XV Congresso Brasileiro de Sociologia. 26 a 29 de julho de 2011, Curitiba (PR). Grupo de Trabalho: GT 05. Desigualdade e Estratificação Social. Titulo do trabalho: Pobreza e Segregação: permanência e expressão da tradicional desigualdade no Brasil – “Grande Vitória”. Maria da Penha Smarzaro Siqueira Profª. do Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Historia Social das Relações Políticas. Universidade Federal do Espírito Santo/UFES Pós-Graduação/Mestrado e em do Programa Ciências de Sociais PUC-SP/UVV-ES. Introdução Os entendimentos diversos sobre a expansão de periferias e problemas sociais urbanos se inscrevem no contexto da modernização e da urbanização acelerada que marcaram o processo de desenvolvimento nacional, tendo como marco histórico a segunda metade do século XX. Essa temática na abordagem de nossa pesquisa situa-se em um projeto mais amplo, tendo como foco a problemática da desigualdade e da pobreza no âmbito da questão social, na perspectiva histórico/sociológica da modernização nacional e das preocupações de repensar o Brasil em face das alterações sócio-espaciais urbanas no decorrer do século XX, no contexto do desenvolvimento capitalista e do rápido processo de urbanização nas cidades brasileiras. No Brasil, a partir de 1950, o desenvolvimento, pautado na industrialização iniciada em 1930, não podia mais ser entendido, apenas, como um processo de expansão e criação de atividades industriais, mas também como um processo social complexo, com a formação de um amplo e diversificado mercado de trabalho e de atividades produtivas, formando um mercado nacional, expandindo consumo, impulsionando as relações sociais, ativando a urbanização e agravando as desigualdades. Neste quadro de referências, buscamos como nossa proposta de investigação aprofundar o debate em torno de aspectos articulados à questão da desigualdade, da pobreza e da modernização, em abordagem histórico-sociológica, através de mudanças assumidas pela capacidade relativa das cidades de se defrontarem com funções sociais geradoras da expansão e da consolidação do capitalismo no Brasil. Enfocamos o Espírito Santo, como parâmetro de estudo regional, enfatizando as especificidades locais tradicionais e, em particular, o processo tardio de modernização/industrialização em relação ao desenvolvimento capitalista nacional. O processo de mudança, fortemente marcado pela emergência de uma nova ordem produtiva e sócio-espacial, teve centralizado na região metropolitana da Grande Vitória, que passou a ser o “lócus” concentrador da modernização. Processo que, socialmente, caminhou na contramão do ideário da modernidade, intensificando a fragmentação da organização social e a conseqüente desigualdade, num quadro acelerado de urbanização desigual, que acirrou o processo de segregação sócio-espacial. Privilegiamos a Região Metropolitana da Grande Vitória como referência histórica para o desenvolvimento de nossa investigação, tendo com eixo histórico-sociológico o município de Vila Velha, com foco no Bairro de Terra Vermelha - denominado “Grande Terra Vermelha”. A escolha da região de Terra Vermelha se justifica pela complexidade social urbana, composta de diversos tipos de ocupação, dentre os quais, loteamentos e ocupações clandestinas, espelhando as representações da fragmentação sócio-espacial e da segregação no cenário urbano municipal. 1 Desigualdade social e pobreza: expressão tradicional e permanência O Brasil, em sua trajetória histórica, apresentou uma desigualdade social constante que, inicialmente, fundamentava-se na distribuição diferenciada da riqueza, ligada principalmente à propriedade de terra, para em seguida ser expressa na divisão desigual de bens, tanto econômicos quanto sociais. Ao longo dos séculos a forma de desenvolvimento adotado, expresso em um modelo concentrador e desigual, proporcionava o enriquecimento de uma parcela mínima que aliava terra, poder e riqueza. A desigualdade e a conseqüente pobreza se estruturaram na sociedade brasileira, promovidas principalmente pelas profundas assimetrias nas relações sociais, com expressão maior para a concentração centrada em poucos setores sociais e pela pobreza, exclusão e segregação da outros setores que constituíam e permanecem constituindo a maioria da população. Processo que se ampliou e se agravou, apresentando-se com novas características a partir da industrialização e com a expansão do capitalismo. A desigualdade e a pobreza no âmbito da questão social se inscrevem em uma conjuntura histórica e estrutural. No entendimento de GARCIA (2003:09), O destino não estava traçado e o caminho não era único, ainda que o passado tenha o seu peso no presente. O Brasil foi fundado sobre o signo da desigualdade, da injustiça, da exclusão: capitanias hereditárias, sesmarias, latifúndio, Lei de Terras de 1850 (proibia o acesso a terra, por aqueles que não detinham grandes quantias de dinheiro), escravidão, genocídio de índios, importação subsidiada de trabalhadores europeus miseráveis, autoritarismo e ideologia antipopular e racista das elites nacionais. Nenhuma preocupação com a democracia social, econômica e política. Toda resistência ao reconhecimento de direitos individuais e coletivos. O que se apresentou no decorrer do século XX foi o agravamento de uma dinâmica já em curso. Problemas históricos como a ausência de mecanismos para uma melhor distribuição de rendas e para a questão fundiária, precariedade nas condições de higiene e saúde da população, nas condições sociais de trabalho no acesso e na qualidade da educação vão se unir a questões como a expulsão do campo, a urbanização sociopática, os avanços das contradições entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, constituindo as fontes que multiplicaram os indicadores da desigualdade social e da pobreza no Brasil (WANDERLEY, 1997) Reconhecer os agentes dessa problemática significa avançar ainda mais num universo de amplas contradições, no contexto das mutações econômicas, sociais e políticas que caracterizaram o desenvolvimento nacional, principalmente a partir de 1930, até o final do século XX. Sobre a trajetória do Estado e sua prática social, SPOSATI (1988:46) aponta o seguinte: [...] ao modelo estatal paternalista de pré-64, onde o Estado dizia-se o “amparador dos pobres”, seguiu-se ao modelo estatal-desenvolvimentista, que se propôs a “corrigir efeitos indesejados do crescimento”.O assistencialismo do primeiro e o autoritarismo tecnocrático do segundo,não puseram em questão o que significava a assistência social num Estado democrático e qual seu horizonte. Observamos que o caráter imediato das políticas direcionadas para área social não coloca em questão a dimensão da problemática social. As idéias de progresso, no âmbito de uma proposta de modernização como projeto nacional, não expressavam a desigualdade como um entrave a modernidade, nem os mecanismos do modelo modernizador colocavam em questão o enfrentamento concreto frente à pobreza e às desigualdades sociais. O Relatório da Comissão Mista Especial de Combate à Pobreza (1999:27) apresenta uma significativa parcela da população brasileira vivendo abaixo da linha da pobreza e da indigência, uma situação de pobreza intimamente relacionada à questão da desigualdade. De acordo com o documento [...] o grau de desigualdade no Brasil está entre os mais altos do mundo [...] o crescimento econômico e as políticas sociais, que deveriam em tese ter caráter redistributivo, não têm sido capazes de alterar sequer minimamente, esse quadro explicando porque o grau da pobreza brasileira se apresentava muito superior ao de países com renda similar a nossa. É nesse quadro que se tenta reformular modelos de desenvolvimento buscando alternativas para a modernização nacional, sem, no entanto, aprofundar o debate em relação ao caráter da tradicional desigualdade brasileira que põe em risco a construção de uma sociedade realmente moderna. Na realidade, não entra em pauta discutir o que representa a modernidade num país como o nosso, onde o dinamismo econômico segue ao lado de uma tradicional herança de forte pobreza e elevada desigualdade. Observando o processo histórico mais recente das desigualdades sociais e da pobreza no Brasil, vamos encontrar novos fundamentos na trajetória do desenvolvimento do capitalismo brasileiro. A partir de década de 1930, a industrialização criou as condições básicas para o modelo de acumulação capitalista, estruturada principalmente na mudança política e na redefinição do papel do Estado na economia, mudanças abrangentes no contexto sociopolítico e econômico nacional, consideradas marcantes na história contemporânea brasileira. Por outro lado, embora o Brasil tenha iniciado uma fase de maior desenvolvimento econômico, a política colocada em prática não tinha um caráter com amplitude social. Simultaneamente, registrou-se um incremento da taxa de crescimento da população e de urbanização. Os encaminhamentos do processo de modernização e do desenvolvimento industrial, a partir de 1940, vão promover alterações no processo da urbanização, quando tem início uma mudança em relação à hierarquia urbana tradicional e à formulação de modelos mais adequados ao novo quadro social e econômico do país. O rápido crescimento da população nos centros urbanos mais dinâmicos e a complexidade das relações econômicas e da vida social mudaram o tradicional perfil urbano das cidades num quadro de grandes diferenças sociais. A concentração da população nas áreas urbanas trouxe consigo problemas de assistência, educação, habitação, saneamento básico, de infra-estrutura e tantos outros. Na medida em que a industrialização avançava, crescia a concentração da renda, ampliando-se as desigualdades sociais, aumentando as tensões nas relações de trabalho e agravando-se a questão social (BULLA, 2003) Nas décadas seguintes, a interação entre econômico e o social se deu marcada por um grande distanciamento, no qual os investimentos se concentravam na expansão do crescimento econômico, negligenciando a modernização social. O aumento das desigualdades, da pobreza e da segregação sócio-urbana estava relacionado aos direcionamentos do modelo econômico em questão, que se desenvolvia aliando uma clássica trajetória social desigual (VELLOSO, 1994). As grandes contradições inerentes ao processo de desenvolvimento nacional adquiriram particularidades no universo das relações sociais expressas na questão social, representadas pela desigualdade que tomou forma sem precedentes na sociedade brasileira. A fragilidade das políticas públicas não permitia um caráter mais universal, e as camadas mais pobres não alcançavam os poucos benefícios oferecidos à população, multiplicando a intensidade da exclusão e da segregação social. As periferias vão tomando novos contornos num alargamento da pobreza, intensificada também pelas carências de atendimento público, num amplo quadro de problemas sociais que tomaram formas distintas nas ultimas décadas do século XX. O constante processo de instabilidade, na busca de modelos para conseguir novos equilíbrios econômicos, provocou, também, novos mecanismos de empobrecimento que se agravaram diante da ausência de um projeto público concreto e direcionado ao enfrentamento dos desequilíbrios sociais. Nessas configurações, a desigualdade estabelecida se impõe como um componente natural na sociedade brasileira. Movimento que deu lugar a formas perversas de não cidadania e marginalização que encontrou eco no processo de modernização do país. SOUZA ( 2003:17), argumenta que: [...] demonstrar como a naturalização da desigualdade social de países periféricos de modernização recente como o Brasil pode ser mais adequadamente percebida como consequência, não a partir de uma herança pré-moderna e personalista, mas precisamente pelo fato contrário, ou seja, como resultante de um efetivo processo de modernização de grandes proporções que toma o país paulatinamente a partir de meados do século XIX. Assim, o autor expressa as pré-condições sociais da naturalização da desigualdade brasileira no contexto da modernização estabelecida ainda em meados do século XIX, quando foram norteados os contornos da marginalidade social, da pobreza econômica e da segregação no Brasil, que vão tomar forma mais concreta no final daquele século. Essa noção sinaliza para uma compreensão maior da naturalidade da pobreza e da desigualdade no âmbito do processo histórico do desenvolvimento nacional a partir do final do século XIX, estendendo-se e ganhando-se novas roupagens ao longo do século XX. A gravidade desse processo e sua permanecia ao longo deste período se incluem, de acordo com SPOSATI (1996:13), num universo muito amplo e complexo: Fazem parte de uma lógica que está presente nas varias formas de relações econômicas, sociais, culturais e políticas da sociedade brasileira. Ela inclui pobreza, discriminação, não equidade, não acessibilidade, não representação política. É, portanto um processo múltiplo que se explica por varias situações de privação da autonomia, do desenvolvimento humano, da qualidade de vida e igualdade. Percebemos que a pobreza e a segregação se revelam através das múltiplas dimensões da vida em sociedade. A tradicional fragilidade do processo de integração no Brasil, no nosso entendimento, reforça-se enquanto instrumento da fragmentação social, característica presente na sociedade brasileira. A permanência e a intensificação desses problemas sociais decorrem, assim, aliados a um conjunto de fatores relacionados à própria lógica de desenvolvimento estabelecido no Brasil até o final do século XX, sem, entretanto, produzir mecanismos de proteção social. Neste quadro, inclui-se a diversidade econômica e social brasileira em toda a sua dimensão, tanto do ponto de vista da desigualdade, quanto da estratificação social, na medida em que se alarga o distanciamento ao acesso a bens e recursos materiais dos diferentes grupos sociais. Tratando-se da estratificação social, não priorizamos neste trabalho um debate conceitual e teórico relativo aos seus trincados contornos na sociedade brasileira, nem das referências representativas desta questão, neste caso a estratificação se inclui e coexiste aliada à própria trajetória histórica das desigualdades sociais, entendendo que a complexidade de uma sociedade pode ser expressa pelo viés das diferenciações internas, notadamente [...] quando as diferenças sociais são usadas como fundamento para a distribuição desigual de recursos e poder, fundando relações de dominação e atribuindo às pessoas e aos grupos sociais posições numa hierarquia social, deparamo-nos com a produção de desigualdades sociais. ZORZI et. al.(2009:11) Assim, podemos compreender as dimensões das desigualdades num quadro diferenciado da distribuição de recursos socialmente valorizados, tais como conhecimento, renda monetária, propriedade, prestígio e poder político. No âmbito dessas diferenciações GIDDENS (2005: 234), acrescenta que [...] a estratificação social pode ser definida como as desigualdades estruturadas entre diferentes agrupamentos. Isso posto, podemos dizer que se tratando da estratificação social, devemos considerar não apenas as posições econômicas, de status e de poder, mas também o que ocorre com indivíduos, famílias e diferentes grupos sociais. A estratificação social e suas conseqüências sempre estiveram presentes nos espaços sociais brasileiros sinalizando a existência de grupos diferenciados em condições econômicas, políticas, culturais e sociais. Por isso, é muito importante essa percepção em uma visão histórico-sociológica no ideário das matrizes do desenvolvimento nacional. No Brasil, os projetos de desenvolvimento e de modernização nacional não destacavam como prioridade o ideal de igualdade e de construção da cidadania como principio do desenvolvimento. Esses ideais estiveram ausentes do paradigma histórico brasileiro, dando lugar à reprodução da pobreza e das desigualdades sociais como eixo da questão social nacional (IVO, 2008) No âmbito dessas questões, situa-se a permanente precariedade da inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho urbano-industrial, bem como a manutenção de baixos salários que não garantem a segurança de manutenção digna das necessidades de sobrevivência nos centros urbanos. A conjunção dos fatores apresentados reproduziu as desigualdades e a constante vulnerabilidade social, questões que e vão ganhar contornos novos, movendo-se a partir da década de 90 para uma nova configuração da questão social. Trata-se do enfraquecimento de mediações entre Estado e sociedade, dentre os quais assinalamos a fragilidade dos vínculos, que entrelaçam a prática da cidadania em relação a grupos sociais que povoam o mundo das privações, a função integradora do mundo do trabalho e a fragilidade dos suportes de solidariedade e de proteção social (CASTEL,1997). Nessa nova configuração são destacadas múltiplas conseqüências, e o que passamos a assistir, a partir do final do século XX, é ao resultado de seqüelas de uma reprodução social tradicional, seguida de novos paradigmas gerados pelo projeto modernizador na ótica da globalização e de programas neoliberais. Na perspectiva de nossa abordagem, observamos que persiste uma [...] questão social ampla, histórica e estrutural, irresolúvel na sua totalidade nos marcos da formação econômico-social do capitalismo realmente existente (WANDERLEY, 1997: 131). As mudanças ocorridas na dinâmica social, principalmente aquelas associadas aos novos paradigmas do processo de modernização, estão redefinindo a natureza da questão urbana e da pobreza no Brasil, colocando em evidência a necessidade de reavaliar os mecanismos que reproduzem formas de integração social e de vida nas cidades. Trata-se de um processo inacabado, conflituoso e com tendências contraditórias e contínuas que supera os limites da tradicional questão social no Brasil. 2 Contextualização regional: a Grade Vitória e a problemática da desigualdade. O período entre 1930 e 1960 foi decisivo para o processo de constituição, no Brasil, de uma ordem nacionalista, capitalista e burguesa. O desenvolvimento industrial que se expandia propiciava transformações expressivas na economia nacional e na vida urbana das cidades. No Espírito Santo, mesmo estando o Brasil a partir de meados de 50 sob a égide de economia industrial avançada, as relações socioeconômicas permaneciam sendo conduzidas pelo setor agrário-exportador cafeeiro. O grau de industrialização era inexpressivo e intimamente ligado à transformação de produtos primários. Esse modelo vai ser alterado nos anos de 1960 quando os novos direcionamentos da economia brasileira atingem, com grande impacto, a estrutura econômica capixaba. Desestrutura-se um modelo primário-exportador em função de um novo padrão de acumulação – o industrial, apoiado na implantação de Grandes Projetos Industriais. Esse foi o marco inicial da implantação da modernização e da expansão das relações capitalistas no Espírito Santo, que promoveu o avanço e uma maior integração da econômica estadual no contexto nacional e internacional, processo que mudou o perfil do estado no quadro regional brasileiro, enquanto pólo de expansão industrial e portuária. Aliada ao novo modelo de desenvolvimento, a urbanização emerge, inicialmente, como condição da consolidação capitalista, para se efetuar, até o final do século XX, em um condicionante deste mesmo processo (SIQUEIRA, 2010). Essa dinâmica se deu de forma associada, industrialização/urbanização, refletida principalmente na região de Vitória, mudando o perfil urbano da capital, que deixou de ser a pequena cidade comercial e administrativa, inserindo-se no contexto urbano nacional. A consolidação da base urbano-industrial centrada na região da capital passou a elevar não apenas o ritmo da economia, como também o movimento da urbanização, que tomou forma de aglomeração num crescimento acelerado, gerando a multiplicação dos problemas urbanos. A grande transferência de contingentes populacionais a partir dos anos de 1960, crescente e contínua até o final do século XX, concorreu ativamente para a expansão urbana desordenada da região da Grande Vitória. Os direcionamentos da nova lógica do modelo adotado, com base na mudança brusca da estrutura de produção, passaram a se expressar na trajetória do crescimento e da desigualdade social. De um lado, o processo de crescimento econômico moderno, a distribuição espacial da população e a expansão e ocupação do novo espaço metropolitano. Do outro, a modernização e o grande processo de urbanização, seguidos de problemas sociais e ambientais, tais como: problemas com a expansão da periferia; a falta de moradias; a favelização; carência de infra-estrutura urbana; mercado de trabalho insuficiente; crescimento do setor informal; poluição; ocupação de áreas de preservação ambiental e violência. É nesse sentido que se dá a reprodução, a manutenção e a permanência da desigualdade na Grande Vitória, norteada pela pobreza, pela segregação e pela estratificação social na totalidade da desigualdade nacional. A modernização urbana e a industrial estavam ocorrendo centradas em uma concentração de riquezas, ausência de políticas públicas sociais e, por conseqüente, na elevação dos desníveis sociais, tornando os pólos de desenvolvimento capitalista no Brasil, principalmente as capitais e as regiões metropolitanas em cenários emblemáticos de problemas de segregação social, mudando os padrões de sociabilidade urbana. As desigualdades sócio-espaciais que se expressavam nas cidades apontavam questões de grande complexidade que se configuravam no universo urbano, no quadro de uma aparente fragmentação que ganhava força no sentido da estruturação social e da estruturação do espaço urbano (GOUVÊA, 2005:29). Essa situação, visível e predominante nas cidades brasileiras, reflete a dimensão da questão social e suas implicações no processo de desenvolvimento. Na região metropolitana de Vitória destacamos o município de Vila Velha, o mais próximo da capital (12 km), concentrando, desde 1960, o maior número de bairros da Grande Vitória. Neste município centramos o foco de nossa pesquisa na Grande Terra Vermelha. A região de Grande Terra Vermelha forma um conglomerado de 25 bairros, situados há 15 km do centro do município de Vila Velha, na Região Metropolitana de Vitória. Fica situada na faixa terrestre ao lado da Rodovia do Sol (ES-060), rodovia litorânea que interliga Vila Velha e Guarapari, em face à Barra de Jucu, antiga vila de pescadores, área de preservação ambiental, bucólico e tradicional balneário local (MINCHIO, 2009). De acordo com os dados do censo de 2010, o município de Vila Velha conta com uma população de 414.586 habitantes, sendo que deste total, 60 mil vivem na Grande Terra Vermelha. As ocupações iniciaram maciçamente a partir de meados dos anos 80 e se estenderam em áreas impróprias, em grande maioria, irregulares e localizadas em áreas de risco, em condições de precariedade habitacional, de infra-estrutura e de acesso a serviços públicos. As habitações precárias, espalhadas nesta periferia da cidade, passaram a abrigar famílias num quadro de total desamparo social, constituídas inicialmente por famílias carentes vindas de outras periferias de Vila Velha e da Grande Vitória, e migrantes vindos do interior do Espírito Santo, do norte de Minas Gerais, de regiões periféricas da cidade do Rio de Janeiro e do norte deste mesmo estado e do sul da Bahia. Uma população jovem, com baixo nível de escolaridade e sem formação profissional. Tendo por referência a nossa pesquisa de campo, as histórias de vida dos moradores são muito parecidas, pois todos apontam que chegaram a Vitória em busca de trabalho e melhores condições de vida. As oportunidades abertas pelo desenvolvimento industrial da cidade representaram um caminho e ao mesmo tempo um novo horizonte. Mas as dificuldades existentes no interior da sociedade urbana mudaram a realidade desejada por essas pessoas, que passaram a viver em estado de pobreza absoluta e de segregação. O acelerado processo de diferenciação sócio-espacial e o agravamento da problemática urbana revelados com maior intensidade a partir de 1980 elevaram consideravelmente o índice de vulnerabilidade social nas cidades brasileiras, concentrado de forma intensa nas periferias. Na Região da Grande Vitória a pobreza aliada à urbanização desordenada contribuiu de forma excessiva para a magnitude dos problemas sócio-urbanos. O município de Vila Velha, embora já com uma periferia consolidada, alojando uma ampla parcela de população em estado de pobreza e carência social, passou a assistir à reprodução e à multiplicação desses problemas na região de Terra Vermelha de forma expressiva em tempo rápido e que aliou à violência as precárias condições de sobrevivência (SIQUEIRA, 1995). Esse cenário, evidencia também a ausência de instrumentos institucionais e administrativos adequados para fazer frente à dimensão do problema social estabelecido nas periferias da cidade. Na Grande Terra Vermelha, a precariedade e a vulnerabilidade das condições de vida em toda a sua dimensão, aliada a ausência de serviços básicos para a sobrevivência, de direitos à cidadania e à falta de políticas públicas municipais contribuíram para o quadro de violência estabelecido na região. As intervenções do poder público municipal ocorridas a partir final dos anos 90, década que marcou um movimento de grandes invasões e que promoveram um forte adensamento espacial na região, não foram expressivas, permanecendo o elevado déficit de infra-estrutura urbana e demais serviços, inclusive transporte coletivo (IPES, 2001). A ocupação que se acelerou nos anos 90 prosseguiu na década seguinte com o mesmo desordenamento espacial, adentrando a região com o surgimento de novas ocupações, apresentando um maior grau de pobreza. À medida que as ocupações foram avançando para o interior da região, afastando-se das proximidades da rodovia, foi também se evidenciando uma pobreza maior, com grau mais elevado de precariedades, carências e maior concentração da violência local. Nesse sentido, podemos verificar o aprofundamento da situação de reprodução da miserabilidade e o agravamento das desigualdades sócio-espaciais. Nossa pesquisa desenvolvida nas escolas e com as famílias observou que, na Grande Terra Vermelha, a fusão entre a precariedade de vida, as limitações pessoais e sociais aliadas à falta de escolaridade e de perspectivas futuras, contribuem em grau muito elevado para as manifestações relacionadas à violência de forma abrangente. A própria realidade sócio-espacial da região, que envolve um contexto de fragilidade e instabilidade social, econômica, urbana e também familiar, produz e reforça condições diferenciadas para o agravamento da delinqüência e da violência local. Fenômenos como a existência de grupos dominantes locais com perfis diferenciados, grupos de gangues e o desenvolvimento das relações estabelecidas no mundo do uso e do tráfico de drogas e que se desenvolvem em proporções alarmantes, fogem do controle do poder público, em função, principalmente da ineficiência institucional relativa à segurança pública. Sobre essa questão Zanotelli (2004:17), faz a seguinte observação: [...] A delinqüência é em parte tolerada, mesmo porque nenhuma sociedade funciona com o controle total de sua população, zonas de tolerância são previstas. A invocação da lei para melhor reprimir parcela da população pode fazer parte de uma regulação social que de fato opera mais pelo laisser faire que por uma verdadeira política de proteção dos mais fragilizados socialmente Ainda de acordo com o autor, os grupos dominantes locais estabelecem relações de poder no cotidiano local sob forma de ameaças [...] além dessa difusão de um poder “arcaico” entre bandos e grupos que lutam pelo controle do poder nos bairros, há a volta contra si mesmo e contra os próximos da violência dentro das famílias (id.). Inúmeros trabalhos realizados em âmbito acadêmico e público expressam a preocupação relativa à questão social urbana e relatam a realidade que predomina nas cidades brasileiras de pequeno, médio e grande porte. Muitas pesquisas seguem uma linha explicativa que [...] descrevem a forte relação entre a deteriorização urbana observada e seus impactos sobre as condições de vida das pessoas, reforçando a teoria de que não é apenas a pobreza que explica o problema da violência, mas uma série de fatores relacionados [...] No entanto, a magnitude no número de homicídios encontrada nas macrorregiões de mais baixo IQU está de acordo com autores que relacionam homicídios com precárias condições socioeconômicas (BASTOS, et.al. 2009:11). Nesse quadro de pobreza, segregação e violência, em geral, as vítimas são jovens entre 14 e 21 anos, destacando-se o sexo masculino com o maior registro de casos atingidos. Nas comunidades pobres como é o caso da Grande Terra Vermelha, não se registra oportunidades culturais que possam promover uma maior articulação social local. O lazer se limita ao futebol, à praia e às festas locais com música, ou ao próprio movimento de estar na rua articulando uma atividade de diversão. Essa carência de atividades de lazer e de interação social entre os jovens cria alternativas para agrupamentos de gangs que se apropriam deste vazio, e também por: [...] grupos de tráfico, que em muitos lugares, marca presença, ocupando um espaço deixado em aberto pelo poder público, constituindo referencia para os jovens. [...] Além da falta de equipamentos nas comunidades, os jovens circulam em raio restrito, segregados nos seus bairros, não necessariamente exercendo direitos de cidadania social, como, o benefício do uso da cidade em que vivem (CASTRO; ABRAMOVAY, 2002: 157). Neste sentido, podemos constatar que os jovens convivem cotidianamente com a violência, tendo, a mesma, uma representação natural no contexto social local. Em âmbito geral a Região de Terra Vermelha apresenta um quadro de violência progressivo, permanecendo com infra-estrutura, saneamento e transporte coletivo precário e carência de equipamentos comunitários. Registra-se a inexpressiva existência de creches e a insuficiência de escolas públicas para atender à demanda local, mantendo um grande déficit educacional na região, o que contribui de forma relevante para a fragilidade social. A segurança é ineficiente atuando num universo de grande complexidade e que exige uma ampla ação de políticas públicas voltadas a essa questão, integrando gestores públicos, policia e sociedade civil. É nesse contexto de extrema complexidade social que situamos o município de Vila Velha, fortemente impactado, como os demais municípios da Região Metropolitana de Vitória, pela modernização da economia estadual e pela intensificação do processo de industrialização, marcado pelo crescimento econômico desigual, pela divisão social do espaço urbano e pela desigualdade. Considerações Finais Nas cidades brasileiras o desenvolvimento capitalista tem sido marcado expressivamente pelo levado crescimento econômico e pelos efeitos de uma acelerada urbanização desigual e segregativa. O acelerado crescimento explica o contínuo e permanente agravamento de inúmeros problemas urbanos que se intensificam diante do crescimento desordenado das cidades, que tem contribuído para aumentar e agravar os problemas como desemprego, alargamento das periferias e expansão das favelas, crescimento da pobreza, crescimento da violência urbana entre outros. O município de Vila Velha, foco de nossa pesquisa é um exemplo clássico dessa realidade nacional. Um exemplo do distanciamento entre o centro e sua periferia num amplo quadro de desigualdade social e de segregação espacial. A Grande Terra Vermelha com seu elevado grau de pobreza e precariedade socioespacial espelha as representações da degradação social, da fragilidade humana e da segregação no cenário urbano municipal. Para o município de Vila Velha, a Grande Terra Vermelha permanece como o lugar de expansão periférica, o lugar de toda pobreza e da violência, um lugar segregado, mais que abriga uma elevada parcela da classe trabalhadora municipal e de municípios vizinhos. As políticas públicas municipais implementadas a partir do final dos anos 90, voltadas para as populações menos favorecidas, não tiveram uma estratégia de integração e de desenvolvimento, nem formas definidas de ação, na busca de alternativas que pudessem alcançar resultados a médio ou a longo prazo, diminuindo a pobreza e os problemas que se avolumaram em elevadas proporções, fugindo do controle do poder público. Políticas capazes de promover uma reintegração social e a recuperação das condições de cidadania. Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de. (org.). Modernidade e pobreza. São Paulo: Nobel, 1994. BASTOS, Márcia de Jesus Rocha; PEREIRA, Jacira dos Anjos; SMARZARO, Dorian Chim et.al. Analise ecológica dos acidentes e da violência letal em Vitória, ES. Revista de Saúde Pública vol.43, nº1, São Paulo. Feb. 2009. 123-132. www.scielo.br/pdf/rsp/v43n1/7295.pdf. Acesso em maio de 2011. BULLA, Leonia Capaverde. 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