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EDITORIAL
Carlos Perdigão
Importância da alimentação
em prevenção secundária
No entanto, estas recomendações que têm um caracter populacional em saúde pública, nem sempre são tidas
como importantes em prevenção secundária, onde a atenção dos clínicos está mais voltada para as terapêuticas farmacológicas e para a reabilitação.
Ora uma análise recente dos estudos ONTARGET e
TRANSCEND, que envolveu 31 536 doentes de alto risco de
40 países (doentes com doença cardiovascular conhecida
ou diabetes, com idade média de 67 anos), verificou que
uma alimentação saudável em adição ao efeito protector
dos fármacos, reduzia significativamente o risco de eventos cardiovasculares, quando comparada com uma alimentação não saudável (Quadro I)(2). Esta evidência científica,
pela primeira vez constatada numa tão vasta população
de alto risco, tem que ser transmitida aos médicos e
outros profissionais de saúde que trabalham na área da
prevenção, para que encorajem os doentes a aderir a uma
modificação mantida dos hábitos de vida, fazendo-lhes
ver que nunca é tarde para adquirir hábitos alimentares
saudáveis e adoptar uma dieta de tipo mediterrânico. Na
verdade, este é o primeiro grande estudo que demonstra
o efeito protector da dieta em prevenção secundária.
A importância de um estilo de vida
saudável em prevenção secundária
O papel da dieta em prevenção cardiovascular
O efeito benéfico da alimentação saudável na redução
do colesterol e portanto na redução do risco cardiovascular, em indivíduos saudáveis, tem sido demonstrado em
diversos estudos, sendo hoje mais valorizado o padrão alimentar (contendo gorduras insaturadas, cereais, frutas,
vegetais, peixe e quantidades moderadas de álcool) do
que as dietas quantitativas. O padrão alimentar mais
popularizado é o da chamada dieta mediterrânica, um
padrão fácil de implementar em saúde pública e testado
em comparação com outros padrões alimentares(4).
As recomendações alimentares em prevenção cardiovascular podem ser assim resumidas(5):
1 – Reduzir a ingestão calórica, nomeadamente à custa
da não ingestão de açúcar, bebidas açucaradas e doçaria,
de modo a manter o peso corporal aconselhado.
2 – Consumir frutas variadas, vegetais, frutos secos,
produtos de soja, produtos pobres em gordura, cereais,
pastas e pão integrais.
3 – Comer peixe pelo menos duas veze na semana.
4 – Consumir óleos e margarinas com baixo conteúdo
de gorduras saturadas e ricas em ácidos gordos ómega 3,
bem como os adicionados de fitoesterois e fitoestanois.
5 – Reduzir o consumo de gorduras saturadas e trans,
tais como as carnes vermelhas, os enchidos, o leite completo e as carnes processadas.
6 – Limitar o consumo de álcool a duas bebidas por dia
no homem e a uma bebida por dia na mulher.
7 – Consumir menos de 6 gramas de sal (2400 mg de
sódio) por dia.
Quadro I
Neste estudo a cinco anos de 31 536 doentes com uma
média de idades de 66,5 anos, em 40 países, uma dieta saudável mostrou(2):
• Redução de 35% do risco de morte cardiovascular
• Redução de 14% do risco de novas síndromes coronárias agudas
• Redução de 28% do risco de insuficiência cardíaca
congestiva
• Redução de 19% do risco de acidente vascular cerebral
Actuar em função do risco cardiovascular
O Framingham Heart Study introduziu o termo factor
de risco cardiovascular, no conceito de que se trata de um
parâmetro que é predizente de um evento cardiovascular
num dado indivíduo, no futuro. Usando os factores de risco
tradicionais (idade, sexo, história familiar de doença coronária prematura, colesterol total ou colesterol-LDL elevado,
colesterol-HDL baixo, tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, obesidade, sedentarismo) foi proposto o score de
Framingham que avalia o risco de um indivíduo ter um
evento coronário nos próximos 10 anos(3). Nas tabelas
actuais de avaliação do score de Framingham a diabetes
foi retirada, pois esta é considerada um equivalente de
4
Revista Factores de Risco, Nº28 JAN-MAR 2013 Pág. 04-06
«... uma análise recente... que envolveu 31 536 doentes
de alto risco de 40 países (doentes com doença cardiovascular
conhecida ou diabetes), verificou que uma alimentação saudável
em adição ao efeito protector dos fármacos,
reduzia significativamente o risco de eventos cardiovasculares,
quando comparada com uma alimentação não saudável»
ou com doença renal crónica, promovendo um baixo consumo de sal, uma alimentação saudável, pratica de exercício físico e com terapêutica farmacológica se necessário.
3 – Manter um colesterol-LDL inferior a 100 mg/dL; se
os triglicéridos são superiores a 200 mg/dL, manter o
colesterol não HDL (colesterol total – colesterol-HDL) inferior a 130 mg/dL. Estes objectivos devem ser obtidos através de uma alimentação saudável (como o padrão alimentar mediterrânico), da promoção de actividade física
regular e com terapêutica farmacológica (essencialmente
à base de estatinas), se necessário.
risco de doença coronária. Na verdade, estas tabelas de
avaliação de risco são para avaliar o risco em indivíduos
assintomáticos. Se já têm manifestações de doença coronária, aterosclerose arterial dos membros inferiores, das
carótidas ou da aorta, se são diabéticos ou têm doença
renal crónica, são indivíduos de alto risco, pelo que não
fará sentido avaliar o risco. À prevenção das situações
atrás descritas como de alto risco, chamamos de prevenção secundária, em oposição à prevenção nos indivíduos
assintomáticos, que consideramos ser de prevenção primária. Mas a vantagem dos scores de avaliação de risco é
exactamente deixarmos de falar em prevenção primária e
podermos falar em indivíduos com um determinado grau
de risco. E fazer a abordagem preventiva em função do
risco cardiovascular avaliado.
Actividade Física
Em indivíduos saudáveis ou de baixo risco cardiovascular, o benefício da actividade física está bem documentado e pode ser uma recomendação populacional.
Em indivíduos que já têm doença cardiovascular manifesta, a actividade física deve ser aconselhada de acordo
com a capacidade de cada doente e tendo em conta a sua
situação clínica. Uma recomendação consensual é a implementação de 30 minutos de actividade física moderada,
7 dias por semana. Mas a metanálise de Sattlemair conclui que «alguma actividade física é melhor do que nenhuma, no entanto o benefício é tanto maior quanto maior a
actividade»(8). Na prática, há que promover actividades
simples diárias com caminhar, fazer jardinagem, ajudar
nas tarefas domésticas.
Particular atenção merecem os idosos, os doentes com
insuficiência cardíaca avançada e os descondicionados
para o exercício físico(7). Nestes, os programas de reabilitação cardíaca, executados por profissionais experientes,
têm um papel importante.
Prevenção Secundária.
Objectivos e abordagem prática
As recentes Recomendações da American Heart
Association e do American College of Cardiology – 2011,
para a Prevenção Secundária e Terapêutica de Redução do
Risco em doente com Doença Coronária e outras Doenças
Vasculares Ateroscleróticas(6), são semelhantes às expressas nas Recomendações da Sociedade Europeia de
Cardiologia para a Prevenção Cardiovascular na Prática
Clínica - 2012(7) e aplicam-se aos doentes com doença aterosclerótica clínica, seja de localização coronária seja de
outras localizações, nomeadamente a doença arterial periférica, a doença das carótidas e a doença aterosclerótica da
aorta. Na verdade, para os doentes das artérias coronárias,
estas recomendações já entraram na prática clínica, mas
um dos problemas da prevenção secundária é que ela não
está a chegar aos doentes com doença arterial periférica(1).
Estas recomendações podem ser assim resumidas:
1 – Abolir o consumo do tabaco de forma activa e persistente, desenvolvendo estratégias de aconselhamento e
acompanhamento ao logo da vida.
2 – Manter uma pressão arterial inferior a 140/90
mmHg ou inferior a 130/80 mmHg nos doentes diabéticos
Peso corporal
Manter um IMC entre os 18,5 e os 25 Kg/m2, com um
perímetro da cintura inferior a 94 cm no homem e a 80 cm
na mulher. A redução do peso deve ser obtida à custa da
redução calórica e do aumento da actividade física. Ao atingir o peso adequado, é necessário vigiar a sua manutenção.
5
A importância de um estilo de vida saudável em prevenção secundária
Referências
Terapêutica farmacológica
Para além das terapêuticas farmacológicas indicadas
para situações específicas, como a hipertensão arterial ou
a hipercolesterolemia, algumas terapêuticas farmacológicas tem sido aconselhadas no sentido de promover protecção cardiovascular em doentes com aterosclerose clínica.
1 – Antiagregação com aspirina em baixas doses (75 a
150 mg) deve ser feita e mantida toda a vida, se não houver contra-indicação.
2 – Um IECA (inibidor da enzima de conversão da
angiotensina) deve ser mantido toda a vida em doentes
com FEVE igual ou inferior a 40%, e também nos que
forem diabéticos, hipertensos ou com doença renal crónica. Eventualmente em todos os doentes se não houver
contra-indicação.
3 – Os bloqueadores beta (BB) devem ser mantidos
nos doentes que tiveram enfarte do miocárdio, síndromes
coronárias agudas ou disfunção ventricular esquerda, com
ou sem sintomas de insuficiência cardíaca, se não houver
contra-indicação.
4 – Os inibidores da aldosterona parecem ser benéficos
nos doentes após enfarte do miocárdio, em associação
com os IECAS e os BB, se a FEVE for igual ou inferior a 40%
e tiverem diabetes ou insuficiência cardíaca.
5 – A terapêutica com estatinas mostrou uma significativa redução da mortalidade e dos eventos cardiovasculares em todos os doentes com doença cardiovascular aterosclerótica. A utilização de doses elevadas deve ser feita
com precaução e vigilância dos efeitos secundários.
1. Pande RL, Perlstein TS, Beckman JA, Creager MA. Secondary
prevention and mortality in peripheral artery disease: national
health and nutrition examination study, 1999 to 2004. Circulation
2011; 124:17-23.
2. Dehghan M, Mente A, Teo KK, et al. Relationship Between
Healthy Diet and Risk of Cardiovascular Disease Among Patients
on Drug Therapies for Secondary Prevention: A Prospective
Cohort Study of 31 546 High-Risk Individuals From 40 Countries.
Circulation 2012; 126: 2705-2712.
3. National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI). Estimate of
10-Year Risk for Coronary Heart Disease Framingham Point
Scores. Available at http://www.nhlbi.nih.gov/guidelines/cholesterol/risk_tbl.htm.
4. Nordmann AJ, Suter-Zimmermann K, Bucher HC, et al. Metaanalysis comparing mediterranean to low-fat diets for modification of cardiovascular risk factors. Am J Med. 2011; 124:841851.e2.
5. Krauss RM, Eckel RH, Howard B, Appel LJ, Daniels SR,
Deckelbaum RJ, et al. AHA Dietary Guidelines: revision 2000: A
statement for healthcare professionals from the Nutrition
Committee of the American Heart Association. Circulation 2000;
102: 2284-99.
6. Smith SC Jr, Benjamin EJ, Bonow RO, et al. AHA/ACCF Secondary
Prevention and Risk Reduction Therapy for Patients With
Coronary and Other Atherosclerotic Vascular Disease: 2011
Update: A Guideline From the American Heart Association and
American College of Cardiology Foundation. Circulation 2011;
124:2458-73.
7. European Guidelines on cardiovascular disease prevention in
clinical practice (version 2012). Eur Heart J 2012; 33:1635–1701.
Conclusão
8. Sattelmair J, Pertman J, Ding EL, et al. Dose response between
physical activity and risk of coronary heart disease: a meta-analysis. Circulation 2011; 124:789-95.
A par da necessidade de manter e vigiar a aderência
às terapêuticas hoje bem comprovadas na prevenção da
mortalidade e de novos eventos nos indivíduos que já
tiveram uma manifestação clínica de doença cardiovascular aterosclerótica, é necessário promover e divulgar os
benefícios de um estilo de vida saudável nestes doentes.
O estudo de Dehghan e colaboradores(1) vem valorizar a
importância de uma alimentação saudável neste grupo de
risco, chamando a atenção dos profissionais de saúde e
dos doentes para os seus benefícios, enfatizando a máxima «mais vale tarde do que nunca».
Carlos Perdigão
6
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