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Sexta-feira, 5 de Junho de 2015
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04/06 às 15h02 - Atualizada em 04/06 às 15h03
A soberania e o banco do Brics
Mauro Santayana
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O Senado Federal aprovou, esta semana, a constituição do Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado Banco dos BRICS,
formado pelos governos do Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, com capital previsto de 100 bilhões de dólares. A Câmara
dos Deputados já havia dadosua autorização para a participação do Brasil no projeto.
Fazer parte do Banco dos BRICS, e do próprio grupo BRICS, de forma cada vez mais ativa, é uma questão essencial para o
Brasil, e para a sua inserção, com alguma possibilidade de autonomia e sucesso, no novo mundo que se desenha no Século
XXI.
Neste novo mundo, a aliança anglo-norte-americana, e entre os Estados Unidos e a Europa, que já por si não é monolítica, cujas
contradições se evidenciaram por sucessivas crises capitalistas nestes primeiros anos do século, está sendo substituída,
paulatinamente, pelo deslocamento do poder mundial para uma nova Eurásia emergente - que não inclui a União Europeia - e,
principalmente, para a China, prestesa ultrapassar, em poucos anos, os EUA como a maior economia do mundo.
Pequim já é, desde 2009, o maior sócio comercial do Brasil, e também o maior parceiro econômico de muitos dos países latinoamericanos.
A China já é, também, a maior plataforma de produção industrial do mundo.
Foi-se o tempo em que suas fábricas produziam artigos de duvidosa qualidade, e, hoje, suas centenas de milhares de
engenheiros e cientistas – mesmo nas universidades ocidentais é difícil que se faça uma descoberta científica de importância
sem a presença ou a liderança de um chinês na equipe – produzem tecnologia de ponta que, muitas vezes, não está disponível
nem mesmo nos mais avançados países ocidentais.
Nesse novo mundo, a China e a Rússia, rivais durante certos períodos do século XX, estão se preparando para ocupar e
desenvolver, efetivamente, as vastas estepes e cadeias de montanhas que as separam e os países que nelas se situam,
construindo,nessa imensa fronteira, hoje ainda pouco ocupada, dezenas de cidades, estradas, ferrovias e hidrovias.
A peça central desse gigantesco projeto de infraestrutura é o Gasoduto Siberiano.
Também chamado de Gasoduto da Eurásia, ele foi lançado em setembro do ano passado em Yakutsk, na Rússia, e irrigará a
economia chinesa com 38 bilhões de metros cúbicos de gás natural por ano, para o atendimento ao maior contrato da história, no
valor de 400 bilhões de dólares, que foi assinado entre os dois países.
Nesse novo mundo, a Índia, cuja população era massacrada, ainda há poucas décadas, pela cavalaria inglesa, possui mísseis
com ogivas atômicas, é dona da Jaguar e da Land Rover, do maior grupo de aço do planeta, é o segundo maior exportador de
software do mundo, e manda, com meios próprios, sondas espaciais para a órbita de Marte.
E o Brasil, que até pouco tempo, devia 40 bilhões de dólares para o FMI, é credor do Fundo Monetário Internacional, e o terceiro
maior credor externo dos Estados Unidos.
Manipulada por uma matriz informativa e de entretenimento produzida ou reproduzida a partir dos EUA, disseminada por redes e
distribuidoras locais e pelos mesmos canais de TV a cabo norte-americanos que podem ser vistos em muitos outros países, a
maioria da população brasileira ignora, infelizmente, a existência desse novo mundo, e a emersão dessa nova realidade que irá
influenciar, independentemente de sua vontade, sua própria vida e a vida da humanidade nos próximos anos.
Mais grave ainda. Parte da nossa opinião pública, justamente a que se considera, irônica e teoricamente, a mais bem informada,
se empenha em combater a ferro e fogo esse novo mundo, baseada em um anticomunismo tão inconsistente quanto
ultrapassado, que ressurge como o exalar podre de uma múmia, ressuscitando, como nos filmes pós-apocalípticos, milhares de
ridículos zumbis ideológicos.
Os mesmos hitlernautas que alertam para os perigos do comunismo chinês em seus comentários na internet e acham um
absurdo que Pequim, do alto de 4 trilhões de dólares em reservas internacionais, empreste dinheiro à Petrobras, ou para
infraestrutura, ao governo brasileiro, usam tablets, celulares, computadores, televisores de tela plana, automóveis, produzidos por
marcas chinesas, ou que possuem peças “Made in China”, fabricadas por empresas estatais chinesas ou com capital público
chinês do Industrial &Commercial Bank of China, ICBC, o maior banco do mundo.
Filhos de fazendeiros que produzem soja, frango, carne de boi, de porco, destilam ódio contra a política externa brasileira, assim
como funcionários de grandes empresas de mineração, quando não teriam para onde vender seus produtos, se não fosse a
demanda russa e, em muitos casos, a chinesa.
Nossas empresas com negócios no exterior são atacadas e ridicularizadas, como se só empresas estrangeiras tivessem o direito
de se instalar e de fazer negócios em outros países, inclusive o nosso, para enviar divisas e criar empregos, com a venda de
serviços e equipamentos, em seus países de origem.
É preciso entender que ao formar uma aliança estratégica com a Rússia, a China, a Índia e a África do Sul, o Brasil não precisa,
nem deve, necessariamente, congelar suas relações com os Estados Unidos ou a União Europeia.
Mas poderá, com eles, negociar em uma condição mais altiva e mais digna do que jamais o fez no passado.
É nesse sentido que se insere a aprovação do Banco dos BRICS pelo Congresso.
Apesar de termos escalado, desde 2002, sete posições entre as maiores economias do mundo, a Europa e os EUA se negam, há
anos, a reformular o sistema de quotas para dar maior poder ao Brasil, e a outros países dos BRICS, no FMI e no Banco Mundial.
Se não quiserem que não o façam. Como mostra o Banco dos BRICS, podemos criar as nossas próprias instituições financeiras
multilaterais.
Os BRICS, têm, hoje, como grupo, não apenas o maior território e população do mundo, mas também mais que o dobro das
reservas monetárias dos EUA, Japão, Alemanha, Inglaterra, Canadá, França e Itália, somados.
O que incomoda os Estados Unidos e a Europa, e os seus prepostos, no Brasil, não é o suposto comunismo ou “bolivarianismo”
do atual governo, mas o nacionalismopossível, até certo ponto tímido, politicamente contido, e sempre combatido,dos últimos
anos.
Existe uma premeditada, permanente, hipócrita, subalterna, entreguista, pressão, que não se afrouxa, voltada para que se
abandone uma política externa minimamente independente e soberana, que possa situar o Brasil, geopoliticamente, frente aos
desafios e às oportunidades do mundo cada vez mais complexo e competitivo deste novo século.
Tags: aberta, Artigo, Brics, JB, santayana, Sociedade, texto
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