Caracterização do Corpo Caloso a partir de Imagens de Ressonância Magnética André Luis da Costa , Letícia Rittner (Coorientadora) , Roberto de Alencar Lotufo (Orientador) Departamento de Engenharia de Computação e Automação Industrial (DCA) Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Avenida Albert Einstein, 400 – Campinas, SP, Brasil – CEP: 13083–852 {alcosta,lrittner,lotufo}@dca.fee.unicamp.br Abstract – The corpus callosum is the greatest white matter structure of the human brain, responsible for facilitating inter–hemispheric communication. Many studies have linked abnormalities in the corpus callosum with several diseases and disorders. Usually, the anomalies are observed by measurements on the corpus callosum micro and macro structures. However, recently there has been studies that relates the corpus callosum extension with its micro structure measurements. In this project we are proposing the development a kind of signature to characterize the corpus callosum, based on the combination of measurements of its micro structure with its macro structure. We aim at finding a signature that has high correlation intra–subject and intra–group. The signature should be based on attributes extracted from magnetic resonance images, especially diffusion images. We hope that the proposed signature can be useful for illnesses diagnosis and for monitoring treatment evolution. Keywords – corpus calosum, magnetic ressonance, characterization, human brain, white matter. 1. Introdução O Corpo Caloso (CC) é a maior estrutura da matéria branca do cérebro, a qual é composta por fibras nervosas densamente agrupadas [2]. Uma fibra nervosa, também conhecida como axônio, é uma projeção longa e fina de uma célula nervosa ou de um neurônio. O corpo caloso interliga as regiões corticais de ambos os hemisférios do cérebro dos mamíferos placentários. Sua função é facilitar a comunicação inter–hemisférica, possibilitando a geração de conjuntos síncronos de atividade neuronal. Pesquisas recentes associam alterações no corpo caloso com diversas doenças e distúrbios relacionados ao cérebro humano. Di Paola et al. [4] apresentam uma revisão de estudos sobre a relação da anatomia do corpo caloso com a doença de Alzheimer. A maioria deles associa a atrofia da parte mais posterior e da parte anterior do corpo caloso à doença. Em uma revisão realizada por Paul [10], são citados diversos trabalhos que identificaram o envolvimento do corpo caloso em distúrbios psicológicos diagnosticados exclusivamente por padrões de comportamento, como a dislexia, déficit de atenção e hiperatividade, e autísmo. Os trabalhos citados aqui são apenas uma amostra, mas evidenciam o interesse e a necessidade em se conhecer essa estrutura do cérebro humano. De fato, a relação completa de estudos recentes relacionados ao corpo caloso humano é muito extensa. Este grande volume de pesquisas tem sido proporcionado pelo advento do imageamento por meio de ressonância magnética (MRI, do inglês Magnetic Resonance Imaging). O MRI é uma técnica não invasiva para se realizar o mapeamento de estruturas do corpo humano como, por exemplo, o cérebro [3, 2]. Este artigo apresenta uma proposta de pesquisa que contempla a combinação das medidas obtidas pelas imagens de MRI com a extensão do corpo caloso. Espera-se obter como resultado desta combinação uma assinatura, a qual possa ser útil aos profissionais médicos na identificação de anomalias, em diagnósticos e no acompanhamento de tratamentos. Será também desejável que a assinatura possa servir como um descritor do corpo caloso passível de ser utilizado em sistemas de classificação. Prosseguindo com esta Seção 1. de introdução, a Subseção 1.1. apresenta conceitos básicos sobre duas modalidades mais comumente utilizadas de MRI: a relaxometria e o imageamento da difusão; e a Subseção 1.2. descreve as formas de caracterização mais difundidas, ressaltando alguns dos seus problemas. A Seção 2. apresenta a nossa proposta de pesquisa, expondo os trabalhos que serviram de inspiração, e os métodos que estão sendo considerados para serem empregados. Por fim, na Seção 3. é feita uma conclusão do trabalho, onde são apresentadas as expectativas de resultados da pesquisa e como eles podem contribuir para a melhoria dos procedimentos médicos. 1.1. Imageamento por ressonância magnética Dentre as modalidades de MRI, a relaxometria e o imageamento da difusão são as mais utilizadas para se realizar o mapeamento do cérebro. Relaxometria A relaxometria é a modalidade de MRI que mede o tempo de relaxamento dos prótons de um tecido biológico exposto a um forte campo magnético, após receberem um pulso de rádio frequência [2]. Três tipos de imagens são geradas por essa modalidade. A imagem T1 é gerada pela medição do tempo de relaxamento da magnetização longitudinal (spin–lattice) de volta ao equilíbrio depois de um pulso de radio–frequência. A imagem T2 é gerada pela medição do tempo associado à perda do sinal de magnetização transversa (spin–spin), devido à defasagem. O terceiro tipo de imagem é gerada pela medição da força do sinal observado. É uma função da densidade protônica total (PD, do inglês Proton Density). As images T1, T2 e PD apresentam alto contraste entre os tecidos cerebrais: substância branca, substância cinzenta e líquido córtico–espinal. Imageamento da difusão Esta modalidade de MRI possibilita mensurar a difusão das moléculas de água no tecido orgânico (DWI, do inglês Diffusion–Weighted Imaging) [3, 2]. As DWI’s revelam informações importantes sobre a arquitetura da matéria branca. O princípio básico é a anisotropia da difusão da água no cérebro, onde a movimentação tende a assumir uma direção preferencial no tecido fibroso, paralelo às fibras. Um modelo bastante utilizado para representar a difusão mensurada pelas DWI’s é a imagem de tensores de difusão (DTI, do inglês Diffusion Tensor Image) [3, 2]. Atualmente, este modelo é o mais utilizado para estudar e caracterizar a matéria branca do cérebro. O princípio básico das DTI’s é que a função densidade de probabilidade de deslocamentos por difusão é uma distribuição Gaussiana multivariada tridimensional, onde o tensor de difusão é a matriz de co–variância de deslocamentos por difusão DXX D = DY X DZX DXY DY Y DZY DXZ DY Z . DZZ (1) As métricas escalares derivadas de DTI mais comumente utilizadas são a difusividade média (MD, do inglês Mean Diffusivity) e a anisotropia fracional (FA, do inglês Fractional Anisotropy) [3, 2]. Outras métricas de DTI também populares são a difusão axial (AD, do inglês Axial Diffusivity) e a difusão radial (RD, do inglês Radial Diffusivity). Elas estão relacionadas respectivamente com a difusividade da água paralelamente e perpendicularmente à direção preferencial de difusão, determinada pelo tensor. 1.2. Caracterização do corpo caloso A caracterização do corpo caloso pode ser feita com base em sua macro–estrutura, com medidas como o volume, a área e relativas à forma; ou pode ser feita com base em sua micro–estrutura, com medidas obtidas a partir das imagens de MRI, como a FA e a MD. Grande parte dos estudos limitam-se à analisar apenas a fatia mid–sagittal do corpo caloso [4, 10]. Alguns estudos seguem subdividindo a fatia mid-sagittal, realizando a análise para regiões específicas do corpo caloso [7]. Esses estudos fundamentam-se na hipótese de que cada subdivisão do corpo caloso esteja associada a uma região funcional do cortex. Contudo, a subdivisão é usualmente realizada por atlas, como os mostrados na Fig. 1, sendo que a maioria deles foram determinados por estudos histológicos anteriores ao advento da MRI. O atlas mais popular, determinado por Witelson [7] com base em um estudo histológico post-mortem em humanos e outros primatas, subdivide verticalmente a fatia mid–sagittal do corpo caloso em cinco regiões [1]. Hofer & Frahm [7], utilizaram tractografia em MRI para propor uma atualização do atlas definido por Witelson, mantendo a quantidade de parcelas, mas alterando os locais de divisão, como apresentado na Fig. 1(b). Mesmo assim, o local exato onde a divisão deveria ocorrer pode variar consideravelmente entre indivíduos, como verificado por Freitas [6]. Muitos trabalhos relacionados ao corpo caloso apresentam-se na forma de estudo clínico, e fundamentam-se em procurar diferenças significativas na macro–estrutura ou na micro–estrutura do corpo caloso. É comum encontrar resultados discrepantes em trabalhos que abordam o mesmo assunto, como verificado por Di Paola [4] em sua re- centes a um mesmo grupo 1 , do que para indivíduos de grupos diferentes. (a) Modelo de Witelson Freitas em seu mestrado [5], ao invés de utilizar um atlas, determinou o particionamento da fatia mid–sagittal para cada indivíduo, utilizando a técnica watershed por marcadores em um espaço de características extraído das imagens de MRI. A determinação dos marcadores pôde ser realizada automaticamente pela análise de curvas de medidas escalares das DTI’s, que mostram a variação das medidas ao londo da extensão do eixo médio do corpo caloso. As curvas para as medidas escalares MD e FA, obtidas das DTI’s, são apresentadas na Fig. 2. (b) Modelo de Hofer & Frahm Figura 1. Dois modelos de atlas utilizados para determinar o parcelamento do corpo caloso [7]. visão. Dentre as muitas causas de inconsistências possíveis, duas são de grande interesse neste trabalho: • as limitações das técnicas de MRI empregadas. Por exemplo, para a técnica de MRI de difusão a taxa sinal–ruído é baixa e existem diversas fontes de artefatos indesejados [2]. Como consequência, a resolução espacial das imagens obtidas por esta modalidade é baixa. • a utilização de particionamento por atlas podem resultar em medições não confiáveis. Visto que para alguns indivíduos a divisão das parcelas pode ocorrer em local significantemente inapropriado, é natural que as medidas de micro–estrutura das parcelas desses indivíduos sejam muito diferentes em relação a outros indivíduos, compromentendo a análise. 2. Proposta Nossa proposta é a de determinar uma assinatura “digital” do corpo caloso com base na combinação de diferentes medidas da micro–estrutura, possivelmente obtidas em múltiplas modalidades de imagens, com a extensão da macro–estrutura. A assinatura deverá possuir alta correlação intra– indivíduos para aquisições realizados em diferentes instantes. Será também importante que a correlação inter–indivíduo seja maior para indivíduos perten- (a) Difusividade média (b) Anisotropia fracional Figura 2. Curvas de medidas escalares extraídas de DTI’s. A curva vermelha representa a média em uma população de indivíduos. As outras duas curvas são a soma e a subtração do desvio padrão [5]. O método utilizado por Freitas [5] foi baseado no trabalho de Park et al. [9], que primeiro determina as bordas da fatia mid–sagittal do corpo caloso e separa elas em borda superior e inferior. Posteriormente, 200 pontos igualmente espaçados são determinados em ambas as bordas superior e inferior. Por último, o ponto médio do segmento de reta que conecta dois pontos correspondentes (um superior e outro inferior) é selecionado como uma amostra para a função. A ordem dos pontos relativa às suas localizações é mantida, formando assim a função. Park et al. [9] afirmam que este é o primeiro trabalho que relaciona a extensão do corpo caloso com medidas da sua micro–estrutura. Em primeira instância, vamos desenvolver uma assinatura inspirada no método proposto por Park et al. [9] e utilizado por Freitas [5]. Contudo, vamos basear a assinatura do corpo caloso 1 Neste trabalho definimos um grupo como sendo o conjunto de indivíduos que possuem alguma característica em comum com, por exemplo, sexo, idade e distúrbio préviamente diagnosticado. provavelmente nos esqueletos da estrutura tridimensional ou da fatia mid–sagittal, ao invés de em uma amostragem de pontos médios. Então, uma amostragem de pontos do esqueleto serão selecionados para criar a assinatura. Cada ponto selecionado terá associado a ele os pontos do corpo caloso dentro de sua zona de influência, como definido por Lantuéjoul & Beucher [8]. Os valores para cada ponto selecionado serão calculados a partir dos valores de seus pontos associados. 3. Conclusão Este trabalho apresenta como proposta o desenvolvimento de uma forma de caracterização do corpo caloso que deverá combinar medidas da sua micro–estrutura com a extensão da sua macro– estrutura. Espera–se que a “assinatura” tenha maior flexibilidade para acomodar diferenças naturais inter–indivíduos que os métodos de caracterização existentes, resultando em uma maior precisão para: • agrupar indivíduos com características semelhantes, como por exemplo sexo e idade; • identificar anomalias no corpo caloso e, possivelmente, diagnosticá–las; • acompanhar a evolução de tratamentos e doenças. Potencialmente, a assinatura poderá ser utilizada como um descritor da estrutura do corpo caloso, podendo ser empregada em técnicas de classificação para, por exemplo, realizar a identificação automática de anomalias. Além disso, formas de visualização da assinatura poderiam auxiliar profissionais médicos na realização de análises e diagnósticos por inspeção visual. Agradecimentos Este projeto está sendo apoiado pela Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – por meio de bolsa de doutorado, processo no 2012/23059-8. Referências [1] F. Aboitiz, A. B. Scheibel, R. S. 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