior identificação, especificamente
10
Também denominado G3
pelo histórico de colonização europeia, de processos de descolonização socialmente
problemáticos, e depois, submetidos à crises em face do pagamento de serviços leoninos
de dívida externa. Além disso, são grandes democracias.
Como consequência desses processos históricos, os três países possuem problemas
sociais, econômicos e políticos muito graves. Em face das diferenças entre suas regiões,
os problemas são relativamente diferentes, mas existem vários paralelos. Em termos
genéricos, uma grande parcela das suas populações foram excluídas dos processos de
desenvolvimento, existem grandes gargalos de desigualdade econômica, consolidou-se
uma aristocracia econômica que tem peso tanto na política, quanto nos rumos da
atividade econômica e os três são marcados por processos de resistência à segregação
sócio-econômica que suas populações foram submetidas (CHANG, 2002; FLEMES,
2010; CERVO, 2013).
É claro que as proporções e particularidade precisam ser guardadas. Os três países
foram submetido a diferentes níveis de segregação social, em períodos históricos
diferentes, e com aspecto ideológico também distinto. Mas é inegável que são países
com identificação. No Brasil não houve um regime de segregação racial como o
Apartheid, mas nem foi preciso, pois o tráfico de pessoas da África para o Brasil, a
escravocracia e posteriormente, a abolição da condição de escravo sem nenhuma
política de integração à sociedade fez com que houvesse uma segregação natural.
Na India, a segregação não é propriamente pela cor da pele, mas pela origem familiar da
pessoa. Mesmo com a extinção do regime de castas, ainda resiste na sociedade indiana
discriminação de pessoas por serem denominados de “intocáveis”. Uma massa de
pessoas é excluída dos processos de desenvolvimento.
Hoje, porém, esses três países caminham na direção de corrigir os problemas de
desigualdade. Promoveram crescimento econômico com distribuição de renda. Em
especial, nesse aspecto, o Brasil. Na questão de política externa, esses países
conseguiram ascender em importância, se tornando players de grande relevância
(VELLOSO, 2009; NOGUEIRA, 2013).
Dos três países, apenas a África do Sul consegue afirmar minimamente sua condição de
líder regional. Embora a fragmentação do continente africano seja tal, que não tenha
restado muita região para o país liderar. Mas no caso de Brasil e India, existe um país
que questiona diretamente sua liderança regional, Argentina e Paquistão diretamente.
Também são contestados por ações de países vizinhos relativamente muito menos
importantes, como no caso da Bolívia e de Bangladesh (DESTRADI, 2010).
Em todos os três casos é na sua atuação global que ganham relevância e enxergam
maiores possibilidades de ganhos, tanto no aspecto do desenvolvimento quanto para
promoção de iniciativas de cooperação que venham a melhorar seu status e suas
condições internacionais.
BRICS, O “NBD”, O “ACR” E O “AIIB” NESTE CENÁRIO
Tendo por base o contexto apresentado, Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul
formaram um fórum de relacionamento interestatal multilateral, que tem como objetivo
fomentar a cooperação e o alinhamento de posições entre seus membros. Um grupo cuja
característica mais notável é a heterogeneidade de seus componentes. Entretanto, apesar
de
visivelmente
diferentes,
possuem
forte
complementaridade
econômica
e
convergência de interesses. Essa convergência, provavelmente, é a “liga”11 com maior
potencial para o sucesso do grupo. Também são todos grandes economias subrepresentadas nos organismos econômico-financeiros de Bretton Woods. Esses países
Emergentes convergem especialmente nos seus objetivos no cenário internacional. Os
cinco membros pretendem consolidar sua influência no sistema internacional e
modificar seu status quo global (NOGUEIRA, 2013).
O próprio BRICS, origem de dois dos instrumentos financeiros analisados nessa secção
(NBD e ACR), adota um caráter universalista de cooperação. Tende a se assemelhar ao
G7, grupo dos sete países mais ricos, que através do diálogo e da cooperação, moldou
economicamente boa parte das relações internacionais no século XX. Porém, o principal
papel dessa organização é o questionamento da atual ordem global e promover o
diálogo visando a aproximação política e econômica desses países. Observe que seu
objetivo não é simplesmente a cooperação dos seus membros, mas a cooperação
internacional, com vistas à hierarquia global. O núcleo de sua atuação é inicialmente
fechado, mas os objetivos de sua atuação não o são (BRICS, 2014).
É possível também identificar que um dos elementos que tornam o grupo viável é o
interesse chinês em formar um conjunto de instituições internacionais que viabilizem
seus projetos internacionais, semelhantemente ao que fez os EUA com o G7, o FMI e o
Banco Mundial, entre outras estruturas.
11
A utilização dessa expressão dá-se pelo fato de não ter um sinônimo mais formal adequado. A liga, que
o autor se refere é a capacidade de um ingrediente unir os demais ingredientes de uma massa.
Com base nas experiências anteriores com instituições financeiras e de cooperação
internacional, os países que os fundam acabam obtendo vantagens sistêmicas através de
suas regras e de sua atuação. Entretanto, uma das justificativas mais importantes para a
criação dos novos organismos financeiros internacionais é exatamente a baixa
representatividade dos mecanismos internacionais existentes (CHANG, 2002).
Portanto, imagina-se que essas vantagens não seriam tão latentes quanto nos organismos
semelhantes. Porém, certamente existem vantagens para aderir a tais instituições.
Provavelmente visando conseguir nelas uma posição de destaque e de poder decisório.
As já mencionadas instituições criadas no âmbito dos BRICS, o Novo Banco de
Desenvolvimento (NBD) e o Acordo Contingente de Reservas (ACR), são instrumentos
não só para aproximação dos membros do grupo entre si, mas também para ampliação
do Softpower dos cinco países. Com o poder de influenciar situações de crise (no caso
do ACR) e de promoção do desenvolvimento (no caso do NBD), o BRICS (como
grupo) e os seus países ganham em projeção internacional. Essa estratégia só encontra
paralelo no projeto norte-americano pós-segunda guerra, o Plano Marshall e as
instituições financeiras de Bretton Woods (FIORI, 2008; BRICS, 2014).
Talvez a primeira oportunidade para essas instituições atuarem já tenha surgido.
Moscou e Pequim já sinalizaram com a possibilidade de que essas instituições (uma
delas ou as duas) venha intervir no caso grego, caso o governo do país solicite. Em caso
de sucesso, seria um excelente cartão de visitas para o grupo e suas instituições. Dariam
corpo ao discurso de serem alternativas à tríade de Bretton Woods, e ainda por cima,
efetivariam sua posição crítica à versão mais atual do “consenso” de Washington.
Porém desta vez, tanto o NBD e o ACR quanto o Banco Asiático de Investimento em
Infraestrutura irão complementar as estruturas existentes. Por consequência da
diversificação de instituições e influências, a simples efetivação dessas instituições
diluirá o principal poder das instituições criadas sob o poder e os interesses dos EUA.
Em adição, a própria atuação do NBD é em si um mecanismo de projeção de poder
econômico. Quando o denominado “Banco dos BRICS” estiver em operação será um
instrumento de bases keynezianas para promoção de desenvolvimento econômico nos
países em desenvolvimento. A princípio, fica claro nas declarações dos Chefes de
Estado, que os recursos do banco servirão para promover investimentos de longo prazo
nos países do “Sul Global”. Isso põe em check a capacidade que a tríade de Bretton
Woods ainda tem de diferenciar as condições de importação de poupança, que tem
influência direta na capacidade de investimento dos países em desenvolvimento
(STIGLITZ, 2015a).
É importante ressaltar que o NBD, criado pelos membros do BRICS, investirá em países
em desenvolvimento, mas não é uma instituição fechada. Em outras palavras, admitirá
novos membros, desde que estes cumpram os requisitos básicos para admissão, e de
acordo resultantes das negociações específicas para ingresso de cada novo membro. Ou
seja, o montante de US$ 100 bilhões inicialmente estabelecido tenderá a crescer com a
entrada dos novos membros.
Os críticos da criação do NBD (especificamente) dizem que a criação de um novo banco
de investimentos de longo prazo não terá o impacto esperado. Porém esse tipo de
argumento tem duas bases, na lógica neoclássica, de que o livre-comércio tem a
capacidade de resolver tudo, e no princípio de que as instituições de Bretton Woods
suprem a necessidade de crédito supranacional, crendo que não há diferenciação entre
seus membros, senão na capacidade de endividamento. Este autor respeita essas
posições, porém não é necessário mais do que uma observação histórica para perceber
que ambos os argumentos são falsos.
O ACR tem o objetivo de promover a estabilidade macroeconômica de seus membros.
Isso por que se trata de um compromisso de aporte por parte dos seus mebros para
empréstimos de curto prazo em caso de crises monetárias. Sem qualquer crítica à
atuação do FMI, é possível argumentar em favor do ACR. Isso porque a demanda
potencial por crédito de curto prazo é muito maior do que o FMI poderia atender. Isso
fica latente ao observar o receio que os dirigentes do próprio fundo tem de um contágio
da crise grega nos países periféricos da União Européia.
Na realidade, existem críticas já antigas à atuação do FMI, que também se aplicam ao
Banco Mundial, porém são mais adequadas à forma de atuação do Fundo Monetário
Internacional. Refere-se especificamente à conhecida interferência da instituição em
assuntos domésticos, não relacionados diretamente com a capacidade de pagamento dos
empréstimos em análise. Essa linha de atuação adotada mais intensamente após o fim da
guerra fria serve como forma de interferir em economias não desenvolvidas em favor
dos interesses dos países desenvolvidos.
Por fim, é preciso levar em consideração a criação do Banco Asiático para Investimento
em Infraestrutura (AIIB). Diferente das duas instituições anteriores, esta instituição
financeira tem origem em uma iniciativa do governo chinês, que convidou outros países
a serem membros fundadores. Sua constituição e suas regras estão sendo neste
momento, negociadas entre os países que aceitaram participar de sua fundação. A
princípio, sua atuação será concentrada em investimentos de longo prazo na Ásia. O que
deve auxiliar na projeção de poder do governo de Pequim na área. Potencialmente, o
impacto para a economia mundial é relevante, no sentido que a expansão do
desenvolvimento econômico baseado em exportação de produtos industrializados para
novos países da Ásia irá dar continuidade ao fenômeno de crescimento mundial, até
então, puxado quase exclusivamente pelo crescimento chinês.
Levando em consideração que a China sinaliza com a possibilidade de reduzir seu ritmo
de crescimento interno, ter outros países asiáticos crescendo com modelo semelhante
significa a continuidade do aumento na demanda por commodities. Obviamente, com o
AIIB, e sua atuação no NBD, a China procura criar mecanismos para que este
crescimento ocorra sob sua órbita.
Além dessas iniciativas multilaterais, a China está desenvolvendo uma série de
iniciativas bilaterais de investimento, tais como os recentes acordos da China com a
CELAC e o tour do premier chinês pelo Brasil, Colômbia, Perú e Chile. Em números, a
cooperação chinesa com a América Latina pode se tornar a maior iniciativa de
investimentos em infra-estrutura e desenvolvimento da história da América Latina.
Neste ponto, é claro que há convergências nos interesses dos BRICS em relação às
inciativas de investimento. Os países que compõe o IBAS, India, Brasil e África do Sul
são demandantes de investimento externo. Foram vitimados ao longo do tempo por
empréstimos internacionais com cláusulas no mínimo duvidosas, e portanto, são
fortemente interessados em participar do estabelecimento de regras em novas
instituições de cooperação econômica, além de ter o interesse de receber investimento
com taxas de juros convidativas.
A China, por sua vez, é o maior interessado em encontrar alternativas rentáveis e
sustentáveis para as suas reservas financeiras. A criação de cooperação econômica
internacional e os acordos bilaterais de investimento tem um objetivo claro de fomentar
investimentos mais rentáveis para os abundantes ativos financeiros chineses. A maior
parte desses ativos acaba sendo investido em títulos da dívida norte-americana. Esses
títulos tem rentabilidade baixíssima, por vezes até negativas.
Com as reformas que virão, o governo chinês também terá que desvincular as aplicações
financeiras nacionais do financiamento dos camponeses que vivem de subsistência. Esse
é um tema que merece ser estudado mais a fundo por quem esteja interessado nas
finanças domésticas na China, ou mesmo, quem pretenda fazer um estudo mais
aprofundado do país como ator internacional. Porém, para esse artigo, importa que o
governo chinês precisará buscar novas formas de financiar seus ativos.
O interessante nisso, é que tanto os bancos chineses, quanto o mercado chinês, parece
ter uma ênfase diferenciada nos ativos de longo prazo, sem tanto apelo à especulação.
Portanto há, nesses investimentos, a possibilidade real de promoção da capacidade
produtiva e do aumento da renda nos países que receberão tais investimentos. Diferente
do que é feito por bancos e fundos de investimento na maior parte do mundo, onde os
investimentos não permanecem por mais de seis meses (quando não passam menos de
24 horas) numa economia.
Além desse papel de alternativa à tríade de Bretton Woods, é preciso ressaltar que o
Novo Banco de Desenvolvimento, o Acordo Contingente de Reservas e o Banco
Asiático para Investimento em Infraestrutura são instituições complementares às já
existentes. Essa afirmação está bem clara nos documentos que constituíram as
respectivas instituições.
Diferente do Banco Mundial e do FMI, o NBD e ACR propõem regras para admissão
de novos membros e para determinação da capacidade de voto mais transparentes e
equitativas entre os membros. O caso do AIIB, ainda será necessário verificar como
ficará, na prática, a distribuição do poder decisório. Mas ao que foi apresentado, o maior
poder decisório ficará nas mãos da China, com mais de ¼ do poder de voto. A India
teria o segundo maior poder decisório, porém com menos de 15% dos votos12.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em primeiro lugar, existem expectativas de ganhos mútuos da participação no BRICS e
em seus organismos financeiros. Porém é certo que Brasil, India e África do Sul tem
muito mais a ganhar com a cooperação multilateral e com a cooperação bilateral
diretamente com a China. Em especial no caso do Brasil, que tem como diretriz de
política externa a promoção do desenvolvimento econômico nacional.
Existe convergência entre os BRICS também na contestação da hegemonia norteamericana. Os cinco membros se mostram favoráveis ao estabelecimento de um novo
status quo. As razões são um pouco diferentes, onde a China quer consolidar sua
12
Segundo informações disponíveis no site de notícias South China Morning Post, disponível em:
http://www.scmp.com/news/china/diplomacy-defence/article/1829342/aiib-deal-seals-chinas-big-stakenew-lender, acesso em: 30/06/2015
posição como challenger dos EUA, e em breve, como um dos líderes do sistema global,
a Rússia para evitar o isolamento político e econômico, e frear seu processo de declínio,
e as três potências médias emergentes (que formam o fórum IBAS), conseguir alçar a
uma condição internacional que os permita se desenvolver economicamente.
Nesse contexto, é perceptível que a China organiza uma série de laços e estruturas
internacionais que se assemelham ao que foi feito pelos Estados Unidos da América
após a Segunda Guerra Mundial. O que indica que Pequim pretende, no mínimo, ser
uma alternativa ao polo de poder consolidado por Washington. O que levaria, no atual
contexto, a um confronto de políticas com base neoliberais derivadas do Consenso de
Washington, com políticas neo-keynezianas propostas pelos países emergentes.
As instituições financeiras organizadas na alçada dos BRICS, NBD e ACR são, mais do
que sinais da convergência de interesses, mais dois fatores para promoção da
convergência desses cinco atores. Atuarão, nestas instituições, de forma a atingir um
fim de interesse comum, e portanto, tenderão a se aproximar ainda mais.
Por fim, retomando o título do texto, esse texto constata a convergência entre os cinco
países que formam o BRICS. Mesmo que um deles não se encaixe plenamente no que
se considera um Emergente, seus interesses os fazem caminhar para uma aproximação e
o aprofundamento dessa aproximação. Essa aproximação levará os EUA uma
encruzilhada. Rever as políticas derivadas do Consenso de Washington em sua atuação
internacional, ou adotar outra perspectiva, uma mais próxima às proposições dos
emergentes. Se não adotar nenhuma dessas duas posições, provavelmente terá que
endurecer sua política externa em relação à China e aos demais BRICS.
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