Vida ansiosa - People First

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Vida ansiosa
TEXTO Maria Beatriz Gonçalves | DESIGN Mariana Romani | ILUSTRAÇÃO Felipe Guga
“EU NÃO CONSIGO... E S T O U
A HORAS DA MAIOR PARTIDA
DE TÊNIS DA MINHA VI DA, CONTRA FEDERER, COM UMA CHANCE DE
OBTER O MEU MELHOR R ESULTADO ATÉ HOJE... [...] E EU NÃO
CONSIGO . É INÍCIO DA TARDE, ESTOU NO CARRO, NO CAMINHO
PARA A QUADRA. E EU ESTOU TENDO UM ATAQUE DE ANSIEDADE ."
M AR D Y F I S H - FOI O SÉT IMO MELHOR T ENIST A DO MUNDO E AB AN DONOU O
ESPORT E POR CAUSA D A ANSIED AD E.
Apagão mental
Esse é apenas o começo do depoimento dado pelo norte-americano Mardy Fish, extop 10 do ranking profissional de tênis, ao site "The Players Tribune" sobre o seu
sofrimento com a ansiedade. Até pouco tempo, o drama de Fish poderia ser
interpretado como covardia. Mas essa seria uma resposta simplista para um
fenômeno como a ansiedade.
Subestimado por décadas, esse transtorno mental pode inviabilizar a vida social e a
profissional, mas poucas pessoas buscam tratamento para aliviar os sintomas antes
que cheguem ao limite. Segundo a Previdência Social, os transtornos mentais já são
a terceira razão de afastamentos do trabalho no Brasil, sendo que os gastos do INSS
(Instituto Nacional do Seguro Social) giram em torno de R$ 200 milhões em
pagamentos de benefícios anuais, dado que reforça a importância de se criar
medidas de prevenção. Nesse contexto, a ansiedade, assim como a depressão,
são os males que mais afetam as pessoas.
CERCA DE 33% DA POPULAÇÃO
MUNDIAL SOFRE DE ANSIEDADE
O caso de Fish é um exemplo de descontrole frente a um ataque de ansiedade
descrito como "crise de performance", que acomete a muitos atletas em
competições - eles dizem sentir uma espécie de "apagão" mental. É razoável
desconfiar, tomando por base a história e a reação do tenista, que esse mal-estar
tenha sua origem anos antes, e que a decisão contra Federer provocou um ápice de
ansiedade não apenas pela alta expectativa em relação àquela partida, mas também
sobre toda uma carreira, até vida, dedicada ao tênis.
A ansiedade e as crises de pânico que o tenista relatou o impediram de fazer um
trabalho que dominava como poucos, independentemente do quanto tenha
treinado e se preparado para aquele momento. Fish conta que se desesperou ao
ter que lidar com as variáveis que o aguardavam naquela partida. Admite que o risco
de perder o fez sentir medo. Medo de não ser bom o suficiente, de se frustrar, de
decepcionar seus familiares. No entanto, a razão pela qual o cérebro dele funciona
dessa maneira ainda é um enigma. Como "consolo" para Fish, ele tem a companhia
de um terço das pessoas no mundo - é esse o percentual da população que sofre de
ansiedade, segundo o psiquiatra inglês Daniel Freeman, autor de o livro "Ansiedade O que é, os principais transtornos e como tratar".
Antecipar o risco
Os gatilhos que desencadeiam a ansiedade são muitos. Os tipos dela, também. Desde
que foi categorizada como uma patologia e inserida na terceira edição do DSM (sigla
em inglês para Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a ansiedade
desdobrou-se em muitos males, como fobias e alguns tipos de transtorno - do pânico,
obsessivo-compulsivo, de estresse pós-traumáticos, de ansiedade social ou de
ansiedade generalizada, por exemplo.
Em suma, a ansiedade é entendida como um sintoma disfuncional da personalidade
que acarreta em um conjunto de sensações físicas e psicológicas, um sentimento
vago e desagradável de medo e tensão que surge com a antecipação de perigo
ou uma apreensão em relação ao sofrimento futuro. "A pessoa que está lidando
no automático com a vida ou alguma situação específica não consegue compreender
o que está fazendo. Geralmente quem vive dessa maneira tem grandes chances de
sofrer um episódio de pânico, desenvolver o transtorno de ansiedade generalizada ou
uma fobia social. Fazer mais e mais atividades é uma tentativa de não deixar o
aparelho psíquico negociar diferentes instâncias", diz o psicanalista Claudio César
Montoro. Nesse sentido, a ansiedade é uma espécie de "acúmulo de várias
negligências internas com as próprias necessidades", completa o psicólogo
clínico F.Mattos.
Há dois tipos de crise mais comuns. O primeiro é o transtorno do pânico, caracterizado
por um ataque em que, de repente, a pessoa passa a sentir falta de ar, taquicardia e
chega até a sentir que vai morrer. O segundo é a ansiedade generalizada, que pode
trazer tontura, tensão muscular e um medo persistente.
Mas há uma parcela considerável de pessoas que se queixa desse problema num
nível, digamos, não patológico. Por isso, entender esse sintoma passa por entender
sua ambiguidade: se hoje esse distúrbio parece ser, junto com a depressão, um
grande vilão do mundo moderno, ele nem sempre foi visto assim. A psicanálise e até
mesmo a medicina, por exemplo, consideraram em outros tempos que esse mal era
simplesmente uma condição típica do ser humano, por meio da qual ele se relaciona
com o mundo. Nesse cenário, lidar com a ansiedade possibilitou ao homem aprender,
por exemplo, a antecipar o risco, o que teria ajudado na sobrevivência da espécie.
Control freak
Ser considerada uma sensação "normal", que surge em algum momento da vida, não
faz da ansiedade algo simples de se conviver. Talvez porque hoje existam mais
situações de risco em que o estado de alerta do ansioso é acionado. O que chamamos
de civilização nos coloca em contato com uma série de outras ameaças, como o medo
de perder o emprego, de novas epidemias, do impacto do aumento do dólar, de
ficar preso no elevador.
O desafio maior de lidar com a ansiedade nos dias de hoje talvez seja dosar essa
reação do nosso sistema de defesa interno para fazer uma leitura saudável do
entorno, garantindo ao menos que situações ambíguas não causem crises tão agudas
e prolongadas a ponto de debilitarem a vida e as relações pessoais.
“A PESSOA MUITO ANSIO SA SENTE UM
CONTRATEMPO COMO SE FOSSE UMA
CATÁSTROFE; SENTE QU E NADA ESTÁ
SOB O CONTROLE DELA ”.
W I L S O N F E L Í C I O J O AQ U I M -P S IQ U IATR A
D O H OS P IT AL D A C LÍN IC AS D E S P
Hora do equilíbrio
Para compreender a ansiedade é essencial entender o medo, afirma o neurocientista Joseph
LeDoux. Ele coordenou uma pesquisa pioneira na década de 1980 que trouxe importantes
explicações biológicas sobre a doença. O trabalho comprovou que ansiosos têm uma parte
do cérebro conhecida como amígdala bem mais ativa do que a média. Essa região é parte
fundamental do nosso sistema emocional - é a responsável por processar o medo. Um outro
estudo, conduzido por cientistas do Laboratório Europeu de Biologia Molecular, na Itália,
revelou que conexões erradas nos circuitos neurais de camundongos, que envolvem a
sinalização de serotonina (o "hormônio da felicidade"), estão relacionadas a reações
exageradas em situações ambíguas.
As explicações científicas para o medo e a ansiedade podem nos levar a uma compreensão
biológica desse sintoma; já sabemos que existe um fator genético que predispõe algumas
pessoas a desenvolverem o distúrbio. Mas isso não é tudo. "Pessoas com ansiedade e
depressão na família vão ter mais chances de ter esse transtorno. Numa família cheia de
ansiosos, eles são assim por que todos foram criados do mesmo jeito ou por que existe
uma genética envolvida? Provavelmente é por causa dos dois", diz o psiquiatra Wilson
Joaquim.
UM INDIVÍDUO QUE TOMA UM CHOQ UE NÃO ENTRA EM PÂNI CO
QUANDO VÊ UMA TOMADA POSTERIORMENT E. MAS QUEM FOI
ASSALTADO E SOFREU A MEAÇA DE MORT E, ACAB A TENDO
UMA REAÇÃO DE PÂNICO AO SER SUBMET IDO A U M ESTÍMULO
LIGADO ÀQUELE EVENTO "
NEWT ON CANT ERAS
DO LABORATÓRIO DE NEURO ANATOMIA INSTITUT O DE CIÊNCIAS BIOMÉD ICAS DA USP
Em seu livro mais recente em que trata da ansiedade, "Anxious: Using the Brain to Understand
and Treat Fear and Anxiety" (Ansioso: Usando o Cérebro para Entender e Tratar o Medo e a
Ansiedade), ainda inédito em português, LeDoux defende que estamos pensando o medo e
a ansiedade de maneira errada. Em entrevista recente à revista "New York", ele também disse
que é vital a ciência considerar esses sentimentos como experiências fundamentalmente
humanas. “Somente os seres humanos - podemos dizer com certeza - acordam durante
a noite e se preocupam com a sua conta-poupança e se suas vidas são ou não são
significativas", afirma LeDoux.
Portanto, se a ansiedade não pode ser reduzida a seus componentes fisiológicos, precisamos
lançar um olhar atento ao nosso entorno para fazer uma interpretação dos nossos medos e
gatilhos de estresse. "As vias neurais do medo aprendido é que estão relacionadas às
patologias humanas", afirma o neurocientista Newton Canteras, coordenador de um estudo
produzido pela USP (Universidade de São Paulo) que ganhou destaque internacional.
O BRASIL OCUPOU O QUARTO LUGAR NO RANKING DOS
PAÍSES COM MAIS PESSOAS ANSIOSAS EM 2013.
29,6% DOS INDIVÍDUOS NA REGIÃO METROPOLITANA DE
SÃO PAULO APRESENTARAM TRANSTORNOS MENTAIS.
OS TRANSTORNOS DE ANSIEDADE FORAM OS MAIS
COMUNS, AFETANDO 19,9% DOS ENTREVISTADOS.
LE V AN T AME N TO D A OMS (OR G AN IZ AÇ Ã O MU ND IAL D E S AÚ D E )
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