- Sociedade Brasileira de Sociologia

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XV Congresso Brasileiro de Sociologia. 26 a 29 de julho de 2011, Curitiba (PR).
Grupo de Trabalho: GT 05. Desigualdade e Estratificação Social.
Titulo do trabalho: Pobreza e Segregação: permanência e expressão da tradicional
desigualdade no Brasil – “Grande Vitória”.
Maria da Penha Smarzaro Siqueira
Profª. do Programa de Pós-Graduação/Mestrado em Historia
Social das Relações Políticas. Universidade Federal do
Espírito
Santo/UFES
Pós-Graduação/Mestrado
e
em
do
Programa
Ciências
de
Sociais
PUC-SP/UVV-ES.
Introdução
Os entendimentos diversos sobre a expansão de periferias e problemas sociais
urbanos se inscrevem no contexto da modernização e da urbanização acelerada
que marcaram o processo de desenvolvimento nacional, tendo como marco
histórico a segunda metade do século XX. Essa temática na abordagem de nossa
pesquisa situa-se em um projeto mais amplo, tendo como foco a problemática da
desigualdade e da pobreza no âmbito da questão social, na perspectiva
histórico/sociológica da modernização nacional e das preocupações de repensar o
Brasil em face das alterações sócio-espaciais urbanas no decorrer do século XX,
no contexto do desenvolvimento capitalista e do rápido processo de urbanização
nas cidades brasileiras.
No Brasil, a partir de 1950, o desenvolvimento, pautado na industrialização
iniciada em 1930, não podia mais ser entendido, apenas, como um processo de
expansão e criação de atividades industriais, mas também como um processo
social complexo, com a formação de um amplo e diversificado mercado de
trabalho e de atividades produtivas, formando um mercado nacional, expandindo
consumo, impulsionando as relações sociais, ativando a urbanização e agravando
as desigualdades.
Neste quadro de referências, buscamos como nossa proposta de investigação
aprofundar o debate em torno de aspectos articulados à questão da desigualdade,
da pobreza e da modernização, em abordagem histórico-sociológica, através de
mudanças assumidas pela capacidade relativa das cidades de se defrontarem
com funções sociais geradoras da expansão e da consolidação do capitalismo no
Brasil.
Enfocamos o Espírito Santo, como parâmetro de estudo regional, enfatizando as
especificidades locais tradicionais e, em particular, o processo tardio de
modernização/industrialização
em
relação
ao
desenvolvimento
capitalista
nacional. O processo de mudança, fortemente marcado pela emergência de uma
nova ordem produtiva e sócio-espacial, teve centralizado na região metropolitana
da Grande Vitória, que passou a ser o “lócus” concentrador da modernização.
Processo que, socialmente, caminhou na contramão do ideário da modernidade,
intensificando
a
fragmentação
da
organização
social
e
a
conseqüente
desigualdade, num quadro acelerado de urbanização desigual, que acirrou o
processo de segregação sócio-espacial.
Privilegiamos a Região Metropolitana da Grande Vitória como referência histórica
para
o
desenvolvimento
de
nossa
investigação,
tendo
com
eixo
histórico-sociológico o município de Vila Velha, com foco no Bairro de Terra
Vermelha - denominado “Grande Terra Vermelha”. A escolha da região de Terra
Vermelha se justifica pela complexidade social urbana, composta de diversos tipos
de ocupação, dentre os quais, loteamentos e ocupações clandestinas, espelhando
as representações da fragmentação sócio-espacial e da segregação no cenário
urbano municipal.
1 Desigualdade social e pobreza: expressão tradicional e permanência
O Brasil, em sua trajetória histórica, apresentou uma desigualdade social
constante que, inicialmente, fundamentava-se na distribuição diferenciada da
riqueza, ligada principalmente à propriedade de terra, para em seguida ser
expressa na divisão desigual de bens, tanto econômicos quanto sociais. Ao longo
dos séculos a forma de desenvolvimento adotado, expresso em um modelo
concentrador e desigual, proporcionava o enriquecimento de uma parcela mínima
que aliava terra, poder e riqueza.
A desigualdade e a conseqüente pobreza se estruturaram na sociedade brasileira,
promovidas principalmente pelas profundas assimetrias nas relações sociais, com
expressão maior para a concentração centrada em poucos setores sociais e pela
pobreza, exclusão e segregação da outros setores que constituíam e permanecem
constituindo a maioria da população. Processo que se ampliou e se agravou,
apresentando-se com novas características a partir da industrialização e com a
expansão do capitalismo.
A desigualdade e a pobreza no âmbito da questão social se inscrevem em uma
conjuntura histórica e estrutural. No entendimento de GARCIA (2003:09),
O destino não estava traçado e o caminho não era único, ainda que o
passado tenha o seu peso no presente. O Brasil foi fundado sobre o
signo da desigualdade, da injustiça, da exclusão: capitanias hereditárias,
sesmarias, latifúndio, Lei de Terras de 1850 (proibia o acesso a terra,
por aqueles que não detinham grandes quantias de dinheiro), escravidão,
genocídio de índios, importação subsidiada de trabalhadores europeus
miseráveis, autoritarismo e ideologia antipopular e racista das elites
nacionais. Nenhuma preocupação com a democracia social, econômica e
política. Toda resistência ao reconhecimento de direitos individuais e
coletivos.
O que se apresentou no decorrer do século XX foi o agravamento de uma
dinâmica já em curso. Problemas históricos como a ausência de mecanismos para
uma melhor distribuição de rendas e para a questão fundiária, precariedade nas
condições de higiene e saúde da população, nas condições sociais de trabalho no
acesso e na qualidade da educação vão se unir a questões como a expulsão do
campo, a urbanização sociopática, os avanços das contradições entre o
desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social, constituindo as fontes
que multiplicaram os indicadores da desigualdade social e da pobreza no Brasil
(WANDERLEY, 1997)
Reconhecer os agentes dessa problemática significa avançar ainda mais num
universo de amplas contradições, no contexto das mutações econômicas, sociais
e políticas que caracterizaram o desenvolvimento nacional, principalmente a partir
de 1930, até o final do século XX. Sobre a trajetória do Estado e sua prática social,
SPOSATI (1988:46) aponta o seguinte:
[...] ao modelo estatal paternalista de pré-64, onde o Estado dizia-se o
“amparador
dos
pobres”,
seguiu-se
ao
modelo
estatal-desenvolvimentista, que se propôs a “corrigir efeitos indesejados
do crescimento”.O assistencialismo do primeiro e o autoritarismo
tecnocrático do segundo,não puseram em questão o que significava a
assistência social num Estado democrático e qual seu horizonte.
Observamos que o caráter imediato das políticas direcionadas para área social
não coloca em questão a dimensão da problemática social. As idéias de
progresso, no âmbito de uma proposta de modernização como projeto nacional,
não expressavam a desigualdade como um entrave a modernidade, nem os
mecanismos do modelo modernizador colocavam em questão o enfrentamento
concreto frente à pobreza e às desigualdades sociais.
O Relatório da Comissão Mista Especial de Combate à Pobreza (1999:27)
apresenta uma significativa parcela da população brasileira vivendo abaixo da
linha da pobreza e da indigência, uma situação de pobreza intimamente
relacionada à questão da desigualdade. De acordo com o documento
[...] o grau de desigualdade no Brasil está entre os mais altos do mundo
[...] o crescimento econômico e as políticas sociais, que deveriam em
tese ter caráter redistributivo, não têm sido capazes de alterar sequer
minimamente, esse quadro explicando porque o grau da pobreza
brasileira se apresentava muito superior ao de países com renda
similar a nossa.
É nesse quadro que se tenta reformular modelos de desenvolvimento buscando
alternativas para a modernização nacional, sem, no entanto, aprofundar o debate
em relação ao caráter da tradicional desigualdade brasileira que põe em risco a
construção de uma sociedade realmente moderna. Na realidade, não entra em
pauta discutir o que representa a modernidade num país como o nosso, onde o
dinamismo econômico segue ao lado de uma tradicional herança de forte pobreza
e elevada desigualdade.
Observando o processo histórico mais recente das desigualdades sociais e da
pobreza no Brasil, vamos encontrar novos fundamentos na trajetória do
desenvolvimento do capitalismo brasileiro. A partir de década de 1930, a
industrialização criou as condições básicas para o modelo de acumulação
capitalista, estruturada principalmente na mudança política e na redefinição do
papel do Estado na economia, mudanças abrangentes no contexto sociopolítico e
econômico
nacional,
consideradas
marcantes
na
história
contemporânea
brasileira.
Por outro lado, embora o Brasil tenha iniciado uma fase de maior desenvolvimento
econômico, a política colocada em prática não tinha um caráter com amplitude
social. Simultaneamente, registrou-se um incremento da taxa de crescimento da
população e de urbanização. Os encaminhamentos do processo de modernização
e do desenvolvimento industrial, a partir de 1940, vão promover alterações no
processo da urbanização, quando tem início uma mudança em relação à
hierarquia urbana tradicional e à formulação de modelos mais adequados ao novo
quadro social e econômico do país. O rápido crescimento da população nos
centros urbanos mais dinâmicos e a complexidade das relações econômicas e da
vida social mudaram o tradicional perfil urbano das cidades num quadro de
grandes diferenças sociais.
A concentração da população nas áreas urbanas trouxe consigo problemas de
assistência, educação, habitação, saneamento básico, de infra-estrutura e tantos
outros. Na medida em que a industrialização avançava, crescia a concentração da
renda, ampliando-se as desigualdades sociais, aumentando as tensões nas
relações de trabalho e agravando-se a questão social (BULLA, 2003)
Nas décadas seguintes, a interação entre econômico e o social se deu marcada
por um grande distanciamento, no qual os investimentos se concentravam na
expansão do crescimento econômico, negligenciando a modernização social. O
aumento das desigualdades, da pobreza e da segregação sócio-urbana estava
relacionado aos direcionamentos do modelo econômico em questão, que se
desenvolvia aliando uma clássica trajetória social desigual (VELLOSO, 1994).
As grandes contradições inerentes ao processo de desenvolvimento nacional
adquiriram particularidades no universo das relações sociais expressas na
questão social, representadas pela desigualdade que tomou forma sem
precedentes na sociedade brasileira. A fragilidade das políticas públicas não
permitia um caráter mais universal, e as camadas mais pobres não alcançavam os
poucos benefícios oferecidos à população, multiplicando a intensidade da
exclusão e da segregação social. As periferias vão tomando novos contornos num
alargamento da pobreza, intensificada também pelas carências de atendimento
público, num amplo quadro de problemas sociais que tomaram formas distintas
nas ultimas décadas do século XX.
O constante processo de instabilidade, na busca de modelos para conseguir
novos equilíbrios econômicos, provocou, também, novos mecanismos de
empobrecimento que se agravaram diante da ausência de um projeto público
concreto e direcionado ao enfrentamento dos desequilíbrios sociais. Nessas
configurações, a desigualdade estabelecida se impõe como um componente
natural na sociedade brasileira. Movimento que deu lugar a formas perversas de
não cidadania e marginalização que encontrou eco no processo de modernização
do país. SOUZA ( 2003:17), argumenta que:
[...] demonstrar como a naturalização da desigualdade social de países
periféricos de modernização recente como o Brasil pode ser mais
adequadamente percebida como consequência, não a partir de uma
herança pré-moderna e personalista, mas precisamente pelo fato
contrário, ou seja, como resultante de um efetivo processo de
modernização de grandes proporções que toma o país paulatinamente a
partir de meados do século XIX.
Assim, o autor expressa as pré-condições sociais da naturalização da
desigualdade brasileira no contexto da modernização estabelecida ainda em
meados do século XIX, quando foram norteados os contornos da marginalidade
social, da pobreza econômica e da segregação no Brasil, que vão tomar forma
mais concreta no final daquele século.
Essa noção sinaliza para uma compreensão maior da naturalidade da pobreza e
da desigualdade no âmbito do processo histórico do desenvolvimento nacional a
partir do final do século XIX, estendendo-se e ganhando-se novas roupagens ao
longo do século XX. A gravidade desse processo e sua permanecia ao longo
deste período se incluem, de acordo com SPOSATI (1996:13), num universo muito
amplo e complexo:
Fazem parte de uma lógica que está presente nas varias formas de
relações econômicas, sociais, culturais e políticas da sociedade
brasileira. Ela inclui pobreza, discriminação, não equidade, não
acessibilidade, não representação política. É, portanto um processo
múltiplo que se explica por varias situações de privação da autonomia, do
desenvolvimento humano, da qualidade de vida e igualdade.
Percebemos que a pobreza e a segregação se revelam através das múltiplas
dimensões da vida em sociedade. A tradicional fragilidade do processo de
integração no Brasil, no nosso entendimento, reforça-se enquanto instrumento da
fragmentação
social,
característica
presente
na
sociedade
brasileira.
A
permanência e a intensificação desses problemas sociais decorrem, assim,
aliados a um conjunto de fatores relacionados à própria lógica de desenvolvimento
estabelecido no Brasil até o final do século XX, sem, entretanto, produzir
mecanismos de proteção social.
Neste quadro, inclui-se a diversidade econômica e social brasileira em toda a sua
dimensão, tanto do ponto de vista da desigualdade, quanto da estratificação
social, na medida em que se alarga o distanciamento ao acesso a bens e recursos
materiais dos diferentes grupos sociais. Tratando-se da estratificação social, não
priorizamos neste trabalho um debate conceitual e teórico relativo aos seus
trincados contornos na sociedade brasileira, nem das referências representativas
desta questão, neste caso a estratificação se inclui e coexiste aliada à própria
trajetória histórica das desigualdades sociais, entendendo que a complexidade de
uma sociedade pode ser expressa pelo viés das diferenciações internas,
notadamente
[...] quando as diferenças sociais são usadas como fundamento para a
distribuição desigual de recursos e poder, fundando relações de
dominação e atribuindo às pessoas e aos grupos sociais posições numa
hierarquia social, deparamo-nos com a produção de desigualdades
sociais. ZORZI et. al.(2009:11)
Assim, podemos compreender as dimensões das desigualdades num quadro
diferenciado da distribuição de recursos socialmente valorizados, tais como
conhecimento, renda monetária, propriedade, prestígio e poder político. No âmbito
dessas diferenciações GIDDENS (2005: 234), acrescenta que [...] a estratificação
social pode ser definida como as desigualdades estruturadas entre diferentes
agrupamentos. Isso posto, podemos dizer que se tratando da estratificação social,
devemos considerar não apenas as posições econômicas, de status e de poder,
mas também o que ocorre com indivíduos, famílias e diferentes grupos sociais.
A estratificação social e suas conseqüências sempre estiveram presentes nos
espaços sociais brasileiros sinalizando a existência de grupos diferenciados em
condições econômicas, políticas, culturais e sociais. Por isso, é muito importante
essa percepção em uma visão histórico-sociológica no ideário das matrizes do
desenvolvimento nacional. No Brasil, os projetos de desenvolvimento e de
modernização nacional não destacavam como prioridade o ideal de igualdade e de
construção da cidadania como principio do desenvolvimento. Esses ideais
estiveram ausentes do paradigma histórico brasileiro, dando lugar à reprodução da
pobreza e das desigualdades sociais como eixo da questão social nacional (IVO,
2008)
No âmbito dessas questões, situa-se a permanente precariedade da inserção dos
trabalhadores no mercado de trabalho urbano-industrial, bem como a manutenção
de baixos salários que não garantem a segurança de manutenção digna das
necessidades de sobrevivência nos centros urbanos. A conjunção dos fatores
apresentados reproduziu as desigualdades e a constante vulnerabilidade social,
questões que e vão ganhar contornos novos, movendo-se a partir da década de
90 para uma nova configuração da questão social. Trata-se do enfraquecimento
de mediações entre Estado e sociedade, dentre os quais assinalamos a fragilidade
dos vínculos, que entrelaçam a prática da cidadania em relação a grupos sociais
que povoam o mundo das privações, a função integradora do mundo do trabalho e
a fragilidade dos suportes de solidariedade e de proteção social (CASTEL,1997).
Nessa nova configuração são destacadas múltiplas conseqüências, e o que
passamos a assistir, a partir do final do século XX, é ao resultado de seqüelas de
uma reprodução social tradicional, seguida de novos paradigmas gerados pelo
projeto modernizador na ótica da globalização e de programas neoliberais. Na
perspectiva de nossa abordagem, observamos que persiste uma [...] questão
social ampla, histórica e estrutural, irresolúvel na sua totalidade nos marcos da
formação econômico-social do capitalismo realmente existente (WANDERLEY,
1997: 131). As mudanças ocorridas na dinâmica social, principalmente aquelas
associadas aos novos paradigmas do processo de modernização, estão
redefinindo a natureza da questão urbana e da pobreza no Brasil, colocando em
evidência a necessidade de reavaliar os mecanismos que reproduzem formas de
integração social e de vida nas cidades. Trata-se de um processo inacabado,
conflituoso e com tendências contraditórias e contínuas que supera os limites da
tradicional questão social no Brasil.
2 Contextualização regional: a Grade Vitória e a problemática da
desigualdade.
O período entre 1930 e 1960 foi decisivo para o processo de constituição, no
Brasil, de uma ordem nacionalista, capitalista e burguesa. O desenvolvimento
industrial que se expandia propiciava transformações expressivas na economia
nacional e na vida urbana das cidades. No Espírito Santo, mesmo estando o Brasil
a partir de meados de 50 sob a égide de economia industrial avançada, as
relações
socioeconômicas
permaneciam
sendo
conduzidas
pelo
setor
agrário-exportador cafeeiro. O grau de industrialização era inexpressivo e
intimamente ligado à transformação de produtos primários.
Esse modelo vai ser alterado nos anos de 1960 quando os novos direcionamentos
da economia brasileira atingem, com grande impacto, a estrutura econômica
capixaba. Desestrutura-se um modelo primário-exportador em função de um novo
padrão de acumulação – o industrial, apoiado na implantação de Grandes Projetos
Industriais. Esse foi o marco inicial da implantação da modernização e da
expansão das relações capitalistas no Espírito Santo, que promoveu o avanço e
uma maior integração da econômica estadual no contexto nacional e internacional,
processo que mudou o perfil do estado no quadro regional brasileiro, enquanto
pólo
de
expansão
industrial
e
portuária.
Aliada
ao
novo
modelo
de
desenvolvimento, a urbanização emerge, inicialmente, como condição da
consolidação capitalista, para se efetuar, até o final do século XX, em um
condicionante deste mesmo processo (SIQUEIRA, 2010).
Essa dinâmica se deu de forma associada, industrialização/urbanização, refletida
principalmente na região de Vitória, mudando o perfil urbano da capital, que
deixou de ser a pequena cidade comercial e administrativa, inserindo-se no
contexto urbano nacional. A consolidação da base urbano-industrial centrada na
região da capital passou a elevar não apenas o ritmo da economia, como também
o movimento da urbanização, que tomou forma de aglomeração num crescimento
acelerado, gerando a multiplicação dos problemas urbanos.
A grande transferência de contingentes populacionais a partir dos anos de 1960,
crescente e contínua até o final do século XX, concorreu ativamente para a
expansão urbana desordenada da região da Grande Vitória. Os direcionamentos
da nova lógica do modelo adotado, com base na mudança brusca da estrutura de
produção, passaram a se expressar na trajetória do crescimento e da
desigualdade social.
De um lado, o processo de crescimento econômico moderno, a distribuição
espacial da população e a expansão e ocupação do novo espaço metropolitano.
Do outro, a modernização e o grande processo de urbanização, seguidos de
problemas sociais e ambientais, tais como: problemas com a expansão da
periferia; a falta de moradias; a favelização; carência de infra-estrutura urbana;
mercado de trabalho insuficiente; crescimento do setor informal; poluição;
ocupação de áreas de preservação ambiental e violência.
É nesse sentido que se dá a reprodução, a manutenção e a permanência da
desigualdade na Grande Vitória, norteada pela pobreza, pela segregação e pela
estratificação social na totalidade da desigualdade nacional. A modernização
urbana e a industrial estavam ocorrendo centradas em uma concentração de
riquezas, ausência de políticas públicas sociais e, por conseqüente, na elevação
dos desníveis sociais, tornando os pólos de desenvolvimento capitalista no Brasil,
principalmente as capitais e as regiões metropolitanas em cenários emblemáticos
de problemas de segregação social, mudando os padrões de sociabilidade
urbana. As desigualdades sócio-espaciais que se expressavam nas cidades
apontavam questões de grande complexidade que se configuravam no universo
urbano, no quadro de uma aparente fragmentação que ganhava força no sentido
da estruturação social e da estruturação do espaço urbano (GOUVÊA, 2005:29).
Essa situação, visível e predominante nas cidades brasileiras, reflete a dimensão
da questão social e suas implicações no processo de desenvolvimento. Na região
metropolitana de Vitória destacamos o município de Vila Velha, o mais próximo da
capital (12 km), concentrando, desde 1960, o maior número de bairros da Grande
Vitória. Neste município centramos o foco de nossa pesquisa na Grande Terra
Vermelha.
A região de Grande Terra Vermelha forma um conglomerado de 25 bairros,
situados há 15 km do centro do município de Vila Velha, na Região Metropolitana
de Vitória. Fica situada na faixa terrestre ao lado da Rodovia do Sol (ES-060),
rodovia litorânea que interliga Vila Velha e Guarapari, em face à Barra de Jucu,
antiga vila de pescadores, área de preservação ambiental, bucólico e tradicional
balneário local (MINCHIO, 2009). De acordo com os dados do censo de 2010, o
município de Vila Velha conta com uma população de 414.586 habitantes, sendo
que deste total, 60 mil vivem na Grande Terra Vermelha.
As ocupações iniciaram maciçamente a partir de meados dos anos 80 e se
estenderam em áreas impróprias, em grande maioria, irregulares e localizadas em
áreas de risco, em condições de precariedade habitacional, de infra-estrutura e de
acesso a serviços públicos. As habitações precárias, espalhadas nesta periferia da
cidade, passaram a abrigar famílias num quadro de total desamparo social,
constituídas inicialmente por famílias carentes vindas de outras periferias de Vila
Velha e da Grande Vitória, e migrantes vindos do interior do Espírito Santo, do
norte de Minas Gerais, de regiões periféricas da cidade do Rio de Janeiro e do
norte deste mesmo estado e do sul da Bahia. Uma população jovem, com baixo
nível de escolaridade e sem formação profissional.
Tendo por referência a nossa pesquisa de campo, as histórias de vida dos
moradores são muito parecidas, pois todos apontam que chegaram a Vitória em
busca de trabalho e melhores condições de vida. As oportunidades abertas pelo
desenvolvimento industrial da cidade representaram um caminho e ao mesmo
tempo um novo horizonte. Mas as dificuldades existentes no interior da sociedade
urbana mudaram a realidade desejada por essas pessoas, que passaram a viver
em estado de pobreza absoluta e de segregação.
O acelerado processo de diferenciação sócio-espacial e o agravamento da
problemática urbana revelados com maior intensidade a partir de 1980 elevaram
consideravelmente o índice de vulnerabilidade social nas cidades brasileiras,
concentrado de forma intensa nas periferias. Na Região da Grande Vitória a
pobreza aliada à urbanização desordenada contribuiu de forma excessiva para a
magnitude dos problemas sócio-urbanos. O município de Vila Velha, embora já
com uma periferia consolidada, alojando uma ampla parcela de população em
estado de pobreza e carência social, passou a assistir à reprodução e à
multiplicação desses problemas na região de Terra Vermelha de forma expressiva
em tempo rápido e que aliou à violência as precárias condições de sobrevivência
(SIQUEIRA, 1995). Esse cenário, evidencia também a ausência de instrumentos
institucionais e administrativos adequados para fazer frente à dimensão do
problema social estabelecido nas periferias da cidade.
Na Grande Terra Vermelha, a precariedade e a vulnerabilidade das condições de
vida em toda a sua dimensão, aliada a ausência de serviços básicos para a
sobrevivência, de direitos à cidadania e à falta de políticas públicas municipais
contribuíram para o quadro de violência estabelecido na região. As intervenções
do poder público municipal ocorridas a partir final dos anos 90, década que
marcou um movimento de grandes invasões e que promoveram um forte
adensamento espacial na região, não foram expressivas, permanecendo o
elevado déficit de infra-estrutura urbana e demais serviços, inclusive transporte
coletivo (IPES, 2001).
A ocupação que se acelerou nos anos 90 prosseguiu na década seguinte com o
mesmo desordenamento espacial, adentrando a região com o surgimento de
novas ocupações, apresentando um maior grau de pobreza. À medida que as
ocupações foram avançando para o interior da região, afastando-se das
proximidades da rodovia, foi também se evidenciando uma pobreza maior, com
grau mais elevado de precariedades, carências e maior concentração da violência
local. Nesse sentido, podemos verificar o aprofundamento da situação de
reprodução
da
miserabilidade
e
o
agravamento
das
desigualdades
sócio-espaciais.
Nossa pesquisa desenvolvida nas escolas e com as famílias observou que, na
Grande Terra Vermelha, a fusão entre a precariedade de vida, as limitações
pessoais e sociais aliadas à falta de escolaridade e de perspectivas futuras,
contribuem em grau muito elevado para as manifestações relacionadas à violência
de forma abrangente. A própria realidade sócio-espacial da região, que envolve
um contexto de fragilidade e instabilidade social, econômica, urbana e também
familiar, produz e reforça condições diferenciadas para o agravamento da
delinqüência e da violência local.
Fenômenos como a existência de grupos dominantes locais com perfis
diferenciados,
grupos
de
gangues
e
o
desenvolvimento
das
relações
estabelecidas no mundo do uso e do tráfico de drogas e que se desenvolvem em
proporções alarmantes, fogem do controle do poder público, em função,
principalmente da ineficiência institucional relativa à segurança pública. Sobre
essa questão Zanotelli (2004:17), faz a seguinte observação:
[...] A delinqüência é em parte tolerada, mesmo porque nenhuma
sociedade funciona com o controle total de sua população, zonas de
tolerância são previstas. A invocação da lei para melhor reprimir parcela
da população pode fazer parte de uma regulação social que de fato opera
mais pelo laisser faire que por uma verdadeira política de proteção dos
mais fragilizados socialmente
Ainda de acordo com o autor, os grupos dominantes locais estabelecem relações
de poder no cotidiano local sob forma de ameaças [...] além dessa difusão de um
poder “arcaico” entre bandos e grupos que lutam pelo controle do poder nos
bairros, há a volta contra si mesmo e contra os próximos da violência dentro das
famílias (id.).
Inúmeros trabalhos realizados em âmbito acadêmico e público expressam a
preocupação relativa à questão social urbana e relatam a realidade que predomina
nas cidades brasileiras de pequeno, médio e grande porte. Muitas pesquisas
seguem uma linha explicativa que
[...] descrevem a forte relação entre a deteriorização urbana observada e
seus impactos sobre as condições de vida das pessoas, reforçando a
teoria de que não é apenas a pobreza que explica o problema da
violência, mas uma série de fatores relacionados [...] No entanto, a
magnitude no número de homicídios encontrada nas macrorregiões de
mais baixo IQU está de acordo com autores que relacionam homicídios
com precárias condições socioeconômicas (BASTOS, et.al. 2009:11).
Nesse quadro de pobreza, segregação e violência, em geral, as vítimas são
jovens entre 14 e 21 anos, destacando-se o sexo masculino com o maior registro
de casos atingidos. Nas comunidades pobres como é o caso da Grande Terra
Vermelha, não se registra oportunidades culturais que possam promover uma
maior articulação social local. O lazer se limita ao futebol, à praia e às festas locais
com música, ou ao próprio movimento de estar na rua articulando uma atividade
de diversão. Essa carência de atividades de lazer e de interação social entre os
jovens cria alternativas para agrupamentos de gangs que se apropriam deste
vazio, e também por:
[...] grupos de tráfico, que em muitos lugares, marca presença, ocupando
um espaço deixado em aberto pelo poder público, constituindo referencia
para os jovens. [...] Além da falta de equipamentos nas comunidades, os
jovens circulam em raio restrito, segregados nos seus bairros, não
necessariamente exercendo direitos de cidadania social, como, o
benefício do uso da cidade em que vivem (CASTRO; ABRAMOVAY,
2002: 157).
Neste sentido, podemos constatar que os jovens convivem cotidianamente com a
violência, tendo, a mesma, uma representação natural no contexto social local.
Em âmbito geral a Região de Terra Vermelha apresenta um quadro de violência
progressivo, permanecendo com infra-estrutura, saneamento e transporte coletivo
precário e carência de equipamentos comunitários. Registra-se a inexpressiva
existência de creches e a insuficiência de escolas públicas para atender à
demanda local, mantendo um grande déficit educacional na região, o que contribui
de forma relevante para a fragilidade social. A segurança é ineficiente atuando
num universo de grande complexidade e que exige uma ampla ação de políticas
públicas voltadas a essa questão, integrando gestores públicos, policia e
sociedade civil.
É nesse contexto de extrema complexidade social que situamos o município de
Vila Velha, fortemente impactado, como os demais municípios da Região
Metropolitana de Vitória, pela modernização da economia estadual e pela
intensificação do processo de industrialização, marcado pelo crescimento
econômico desigual, pela divisão social do espaço urbano e pela desigualdade.
Considerações Finais
Nas cidades brasileiras o desenvolvimento capitalista tem sido marcado
expressivamente pelo levado crescimento econômico e pelos efeitos de uma
acelerada urbanização desigual e segregativa. O acelerado crescimento explica o
contínuo e permanente agravamento de inúmeros problemas urbanos que se
intensificam diante do crescimento desordenado das cidades, que tem contribuído
para aumentar e agravar os problemas como desemprego, alargamento das
periferias e expansão das favelas, crescimento da pobreza, crescimento da
violência urbana entre outros.
O município de Vila Velha, foco de nossa pesquisa é um exemplo clássico dessa
realidade nacional. Um exemplo do distanciamento entre o centro e sua periferia
num amplo quadro de desigualdade social e de segregação espacial. A Grande
Terra Vermelha com seu elevado grau de pobreza e precariedade socioespacial
espelha as representações da degradação social, da fragilidade humana e da
segregação no cenário urbano municipal.
Para o município de Vila Velha, a
Grande Terra Vermelha permanece como o lugar de expansão periférica, o lugar
de toda pobreza e da violência, um lugar segregado, mais que abriga uma elevada
parcela da classe trabalhadora municipal e de municípios vizinhos.
As políticas públicas municipais implementadas a partir do final dos anos 90,
voltadas para as populações menos favorecidas, não tiveram uma estratégia de
integração e de desenvolvimento, nem formas definidas de ação, na busca de
alternativas que pudessem alcançar resultados a médio ou a longo prazo,
diminuindo a pobreza e os problemas que se avolumaram em elevadas
proporções, fugindo do controle do poder público. Políticas capazes de promover
uma reintegração social e a recuperação das condições de cidadania.
Referências Bibliográficas
ALBUQUERQUE, Roberto Cavalcanti de. (org.). Modernidade e pobreza. São
Paulo: Nobel, 1994.
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