Uma abordagem para aplicação de projetos Seis Sigma baseada na Teoria das Restrições Por Robson Luís Ribeiro de Almeida Até que ponto as metodologias de implementação de projetos Seis Sigma são capazes de medir o impacto que reduções de variabilidades locais têm no desempenho global da organização e, em última instância, de sua lucratividade Atualmente, a competitividade do mercado vem levando as organizações a se moverem ao encontro de estratégias que busquem a melhoria contínua difundida em todos os processos da empresa. Nestes tempos modernos, o mercado, que era até pouco tempo submisso às limitações e vontades das empresas produtoras, possui hoje imensa capacidade de exigir cada vez mais objetividade e resultados efetivos, estando disposto somente a adquirir mercadorias com padrões elevadíssimos de qualidade, entregues a tempo, sem erros e em perfeitas condições. Neste ambiente, a demanda passa a dominar a oferta, tornando-se fundamental para os dirigentes a identificação e a decisão de como e o que deverá ser mudado dentro das organizações para se adaptarem a esta mudança de valores. Torna-se fundamental, portanto, dispor-se de novas formas de se gerenciar as organizações, as quais possam proporcionar retornos rápidos. Dentre as diversas filosofias de gerenciamento propondo possibilidades de tornar as organizações mais competitivas, uma delas é a Teoria das Restrições (TOC), concebida por Eliyahu M. Goldratt, um físico israelense. A TOC propõe uma nova maneira de se entender e gerenciar organizações, tendo como enfoque principal a maximização dos resultados finais da empresa, criando mecanismos para avaliar como as decisões de produção afetam o desempenho do sistema como um todo, sem visar, para tal, eficiências locais. Por outro lado, os projetos Seis Sigma vêm sendo, nos últimos anos, cada vez mais incorporados à organizações. Seis Sigma é um processo de negócio que permite às organizações incrementar seus lucros por meio da otimização das operações, melhoria da qualidade e eliminação de defeitos, falhas e erros (HARRY et al., 1998). A meta do Seis Sigma não é alcançar níveis Seis Sigma de qualidade. Seis Sigma está relacionado à melhoria da lucratividade. Organizações que implementam Seis Sigma fazem isso com a meta de melhorar seus lucros. No entanto, discute-se neste trabalho até que ponto as metodologias de implementação de projetos Seis Sigma são capazes de medir o impacto que reduções de variabilidades locais têm no desempenho global da organização e, em última instância, de sua lucratividade. Nesta ótica, propõe-se aqui a aplicação da TOC para identificação de áreas críticas de melhoria e posterior implementação de projetos Seis Sigma, sempre com foco na melhoria de desempenho de todo o sistema. Muitas organizações que aplicam o Seis Sigma se empenham em identificar e calcular os benefícios potencialmente advindos deste tipo de projeto. Estes benefícios, geralmente, estão voltados às eliminações de desperdícios que, em última análise, refletem-se em reduções dos custos organizacionais. Este é um processo complexo, especialmente quando estão envolvidas diversas etapas interdependentes, onde a identificação da restrição nem sempre é a principal preocupação. A Teoria das Restrições, por outro lado, a partir de sua visão sistêmica, visa identificar iniciativas de melhoria com foco no aumento do ganho da empresa, e não na redução de custos/desperdícios. Para Ehie e Sheu (2005), a idéia principal da TOC é que toda organização tem uma restrição que a impede de alcançar um melhor desempenho em termos de sua meta, sendo que as restrições podem ser recursos físicos ou de políticas errôneas adotadas. “A idéia fundamental na Teoria das Restrições (Theory of Constraints - TOC) é que todo sistema tangível, tal como um empreendimento com fins lucrativos, deve ter pelo menos uma restrição. Se isso não fosse verdade, o sistema iria então produzir uma quantidade infinita do que almeja” (NOREEN, SMITH E MACKEY, 1996). Para a TOC, a ausência de uma visão sistêmica com foco na restrição organizacional pode levar a melhorias sem nenhum impacto global perceptível, ao menos no curto prazo. Já o programa Seis Sigma é centrado no cliente, estruturado, sistemático, proativo e quantitativo, visando a melhoria contínua dos processos empresariais de uma organização para assegurar melhoria da qualidade, redução de custo, entrega rápida e orientado à redução de desperdícios nos processos de negócio, utilizando ferramentas e técnicas estatísticas (MAHANTI E ANTONY, 2005). Estas ferramentas e técnicas auxiliam no entendimento da flutuação ou variação de um processo, propiciando previsões de resultados dos processos, porém se os resultados não forem satisfatórios, pode-se adicionar outras ferramentas para o entendimento dos elementos que influenciam o processo (NAVE, 2002). Também neste contexto, o Seis Sigma é uma metodologia estruturada que incrementa a qualidade por meio da melhoria contínua dos processos envolvidos na produção de um bem ou serviço, dentre os objetivos, está a excelência na competitividade pela melhoria continua dos processos. O Seis Sigma é um programa de redução de defeitos que nasceu na Motorola sob influência de Joseph M. Juran e W. Edwards Deming. Ele deve ser visto como uma estratégia empresarial capaz de levar a empresa a um nível ótimo de desempenho que se aproxime de “zero defeito”. Neste sentido, esta pesquisa visa propor uma nova forma de se gerenciar iniciativas de melhorias baseadas em projetos Seis Sigma, pois estes baseiam-se em ferramentas estatísticas para a melhoria contínua dos processos com o objetivo de assegurar produtos livres de defeitos ou falhas, os quais devem se justificar nos ganhos permitidos à organização e não nas reduções de custos eventualmente associadas. Assim, este artigo tem por objetivo desenvolver, por intermédio de uma revisão teórico-conceitual, a utilização da Teoria das Restrições como abordagem gerencial para apoio ao planejamento e implementação de projetos Seis Sigma. Neste sentido, espera-se aqui poder contribuir na proposição de uma nova metodologia de utilização da Teoria das Restrições para implementação de projetos Seis Sigma como forma de se gerenciar iniciativas de melhorias. Os projetos Seis Sigma selecionados a partir da visão da TOC devem poder contribuir com o desempenho de todo o negócio, aumentando sua lucratividade pela via do aumento do ganho organizacional, e não apenas via redução de custos. Teoria da Restrições A Teoria das Restrições foi desenvolvida por Eliyahu M. Goldratt durante os anos oitenta (MCMULLEN, 1998). A idéia da TOC é que toda organização tem uma restrição que impede a administração de alcançar a meta da organização em um grau maior. Restrições podem ser recursos físicos ou políticas. De acordo com Goldratt & Cox (1992), a Teoria das Restrições está baseada no princípio que a meta de qualquer empreendimento econômico é gerar dinheiro, agora e no futuro, e que as restrições de um sistema determinam sua capacidade de ganhar dinheiro. Goldratt (1997) prescreveu cinco passos que focalizam o processo otimização continua da TOC: Identificar a restrição: a restrição é identificada por vários métodos: a quantidade de trabalho em fila à frente de uma operação de processo, é um indicador clássico. Outro exemplo é onde os produtos são processados em lotes; Decidir como explorar a restrição: uma vez a restrição identificada, o processo é melhorado ou, caso contrário, apóia-se no alcance de sua capacidade extrema sem maior custo, atualizações ou mudanças. Em outras palavras, a restrição é explorada; Subordinar tudo às decisões anteriores: quando o processo restritivo está trabalhando na sua capacidade máxima, as velocidades de outros processos devem ficar subordinados à velocidade ou capacidade da restrição. Alguns processos sacrificarão a produtividade individual para o benefício de todo o sistema; Elevar (conseguir mais) a restrição: este passo envolve investimentos para se obter um aumento na capacidade da restrição; Se a restrição for quebrada na etapa anterior, volte à etapa 1, mas não deixe que a inécia se torne uma restrição: neste momento deve-se repetir o ciclo de melhoria. O desempenho de todo sistema é reavaliado, procurando a nova restrição do processo, explorando, subordinando e elevando. A TOC tem como principal foco o gerenciamento das restrições. Suas suposições enfatizam a velocidade e o volume, usando os sistemas existentes e a interdependência dos processos. Uma das ferramentas usadas pela TOC para administrar a produção é o tambor-pulmão-corda (TPC). O tambor-pulmão-corda é um sistema de puxar a programação baseado na liberação de material assim que houver um sinal do gargalo. O TPC tradicional modela as ordens de liberações sincronizadas com a taxa de produção do recurso de menor capacidade. Seis Sigma Sigma é uma letra grega, , usada na estratégia e na estatística matemática para representar o desvio padrão de uma distribuição. Em estatística matemática, letras simbolizadas em grego são usadas para representar parâmetros, e seus valores são sempre desconhecidos. Portanto, o valor de sigma é sempre desconhecido, mas é estimado calculando-se o desvio padrão de uma amostra representativa. A distribuição Normal (ou Gaussiana) teórica possui dois parâmetros, a média, , e o sigma, . Visto que a média e o sigma são letras gregas, isto implica que seus valores são sempre desconhecidos, mas eles são estimados calculando-se a média aritmética e o desvio padrão. A média aritmética e o desvio padrão são duas estatísticas calculadas através de amostras para estimar a média e o sigma. Sigma é uma medida da quantidade de variabilidade que existe quando medimos alguma coisa (WILSON, 2000). O Seis Sigma não é modismo ou algo passageiro, este programa é muito mais do que uma simples medida quantitativa dos processos, é uma nova forma de se pensar o negócio, o valor do cliente e como se pretende encarar o futuro. Pande et al. (2001) descrevem que “Seis Sigma é como um abrangente esforço de mudança cultural, visando posicionar uma empresa para maiores satisfações dos clientes, lucratividade e competitividade”. A satisfação do cliente não está ligada apenas a uma pessoa ou a um aspecto da organização, mas sim, a muitas faces do negócio, como, por exemplo, produto ou serviço de entrega, qualidade do produto, entre outros (BEHARA et al., 1996). A idéia básica atrás da filosofia Seis Sigma é reduzir continuamente as variações de produtos e processos. Aparentemente, pequenas variações em condições ambientais, desempenho de operador, matérias-primas e maquinas, podem causar problemas acumulativos de qualidade (INGLE e ROE, 2001). Varias formas de atuação do Seis Sigma na empresa, conforme Wilson (2000): O Benchmark: O Seis Sigma é usado como um parâmetro para comparar o nível de qualidade de processos, operações, produtos, características, equipamentos, máquinas, divisões e departamentos, entre outros. A Meta: O Seis Sigma também é uma meta de qualidade. A meta dos Seis Sigma é chegar muito próximo de zero defeito, erros ou falhas. Mas não é necessariamente zero, é, na verdade, 0,002 partes por milhão (ppm) de unidades defeituosas, ou, para fins práticos, zero. A Medida: O Seis Sigma é uma medida para determinado nível de qualidade. Quando o número de sigmas é baixo, tal como processos dois sigma, implicando mais ou menos 2 sigmas (±2) dentro das especificações, o nível de qualidade não é tão alto. O número de não-conformidades ou unidades defeituosas em tal processo pode ser muito alto. Um processo 4 sigma, (±4), por exemplo, no qual se pode ter mais ou menos quatro sigmas dentro das especificações, possui um nível de qualidade significativamente melhor. Então, quanto maior o número de sigmas dentro das especificações, melhor o nível de qualidade. A Estatística: O Seis Sigma é uma estatística calculada para cada característica crítica à qualidade, para avaliar a performance em relação à especificação ou à tolerância. O Valor: O Seis Sigma é um valor composto, derivado da multiplicação de 12 vezes um dado valor de sigma, assumindo 6 vezes o valor do sigma dentro dos limites de controle para a esquerda da média e 6 vezes o valor do sigma dentro dos limites de controle para a direita da média em uma distribuição normal. A não compreensão das implicações disto é à base de muitos mal-entendidos em torno do Seis Sigma. A Visão: O Seis Sigma é uma visão de levar a organização a ser a melhor do ramo. É uma viagem intrépida em busca da redução da variabilidade de processos, defeitos, erros e falhas. É estender a qualidade para além das expectativas do cliente. Oferecendo mais, os consumidores querem comprar mais, em oposição a ter vendedores bajulando-os na tentativa de convencê-los a comprar. O Seis Sigma é aplicável a processos técnicos e não técnicos. Um processo de fabricação é visto como técnico. Nesse processo, tem-se entradas como, partes de peças, montagens, produtos, e matérias-primas, que fisicamente fluem por meio do processo. A saída é normalmente um produto final, uma montagem ou uma submontagem. Em um processo técnico, o fluxo do produto é muito visível e tangível. Existem muitas oportunidades para a coleta de dados e medições e, em muitas instâncias, dados variáveis (SLACK et al., 1999). A figura 1 mostra a metodologia DMAIC utilizada nos projetos Seis Sigma: Figura 1 – Metodologia DMAIC descrita por Nave (2002). A confluência Para Ehie e Sheu (2005), a integração é feita por uma combinação de aspectos gerencias da Teoria das Restrições e os aspectos de engenharia do Seis Sigma, pois tanto o Seis Sigma quanto a Teoria das Restrições têm ferramentas de aplicação semelhantes, porém, cada fase da implementação de um projeto Seis Sigma deverá correlacionar-se com as fases da Teoria das Restrições. A integração Passos propostos pela integração: Identificar a restrição e verificar seu impacto global; Definir os projetos SS de acordo com o impacto global; Explorar a restrição, medir sua performance, analisar as causas que a transforma em restrição e melhorar os processos; Subordinar à restrição; Controlar e manter a melhoria; Elevar a restrição Avaliar a próxima restrição. Esta integração é demnostrada na figura 2: Figura 2 – Exemplo da integração descrita por Ehie e Sheu (2005). Enfim, na visão da Teoria das Restrições, para a definição de processos candidatos a implementações de projetos Seis Sigma, deve-se identificar a restrição ao ganho global da organização e não somente a variabilidade que resulta em economia ou redução de desperdicio de forma pontual, em uma área ou processo. Sob o ponto de vista da TOC, a redução de variabilidades em processo específico deve resultar não somente em menores desperdícios ou custos a este processo, mas, principalmente, a ganhos organizacionais globais. Neste sentido, o foco dos projetos Seis Sigma deve estar nas restrições do sistema ou nos processos com baixa capacidade protetiva (candidatos a restrição). Para que isto ocorra, torna-se necessário adaptar-se a metodologia DMAIC para implementação de Projetos Seis Sigma. Particularmente, a primeira fase, de definição, deve envolver a identificação da restrição do sistema. A aplicação de projetos Seis Sigma à restrição deve possibilitar, desta forma, não somente uma redução de custos locais, mas, fundamentalmente aumentos no ganho global e no lucro organizacional. Referências ANTONY, J., CORONADO, R.B. (2002). Key ingredients for the effective implementation of Six Sigma program – Measuring Business Excellence, 6.4, pp. 20-27. BEHARA, R. S.; FONTENOT, G. F.; GRSHAM, A. (1995). 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Professor de Administração de Materiais e Administração Geral na Faculdade de Americana (FAM). Administrador de Empresas formado pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL) e Mestre em Engenharia da Produção pela Universidade Metodista de Piracicaba – [email protected]