documento associado - Ordem dos Farmacêuticos

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O tabagismo é uma doença crónica que causa dependência física
Mastiga-se a goma lentamente até se sentir um sabor picante, mo-
e psíquica e é a principal causa evitável de morbilidade e mortalida-
mento em que é alojada entre a gengiva e a bochecha até o sabor de-
de no mundo. A nicotina é a principal substância química geradora
saparecer. Em seguida, inicia-se um novo ciclo de mastigação e, assim
de dependência.1-4
sucessivamente, durante aproximadamente 30 minutos.10,11
No século XX o uso do tabaco matou 100 milhões de pessoas e estima-se que matará um bilião, no século XXI.5 Na Europa, a causa mais
frequente de morte por doença oncológica é o cancro do pulmão, em
ambos os sexos.6 O “fumo em segunda mão” ou “fumo passivo” expõe
o não fumador aos mesmos malefícios que o fumador activo.7
Existem mais de um bilião de fumadores no mundo e, destes, 500
milhões morrerão devido ao tabaco, isto é, cerca de 50%.5
O consumo de tabaco nos portugueses com 10 ou mais anos foi
de 20,6% em 1998/1999 e de 19,6% em 2005/2006. A prevalência no
género masculino desceu de 32,0% para 28,7% e no feminino subiu
de 10,1% para 11,2%. Em Portugal, a maioria dos fumadores actuais
fuma diariamente.8
Tratamento do tabagismo
Os medicamentos para a cessação tabágica classificam-se em fármacos de primeira linha (mais eficazes e com escassos efeitos secundários): terapêutica de substituição da nicotina (TSN) em diferentes
formulações, bupropiom SR (Sustained Release) e vareniclina; e de
segunda linha (menor eficácia e mais efeitos secundários): clonidina e
nortriptilina. Os medicamentos de primeira linha devem ser recomendados a todos os fumadores que queiram deixar de fumar, excepto
quando contra-indicados ou em populações específicas onde há insuficiente evidência de efectividade (grávidas, utilizadores de produtos
de tabaco sem fumo, fumadores ocasionais e adolescentes). Os de
segunda linha só devem ser usados se os de primeira falharem.9
Terapêutica de Substituição da Nicotina
A TSN inclui todos os fármacos em que se administra nicotina
por uma via diferente da do consumo de tabaco, proporcionando os
efeitos neurofarmacológicos mediados pela nicotina. A TSN reduz os
sintomas de privação após o abandono do tabaco, prevenindo o aumento de peso associado à cessação tabágica.10
Em Portugal estão disponíveis as seguintes formas farmacêuticas
de substitutos da nicotina: gomas para mascar, comprimidos para
chupar, comprimidos sublinguais e sistemas transdérmicos. Não estão
disponíveis inaladores orais nem sprays nasais de nicotina.11,12
A avaliação da dependência do tabaco deve considerar o número
de cigarros por dia e a pontuação do teste de dependência da nicotina de Fagerström (questionário que classifica o grau de dependência
do fumador em baixo, moderado e elevado).13,14
Gomas para mascar de nicotina
As gomas para mascar são compostas por elastómeros naturais
ou sintéticos que contêm 2 ou 4 mg de nicotina. Esta é libertada em
quantidade controlada ao ser mastigada, sendo absorvida através
da mucosa bucal. O pico máximo de nicotinemia atinge-se vinte minutos após o início da mastigação, isto é, mais lentamente do que
quando se fuma um cigarro.1,2,15
A indicação da dose deve ser baseada no grau de dependência do
fumador.16 Assim, para um grau de dependência:13 Baixo: gomas de 2
mg (8 a 10 gomas/dia) durante oito a dez semanas, com uma redução
progressiva da dose a partir da quarta semana; Moderado: gomas de
4 mg a cada 90 minutos durante doze semanas, reduzindo o n.º de gomas
Efeitos adversos mais frequentes: flatulência, dispepsia, náuseas,
soluços e lesões na garganta e na boca.17
Comprimidos para chupar de nicotina
Os comprimidos para chupar libertam nicotina de forma constante e uniforme ao serem chupados, não devendo ser mastigados nem
deglutidos. Existem comprimidos para chupar doseados a 1,5, a 2 e
a 4 mg de nicotina.10
NOVEMBRO/DEZEMBRO 2008
Farmacoterapia da cessação tabágica
A indicação da dose pode ser a seguida para as gomas de mascar. Os
comprimidos para chupar são vantajosos em doentes com problemas de
mastigação, próteses dentárias ou problemas temporo-mandibulares.11
Efeitos adversos mais frequentes: dor de cabeça, diarreia, azia,
soluços e naúseas.11
Comprimidos sublinguais de nicotina
Estão disponíveis as dosagens equivalentes a 2 e a 4 mg de nicotina para uso sublingual. Os comprimidos devem ser colocados debaixo
da língua, onde se dissolvem lentamente durante 30 minutos. Os fumadores com um grau de dependência elevado ou que fumam mais
de 20 cigarros por dia e que não tenham conseguido deixar de fumar
com os comprimidos de 2 mg devem utilizar os de 4 mg.10
Sistemas transdérmicos de nicotina
Os Sistemas Transdérmicos de Nicotina (STN) permitem um aporte
constante de nicotina, que é absorvida através da pele.9,13
Os STN, disponíveis em Portugal, libertam nicotina durante 16 ou 24
horas. As quantidades de nicotina libertadas são muito semelhantes,
atingindo a sua concentração máxima entre as 4 e as 8 horas após a
colocação do adesivo.10 Ambos os STN são eficazes e a escolha depende
das características do fumador: se não fumar durante a noite, recomenda-se os STN de 16 horas, para que a libertação de nicotina não cause
alterações do sono; se fumar durante a noite ou imediatamente após
acordar, recomenda-se os STN de 24 horas. Contudo, se os STN de 24
horas provocarem insónias, deve-se alterar para os de 16 horas.13,18
Os STN devem ser colocados de manhã sobre a pele limpa, seca e
numa área sem pêlos, devendo ser retirados ao deitar (STN 16 horas) ou
na manhã seguinte (STN 24 horas). O local de aplicação deve ser diferente
todos os dias para evitar ou reduzir efeitos adversos locais. Os STN de 24
horas apresentam-se em dosagens de 21 mg, 14 mg e 7 mg e os de 16
horas em dosagens de 15 mg, 10 mg e 5 mg de nicotina.10
Se após duas semanas o fumador não estiver abstinente, a terapêutica com STN deve ser reavaliada, considerando-se a utilização
de doses mais elevadas de STN, ou de terapêutica combinada ou
de outro fármaco.9,13
Efeitos adversos mais prevalentes: prurido no local da aplicação,
insónia e outras perturbações do sono.17
Terapêutica combinada de substitutos da nicotina
A terapêutica combinada consiste na administração de diferentes
formas farmacêuticas de substitutos da nicotina. O esquema terapêutico mais comum associa gomas de mascar ou comprimidos de chupar
a um STN para aumentar a efectividade do tratamento.9
Bupropiom SR
progressivamente a partir da sexta ou oitava semana; Elevado: gomas
O bupropiom SR é um antidepressivo aprovado em Portugal como
de 4 mg a cada 60 minutos durante doze semanas, reduzindo o n.º de
auxiliar da cessação tabágica, em combinação com apoio motivacio-
gomas progressivamente a partir da oitava ou décima semana.
nal. O bupropiom SR ajuda na abstinência a longo prazo, duplicando a
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BOLETIM DO CIM
probabilidade de deixar de fumar versus placebo. O bupropiom SR tem
vezes maior do que os fumadores que tentam deixar de fumar sem
uma eficácia semelhante à dos STN e inferior à da vareniclina.12,19,20
apoio.10
O bupropiom SR reduz os sintomas de privação e o desejo compulsivo de fumar, não havendo aumento de peso associado ao abandono
do tabaco. O tratamento deve ser iniciado com 150 mg e ao sétimo
dia elevado para 300 mg, repartidos por duas tomas com um intervalo
Paula Iglésias Ferreira, Inês Nunes da Cunha, Henrique José Santos
Grupo de Investigação em Cuidados Farmacêuticos
da Universidade Lusófona (GICUF-ULHT).
mínimo de oito horas entre elas. O tratamento deve ser iniciado duas
semanas antes de deixar de fumar e deve ter a duração aproximada
de seis a doze semanas.
11
Efeitos adversos mais prevalentes: boca seca e insónia. Está contra-indicado em doentes com histórico de convulsões, bulimia e anorexia.21
Vareniclina
A vareniclina está aprovada em Portugal com indicação para a cessação tabágica em adultos. A vareniclina liga-se com elevada afinidade
e selectividade aos receptores nicotínicos neuronais α4β2 da acetilcolina, onde actua como agonista parcial – composto que tanto tem
actividade de agonista, com eficácia intrínseca inferior à da nicotina,
como actividade antagonista na presença da nicotina.12,22,23
A vareniclina aumenta aproximadamente três vezes a probabilidade de
êxito a longo prazo versus intenções de abandono não apoiadas farmacologicamente. Estudos demonstraram que a probabilidade de deixar de
fumar, após doze semanas de tratamento com vareniclina, foi aproximadamente duas vezes superior à dos fumadores tratados com bupropiom
SR e quatro vezes superior à dos que tomavam placebo.20,23,24
A terapêutica deve ser iniciada sete a catorze dias antes do dia
estabelecido para deixar de fumar. A medicação deve ser iniciada
progressivamente: do primeiro ao terceiro dia, um comprimido de 0,5
mg uma vez por dia; do quarto ao sétimo dia, um comprimido de 0,5
mg duas vezes por dia; a partir do oitavo dia, um comprimido de 1
mg duas vezes por dia. O tratamento deve ser mantido durante doze
semanas, podendo prolongar-se até vinte e quatro semanas.11
Os comprimidos são revestidos e devem ser ingeridos inteiros com
água, com ou sem alimentos.22
Reacções adversas mais comuns: náuseas e problemas no sono.
Foram notificados sintomas de depressão, podendo incluir ideação
suicida e tentativa de suicídio, que parecem não estar associados ao
medicamento, mas à exacerbação de doenças psiquiátricas subjacentes (por exemplo, depressão). Contudo, deve ter-se precaução em
doentes com história de doenças psiquiátricas.11,17
Outros medicamentos usados para o tratamento do
tabagismo
A nortriptilina é um antidepressivo tricíclico cuja eficácia parece
ser similar à bupropiom SR e aos STN. Os efeitos secundários são
frequentes, ainda que poucas vezes graves.20
A clonidina, um agonista α2-adrenérgico, tem sido usada para
tratar a hipertensão e para reduzir os sintomas de privação decorrentes do uso do álcool e opiáceos. Os efeitos adversos condicionam
o seu uso.4,9,20
Conclusões
O tabagismo é factor de risco para as doenças cardio e cerebrovasculares e para múltiplas doenças oncológicas que constituem, respectivamente, a primeira e a segunda causa de morte em Portugal.
Existem numerosos medicamentos efectivos para tratar a dependência do tabaco e os profissionais de saúde devem incentivar o seu
uso, excepto quando estão contra-indicados ou em populações específicas para as quais há insuficiente evidência da sua efectividade.
Os fumadores que tentam deixar de fumar com apoio farmacológico têm uma probabilidade de êxito de abstinência tabágica três
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BOLETIM DO CIM - publicação bimestral de distribuição gratuita da Ordem dos Farmacêuticos Directora: Elisabete Mota Faria Comissão de Redacção: Aurora Simón (coordenadora); J. A. Aranda da Silva;
Henrique Santos; Mara Guerreiro; Mª. Eugénia Araújo Pereira; Mónica Galo; Nadine Ribeiro; Paula Iglésias; Teresa Soares. Os artigos assinados são da responsabilidade dos respectivos autores.
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