Os meninos do Brasil (Clóvis Rossi) Primeiro foi o “arrastão” nas praias do Rio. Logo depois, nas praias de Fortaleza. Um pouco mais adiante, na festa do Círio de Nazaré, em Belém do Pará. Desceu, em seguida, para a Praça da Sé em São Paulo. Chegou ontem a Londrina, no norte do Paraná, cidade em que uma dúzia de lojas foi “arrastada” por bandos de menores movidos a cola de sapateiro. Vê-se que não dá sequer para o tolo conformismo de achar que essa espécie de guerrilha urbana está restrita aos grandes centros, depósitos habituais de todos os problemas de subdesenvolvimento. Londrina parecia ser apenas uma dessas cidades médias abençoadas pela alta qualidade de vida interiorana. É evidente que deve haver, nessa onda de “arrastões”, um pouco de modismo. O pessoal vê pela televisão um grupo “arrepiando bacanas” no Rio de Janeiro e resolve fazer a mesma coisa na sua própria cidade. Copiar comportamentos alheios, muito divulgados pela mídia, é um fenômeno até certo ponto corriqueiro. O problema é que a matéria-prima para repetição dos “arrastões” sobra no país. O Brasil, que sempre foi exemplo extremo de má distribuição de renda, tornou-se selvagem nestes muitos anos de estagnação econômica. Se há alguma indústria nacional que não sofre os efeitos da recessão é a fábrica de produzir miseráveis e marginalizados. Da marginalização à marginalidade e dela à brutalidade, a distância costuma se curta. Consequência inevitável: os “bacanas” já estão todos arrepiados. Pior: tornam-se cada vez mais inúteis os discursos sobre a miséria, sobre a infância desamparada, sobre as injustiças sociais. A fábrica de produzir retórica sobre essa temática é, aliás, outro setor que não entrou em recessão. Seria altamente conveniente que admitíssemos de uma vez por todas que estamos, todos, desequipados para agir, em vez de discursar a respeito. Não é um problema que se possa resolver apenas por meio do poder público. Não é um problema que a filantropia de meia dúzia vá sequer atenuar. É uma guerra. Não serve de consolo saber que produziu poucas vítimas fisicamente até agora. Todo o país é vítima quando seus “bacanas” começam a odiar os meninos do Brasil. (Folha de São Paulo, 30 de outubro 1992.) Atividades 1) O relacionamento entre o primeiro e o segundo parágrafo do texto é em grande parte estabelecido por um pronome demonstrativo. Aponte-o e explique como ele participa do relacionamento entre os dois parágrafos. 2) Qual o sentido do pronome em destaque no trecho “Londrina parecia ser uma dessas cidades médias abençoadas pela alta qualidade de vida interiorana.”? 3) O relacionamento entre o terceiro parágrafo e os anteriores é feito principalmente por meio de dois pronomes demonstrativos. Aponte-os e explique as relações que estabelecem. 4. “ O Brasil que sempre foi exemplo extremo de má distribuição de renda, tornou-se selvagem nestes muitos anos de estagnação econômica.” a) Classifique os pronomes destacados. b) Explique as relações que estabelecem os pronomes que e se. c) Qual o sentido do pronome nestes? 5. “Se há alguma indústria nacional que não sofre os efeitos de recessão é a fábrica de produzir miseráveis e marginalizados.” a) Classifique os pronomes destacados. b) Explique a relação estabelecida pelo pronome que. c) Qual o sentido do pronome alguma? Há ironia na frase em que é empregado? 6. “Da marginalização à marginalidade e dela à brutalidade, a distância costuma ser curta.” a) Classifique o pronome destacado e explique a relação que estabelece no texto. b) O pronome em destaque poderia ser substituído por um pronome demonstrativo? Explique. 7. Nos dois últimos parágrafos do texto, são expostas as conclusões a que chega o articulista. Faça um levantamento dos pronomes indefinidos utilizados nesses parágrafos e use os dados obtidos para relacionar esse tipo de pronomes com a abrangência das conclusões expostas no texto. 8. Você acha que o tema “Os meninos do Brasil” ainda pode considerado atual. Explique. Referência bibliográfica: Infante, Ulisses. Textos: Leituras e Escritas. São Paulo: Scipione, 2006.