Instituições Bancárias, Concessão de Crédito e Preferência

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE ECONOMIA
TESE DE DOUTORADO
INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS, CONCESSÃO DE
CRÉDITO E PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ:
TRÊS ENSAIOS NA PERSPECTIVA PÓS-KEYNESIANA
PATRICIA ZENDRON
Registro nº: 100702051
ORIENTADOR: Prof. Fernando José Cardim de Carvalho
SETEMBRO DE 2006
Instituições Bancárias, Concessão de Crédito e Preferência pela
Liquidez: Três Ensaios na Perspectiva Pós-Keynesiana
PATRICIA ZENDRON
Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
Título de Doutor em Ciências Econômicas.
Aprovada por:
___________________________________________________
Prof. Fernando José Cardim de Carvalho (orientador - IE/UFRJ)
___________________________________________________
Profa. Daniela Magalhães Prates (IE/UNICAMP)
___________________________________________________
Prof. Carlos Eduardo Ferreira de Carvalho (PUC-SP)
___________________________________________________
Prof. Ernani Teixeira Torres Filho (IE/UFRJ)
___________________________________________________
Prof. Fernando Carlos Greenhalgh de Cerqueira Lima (IE/UFRJ)
Rio de Janeiro
Setembro de 2006
Zendron, Patricia
Instituições Bancárias, Concessão de Crédito e Preferência
pela Liquidez: Três Ensaios na Perspectiva Pós-Keynesiana /
Patricia Zendron: orientação de Fernando José Cardim de
Carvalho – Rio de Janeiro: UFRJ, 2006
167p. ; 30cm
Tese de doutorado - UFRJ/Instituto de Economia, 2006
AGRADECIMENTOS
A realização da presente trabalho não seria possível sem o apoio de diversos
professores, amigos e familiares.
Ao professor Fernando Cardim agradeço o privilégio de ter contado com a sua
orientação ao longo do doutorado. Os conselhos e sugestões foram sempre importantes
para condução do trabalho e trouxeram novas perspectivas e tranqüilidade em
momentos cruciais. Finalmente, os debates e a leitura atenta das versões preliminares
contribuíram de maneira decisiva para o formato definitivo da tese.
Aos professores Jennifer Hermann e Fernando Carlos, que participaram da banca
na defesa do projeto, agradeço os comentários e sugestões valiosos, que identificaram
pontos para reflexão e aperfeiçoamento.
Aos amigos do BNDES e do Instituto de Economia, especialmente aos amigos
Ana Cláudia e Fabricio, agradeço pelo carinho, incentivo e motivação tão importantes
para que eu pudesse concluir a elaboração desta tese. Ao amigo Jorge Pasin, agradeço
também a gentileza de fornecer os dados formatados dos balanços do BNDES.
Finalmente, agradeço à minha família, principalmente à minha mãe Silvia, às
minhas irmãs Marilia e Juliana e ao meu padrinho Élcio, pelo apoio incondicional tão
fundamental para conclusão desta tese. Em especial, agradeço o incentivo, o carinho e a
compreensão do meu marido Rodolfo, sem os quais eu não teria a tranqüilidade
necessária e esta tese certamente não teria se concretizado.
“The banker (...) is not so much primarily a middleman
in the commodity ‘purchasing power’ as a producer of
this commodity. (...) He stands between those who wish
to form new combinations and the possessors of
productive means. He is essentially a phenomenon of
development (...). He makes possible the carrying out of
new combinations, authorizes people, in the name of
society as it were, to form them. He is the ephor of the
exchange economy.”
Joseph Schumpeter (1934)
As opiniões expressas neste trabalho são de exclusiva responsabilidade da autora.
RESUMO
O objetivo da presente tese é avançar na compreensão do comportamento de instituições
bancárias a partir de um referencial teórico baseado nas contribuições de Keynes e
posteriormente desenvolvidas por autores pós-keynesianos, dentre os quais se destaca
Minsky. Este trabalho é composto por três ensaios sobre economia bancária discutindo
o conceito de preferência pela liquidez. O primeiro ensaio apresenta as principais
atividades e funções atribuídas às instituições bancárias, como gestão de informações e
gestão de riscos, e desenvolve e defende uma concepção de banco como provedor e
criador de liquidez. O segundo ensaio trata da decisão de portfólio de instituições
bancárias e aborda elementos para construção de um modelo pós-keynesiano, visando
especialmente as implicações para a concessão de crédito. No terceiro e último ensaio
utiliza-se o instrumental teórico baseado no princípio da preferência pela liquidez para
compreender as decisões de bancos de desenvolvimento, e do BNDES em particular. As
principais conclusões da tese referem-se aos graus de liberdade de que bancos dispõem
para criar moeda creditícia no processo de concessão de crédito e à subordinação destas
decisões aos limites impostos pela exposição a riscos e pela preferência pela liquidez
dos bancos. Quanto aos bancos de desenvolvimento, conclui-se que sua gestão
financeira é marcada pelo conservadorismo, dada a natureza de suas operações e a
conseqüente elevada preferência pela liquidez.
ABSTRACT
The main purpose of this thesis is to understand the behaviour of banks considering a
theoretical framework based on Keynes’ contributions and on other post-keynesian
authors, especially Minsky. The thesis consists of three essays on banking discussing
liquidity preference. The first essay presents the main activities and functions of banks –
information management and risk management – and develops and supports the view of
the bank as a liquidity provider and creator. The second essay deals with banks’
portfolio management and addresses important issues in the construction of a postkeynesian model, emphasizing implications for credit concession. The third and last
essay applyes the theoretical framework based on liquidity preference to understand
development banks’ decisions, in particular for the Brazilian Development Bank. The
main conclusions of this thesis are that banks have degrees of freedom when creating
credit money in the credit concession process and that these decisions are limited by risk
exposion and the liquidity preference of banks. Considering development banks, the
conclusion is that such banks are conservative in their financial management due to the
nature of their operations and, consequently, their high liquidity preference.
SUMÁRIO
CAPÍTULO I: INTRODUÇÃO........................................................................................ 1
CAPÍTULO II: BANCOS – O QUE OS DIFERENCIA DAS DEMAIS
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS?.................................................................................. 6
2.1 Introdução .............................................................................................................. 6
2.2 O banco como gestor de informações.................................................................... 8
2.3 O banco como gestor de riscos ............................................................................ 15
2.4 O banco como gestor do sistema de pagamentos e criador de depósitos ............ 28
2.4.1 O multiplicador da base monetária .................................................................. 33
2.4.2 A visão pós-keynesiana..................................................................................... 35
2.4.3 A visão horizontalista ....................................................................................... 38
2.4.4 A visão estruturalista ........................................................................................ 40
2.5 Conclusão............................................................................................................. 45
Bibliografia ................................................................................................................ 47
CAPÍTULO III: DECISÃO DE PORTFÓLIO DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E
CONCESSÃO DE CRÉDITO – REFLEXÕES PARA CONSTRUÇÃO DE UM
MODELO PÓS-KEYNESIANO.................................................................................... 52
3.1 Introdução ............................................................................................................ 52
3.2 Keynes e a teoria de alocação do portfólio .......................................................... 53
3.3 Gestão de recursos sob incerteza em firmas bancárias ........................................ 59
3.4 Concessão de crédito ........................................................................................... 64
3.5 Escolha de portfólio em uma firma bancária ....................................................... 75
3.6 Minsky e a escolha de passivos ........................................................................... 81
3.7 Mudanças das últimas décadas e a preferência pela liquidez dos bancos ........... 88
3.7.1 Securitização..................................................................................................... 88
3.7.2 Derivativos........................................................................................................ 93
3.8 Conclusão........................................................................................................... 102
Bibliografia .............................................................................................................. 104
CAPÍTULO IV: BANCOS DE DESENVOLVIMENTO E PREFERÊNCIA PELA
LIQUIDEZ – UMA DISCUSSÃO PRELIMINAR SOBRE O BANCO NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES).................................. 108
4.1 Bancos e o princípio da preferência pela liquidez ............................................. 109
4.2 Bancos de desenvolvimento: em busca de uma definição ................................. 114
4.3 Bancos de desenvolvimento possuem preferência pela liquidez? ..................... 120
4.4 Uma investigação preliminar sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES)................................................................................. 133
4.4.1 O BNDES ........................................................................................................ 133
4.4.2 O BNDES e o princípio da preferência pela liquidez..................................... 136
4.5 Conclusão........................................................................................................... 149
Bibliografia .............................................................................................................. 151
CAPÍTULO V: CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................. 154
QUADROS
Quadro 1: Expectativas e grau de confiança na escolha de ativos ................................. 63
Quadro 2: Expectativas do banco e do tomador de recursos quanto ao projeto de gasto e
suas conseqüências sobre a concessão de crédito................................................... 68
Quadro 3: Balanço bancário ........................................................................................... 75
Quadro 4: Balanço bancário com diversificação de passivo .......................................... 83
GRÁFICOS
Gráfico 1: Composição do ativo do BNDES – Títulos e valores mobiliários e
Investimentos (em participação percentual do Ativo Total): 1995 a 2005........... 138
Gráfico 2: Composição do ativo do BNDES – Ativos líquidos e Empréstimos e repasses
(em participação percentual do Ativo Total): 1995 a 2005 .................................. 139
Gráfico 3: BNDES - Relação entre Empréstimos e repasses e Ativos líquidos: 1995 a
2005 ...................................................................................................................... 140
Gráfico 4: BNDES - Composição do passivo total (em participação percentual): 1998 a
2005 ...................................................................................................................... 141
Gráfico 5: BNDES - Empréstimos e repasses sobre patrimônio líquido: 1998 a 2005142
Gráfico 6: BNDES – Índices de liquidez corrente e liquidez imediata: 1995 a 2005 . 146
CAPÍTULO I: INTRODUÇÃO
Sistemas financeiros e bancos em especial são fundamentais no processo de
crescimento e desenvolvimento dos países. Uma medida da sua importância pode ser
inferida pela preocupação dos bancos centrais, e inclusive do Banco de Compensações
Internacionais (BIS), em regular os mercados e principalmente as instituições bancárias.
Esta relevância, no entanto, não reflete o papel de bancos na teoria econômica
convencional. Eles são geralmente tratados como intermediários financeiros cujas
atividades não possuem impactos reais.
Ao contrário, na teoria pós-keynesiana bancos assumem um papel muito
importante. Nas palavras de Keynes (1973), “banks hold a key position in the shift of
the economic system from a lower to a higher level of economic activity.”.
Este papel crucial de bancos pode ser compreendido a partir do processo de
financiamento do investimento. Keynes concebe duas etapas analiticamente distintas: o
processo de finance e o processo de funding (Keynes, “The ex-ante theory of the rate of
interest”, CWJMK 14: 217). Na etapa de finance, o fundamental é viabilizar a
realização do investimento. Em uma economia monetária, argumenta o autor, para isto
basta possuir moeda a fim de comprar os ativos necessários na preparação e início do
processo produtivo. A outra etapa analiticamente distinta consiste em canalizar uma
parcela da poupança agregada para novos ativos financeiros de longo prazo,
compatibilizando o perfil e os prazos dos compromissos financeiros com as
características peculiares do fluxo de caixa do investimento realizado. Esta tarefa foi
chamada por Keynes como a etapa de funding.
Na Teoria Geral, Keynes argumenta que a própria realização do investimento é
suficiente para desencadear o processo que gera a poupança necessária para o funding
deste investimento inicial. O gasto em bens de capital desencadeia a geração de renda,
2
que aumenta gastos e a poupança desejada. Através do mecanismo do multiplicador, o
incremento na renda agregada ocorre concomitantemente ao incremento na poupança
desejada pelos agentes. Ao final, resta que os agentes detentores desta poupança
adicional adquiram ativos de longo prazo no intuito de conservarem a sua riqueza.
Deste modo, constata Keynes (“The ex-ante theory of the rate of interest”,
CWJMK 14: 222), “[t]he investment market can become congested through shortage of
cash. It can never become congested through shortage of saving.”. O processo de
financiamento ideal do investimento é aquele que se aproveita da característica das
economias monetárias de gerar poupança automaticamente no mesmo montante do
investimento.
Neste contexto, bancos são fundamentais, como explica Keynes (“The ex ante
theory of the rate of interest”, CWJMK 14: 222):
“the transition from a lower to a higher scale of activity involves an
increased demand for liquid resources which cannot be met without a rise
in the rate of interest, unless the banks are ready to lend more cash or the
rest of the public to release more cash at the existing rate of interest.”.
Em síntese, bancos são instituições chave no sistema econômico porque concedem
crédito e provêem liquidez aos demais agentes.
Apesar da importância teórica dos bancos e da concessão de crédito, muitas
vezes a atividade bancária não é explorada em detalhe e, em particular, o processo de
tomada de decisões destas instituições é pouco discutido, conforme constata Wray
(1995: 280):
“It is now time to go beyond this black box approach and to examine the
conditions under which ‘money’ is ‘supplied’. This involves close
institutional analysis of the behavior of banks, nonbanks and the customers
on both sides of the balance sheets of these. Neither Moore’s Black Box
Horizontalist approach nor Keynes’s approach of the General Theory – in
which monetary details fall into the background – is sufficient. Clearly,
Keynes realized this when he added the ‘finance motive’ to his discussion of
liquidity preference.”
O objetivo do presente trabalho é investigar o comportamento de bancos a partir
de um referencial teórico baseado nas contribuições de Keynes e posteriormente
desenvolvidas por autores pós-keynesianos, dentre os quais se destaca Minsky. O
3
argumento que se procura demonstrar é que o princípio da preferência pela liquidez é
um arcabouço amplo e flexível que permite compreender o comportamento de bancos
quanto à sua escolha de ativos e passivos, bem como de operações chamadas fora de
balanço. Ele se aplica desde o banco comercial simples, como proposto por Keynes no
Tratado sobre a Moeda, passando pelos bancos universais da atualidade até bancos de
desenvolvimento.
A contribuição deste trabalho é realizada através de três ensaios sobre economia
bancária discutindo o conceito de preferência pela liquidez. A tese está estruturada em
quatro capítulos além deste capítulo introdutório.
O capítulo dois apresenta o primeiro ensaio, entitulado “Bancos: o que os
diferencia das demais instituições financeiras?”. Ele discute as principais atividades e
funções atribuídas às instituições bancárias e desenvolve e defende a concepção de
banco como provedor e criador de liquidez.
Freqüentemente na literatura, o banco é “entendido como uma instituição cuja
operação principal consiste em receber depósitos do público e conceder empréstimos”
(BID, 2005: 3). Na intermediação de recursos, eles desempenham duas funções
importantes. Muitas vezes bancos são vistos como instituições privilegiadas para lidar
com a gestão de informações. Por outro lado, existe uma abordagem, possivelmente
complementar, que enfatiza a atividade de gestão de riscos, inerente à atuação dos
bancos.
As concepções do banco como gestor de informações e como gestor de riscos,
apesar de enfatizarem características importantes das instituições bancárias, não
necessariamente explicitam o que existe de essencial e único na atividade dos bancos.
Bancos criam moeda – depósitos à vista – ao concederem crédito. Assim, a moeda
creditícia é criada pelo setor privado e está subordinada às decisões do bancos de
composição do balanço. Além da abordagem do multiplicador da base monetária,
discute-se a visão de moeda endógena de diferentes correntes na literatura póskeynesiana. Argumenta-se que os depósitos são um variável endógena e que através da
administração de passivos e de inovações bancos possuem graus de liberdade na
concessão de empréstimos e na criação de moeda.
4
O ensaio “Decisão de portfólio de instituições bancárias e concessão de crédito:
reflexões para construção de um modelo pós-keynesiano”, no capítulo três, investiga os
determinantes da decisão de composição do balanço bancário, abordando elementos
para construção de um modelo pós-keynesiano e buscando implicações para a
compreensão da concessão de crédito. A reflexão teórica visa especialmente os
elementos que influenciam, estimulam e limitam as decisões sobre concessão de
empréstimos.
A análise da composição de portfólio de instituições bancárias baseia-se
principalmente nas contribuições de Keynes e Minsky. A hipótese desenvolvida é que
as decisões de instituições bancárias podem ser compreendidas a partir do princípio da
preferência pela liquidez. Este referencial teórico permite identificar e explorar alguns
elementos importantes no processo de concessão de crédito. Por fim, são abordadas as
mudanças no mercado financeiro nas últimas décadas e seus impactos sobre a
preferência pela liquidez dos bancos.
No terceiro e último ensaio – “Bancos de desenvolvimento e preferência pela
liquidez: uma discussão preliminar sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES)” – a proposta é utilizar o instrumental teórico baseado no
princípio da preferência pela liquidez para compreender as decisões de bancos de
desenvolvimento.
Analisam-se as especificidades destas instituições financeiras, enfatizando a
assunção de riscos e o predomínio de operações de longo prazo. A partir do modelo
teórico baseado no princípio da preferência pela liquidez estas características são
importantes para discutir o comportamento de bancos de desenvolvimento em relação à
composição do seu balanço.
Posteriormente estes elementos são utilizados em uma avaliação preliminar da
gestão financeira do BNDES a partir de dados de balanço. A reflexão teórica e o estudo
empírico sugerem que bancos de desenvolvimento, e o BNDES em especial, adotam
posturas financeiras bastante conservadoras.
O quinto capítulo apresenta as considerações finais. Após recuperar o objetivo
da tese, as principais conclusões dos três ensaios dos capítulos anteriores são
sintetizadas.
5
Finalmente, vale destacar que a contribuição maior deste trabalho é a reflexão
teórica cobrindo aspectos pouco explorados ou mesmo não questionados na literatura e
buscando atualização conforme desenvolvimentos recentes do mercado financeiro. No
terceiro ensaio busca-se também uma contribuição empírica ao aplicar o instrumental
desenvolvido ao caso do principal banco brasileiro de desenvolvimento, o BNDES.
6
CAPÍTULO II: BANCOS – O QUE OS DIFERENCIA DAS DEMAIS
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS?
2.1 Introdução
Na literatura mais tradicional sobre o funcionamento do sistema financeiro, cuja
origem encontra-se no texto clássico de Gurley e Shaw (1955), o processo de
financiamento é normalmente visto como um processo de alocação de recursos dados
envolvendo a transferência destes entre agentes superavitários, cuja renda corrente é
superior aos gastos correntes, e agentes deficitários, cujos gastos correntes superam o
total da renda corrente.
Esta visão de funcionamento do sistema financeiro tem como conseqüência que
em grande parte da literatura, o banco é “entendido como uma instituição cuja operação
principal consiste em receber depósitos do público e conceder empréstimos” (BID,
2005: 3). Esta instituição financeira que faz a intermediação de recursos captando
depósitos e alocando estes recursos financeiros para as firmas e famílias através de
empréstimos1 é denominada por Kregel (1992: 34) de banco comercial canônico.
No entanto, conceber o banco como intermediário de recursos traz
imediatamente o questionamento a respeito da contribuição destas instituições para o
processo de financiamento. Gorton e Winton (2002: 1) apresentam a aparente
contradição entre a ausência de efeitos reais de intermediários financeiros e seu
predomínio nos sistemas financeiros:
1
Para uma descrição da função tradicional dos bancos, ver Allen e Santomero (1996).
7
“Financial intermediation is a pervasive feature of all world’s economies.
But as Franklin Allen (2001) observed in his AFA Presidencial Adress,
there is a widespread view that financial intermediaries can be ignored
because they have no real effects.”
A resposta mais freqüente dada na literatura é que a função dos bancos é alocar
os recursos disponíveis na sociedade de maneira mais eficiente (Allen e Santomero,
1996). Nesta tarefa os bancos possuem um conjunto de vantagens ligadas a escala,
diversificação e conhecimento. Valendo-se de economias de escala e escopo, os bancos
seriam capazes de obter e processar informações sobre os tomadores de recursos,
elaborar contratos e monitorar seu comportamento de forma mais eficaz e mais barata
do que os poupadores individualmente.
Outros autores, por sua vez, não reconhecem o fato de bancos intermediarem
recursos de maneira eficiente como uma função distintiva de bancos em relação às
demais instituições financeiras. Muitas vezes, o que se verifica é que existem
dificuldades em definir quais são as características e qual é a função primordial dos
bancos. Segundo Kregel (1997), “there are difficulties in defining appropriate
measures for banks' activity (cf. Kaufmann and Mote, pp.4-5) as well as in defining
what should be classified as a bank”.
Neste contexto, a proposta do presente ensaio é apresentar algumas alternativas
encontradas na literatura sobre instituições bancárias sobre como pensar bancos, suas
atividades e suas funções.
O texto se organiza em 4 seções além desta breve introdução. Inicialmente, é
discutida a abordagem na qual bancos são vistos como instituições privilegiadas para
lidar com a gestão de informações. Na segunda seção, a ênfase encontra-se na atividade
de gestão de riscos, inerente à atuação dos bancos. Depois, procura-se superar a visão
do banco enquanto apenas intermediário de recursos para desenvolver uma concepção
de banco como provedor e criador de liquidez. A última seção apresenta as conclusões
do ensaio.
8
2.2 O banco como gestor de informações
Na literatura novo keynesiana, a principal justificativa para as transações
intermediadas está relacionada à questão da informação. Nas palavras de Wolfson
(1996), “[b]anks are ‘special’ in the sense that they have expertise in gathering
information about borrrowers, evaluating projects, and monitoring borrowers after
receipt of a loan.”.
A qualidade da informação obtida pelas instituições bancárias, e portanto a
eficiência no tratamento desta, se revela nos movimentos de preços no mercado de
capitais. Segundo Bossone (2000: 9), em geral após a concessão de empréstimos
bancários observa-se um aumento no preço das ações de firmas tomadoras. Isto indica
que o mercado atribui valor à avaliação feita pelo banco. Se uma firma é merecedora de
crédito bancário, os investidores constatam ou confirmam a sua boa situação financeira
e as perspectivas positivas para o futuro. Este ganho informacional propiciado pela
concessão do crédito bancário se reflete na precificiação dos ativos – ações e títulos.
No tocante à questão da informação, há dois aspectos a considerar: a posição
privilegiada dos bancos na obtenção e gestão das informações e o tratamento que
bancos dão ao problema da assimetria de informação entre emprestadores e tomadores
de recursos. Em outras palavras, bancos são estruturas aptas tanto a reduzir os custos de
informações quanto apresentar soluções para situações de informação assimétrica.
Estes custos de informação e o problema de assimetria de informação são
inerentes às transações financeiras e já estão amplamente discutidos na literatura. O
ponto de partida é a constatação de que o agente que mais sabe sobre o projeto de gasto,
e sobre a sua capacidade de pagamento dos compromissos financeiros, é o agente que
vai executá-lo. Na melhor das hipóteses, o emprestador obtém uma informação que
pode ser parcial e incompleta, dificultando a distinção adequada dos riscos de potenciais
devedores. Algumas vezes, a informação a respeito do tomador de recursos
simplesmente não é disponível.
9
Os bancos, ao se especializarem na coleta e processamento de informações e na
administração das operações de crédito, se beneficiam de economias de escala e escopo
que permitem ao banco reduzir os custos na obtenção e avaliação de informações2 e na
elaboração e no monitoramento dos empréstimos bem como adotar mecanismos que
inibam comportamentos oportunistas dos tomadores.
Para enfrentar os problemas decorrentes da informação assimétrica, os bancos
procuram aumentar sua confiança tanto em relação ao retorno do projeto de gasto
quanto à intenção do tomador honrar os seus compromissos. Medidas tradicionais para
aumentar esta confiança envolvem um rol de atividades exercidas pelas instituições
bancárias. Dentre as medidas mais usuais, destacam-se a obtenção e processamento de
informações sobre os tomadores potenciais de recursos, a elaboração de contratos
detalhados e customizados para os empréstimos, as exigências de outros ativos como
garantias para o crédito concedido (colaterais), a inclusão de outros compromissos
contratuais (covenants) e o monitoramento do comportamento daqueles que obtiveram
recursos.
Todas as atividades enumeradas acima possuem uma parcela significativa de
custos fixos, o que torna a escala de operação dos bancos especialmente relevante.
Dentre as economias de escopo, vale enfatizar o acesso que os bancos possuem a
informações privilegiadas sobre a situação do cliente, visto que operam o sistema de
pagamentos e, assim, acompanham o fluxo de caixa das empresas. Por fim, o grande
número de tomadores e projetos de gastos reduz os riscos envolvidos nos empréstimos.
Pelo princípio da diversificação, fica claro que a combinação de ativos com correlação
menor do que um pode diminuir o risco total da carteira e, assim, aumentar o retorno
esperado para um dado nível de risco.3
Nas últimas décadas, a visão do banco como instituição que lida com a gestão da
informação foi aperfeiçoada. Motivado pelo processo de liberalização e pelas mudanças
ocorridas nos mercados financeiros, foram desenvolvidos uma série de modelos. O
objetivo desta extensa literatura foi investigar o que existiria de único e particular na
2
Nesse sentido, o banco se beneficia do desenvolvimento de sistemas de análise e avaliação de projetos e
de valoração de garantias.
3
Vale notar que, embora a diversificação possa reduzir riscos, existe uma parte do risco, o risco
sistemático, que não pode ser eliminado. Trata-se de um risco não-diversificável.
10
função dos bancos, bem como porque a intermediação é uma solução superior à
desintermediação. Com esta discussão, os autores procuravam justificar a existência de
bancos.
Os modelos supracitados podem ser classificados em duas grandes categorias.4
Alguns autores focalizam a questão do monitoramento. Já um segundo grupo de
modelos aborda a questão da avaliação e seleção de tomadores.
A partir de Diamond (1984), consolidou-se como uma função dos bancos a
atividade de monitoramento dos tomadores de recursos. Este monitoramento é
necessário porque não há como o emprestador verificar imediatamente e sem custos o
desempenho do tomador, em geral, da firma tomadora. Trata-se da assimetria de
informação ex post. Considerando que monitoramento é uma atividade com custos
elevados, há vantagens na sua centralização e os bancos exploram as economias de
escala no processamento da informação envolvida em monitorar e fazer valer
(enforcing) os contratos. Já Gale e Hellwig (1985) mostraram que empréstimos
bancários possuem características que os tornam adequados para a atividade bancária.
Os contratos de empréstimo normalmente possuem remuneração fixa, o que economiza
em custos de monitoramento e incentiva o tomador a reduzir o risco de default. Por fim,
os bancos adotam expedientes que reduzem a necessidade de monitorar o próprio banco.
Eles possuem escala para diversificar a sua carteira de crédito e interpõem suas próprias
obrigações na canalização de recursos entre os emprestadores e tomadores finais5,
assumindo o risco de crédito e também comprometendo o seu capital. Estas
características habilitam os bancos a atuarem no monitoramento dos tomadores de
recursos em lugar dos depositantes, ou seja, atuar como “delegated monitors” na
terminologia de Diamond (1984).
Um aspecto não explorado nestes modelos, mas que contribui para o banco atuar
no monitoramento dos tomadores de recursos, é o fato dos bancos estabelecerem
relacionamentos de longo prazo. Assim, há um grande comprometimento entre banco e
cliente. Como os contratos são informação-intensivos6, cria-se uma situação de hold up
entre o banco e o cliente. Para o banco, os empréstimos bancários são ativos ilíquidos e
4
A exposição a seguir foi baseada nos surveys de Bossone (2000) e Gorton e Winton (2002).
Isto significa que não existem contratos entre emprestadores e tomadores últimos.
6
Este aspecto dos contratos bancários será explorado mais detalhadamente a seguir.
5
11
de venda difícil, o que dificulta muito a opção de saída. Já o cliente enfrentaria
dificuldades para obter recursos em outro banco visto que esta instituição
provavelmente não possuiria de imediato informações suficientes e seguras sobre o
potencial tomador. Por outro lado, o tomador também pode se beneficiar desta situação,
obtendo condições mais vantajosas nos financiamentos, como a redução dos colaterais e
dos juros. Ademais, “privately-held debt tipically has more covenants and other terms
and is much more likely to be renegotiated than publicly-held debt” (Gorton e Winton,
2002: 37). Ou seja, a relação de clientela cria contratos tácitos que também beneficiam o
tomador.
Para o banco, o relacionamento de longo prazo tende a reduzir o comportamento
oportunista dos clientes e, conseqüentemente, pode reduzir a necessidade de
monitoramento. O cliente possui a expectativa de interações recorrentes ao longo do
tempo e sofre a ameaça de perder sua fonte de financiamento caso venha a se valer da
assimetria de informação para não pagar ao banco. Esta situação, aliada à dificuldade de
obter recursos de fontes alternativas discutida anteriormente, cria um incentivo forte
para que o tomador adote um bom comportamento e cumpra com os seus compromissos
contratuais. Apesar da assimetria de informação entre o banco e o cliente, a relação de
longo prazo reduz o risco moral.
Quanto aos modelos que abordam a questão da avaliação e seleção de
tomadores, eles enfatizam a função do banco como um produtor de informações sobre
as oportunidades de aplicação de recursos para os agentes superavitários. Esta gama de
modelos geralmente trata da assimetria de informação ex ante.
A origem deste tipo de abordagem pode ser encontrada na justificativa para
formas de crédito intermediadas. Há grandes custos envolvidos no encontro de agentes
deficitários e superavitários com o mesmo perfil. A compatibilização tanto de valor a
ser emprestado quanto das condições deste empréstimo - prazo, taxa de juros a ser
aplicada e garantias oferecidas - é complicada. Os bancos, ao concentrarem grande
número de agentes e interpor o seu balanço entre emprestadores e tomadores últimos,
solucionam este problema.
A presença de informação assimétrica levou à sofisticação deste argumento. Para
Terlizzese (1988) e Wang e Williamson (1998), a assimetria de informação justifica a
12
preferência dos poupadores em emprestar recursos indiretamente, através dos bancos,
em vez de diretamente. Novamente as economias de escala e escopo são fundamentais
para que os bancos possuam vantagem em fazer a avaliação e a seleção dos tomadores.
Dois aspectos são particularmente importantes para os bancos desempenharem
bem a tarefa de avaliar e selecionar tomadores. Primeiramente, o estabelecimento de
relacionamentos de longo prazo (comentado anteriormente) permite que o banco possa
acompanhar tomadores potenciais e obter informações ao longo de um período maior do
que o emprestador individualmente. Concomitantemente, o banco diminui os custos
associados à informação ao recuperar o tempo e esforço empreendido em diversas
operações beneficiadas por estes dados. Adicionalmente, a diversidade de atividades
desempenhadas pelos bancos oferece ganhos informacionais. Bancos possuem
informação privilegiada sobre a situação do cliente, visto que operam o sistema de
pagamentos e, assim, acompanham o fluxo de caixa das empresas e das famílias. O
acesso à movimentação bancária gera valiosas informações sobre o perfil dos clientes,
informações estas que são posteriormente utilizadas na concessão de crédito.
A atuação dos bancos na atividade de “delegated screening”, ou seja, na
avaliação e seleção dos tomadores de recursos em lugar dos depositantes requer ainda
uma estrutura de incentivos para que o banco desempenhe satisfatoriamente esta tarefa.
Os depósitos fixos em valores nominais são importantes para os clientes não
ficarem sujeitos a problemas de informação assimétrica em relação ao banco e assim
que aceitarem os empréstimos indiretos (Goodhart, 1986 e 1987). Calomiris e Kahn
(1991) mostram que depósitos à vista criam incentivos que solucionam o problema de
agente-principal entre clientes e banco. A qualquer momento que o cliente ficar
insatisfeito, ele tem a possibilidade de retirar os recursos. Se todos os clientes acreditam
que há risco de não reaver os recursos porque o banco adotou uma política de concessão
de crédito muito agressiva ou mesmo arriscada, o banco pode sofrer corrida bancária e
tornar-se insolvente. Desta forma, a fragilidade da estrutura de capital é uma forma de
impor disciplina, isto é, cria incentivos fortes para o banco cuidar de sua credibilidade e
executar a seleção de tomadores cautelosamente. Adicionalmente, o banco também
13
investe capital próprio7. A colocação de capital próprio em risco resolve as questões da
apropriabilidade da informação e da credibilidade para revenda de informação. É uma
estrutura de incentivos que torna a produção de informação acerca dos tomadores
potenciais eficiente8.
Em termos do funcionamento do mercado de crédito, há que se concordar com
os muitos autores que consideram a atividade bancária de avaliação e seleção de
tomadores mais complexa e mais importante do que monitoramento ex post abordado
pelo grupo de modelos anterior.
Gorton e Winton (2002: 26) sintetizam, então, a visão de bancos como gestores
de informação da seguinte forma:
“Theories of the existence of bank-like financial intermediaries link banks’
activities on the asset side of their balance sheets with the unique liabilities
that banks issue on the liability side of their balance sheets. Such a link is
important for establishing what it is that banks do that cannot be replicated
in capital markets. As we have seen, these arguments take two linked forms.
First, the banks’ balance sheet structure may ensure that the bank has
incentive to act as delegated monitor or information producer. Second, by
virtue of holding a diversified portfolio of loans, banks are in the best
position to create riskless trading securities, namely, demand deposits.”
Esta característica das instituições bancárias possui impacto sobre os seus ativos.
As vantagens que os bancos possuem na gestão da informação e em evitar os problemas
inexoráveis decorrentes de informação assimétrica, levam estas instituições a obterem
informações exclusivas, e não públicas, sobre os tomadores de empréstimos e seus
projetos de gasto. Este valor gerado pelo banco é apropriado através dos empréstimos
bancários, que por natureza são não-comercializáveis ou tem comercialização muito
restrita. Dada a exclusividade da informação produzida por bancos, os contratos
decorrentes não conseguem ser avaliados precisamente pelo mercado e, por
conseqüência, são ativos de baixa liquidez. Ou seja, bancos se especializam na
aquisição de ativos informação-intensivos, aproveitando suas vantagens naturais, e
conseqüentemente possuem ativos menos líquidos.
7
A importância e os incentivos associados ao capital próprio servem como base para os requisitos de
capital exigidos pelo Acordo de Basiléia.
8
Atualmente, muitas destas questões de incentivo se colocam em relação às firmas de rating. Diversos
autores consideram que a ausência de comprometimento de capital e de outros incentivos fortes sugere
cautela em relação às informações produzidas por estas instituições.
14
Bossone (2000: 8) explicita esta relação entre o papel central da informação na
atividade bancária e a natureza dos ativos destas instituições:
“The credit view of bank specialness underscores the relevance of banks’
informational advantage vis-à-vis individual investors. Banks specialize in
extracting and processing information concerning borrowers through their
close relationship with them and in a way that is not replicable by
individual investors. Bank information may be very exclusive and made
unavailable to others. This is tantamount to saying that loans are illiquid to
depositors and non negotiable in the market.”
A ausência de liquidez decorrente do conteúdo informacional dos contratos
bancários é agravada pelas características de customização, idiossincrasia e tratamento
personalizado, que buscam a adequação dos termos dos contratos às necessidades tanto
do tomador quanto da instituição bancária. Isto leva Dalziel, (2002: 524) a afirmar que
“credit is not a commodity in any sense of the word”.
A forma com que os bancos lidam com o problema da informação e em especial
da informação assimétrica pode ser um motivo para eles permanecem como fonte de
financiamento importante, mesmo na economia americana, e deixarem o mercado de
capitais em posição secundária (Stiglitz, 1994: 21). Segundo Gorton e Winton (2002: 1),
atualmente bancos continuam sendo a fonte externa de financiamento predominante em
todos os países.
A tendência das últimas décadas de acirramento da concorrência nos mercados
financeiros e da reação dos bancos no sentido de diversificarem as suas atividades não
parece ter alterado a característica dos bancos como gestores de informação. Ao
contrário, à medida que bancos foram se tornando cada vez mais universais, a
exploração de sinergias e economias de escala e escopo tenderam a exacerbar esta sua
função. O fornecimento de uma gama mais ampla de produtos e serviços financeiros
permite que os bancos consolidem ainda mais a relação de longo prazo com os clientes
e empresas. Os bancos universais podem acompanhar o ciclo de vida das firmas,
adaptando-se às necessidades financeiras da firma a cada momento. Como observa
Santos (1998: 5):
“the information available about a firm, its financial needs and its
reputation change over its life cicle. As a result, a firm's ability to raise
funding through the various fiancial instruments available and its ability to
access the different providers of funding also changes over its life cycle.”
15
Quando a empresa é nova e geralmente pequena e desconhecida, a assimetria de
informação é um problema grave. Nesta fase, o financiamento bancário parece ser mais
apropriado, visto que o alto custo de obtenção de informações pode ser recuperado nos
ativos mantidos no balanço da instituição (e nos outros serviços fornecidos para firma).
À medida que a empresa cresce e se torna conhecida, o banco pode passar o
financiamento para o mercado, ainda aproveitando-se do conhecimento sobre a firma
adquirido ao longo do relacionamento estabelecido mas reduzindo custos ao economizar
em monitoramento e reduzir o risco de crédito. Assim, no decorrer do ciclo, o banco
universal é capaz de dar suporte à firma em todos os momentos e constrói uma relação
de longo prazo (aparentemente) benéfica para ambos.
Desta forma, a quantidade, a diversidade e potencialmente a qualidade das
informações obtidas pela instituição bancária aumentam. Este conhecimento mais
apurado das empresas auxilia os bancos na tarefa de discernir boas oportunidades de
maus negócios. Já o custo de obter as informações pode ser distribuído ao longo do
tempo e dos diversos serviços oferecidos.
O ganho informacional também proporciona um melhor desempenho dos bancos
na colocação de títulos no mercado, atividade típica de bancos de investimento. Santos
(1998: 11) cita exemplos de estudos empíricos comprovando que os títulos colocados
por bancos universais mostram ter melhor performance e preços mais altos do que
títulos comparáveis colocados por bancos de investimento especializados. Os bancos
parecem transmitir um certificado de qualidade ao título e isto é reconhecido pelo
mercado.
2.3 O banco como gestor de riscos
Não obstante a ênfase de autores novo-keynesianos no papel do banco como
gestor de informações e como uma instituição apta a lidar com os problemas de
informação assimétrica intrínsecos à transferência de recursos entre agentes
superavitários e agentes deficitários, há uma outra dimensão da atividade bancária que
também é bastante discutida na literatura. Esta dimensão diz respeito à atividade
16
bancária enquanto uma atividade de assunção de riscos9. Allen e Santomero (1999: 2)
confirmam esta afirmação ao constatar que:
“Although the precise way in which risk is managed may have changed,
intermediaries have always been engaged in risk management, broadly
defined.”
Como visto na seção anterior, bancos em sua caracterização mais essencial são
instituições que captam depósitos à vista do público e realizam empréstimos para
empresas ou famílias. No seu ativo, então, bancos mantêm empréstimos por natureza
ilíquidos e geralmente com taxas de juros fixas e no seu passivo eles mantém depósitos
com valor nominal garantido e que podem ser retirados sempre que os depositantes
assim o desejarem. Em suma, no banco tradicional, o ativo é essencialmente ilíquido e
passivo é totalmente líquido.
Por outro lado, a esta diferença na natureza de ativos e passivos corresponde
também uma diferença de maturidades de ativo e passivo. O passivo bancário composto
de depósitos à vista pode ser liquidado a qualquer momento de acordo com a demanda,
isto é, trata-se de um passivo de curto prazo. Já os empréstimos bancários são ativos de
prazo mais longo.
A atividade bancária, portanto, é caracterizada pelo descasamento no balanço.
Para Minsky (1986), isto confere uma natureza essencialmente especulativa10 aos
bancos que se viabiliza através das economias realizadas devido ao montante de
operações, que permitem reduzir riscos e tornam os bancos capazes de transformar
maturidades e oferecer liquidez.
Como conseqüência, a estrutura financeira dos bancos é particularmente frágil.
Eles operam com grande alavancagem e exploram a curva de rendimentos,
beneficiando-se do descasamento do balanço para aumentar lucros. Nesta atividade eles
correm diversos riscos e tornam-se vulneráveis. Em especial, como os bancos são, por
construção, ilíquidos, mesmo um banco solvente pode se tornar insolvente, como
9
É importante destacar que, como será visto mais adiante, bancos não desejam e nem conseguiriam
eliminar todos os riscos aos quais estão expostos. Também por este motivo é que bancos são reconhecidos
pela sua gestão de riscos.
10
Uma instituição especulativa, nos termos de Minsky, possui compromissos contratuais que excedem as
suas receitas em determinados períodos, embora a instituição seja solvente. Isto exige que ela refinancie
as suas obrigações ao longo do tempo, a fim de enfrentar a sua iliquidez.
17
enfatizam Keynes (1930) e Minsky (1986). Isto porque ele pode ser obrigado a vender
seus ativos por um preço abaixo do seu valor real ou normal de mercado, caso os
depositantes decidam retirar um volume elevado de recursos do banco. Em situações de
corrida bancária, os bancos podem inclusive gerar riscos para a economia como um
todo.
De acordo com Hermann (2002: 208), bancos assumem o risco de crédito, o
risco de juros, o risco de liquidez e também o risco de mercado no lugar dos
poupadores.
Ao conceder empréstimos aos clientes, o banco incorre no risco de crédito, ou
seja, o risco do tomador não efetivar o pagamento dos valores devidos. Na seção
anterior, vimos que o fato do banco assumir o risco de crédito em nome do agente
superavitário é fundamental para que ele exerça sua atividade gestor de informação e
resolva problemas de assimetria de informação. As diferentes atividades da instituição
bancária no sentido de obter e avaliar informações, selecionar potenciais tomadores,
bem como monitorar o comportamento dos mesmos após a concessão de empréstimos
são formas de procurar reduzir o risco de crédito.
Adicionalmente, como também visto anteriormente, a diversificação é outro
expediente usado pelos bancos que permite reduzir os riscos envolvidos nos
empréstimos, especialmente o risco específico de um ativo ou pequeno conjunto de
ativos. No entanto, a diversificação não é capaz de eliminar todos os riscos. Quanto aos
riscos idiossincráticos, o banco enfrenta o risco residual devido à imperfeita
divisibilidade do portfólio. Já os riscos sistemáticos, por definição, afetam a todos os
ativos da economia. Um exemplo esclarecedor é uma situação de recessão. Todas as
empresas são atingidas e terão as suas vendas reduzidas ou pelo menos o ritmo de
expansão programado será reduzido. Com menores receitas, pode-se afetar a
possibilidade de honrar os compromissos financeiros. Resumindo, o banco assume o
risco de crédito e adota expedientes para reduzi-lo. Entretanto, estas medidas certamente
não conseguirão eliminar completamente o risco de crédito enfrentado.
Como o banco trabalha com descasamento de maturidades entre ativo e passivo,
ele também incorre no risco de juros. No caso de aumento da taxa de juros, o passivo é
reajustado praticamente de imediato, pois ele possui prazo mais curto e geralmente o
18
intervalo de revisão dos juros oferecidos é menor, quando a taxa de juros não é ajustada
imediatamente. Do lado do ativo, porém, o banco tende a possuir contratos de prazos
mais longos e cujas taxas de juros são fixas ou que estejam sujeitas a prazos de revisão
maior do que a revisão das obrigações bancárias. Então, a elevação da taxa de juros
aumenta o custo de captação dos recursos para os bancos, enquanto a remuneração dos
ativos mantém-se em um patamar mais baixo. O banco incorre em redução do spread,
isto é, redução na diferença entre a taxa de juros da captação de recursos e a taxa de
juros dos ativos bancários. No limite, o spread pode ser totalmente eliminado ou mesmo
o banco pode se ver com um spread negativo.
Um risco especialmente enfatizado no caso de instituições bancárias é o risco de
liquidez. O passivo de curto prazo, em particular os depósitos à vista, tornam este risco
uma preocupação constante para os bancos. O compromisso de converter depósitos à
vista em moeda imediatamente, sempre que o correntista assim desejar, leva os bancos a
manterem uma parcela de recursos líquidos para fazer frente a eventuais decisões de
saque pelos clientes.
Segundo Tobin (1963), a chamada “visão velha” da firma bancária baseada na
concepção do multiplicador monetário não permitiria uma reflexão completa sobre o
risco de liquidez. Esta concepção admite implicitamente que o banco é monopolista e
não sofre retirada de depósitos exceto pela preferência do público entre moeda e
depósitos à vista. Quando o sistema bancário é composto de mais agentes, naturalmente
a questão dos saques se recoloca em outros termos. Não basta fazer frente às decisões de
saque que visam à obtenção de papel moeda. O banco também precisa fazer frente às
decisões de transferência de recursos entre as diferentes instituições do sistema
bancário.
Para dar conta desta questão, há um conjunto de modelos11 que tratam do risco
de liquidez. Em geral, o passivo é considerado um dado e cabe ao banco decidir a
composição do ativo entre empréstimos e reservas.
Nos modelos ortodoxos de gerenciamento de reservas, o volume total dos
depósitos à vista de um banco é uma variável aleatória e o banco está sujeito ao risco de
11
Para uma resenha destes modelos, bem como outros que seguem a abordagem de Santomero (1984),
ver Bezerra (1995) ou Machado (1995).
19
retirada de recursos pelos depositantes a qualquer instante. Supõe-se também que a
obtenção de recursos no interbancário ou através do redesconto oferecido pelo banco
central impõe custos, sejam eles diretos (como juros pagos) ou indiretos (como a perda
de reputação). O banco então escolherá um nível de reservas ótimo com o objetivo de se
precaver frente à possibilidade de ter que vir a recorrer ao interbancário ou ao
redesconto. O nível de reservas escolhido depende da distribuição de probabilidade de
saques pelos correntistas12, que é calculada com base na observação de depósitos
ociosos. Como a precaução do banco implica custos, ele somente faz hedge em relação
ao nível mais provável de saques.
Um risco enfrentado pelos bancos que pode ser considerado uma variação do
risco de liquidez é o risco de solvência. Há situações menos freqüentes, nas quais os
clientes perdem a confiança que depositam no banco e optam por realizar um volume de
saques especialmente alto. Nestas ocasiões, o banco pode se ver obrigado a se desfazer
dos ativos. Como bancos tendem a manter ativos ilíquidos, seu preço de revenda no
mercado é menor do que o seu valor para o banco. Dada a natureza dos ativos bancários,
mesmo um banco solvente pode se tornar insolvente quando enfrenta um volume de
saques atípico.
Um conjunto de modelos de escolha de passivo procura responder a este risco de
solvência. A decisão de passivo, nos modelos convencionais de teoria da firma bancária,
normalmente é colocada entre depósitos e capital próprio e considera-se o ativo como
dado. O capital próprio cumpre a função de defesa contra crises agudas de liquidez que
podem levar à insolvência. O banco compara, então, os custos associados aos depósitos
com o custo do capital próprio para cobrir deficiências de liquidez. Em equilíbrio, o
custo marginal do capital próprio tem que ser igual ao custo marginal da iliquidez.
Por fim, vale lembrar que a caracterização do banco feita até o presente
momento é muitas vezes simplista e capta somente os elementos essenciais de acordo
com a literatura que foi apresentada. Para introduzir a noção de risco de mercado é
importante lembrar que os bancos normalmente possuem ativos negociáveis no seu
balanço, ao lado das reservas e de empréstimos bancários. A manutenção destes ativos
cumpre muitas vezes a função de reservas secundárias, que são utilizadas em caso de
12
Nestes modelos supõe-se informação perfeita, o que torna as distribuições de probabilidade conhecidas.
20
saques pelos clientes. Sua vantagem em relação às reservas é que estes ativos possuem
uma remuneração positiva. Neste contexto, o banco incorre também em risco de
mercado, isto é, o risco de mudança de preços dos ativos negociáveis mantidos pela
instituição.
Os riscos elencados e discutidos acima são riscos inerentes à atividade bancária
e à natureza da sua estrutura financeira frágil. Embora os bancos procurem sempre a
melhor forma de lidar com estes riscos, é impossível eliminá-los exceto encerrando a
própria atividade bancária. A tarefa que se coloca, portanto, é a correta e competente
administração destes riscos, na qual bancos se mostram mais habilitados do que outros
agentes econômicos.
Nas últimas décadas, as inovações financeiras e as transformações institucionais
tenderam a modificar e também exacerbar a atividade bancária de assunção de riscos.
Neste período, observou-se um processo intenso de avanço da securitização e de formas
desintermediadas de transferência de recursos entre agentes superavitários e agentes
deficitários. O mercado de commercial papers e os fundos mútuos operando no
mercado monetário apresentaram crescimento impressionante. Os mercados financeiros
tornaram-se mais sofisticados e proliferaram novos ativos, em especial, ativos que
cumprem a função de quase-moedas.
A atividade bancária tradicional, representada pela captação de depósitos e
concessão de empréstimos como visto acima, perdeu relevância em termos quantitativos
nos países industrializados. Entre 1950 e 1998, seguradoras e bancos passaram de uma
participação de 75% nos ativos financeiros dos Estados Unidos (EEUU) para apenas
35% (Allen e Santomero, 1999). Em contrapartida, fundos de pensão e fundos mútuos
aumentaram sua participação no mercado estado-unidense de 6% para 43%.
Movimentos semelhantes são observados em outros mercados, embora no Japão e na
Europa continental o ritmo destas mudanças seja mais lento.
Esta queda de participação dos bancos pode ser explicada pela competição
enfrentada por eles em duas vertentes: (i) commercial papers e outros títulos tornaramse alternativas muitas vezes mais baratas ao crédito bancário e (ii) o crescimento do
mercado monetário e de fundos mútuos criou alternativas mais lucrativas para o público
do que os tradicionais depósitos bancários.
21
Apesar da intensa competição, os bancos foram capazes não apenas de manter
como aumentar a sua participação no PIB dos EEUU (Allen e Santomero, 1999),
indicando que eles não perderam importância na economia. A competição, entretanto,
levou os bancos a buscarem novas atividades, privilegiando serviços cujo retorno fosse
baseado em tarifas (fee-based activities) e serviços de maior valor adicionado.
Revelaram-se oportunidades de diversificação das atividades, com foco na
intermediação “não-bancária” e na provisão de serviços financeiros em geral. Entre os
“novos serviços” destacam-se as operações de underwritting, os serviços de corretagem,
a administração de ativos, a constituição de fundos mútuos e as atividades de seguro. A
atividade considerada principal nos bancos também sofreu alterações. Na concessão de
crédito, os bancos passaram a apoiar menos a atividade comercial e industrial do que o
consumo das famílias e a aquisição de ativos de segunda-mão, inclusive para fins
especulativos. Paralelamente a estas transformações nas instituições bancárias, o setor
também passou por uma intensa reorganização. Através do processo de consolidação,
aumentou a concentração no mercado.
Com as mudanças nos mercados financeiros e nas instituições bancárias, Allen e
Santomero (1996) argumentam que a atividade bancária atualmente é cada vez mais
voltada para negociação e para administração de riscos. Segundo estes autores (Allen e
Santomero, 1999: 19), como os custos de participação nos mercados financeiros são
muito altos, “[m]uch of what modern intermediaries do is to interface between
individuals and increasingly complex financial markets”.
Além disso, o balanço dos bancos ficou muito mais complexo. As obrigações
financeiras sofreram transformações que fizeram o ativo e o passivo bancário perderem
definição. No ativo, por exemplo, empréstimos bancários e a emissão de títulos estão
cada vez mais semelhantes. Soma-se a isto a crescente diversificação da atividade
bancária e seu impacto sobre a complexidade do balanço dos bancos.
Neste contexto, a segurança de um banco passa a depender da estrutura do seu
balanço. Como os mercados e produtos não se correlacionam perfeitamente e existe
relativa independência dos segmentos, os riscos não são combinados de forma aditiva.
A dificuldade de trabalhar a gestão de riscos neste ambiente de complexidade e riscos
não-aditivos certamente passou a exigir mais das instituições bancárias.
22
A sofisticação do mercado financeiro não trouxe apenas problemas para as
instituições financeiras. Como atestam Carey e Stulz (2005: 4):
“Developments in capital markets, especially the growth in derivatives
markets, increased the tools available to firms to take on and manage
risks.”.
Os bancos ganharam instrumentos poderosos para gestão de riscos como o
processo de securitização e as operações com derivativos. Estes instrumentos permitem
que o banco não apenas transforme os riscos que enfrenta, como também permite a
transferência daqueles riscos que a instituição não pode ou não quer enfrentar. Os
derivativos são extremamente convenientes para a gestão de riscos, porque permitem
decompor e negociar separadamente cada um dos riscos de uma transação. Atualmente,
o mercado financeiro opera com diferentes tipos de derivativos, desde os tradicionais –
referenciados a taxas de juros e moedas – até os derivativos econômicos e derivativos de
crédito.13 Particularmente para os riscos que não permitem diversificação, pode ser
interessante transferí-los para agentes mais tolerantes ou mais dispostos a tomarem estes
riscos. Ademais, os derivativos viabilizam o atendimento de necessidades específicas,
como nos contratos de swap. Através destes contratos qualquer agente pode mimetizar
condições que não estão diretamente disponíveis para ele no mercado.
Por outro lado, as operações derivativas também criaram novas oportunidades de
ganhos financeiros. A grande vantagem dos ganhos auferidos nestas operações é a baixa
necessidade de recursos e a possibilidade de trabalhar com alavancagens elevadas. Isto
serve como um incentivo adicional para o banco, visto que os indicadores tradicionais
de performance da instituição – rentabilidade sobre o ativo ou rentabilidade sobre o
patrimônio líquido - podem melhorar muito.
A possibilidade de ganhos, entretanto, também envolve risco de perda. Revelase, assim, a contrapartida da baixa necessidade de recursos para obter ganhos em
operações com derivativos: é possível tomar riscos elevados nestas operações e isto
13
Os derivativos de crédito são referenciados a um ativo de crédito ou portfólio de ativos de crédito,
sejam eles títulos ou até empréstimos bancários. O mercado de derivativos de crédito atingiu um volume
de contratos estimado em US$ 17 trilhões ao final de 2005 (FMI, 2006). Já os derivativos econômicos
ganharam expressão a partir de 2002 e são instrumentos cujos pagamentos estão relacionados a eventos
macroeconômicos como crescimento do PIB, índices de inflação e desemprego, resultados da balança
comercial entre outros.
23
passar praticamente desapercebido para quem olha somente o balanço da instituição.
Um exemplo ilustra bem esta questão. Quando o banco incorria em risco de juros na
atividade tradicional, este risco se caracterizava por uma sinalização explícita através do
balanço, com registro de ativos e passivos com maturidades distintas. Atualmente,
porém, um swap de juros pode gerar um grande risco de juros. No entanto, o valor de
registro do swap no balanço não é um bom indicador de qual é o risco de juros
envolvido na operação. Somente com as chamadas de margem e a necessidade de seu
registro é que as perdas encontram expressão nas demonstrações contábeis.
Seja devido à sua utilidade na gestão de riscos, seja tendo em vista as
possibilidades de ganhos financeiros, as operações com derivativos, chamadas também
de operações fora do balanço, se tornaram muito mais freqüentes. Conseqüentemente, o
balanço, que hoje se apresenta mais complexo, deixou de ser um guia seguro para
avaliação da liquidez e risco das instituições financeiras (Federal Reserve Bank of New
York, 1990: 119).
A gestão de riscos nas instituições bancárias passou a receber maior atenção a
partir das crises financeiras que tornaram-se mais freqüentes e mais diversificadas nas
últimas décadas.14 Nos anos 1980, percebeu-se a concentração em tomadores e falhas na
mensuração do risco de crédito. Nas crises mais recentes, destacaram-se os grandes
movimentos nos preços de ativos e as grandes contrações na liquidez do mercado.
Avanços na tecnologia tornaram também o fluxo de informações mais rápido e
mudaram a velocidade em que eventos afetam preços, reduzindo o tempo disponível
para as instituições bancárias efetuarem ajustes em suas operações.
Características dos mercados financeiros em sua configuração atual levam a
acreditar que a sua instabilidade é inerente e que o melhor que as instituições têm a
fazer é avaliar e mensurar os riscos enfrentados e procurar adotar medidas de precaução.
Com já destacava Keynes (1936), em momentos de incerteza os agentes deixam
de confiar em suas projeções e optam por seguir a opinião de outros agentes do
mercado, na esperança de que eles tenham mais informações sobre a trajetória de preços
14
Dentre as crises, Carey e Stulz (2005) destacam as crises da dívida de países emergentes na década de
1980, as quebras da bolsa em 1987 e 1989, as falências de bancos no final dos anos 1980 e início dos
1990, a crise do LTCM, e as crises dos mercados emergentes nos anos 1990.
24
no futuro. Esta estratégia reduz as chances de grandes perdas decorrentes de
prognósticos que se revelem incorretos e por isto é adotada principalmente pelos
administradores de fundos e gestores terceirizados de investidores institucionais. A
conseqüência deste comportamento racional dos agentes é criar convergência de
opinião. Nos mercados de ativos financeiros, o comportamento de manada leva a
movimentos bruscos de preço. A busca de liquidez simultaneamente por todos os
agentes evidencia uma característica há muito enfatizada por Keynes: “As Keynes
emphasized, there is no such thing as liquidity for the system as a whole.” (Kregel,
1995: 17). Assim, nas palavras de Carey e Stulz (2005: 15), “worries about future
liquidity can lead to crashes as investors rush for the exists”.
Como as formas tradicionais de lidar com risco nas instituições bancárias
provaram-se inadequadas frente às crises, foram desenvolvidas novas técnicas e
modelos formais e quantitativos para mensuração e administração dos riscos
enfrentados. Ainda no final dos anos 1980, somente o risco de juros possuía medida
quantitativa.
Tendo em vista que as situações de perda são as mais temidas pelas instituições
financeiras porque representam a probabilidade de falência, a moderna gestão de riscos
enfatiza a previsão da distribuição de probabilidade especialmente de situações
adversas. Além disso, a inclusão de derivativos torna a distribuição do risco assimétrica.
Esta assimetria torna as medidas de simples volatilidade incompletas. Faz-se necessário
conhecer o perfil da cauda da distribuição para uma correta avaliação dos riscos de
perda. Somente desta maneira é que a instituição pode tomar decisões conscientes sobre
a composição da sua carteira e sobre a adequação da estrutura de capital. Na perspectiva
adotada nesta abordagem, o capital é essencial porque é a maneira da instituição se
proteger e maximizar o valor da firma para o acionista.
Considerando a ênfase dos bancos em evitar perdas (downside risk) (Gorton e
Winton, 2002: 51), a técnica mais utilizada são os modelos de valor em risco (Value at
Risk - VAR). Os modelos VAR medem o valor esperado máximo que seria perdido
considerando um determinado nível de confiança, em geral 95%. Equivalentemente, os
modelos medem a perda que seria excedida com probabilidade de 5%. Ou seja, os
modelos VAR apresentam uma medida quantitativa e simples do risco de perdas
financeiras enfrentadas pelo banco.
25
Cada atividade bancária passa a ser avaliada não apenas pelo seu impacto sobre
a rentabilidade, mas também tendo em vista a sua contribuição para o risco global da
instituição. Assim, a concessão de crédito a um novo tomador está subordinada ao
impacto sobre o risco. Ainda que os modelos VAR considerem os ganhos advindos da
diversificação, geralmente quanto maior o montante do empréstimo, maior o risco que
ele oferece à instituição bancária em caso de default. Vale destacar que mesmo com
uma probabilidade média de default extremamente baixa, a medida de risco dos
modelos VAR pode não recomendar a concessão de crédito. O spread baixo pode ser
insuficiente para compensar uma eventual perda e o retorno requerido sobre o capital
próprio.
Apesar do risco ser conceitualmente da instituição bancária como um todo, as
suas medidas e os correspondentes modelos de valor em risco podem ser classificados
nas seguintes categorias, que acompanham em grande medida a classificação dos
diferentes tipos de riscos enfrentados pelos bancos proposta anteriormente: risco de
mercado, risco de crédito e risco operacional. A decomposição permite identificar e
mensurar os diferentes tipos de risco, para depois avaliar as eventuais relações entre eles
e calcular a exposição de risco global.
O risco de mercado, como apontado acima, decorre das oscilações de preços de
instrumentos financeiros comercializáveis. Atualmente, os bancos se expõem a um
conjunto muito grande de ativos que geram risco de mercado, inclusive nas operações
com derivativos discutidas anteriormente. Através de derivativos e do serviço de market
making, os bancos tomam posição em moedas, ações e commodities e se expõem aos
riscos de que seus valores variem. O risco de mercado também inclui o risco de juros,
através do seu efeito sobre o preço dos ativos. Os modelos VAR tratando de risco de
mercado foram os primeiros modelos de ampla utilização e procuravam obter uma
medida de risco para a carteira como um todo.
Posteriormente foram desenvolvidos modelos VAR para a gestão do risco de
crédito. Apesar da importância do crédito na atividade bancária, durante muito tempo os
bancos continuaram adotando a análise de crédito tradicional e somente nos anos 1990 é
que se desenvolveram modelos com o objetivo de quantificar o risco de crédito. Este
fato em certa medida surpreendente tem justificativa na dificuldade da modelagem. Os
dados não são amplamente disponíveis e quando divulgados possuem menor freqüência.
26
Faz-se necessário também incorporar fatores macroeconômicos e setoriais. Estes
modelos VAR para risco de crédito ganharam impulso a partir de dois fatores. Em
primeiro lugar, os modelos foram uma resposta às perdas sofridas pelos bancos estadounidenses na recessão do biênio 1990-1991. Mas o fator mais importante e que gerou
maior incentivo para o desenvolvimento destes complexos modelos foram as
modificações do Acordo de Basiléia. Elas eximiram os bancos de seguir a tabela de
requerimento de capital fixada desde o Acordo de Basiléia I, desde que os bancos
utilizassem modelos próprios de avaliação de risco e seguissem o requerimento de
capital resultante destes modelos. Como os requerimentos de capital de Basiléia I eram
muito altos no caso de empréstimos bancários, criou-se um incentivo forte para o
desenvolvimento ou compra de modelos de gestão de risco de crédito.
O terceiro e último tipo de risco é o risco operacional. No critério do Acordo da
Basiléia, o risco operacional é o risco associado a falhas de processos internos,
envolvendo pessoas ou sistemas. Muitas vezes ele também agrega todos os demais
riscos que não o risco de mercado e o risco de crédito.
Em um survey sobre administração de riscos em intermediários financeiros,
Carey e Stulz (2005) propõem a inclusão de mais três tipos de risco: o risco de liquidez,
o risco estratégico e o risco de negócio. Embora o risco de liquidez possa normalmente
ser tratado como um tipo de risco de mercado, em situações extremas a venda de ativos
e a colocação de obrigações deixam de ser questão de preço apenas (como proposto
anteriormente). Em crises de liquidez, ocorre um descolamento entre preço de mercado
momentâneo e a sua média histórica. Já o risco do negócio e o risco estratégico
envolveriam as noções de fluxo de caixa em risco (Cash Flow at Risk - CAR) e de
receitas em risco (Earnings at Risk – EAR). A diferença entre os modelos pode ser
atribuída em grande medida ao horizonte de avaliação. O risco de negócio envolve um
horizonte menor, enquanto para o risco estratégico o horizonte relevante é de prazo mais
longo.
A agregação destes riscos, para obter uma medida única do risco enfrentado por
uma instituição, não é imediata. Trata-se de aspectos muito diferentes da atividade
bancária, com horizontes temporais distintos. O risco de mercado é de prazo muito mais
curto, geralmente dias. Já o risco de crédito e o risco operacional são mensurados no
horizonte de cerca de um ano. Além disso, a diversificação e concentração da atividade
27
bancária15 elevou a complexidade e o número de aspectos a serem considerados, em um
contexto em que as correlações condicionais são muito difíceis de medir.
É preciso reconhecer também que a prevenção a riscos possui limitações
inerentes. Uma delas está relacionada ao risco de liquidez como definido por Carey e
Stulz (2005). Qualquer abordagem, ou modelo (como o modelo de valor em risco VAR), que tenta captar situações extremas está sujeita a imprecisão. O grande problema
decorre do uso de dados históricos para antecipar situações futuras. A mera mudança do
período contemplado, incluindo ou não uma crise anterior, pode resultar em grandes
diferenças para estratégia de prevenção a riscos. No caso de procurar antecipar situações
extremas e de ruptura, existe muita dificuldade para obter dados e conseguir incorporálos em algum modelo ou esquema analítico quantificável. Quando a volatilidade
aumenta, o modelo teria que elevar o peso atribuído ao passado recente de forma a
captar os sinais de mudança e antecipar a crise. Os dados históricos podem também
simplesmente não contemplar todas as possibilidades futuras16.
Esta dificuldade de modelar situações de volatilidade e as correlações em
situações extremas levou as instituições a optarem pela complementação com a análise
de cenários e o uso de testes de stress (stress tests). No entanto, os cenários elaborados
dependem da capacidade do proponente inventar e imaginar possíveis situações de crise
no futuro. Por melhor que este trabalho seja feito, não há como verificar se todas as
alternativas foram levantadas e não há nenhuma garantia de que a análise seja completa.
O uso de medidas adicionais de risco e a opção por não recorrer somente aos
modelos VAR também decorre do chamado risco do modelo, isto é, a preocupação dos
bancos com o uso de modelos inadequados. Um modelo ruim pode levar a instituição a
tomar grandes riscos que talvez não tomaria se não estivesse usando este modelo. Por
fim, reguladores tendem a enfatizar um aspecto que também afeta aos bancos. Como
destacam Carey e Stulz (2005: 18):
15
A adoção de modelos de valor em risco também contribui para aumentar a concentração bancária. O
custo de possuir um modelo VAR é elevado, em especial o custo fixo. Assim, instituições maiores tem
condições de gerenciar riscos de maneira mais eficiente.
16
Em um ambiente onde predomina a incerteza forte ou incerteza fundamental, dados históricos sempre
serão incompletos para antecipar o futuro.
28
“The most common concern is that if financial institutions adopt a common
risk modeling framework, their tendency to herd will be amplified and
markets may be destabilized (…).”
Por estes motivos é importante que um grupo de profissionais faça uma revisão e
avaliação crítica dos resultados obtidos pelos modelos.
Em síntese, esta seção mostrou que a administração de riscos sempre fez parte
da atividade bancária, desde o banco comercial canônico de Kregel que somente capta
depósitos e realiza empréstimos. Nas últimas décadas, as mudanças no sistema
financeiro e a crescente diversidade e complexidade das atividades bancárias tornaram
imprescindível que os bancos enfatizassem ainda mais a gestão de riscos. Para Carey e
Stulz (2005: 9):
“As has been emphasized by Merton (1993) and others, risk management is
uniquely important for financial institutions because, in contrast to firms in
other industries, their liabilities are a source of wealth creation for their
shareholders. (...) Because its franchise value depends on its risk, a
financial institution has an optimal level of risk that maximizes its value for
its shareholders. Risk minimization is never optimal because there cannot
be a franchise value without taking risks, so that the firm always faces costs
and benefits when its risk level increases.”
Compreender bancos como administradores de risco, significa que enfrentar
riscos faz parte das atividades bancárias e que isto afeta decisivamente o seu
comportamento, desde a sua escolha de balanço até a rentabilidade bancária. Por
estarem sujeitos a eventos cujo resultado não está definido, bancos adotam
determinados padrões de comportamento para se protegerem principalmente dos
eventos adversos. Deste modo, a assunção de riscos é uma dimensão fundamental, sem
a qual possivelmente a racionalidade das escolhas de bancos não pode ser
compreendida.
2.4 O banco como gestor do sistema de pagamentos e criador de depósitos
As concepções do banco como gestor de informações e como gestor de riscos
vistas nas seções 2.2 e 2.3 respectivamente, apesar de enfatizarem características
29
importantes das instituições bancárias, não necessariamente explicitam o que existe de
essencial e único na atividade dos bancos. A questão maior é procurar entender no que
bancos são especiais, ou seja, no que eles se distinguem das demais instituições
financeiras, e do próprio mercado de capitais, que desenvolvem atividades de
intermediação aparentemente semelhantes.
Esta seção vai procurar demonstrar que o que distingue bancos das demais
instituições financeiras é a sua capacidade de criar liquidez ou, nas palavras de Fontana
e Palacio-Vera (2002: 556, grifo nosso) “[its] exclusive power of creating liquidity”.
Piegay (1999: 265) vai além e afirma que o papel primordial dos bancos é criar moeda:
“the banks’ primary job is to create money”. Esta capacidade de bancos criarem moeda
tem origem no fato deles operarem o sistema de pagamentos e suas obrigações, os
depósitos à vista, adquirirem natureza monetária.
Esta visão de banco como criador de liquidez se opõe à visão tradicional, mas
ainda atual, na qual bancos são “financial intermediaries that issue deposits and use the
proceeds to purchase securities.” (Fama, 1980: 39). Quando bancos são apenas
intermediários de recursos, a questão relevante é o processo de alocação de recursos
dados, determinados pelas decisões dos agentes superavitários. A decisão fundamental é
do público e ao mercado financeiro cabe apenas a tarefa de transferir estes recursos da
maneira mais eficiente possível. No caso específico dos bancos, o público decide o
montante de depósitos que irão efetuar e os bancos direcionam estes recursos para
operações de empréstimos.
A presente proposta de conceber o banco não como um intermediário, mas uma
instituição que cria recursos muda radicalmente a sua função e mesmo o seu impacto
sobre a economia.
Historicamente17, os bancos surgem como casas depositárias de recursos a fim
de garantir a segurança dos valores poupados. No século XVII os bancos transformaram
os seus certificados de depósito no que hoje se conhece como depósito bancário,
reconhecido como meio de troca. Surge, entretanto, a necessidade de regulação da
atividade bancária, a fim de dar segurança a este tipo de meio de pagamento. Somente a
17
Para uma análise da evolução histórica dos bancos, ver Kregel (1997).
30
partir desta regulação é que as promessas de pagamento dos bancos, os depósitos à
vista, passam a ser considerados moeda, ao lado do papel moeda em poder do público.
Atualmente, ao pensar em moeda estamos tratando principalmente, e quase que
exclusivamente, de moeda bancária – os depósitos à vista nos bancos comerciais. O que
torna estes depósitos equivalentes à moeda de curso forçado é o fato deles serem
denominados em unidades monetárias e sua convertibilidade ser garantida pelos bancos
centrais. Como conseqüência, os bancos fazem parte do sistema de pagamentos e são
responsáveis também pela sua gestão.
Os bancos, no entanto, são ao mesmo tempo depositários e intermediários de
recursos. A natureza dual da sua função, como intermediário de recursos e depositário
dos mesmos, lhes confere a possibilidade de multiplicar e criar meios de pagamento. Os
bancos podem emitir obrigações contra si mesmo, e estas obrigações – os depósitos à
vista – são aceitas como meio de pagamento equiparados à moeda legal. Este privilégio
diferencia os bancos das demais instituições financeiras.
Quando firmas e consumidores solicitam crédito para efetuar gastos, os bancos
não concedem os empréstimos necessariamente repassando recursos captados junto ao
público. A concessão de empréstimos é feita mediante o registro de depósitos à vista
para os tomadores. Estes depósitos são chamados de depósitos secundários ou
derivativos e são distintos dos depósitos primários, que correspondem à captação de
recursos junto ao público.18 Desta forma, os depósitos bancários tornam-se uma variável
endógena. Ao banco é permitido emitir obrigações contra si mesmo e a moeda bancária
ou creditícia passa a ser criada através de uma relação contábil entre os bancos e o
público. Assim, os bancos podem criar depósitos por conta própria, através da
concessão de crédito. O banco não necessariamente repassa recursos. Ele tem o poder
de criar e multiplicar recursos.
O reconhecimento de que bancos são provedores de liquidez é freqüente na
literatura. Desde Diamond e Dybvig (1983), há autores que enfatizam este aspecto da
função bancária. O foco, porém, está na capacidade dos bancos de transformar as
maturidades e as características dos ativos. Valendo-se da sua escala de operação,
18
Fica claro que a visão do banco como intermediário de recursos focaliza os depósitos primários, em
detrimento da possibilidade de criação de depósitos secundários.
31
bancos podem garantir liquidez aos depósitos. Como a probabilidade de um cliente
querer fazer uma retirada, a cada momento, é baixa19; bancos podem fazer
investimentos ilíquidos e mesmo assim emitir obrigações que podem ser resgatadas a
qualquer momento. Esta flexibilidade dos depósitos bancários é interessante para os
clientes, visto que eles enfrentam incerteza quanto às preferências de consumo. Nesta
situação, o agente superavitário que fizesse um empréstimo diretamente poderia ser
obrigado a sofrer uma perda na venda deste ativo ilíquido, caso quisesse dispor dos
recursos antes do seu vencimento. Depósitos bancários são ativos superiores nestas
situações.
Já a combinação das funções bancárias de concessão de crédito e provisão de
liquidez também foi enfatizada por autores novo-keynesianos. Entretanto, ao invés de
concluir sobre a possibilidade de criar depósitos, estes autores enfatizam as economias
de escopo. A integração da concessão de crédito informação-intensivo e de serviços de
pagamento gera ganhos de eficiência na produção conjunta. Há ganhos de informação
para os empréstimos pelo fato do banco ter acesso à movimentação de depósitos e as
características dos bancos no processamento de informação geram credibilidade para as
suas obrigações. Isto leva Bossone (2000: 12, grifo no original) a concluir que:
“Integrating the credit and liquidity functions of banks (…) is necessary to
gain an understanding the many sides from which banks interact with the
real sector of the economy. Yet, all these theories share one limitation: all
implicitly assume the pre-existence in the economy of some form of money
(or, more generally, of some type of liquid claims on existing wealth) that
can be deposited with banks and which banks can use to make loans. None
of these theories analyzes banking as being characterized specifically by
deposit creation.”
O presente trabalho procura investigar a realidade contemporânea, na qual os
depósitos bancários são a maior parte da oferta de moeda e os bancos criam depósitos
ao conceder empréstimos, dando origem à chamada moeda creditícia. Nesta situação, a
expansão monetária fica intimamente relacionada com a concessão de crédito pelos
bancos. Como atesta Fiocca (2000: 79), “[e]m economias com sistemas financeiros
19
Crises bancárias são a exceção. Nestas situações extremas, os depositantes perdem a confiança nos
bancos e desencadeia-se um movimento conjunto de retirada de recursos dos bancos, chamado de corrida
bancária.
32
desenvolvidos, a oferta monetária é determinada fundamentalmente pela expansão do
crédito (...).”.
A criação de moeda creditícia pelos bancos, significa que grande parte da moeda
em circulação atualmente refere-se a contratos de débito privados. Em outras palavras, a
moeda é criada pelo setor privado, como já apontava Keynes no seu Tratado sobre a
Moeda. Como conseqüência, a oferta de moeda nas economias com sistemas bancários
bem desenvolvidos é subordinada às decisões dos bancos e, portanto, torna-se uma
variável endógena. Sawyer (2002: 35) esclarece:
"Many practitioners (such as the Bank of England Monetary Policy
Committee) have recognised that the stock of money cannot be directly (or
even indirectly) controlled and that credit money is created within the
private sector."
Este atributo das economias contemporâneas é pouco abordado na literatura.
Diversos autores, entre eles Goodhart (2002) e Laidler (2002), constatam que, dentre os
temas objeto da economia monetária, a discussão sobre a oferta de moeda é uma das
menos exploradas. Grande parte dos modelos admite simplesmente que a oferta
monetária é uma variável exógena20. Ou seja, trata-se de um parâmetro que, nestes
modelos, não é explicado pelas demais variáveis.
Autores pós-keynesianos representam uma exceção. Para Cottrell (1992), a
endogeneidade da oferta de moeda é uma das duas questões que distinguem a teoria
monetária pós-keynesiana, ao lado da concepção de economia monetária de produção21.
Ou seja, trata-se de uma questão central e muito debatida.
Autores como Kaldor (1970), Minsky (1982) e Moore (1988) exploram a
questão da moeda endógena e outros apresentaram evidência empírica da sua existência:
Moore (1988) e Palley (1994) para EEUU e Reino Unido e Howells e Hussein (1998)
para os países membros do G7.
A seguir são apresentadas algumas correntes que abordam a capacidade dos
bancos de criarem depósitos. Primeiramente, discute-se a abordagem do multiplicador
20
Keynes, na sua Teoria Geral, trabalha com uma oferta de moeda exógena. O mesmo acontece com a
interpretação neoclássica, o conhecido modelo IS-LM. Os monetaristas também desenvolveram suas
análises valendo-se desta simplificação.
33
da base monetária, na qual se reconhece o poder de bancos multiplicarem recursos.
Posteriormente, procura-se mostrar a visão de moeda endógena de diferentes correntes
na literatura pós-keynesiana.
2.4.1 O multiplicador da base monetária
Para visão consolidada em torno do conceito do multiplicador da base
monetária, é essencial compreender o sistema de reservas fracionárias. Observou-se que
a captação de depósitos primários gerava um volume de reservas ociosas. Esta situação
tornou possível fazer um cálculo probabilístico que indicasse o montante de reservas
necessário, a título de precaução, considerando o nível mais provável de saques. A partir
deste cálculo, o banco passou a destinar o montante das reservas “excedentes” para
operações de empréstimos. Estes empréstimos, no entanto, não significam
necessariamente a perda de depósitos. Os depósitos circulam mas em grande parte
continuam no sistema bancário. Novamente, o banco observa que possui reservas
ociosas e destina os recursos para empréstimos e assim sucessivamente. Segundo Chick
(1994: 12), “[b]ancos com excesso de reservas são, agora, encorajados a emprestar
‘dinheiro que não possuem’, desencadeando a expansão e a multiplicação do sistema
como um todo (...).”.
Um sistema deste tipo, em que prevalece a multiplicação dos recursos, poderia
teoricamente ser ilimitado, como constatou Wicksell (1965). Entretanto, a cada nova
rodada uma parte dos depósitos criados são subtraídos. Supõe-se que os depositantes
preferem manter uma parcela fixa dos seus ativos líquidos em papel moeda. Deste
modo, o incremento dos depósitos leva a um percentual de retiradas. Adicionalmente, o
banco precisa manter também uma parcela dos depósitos criados sob a forma de
reservas, sejam estas compulsórias ou voluntárias. Considerando estes vazamentos,
conclui-se que o total de depósitos que podem ser criados são função tanto da
preferência do público entre papel-moeda e depósitos quanto da razão que bancos
21
Para uma discussão sobre o conceito de economia monetária de produção, ver Carvalho (1992).
34
desejam manter (ou precisam manter) entre reservas e depósitos. A equação abaixo
representa esta relação:
∆D =
1
∆R , onde:
1 − d (1 − r )
D
total de depósitos
d
relação entre depósitos e o total de meios de pagamento e
r
razão entre reservas e depósitos nos bancos
R
total de reservas
A partir desta equação e considerando que o banco central é capaz de fixar o
montante de reservas disponíveis para os bancos, conclui-se que o banco central
controla perfeitamente a oferta de moeda na economia, apesar dos bancos serem
capazes de multiplicar os recursos disponíveis.
Para Tobin (1963), o multiplicador monetário representa uma “visão velha” dos
bancos, na qual bancos são criadores passivos de moeda. A criação de moeda bancária
decorre de um ajuste mecânico e automático a uma razão de reservas, considerando as
preferências dos agentes como dadas pelos bancos. Ou seja, os bancos adotam uma
posição passiva, reagindo mecanicamente às preferências do público e às operações do
banco central.
O autor enfatiza que a concessão de empréstimos, que no multiplicador
monetário é uma operação automática, depende das oportunidades que se apresentam
aos bancos. Assim, mesmo que o banco central controle a base monetária, ele não
controla perfeitamente a oferta total de moeda. Para expansão da oferta, os bancos
comparam custo e retorno de novas captações, de forma a maximizar o seu lucro.
Tobin (1963: 279) vale-se do exemplo da crise dos anos 1930 para mostrar como
a reação dos bancos pode ser distinta da hipótese feita no multiplicador monetário:
“The 1930’s exemplify in extreme form a phenomenon which is always in
some degree present; the use to which commercial banks put the reserves
made available to the system is an economic variable depending on lending
opportunities and interest rates.”
35
O autor conclui que o multiplicador se aplica somente para situações em que o sistema
bancário “is always precisely and fully ‘loaned up’” (Tobin, 1963: 280).
A crítica de Tobin chama a atenção para aspectos que o multiplicador não
explicita ou desconsidera. Uma série de fatores que afetam a oferta de moeda atinge o
multiplicador de maneira indireta, através do seu impacto sobre a proporção de reservas
desejada ou através de mudanças na preferência do público. Uma elevação na taxa de
juros, por exemplo, afeta ambos.
No entanto, a maior omissão diz respeito às decisões dos bancos. Para Sawyer
(2002: 38), “...the stock of money also depends on the decisions and actions of the
banking system. This includes the willingness of the banks to initially provide loans
which backs the increase of bank deposits... (...)”.
A abordagem do multiplicador monetário, todavia, adota o pressuposto de que
bancos sempre expandem crédito mecanicamente. Nestes termos, a expansão independe
da estrutura do seu balanço e de outras variáveis que possam afetar a sua
disponibilidade de conceder crédito, inclusive a existência ou não de tomadores
considerados merecedores de crédito (creditworthy borrowers). Por este motivo,
Goodhart (2002: 21) se questiona se o multiplicador monetário poderia ser utilizado
como modelo de análise de como bancos criam moeda.
2.4.2 A visão pós-keynesiana
A “visão nova” de Tobin (1963) acerca dos bancos comerciais, ao focar as
oportunidades de empréstimos que se apresentam aos bancos, alerta para uma questão
muito cara a todos os autores pós-keynesianos: a importância da demanda. Este aspecto
merece atenção desde a demonstração de Keynes na Teoria Geral de que economias
modernas poderiam sofrer de insuficiência de demanda efetiva e que o equilíbrio
prescinde da plena utilização dos fatores de produção.
Apesar de avançar em relação à visão sintetizada pelo multiplicador dos meios
de pagamento, o argumento de Tobin ainda é baseado na hipótese de que bancos são
36
instituições que apenas reagem a condições exógenas. As preferências do público pelos
depósitos estabelecem um limite superior para os recursos que poderão estar disponíveis
para os bancos. Por outro lado, as condições macroeconômicas ou setoriais estabelecem
as rentabilidades esperadas para os futuros empréstimos. A atuação do banco,
conseqüentemente, resulta das decisões tomadas por outros agentes econômicos.
A visão do banco na teoria pós-keynesiana é muito mais rica. O banco não é
apenas uma instituição que faz a intermediação de recursos entre agentes superavitários
e deficitários, nem mesmo multiplica estes recursos reagindo passivamente a estímulos
externos e condições econômicas dadas. Para autores pós-keynesianos, bancos são
instituições que visam o lucro cientes da sua capacidade de inovação e de criação de
depósitos e cientes dos riscos associados à atividade bancária.
O ponto de partida é que os bancos emitem o seu próprio passivo e que este
serve como meio de pagamento, como discutido no início desta seção 2.4. Os depósitos,
conseqüentemente, são uma variável endógena e sua criação depende fundamentalmente
da decisão de emprestar dos bancos. Em contraste com a visão convencional, os
depósitos não decorrem apenas das preferências do público. Esta possibilidade de
criação de meios de pagamento é que permite o desenvolvimento do conceito de moeda
endógena, segundo o qual a oferta de moeda é sensível à demanda.
A liberdade que os bancos dispõem para atender as oportunidades de
empréstimos que se colocam para instituição decorre de um conjunto de expedientes
usados para elevar o seu lucro e contornar os limites impostos pelo banco central ou
pela regulação financeira em geral.
A administração de passivos é uma das maneiras que os bancos usam para
garantir a captação de recursos em volume e em termos convenientes. Assim, o banco
não precisa ficar refém das preferências do público por depósitos bancários. O próprio
banco, ao perceber necessidades adicionais de recursos para realização de empréstimos,
procura identificar quais formas de captação e eventualmente quais novas fontes de
recursos poderiam ser utilizadas. A alteração da estrutura – seja em perfil ou em prazo -
37
das obrigações bancárias bem como o grau de alavancagem22 da instituição tornam-se
conseqüências naturais da busca pelo lucro.
Um aspecto muito enfatizado na literatura sobre administração de passivos é seu
impacto sobre a absorção de reservas. As obrigações privilegiadas pelos bancos podem
ter um requisito de reservas obrigatórias menor bem como podem oferecer um risco
menor de saque, exigindo menos reservas. Isto evidencia que a mesma quantidade de
reservas pode ser sustentada por uma variedade de quantias de obrigações, de acordo
com as respectivas reservas. Através da administração de passivo o banco é capaz de
aumentar a sua capacidade de conceder crédito. A habilidade dos bancos em contornar a
imposição de reservas do banco central leva a variações endógenas no multiplicador
monetário (Palacio-Vera, 2001; Palley, 1996).
As inovações financeiras, por sua vez, são uma ferramenta adicional para o
banco elevar a sua lucratividade23. Ao inovar, o banco pode alterar características dos
ativos e passivos existentes de forma a torná-los mais atrativos para os clientes. Ele
também pode criar soluções novas, com vistas a conquistar mais clientes.
As inovações, assim como a administração de passivos, alteram a dimensão e a
composição do balanço bancário. Geralmente, elas são mais relevantes e mais
freqüentes quando a taxa básica de juros é mais alta, porque este custo elevado serve
como estímulo para o banco buscar alternativas. Não obstante, sempre que o banco
vislumbrar oportunidades de lucro e tiver interesse em expandir suas operações, ele
pode recorrer às inovações e à administração de passivos.
Ao contrário da abordagem do multiplicador da base monetária, bancos não
reagem passivamente a condições pré-estabelecidas. O contexto deixa de ser imperativo,
pois através de sua criatividade, bancos mudam as condições vigentes. Por este motivo,
bancos, em certo grau, decidem a dimensão e a composição da sua carteira.
Em síntese, o encontro entre bancos e público no mercado de crédito bancário,
que possui impactos sobre a oferta de moeda e sobre as condições de liquidez e crédito
22
O grau de alavancagem é medido pela relação entre o patrimônio líquido e o ativo.
Para Bezerra (1995: 148-149), as inovações financeiras se somam ou substituem os expedientes
convencionais para elevação da lucratividade: alongamento de prazo e incremento do risco dos ativos,
redução do prazo do passivo ou aumento da alavancagem.
23
38
na economia como um todo, é marcado por uma multiplicidade de fatores que dizem
respeito tanto à demanda quanto à oferta de recursos. Diferentes correntes dentro da
perspectiva pós-keynesiana priorizam um ou outro aspecto, como se verá a seguir. No
entanto, ainda que de maneira distinta, todas as correntes enfatizam o papel da
administração de passivo e das inovações financeiras.
2.4.3 A visão horizontalista
Existe um grupo de autores pós-keynesianos, denominados horizontalistas24, que
consideram que os bancos possuem grande liberdade para acomodar a demanda por
empréstimos e, portanto, para criar moeda.
Uma primeira medida disponível aos bancos seria a venda de ativos nos
mercados secundários nos momentos de grande demanda por crédito. Ao se desfazerem
de ativos comercializáveis, os bancos liberariam recursos e isto permitiria a expansão
dos empréstimos. Adicionalmente, os bancos se valeriam da administração de passivo e
de inovações financeiras discutidas na seção anterior para atender a crescente demanda
por crédito.
A visão horizontalista, porém, é ainda mais agressiva na acomodação da
demanda por crédito. Apesar dos bancos se comprometerem (compulsória ou
voluntariamente) com um coeficiente de reservas, estes autores propõem que os bancos
sempre conseguem as reservas necessárias. Por isto, o papel do banco central é
fundamental nesta visão, para garantir um maior grau de liberdade para atuação dos
bancos.
Segundo Palley (1996: 588), a singularidade da visão horizontalista pode ser
atribuída ao comportamento do banco central:
“differences in the treatment of the interacion between the monetary
authority’s policy reaction function and the asset and liability management
24
Dentre os muitos autores horizontalistas, destacam-se Kaldor, Moore e Weintraub. No Brasil, Fernando
Costa é um representante da corrente horizontalista.
39
activities of banks constitute the
accommodationism and structuralism.”
principal
difference
between
Em primeiro lugar, horizontalistas enfatizam a impossibilidade de a política monetária
restringir a quantidade de reservas. Em segundo lugar, destaca-se a conseqüência disto
sobre a interação entre a autoridade monetária e o comportamento dos bancos.
Segundo os horizontalistas, a função primordial da autoridade monetária é evitar
ameaças ao sistema. Como corolário, eles concluem que sempre que os bancos
necessitam de recompor as suas reservas, o banco central forneceria estes recursos, a
taxa de juros fixas, através de operações de mercado aberto ou de redesconto. Para
garantir condições ordeiras nos mercados financeiros e garantir a saúde do sistema, o
banco central seria obrigado, segundo a visão horizontalista, a acomodar totalmente a
demanda por reservas a uma dada taxa de juros. Isto evitaria uma elevada exposição das
instituições bancárias e a desestabilização do mercado financeiro frente a variações de
juros.
Frente a este comportamento acomodacionista do banco central, os bancos não
teriam qualquer interesse em limitar o crédito e realizariam empréstimos sempre que
solicitados. A taxa de juros para o tomador final seria composta da taxa praticada pelo
banco central mais um mark up fixo para remuneração dos bancos. A oferta de crédito
bancário seria infinitamente elástica, horizontal a esta taxa de juros. Toda a demanda
por crédito seria passivamente acomodada pelos bancos.
A seqüência completa dos acontecimentos seria a seguinte. Primeiramente,
firmas e famílias solicitam crédito aos bancos. Estes, vêem-se obrigados a acomodar
esta demanda, inclusive porque oferecem linhas de crédito pré-aprovadas e cheque
especial. A concessão de crédito cria moeda bancária e a necessidade de reservas. O
banco central acomoda a demanda por reservas, a uma taxa de juros fixa, para evitar
crises bancárias. A visão horizontalista pode ser sintetizada pelo diagrama abaixo:
Empréstimos
criam
Depósitos
à vista
criam
Reservas
Nesta situação, a oferta de moeda se tornaria endógena: quando houvesse
expectativa de aumento da demanda ou de aumento dos lucros, os agentes econômicos
buscariam crédito e os bancos acomodariam, aumentando a oferta de moeda.
40
Analogamente, a oferta de moeda diminuiria em caso de retração. Oferta e demanda
seriam interdependentes.
O essencial na visão horizontalista é que as reservas deixam de ser restrição à
expansão do crédito. O único fator decisivo passa a ser a demanda. A oferta de moeda
não impõe limite aos gastos produtivos, porque projetos rentáveis de atividade
econômica
sempre
encontram
crédito
e
a
oferta
de
moeda
se
expande
concomitantemente.
O banco pode ser considerado passivo na visão horizontalista, mas em um
sentido distinto do banco concebido pela abordagem do multiplicador bancário. A
causalidade é invertida: não são mais os depósitos que criam empréstimos, mas os
empréstimos que criam depósitos e reservas.
2.4.4 A visão estruturalista
O fato dos bancos serem capazes de criar moeda bancária através da concessão
de empréstimos não implica necessariamente que a oferta de moeda seja perfeitamente
elástica à taxa de juros vigente. Ou seja, é possível aceitar a sensibilidade da oferta de
moeda à demanda sem que seja necessário pressupor que o banco atenda todas as
demanda por empréstimos a uma taxa de juros constante.
Para autores estruturalistas como Minsky, Rousseas e Wray, o banco central
pode não acomodar as demandas por reservas, realizando uma política restritiva no
mercado aberto e nas operações de redesconto e reduzindo a disponibilidade de
reservas. Em geral, os bancos centrais optam menos por restrições quantitativas. Eles
preferem adotar medidas que afetam mais os preços das reservas e, por conseqüência, o
lucro dos bancos. Estas restrições impostas pelos bancos centrais não chegam a
comprometer a estabilidade do sistema e fazem parte das medidas que são regularmente
adotadas pelas autoridades monetárias. Ameaças à estabilidade do sistema se restringem
a situações limite e são exceção, não regra como atestam os horizontalistas.
41
Se o banco central restringe a oferta de reservas através do mercado aberto,
então, dada a baixa substitutibilidade em relação ao redesconto, isto impõe restrição à
disponibilidade de reservas como um todo no sistema financeiro. Como o banco central
não procura acomodar a demanda por reservas, esta postura da autoridade monetária,
com impactos sobre a lucratividade da atividade bancária, naturalmente causa reações
por parte dos bancos. Neste sentido, o presente trabalho vai procurar mostrar que podese distinguir pelo menos duas correntes dentro da visão estruturalista. Há autores que
conferem maior importância relativa ao fato do banco central restringir reservas, ainda
que não desconsiderem o papel das inovações financeiras e da administração de passivo.
Já outros, atribuem peso maior às inovações financeiras e à administração de passivo
como formas de contornar e exceder os limites impostos pela autoridade monetária. No
primeiro grupo, destaca-se Kregel; enquanto no segundo grupo, Victoria Chick pode ser
apontada como expoente.
Os autores que enfatizam a restrição de reservas destacam que as reservas
cumprem um papel importante para os bancos. Elas tendem a aumentar a credibilidade
dos bancos junto ao público, visto que elevam a percepção de que o banco será capaz de
honrar as suas obrigações (converter os depósitos em moeda de curso forçado). Por este
motivo, parte das reservas é compulsória, exigidas pelo banco central, e outra parcela
decorre de decisões voluntárias das instituições financeiras.
Kregel (1992: 5-6), ao descrever o funcionamento do sistema bancário na
Inglaterra, deixa claro os riscos associados a um comportamento explosivo. No caso
descrito, o crédito concedido era usado para a compra de ações do próprio banco, ou
seja, criação de capital próprio. Este exemplo é utilizado por Kregel para mostrar a
importância de o sistema ter limites. Na opinião do autor, os limites “naturais”
decorrentes da administração dos riscos da atividade bancária (ver seção 2.3) são
insuficientes para o bom funcionamento do sistema.
As reservas compulsórias cumprem o papel de limitantes da expansão bancária,
como no modelo do multiplicador dos meios de pagamento. Ao impor limites, as
reservas reduzem a instabilidade potencial do sistema bancário. Vale lembrar que as
42
reservas desempenham dois papéis simultaneamente. Além de limitar a expansão dos
bancos, elas garantem liquidez adicional às instituições25.
Esta concepção de reservas como limite para o sistema bancário já se encontra
em Keynes. No Tratado sobre a Moeda (1988, vol.1: 29), ele afirma que:
“são os recursos agregados de reserva que determinam o ‘ritmo’ que é
comum ao sistema bancário como um todo (...) e estudar os elementos que
determinam os agregados de recursos de reservas dos bancos é o mesmo que
estudar os determinantes dos depósitos derivativos”.
Para compreender a afirmação de Keynes, é preciso lembrar que os depósitos
criados na concessão de empréstimos são utilizados para aquisição de ativos, pois
“[n]o-one borrows money in order to keep it idle” (Hawtrey, 1991: 40 apud Laidler,
2002). Isto significa que os depósitos criados são transferidos para outros agentes, sejam
estes correntistas do mesmo banco ou de outros. Como mostra Tobin (1998), os
depósitos criados na concessão de crédito são apenas parcialmente retidos pelo banco
que concede o empréstimo e a proporção dos depósitos retidos depende da participação
do banco no sistema bancário e de seu tamanho frente aos demais bancos. Quanto maior
for o banco em relação aos seus concorrentes, maior a proporção dos depósitos criados
que ele tenderá a reter.
Segundo Keynes (1930), cada banco deveria evitar a perda de reservas que
ocorre quando os depósitos são transferidos para outros bancos. Para isto, o banco
deveria procurar conceder novos empréstimos e com isso criar depósitos derivativos no
mesmo ritmo que os demais bancos. Esta postura tenderia a equilibrar depósitos
transferidos e depósitos recebidos de outros bancos, bem como também evitaria o ganho
de participação no mercado por parte dos concorrentes. Todos os bancos expandiriam
seus ativos em ritmo semelhante, e este ritmo seria ditado pelas disponibilidades de
reservas.
Apesar do papel fundamental que este grupo de autores estruturalistas confere às
reservas, isto não significa que o sistema fique rígido. A oferta de moeda bancária
mantém a sua elasticidade. O uso de novos passivos e a administração de passivos
25
A liquidez dos bancos pode ser e geralmente é garantida por outros mecanismos, como a manutenção
de ativos líquidos que rendam juros e linhas de crédito com outros agentes no mercado.
43
aumenta os graus de liberdade dos bancos, que buscam continuamente novas
oportunidades, tanto para captação de recursos quanto para concessão de empréstimos
ou aquisição de outros tipos de ativos. Para este grupo, porém, estas medidas adotadas
pelos bancos têm conseqüências que se dispersam ao longo do tempo, quando vão
ocorrendo substituições entre os distintos itens do balanço.
Ao contrário da visão do grupo de autores que dão ênfase às reservas enquanto
limite do sistema bancário, há um outro conjunto de autores estruturalistas que dão
maior importância aos expedientes utilizados pelos bancos que garantem um maior grau
de liberdade para sua atuação.
A obtenção de coordenação entre os diversos bancos do sistema seria uma forma
de ampliar os limites de expansão dos empréstimos. Embora um banco,
individualmente, dificilmente possa expandir os empréstimos concedidos e seus
depósitos além do limite imposto pelas suas reservas ociosas (Keynes, 1930), o sistema
bancário é capaz de multiplicar os recursos disponíveis, caso os empréstimos gerem
novos depósitos na rede bancária e estes novamente levem ao aumento dos
empréstimos. Com a atuação conjunta de todos os bancos, a expansão dos meios de
pagamento pode ser significativa, porque cairia a necessidade de reservas. Esta
característica levou Alves Jr., Dymski e Paula (2005: 1) a concluir que “a estrutura do
balanço de um banco individual é apenas parcialmente determinada pelas suas decisões
estratégicas, sendo também determinadas pelas políticas de expansão do crédito dos
demais bancos”. Desta forma, não basta analisar somente o banco, é importante pensar o
sistema bancário como os seus diversos agentes e interações.
Uma alternativa que se coloca tanto para o banco individualmente quanto para o
sistema bancário, decorre do uso mais forte e mais freqüente das inovações financeiras e
da administração de passivos, como proposto por Minsky (1982, 1986) e Chick (1994).
A restrição de reservas cria incentivos para os bancos buscarem estas alternativas,
procurando se financiar de maneira mais apropriada e a menor custo. As inovações
financeiras e a administração de passivos deixam de serem vistas como uma forma de
mudar ligeiramente as condições enfrentadas. Estas medidas adotadas pelos bancos
realmente passam a ser consideradas como formas de contornar e superar tanto o
controle dos bancos centrais como também as necessidades internas dos bancos
constituírem reservas. Como explicita Paula (1999: 27):
44
“A administração de passivo significa, portanto, que a oferta de crédito
bancário é responsiva à demanda por financiamento, não sendo estabelecida
mecanicamente pela ação das autoridades monetárias.”
Em uma situação limite, que só é concebida teoricamente, os bancos poderiam expandir
as suas operações a despeito do volume de reservas existente.
Nesta situação, os bancos possuem maneiras de procurar atender a demanda por
crédito, sempre que entenderem que as oportunidades são lucrativas. Na expansão dos
empréstimos, os bancos necessitam de elevar a captação de recursos e também
constituir reservas compulsórias ou voluntárias. Através da administração de passivos e
das inovações financeiras, ambos os objetivos podem ser alcançados. Elas aparecem
como reação a exigências de reservas ou necessidade de reservas e como forma de atrair
recursos para expansão das operações.
No texto de Chick (1994) sobre a evolução do sistema bancário, fica claro que a
causalidade clássica de captar depósitos para efetuar empréstimos é rompida, assim
como para os horizontalistas. No entanto, o argumento é distinto. Enquanto para
horizontalistas a acomodação do banco central é fundamental, para Chick e outros
autores estruturalistas a autoridade monetária não exerce nenhum papel relevante na
expansão das reservas, ou mesmo pode adotar políticas contracionistas:
“The capacity of the financial system to expand credit in line with demand,
and the inability (...) of the monetary authorities to limit that expansion in
any direct way, have profound implications for our understanding of the
process of income generation and distribution and for monetary policy
prescription.” (Dow e Dow, 1989: 147)
Ademais, para horizontalistas a demanda por empréstimos é o determinante
último da expansão do crédito. Já estruturalistas como Chick e Minsky enfatizam o
comportamento ativo dos bancos e sua capacidade de não somente reagir às condições
vigentes, mas de enfrentá-las e alterá-las sempre que isto se mostre lucrativo.
Para bancos ativos, o volume de negócios bancários e de depósitos não depende
exclusivamente das decisões dos clientes. O banco procura inovar tanto em relação à
captação de recursos (passivo) quanto na busca de novas oportunidades de empréstimos
e outras operações financeiras para valorização do capital. Bancos, “se quiserem
emprestar, descobrirão como fazê-lo mesmo em uma recessão.” (Chick, 1994: 21).
45
O comportamento ativo de bancos afeta tanto a composição de balanço quanto a
decisão sobre “tamanho” do balanço, como demonstra Wray (1992). Deste modo, Chick
(1994: 16) conclui que para o banco ativo, não há “solução competitiva estável e bem
definida”.
2.5 Conclusão
O presente ensaio investigou a literatura sobre instituições bancárias acerca das
características distintivas de bancos em relação às demais instituições financeiras.
Foram identificadas três abordagens, baseadas respectivamente na gestão de
informações, na assunção de riscos e na criação de liquidez.
Na literatura novo keynesiana, a principal justificativa para as transações
intermediadas está relacionada à questão da informação. Bancos posssuem posição
privilegiada na obtenção e gestão de informações, beneficiando-se de economias de
escala e escopo e reduzindo os custos envolvidos. Eles são também estruturas aptas para
lidar com os problemas de informação assimétrica intrínsecos à transferência de
recursos entre agentes superavitários e agentes deficitários.
Uma segunda dimensão da atividade bancária bastante discutida na literatura diz
respeito à assunção de riscos. Por possuírem uma estrutura financeira particularmente
frágil, com grande alavancagem e descasamento do balanço, bancos incorrem em
diversos riscos: risco de crédito, risco de juros, risco de liquidez e risco de mercado.
As inovações financeiras e as transformações institucionais modificaram e
também aumentaram a importância da atividade bancária de assunção de riscos. A partir
dos anos 1980, a crescente complexidade na gestão de riscos e a maior freqüência de
crises financeiras levou a novas técnicas e modelos formais e quantitativos para
mensuração e administração dos riscos enfrentados, dentre os quais se destaca o
conjunto de modelos de valor em risco (VAR).
Estas concepções do banco como gestor de informações e como gestor de riscos,
apesar de enfatizarem características importantes das instituições bancárias, não
46
necessariamente explicitam o que existe de essencial e único na atividade dos bancos. O
que se procurou demostrar neste ensaio é que o que distingue bancos das demais
instituições financeiras é a sua capacidade de criar liquidez.
Quando firmas e consumidores solicitam crédito para efetuar gastos, os bancos
não concedem os empréstimos necessariamente repassando recursos captados junto ao
público. A concessão de empréstimos é feita mediante a emissão de depósitos à vista
para os tomadores, isto é, mediante apenas o registro contábil de obrigações contra si
mesmo, porém que valem como meio de pagamento.
A moeda creditícia criada quando bancos concedem empréstimos é atualmente a
maior parte da oferta monetária. Não obstante, muitas abordagens teóricas tratam a
oferta de moeda como exógena. Ao contrário, na teoria monetária pós-keynesiana a
endogeneidade da moeda é uma das questões centrais.
A partir de diferentes visões da teoria pós-keynesiana, o presente ensaio
argumetou que bancos são instituições que visam o lucro cientes da sua capacidade de
inovação e de criação de depósitos e cientes dos riscos associados à atividade bancária.
Para elevar seu lucro, bancos recorrem a um conjunto de expedientes que permitem
contornar os limites impostos pela autoridade monetária e pela regulação em geral e isto
confere graus de liberdade para os bancos concederem empréstimos e criarem moeda
creditícia.
Para autores como Minsky e Chick, bancos não reagem passivamente ao
ambiente; através de um comportamento ativo baseado em sua criatividade –
administração de passivos, aumento da alavancagem e das inovações financeiras – eles
enfrentam e alteram as condições vigentes, sempre que isto se mostre lucrativo.
Depósitos tornam-se, assim, uma variável endógena e sua criação passa a depender
fundamentalmente da decisão de emprestar dos bancos.
A defesa de que bancos dispõem de graus de liberdade para decidir acerca da
concessão de crédito e da criação de liquidez tem como conseqüência atribuir grande
importância ao papel de bancos como provedor de liquidez para toda economia. Por este
motivo, esta característica das instituições bancárias deve figurar com destaque entre os
principais aspectos que distinguem bancos das demais instituições financeiras.
47
Embora se atribua grande liberdade para os bancos decidirem sobre a concessão
de empréstimos e criação de moeda, há que se ter em mente que a liberdade para decidir
não significa que eles sempre desejarão fazê-lo. O presente ensaio não discutiu se e
quando bancos decidirão prover novos empréstimos e, assim, expandir a oferta de
moeda. Neste sentido, condições de demanda já foram destacadas por autores
horizontalistas e certamente necessitam de serem levadas em consideração. Por outro
lado, a atividade de bancos como gestor de riscos, com visto neste ensaio, pode levá-los
a comportamentos defensivos, visando se proteger principalmente de eventos adversos.
Por fim, as inovações financeiras e a administração de passivos levam a mudanças no
balanço que também podem ter conseqüências sobre a disposição dos bancos
expandirem as suas operações. Para isto, faz-se necessário estudar a composição do
balanço dos bancos e como eles tomam as decisões referentes à sua carteira. Trata-se de
considerações de natureza financeira, que excedem os objetivos deste ensaio.
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52
CAPÍTULO III: DECISÃO DE PORTFÓLIO DE INSTITUIÇÕES
BANCÁRIAS E CONCESSÃO DE CRÉDITO – REFLEXÕES PARA
CONSTRUÇÃO DE UM MODELO PÓS-KEYNESIANO
3.1 Introdução
Bancos assumem um papel muito importante na economia em uma teoria póskeynesiana. Eles não são apenas intermediários de recursos dados; eles criam poder de
compra. Deste modo, bancos afetam a capacidade de gasto de toda a economia e
permitem que a economia atinja níveis de renda mais altos. Nas palavras de Keynes
(1973), “banks hold a key position in the shift of the economic system from a lower to a
higher level of economic activity.”.
A origem da importância dos bancos para o crescimento e desenvolvimento
econômico está, conseqüentemente, no seu poder de conceder crédito através da criação
de meios de pagamento. Ou seja, sua importância está no poder de viabilizar gastos
independente da poupança prévia dos agentes.
Neste contexto, torna-se extremamente relevante investigar os determinantes da
decisão de composição do balanço bancário. Em especial, faz-se premente estudar os
elementos que influenciam, estimulam e limitam as decisões sobre concessão de
empréstimos, com o intuito de esclarecer em que circunstâncias e em que medida
bancos tenderão a viabilizar as decisões de gastos dos agentes.
O ponto de partida é considerar o banco como um agente que gerencia o seu
portfólio (consolidada em Santomero, 1984 e Kim e Santomero, 1988). Adicionalmente,
admite-se que bancos são agentes que maximizam o lucro. Como enfatizava Tobin
53
(1963), na sua “visão nova” acerca dos bancos comerciais, o uso dos recursos depende
das oportunidades que se colocam aos bancos.
Neste contexto, vale recuperar a análise da composição da carteira inicialmente
proposta por Keynes na Teoria Geral26 e que Minsky posteriormente generaliza para
contemplar o financiamento da aquisição de ativos, ou seja, para adicionar à teoria de
escolha de ativos uma teoria de escolha de passivos.
A exposição deste referencial teórico e as suas implicações para a compreensão
da concessão de crédito é objeto deste ensaio dividido em 7 seções, além desta
introdução. Inicialmente é feita uma breve apresentação da teoria de alocação do
portfólio em Keynes. Na seção 3.3, este arcabouço teórico é aplicado para as decisões
de instituições bancárias. A seguir, são explorados elementos referentes à concessão de
crédito na perspectiva de que bancos possuem preferência pela liquidez. A seção 3.5
utiliza estes elementos e propõe uma alternativa de formalização para aplicação do
modelo de preferência pela liquidez no estudo do comportamento dos bancos. A
generalização deste modelo a fim de contemplar as contribuições de Minsky acerca da
administração de passivos é realizada na seção posterior. Por fim, são abordadas as
mudanças no mercado financeiro nas últimas décadas e seus impactos sobre a
preferência pela liquidez dos bancos. A última seção sintetiza a discussão e conclui.
3.2 Keynes e a teoria de alocação do portfólio
Na Teoria Geral, Keynes propôs um modelo de decisão de composição do
portfólio baseado em expectativas de retorno27. Nesta descrição geral, o modelo de
Keynes não parece ser muito diferente de modelos ortodoxos. No entanto, o ambiente
no qual estas expectativas são formadas é radicalmente diferente do pressuposto na
26
Como será visto mais adiante, na Teoria Geral Keynes formula o princípio de preferência pela liquidez,
embora não analise o papel dos bancos. Esta análise é objeto de uma trabalho anterior, o Tratado sobre a
Moeda. A proposta do presente ensaio é combinar estas duas contribuições de Keynes.
27
A apresentação do modelo encontra-se no capítulo 17 da Teoria Geral (Keynes, 1936).
54
abordagem convencional28. Para Keynes, o funcionamento da economia está sujeito à
incerteza fundamental e esta característica gera conseqüências decisivas sobre a forma
dos agentes efetuarem as suas escolhas de portfólio.
Segundo Dequech (1999: 160), a incerteza fundamental diz respeito a situações
nas quais o agente que toma a decisão não conhece a lista completa dos resultados
relevantes possíveis da sua decisão. A ausência de informações sobre o futuro decorre
da constatação que o futuro é construído ao longo do tempo e depende essencialmente
de decisões que os agentes ainda não tomaram. Algumas dessas decisões alteram
irreversivelmente o ambiente e, portanto, o curso dos eventos de forma mais geral. Na
terminologia de Shackle (1961) estas decisões são chamadas de decisões cruciais.
Torna-se impossível ter informação completa sobre todos os eventos possíveis no
momento da decisão.29
Isto não significa dizer que o conhecimento é nulo e que as decisões são tomadas
sem qualquer base objetiva. A conclusão que se pode tirar é que o agente não pode ter
certeza de que avaliou todas as alternativas possíveis ao tomar uma decisão. De fato, é
de se esperar que uma lista não exaustiva seja a regra, porque “[c]omplete knowledge
does not exist at the time of most relevant economic decisions” (Dequech, 1999: 160).
Como as informações sobre o passado e presente não são suficientes para que se
possa concluir acerca do futuro, os agentes procuram decidir da melhor forma possível,
associando cálculo com animal spirits (“urge to action”) (Carvalho, 1992). Muitas
vezes, expectativas e conjecturas baseadas no conjunto de evidências e experiências
28
Na teoria convencional, supõe-se que os retornos esperados dos diferentes ativos e sua distribuição de
probabilidades (de um conjunto finito de possibilidades conhecidas) possam ser calculados e expressem
toda a incerteza sobre o futuro. De posse destas informações para todos os ativos da economia, resta ao
agente obter a combinação destes ativos que lhe proporcione a máxima utilidade possível. Para completar,
considera-se que as preferências dos agentes são definidas para cada par de retorno esperado e variância,
sendo esta a medida síntese do risco enfrentado. De início, deve ficar claro que esta teoria convencional
de alocação de portfólio trabalha com um sistema ergódigo no qual o futuro é previsível e quantificável, a
partir de informações do passado. Além disso, existe informação perfeita, sem custos, e não há custos de
transação ou taxas. (Brennan, 1994)
29
Um exemplo esclarecedor para compreender o conceito de incerteza fundamental é a decisão de
investir. Ao investir, a empresa adquire bens de capital e incorre em custos irrecuperáveis. No entanto, o
custo final de produção e a perspectiva de vendas não podem ser conhecidas porque dependem da
evolução da economia. Pode haver mudanças nos custo dos insumos e da mão de obra, ou em uma
situação pior para a empresa, um competidor pode decidir colocar um produto superior no mercado e
inviabilizar as vendas.
55
particulares de cada um são os melhor que os agentes podem fazer frente ao futuro
incerto. Para Keynes (1991: 163):
“We are merely reminding ourselves that human decisions affecting the
future (...) cannot depend on strict mathematical expectation, since the basis
for making such calculations does not exist; and that it is our innate urge to
activity which makes the wheels go round, our rational selves choosing
between the alternatives as best we are able, calculating where we can, but
often falling back for our motive on whim or sentiment or chance.”
A fragilidade de decisões baseadas em expectativas neste contexto naturalmente
é percebida pelos agentes. Eles sabem que o universo considerado é potencialmente
incompleto e que o futuro pode se revelar diferente do esperado. A forma que Keynes
utilizou para introduzir estes elementos na análise foi admitir que os agentes associam
um determinado grau de confiança a cada expectativa. Este grau de confiança indica
quanto o agente confia nas suas próprias hipóteses quanto ao futuro e é inversamente
proporcional à probabilidade que o agente atribui aos acontecimentos futuros serem
diferentes das suas expectativas. Quanto maior a incerteza, menor é o grau de confiança
do agente em suas expectativas. Vale enfatizar que o grau de confiança não mantém
relação com o fato de expectativas serem otimistas ou pessimistas. As expectativas
dizem respeito ao resultado esperado, enquanto o grau de confiança diz respeito a se o
agente realmente espera que este resultado, seja bom ou seja ruim, vá se realizar
efetivamente. O grau de confiança, conseqüentemente, afeta a propensão do agente agir
de acordo com as suas expectativas.
Para Keynes, a presença de incerteza fundamental justifica um padrão de
comportamento baseado na preferência pela liquidez. A possibilidade de conversão de
um ativo em moeda, e, portanto, em poder de compra na sua forma mais geral, é
valorizada pelos agentes que estão sujeitos a eventos imprevistos. A manutenção de
ativos líquidos na carteira mede o grau de desconfiança que o agente possui em relação
às suas expectativas quanto ao futuro.
A moeda assume um papel peculiar nas economias monetárias de produção,
visto que ela é a unidade de conta dos contratos que estruturam todas as atividades
econômicas. Isto confere à moeda a característica de ser aceita em qualquer momento
para saldar os contratos e liquidar as obrigações contraídas pelos agentes. Outro aspecto
que torna a liquidez dos ativos valorizada é a manutenção de flexibilidade para revisar
56
decisões e escolhas30. A possibilidade de ajuste é interessante em diferentes situações,
desde um aumento do grau de confiança que motive a tomada de decisão, passando pelo
surgimento de novas alternativas, até a frustração de expectativas.
Duas dimensões são importantes ao avaliar a liquidez de um ativo: o tempo e o
custo. O ativo é tanto mais líquido quanto mais favorável a expectativa de convertê-lo
em moeda no curto prazo e sem perdas31. Fica claro que quanto mais organizado o
mercado secundário para o ativo, maior a sua liquidez. A moeda é, conseqüentemente, o
ativo mais líquido por excelência. Ela é unidade de conta e meio de pagamento e seu
mercado não sofre interrupção.
A valorização da liquidez é incorporada por Keynes na sua teoria de alocação do
portfólio. No modelo, esta característica dos ativos gera um rendimento implícito ao
agente, sem contrapartida monetária. O valor do prêmio de liquidez depende do quanto
ele está disposto a abrir mão em favor da maior conveniência, segurança e flexibilidade
dadas pela possibilidade de dispor do ativo a qualquer momento (Carvalho, 1992: 81).
Este valor varia com a percepção de incerteza em relação ao futuro.
Para Keynes, existe uma relação inversa entre o prêmio de liquidez e o grau de
confiança que o agente possui em relação às expectativas de retorno de todos os outros
ativos (Dequech, 1999: 164). Esta interdependência ocorre, porque uma das grandes
vantagens de manter ativos líquidos é a possibilidade de fazer frente a situações em que
o fluxo de caixa dos demais ativos é frustrado, ou seja, se revela menor do que o
previsto inicialmente pelo agente. A manutenção de ativos líquidos na carteira garante
que, mesmo nestas situações, o agente possa honrar os seus compromissos financeiros.
Em suma, o prêmio de liquidez de um ativo não é um valor intrínseco e que possa ser
atribuído isoladamente. O prêmio de liquidez depende da composição da carteira e de
diversos outros fatores; e seu valor flutua ao longo do tempo.
Na decisão acerca da composição do portfólio, então, os agentes comparam os
retornos esperados dos diferentes ativos, incluindo o prêmio de liquidez, e selecionam
30
Para uma abordagem sobre a demanda por flexibilidade, ver Vercelli (1991).
Sobre isto ver Davidson (1978), que elabora o conceito de liquidez a partir de reflexões de Keynes
(1930).
31
57
aqueles que oferecem maior rendimento esperado de acordo com as expectativas de
longo termo.
Além do prêmio de liquidez (l), os agentes consideram as expectativas de
valorização do ativo em termos de moeda (a), as quase-rendas (q) referentes aos
serviços ou produtos gerados pelo ativo e o custo de carregamento (c) associado
meramente à passagem do tempo.
Considera-se que os preços futuros dos ativos, a preferência pela liquidez e as
quase-rendas e o custo de carregamento são relacionados ao estado de expectativas de
longo termo, que é tomado como exógeno. Portanto, define-se a situação de equilíbrio
quando os retornos esperados são equivalentes para todos os tipos de ativos e o mercado
está satisfeito em reter a quantidade disponível de cada ativo naquele momento.
Enquanto não vigorarem estas condições, há ganhos inexplorados de arbitragem e a
perspectiva de ou efetiva compra e venda de ativos altera seus preços spot e,
conseqüentemente, os retornos esperados até que se atinja o equilíbrio.
Assim, o portfólio dos agentes caracteriza-se pela seguinte igualdade:
ai + qi − ci + li = a j + q j − c j + l j , ∀ i, j
Rearrumando os termos da equação, temos que o diferencial de remuneração
monetária entre quaisquer dois ativos deve ser suficiente para compensar o agente pela
diferença entre a remuneração implícita associada à liquidez destes ativos:
ai + qi − ci − (a j + q j − c j ) = l j − li , ∀ i, j
No modelo desenvolvido por Keynes, a moeda pode ser demandada enquanto
ativo, pois tem um rendimento implícito positivo. Por ser o ativo mais líquido, a moeda
possui o prêmio de liquidez máximo entre todos os ativos e pode concorrer com os
demais por um espaço no portfólio dos agentes.
Cabe notar que a condição de equilíbrio embute o estado de expectativas do
referido agente e a sua percepção de risco. No modelo de Keynes, é impossível dissociar
o retorno esperado dos ativos das preferências e percepção de risco e incerteza dos
agentes individuais. As variáveis são expectacionais, em um ambiente em que não há
58
condições objetivas para antecipar o futuro, e o prêmio de liquidez é um valor atribuído
pelo agente ao benefício de poder dispor deste recurso a qualquer momento. Cada
agente, então, poderá divergir na sua composição do portfólio em relação aos demais,
sem violar a condição de equilíbrio acima. Neste sentido, o indivíduo torna-se elemento
central, pois a ele cabe a responsabilidade da decisão, num procedimento
essencialmente original, espontâneo e criativo. Não há determinismo.
O processo de maximização de retornos, neste contexto, é um recurso para
apresentar o processo de decisão. Não existe a intenção de sugerir que os agentes
estejam efetivamente maximizando o retorno esperado da carteira como em uma
abordagem convencional. Os próprios agentes sabem das limitações do seu
conhecimento. Justamente a consciência de que a avaliação presente não tem como ser
ótima e ser a opção final, é que leva os agentes a valorizarem a manutenção de ativos
líquidos.
Por fim, o modelo de preferência pela liquidez também não é um modelo que
justifique apenas a demanda por moeda ou por ativos líquidos. O prêmio de liquidez é
um atributo que os ativos possuem em diferentes graus e que afeta a escolha do
portfólio. O modelo de preferência pela liquidez, portanto, envolve e justifica desde a
retenção de ativos mais líquidos até a retenção de ativos menos líquidos ou ilíquidos.
Em especial, é possível conceber uma situação em que se verifique a concentração da
carteira em ativos ilíquidos. Uma explicação para esta situação baseada no modelo de
preferência pela liquidez geralmente apontaria para uma baixa taxa de juros sobre ativos
líquidos combinada com expectativas otimistas e um elevado grau de confiança nestas
expectativas. Assim, o retorno esperado de ativos ilíquidos tenderia a superar os baixos
retornos esperados de ativos líquidos decorrentes da soma de um baixo prêmio de
liquidez e uma baixa remuneração monetária.
Esta compreensão a respeito do modelo leva Meirelles (1997: 40) a observar que
“a preferência pela liquidez pode ser entendida como um padrão de comportamento dos
agentes na gestão de recursos sob condições de incerteza.”.
59
3.3 Gestão de recursos sob incerteza em firmas bancárias
Como visto na seção anterior, a preferência pela liquidez pode ser tomada como
um padrão de comportamento sob incerteza e, em particular, argumentar-se-á que a
preferência pela liquidez se aplica às instituições bancárias.
O fato destas instituições possuírem características que as distinguem dos
demais agentes econômicos não implica que suas decisões de composição de portfólio
obedeçam a regras próprias. Neste aspecto, bancos são semelhantes aos demais agentes.
Eles compõem o seu portfólio de maneira a conciliar rentabilidade e liquidez, tendo em
vista a sua percepção de risco e sua preferência pela liquidez. O próprio Keynes (1930),
no capítulo 25 do Tratado sobre a Moeda, já identifica este trade off enfrentado pelos
bancos.32
A preferência pela liquidez é uma resposta natural de precaução de uma firma
cujos resultados são incertos. A atividade bancária, por sua vez, está sujeita a diversos
riscos e à incerteza. Em especial, os bancos enfrentam risco de crédito, ou seja, o risco
de o tomador não honrar os seus compromissos financeiros. Para fazer frente às suas
obrigações, em parte composta por depósitos à vista, bancos então valorizam a liquidez
dos ativos.
Vale notar que apesar dos depósitos à vista serem meio de pagamento
equiparados à moeda legal, os bancos não podem simplesmente criar depósitos para
quitar as suas obrigações. Para transferir recursos para terceiros, em especial para outros
bancos e para o banco central, bancos necessitam de base monetária e o poder de
criação desta está reservado à autoridade monetária. Assim, a manutenção de posições
mais líquidas permite ao banco ter margem para lidar com eventuais situações de
default. Em outras palavras, bancos possuem preferência pela liquidez e a escolha do
seu portfólio está condicionada a ela.
32
Esta análise é desenvolvida apesar deste trabalho ser anterior à Teoria Geral, na qual Keynes formula
mais claramente o princípio de preferência pela liquidez. Entretanto, na Teoria Geral, Keynes trata a
oferta monetária como exógena e não analisa o papel dos bancos. É no Tratado sobre a Moeda que
Keynes desenvolve sua visão sobre o comportamento das instituições bancárias e a criação endógena de
crédito.
60
Seguindo a proposta de Keynes no Tratado sobre a Moeda e desenvolvimentos
posteriores, os bancos podem manter uma série de ativos em seu balanço, além dos
empréstimos bancários. A abordagem através de uma escala de liquidez é defendida por
Carvalho (1999: 130-131) e é consubstanciada, entre outros, pelos estudos de Kregel
(1997) e do Federal Reserve Bank of New York (1990).
Em Keynes (1930), o banco capta depósitos à vista e distribui seus recursos
entre as seguintes aplicações, em ordem crescente de retorno e decrescente de liquidez:
letras de câmbio/call loans, investimentos e adiantamentos. A escolha da composição da
carteira depende das expectativas quanto aos saques a serem efetuados pelos clientes e
das expectativas de rendimento dos ativos. A antecipação da necessidade de liquidar
ativos para cobrir a diferença entre estas duas magnitudes afeta a própria escolha dos
ativos. Visto que o atributo de liquidez é importante, a instituição pode passar a abrir
mão de parte da rentabilidade em favor de maior liquidez na composição do seu
portfólio. Na terminologia de Keynes (1936), os prêmios de liquidez atribuídos pelos
bancos são altos, porque os depósitos à vista são obrigações de curto prazo e levam os
bancos a assumirem um risco significativo. No ativo dos bancos, portanto, é de se
esperar que uma parte dos recursos seja destinada para investimentos ou call loans em
detrimento de uma maior participação de adiantamentos.
Em termos mais gerais, na decisão sobre a alocação do portfólio o banco pode
escolher dentre um conjunto de ativos, ativos estes que se diferenciam pela sua
combinação entre rentabilidade e liquidez. Assim como em Keynes (1936)33, pode-se
admitir que os ativos possuem certo grau de substitutibilidade entre si e que existe um
trade off entre lucratividade e liquidez, qualificado pelo grau de incerteza e pela
preferência pela liquidez. Resumindo, o banco opera em uma escala de liquidez,
selecionando os ativos que oferecem os maiores retornos esperados, considerando
também o rendimento implícito do prêmio de liquidez. Este rendimento implícito é uma
valorização da possibilidade de honrar os depósitos à vista, mesmo frente a eventos
inesperados, e da possibilidade de mudança da composição do portfólio sempre que
houver alteração na expectativa de rendimento ou na percepção do risco e na
preferência pela liquidez do banco.
33
A referência aqui, novamente, é o capítulo 17 da Teoria Geral, que apresenta o modelo de preferência
pela liquidez.
61
A preferência pela liquidez dos bancos, em geral, tende a ser satisfeita pela
aquisição de outros ativos líquidos que não moeda. A participação das chamadas
reservas bancárias tende a se manter relativamente estável, sem ser objeto de decisão
estratégica.
Keynes (1930) já associava o aumento da demanda por reservas somente a
situações atípicas e extremas de incerteza. Segundo o autor, bancos possuem uma
relação desejada e relativamente estável entre reservas e passivo exigível no curto
prazo.
Baseado em dados empíricos, Keynes argumenta que as reservas são mantidas a
níveis relativamente constantes ao longo do tempo. A proporção de reservas desejadas
depende da conveniência de mantê-las e das leis e convenções vigentes. O que permite
esta estabilidade é a existência de substitutos próximos para as reservas. Em vez de reter
papel moeda ou depósitos no banco central, os bancos optam pelas quase-moedas, como
call loans, ativos de grande liquidez e que possuem a vantagem de serem remunerados.
Portanto, as reservas tendem a se manter no mínimo possível. A expectativa é que
mudanças na proporção de reservas desejadas ocorram gradualmente. Quanto ao ciclo
econômico, para Keynes ele não afeta significativamente esta proporção, pois os bancos
procuram não arriscar, mantendo um nível prudente de reservas. Por outro lado, eles
também não perdem oportunidades de lucro mantendo reservas, não remuneradas,
ociosas.
Somente em situações excepcionais, como nos anos 1930, os bancos americanos
acumularam excesso de reservas. Estas situações excepcionais se caracterizam por
elevada incerteza, que induzem a um aumento significativo da preferência pela liquidez.
Para Morrison (1966), a crise dos anos 1930 criou medo e grande pessimismo em
relação a uma repetição de uma crise daquelas proporções no futuro. Esta percepção
elevou substancialmente a preferência pela liquidez dos bancos, até exageradamente.
Foi um trauma, com impactos extremos e duradouros sobre a preferência pela liquidez
dos bancos.
Exceto por estes períodos atípicos, bancos preferem se proteger contra riscos
através da manutenção de ativos líquidos que cumprem função análoga às reservas mas
62
possuem a vantagem de render juros. A demanda por liquidez tende a ser satisfeita por
títulos negociados em mercados secundários, e não por reservas bancárias.
Vale lembrar que o objetivo do banco ao escolher seu portfólio é conciliar
lucratividade e liquidez e que, em equilíbrio, a soma das remunerações monetária e do
valor atribuído à liquidez deve ser igual para todos os ativos. A situação de equilíbrio é
definida por Carvalho (1999: 132):
"For a given state of expectations, banks' liquidity preferences will
determine the desired profile of the assets they purchase and their prices,
that is, the rate of returns each type of asset must offer to compensate for
their degree of illiquidity."
Ou seja, em equilíbrio, as taxas próprias de juros dos ativos bancários são idênticas e a
quantidade demandada dos ativos é igual à sua oferta.
Neste contexto, o retorno dos empréstimos depende essencialmente da
rentabilidade esperada dos mesmos, visto que eles não oferecem liquidez. Em contraste,
ativos mais líquidos serão mais demandados pelo retorno dado pelo prêmio de liquidez,
isto é, pela proteção oferecem contra incerteza e pela redução de risco intrínseco a
atividade bancária, bem como pela possibilidade de manter alternativas abertas para
momentos futuros. Isto permite que os bancos aproveitem novas oportunidades no
futuro, sejam estas associadas a ganho de informação ou apenas a especulação.
A escolha entre ativos mais ou menos líquidos, quando bancos são supostos a
fazer esta escolha de acordo com o princípio da preferência pela liquidez, depende das
expectativas e do grau de confiança atribuído a estas expectativas. O Quadro 1 abaixo
sintetiza as combinações de estado de expectativas quanto ao retorno dos ativos e o grau
de confiança que o banco possua em relação a estas expectativas.
O otimismo eleva as quase rendas esperadas dos ativos menos líquidos e um
elevado grau de confiança reduz o prêmio de liquidez dos ativos líquidos. Ambos
contribuem para queda de demanda de ativos líquidos, apontada no quadrante superior
esquerdo. Já na situação oposta, as expectativas são pessimistas e o grau de confiança
nas expectativas é baixo. O aumento da incerteza e conseqüentemente da preferência
pela liquidez tende a exacerbar a demanda por ativos mais líquidos, como mostra o
63
quadrante inferior direito. Como visto anteriormente, em situações extremas, até a
demanda por reservas pode aumentar.
Quadro 1: Expectativas e grau de confiança na escolha de ativos
Expectativas
Otimistas
A quase renda esperada dos ativos
menos líquidos é alta e o prêmio de
Grau de confiança
Alto
liquidez dos ativos mais líquidos é
baixo ► Preferência por ativos
menos líquidos
A quase renda esperada dos ativos
Baixo
menos líquidos é alta e o prêmio de
liquidez dos ativos mais líquidos é
alto ► Resultado ambíguo
Pessimistas
A quase renda esperada dos ativos
menos líquidos é baixa e o prêmio
de liquidez dos ativos mais líquidos
é baixo ► Resultado ambíguo
A quase renda esperada dos ativos
menos líquidos é baixa e o prêmio
de liquidez dos ativos mais líquidos
é alto ► Preferência por ativos
mais líquidos
Fonte: Elaboração própria
Vale lembrar que a composição do ativo está sujeita a grandes flutuações,
dependendo das expectativas de rentabilidade e liquidez e do estado geral da economia
(Keynes, 1988: 60). Assim também, a alocação do portfólio dos bancos pode variar
muito de acordo com mudanças no estado de expectativas e no grau de confiança em
suas previsões.
A proposta de que a atuação de bancos pode ser compreendida através do
princípio da preferência pela liquidez merece duas ressalvas importantes. Em primeiro
lugar, há que se registrar que a preferência pela liquidez não se confunde com a
discussão sobre risco de liquidez (Dequech, 1999: 167). Os modelos que abordam o
risco de liquidez pressupõem geralmente uma distribuição de probabilidade dada para
os saques de clientes. Os bancos mantêm ativos líquidos apenas na medida necessária
para enfrentar os saques mais prováveis. Em um contexto em que bancos possuem
preferência pela liquidez, ativos mais líquidos são demandados devido à incerteza
fundamental enfrentada pelos bancos. O banco forma expectativas sobre os retornos dos
64
ativos e estas expectativas estão sujeitas a erro. A manutenção de ativos líquidos é uma
maneira do banco tentar honrar seus compromissos mesmo em caso de frustração de
expectativas.
Em segundo lugar, o fato de bancos possuírem preferência pela liquidez de
maneira nenhuma significa que os bancos prefiram absolutamente liquidez a
rentabilidade (Bezerra, 1995). Remetendo à seção 3.1, a preferência pela liquidez é um
padrão de comportamento que justifica a escolha de ativos dentro de uma escala de
liquidez. Este arcabouço teórico é usado para explicar tanto a retenção de moeda
enquanto ativo quanto a aquisição de ativos ilíquidos por natureza, como bens de
capital, desde que a sua taxa de retorno esperada seja suficiente para compensar a perda
de liquidez. Nas instituições bancárias, a preferência pela liquidez pode ser usada como
instrumento teórico para compreender porque em determinados momentos os bancos
podem deter mais ou menos ativos de menor liquidez, como empréstimos.
As próximas seções exploram em mais detalhe os elementos que compõem a
decisão de portfólio em bancos que possuem preferência pela liquidez, a fim de procurar
entender o processo de concessão de crédito.
3.4 Concessão de crédito
Na seção anterior mostrou-se que bancos enfrentam incerteza fundamental como
os demais agentes econômicos e que, portanto, possuem preferência pela liquidez.
Como ponto de partida para aprofundar a análise do mercado de crédito e a postura de
bancos quanto à concessão de empréstimos, faz-se necessário incorporar estas
dimensões, especialmente porque este mercado é muito afetado pela presença de
incerteza (Neal, 1996).
Como bem constatam novo-keynesianos, o banco não é capaz de ter informação
completa sobre o tomador de recursos e sobre sua capacidade de auferir receitas futuras
que o permitam cumprir os compromissos contratuais. Em um contexto de incerteza
fundamental, esta dificuldade do banco é agravada porque, segundo Minsky (1982: 20),
65
a possibilidade de o banco receber o pagamento de um empréstimo (principal e juros)
depende do desenvolvimento do projeto de gasto e da performance da economia durante
determinado período, seja ele mais curto ou mais longo. Sobre este futuro, nem tomador
nem o banco possuem base objetiva de cálculo. A decisão acerca “... [d]a concessão de
crédito depende, em boa medida, das expectativas do banco quanto à viabilidade dos
empréstimos, ou seja, da capacidade do tomador auferir receitas futuras para cumprir
seus compromissos financeiros” (Paula, 1998: 24) e da percepção de risco de frustração
de expectativas. Keynes, na Teoria Geral, sintetizou os riscos enfrentados na concessão
de empréstimos (1936: 144) como se segue:
“Two types of risk affect the volume of investment (...). The first is the
entrepreneur’s or borrower’s risk and arises out of doubts in his own mind
as to the probability of his actually earning the prospective yield for which
he hopes (...). But where a system of borrowing and lending exists, by which
I mean the granting of loans with a margin of real or personal security, a
second type of risk is relevant which we may call the lender’s risk. This may
be due either to moral hazard, i.e., voluntary default or other means of
escape, possibly lawful, from the fulfillment of the obligation, or to the
possible insufficiency of the margin of security, i.e., involuntary default due
to the disappointment of expectation.”.
Nesta passagem, Keynes faz menção ao problema de assimetria de informação
posteriormente desenvolvido por novos-keynesianos. Piegay (1999) argumenta que há
complementaridades entre a teoria da preferência pela liquidez pós-keynesiana e o
tratamento novo-keynesiano sobre racionamento de crédito no tocante às explicações
dadas ao comportamento de bancos:
“Recent developments in the Post Keynesian treatment of liquidity
preference and in the New Keynesian treatment of credit rationing are
directed at a common goal. Both schools seek to explain bank behavior on
the credit market and the determination of the interest rate” (Piegay, 1999:
266).
Esta complementaridade existe embora o autor reconheça as grandes divergências no
que concerne à base teórica. Nos modelos novo-keynesianos explora-se as dificuldades
e os custos de se acessar uma informação existente, mas que não está prontamente
disponível. Já os modelos pós-keynesianos abordam a situação de informação
inexistente, como visto na seção 3.2. Ambas as situações devem ser consideradas pelos
bancos de forma diferenciada.
66
O modelo de racionamento de crédito propõe que a decisão do banco sobre
quanto cobrar dos clientes pelo recurso é complexa, porque ela afeta o retorno esperado
pelos empréstimos. A hipótese de autores como Stiglitz e Weiss (1981) é que a taxa de
juros afeta a fragilidade financeira do tomador e conseqüentemente afeta a sua
probabilidade de honrar os compromissos contratuais34. O argumento básico é que o
aumento da taxa de juros ao mesmo tempo em que eleva o retorno dos empréstimos que
são pagos, também reduz a probabilidade de quitação dos mesmos, porque (i) o tomador
é induzido a assumir maiores riscos, chamado o problema de risco moral, e (ii) ocorre
seleção adversa dos tomadores, já que os agentes mais conservadores desistem de tomar
empréstimos. O racionamento de crédito é uma maneira de tentar reduzir estes
problemas de assimetria de informação. A taxa de juros passa a ser arbitrada pela
instituição: o valor é suficientemente alto para proporcionar bons retornos, mas é baixo
o bastante para evitar o aumento significativo das taxas de default. Em suma, a taxa de
juros fixada é aquela que maximiza o retorno esperado com os empréstimos,
considerando tanto o valor pago a título de juros quanto o impacto sobre a probabilidade
de default. Fixada esta taxa de juros, o banco controla e seleciona os tomadores. O
modelo geralmente supõe que a demanda por crédito é maior do que a oferta de crédito
à taxa de juros arbitrada pelo banco, o que caracteriza a situação de racionamento de
crédito.
Vale lembrar que este modelo de racionamento de crédito pressupõe a noção de
risco, ou seja, embora o pagamento dos compromissos contratuais seja uma variável
estocástica, sua distribuição de probabilidade é bem definida e conhecida pelo tomador.
O modelo combina esta noção de risco com a tensão de uma relação agente-principal.
Conclui-se que a taxa de juros dos empréstimos é uma decisão administrativa do
banco, baseada em fatores que vão além das condições estritamente de oferta e
demanda. Como apontam Stiglitz e Weiss (1981: 393) “[w]hen the price (interest rate)
affects the nature of the transaction, it may not also clear the market.”. Em especial, a
taxa de juros que maximiza o retorno da carteira de empréstimos no modelo de
racionamento de crédito independe do volume de empréstimos, dentre outras variáveis.
34
Para uma apresentação formal do modelo de racionamento de crédito, ver Hermann (2000).
67
O segundo problema que Keynes destaca na Teoria Geral é o default
involuntário, ou seja, o não cumprimento do contrato com o banco devido à frustração
das expectativas. Minsky sugere que a exigência de colaterais é usada para reduzir esta
incerteza referente ao pagamento das obrigações. Logo, além da expectativa de receita
do investimento ou outro gasto planejado, o banco passa a considerar a expectativa tanto
de manutenção do preço dos bens usados como colateral nos empréstimos quanto a
possibilidade de comercialização dos ativos.
Todas estas avaliações do banco se consolidam em um determinado retorno
esperado para os empréstimos e ao qual se associa um respectivo grau de confiança.
Segundo o modelo de preferência pela liquidez, as expectativas da instituição bancária
afetam a oferta de crédito e os termos dos contratos de empréstimo, bem como a
participação do crédito no total dos ativos bancários.
Para Wolfson (1996), o comportamento dos bancos baseados na preferência pela
liquidez justifica pensar em um racionamento de crédito diferente dos modelos novokeynesianos. O racionamento na proposta de Wolfson ocorre quando há expectativas
assimétricas entre tomadores e bancos. Com visões diferentes do futuro, bancos e
tomadores potenciais possuiriam expectativas diferentes ou mesmo apenas graus de
confiança diferentes nestas expectativas. Estas visões diferentes do futuro não
significam que a aversão ou propensão ao risco seja diferente entre os agentes, como,
por exemplo, considerar que o banco é por excelência mais conservador que os
tomadores. As expectativas distintas dizem respeito ao fato que bancos não acomodam
passivamente a demanda por crédito.35
O Quadro 2 abaixo mostra as combinações possíveis entre as expectativas do
banco e do tomador de recursos quanto ao projeto de gasto do tomador. A situação de
racionamento de crédito refere-se ao quadrante direito superior, no qual o tomador
35
Esta posição contrasta claramente com a posição de autores horizontalistas, como Kaldor e Moore.
Segundo esta corrente de pensamento pós-keynesiano, a oferta de crédito bancário é infinitamente elástica
e, a uma taxa de juros que garanta a remuneração dos bancos, eles realizam empréstimos sempre que
solicitados e acomodam plenamente toda a demanda.
68
acredita que o projeto é viável e seguro, porém o banco não compartilha deste otimismo
e considera o projeto de gasto arriscado.36
Quadro 2: Expectativas do banco e do tomador de recursos quanto ao projeto de
gasto e suas conseqüências sobre a concessão de crédito
Banco
Tomador
Seguro
Seguro
Arriscado
Arriscado
Há racionamento
Empréstimos são
de crédito.
concedidos.
Projetos não são
realizados.
Fonte: Elaboração própria a partir de Wolfson (1996)
Cabe lembrar que o banco pode considerar um projeto arriscado demais para
merecer os recursos, por dois motivos. A expectativa do banco quanto ao retorno do
projeto pode ser diferente do tomador. Por outro lado, o banco pode ter uma elevada
percepção de incerteza, o que dificulta fazer conjecturas confiáveis. Em outras palavras,
o grau de confiança nas expectativas é baixo e o banco não acredita ser seguro aplicar
recursos nestes projetos.
Também há que se destacar que o quadro apresenta situações que são,
aparentemente, mutuamente exclusivas. No entanto, na realidade existe um continuum
de projetos que podem ser alocados em uma escala que vai desde um projeto
considerado mais seguro, até os projetos considerados mais arriscados. Quanto mais
arriscado é considerado o projeto, maior a chance de o crédito ser racionado e quanto
maior a percepção de segurança, maior a chance de ele ser concedido.
Segundo Neal (1996), bancos geralmente possuem alguma informação (embora
imprecisa e sujeita a incerteza) sobre a perspectiva de repagamento dos clientes, o que
lhes permite ordenar os clientes e tomadores potenciais de crédito em uma escala de
36
Keynes no Tratado sobre a Moeda, já comenta sobre um grupo de tomadores insatisfeitos: “an
unsatisfied fringe of borrowers” (Keynes, 1988, vol.1: 212).
69
acordo com o risco percebido para cada um37. Esta ordenação considera o retorno
esperado bem como o valor dos colaterais, em escala decrescente, e retira alguns
tomadores, selecionando somente aqueles merecedores de crédito (creditworthy
borrowers38):
“The difference between the notional and effective demand curves arises
because the demand for loans is different from most other demands for
goods and services in the economy. To purchase an ordinary commodity, all
that is necessary is an amount of money equal to the price of the commodity.
To purchase a loan, however, it is necessary to obtain the consent of the
lender.” (Wolfson, 1996)
Depois de fazer esta seleção e ordenação dos projetos de gasto e tomadores é
que os bancos poderão decidir quanto desejam conceder de crédito, tendo em vista a sua
percepção de incerteza e a sua preferência pela liquidez. A decisão de emprestar e a
relação entre empréstimos e ativos mais líquidos dependem da rentabilidade esperada
dos empréstimos (Bibow, 2000; Sawyer, 2002) e da rentabilidade de todos os demais
ativos. Fica claro que os bancos não necessariamente acomodam todos os projetos
considerados seguros (creditworthy), porque comparam o retorno esperado, inclusive
em termos do prêmio de liquidez, com todos os demais ativos. Nas palavras de Carvalho
(1999: 135), “... banks with liquidity preferences will not accommodate passively the
demand for credit but will compare expected returns and liquidity premia of all
purchasable assets.”. A preferência pela liquidez do banco assume lugar de destaque e
se soma ao retorno esperado do projeto a ser financiado como determinante na
concessão de crédito.
Como conseqüência, um elemento que é muitas vezes fundamental para bancos
abrirem mão de liquidez e elevarem a participação de empréstimos em seu ativo são
mudanças na preferência pela liquidez. Na decisão de portfólio, não são apenas os
empresários que precisam do que Keynes chamou de animal spirits para adquirirem
ativos menos líquidos. Também os bancos necessitam desta motivação ou componente
que muitas vezes escapa aos dados objetivos e observados pelos agentes. Para Dequech
(1999: 169):
37
Na prática, o banco geralmente classifica os clientes em alguns grupos. A ordenação contínua é mais
utilizada teoricamente.
38
Para alguns autores, os tomadores merecedores de crédito formam a chamada “legitimate credit
demand”.
70
“Animal spirits have to be sufficiently strong, in whatever markets, if a
decision maker is to buy assets less liquid than money (which also includes
banks when lending money, as they buy assets of varying liquidity)”
Minsky (1986) explora um pouco mais a questão da concessão de crédito ao
discutir a hipótese de fragilidade financeira. De início, os bancos adotariam posturas
conservadoras e prudentes. A percepção de incerteza alta levaria os bancos a privilegiar
ativos líquidos e a conceder empréstimos somente naquelas situações em que o fluxo de
caixa esperado do tomador fosse mais do que suficiente para ele cumprir as suas
obrigações para com o banco (ou seja, nas quais o lucro supera as despesas com juros e
com o pagamento de amortizações em todos os períodos futuros). Isto garante a
capacidade de o tomador honrar os compromissos financeiros. Na terminologia de
Minsky, o banco efetua preferencialmente financiamentos hedge.
À medida que os tomadores honram os contratos, o banco adquire maior
confiança e cai a sua percepção de incerteza. Este ganho de confiança é observado em
bancos e nos demais agentes econômicos. Normalmente, quanto maior o tempo que
decorre entre um evento infreqüente como uma crise financeira ou default dos
tomadores de empréstimos, menor tende a ser a probabilidade subjetiva atribuída a este
evento. Os bancos ficam cada vez menos cuidadosos e baseiam-se cada vez mais nas
situações observadas mais recentemente, que passam a serem consideradas mais
prováveis. Keynes denominou este tipo de comportamento de comportamento
convencional (1991: 152):
“In practice we have tacitly agreed, as a rule, to fall back on what is, in
truth, a convention. The essence of this convention – though it does not, of
course, work out quite so simply – lies in assuming that the existing state of
affairs will continue indefinitely, except in so far as we have specific
reasons to expect a change. This does not mean that we really believe that
the existing state of affairs will continue indefinitely.”
Em resumo, a atividade de concessão de empréstimos que geralmente é baseada nas
expectativas futuras (forward looking) fica cada vez mais ancorada em uma convenção
que enfatiza eventos passados (backward looking).
A queda da incerteza percebida e o ganho de confiança reduzem a preferência
pela liquidez dos bancos e estimula a tomada de maiores riscos. Conforme a descrição
de Neal (1996):
71
“The Post Keynesians, in particular Minsky and Wray, argue that loans to
borrowers with lower capital positions, or loans of greater size will be made
when most loans are profitable so that, as loans are validated, lenders feel
secure in taking greater risks.”
Ambas as situações elencadas por Neal – empréstimos para tomadores com
menos capital e empréstimos maiores – significam que o banco incorre em maiores
riscos. Em primeiro lugar, o risco da firma não cumprir seus compromissos aumenta
com a sua fragilidade financeira: seu grau de endividamento e prazo médio dos
vencimentos junto aos credores. Este risco da maior alavancagem do tomador foi
descrito por Kalecki (1937) através do princípio do risco crescente. A dimensão do
capital próprio em relação ao ativo total sinaliza a margem de segurança que a firma
dispõe para saldar dívidas mesmo em caso de fracasso dos projetos de investimento.
Portanto, frente ao maior risco de default quando a firma tomadora é mais alavancada,
os emprestadores tendem a ser mais cautelosos na concessão de crédito, seja fazendo
racionamento ou cobrando taxas de juros mais elevadas para compensar este risco. Em
segundo lugar, a exposição do banco a uma perda potencial aumenta quando cresce o
seu limite de exposição frente a uma firma. Em suma, tanto do balanço do banco quanto
do tomador afetam o risco enfrentado pela instituição financeira.
A redução da preferência pela liquidez dos bancos tem como conseqüência o
relaxamento dos critérios para concessão de crédito e aumenta a participação dos
empréstimos no total do ativo bancário, bem como o grau de alavancagem medido pela
relação entre empréstimos e patrimônio líquido. A rentabilidade dos ativos torna-se a
principal referência para alocação da carteira e o banco passa a financiar gastos com o
retorno no longo prazo com créditos de prazo mais curto. Ele começa a se envolver em
financiamentos especulativos, nos quais os compromissos financeiros de curto prazo são
maiores que as receitas esperadas em alguns períodos e o tomador precisa recorrer a
refinanciamento para estender o prazo de pagamento. Posteriormente, espera-se que o
tomador tenha um excesso de receita que compense (ou mais que compense) as
situações iniciais de déficit de fluxo de caixa. A viabilidade do financiamento
especulativo depende do fluxo de lucros e das condições de refinanciamento.
O sucesso da estratégia anterior pode levar os bancos a ir além. A proporção de
financiamentos especulativos no total de empréstimos tende a aumentar ao longo do
tempo, bem como a participação dos empréstimos no total do ativo e o grau de
72
alavancagem. O banco passa a aceitar práticas cada vez mais agressivas, à medida que
cai a sua preferência pela liquidez. A partir de determinado momento, o banco pode se
envolver em financiamentos Ponzi, no qual as receitas iniciais são insuficientes mesmo
para o pagamento de juros. Ainda que a firma consiga refinanciamento, sua dívida
crescerá. Por fim, ao invés de basear a concessão de crédito no fluxo de caixa esperado
do gasto ao qual se destina, o banco passa a emprestar tendo como garantia
principalmente o valor do colateral nesta operação. O banco torna-se cada vez mais
frágil, tendo em vista a sua estrutura de financiamento crescentemente alavancada. Os
riscos se elevam. O banco passa a dispor de uma proporção cada vez menor de ativos
mais líquidos em seu balanço e, assim, perde capacidade de reagir a eventos
inesperados. A absorção destes choques depende em grande medida do chamado
colchão de liquidez formado pela manutenção de ativos mais líquidos no balanço.
Para concluir, Minsky (1986) sugere que o sistema bancário enfrentará, mais
cedo ou mais tarde, uma reversão de trajetória. Nesta situação, aumenta a percepção de
incerteza e cai o grau de confiança nas projeções realizadas, o que leva os bancos a
reverem as suas posições. A elevação da preferência pela liquidez reduz o número de
novos empréstimos, considerando inclusive a renovação dos empréstimos anteriormente
existentes. Os bancos tendem a se tornar muito conservadores, realizando
preferencialmente financiamentos hedge, como descrito inicialmente.
A reversão de trajetória proposta por Minsky decorre da própria natureza do
comportamento convencional. Segundo Keynes (1991: 152, grifo no original):
“the above conventional method of calculation will be compatible with a
considerable measure of continuity and stability in our affairs, so long as
we can rely on the maintenance of the convention.”
Como estas convenções não possuem base sólida, elas estão sujeitas a mudanças
bruscas: “sudden and violent changes” (Keynes, 1991: 214). Mesmo um evento fortuito
e pouco significativo, se afetar a confiança dos bancos, pode desencadear grandes
mudanças e flutuações na escolha do portfólio e em particular na disposição de bancos
concederem empréstimos.
Podem-se identificar duas fontes de mudança para o comportamento do banco.
A ênfase de Minsky está no aumento da preferência pela liquidez dos bancos, que
73
aumenta o retorno esperado de ativos mais líquidos ao elevar o seu prêmio de liquidez.
Outra fonte de mudança decorre da mudança de expectativas, isto é, o banco tende a
rever o retorno esperado dos empréstimos considerando perspectivas menos otimistas.
Adicionalmente, quando as expectativas se tornam mais pessimistas, também tende a
aumentar a incerteza percebida quanto ao retorno previsto e o grau de confiança
também cai. Estes movimentos contribuem para o retorno esperado dos empréstimos se
tornar menor do que o retorno esperado de ativos mais líquidos. Não só o retorno
monetário dos empréstimos fica menor devido ao pessimismo, como também o aumento
da incerteza percebida eleva o prêmio de liquidez atribuído a todos os demais ativos. O
fato de a concessão de crédito ser baseada em expectativas nas quais as condições
objetivas respondem por muito pouco torna a oferta sujeita a grandes flutuações.
Cabe sublinhar também que no contexto da composição do portfólio, o crédito
bancário difere dos demais ativos financeiros. Em geral, eles são ativos nãocomercializáveis e os contratos pré-existentes são carregados no ativo durante a sua
vigência. Estas características do crédito bancário aumentam o impacto da reversão de
expectativas sobre os novos empréstimos. Se o banco, frente à nova situação, avalia que
a participação de créditos no ativo é excessiva, as novas concessões, no limite, podem
ser nulas para que o banco atinja mais rapidamente uma composição de portfólio
considerada mais prudente. Quando as expectativas são otimistas, porém, aplica-se o
inverso. Ao contrário de outros ativos, não podemos supor que o estoque seja dado no
curto prazo. A concessão de crédito significa o aumento da sua oferta.
Até o presente momento, consideraram-se somente os determinantes para a
concessão do crédito, sem analisar os possíveis impactos sobre os termos nos quais se
dão estes empréstimos. Em geral, maiores exposições a riscos afetam não somente a
disponibilidade de crédito como discutido acima. O racionamento de crédito, sob uma
ótica mais abrangente, afeta (i) a disponibilidade da linha, (ii) o seu custo, (iii) o
montante do crédito disponibilizado e (iv) os colaterais e outras exigências feitas pelo
banco.
Para determinados tomadores e projetos, o banco simplesmente nega a
concessão de crédito. Para aqueles que ainda são qualificados para receber o crédito, o
banco altera as condições de preço dos empréstimos e outras condições, como
colaterais. Racionamento, aumento spread e condições mais restritivas na concessão de
74
crédito caminham juntos, mas naturalmente não podem se aplicar simultaneamente aos
mesmos tomadores. Deste modo, verifica-se a afirmação de Sawyer (2002: 38):
"[b]anks may, for example, change their structure of interest rates in response to
changes in their attitudes towards liquidity and risk".
Com o aumento do volume de empréstimos concedidos pelo banco, cai a relação
entre ativos líquidos e ativos totais, bem como a relação entre empréstimos e capital
próprio. Estes movimentos criam riscos crescentes (Lavoie, 1996) e aumentam a
preferência pela liquidez, de forma que os bancos decidem cobrar taxas de juros mais
elevadas à medida que aumenta a participação de crédito no ativo a fim de compensar
estes riscos. Piegay (1999) conclui que:
“Commercial banks are no longer supposed to apply a uniform mark up on
this exogenous basis; they take their liquidity preference into account, that
is their risk assessment. The greater the amount of credit granted, the
greater the risk banks run and the greater the guarantees they demand. This
leads, in particular, to higher interest rates as the volume of credit
increases.”
Nesta elevação dos custos dos empréstimos, bancos certamente levam em conta que a
elevação dos juros contribui para que o cliente não consiga pagar, pois seus
compromissos financeiros vão aumentar. Nesta situação, o banco negará o crédito
mesmo que o tomador aceite pagar juros altos sobre o empréstimo, porque a expectativa
de pagamento do tomador é baixa.39
Em resumo, a concessão de crédito tem como elementos fundamentais a
avaliação do banco quanto à capacidade de o tomador conseguir auferir receitas
suficientes para honrar os compromissos contratuais e o grau de confiança atribuído a
estas expectativas. Caso o banco desconfie da capacidade de pagamento ou seu grau de
confiança no pagamento dos compromissos contratuais seja baixo, o banco não
concederá o crédito. Ou seja, bancos podem racionar crédito de acordo com sua
avaliação a respeito dos projetos e tomadores.
A decisão sobre concessão de crédito depende também da preferência pela
liquidez do banco. Quanto mais otimista o banco e menor a sua preferência pela
39
O argumento recupera elementos do modelo de Stiglitz e Weiss (1981), discutido acima.
75
liquidez, maior é a concessão de crédito. Cabe lembrar que o próprio aumento do
volume de empréstimos cria riscos crescentes para o banco e tende a elevar a sua
preferência pela liquidez, afeta tanto o volume quanto os termos dos contratos.
3.5 Escolha de portfólio em uma firma bancária
Na presente seção, sugere-se uma alternativa de formalização para aplicação do
modelo de preferência pela liquidez no estudo do comportamento dos bancos. Esta
alternativa baseia-se no modelo inicialmente proposto por Carvalho (1999).
A caracterização do banco comercial segue a caracterização proposta por Keynes
no Tratado sobre a Moeda40, embora se altere a nomenclatura de diversos itens do
balanço a fim de utilizar termos atualizados e mais precisos. Deste modo, os bancos
mantém no ativo não apenas reservas e empréstimos, mas também títulos do mercado
monetário e outros títulos e valores mobiliários.41 O balanço estilizado, então, fica como
abaixo:
Quadro 3: Balanço bancário
ATIVO
PASSIVO
Reservas - R
Depósitos à vista – DV
Títulos do mercado monetário - TMM
Outros títulos e valores mobiliários - TVM
Empréstimos - E
PATRIMÔNIO LÍQUIDO - PL
Como na seção 3.3, os itens permanecem em uma ordem crescente de retorno e
decrescente de liquidez, segundo a visão mais tradicional. De fato, títulos do mercado
monetário, em particular títulos públicos de curto prazo, possuem alta liquidez, porém
sua rentabilidade monetária geralmente é mais baixa. Outros títulos e valores
40
Esta caracterização do banco comercial em Keynes foi discutida na seção 3.3.
76
mobiliários apresentam rentabilidade monetária mais interessante, porém menor prêmio
de liquidez. Por fim, os empréstimos bancários estão no extremo oposto da escala de
ativos: eles podem alcançar altas rentabilidades, mas são ativos essencialmente
ilíquidos. Assim, quanto menor o prazo do ativo (mais acima no balanço), maior tende a
ser a sua liquidez; e quanto maior o prazo (mais abaixo no balanço), maior tende a ser a
sua rentabilidade monetária esperada.
Recuperando a visão de Keynes apresentada na seção 3.3, as reservas em espécie e
no banco central são mantidas relativamente constantes, em um nível suficiente para
atender aos depósitos compulsórios e também às necessidades de saque e transferências
(reservas voluntárias). Como aproximação, supõe-se que as reservas são mantidas em
proporção fixa aos depósitos à vista e deixam de ser objeto de decisão estratégica. Sua
valorização esperada bem como as quase-rendas são nulas; o custo de carregamento é
desprezível e o prêmio de liquidez é positivo.
Para satisfazer sua necessidade de liquidez, os bancos mantêm as chamadas
reservas secundárias. Os títulos do mercado monetário, com prazos mais curtos e
mercados secundários muito ativos, são chamados de quase-moedas e geralmente são
utilizados para este fim. Eles possuem alta liquidez e juros positivos. Como as
oscilações de preço são pequenas, a sua valorização esperada é próxima de zero e podese considerar o valor desprezível. As quase-rendas líquidas do custo de carregamento e
o prêmio de liquidez são positivos.
Faz-se necessário enfatizar que este prêmio de liquidez depende da percepção de
risco e do estado de expectativas do banco e que está sujeito a grandes mudanças ao
longo do tempo, como visto na seção 3.2. Quanto mais confiança o banco tem em suas
expectativas quanto ao retorno dos demais ativos, menor o valor atribuído à liquidez, e
vice versa. Por outro lado, cabe notar que o valor do benefício de um incremento
marginal no montante de títulos do mercado monetário é decrescente com a quantidade,
considerando tudo o mais constante. Dado um montante de empréstimos e de outros
títulos e valores mobiliários, as primeiras unidades de títulos do mercado monetário
seriam muito valorizadas. Nesta situação inicial, o banco estaria muito vulnerável caso
os tomadores não fossem capazes de pagar os empréstimos e os outros títulos e valores
41
Os títulos do mercado monetário substituem as letras de câmbio/call loans; outros títulos e valores
77
mobiliários tivessem uma evolução de preços abaixo da esperada. Esta vulnerabilidade
se refletiria em dificuldade ou mesmo impossibilidade de honrar os compromissos seja
com os depositantes ou com os acionistas. A manutenção de certo volume de títulos do
mercado monetário é importante para criar um colchão de liquidez a ser utilizado
especialmente quando há frustração de expectativas. No entanto, é de se esperar que à
medida que este colchão de liquidez aumente, unidades adicionais de títulos do mercado
monetário sejam menos valorizadas porque elas somente seriam necessárias caso a
frustração fosse muito grande. Em outras palavras, o prêmio de liquidez dos títulos do
mercado monetário é decrescente, supondo dado o estado de expectativas e o portfólio
escolhido.
Outros títulos e valores mobiliários são caracterizados pela significativa variação
de preços. Estes ativos, em geral, têm quase-rendas líquidas do custo de carregamento
positivas e superiores às dos títulos do mercado monetário, porém o prêmio de liquidez
tende a ser menor do que dos títulos do mercado monetário, embora ainda positivos.
Novamente, o prêmio de liquidez é decrescente com a quantidade do ativo, supondo
dado o estado de expectativas e o portfólio escolhido.
O prêmio de liquidez de outros títulos e valores mobiliários é menor do que
títulos do mercado monetário, porque embora existam mercados secundários bem
organizados para estes ativos, eles estão sujeitos a maior oscilação de preço ao longo do
tempo42. A volatilidade do preço eleva o risco de mercado e em especial o risco do
mercado valorizar um ativo abaixo do seu preço histórico em determinadas
circunstâncias. Este risco de perda afeta o valor que o banco atribui a dispor deste ativo
a qualquer momento, ou seja, afeta o prêmio de liquidez do ativo. Quanto maior o risco
de perda, menor o prêmio de liquidez. Vale lembrar que este risco não se confunde com
a valorização esperada pelo ativo, representada pelo termo a nas equações da seção 3.1.
O agente pode ter uma expectativa de valorização, porém concomitantemente
reconhecer que o mercado possui características que podem levar a um preço abaixo do
esperado, caso seja necessário realizar a venda do ativo em um momento específico.
mobiliários entram no lugar dos investimentos e os empréstimos substituem os adiantamentos.
42
Para títulos de dívida, com pagamentos fixos durante o contrato, seu prazo mais longo significa que
uma mudança na taxa de juros altera a taxa de desconto dos agentes, com grandes impactos sobre o preço
dos títulos no mercado secundário. Para títulos de renda variável, todas as mudanças nas condições
econômicas podem afetar o preço destes ativos.
78
Considerando as duas dimensões da liquidez enfatizadas por Davidson (1978), embora o
tempo para conversão do ativo em moeda seja curto, pois o mercado é bem organizado,
o custo desta conversão pode ser significativo. Mesmo que seja possível vender o ativo
financeiro e convertê-lo em moeda, o custo desta operação é dado pelo diferencial entre
o preço vigente naquele momento e o preço que poderia ser obtido em condições
“normais” de mercado. Assim, o valor atribuído como prêmio de liquidez é positivo
porém menor do que de ativos menos sujeitos à oscilação de preço, como os títulos no
mercado monetário.
Por fim, os empréstimos bancários são ativos intensivos em informação e que não
possuem mercado secundário. A valorização esperada e o prêmio de liquidez são,
portanto, nulos43, e o retorno esperado é composto pelas quase-rendas menos o custo de
carregamento. Estas quase-rendas líquidas dependem do estado de expectativas do
banco. Com visto na seção 3.4, pode-se considerar que os bancos ordenam os clientes e
tomadores potenciais de crédito em uma escala de acordo com retorno esperado e o
risco percebido, selecionando somente aqueles merecedores de crédito. A ordenação
segue a taxa de juros que eles teriam condições de pagar considerando o projeto
apresentado e seu fluxo de caixa esperado, bem como o valor dos seus colaterais. Esta
taxa de juros já é tal que considera o aumento da probabilidade de não-pagamento com
o aumento da taxa de juros dos empréstimos como apontado pelos modelos de
racionamento de crédito novo-keynesianos. Geralmente, as quase-rendas líquidas dos
projetos mais rentáveis são superiores ao retorno esperado dos demais ativos, mesmo
considerando os seus prêmios de liquidez.
As condições discutidas nesta seção são sintetizadas abaixo, onde EELT indica o
estado de expectativas de longo termo do agente e i representa a taxa de juros:
Reservas - R:
aR = qR = cR = 0 e l R = f ( R, EELT , DV ) , onde
Títulos do mercado monetário - TMM:
aTMM ≈ 0; qTMM - cTMM = q'TMM ≥ 0 e lTMM ≥ 0;
∂lR
<0
∂R
79
onde q 'TMM = f (i, EELT ) ; lTMM = f (TMM , EELT , R, TVM , E , DV ) e
∂lTMM
<0
∂TMM
Títulos e valores mobiliários - TVM:
aTVM ≠ 0; qTVM - cTVM = q'TVM ≥ q'TMM ≥ 0 e lTMM ≥ lTVM ≥ 0
onde q'TVM = f (i, EELT ) ; lTVM = f (TVM , EELT , R, TMM , E ) e
∂lTVM
<0
∂TVM
Empréstimos:
aE = lE = 0 e qE - cE = q'E ≥ q'TVM ≥ q'TMM ≥ 0
onde q 'E = f ( E , EELT ) ;
∂q 'E
<0
∂E
A escolha do portfólio do banco, baseada na preferência pela liquidez, sugere
que o banco adquire os ativos com maior rendimento esperado, não esquecendo do
prêmio de liquidez, até esgotar os seus recursos. Em equilíbrio, os retornos esperados de
cada ativo são iguais. Assim:
lR = q’TMM + lTMM = aTVM + q’TVM + lTVM = q’E
Ao contrário de uma série de modelos de escolha do portfólio bancário, tanto
modelos mais ortodoxos quanto de cunho heterodoxo, o banco realiza sua decisão de
composição de carteira considerando todos os ativos simultaneamente. Geralmente, a
decisão de bancos na literatura é dividida em dois momentos. No primeiro momento o
banco escolhe o montante de ativos líquidos. Depois o restante dos recursos é dedicado
a operações de empréstimos e financiamentos. Em Chick e Dow (2002), este segundo
momento é explorado em mais detalhe. O banco verifica se a demanda por empréstimos
gera um volume de depósitos à vista que podem ser suportados pelo nível escolhido de
reservas e ativos líquidos. Se a demanda extrapola o limite de empréstimos que podem
ser concedidos de acordo com a percepção do banco, há racionamento de crédito. Se a
demanda é menor do que este limite, a diferença é coberta com a aquisição de títulos de
43
A valorização é nula, pois os empréstimos não tem preço de mercado.
80
longo prazo. Não obstante, não há uma avaliação simultânea de todas as variáveis
envolvidas.
Como a alocação de recursos é destinada a cada um dos ativos de acordo com o
seu retorno esperado, fica claro que os empréstimos concorrem com títulos do mercado
monetário e outros títulos e valores mobiliários por um espaço no ativo bancário.
Títulos do mercado monetário e outros títulos e valores mobiliários também são
candidatos à alocação de recursos porque seus rendimentos incluem além do prêmio de
liquidez, uma remuneração monetária.
A equação acima explicita que o banco somente concederá empréstimos
enquanto o retorno esperado líquido de custos de carregamento do empréstimo seguinte
na curva de demanda de projetos e tomadores potenciais for superior (i) ao prêmio de
liquidez das reservas, (ii) à soma do retorno monetário líquido dos títulos do mercado
monetário e seu elevado prêmio de liquidez e (iii) ao retorno esperado de outros títulos e
valores mobiliários, que possuem um prêmio de liquidez positivo, pagam juros e podem
contar com uma valorização de preços no mercado secundário. Como o retorno
monetário dos títulos do mercado monetário e dos outros títulos e valores mobiliários
são positivos, bem como o prêmio de liquidez destes ativos pode cair com o seu volume
do portfólio mas também se mantém positivo, a soma destes retornos constituem um
piso para o retorno esperado líquido dos empréstimos de forma que o banco decida pela
concessão de crédito.
Por fim, é importante notar que o prêmio de liquidez dos ativos é uma variável
dinâmica, que varia com a concessão de crédito. À medida que novos empréstimos são
efetuados, eles elevam o prêmio de liquidez dos demais ativos. Ou seja, quanto mais
empréstimos o banco realiza, mais difícil torna-se que o retorno esperado do
empréstimo seguinte ainda seja suficiente para compensar a sua perda de liquidez. Em
outras palavras, quando o banco avança na sua ordenação de empréstimos potenciais, a
superioridade do retorno esperado dos mesmos não pode ser tomada como certa. Quanto
maior a concessão de crédito, menor é o retorno esperado dos empréstimos marginais e
mais o banco passa a valorizar a liquidez dos demais ativos. A realização de
empréstimos cria as condições que limitam a própria concessão de crédito.
81
3.6 Minsky e a escolha de passivos
Embora a caracterização do banco comercial adaptada a partir da sugestão de
Keynes no Tratado sobre a Moeda seja mais rica do que outras versões normalmente
utilizadas na literatura, é possível aprimorá-la. Hyman Minsky, em diversos trabalhos,
enfatiza a importância do passivo e sua estrutura na decisão de composição do portfólio
dos agentes. Neste contexto de análise de preferência pela liquidez, Minsky apresenta-se
como extensão natural do modelo desenvolvido por Keynes. Ele generaliza o esquema
analítico para contemplar o financiamento da aquisição de ativos, ou seja, para adicionar
à teoria de escolha de ativos uma teoria de escolha de passivos. Segundo Carvalho
(1993: 120):
“Os bancos não devem apenas fazer escolhas com relação a suas aplicações,
mas também com relação a suas fontes de recursos. Longe de contar com
curvas horizontais de recursos, buscam ativamente novas fontes, estendendo
suas escolhas estratégicas para os dois lados do balanço.”
Nesta perspectiva, o banco deixa de ser um depositário passivo de recursos dos
clientes. Na seção anterior, é suposto que a instituição bancária capta recursos
essencialmente através de depósitos à vista. A estrutura do passivo concentrada nestas
obrigações de curtíssimo prazo impõe um elevado conservadorismo e uma alta
preferência pela liquidez aos bancos na escolha dos seus ativos, porque eles precisam
estar prontos a atender os pedidos de recursos dos clientes a qualquer momento.
Quando o banco se volta para administração de passivos, ele procura a melhor
maneira de prover fundos para expansão dos ativos, alterando o perfil das obrigações
bancárias e procurando contornar as restrições às quais o banco está sujeito. O objetivo
é adotar medidas para influir nas escolhas do público, afetando tanto os termos do
passivo e sua composição quanto o seu volume.
Dentre os resultados visados destacam-se os seguintes. A redução na exigência
de reservas é um dos mais citados, porque as reservas não são remuneradas ou possuem
baixa remuneração. Por outro lado, como o mercado de reservas depende da atuação do
banco central, pode ocorrer uma situação de escassez das mesmas. Através da
administração de passivo, entretanto, a mesma quantidade de reservas pode sustentar
82
uma variedade e quantidade maior de obrigações, desde que estas novas obrigações
absorvam menos reservas. Um segundo resultado a ser almejado pelos bancos é
aumentar a captação através da obtenção de novos recursos. Concomitantemente, o
banco procura reduzir os custos desta captação e possivelmente também aumentar os
prazos. Por fim, o banco pode desejar reduzir a incerteza quanto às datas de fluxo de
saída de recursos do caixa dos bancos.
Ao mesmo tempo em que se altera a estrutura de obrigações, pode-se mudar
também o grau de alavancagem44 da instituição financeira. O aumento da alavancagem
permite que o banco cresça a taxas mais altas do que o permitido pela geração interna de
recursos, isto é, o ativo pode se expandir mais rapidamente.
O passivo torna-se uma variável endógena e, nas palavras de Oreiro (2003: 2), “a
preferência pela liquidez seria o elemento fundamental para determinar a estratégia dos
bancos quanto à composição de seus balanços”. A hipótese é que os bancos escolhem o
seu balanço no conjunto de acordo com a preferência pela liquidez, avaliando risco e
lucratividades percebidas.
Uma maneira de pensar a preferência pela liquidez e o comportamento dos
bancos é considerar que ela é uma das formas que o banco dispõe para se proteger
contra as incertezas e os riscos associados ao fluxo de caixa esperado. Manter ativos
líquidos é uma forma de fazer frente aos compromissos assumidos mesmo quando o
fluxo de caixa esperado não se concretiza. Outra possibilidade para reduzir os riscos da
atividade bancária é buscar o casamento de maturidades e de termos de ativos e
passivos. Por fim, diversificar passivos, estabilizar a captação de recursos e obter linhas
de crédito são formas de diminuir a necessidade de ativos líquidos e, portanto, satisfazer
a preferência pela liquidez dos bancos.
Estas estratégias envolvendo a estrutura dos passivos podem ser maneiras de se
proteger contra os riscos menos onerosa para os bancos do que a manutenção de maior
liquidez no ativo, que sacrifica, muitas vezes, o retorno monetário. Na escolha do
portfólio, o banco precisará avaliar estas possibilidades e verificar qual é a mais
adequada a cada momento.
44
O grau de alavancagem é medido pela relação entre o ativo e o patrimônio líquido.
83
O descasamento de prazos e termos entre ativos e passivos verificado no balanço
é conseqüência desta decisão do banco. Para o banco aceitar o risco decorrente desta
exposição, ele exige uma compensação na forma de um maior spread, isto é, um
diferencial de juros entre a captação e a aplicação dos recursos. Para Wray (1995), o
spread depende da composição do balanço e, portanto, varia ao longo do tempo e entre
as instituições.
Vale lembrar também que a escolha do balanço envolve decisões acerca de
ativos e passivos e que, pela preferência pela liquidez, ambos são inter-relacionados
devendo ser estruturados de forma simultânea. A estrutura do passivo pode levar o
banco a valorizar mais ou menos a liquidez, afetando a escolha entre os diferentes
ativos. Já Palley (1998: 271) enfatiza a postura inversa, na qual a escolha dos ativos
incentiva o banco a alterar a estrutura do passivo:
“Private banks will have to choose which assets to sell, and when they sell
them, they will have an incentive to alter their liability positions, which are
cross-linked to asset holdings. This is the essence of asset and liability
management. Such balance sheet transformations will change risk positions,
and this will likely lead to changes in the structure of interest rates.”.
Nesta extensão do modelo apresentado na seção anterior, baseada em Carvalho
(1999), a principal mudança no balanço dos bancos é no passivo. A instituição, além de
escolher entre os diversos ativos, pode optar entre captar através de depósitos à vista,
depósitos a prazo ou empréstimos, considerando que as alternativas estão em ordem
crescente de taxa de juros e decrescente de prazo.
Quadro 4: Balanço bancário com diversificação de passivo
ATIVO
PASSIVO
Reservas - R
Depósitos à vista - DV
Títulos do mercado monetário - TMM
Depósitos a prazo - DP
Outros títulos e valores mobiliários - TVM
Empréstimos - E
Empréstimos - E
PATRIMÔNIO LÍQUIDO - PL
Para Minsky (1986), a composição do passivo tenderá a equilibrar os custos dos
diferentes itens, assim como o banco equilibra os retornos esperados dos diversos
ativos. Porém os custos não envolvem somente a taxa de juros que incidem sobre os
84
passivos. Assim como no ativo há rendimentos explícitos e implícitos, também no
passivo há custos explícitos, em termos de taxas de juros, mas também há custos
implícitos. A exigência de reservas é um destes custos; o outro se refere à possibilidade
de saque dos clientes. A percepção de incerteza e o grau de confiança nas suas
expectativas quanto à realização dos ativos afeta o quanto o banco valoriza o
alongamento do prazo do passivo e a redução da perspectiva de saque antecipado dos
clientes.
Os depósitos à vista geralmente não pagam juros, porém seus custos em termos de
reservas requeridas e garantia de saque a qualquer momento são máximos. Os depósitos
a prazo remuneram o depositante, mas implicam em menor nível ou nenhuma reserva
compulsória e possuem prazo mais longo e alguma restrição sobre saque. Por fim, os
empréstimos possuem as maiores taxas de juros, mas naturalmente o custo em termos de
reservas é nulo e o prazo é negociado pelo banco. A possibilidade de saque antecipado é
nula.
No balanço acima (Quadro 4), os passivos estão em ordem crescente de taxa de
juros e decrescente de custos implícitos. Em equilíbrio, os custos dos diferentes itens do
passivo são equivalentes. Nesta situação, a taxa de juros mede o quanto o banco está
disposto a pagar para reduzir a exigência de reservas e reduzir a possibilidade de saque
dos clientes.
Ao mesmo tempo em que a expectativa quanto à realização dos ativos afeta a
valorização dos custos implícitos do passivo, também a estrutura do passivo bancário
afeta o prêmio de liquidez atribuído dos ativos. Quanto maior a previsibilidade dos
compromissos assumidos, menor a valorização atribuída à possibilidade de dispor a
qualquer momento de um ativo. Quanto menor a previsibilidade dos compromissos,
como nos depósitos à vista, maior o valor atribuído a ativos que podem ser convertidos
em moeda para honrar esses compromissos quando e caso necessário.
A discussão evidencia que a decisão a respeito da composição do balanço
bancário precisa ser tomada em conjunto, considerando tanto os ativos quanto os
passivos bancários. Somente avaliando concomitantemente ambos os lados do balanço é
que o banco pode escolher a melhor maneira de compor o seu portfólio e financiar a
85
aquisição destes ativos, sempre mantendo em vista a sua percepção de risco e a sua
preferência pela liquidez.
Em geral, para se proteger e evitar principalmente o risco de juros, os bancos
procuram compatibilizar prazos e termos de ativos e passivos. Entretanto, dependendo
da percepção de incerteza e das expectativas do banco, ele pode considerar este risco
baixo e recorrer ao descasamento como forma de aumentar a rentabilidade e o spread.
Quando sua expectativa é baixista, o banco pode elevar o seu lucro garantindo ativos
com taxas de juros fixas e financiando com obrigações de curto prazo com taxas de
juros flexíveis. Caso a expectativa do banco se confirme, o spread bancário tende a
aumentar naturalmente ao longo do tempo. Caso as expectativas sejam altistas, os
bancos vão procurar casar ativos e passivos a fim de evitar o risco de juros. O prazo
médio do ativo tende a cair e as taxas são variáveis. Já o passivo busca prazos mais
longos e taxas de juros fixas.
As expectativas e a preferência pela liquidez dos bancos também são abordadas
em Minsky (1986). Retomando em parte a discussão acerca da fragilidade financeira
apresentada na seção 3.4, a decisão acerca da concessão de crédito pode ser
acompanhada também de determinadas estratégias referentes ao passivo bancário.
Quando o banco assume uma atitude hedge, ele realiza empréstimos somente nas
situações em que o fluxo de caixa esperado do tomador é mais do que suficiente para ele
cumprir as suas obrigações para com o banco. No caso destes empréstimos potenciais
possuírem um bom retorno esperado frente a outros ativos mais líquidos, o banco tende
a adotar uma estratégia que privilegia e estimula os depósitos a prazo e outros
instrumentos de captação ao invés de se concentrar em depósitos à vista. Isto aumenta o
prazo médio do passivo e reduz as necessidades de reservas e de manutenção de ativos
mais líquidos, favorecendo a escolha de ativos menos líquidos e com maior
rentabilidade como os empréstimos. Em outras palavras, o banco procura casar prazos e
termos entre ativos e passivos, de forma a reduzir os riscos enfrentados. Resumindo,
quando o banco adota uma atitude hedge, ele concede empréstimos considerados mais
seguros e sua estrutura de balanço também procura minimizar riscos.
Por outro lado, esta composição de passivo que busca elevar os prazos das
captações e reduzir a necessidade de reservas leva ao aumento da alavancagem da
86
instituição financeira. Com menor proporção de capital próprio, a preferência pela
liquidez tende a aumentar, porque há mais compromissos com terceiros a serem
honrados. Este movimento compensa em parte a redução anterior com base no
alongamento dos prazos dos passivos. À medida que aumenta a proporção de
empréstimos no ativo bancário, prevalece a tendência de aumento da preferência pela
liquidez e, portanto, o valor atribuído à possibilidade de dispor dos ativos a qualquer
momento.
À medida que as expectativas do banco são corroboradas, ele adquire maior
confiança e pode ser tornar mais otimista. Nesta situação de redução da preferência pela
liquidez, o banco aceita ativos de maior prazo e mais arriscados, porque vislumbra um
elevado retorno para os mesmos. Estes períodos de maior otimismo podem levá-lo, além
de uma estratégia mais ousada em termos de expansão do ativo, também a uma política
mais agressiva na captação de recursos, seja no volume quanto na absorção de reservas,
assim como em termos de exacerbar o descasamento entre ativos e passivos existente na
atividade bancária. Para diminuir o custo explícito das obrigações, o banco encurtar
prazos e oferecer garantias e termos mais favoráveis aos depositantes, promovendo o
descasamento do balanço e elevando o spread. Ao mesmo tempo, o banco também
tende a aumentar a sua alavancagem, recorrendo mais ao uso de recursos de terceiros
para que consiga aproveitar as oportunidades de lucro percebidas. A ampliação da
margem entre o custo do passivo e a rentabilidade dos ativos garante grandes lucros ao
banco. A proporção de empréstimos mais arriscados tende a crescer e a estrutura do
balanço torna-se mais agressiva, sinalizando que o banco adota crescentemente uma
atitude mais especulativa.
Como visto na seção 3.4, em algum momento ocorre a reversão destas
expectativas e o banco torna-se mais cauteloso. Quando o banco fica mais conservador e
aumenta a sua preferência pela liquidez, os impactos atingem tanto os empréstimos
(visto na seção 3.4) quanto a composição do passivo. Além de valorizar mais a liquidez
dos ativos, a instituição procura compatibilizar o perfil de ativos e passivos. O banco
volta a privilegiar uma atitude hedge.
Por fim, há que se destacar o papel das inovações financeiras (Minsky, 1982 e
1986; Chick, 1994). Ainda que a administração de passivos permita que o banco
economize reservas e possa dispor de recursos a termos e prazos mais favoráveis à
87
expansão dos ativos, ele também pode ser criativo e adotar novas formas e novos termos
para captação de recursos. Trata-se de uma radicalização dos objetivos da administração
de passivo, como forma de contornar e superar tanto o controle dos bancos centrais
como também as necessidades internas dos bancos de satisfazerem a sua preferência
pela liquidez e constituírem reservas.
Um exemplo de inovação foi o surgimento do mercado interbancário. Os bancos
dispõem neste mercado de uma alternativa para aquisição de recursos, em especial para
atender os requisitos de reservas compulsórias, bem como uma alternativa para a
aplicação de reservas ociosas no curtíssimo prazo. Com esta inovação o nível de
reservas passa a ser mantido mais próximo do limite exigido.
Para sintetizar, o modelo de preferência pela liquidez enriquecido pelas
contribuições de Minsky busca determinar o complexo de ativos e passivos que é
preferido por um agente, de acordo com retorno monetário e prêmio de liquidez dos
ativos e de custos e riscos dos compromissos. Tanto no ativo quanto no passivo há
considerações não-monetárias referentes a quanto o banco valoriza seja a liquidez dos
ativos seja a redução dos riscos proporcionada por determinados passivos. Isto cria
interdependência, pois as variáveis se influenciam mutuamente. A decisão de
composição do balanço é uma decisão conjunta, considerando tanto os ativos quanto os
passivos bancários.
A concessão de crédito neste contexto ganha novas dimensões. O aumento da
preferência pela liquidez do banco com o aumento da relação entre empréstimos e
ativos totais pode ser satisfeita em parte por uma composição de passivo mais favorável.
Desta forma, o banco tende a valorizar menos os ativos líquidos e permite-se uma maior
expansão do crédito. Com um menor prêmio de liquidez para os ativos mais líquidos, os
retornos esperados dos empréstimos potenciais tornam-se suficientes para maior
concessão de empréstimos.
Entretanto, a administração de passivos também possui limites. Não apenas os
empréstimos criam riscos crescentes, mas o aumento da alavancagem também aumenta
a preferência pela liquidez. Ainda que inovações financeiras possam estender ainda
mais os limites considerados seguros para os bancos operarem com crédito, a percepção
88
de risco das instituições bancárias e a sua preferência pela liquidez podem limitar a
expansão.
3.7 Mudanças das últimas décadas e a preferência pela liquidez dos bancos
Nas últimas décadas, dois desenvolvimentos dos mercados financeiros foram
especialmente importantes: o processo de securitização e o crescente uso dos
derivativos, em especial com o surgimento dos derivativos de crédito. Estas mudanças
possuem impactos relevantes na atividade bancária e a questão que imediatamente se
coloca é como elas afetam o comportamento dos bancos. O modelo de preferência pela
liquidez desenvolvido neste ensaio é utilizado a seguir para investigar as possíveis
conseqüências da securitização e dos derivativos de crédito sobre o complexo de ativos
e passivos que é preferido pelas instituições bancárias.
3.7.1 Securitização
Nas últimas décadas, o mercado de títulos nos países desenvolvidos e no sistema
financeiro internacional cresceu rapidamente em relação ao volume de créditos
bancários. A colocação direta de papéis tornou-se uma alternativa de captação de
recursos para as empresas e muitas vezes é mais barata do que os empréstimos
bancários, pois ela elimina os riscos do intermediário e os custos de cadastro, avaliação
e monitoramento45. Soma-se a isto uma série de inovações financeiras que criaram
estruturas e instituições de “apoio” ao mercado de títulos, alterando o perfil e o custo
das transações desintermediadas. (Allen e Santomero, 1999; Carvalho et alii, 2000,
Cintra e Freitas, 1998; ANDIMA, 2001)
89
O surgimento de investidores institucionais garantiu maior volume de transações
ao mercado secundário de títulos46 e estes agentes passaram a atuar como âncoras,
aumentando a profundidade e a eficiência dos mercados. O adensamento do mercado
reduziu os custos de organização e garantiu-se maior liquidez. Por sua vez, mercados
secundários líquidos e organizados reduzem os custos de transação dos agentes
individuais e os riscos do emprestador. A qualquer momento o emprestador pode vender
o título de dívida e romper o seu vínculo com o devedor. Aumenta a atratividade destes
ativos e, portanto, reduz-se a remuneração exigida e o custo dos recursos, dando novo
impulso ao processo de securitização. Finalmente, o maior volume das transações
também permite maior diferenciação dos contratos, que podem ser desenhados de
acordo com as preferências dos mercados a que se destinam. Reduz-se paulatinamente
uma das grandes desvantagens dos títulos, que é o desprezo das idiossincrasias das
partes, em favor da substitutibilidade e da liquidez.
Entretanto, as operações desintermediadas exigem que sua atratividade possa ser
julgada pelos emprestadores últimos, a fim de reduzir a percepção de risco e o custo dos
recursos. Deste modo, o desenvolvimento de empresas de rating e consultorias que
produzem e distribuem informação, reduzindo o problema de informação assimétrica
nos mercados financeiros, estimulou ainda mais a securitização.
Por fim, o emprestador último, sobre o qual recaem os riscos das operações
desintermediadas, obteve instrumentos poderosos para gestão destes riscos. Os diversos
tipos de derivativos permitem decompor e negociar separadamente os riscos de uma
transação, além de viabilizar o atendimento de necessidades específicas de um agente
como nos contratos de swap47. Em síntese, os aspectos que garantiam vantagens aos
intermediários financeiros - menores custos de transação, gestão da informação, garantia
de liquidez e administração de riscos - foram crescentemente contemplados nas formas
desintermediadas de obtenção de recursos.
A crescente importância de investidores institucionais e o processo de
45
Na realidade estes riscos e custos são em grande medida repassados para o tomador final.
Faz-se necessário diferenciar o mercado primário, no qual são feitas novas captações para realizar
investimentos, do mercado secundário, que permite a negociação dos ativos existentes. O papel dos
mercados secundários é tão importante que em grande medida eles podem se tornar pré-requisito para o
bom funcionamento do mercado primário.
46
90
securitização levaram a uma mudança de escopo das instituições financeiras e da
natureza do negócio bancário, não necessariamente o seu volume. Segundo Allen e
Santomero (1999), o crédito bancário ainda é instrumento dominante e os bancos são
instituições fundamentais para o funcionamento de todo o mercado financeiro.
Com a crescente utilização de outros instrumentos financeiros de captação, de
menor custo, como emissão de títulos (commercial papers) e o acesso ao mercado de
capitais, aumentou a competição entre instituições financeiras e as atividades
tradicionais dos bancos foram enfraquecidas. As reações dos bancos ocorreram em duas
direções distintas48: expansão das atividades a fim de incorporar os mercados mais
promissores e transformação da própria operação e gestão dos recursos.
Em busca de negócios novos e mais promissores, os bancos expandiram e
diversificaram as suas operações combinando funções de banco comercial, de banco de
investimento e, por vezes, também de seguradora. Neste processo de conglomeração
financeira, as instituições financeiras tornaram-se universais, beneficiando-se de
economias de escala e escopo49, por exemplo aproveitando a rede de clientes e de
relações para colocar papéis. De emprestadores, os bancos passam também para
originadores de empréstimos, promotores de colocação de papéis e fornecedores de
linhas de liquidez de apoio à colocação. Adicionalmente, o novo banco organiza
mercados secundários, comercializa derivativos e administra carteiras de terceiros. Os
empréstimos bancários continuam sendo importantes, porém os bancos voltaram-se para
créditos de maior risco em geral, como aqueles voltados para pequenas e médias
empresas e o crédito ao consumidor.
Quanto à operação e gestão dos recursos dos bancos, destacam-se as operações
de securitização secundária. Este mecanismo permite que o processo de concessão de
empréstimos seja decomposto e que o banco não seja mais obrigado a reter estes ativos
em carteira. Os contratos são organizados em conjuntos com características semelhantes
e servem como base para criação de um novo ativo a ser vendido no mercado, cujo
47
Swap é um contrato que estabelece a troca de rentabilidade e risco entre investidores. Assim, eles
mimetizam condições que não estão disponíveis ao próprio agente no mercado.
48
Evidência clara de que os bancos mudaram e continuam mudando são as alterações e as constantes
revisões nas diretrizes de regulação financeira.
49
Os ganhos são obtidos na produção de informações sobre tomadores, utilização de equipamentos e
sistema de pagamentos, monitoramento de clientes e descoberta de novas oportunidades.
91
retorno é o serviço da dívida criada pelo intermediário. Em outras palavras, o banco faz
a securitização de seus próprios ativos, isto é, dos empréstimos para tomadores finais.
Estes novos papéis são geralmente repassados a fundos de investimento. Deste modo, o
banco evita o risco de crédito e de juros e os custos de monitoramento, além de ganhar a
receita de intermediação e maior liquidez no balanço.50 Por outro lado, os empréstimos
originais geralmente sofrem mudanças, a fim de homogeneizar as cláusulas e reduzir as
idiossincrasias. A tendência é que os empréstimos bancários tornem-se cada vez mais
padronizados, assemelhando-se a títulos.51
O processo de securitização e a emergência de bancos universais criou formas
alternativas de estruturar o que anteriormente se limitava a empréstimos. Em outras
palavras, o desenvolvimento da securitização mudou a forma como as operações de
crédito são estruturadas. Em um banco universal que atua ativamente nos diversos
mercados, trabalha-se com empréstimos bancários tradicionais, mas também com
securitização secundária e com a emissão primária de títulos, em especial os títulos de
dívida, como bônus, debêntures e commercial papers52, que tem perfil semelhante a
empréstimos.
Neste contexto, os bancos ganharam maior flexibilidade na composição do seu
portfólio, porque eles podem optar por atuar apenas como corretor, colocando os títulos
das firmas diretamente no mercado, podem manter o crédito em seu próprio balanço até
que considerem a venda vantajosa ou podem manter o ativo até a sua maturidade.
Independente da escolha do banco, de uma maneira geral o processo de securitização
tende a aumentar a liquidez do seu balanço (Chick, 1997).
Do lado do passivo, o processo de securitização também permitiu um aumento
de flexibilidade. Além dos tradicionais depósitos, à vista ou a prazo, os bancos podem
obter recursos através de operações compromissadas (incluindo as operações no
interbancário), através da colocação de títulos no mercado financeiro e de empréstimos.
50
Para Carey e Stulz (2005), a transferência de riscos deve ser vista com cautela. Muitas vezes há
compromissos implícitos e a transferência de riscos não é transparente. Na Europa, por exemplo, grande
parte do risco de crédito ainda é de responsabilidade do banco emissor dos títulos.
51
Este é um exemplo do processo de obscurecimento das diferenças entre os contratos financeiros, que
fazem ativos e passivos perderem definição.
52
Faz-se necessário distinguir os diferentes tipos de títulos. Os commercial papers são títulos do
segmento de curto prazo, chamado de mercado monetário. Já no segmento de longo prazo, chamado de
mercado de capitais, negociam-se títulos como bônus e debêntures que têm prazo superior a um ano.
92
Considerando a escolha de composição do balanço e o trade off entre
rentabilidade e liquidez, a análise não oferece mudanças substanciais em relação às
seções anteriores. Como já demonstrava o estudo do Federal Reserve Bank of New
York (1990: 3), estas mudanças não alteram os princípio da administração de liquidez
dos bancos, alteram apenas a forma e os instrumentos usados além de darem mais
flexibilidade aos bancos. Como bancos universais podem escolher dentre uma gama
muito variada de ativos, torna ainda mais pertinente a afirmação de Chick e Dow (2002:
591): “banks must ensure the liquidity of their portfolios, and there is a range of assets
of varying degrees of liquidity from which to choose”.53
Em determinados momentos, a percepção de incerteza da instituição bancária
pode aumentar o seu interesse em reduzir seus custos e os riscos assumidos, buscando
ativos mais líquidos e/ou maior casamento entre ativos e passivos. Em outros
momentos, a confiança em expectativas otimistas pode levar o banco a aceitar uma
estrutura de balanço menos líquida e mais especulativa.
No tocante à concessão de crédito, destacam-se os empréstimos, a securitização
secundária e a emissão primária de títulos de dívida entre uma grande variedade de
ativos competem enquanto destino dos recursos. Como visto anteriormente, esta
alocação é sensível, dentre outros fatores, à composição do passivo bancário, que pode
envolver maiores ou menores riscos de liquidez; ao estado de expectativas e ao grau de
confiança dos bancos.
No contexto atual, a preferência pela liquidez dos bancos não altera somente a
alocação dos recursos entre os diversos tipos de ativos mas também entre as diversas
formas que um mesmo tipo de operação pode assumir. Dadas as diferentes formas de
consolidar um empréstimo, a seguinte proposta de Keynes (1988: 47) mostra-se
extremamente pertinente: "the problem before a bank is not how much to lend (...) but
what proportion of its loans can be safely made in the relatively less liquid forms.". Em
53
Neste trabalho, Chick e Dow consideram que o ativo dos bancos é composto de reservas (seja em
moeda ou ativos líquidos), atívos líquidos ou de curto prazo, investimentos (títulos de longo prazo) e
empréstimos.
93
outras palavras, o banco deve decidir de que forma ele vai realizar os empréstimos de
firmas e consumidores.54
Quando os bancos têm elevada preferência pela liquidez, a concessão de novos
empréstimos bancários é reduzida e pode haver racionamento de crédito, como
analisado na seção 3.4. Os bancos preferem atuar como corretores, procurando colocar
títulos das firmas diretamente no mercado e mantendo o seu balanço mais líquido. O
impacto disto é diminuir o volume de crédito e limitar o crédito restante principalmente
às formas desintermediadas. Já quando os bancos estão mais otimistas, eles podem
emitir mais títulos de dívida e conceder maior número de empréstimos bancários, sem
exigir uma remuneração monetária adicional muito elevada (a fim de compensar a perda
de liquidez), e os contratos tendem a ser mantidos no balanço até a sua maturidade.
Cabe lembrar, então, que a manutenção de títulos no balanço bancário pode ter
duas origens. Pode se tratar de uma emissão primária, como discutida acima, ou de uma
aquisição de ativo no mercado secundário. Naturalmente, as implicações para economia
diferem substancialmente. Quando há uma emissão primária, aumenta-se o crédito e,
conseqüentemente, a possibilidade de gastos. Nas transações de mercado secundário, há
somente a transferência de ativos pré-existentes entre distintos agentes econômicos.
Atualmente, portanto, somente a observação do balanço deixa de ser um bom
indicador das atividades exercidas pelos bancos. Caso o banco forneça apenas o serviço
de colocação de títulos no mercado, esta operação nem mesmo aparece no balanço.
Trata-se de um serviço prestado pelo banco, pelo qual o banco recebe o pagamento via
comissões.
3.7.2 Derivativos
54
Atualmente, a escolha sobre a forma de emprestar, também precisa considerar os requerimentos de
capital baseados no acordo da Basiléia. Em geral, empréstimos tradicionais são menos atrativos do que a
colocação de títulos, principalmente quando o nível de capital está mais baixo (em inglês, diz-se que
“constraints are binding”). O presente trabalho não se propõe a discutir o impacto da regulação bancária
do Acordo da Basiléia sobre a composição de balanço dos bancos.
94
A observação do balanço também perdeu relevância com a expansão do uso de
derivativos. Eles são alternativas para aplicação de recursos e para gestão de riscos que
aparecem apenas parcialmente no balanço e cujos valores contábeis não refletem a sua
importância na gestão bancária. Atualmente, o mercado financeiro opera com diferentes
tipos de derivativos, desde os tradicionais – referenciados a taxas de juros e moedas –
até os derivativos econômicos55.
Não obstante tratar-se de operações chamadas “fora do balanço”, os derivativos
constituem uma mudança institucional com implicações para escolha dos ativos e
passivos bancários. Eles afetam a gestão de risco e alteram as características de diversos
itens do balanço, tornando-se importantes para compreender as escolhas feitas pelos
bancos.
Como discutido na seção 3.6, o comportamento baseado no princípio da
preferência pela liquidez sugere que os bancos dispõem de diferentes maneiras para se
proteger contra as incertezas e os riscos associados ao fluxo de caixa esperado, tendo
em vista a necessidade de fazer frente aos compromissos assumidos. Manter ativos
líquidos é apenas uma das alternativas. Outras possibilidades são buscar o casamento de
maturidades e de termos de ativos e passivos, diversificar passivos, estabilizar a
captação de recursos, obter linhas de crédito, entre outros. Todos estes expedientes são
formas de diminuir riscos e a necessidade de ativos líquidos; portanto, são formas de
satisfazer a preferência pela liquidez dos bancos.
Nas últimas décadas, os derivativos somaram-se aos expedientes elencados
acima e atualmente fazem parte do conjunto de instrumentos disponíveis para os bancos
fazerem a sua gestão de risco e satisfazerem a sua preferência pela liquidez.
Através dos instrumentos derivativos, bancos alteram o rendimento monetário
associado a determinados ativos e passivos. Uma das possibilidades é o uso de swaps,
através dos quais as instituições podem comprar proteção contra descasamento dos
55
Os derivativos econômicos ganharam expressão a partir de 2002 e são instrumentos cujos pagamentos
estão relacionados a eventos macroeconômicos como crescimento do PIB, índices de inflação e
desemprego, resultados da balança comercial entre outros. Segundo Gurkaynak e Wolfers (2006),
atualmente os derivativos econômicos conferem proteção apenas aos riscos de curto prazo e não ao risco
sistêmico. Por serem instrumentos de uso incipiente, os derivativos econômicos não serão abordados na
presente discussão.
95
termos de ativos e passivos. Neste sentido, o swap de taxa de juros pode alterar a
remuneração associada a um passivo de taxa de juros variáveis para taxa de juros fixa,
de tal forma que o banco possa oferecer condições mais atraentes de empréstimos aos
seus clientes sem incorrer no risco de juros. De maneira semelhante, o swap de moedas
permite que o banco capte em mercados externos com condições de prazos e taxas
melhores, sem que a instituição tenha que arcar com o risco de flutuação cambial. Na
escolha do seu balanço, os bancos precisam considerar não apenas as características dos
ativos e passivos que possam figurar explicitamente nas demonstrações contábeis, mas
também a disponibilidade e o custo associado à proteção contra risco de juros e de
moeda. A escolha final do complexo de ativos e passivos que é preferido pelo banco
dependerá dos retornos monetários e dos prêmios de liquidez dos ativos e dos custos e
dos riscos dos compromissos tendo em vista as alterações obtidas através de contratos
de swap.
Os derivativos tornam possível também alterar o atributo de liquidez dos ativos
bancários. Seja através de contratos futuros ou de opções, o banco pode assegurar
determinadas condições para a venda de ativos, independente das condições objetivas
vigentes no mercado àquele momento. Em outras palavras, os derivativos permitem
reduzir o risco de mercado, elevando o prêmio de liquidez do respectivo ativo. Na
composição de portfólio da instituição bancária, conforme desenvolvido na seção 3.5, o
equilíbrio entre os retornos esperados deixa de referir-se às características originais dos
ativos. Faz-se necessário considerar o retorno esperado, incluindo o prêmio de liquidez,
do conjunto formado pelo próprio ativo e pelas operações de derivativos associadas ao
mesmo. É esperado que o retorno deste conjunto envolva um prêmio de liquidez mais
elevado, porém um retorno monetário um pouco mais baixo devido ao pagamento de
prêmios e taxas no mercado de derivativos.
Além da gestão de riscos associados ao descasamento de ativos e passivos e do
risco de mercado, os derivativos mais recentemente passaram a atender também à
gestão do principal risco que atinge a atividade bancária tradicional: o risco de crédito.
Segundo o Global Financial Stability Report do FMI (2006), o mercado de derivativos
de crédito atingiu um volume de contratos estimado em US$ 17 trilhões ao final de
2005, o que significa que o mercado mais do que quadruplicou entre 2003 e 2005. Para
Greenspan (2005), “perhaps the most significant development in financial markets over
the past ten years has been the rapid development of credit derivatives”. Pelo exposto,
96
uma análise mais detalhada deste tipo de derivativo torna-se relevante no estudo de
comportamento de bancos.
Os derivativos de crédito são instrumentos muito flexíveis que permitem
negociar riscos em um contrato referenciado a um ativo de crédito ou portfólio de ativos
de crédito, porém com prazo e valor nominal estabelecidos independentemente deste(s)
ativo(s). Em contrapartida ao recebimento de uma taxa (fee), o comprador do derivativo
se compromete a um pagamento contingente limitado ao valor e às situações previstas
no contrato. Estas situações são chamadas eventos de crédito e podem ser a ocorrência
de default, pré-pagamento, variação na taxa de juros do crédito, mudança de rating da
empresa ou falência, entre outros.
Atualmente, o mercado de derivativos de crédito é dominado pelos swaps de
risco de inadimplência (credit default swaps), que assemelha-se a um seguro ou
garantia. Outra modalidade é o swap de retorno total (total return swap), no qual os
agentes trocam remunerações entre ativos de crédito. Por fim, há que se destacar os
títulos combinados a derivativos de crédito, chamados de credit linked notes. Nestes
títulos que são negociados em mercados secundários, o repagamento do principal na
maturidade está condicionado ao resultado do evento de crédito. Esta alternativa garante
a antecipação dos recursos a serem pagos pelo tomador final do risco e é utilizada em
situações nas quais o risco de default da contraparte é considerado elevado ou o evento
de crédito é provável.
O desenvolvimento do mercado de derivativos de crédito é recente e poucos
bancos valem-se destes derivativos nas suas operações. Segundo a avaliação de Minton,
Stulz e Williamson (2005) do mercado estado-unidense entre os anos de 1999 e 2003,
dentre os bancos comerciais com ativos acima de US$ 1 bilhão apenas cerca de 10%
utilizavam derivativos de crédito56. Eles, no entanto, eram responsáveis por mais de
60% dos ativos totais da amostra. Vale notar também que o estudo trabalha com dados
até 2003, sendo que a expansão do mercado de derivativos de crédito ganhou maior
impulso a partir de então.
56
A título de comparação, 50% dos bancos da mesma amostra relataram usar derivativos de taxas de
juros.
97
Existem também poucos trabalhos avaliando como bancos utilizam ou podem
utilizar este instrumento. Dentre eles destacam-se o trabalho do BIS (2003) e do FMI
(2006) e os estudos de Franke e Krahnen (2005) e de Minton, Stulz e Williamson
(2005). Estes últimos (p.3) afirmam que “[d]espite the growth of the credit derivatives
market, we know little about how banks use credit derivatives to change their credit
exposures.”.
Para bancos, derivativos de crédito são utilizados principalmente na gestão de
riscos57. Tendo em vista os riscos incorridos nos empréstimos, bancos passaram a dispor
nas últimas décadas de formas de transferí-los para outros agentes econômicos. Através
do processo de securitização, visto na subseção anterior, bancos concedem crédito
mediante a emissão primária de títulos negociáveis no mercado. Uma forma mais
sofisticada diz respeito à securitização secundária, pela qual o banco organiza
empréstimos com características semelhantes e este conjunto serve como base para
criação de um novo ativo a ser vendido no mercado. Em ambos os casos, há
transferência dos ativos e eles deixam de figurar no balanço do banco.
Os derivativos de crédito eliminaram a necessidade de transferência do ativo. Os
riscos são transferidos sinteticamente para os tomadores finais, através da venda apenas
contratual58 dos ativos (Aronovich e Pereira, 2003). Isto aumenta a flexibilidade do
instrumento, porque barreiras regulatórias, fiscais e geográficas perdem eficácia,
aumentando potencialmente o universo de tomadores finais dos riscos. Além disso, os
bancos podem melhorar o seu perfil de risco sem afetar o relacionamento de longo
prazo e confiança estabelecido com os seus clientes. Neste relacionamento há
compromissos tácitos e vantagens na renogociação dos contratos que podem impedir a
transferência do ativo. Com derivativos, torna-se possível manter os clientes e explorar
determinados nichos de mercado ao mesmo tempo em que se reduz o grau de
concentração e diversifica-se o portfólio através de compras e vendas apenas
contratuais.
Os derivativos de crédito facilitam a distribuição do risco, porque o banco dispõe
de liberdade para adequar o instrumento às demandas do tomadores finais de risco. Em
57
Derivativos de crédito também podem ser utilizados como investimento e para obter ganhos de
arbitragem. Segundo a literatura pesquisada, bancos geralmente não exploram estes demais usos.
58
Em princípio, derivativos de crédito não exigem nem a posse do ativo no qual o contrato se referencia.
98
primeiro lugar, o valor e o prazo das operações pode ser definido independente das
características dos empréstimos originais. Ademais, a flexibilidade dos derivativos
permite que o banco transfira apenas parte, em vez de todo o risco de crédito. Como
visto anteriormente, o evento que condiciona o pagamento de um derivativo pode ser
tanto o default, quanto o pré-pagamento do crédito, reestruturações, variações na taxa de
juros, alterações no rating da empresa, entre outros. Uma forma de distinguir diferentes
perfis de transferência de risco é estruturar os swaps de risco de inadimplência
envolvendo portfólio de créditos em tranches. Na tranche de primeira perda, chamada
de equity-tranche, o comprador do risco assume o valor dos primeiros créditos em
default até o valor nominal do derivativo. Trata-se de um instrumento muito arriscado e
que captura grande parte do risco idiossincrático. O risco cai nas tranches seguintes e a
de hierarquia mais alta é chamada de tranche sênior. Seu risco é pequeno, pois captura
apenas risco sistêmico e em casos extremos. Assim, embora as tranches possam ter
valores nominais idênticos, os riscos transferidos são muito diferentes, porém difíceis de
avaliar. Até recentemente, a equity-tranche geralmente ficava com o emissor dos
créditos, como incentivo para seleção e monitoramento dos tomadores de crédito. Com
a expansão dos fundos de hedge, eles começaram a demandar inclusive estas tranches
mais arriscadas. A possibilidade da chamada compra alavancada garante bons retornos,
constituídos pelo pagamento de taxas (fees) pelo emissor, sem a necessidade de
imobilização de recursos. Somente em caso de evento de crédito, o fundo é chamado a
arcar com os custos do default.
Uma conseqüência do uso dos derivativos de crédito é aprofundar um
movimento que começou com a securitização: a desvinculação entre a atividade de
originação de empréstimos e a gestão de riscos das instituições bancárias.
Anteriormente, com crédito não-comercializável, a concessão de novos empréstimos
estava subordinada à avaliação dos riscos incorridos pelo banco. Com o avanço da
securitização, o banco ganhou alternativas para estruturar a concessão de crédito e
iniciou a transferência de parte dos riscos para outros agentes econômicos, com
destaque para os investidores institucionais. Os derivativos de crédito ampliaram as
alternativas para transferir as exposições para outros agentes e, desta forma, os bancos
podem gerenciar melhor os riscos, conforme revela o FMI (2006: 20-21) no Global
Financial Stability Report:
99
“Credit derivative markets increasingly (...) enable banks to delink loan
origination decisions from traditional risk management considerations. (...)
[The] diversity of participants enables buyers and sellers of credit to focus
increasingly on the aspect of the intermediation process in which they may
have a comparative advantage, such as banks’ origination infrastructures
and relationships, hedge funds providing price discovery and liquidity, and
insurers and pension funds serving as longerterm holders of credit and
seeking to better match their liability structures. (...) Indeed, credit
derivatives allow banks to preserve customer relationships, while risk
managers may simultaneously adjust total or specific credit exposures (e.g.,
by buying protection to reduce concentration risk). In other words, these
markets enable banks to optimize their credit portfolios according to a
chosen risk management strategy, and to more proactively and gradually
adjust credit exposures.”
Na escolha entre as diferentes maneiras de transferir o risco de crédito, Minton,
Stulz e Williamson (2005: 14) afirmam que “credit derivatives are most likely to be
used when the costs of selling or securitizing loans are too high”. Isto ocorre porque os
derivativos envolvem riscos da contraparte, riscos operacionais e legais. Além disso, as
operações são de grande complexidade e há dificuldades na sua contabilização como
hedge.
Em suma, os derivativos de crédito representam um instrumento muito flexível,
que facilita a transferência do risco de crédito para agentes econômicos não-bancários,
melhorando a gestão de risco e reduzindo a exposição dos bancos. Os tomadores finais
de risco são geralmente agentes com menor alavancagem, com horizontes de decisão
mais longos e, conseqüentemente, com maior tolerância a riscos. Dentre os maiores
demandantes encontram-se fundos de hedge, fundos de pensão ou fundos mútuos e
seguradoras.
A transferência de pelo menos parte do risco de crédito para outros agentes
econômicos é uma maneira de bancos reduzirem a incerteza associada ao fluxo de
retorno dos empréstimos. Esta queda, por sua vez, reduz o prêmio de liquidez de todos
os demais ativos, pois torna-se menos relevante deter ativos líquidos e adotar outras
formas de redução de riscos para garantir a capacidade de pagar os compromissos
contratuais. Conseqüentemente, o uso de derivativos de crédito permite que os bancos
possam elevar a concessão de empréstimos e ainda assim permanecer como instituições
hedge nos termos de Minsky.
100
Esta hipótese é compatível com a observação de Minton, Stulz e Williamson
(2005) de que bancos que compram proteção através de derivativos assumem mais risco
do que os demais bancos. Os autores basearam esta afirmativa nas observações de
menor coeficiente de capital, menor proporção de ativos líquidos, maior razão entre
ativos ponderados pelo risco sobre ativo total e maior percentual de provisão para
devedores duvidosos. Em outras palavras, a incorporação de derivativos de crédito ao
conjunto de instrumentos de gestão de risco e de satisfação da preferência pela liquidez
dos bancos permite que os bancos adotem estratégias mais agressivas de gestão do
balanço e de concessão de crédito.
Faz-se necessário ter cautela para não super-estimar o potencial dos derivativos
de crédito. Atualmente, a transferência de risco possui limites. O mercado é mais
desenvolvido para créditos de empresas com grau de investimento (investment grade) e
os bancos vendem geralmente tranches seniores de derivativos de portfólio. Muitas
vezes, a exposição ao risco é reduzida somente para situações extremas, impactando
principalmente a solvência e não a liquidez dos bancos.
Outro potencial refere-se aos títulos associados a derivativos de crédito (credit
linked notes). A emissão de títulos com este perfil pode ser uma alternativa interessante
de captação de recursos para os bancos, porque cria obrigações referenciadas a
determinadas características dos empréstimos. Para Franke e Krahnen (2005), esta
alternativa de funding torna os bancos menos vulneráveis ao risco sistêmico. Em outras
palavras, a emissão de credit linked notes é compatível com maior casamento do
balanço, pois a obrigação fica condicionada a indicadores de desempenho dos ativos.
Por fim, cabe notar que o mercado de derivativos de crédito pode reduzir o ciclo
de fragilização financeira proposto por Minsky e visto na seção 3.6. Os derivativos de
crédito abriram a possibilidade de maior transparência na precificação dos empréstimos
e de melhor mensuração dos riscos incorridos. Com um mercado de negociação de
riscos, as revisões durante o ciclo econômico são mais freqüentes e o ponto de inflexão
e a deterioração dos créditos podem ser identificados precocemente. Com mais
informação, os bancos podem evitar maior fragilização financeira e manter a atitude
hedge sempre que adequado. A disciplina de mercado poderia atenuar o ciclo de crédito
e talvez evitar crises financeiras mais severas. No entanto, para cumprir este papel, o
mercado de derivativos de crédito precisa se expandir e se aprofundar, disseminando
101
informações não apenas para algumas obrigações, especialmente obrigações
corporativas com grau de investimento. (FMI, 2006; Minton, Stulz e Williamson, 2005)
Em suma, os derivativos de crédito podem se incorporar ao conjunto de
instrumentos disponíveis aos bancos para a gestão de risco e a satisfação da preferência
pela liquidez. Em que medida o uso destes derivativos terá impacto no papel dos bancos
no sistema financeiro dependerá da evolução futura do mercado, do número e
importância das instituições envolvidas e dos riscos transferidos.
As mudanças das últimas décadas causaram alterações significativas nos
balanços bancários e na forma de bancos atuarem. O processo de securitização, o
crescente uso de derivativos e a universalização das instituições bancárias criaram novas
opções de aplicação e captação de recursos, aumentando a flexibilidade e complexidade
na composição do balanço. Por outro lado, cresceram também as operações chamadas
fora do balanço. Neste contexto, torna-se difícil reconhecer puramente nos balanços
elementos que identifiquem claramente uma escolha baseada na preferência pela
liquidez. Parece mais correto considerar que as atividades exercidas pelos bancos
(universais) são regidas pelo princípio da preferência pela liquidez e que estas
atividades somente estão parcialmente refletidas nos balanços. Faz-se necessário buscar
informações adicionais para compreender o que bancos fazem e como eles tomam
decisões sob incerteza. Por este motivo, é controversa a afirmação de Chick (1997):
“These developments may be read as evidence that liquidity cushion,
systematically reduced over the years by learning, innovating, coopting the
regulator, and taking increasing risks, had become too thin for comfort”.
O fato é que os bancos dispõem atualmente de mais instrumentos para gestão da
preferência pela liquidez, seja através da maior liquidez dos ativos, da administração de
passivo ou do uso de derivativos. Quanto à concessão de crédito, os desenvolvimentos
recentes também criaram novas oportunidades e alternativas. O processo de
securitização elevou a liquidez de diferentes formas de estruturar as operações de
crédito. Já os derivativos de crédito abrem a possibilidade de transferir parte do risco
dos empréstimos para outros agentes econômicos, sem a necessidade de transferência
dos ativos. Ainda que hoje em dia os mercados sejam mais voláteis e imponham maior
valorização da liquidez, os bancos dispõem de cada vez mais instrumentos para lidar
com o risco e satisfazer a sua preferência pela liquidez.
102
3.8 Conclusão
O presente ensaio procurou demonstrar que o princípio da preferência pela
liquidez como desenvolvido por Keynes e posteriormente enriquecido pela
administração de passivos proposta por Minsky é um arcabouço amplo e flexível que
permite compreender a escolha de balanço dos bancos. Ele se aplica desde o banco
comercial como proposto por Keynes no Tratado sobre a Moeda até os bancos
universais existentes atualmente.
Com o auxílio deste arcabouço teórico é possível estudar em mais detalhe a
concessão de crédito feita pelos bancos. Em primeiro lugar, a avaliação feita pelos
bancos acerca da expectativa de retorno e da possibilidade do tomador de recursos
honrar os seus compromissos é fundamental para o crédito ser concedido. Não basta
haver demanda por crédito, o banco precisa acreditar na capacidade de pagamento dos
tomadores potenciais; caso contrário há racionamento. Além disso, cabe notar que as
avaliações do banco estão sujeitas a mudanças de acordo com as expectativas e sua
percepção de incerteza.
Entretanto, o retorno esperado não é a única variável relevante no processo de
concessão de crédito. Como bancos possuem preferência pela liquidez, a rentabilidade
do crédito é comparada com o retorno esperado de todos os demais ativos, inclusive o
retorno não-monetário dado pelo prêmio de liquidez. Somente se este retorno superar o
retorno dos demais ativos é que o crédito é concedido.
A comparação com o retorno esperado de outros ativos tem duas conseqüências
importantes. Em primeiro lugar, constata-se que a soma do retorno em termos de juros e
do prêmio de liquidez é sempre positiva para os títulos do mercado monetário e para
outros títulos e valores mobiliários. Assim, a soma destes retornos constituem um piso
para o retorno esperado líquido para que o banco decida pela concessão de crédito. Uma
segunda conseqüência decorre de variações do prêmio de liquidez. Quando o banco
aumenta a concessão de crédito, ele incorre em riscos crescentes que se traduzem em
uma maior valorização da liquidez. Ao expandir o crédito, o banco tende a obter
103
empréstimos potenciais com retorno esperado cada vez menores e, por sua vez, o
prêmio de liquidez dos demais ativos tende a aumentar. Fica mais difícil que o retorno
esperado do empréstimo seguinte ainda seja suficiente para compensar a sua perda de
liquidez. A realização de empréstimos cria as condições que limitam a própria
concessão de crédito.
Os desenvolvimentos no mercado financeiro nas últimas décadas forneceram
novos instrumentos aos bancos e alternativas para evitar ou reduzir a intensidade desta
reação. As diversas formas de concessão de crédito ganharam cada vez mais liquidez e
o banco pode optar se deseja realizar a concessão de crédito em formas mais líquidas,
como através de títulos ou securitização secundária, ou em formas menos líquidas,
como nos empréstimos tradicionais. Mesmo considerando os empréstimos tradicionais,
a grande expansão dos derivativos de crédito na primeira metade dos anos 2000 permite
ao banco transferir parte do risco para outros agentes econômicos, reduzindo a incerteza
do fluxo de retorno.
O banco dispõe também da administração de passivos e das inovações
financeiras para obter recursos adicionais e conseguir termos mais favoráveis de
captação, seja em juros ou em absorção de reservas. Estes movimentos impactam a
preferência pela liquidez do banco, que passam a valorizar menos os ativos líquidos e
permite-se uma maior expansão do crédito.
Atualmente, o banco também se vale de outros expedientes para reduzir sua
exposição ao risco e diminuir a sua preferência pela liquidez. Dentre os instrumentos
mais importantes estão os derivativos, que permitem decompor, trocar e negociar riscos;
entretanto o registro dos seus valores contábeis não guardam referência com a sua
importância na gestão de risco e na preferência pela liquidez.
As mudanças das últimas décadas - o processo de securitização, a
universalização das instituições bancárias e o uso crescente de operações chamadas fora
do balanço - criaram novas opções de aplicação e captação de recursos, aumentando a
flexibilidade e complexidade tanto na composição do balanço quanto nas atividades
bancárias de maneira mais geral.
Apesar de dispor de todos estes instrumentos para gestão do balanço e dos riscos
associados à atividade bancária, vale lembrar que a concessão de crédito, em suas
104
diversas formas, cria riscos crescentes entre eles o aumento da alavancagem. Face a
estes riscos, o banco eleva a sua preferência pela liquidez. Ainda que a administração de
passivo, as inovações financeiras e os derivativos de crédito possam estender ainda mais
os limites considerados seguros para os bancos operarem com crédito, a percepção de
risco das instituições bancárias e a sua preferência pela liquidez podem limitar a
expansão. Estes limites somente se flexibilizam quando o banco torna-se mais otimista e
reduz a sua percepção de incerteza, ou seja, quando há redução da preferência pela
liquidez devido a mudanças no estado de expectativas.
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108
CAPÍTULO IV: BANCOS DE DESENVOLVIMENTO E
PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ – UMA DISCUSSÃO
PRELIMINAR
SOBRE
O
BANCO
NACIONAL
DE
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES)
A aplicação do Acordo de Basiléia II no Brasil tem suscitado amplo debate
acerca dos impactos deste tipo de acordo no mercado de crédito brasileiro e na gestão de
risco das instituições financeiras. Ainda que não se pretenda que o acordo seja aplicado
a bancos de desenvolvimento, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social – BNDES está submetido aos limites impostos pelo Acordo de Basiléia. Desta
forma, o debate supracitado também atingiu esta instituição de fomento.
Não obstante a relevância de bancos de desenvolvimento no apoio aos processos
de industrialização tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento,
a sua gestão financeira dificilmente foi objeto de estudo na literatura. Como muitos
bancos são públicos, os determinantes de sua ação foram geralmente decididos na esfera
política, deixando em segundo plano considerações sobre mecanismos para gestão de
riscos e viabilidade financeira. As mudanças das últimas décadas, no sentido de autosuficiência destas instituições, ainda não mudaram substancialmente esta realidade.
Considerando a importância da gestão financeira atualmente, o presente trabalho
tem por objetivo propor o instrumental teórico baseado no princípio da preferência pela
liquidez para compreender as decisões de bancos de desenvolvimento. Posteriormente
este instrumental é utilizado em uma avaliação preliminar da gestão financeira do
BNDES a partir de dados de balanço.
A fim de demonstrar a hipótese de comportamento baseado no princípio de
preferência pela liquidez para bancos de desenvolvimento, o artigo está dividido em
cinco seções. Primeiramente, apresenta-se o princípio da preferência pela liquidez como
formulado por Keynes e desenvolvido por Minsky, aplicando-o para instituições
109
bancárias. A segunda seção analisa as especificidades das instituições financeiras
denominadas de banco de desenvolvimento, enfatizando a assunção de riscos e o
predomínio de operações de longo prazo. A seguir, o modelo teórico apresentado na
primeira seção é utilizado para discutir o comportamento de bancos de desenvolvimento
em relação à composição do seu balanço. O caso do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES é apresentado na seção quatro. Iniciase pela apresentação do BNDES para posteriormente analisar a evolução do balanço da
instituição entre 1995 e 2005 a partir da discussão feita na seção três. A quinta seção
conclui acerca da postura conservadora de bancos de desenvolvimento, e do BNDES em
especial.
4.1 Bancos e o princípio da preferência pela liquidez
Um arcabouço teórico útil para compreender o comportamento de bancos em
relação à escolha dos seus ativos e, de forma mais geral, em relação à composição do
seu balanço é o princípio da preferência pela liquidez (Carvalho, 1999).
Na Teoria Geral, Keynes propôs o que se pode considerar como um modelo de
gestão de recursos. Para o autor, o funcionamento da economia está sujeito à incerteza
fundamental e esta característica tem impacto decisivo sobre os critérios utilizados pelos
agentes na escolha de seu portfólio.
Na presença de incerteza fundamental não existem condições objetivas para se
antecipar o futuro (Dequech, 1999). Ainda que a experiência passada seja relevante, o
futuro ainda está por ser construído em um processo original e inovador, de acordo com
a combinação de decisões feitas por agentes econômicos que alteram irreversivelmente
o ambiente e o curso dos eventos posteriores (Shackle, 1961). Neste contexto, a
formulação de expectativas e a tomada de decisões precisam incorporar o fato de que o
futuro pode se revelar diferente do esperado.
O reconhecimento de que qualquer decisão tomada possui bases potencialmente
frágeis e está sujeita a erro levou Keynes a propor que os agentes valorizam a
110
possibilidade de conversão de um ativo em moeda, isto é, na unidade de conta dos
contratos que estruturam todas as atividades econômicas e que é aceita em qualquer
momento para liquidar as obrigações contraídas pelos agentes. Esta valorização da
liquidez é incorporada por Keynes na sua teoria de alocação do portfólio e permite
compreender desde a retenção de ativos mais líquidos até a retenção de ativos menos
líquidos ou ilíquidos segundo as suas combinações específicas de retornos monetários e
de benefício em termos de liquidez.
Instituições bancárias são agentes que trabalham principalmente com o capital
de terceiros e que estão especialmente sujeitas à incerteza fundamental. Assim, a
natureza da atividade bancária parece justificar um padrão de comportamento baseado
na preferência pela liquidez.
Bancos são instituições muito alavancadas e a sua dependência de capital de
terceiros cria uma série de compromissos contratuais. Dentre os compromissos de
bancos múltiplos e bancos comerciais, destacam-se os depósitos à vista. Trata-se de um
passivo de curtíssimo prazo para os bancos, que garante o direito de transferência de
recursos e de conversão dos depósitos na moeda legal a qualquer momento. Vale notar
que apesar dos depósitos à vista serem meio de pagamento equiparados à moeda legal,
os bancos não podem simplesmente criar depósitos para quitar as suas obrigações. Para
transferir recursos para terceiros, bancos necessitam de base monetária e o poder de
criação desta está reservado à autoridade monetária.
Do lado dos ativos, o item que diferencia bancos dos demais agentes econômicos
são os empréstimos bancários. Estes ativos, no entanto, estão sujeitos à incerteza, pois a
capacidade de pagamento de juros e amortizações depende das receitas futuras auferidas
pelo tomador dos recursos. Em relação a estas receitas, somente é possível formular
expectativas, e que podem ser frustradas. Em outras palavras, os bancos enfrentam o
risco de crédito, ou seja, o risco do tomador de recursos não honrar os seus
compromissos.
A combinação de compromissos frente a terceiros que são liquidados com ativos
que não são criados pelos bancos com os resultados incertos da sua atividade leva as
instituições bancárias a valorizar ativos com maior liquidez para enfrentar os eventos
que frustrem o fluxo de retorno dos empréstimos.
111
A concessão de crédito, segundo o referencial teórico proposto, depende da
comparação do retorno esperado dos empréstimos com o retorno esperado de todos os
demais ativos que possam compor o portfólio da instituição bancária, considerando
também o rendimento implícito decorrente da valorização da liquidez dos ativos,
chamado de prêmio de liquidez. Com base nesta comparação o banco decidirá entre
conceder empréstimos, manter títulos do mercado monetário ou títulos e valores
mobiliários negociados no mercado de capitais.
Na decisão acerca da composição do portfólio, então, os bancos selecionam os
ativos que oferecem maior rendimento esperado de acordo com as suas expectativas e a
situação de equilíbrio é atingida quando os retornos são equivalentes para todos os tipos
de ativos. Utilizando a nomenclatura de Keynes (1936), temos que:
ai + q 'i +li = a j + q ' j +l j , ∀ ativo i, j , onde
l
é o prêmio de liquidez,
a
é a expectativa de valorização do ativo e
q’ são as quase-rendas referentes aos serviços ou produtos gerados pelo ativo líquidas
do custo de carregamento associado meramente à passagem do tempo.
Rearrumando os termos da equação, temos que o diferencial de remuneração
monetária entre quaisquer dois ativos deve ser suficiente para compensar o agente pela
diferença entre a remuneração implícita associada à liquidez destes ativos:
ai + q 'i −(a j + q ' j ) = l j − li , ∀ i, j
Em outras palavras, a equação acima explicita o trade off que bancos enfrentam entre
rentabilidade e liquidez. Um maior retorno baseado no prêmio de liquidez compensa
uma menor rentabilidade monetária.
Enquanto a expectativa de retorno monetário for suficiente para compensar o
diferencial de liquidez entre empréstimos bancários e demais ativos, o banco optará por
conceder crédito. Em situação contrária, ele manterá uma parcela maior de ativos mais
líquidos.
Além da manutenção de ativos mais líquidos no portfólio que possam ser
utilizados para cobrir eventuais diferenças no fluxo de caixa, os bancos lançam mão de
outros expedientes para reduzir os riscos enfrentados. Estas estratégias podem ser
112
maneiras de se proteger menos onerosa para os bancos do que a manutenção de maior
liquidez no ativo, que sacrifica, muitas vezes, o retorno monetário.
Neste sentido, Minsky enfatiza a interdependência na escolha de ativos e
passivos. A escolha dos agentes não pode se limitar ao portfólio, ela deve se estender ao
complexo de ativos e passivos, no qual retornos, custos e riscos são avaliados
conjuntamente.
Assim, a administração de passivos torna-se um expediente importante para
satisfazer a preferência pela liquidez dos bancos. A escolha de fontes de recursos com
perfil mais adequado à sua atividade reduz o valor atribuído à liquidez dos ativos e,
portanto, pode elevar a concessão de crédito.
Ao escolher o perfil do passivo, duas dimensões são especialmente importantes
para os bancos: o custo da fonte de recursos e prazo das obrigações. Seu objetivo é
captar recursos minimizando custos e ao mesmo tempo reduzindo as possibilidades de
saque antecipado. Obter maior previsibilidade das saídas de caixa é fundamental para
reduzir o prêmio de liquidez atribuído aos ativos. Em contraste, depósitos à vista
impõem valorização máxima da liquidez, pois os recursos podem ser solicitados a
qualquer instante.
Na composição do balanço, bancos procuram reduzir o risco de juros e de
moedas compatibilizando os prazos e termos de ativos e passivos. Por fim, o aumento
da alavancagem permite que o banco cresça a taxas mais altas do que o permitido pela
geração interna de recursos, isto é, o ativo pode se expandir mais rapidamente. Em
contrapartida porém, o aumento dos compromissos com terceiros tende a elevar a
preferência pela liquidez.
Para classificar os bancos segundo o seu grau de preferência pela liquidez, é
interessante recuperar uma proposta de Minsky (1986). Um banco que tenha menor
confiança em suas expectativas devido à elevada percepção de incerteza possui maior
preferência pela liquidez e tende a ser mais cauteloso. Ele realiza empréstimos somente
nas situações em que o fluxo de caixa esperado do tomador é mais do que suficiente
para ele cumprir as suas obrigações para com o banco. No caso destes empréstimos
potenciais possuírem um bom retorno esperado frente a outros ativos mais líquidos, o
banco tende a adotar uma estratégia que privilegia e estimula os depósitos a prazo e
113
outros instrumentos de captação ao invés de se concentrar em depósitos à vista. Isto
aumenta o prazo médio do passivo e reduz as necessidades de reservas e de manutenção
de ativos mais líquidos, favorecendo a escolha de ativos menos líquidos e com maior
rentabilidade como os empréstimos. Este banco é chamado por Minsky de um banco
hedge, pois ele concede empréstimos considerados mais seguros e sua estrutura de
balanço também procura minimizar riscos.
Por outro lado, é possível pensar em um banco que confie mais nas suas
expectativas e tenha menor preferência pela liquidez. Nesta situação, o banco aceita
ativos de maior prazo e mais arriscados, porque vislumbra um elevado retorno para os
mesmos. Estes períodos de maior otimismo podem levá-lo, além de uma estratégia mais
ousada em termos de expansão do ativo, também a uma política mais agressiva na
captação de recursos, seja no volume quanto na absorção de reservas. Para diminuir o
custo explícito das obrigações, o banco pode encurtar prazos e oferecer garantias e
termos mais favoráveis aos depositantes, promovendo o descasamento do balanço e
elevando o spread. Ao mesmo tempo, o banco também tende a aumentar a sua
alavancagem, recorrendo mais ao uso de recursos de terceiros para que consiga
aproveitar as oportunidades de lucro. Este banco pode ser chamado de um banco
especulativo; ele possui maior proporção de empréstimos mais arriscados e sua estrutura
do balanço é mais agressiva.
Para sintetizar, o princípio da preferência pela liquidez é um arcabouço teórico
que propõe uma estratégia de balanço tendo em vista a precaução frente aos resultados
incertos da atividade bancária. Os bancos operam com maior ou menor margem de
segurança de acordo com a sua percepção quanto a erros de previsão afetarem o
pagamento das suas obrigações. O complexo de ativos e passivos que é preferido pela
instituição depende dos retornos monetários e dos prêmios de liquidez dos ativos e dos
custos e riscos dos compromissos assumidos na captação de recursos de terceiros.
A demanda por ativos líquidos é apenas uma das alternativas de comportamento
dos bancos. De forma mais geral, o princípio da preferência pela liquidez permite
compreender que as incertezas e os riscos da atividade bancária podem ser enfrentados
de diferentes maneiras e que normalmente os bancos combinam estas alternativas. Uma
possibilidade é manter uma parcela de ativos líquidos na carteira, cuja magnitude
depende essencialmente do retorno oferecido pelos demais ativos, em especial os
114
empréstimos bancários. Outra possibilidade é reduzir os riscos através da administração
de passivos, alongando prazos e mantendo um perfil de compromissos contratuais mais
compatível com o perfil dos ativos desejados.
Finalmente, cabe destacar que o princípio da preferência pela liquidez é muitas
vezes utilizado na análise de atitudes voltadas para minimizar riscos. O arcabouço,
entretanto, é mais amplo. Como visto na presente seção, o princípio da preferência pela
liquidez é útil tanto na análise de comportamentos cautelosos como aqueles adotados
por bancos chamados hedge, quanto para compreender atitudes mais arriscadas, como
aquelas dos bancos chamados especulativos. A hipótese defendida é que o princípio da
preferência pela liquidez seja adotado como um modelo de comportamento de
instituições sob incerteza, independente de a atitude final ser mais ou menos
conservadora.
A seguir procura-se definir os bancos de desenvolvimento e posteriormente o
referencial teórico desenvolvido na presente seção é utilizado para compreender este
tipo especial de instituição bancária.
4.2 Bancos de desenvolvimento: em busca de uma definição
As primeiras instituições com características de banco de desenvolvimento
surgiram na Europa em meados do século XIX (UN-DESA, 2005). Primeiramente na
França e depois na Alemanha e Itália, seu objetivo era apoiar o processo de
industrialização. Nos Estados Unidos, ainda no século XIX, determinados bancos
financiaram a construção de ferrovias, desempenhando uma função típica de banco de
desenvolvimento.
No século XX, a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais desencadearam ondas
de criação de bancos de desenvolvimento com o propósito de organizar e mobilizar
recursos externos para a reconstrução dos países envolvidos nos conflitos. Dentre os
exemplos mais conhecidos estão o alemão Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW) e o
Japan Development Bank, criados após a Segunda Guerra Mundial. Muitos destes
115
bancos se consolidaram como instituições financeiras atuando no longo prazo, isto é,
como bancos de desenvolvimento.
A maioria dos bancos que hoje são reconhecidos como bancos de
desenvolvimento foram criados após a Segunda Guerra Mundial. Além dos bancos
criados para reconstrução no pós-guerra, muitos foram criados quando do processo de
independência de diversos países em desenvolvimento. Freqüentemente, o sistema
financeiro destes novos países não era apropriado para financiar o seu desenvolvimento
e a opção foi procurar replicar algumas experiências bem sucedidas de países
desenvolvidos da Europa continental e o Japão. Naqueles países, bancos de
desenvolvimento tiveram um papel importante na industrialização.
Atualmente existem cerca de 32 bancos de desenvolvimento multilaterais, dentre
os quais se destacam o Banco Mundial e os bancos regionais – os bancos de
desenvolvimento africano, asiático e interamericano e o Banco Europeu para
Reconstrução e Desenvolvimento. Em maior número são, entretanto, os bancos de
desenvolvimento nacionais. Grande parte deles se situa em países em desenvolvimento,
embora países desenvolvidos também possuam bancos de desenvolvimento nacionais.
Um relatório recente das Nações Unidas (UN-DESA, 2005) estimou que existem
atualmente cerca de 750 bancos de desenvolvimento nacionais.
Destes bancos de desenvolvimento, grande parte são bancos públicos. Porém, há
bancos de propriedade mista e mesmo bancos privados também podem desempenhar a
função de banco de desenvolvimento. Segundo as Nações Unidas (UN-DESA, 2005),
em 2002 existiam 11 bancos privados de desenvolvimento. A preponderância de bancos
públicos não decorre apenas do histórico de sua criação. Há questões de incentivo
envolvidas, visto que o objetivo de desenvolvimento econômico não pode ser facilmente
monitorado.
Não obstante a importância conferida aos bancos de desenvolvimento, que se
expressa tanto na sua relevância histórica quanto no número de instituições existentes
atualmente, não é trivial definir o que são bancos de desenvolvimento e quais são as
funções que os distinguem das demais instituições financeiras.
Para Aghion (1999: 83), “[d]evelopment banks are government-sponsored
financial institutions concerned primarily with the provision of long-term capital to
116
industry.”. No entanto, Bruck (1998) já alertava para as mudanças recentes nos bancos
de desenvolvimento. Alguns foram privatizados e diversos não recebem recursos
governamentais periodicamente. Ademais, outros setores são apoiados e novas
atividades foram incorporadas.
Na busca de uma definição para os bancos de desenvolvimento, as Nações
Unidas (UN-DESA, 2005: 9-11) apresentam a seguinte proposta:
“A salient defining feature overall is the fundamental focus of NDBs
[National Development Banks] on long-term financing to projects that
foster development. This has been a permanent characteristic of these
institutions after 1945 which continues to be of primary importance today.
NDBs promote and finance enterprises in the private sector (Diamond,
1957), mainly for medium or long-term industrial projects (Boskey, 1959).
Kane and Panizza both insist in their definitions on the long-term lending
role of NDBs. According to Kane, it is ‘a financial intermediary supplying
long-term funds to bankable economic development projects and providing
related services’, while Panizza highlights considerations of externalities:
NDBs are ‘financial institutions primarily concerned with offering longterm capital finance to projects generating positive externalities and hence
underfinanced by private creditors’ (Panizza, 2004). (...) Therefore,
although the definition given by Panizza is by no mean contradictory with
those considerations, it may be refined: national development banks can be
defined as ‘financial institutions set up to foster economic development,
often taking into account objectives of social development and regional
integration, mainly by providing long-term financing to, or facilitating the
financing of, projects generating positive externalities’.”
Esta proposta das Nações Unidas reúne os principais aspectos abordados pela literatura
que procuram justificar a existência de bancos de desenvolvimento.
Uma característica que sobressai nas duas definições apresentadas e que espelha
o principal aspecto abordado na literatura acerca de bancos de desenvolvimento é a sua
atuação na provisão de recursos de longo prazo. Ainda que diferentes autores possam
discordar das funções e do escopo dos bancos de desenvolvimento, eles tendem a
concordar que bancos de desenvolvimento atuam na provisão de recursos de longo
prazo.
O papel de promover o desenvolvimento, que dá nome a estas instituições
financeiras, foi especialmente tratado nos anos 1950 quando os bancos de
desenvolvimento eram apresentados como solução para escassez de recursos de longo
prazo para o financiamento do desenvolvimento. A preocupação de autores
117
desenvolvimentistas59 é com a viabilização do investimento, fundamentalmente pelo seu
impacto sobre o crescimento e o desenvolvimento do país.
Neste sentido, os bancos de desenvolvimento têm o papel de mobilizar recursos
para financiar e promover setores chave da indústria e da agricultura. Estes recursos
podem ser obtidos de três maneiras distintas: através de captação internacional, muitas
vezes envolvendo a transferência de recursos dos países desenvolvidos para os países
em desenvolvimento; através de captação no mercado doméstico; e através de novas
formas de mobilização de poupança.
Na seleção e apoio a setores chave prevalece um critério distinto do critério
estritamente de mercado, focado em rentabilidade dos projetos e na capacidade de
pagamento dos compromissos contratuais do tomador de recursos. Os bancos de
desenvolvimento consideram também a análise técnica das necessidades econômicas e
sociais do país e os investimentos necessários para que o país possa se desenvolver e
atingir níveis mais altos de renda.
Dentre os setores privilegiados pelos bancos de desenvolvimento destaca-se o
setor de infra-estrutura. Energia, transportes e telecomunicações são importantes para
todas as demais atividades do país. Entretanto, os prazos de maturação de investimentos
nestes setores são elevados, requerendo financiamentos compatíveis. A necessidade de
recursos de longo prazo tornou o setor de infra-estrutura um foco tradicional dos bancos
de desenvolvimento.
Por outro lado, como demonstrou a definição de bancos de desenvolvimento de
Aghion (1999), a indústria está ao lado do setor de infra-estrutura nos setores que
merecem especial atenção das instituições. Bancos de desenvolvimento se preocupam
com a construção de uma base industrial competitiva e com o apoio a mudanças
estruturais de acordo com a estratégia de desenvolvimento dos governos, como aponta o
documento das Nações Unidas (UN-DESA, 2005). Um caso especial é o da indústria
nascente. O apoio a uma nova indústria se justifica principalmente durante o seu período
de instalação e aprendizado. Até que ela esteja desenvolvida, seu custo seja competitivo
59
Dentre os autores clássicos destacam-se Gerschenkron, Hirschmann, Myrdal, Prebisch, Furtado, entre
outros.
118
internacionalmente e que as demais instituições financeiras se interessem pelo seu
financiamento, ela precisará de apoio.
Mais recentemente, a dimensão desenvolvimentista parece estar, pelo menos
parcialmente, incorporada na discussão das externalidades positivas, como transparece
na definição das Nações Unidas citada acima. Isto reflete a visão atualmente dominante
baseada no argumento das falhas de mercado. Assim, na presença de externalidades
positivas o mercado tende a prover um volume de recursos insuficiente tendo em vista o
benefício social e não exclusivamente o benefício privado. Nestas circunstâncias,
justifica-se a presença de bancos de desenvolvimento.
Embora a visão desenvolvimentista e a visão de falhas de mercado devido a
externalidades encontrem semelhanças, há diferenças importantes que refletem a
importância
atribuída
ao
mercado
e
ao
banco
de
desenvolvimento.
Para
desenvolvimentistas, bancos de desenvolvimento desempenham funções cruciais e
decisivas - muitas vezes promovendo transformações estruturais - nas quais o mercado
não está presente, embora ele possa ser complementar. Na visão das falhas de mercado,
o pressuposto implícito é que os mercados geralmente suprem as necessidades de
recursos da sociedade, mas que em determinadas circunstâncias específicas eles
necessitem de complementação tendo em vista o bem estar social. Apesar das
divergências de importância e volume, em ambos os casos a incorporação dos
benefícios econômicos e sociais nos objetivos dos bancos de desenvolvimento aumenta
a provisão de recursos, aproximando a sua oferta àquela que seria socialmente
desejável.
A incorporação de benefícios econômicos e sociais garante um caráter híbrido
aos bancos de desenvolvimento, como observam Bruck (1998) e UN-DESA (2005). Por
um lado, eles são bancos e avaliam o retorno financeiro dos projetos. Por outro, eles
precisam incorporar a dimensão desenvolvimentista, considerando os benefícios
econômicos e sociais dos empreendimentos.
Na visão baseada em falhas de mercado, as principais situações identificadas
com a presença de externalidades positivas são os financiamentos a determinados
setores, a determinadas regiões geográficas, a determinado tipo de empresa e em
determinados momentos.
119
O apoio a determinados setores muitas vezes se aproxima da visão
desenvolvimentista abordada anteriormente. Nestes setores privilegiados, as instituições
financeiras privadas não investem suficientemente e os bancos de desenvolvimento
atuam para suprir esta lacuna do mercado. Muitas vezes, trata-se de setores novos ou
com muitos encadeamentos para frente ou para trás na cadeia produtiva. Normalmente,
os setores objeto de apoio privilegiado de bancos de desenvolvimento mudam ao longo
do tempo, de acordo com as prioridades da estrutura produtiva e a própria evolução da
indústria.
O apoio a determinadas regiões se justifica pelo desenvolvimento local e seu
impacto econômico e social para população da região. O apoio a pequenas e médias
empresas considera principalmente o impacto direto sobre emprego e renda. Já os
financiamentos em momentos de recessão possuem o objetivo de amenizar ou auxiliar
na reversão do ciclo, com benefícios para toda economia.
Além das externalidades, a literatura baseada no argumento de falhas de
mercado também enfatiza os riscos envolvidos nas operações. Segundo Long (1994:
656), “[g]overnments have established development banks to take risks other financial
intermediaries are unwilling to take.”.
A atuação primordial de bancos de desenvolvimento provendo recursos de longo
prazo justifica-se pelos riscos destas operações, que evitam ou mesmo impedem que o
sistema financeiro privado consiga atuar neste segmento. Além dos riscos maiores
envolvidos no mercado de longo prazo, muitas instituições também não possuem
expertise para atuar com os investimentos de longo prazo. A dificuldade desta tarefa é
descrita por Sayers (1957):
‘‘The logically sound basis for the presumption against long-term
commitments is that it is much more difficult to estimate a borrower’s
creditworthiness 20 years ahead than 6 months ahead. The factors relevant
to creditworthiness are substantially different over the longer period and
the capacity and experience required in the bank manager are of an all
together different order, an order it is not reasonable generally to expect
unless he has specialized expert staff.’’
Muitas vezes, novos setores econômicos também necessitam de tratamento
especial. Embora eles possam ser muito promissores, geralmente não há informações
disponíveis e sua evolução está sujeita a grandes incertezas. Para Aghion (1999), a
120
presença de informações custosas e a necessidade de aprendizado das instituições
financeiras para operar com novos setores inibem a sua atuação. Na visão da autora, os
bancos de desenvolvimento são fundamentais para apoiar estes novos setores e também
para disseminar o seu conhecimento para as demais instituições financeiras. Nas
palavras de Aghion (1999), é importante entender “development banking as an activity
that can potentially foster the acquisition and dissemination of expertise in the
financing of new industries and sectors”. Possuindo a expertise, o setor privado passaria
a atuar mais ativamente provendo recursos para os novos setores.
Finalmente, vale lembrar que nas últimas décadas, a partir dos anos 1980, novos
objetivos foram crescentemente incorporados aos bancos de desenvolvimento (Bruck,
1998). Os financiamentos de longo prazo ainda são a parcela mais expressiva das
operações, mas os bancos de desenvolvimento estão crescentemente envolvidos com o
desenvolvimento social e ambiental, a promoção de exportações, o apoio a pequenas e
médias empresas, entre outros. Em todas as atividades desempenhadas, vale enfatizar
que o objetivo é praticar condições competitivas e possivelmente buscar taxas de juros
menores do que as praticadas no mercado.
A discussão da definição e das justificativas para a existência de bancos de
desenvolvimento mostrou que três elementos parecem ser decisivos para caracterizar
estas instituições: o predomínio de operações de financiamento de longo prazo, a
presença de riscos significativos nas operações realizadas e a existência de benefícios
econômicos e sociais que fazem o retorno econômico total exceder o retorno financeiro
esperado.
4.3 Bancos de desenvolvimento possuem preferência pela liquidez?
Para cumprir os objetivos e funções abordados na seção anterior, bancos de
desenvolvimento normalmente são constituídos como intermediários financeiros, ou
seja, não captam recursos do público através de depósitos. Deste modo, bancos de
desenvolvimento não tem o poder de multiplicar moeda e são classificados como
instituições financeiras não-monetárias.
121
Segundo Bruck (1998: 41), bancos de desenvolvimento se assemelham a bancos
de investimento:
“Development banks assume many investment banking functions over time
and enter more into the field of investment banking. Important differences
are that development banks give priority to the financing of projects that
yield substantial economic, social and environmental benefits. (...)
Development banks, like investment banks, operate in the field of long-term
finance. Their core business is to extend long-term loans for the financing of
projects and development programs.”
No lado dos ativos, portanto, predominam os empréstimos e financiamentos de
longo prazo. O investimento em ações também é uma forma utilizada para apoio aos
setores e atividades de interesse dos bancos de desenvolvimento, mas sua participação
no balanço das instituições tende a ser pequena. Ao longo das últimas décadas, foram
incorporadas novas atribuições. Isto se refletiu nos ativos de bancos de desenvolvimento
pela presença de outros financiamentos, como capital de giro, operações de leasing e
financiamento às exportações. Grande parte das novas atribuições, porém, são serviços
prestados e que não figuram nos ativos, como contribuição para o desenvolvimento do
mercado de capitais, serviços de consultoria e treinamento, serviços financeiros típicos
de banco de investimento, corretagem, subscrição de títulos, seguros, entre outros.
O passivo e o patrimônio líquido dos bancos de desenvolvimento são bem mais
diversificados do que o ativo. Além do capital próprio, bancos de desenvolvimento
podem receber aportes de capital em situações consideradas necessárias pelos seus
governos ou controladores. Muitos recebem fundos públicos ou empréstimos a taxas
privilegiadas de seus governos. Nos países em desenvolvimento, são importantes os
repasses de recursos de instituições multilaterais. A maior parte do capital de terceiros,
no entanto, é constituída de títulos de dívida colocados no mercado doméstico (quando
este é suficientemente desenvolvido) e no mercado financeiro internacional,
especialmente para investidores institucionais. Muitas vezes estas dívidas possuem
garantia explícita ou implícita do governo, como nas experiências francesa e alemã
(Aronovich e Fernandes, 2006), e os bancos de desenvolvimento obtêm rating e custos
bastante favoráveis. A tendência recente é que os bancos de desenvolvimento venham a
obter funding crescentemente no mercado (Bruck, 1998):
“For their resource mobilization, national development banks have to look
increasingly to private domestic and external sources. Official and
122
concessionary development assistance flows are shrinking. The political
demand and pressure to channel official flows away from development bank
type intermediaries towards social and environmental public goods became
donor policy and it can be expected to continue gaining in importance.”
O fato dos bancos de desenvolvimento se distinguirem das demais instituições
financeiras e atuarem em segmentos não atendidos por elas poderia sugerir que eles
seguissem também um comportamento diferente quando se considera a preferência pela
liquidez em instituições bancárias. Soma-se a isto o fato de muitos bancos de
desenvolvimento serem bancos públicos e terem a possibilidade de dispor de
transferências de recursos do governo para desempenharem suas funções. Assim, os
bancos de desenvolvimento poderiam não valorizar a manutenção de ativos líquidos ou
outros expedientes para gestão dos seus riscos, pois em qualquer eventualidade bastaria
ele recorrer ao seu controlador, o governo. Por fim, muitos associam a preferência pela
liquidez à captação de recursos no curto prazo. O fato dos bancos de desenvolvimento
não possuírem depósitos contribuiria, então, para a sua preferência pela liquidez não ser
relevante.
Como discutido na seção 4.1, a preferência pela liquidez é um padrão de
comportamento das instituições financeiras que possuem ativos cuja realização está
sujeita à incerteza e que, por outro lado, assumem compromissos contratuais. Os bancos
de desenvolvimento, de acordo com a análise feita na seção 4.2, combinam estas duas
características: a realização de seus ativos é incerta, em especial dos empréstimos de
longo prazo que possuem significativo risco de crédito, e a captação de recursos de
terceiros cria compromissos financeiros. Como os bancos de desenvolvimento não têm
como prever se os ativos irão se realizar plenamente nas condições contratuais, é
importante que eles disponham de formas e expedientes para absorver choques e que lhe
permitam honrar os compromissos mesmo em caso de default, ou seja, de frustração de
expectativas. A presente seção tem por objetivo analisar como os bancos de
desenvolvimento administram a sua preferência pela liquidez, sem que isso signifique
exclusivamente uma demanda por ativos líquidos.
Esta que é uma preocupação natural destas instituições, pela natureza das suas
operações, foi exacerbada pela sua evolução recente. A partir da década de 1980, há
crescente ênfase na viabilidade financeira e na independência operacional.
123
Um dos eventos que desencadearam esta mudança foi a crise financeira mundial
de 1982, que resultou na insolvência de diversos bancos de desenvolvimento nacionais.
Muitos deles encerram as suas operações e outros foram privatizados. O relatório anual
do Banco Mundial de 1983 estimou que 39% dos bancos de desenvolvimento estavam
passando por sérios problemas de gestão de portfólio (UN-DESA, 2005). Em meados da
década de 1990, também os bancos de desenvolvimento multilaterais passaram por
reestruturação após discutir e repensar suas funções.
Segundo Bruck (1998), dentre as mudanças das últimas décadas60 destaca-se a
seguinte:
“From a policy perspective, financial reform and financial development
programs have increased the autonomy and independence of national
development banks, while at the same time increasing their responsibility
for maintaining adequate levels of capitalization, reducing their levels of
arrears and bad loans, and requiring them to be fully self-reliant in
searching for new resources and maintaining a financial position enabling
them to raise funds at market cost under the new circumstances of increased
risk. While liberalization may have initiated this change in the role of
national development banks, when privatization and globalization is added
to this force, the new requirements become increasingly more obligatory
and more essential for maintaining the financial viability of national
development banks.”
Em outras palavras, bancos de desenvolvimento preocupam-se crescentemente
com a mobilização de recursos no mercado, como visto acima, e isto lhes impõe maior
disciplina financeira. Atualmente, os bancos de desenvolvimento priorizam a sua
dimensão banco e estão muito mais próximos em seu comportamento e em sua gestão
financeira das demais instituições do mercado:
“The trend and emphasis has been away from the term ‘Development
Finance Institution’ (DFI) and it has been moving more towards the concept
of ‘Bank’. The term ‘bank’ places greater emphasis on financial
responsibility and prudence in banking. (...) The new development bank is a
more respected and solid member of the financial community, a financial
intermediary better integrated into the domestic and international financial
60
De acordo com o autor, uma mudança mais geral diz respeito às novas modalidades e mecanismos de
apoio ao desenvolvimento que não estritamente através de bancos de desenvolvimento. Bruck considera
que hoje é mais apropriado falar em development banking do que em development banks. Para efeitos
deste ensaio, enfatizaram-se as mudanças ocorridas no âmbito dos bancos de desenvolvimento por serem
estes o objeto da discussão.
124
system, and a strong factor in development, having a more active and
stronger role in national financial policymaking and development financing.
The new development bank places greater emphasis on financial resource
engineering (asset and liability management), on risk management, making
use of new financial instruments.” (Bruck, 1998: 66)
Neste contexto de maior exigência de viabilidade financeira, a gestão da
preferência pela liquidez de bancos de desenvolvimento conseqüentemente ganhou
maior relevância. A seguir serão exploradas as principais questões enfrentadas pelos
bancos de desenvolvimento.
O ponto de partida para compreender a preferência pela liquidez de bancos de
desenvolvimento é ter em conta que estes intermediários financeiros estão
crescentemente comprometidos com obrigações no mercado externo e eventualmente
também no mercado interno a título de juros e amortizações das captações realizadas
anteriormente. Dada a importância destas captações no passivo dos bancos de
desenvolvimento e para a continuidade das suas operações no futuro, o pagamento das
obrigações é fundamental. Soma-se a estas obrigações, outros pagamentos correntes
como eventuais empréstimos de prazo mais curto e referente a outros serviços, inclusive
pagamentos de swaps e outros derivativos. Tendo em vista que bancos de
desenvolvimento devem ser auto-sustentáveis, para fazer frente a estes compromissos
eles precisam dispor de um fluxo de retorno de seus ativos.
Já foi mencionado na seção 4.2 que a maior parte dos ativos de bancos de
desenvolvimento são constituídos de empréstimos de longo prazo e outros empréstimos
ou operações que envolvem riscos significativos. Especialmente no caso de bancos de
desenvolvimento, a possibilidade de receber o pagamento de principal e juros do
tomador dos recursos depende do desdobramento do projeto de gasto e da performance
da economia durante um longo período de tempo (cf. Minsky, 1982). Outras vezes, o
recebimento depende da evolução de um novo setor, sobre o qual há pouca informação.
Por mais cauteloso que seja o banco de desenvolvimento, ele está lidando com
circunstâncias para as quais simplesmente não há base objetiva para cálculo. O sucesso
do projeto de gasto depende de decisões que os agentes econômicos ainda vão tomar e
não podem ser antecipadas em sua totalidade. Quanto maior o prazo e mais novo o tipo
de operação realizada, maior é a dificuldade de fazer previsão ou construir cenários para
o fluxo de retorno. Mesmo que o banco de desenvolvimento formule expectativas, ele
125
não tem muita segurança e o seu grau de confiança nestas expectativas tende a ser
baixo. A incerteza envolvida em prazos mais longos e em setores não consolidados é
muito alta, e por isso os bancos de desenvolvimento são chamados a atuar, como visto
na seção anterior. Por natureza, a frustração de expectativas é uma possibilidade real e
as decisões dos bancos de desenvolvimento devem considerá-la.
A demanda por ativos líquidos é plenamente justificada a partir da discussão
acima. Os bancos de desenvolvimento operam com ativos de longo prazo e elevada
incerteza, o que os deixa suscetíveis a situações nas quais o fluxo de retorno dos seus
ativos seja frustrado ou se mostre insuficiente para o pagamento dos compromissos
contratuais. Neste contexto, é importante que o banco de desenvolvimento disponha de
outros ativos que possam ser mobilizados para saldar as dívidas, permitindo absorver os
choques adversos no fluxo de retorno dos empréstimos. Esta preocupação com a gestão
da liquidez encontra respaldo no Relatório Anual 2005 do Banco Mundial (IBRD,
2005). Segundo a instituição, “[t]he objective of liquidity management is to ensure the
availability of sufficient cash flows to meet all of IBRD’s financial commitments.”.
Ademais, “[u]nder IBRD’s liquidity management policy, aggregate liquid asset
holdings are kept at or above a specified prudential minimum in order to safeguard
against cash flow interruptions.”. Para atender estas necessidades, o Banco Mundial
possui um portfólio significativo de investimentos em ativos líquidos e dispõe de linhas
de crédito com instituições financeiras independentes. No caso do Banco Mundial, cabe
chamar a atenção para o fato do desembolso futuro integrar o rol de compromissos
contratuais da instituição. Para um banco de desenvolvimento, a liberação de recursos
referentes a projetos de investimento aprovados é uma obrigação equiparável aos outros
pagamentos relacionados ao uso de capital de terceiros e aquisição de outros serviços.
O panorama descrito acima conduz a uma decisão complexa dos bancos de
desenvolvimento acerca da composição do seu ativo. Por um lado, o que justifica a
existência de bancos de desenvolvimento é primordialmente a concessão de crédito de
longo prazo para projetos com benefícios econômicos e sociais que fazem o retorno
econômico total exceder o retorno financeiro. Neste sentido, os empréstimos de longo
prazo deveriam corresponder à maior parcela possível do ativo. Por outro lado, a
natureza destas operações e o grau de incerteza da sua realização resultam em uma
elevada preferência pela liquidez dos bancos de desenvolvimento, apesar da inexistência
de depósitos do público.
126
O trade off keynesiano entre rentabilidade e liquidez, discutido na seção 4.1, se
recoloca em outros termos para os bancos de desenvolvimento. Na escolha de seus
ativos, eles consideram além do retorno financeiro de cada ativo (a + q’), o retorno não
monetário associado ao cumprimento da sua função desenvolvimentista, representado
por d, bem como o retorno atribuído ao prêmio de liquidez (l). Na sua escolha do
portfólio, o banco de desenvolvimento adquire os ativos com maior retorno esperado,
sem esquecer o retorno da função desenvolvimentista e o prêmio de liquidez, até esgotar
os seus recursos. Em equilíbrio, os retornos esperados de cada ativo são iguais. Ativos
líquidos somente serão demandados enquanto o seu diferencial de liquidez seja
suficientemente alto para compensar o diferencial de retornos monetários somado ao
retorno não-monetário de desempenhar sua função de banco de desenvolvimento. Ou
seja:
ai + q 'i + d i − (a j + q ' j + d j ) = l j − li , ∀ i, j
Neste trade off entre retorno e liquidez é importante notar que o banco de
desenvolvimento não busca maximizar o lucro stricto sensu, mas procura combinar
retorno financeiro com a sua missão desenvolvimentista, assim como já visto na seção
4.2. Bancos de desenvolvimento maximizam o seu retorno total, incluindo as duas
dimensões.
Atualmente, porém, uma restrição adicional ganhou importância. O retorno
monetário do conjunto de ativos detidos pelos bancos de desenvolvimento precisa ser
suficiente para garantir a sua viabilidade financeira. Assim, o Banco Mundial declara
que “IBRD’s financial objective is not to maximize profit, but to earn adequate net
income to ensure its financial strength and to sustain its development activities.”
(IBDR, 2005).
A inclusão do retorno não monetário d possui conseqüências decisivas para
composição do ativo de bancos de desenvolvimento, porque ele aumenta o retorno total
associado a empréstimos de longo prazo e eleva permanentemente a disposição de
concedê-los. Desta maneira, o retorno esperado de ativos mais líquidos, considerando
seu prêmio de liquidez, precisa ser mais elevado do que em outras instituições
financeiras para que eles recebam espaço no balanço de bancos de desenvolvimento. O
resultado final é que a decisão baseada no princípio da preferência pela liquidez explica
127
a tendência de bancos de desenvolvimento possuírem maior participação de
empréstimos de longo prazo no ativo em detrimento de ativos mais líquidos.
A singularidade da função de bancos de desenvolvimento leva a que estas
instituições privilegiem maneiras alternativas para satisfazer a sua preferência pela
liquidez. Entre os expedientes mais utilizados estão a realização de financiamentos
hedge na terminologia de Minsky, a administração de passivo e o casamento de termos
e maturidades entre ativos e passivos e a menor alavancagem.
Um primeiro passo para o banco de desenvolvimento evitar se ver sem os
recursos necessários para a quitação das suas obrigações é ser muito cauteloso na
concessão dos empréstimos. Ainda que estas operações de longo prazo estejam sujeitas
à elevada incerteza e que dependam da evolução futura da economia para que o tomador
de recursos possa obter receita suficiente para honrar seus compromissos, como
enfatizado anteriormente, o banco de desenvolvimento procura tomar algumas
precauções que reduzem as possibilidades de default do tomador. Estas instituições
trabalham somente com financiamentos hedge na terminologia de Minsky. Trata-se de
financiamentos bastante seguros porque o fluxo de caixa esperado associado ao projeto
de gasto é sempre superior aos compromissos contratuais em todos os períodos futuros.
O tomador de recursos não precisa rolar a dívida ou buscar recursos de terceiros para
honrar os seus compromissos. Exceto na situação de frustração das expectativas de
realização do projeto, o próprio projeto fornece receitas mais do que suficientes para
pagar o empréstimo. Para se precaver no caso de frustração de expectativas, o banco de
desenvolvimento geralmente exige bens e ativos como contrapartida. Se o projeto não
fornece as receitas necessárias, o banco de desenvolvimento recorre às garantias.
Recentemente, a gestão do risco de crédito, ou seja, o risco do tomador de
recursos não honrar as suas obrigações, passou a contar com uma nova ferramenta: os
derivativos de crédito61. De acordo com FMI (2006), o mercado de derivativos de
crédito se expandiu rapidamente nos últimos anos e ao final de 2005 atingiu um volume
de contratos estimado em US$ 17 trilhões. Bancos de desenvolvimento podem se
beneficiar deste novo instrumento, mas aparentemente seu uso hoje ainda é muito
limitado, senão inexistente. O Banco Mundial, que pode ser considerado a maior destas
61
Para uma apresentação sobre o funcionamento dos derivativos de crédito, ver FMI (2006).
128
instituições, acredita que o mercado de derivativos de crédito não possui a densidade
necessária e o perfil dos seus ativos. Portanto, este mercado não atende ao tipo de risco
ao qual a instituição está exposta (IBRD, 2005).
Por outro lado, bancos de desenvolvimento contam algumas vezes com outro
mecanismo para reduzir o risco de crédito. Quando os governos fornecem garantias para
linhas específicas de crédito ou para determinado tipo de tomador que envolve maior
risco, em caso de eventuais perdas financeiras o Estado assume este custo. Geralmente a
garantia do governo está associada a setores, tomadores ou operações nas quais o
benefício econômico e social é muito maior do que o retorno financeiro. Para não
prejudicar a viabilidade financeira dos bancos de desenvolvimento, os governos
explicitam o mérito econômico e social através da concessão de garantias. Assim como
nos derivativos de crédito62, a garantia governamental funciona como um seguro, com
pagamento contingente em caso de default. A vantagem da garantia do governo é que
ela possui custo mais baixo ou é gratuita e, em princípio, não há risco de inadimplência.
Quanto aos critérios gerais para concessão de empréstimos, bancos comerciais
muitas vezes conseguem flexibilizá-los. Quando eles possuem expectativas otimistas e
que são corroboradas pela sua experiência no mercado de crédito, seu grau de confiança
aumenta e eles tendem a relaxar as exigências em termos de garantias e de perfil do
fluxo de caixa do projeto de gasto. Bancos de desenvolvimento dificilmente podem
adotar comportamento semelhante. Expectativas acerca de empréstimos de longo prazo
não são diretamente afetadas por acontecimentos correntes. Um ambiente econômico
próspero hoje, não garante que um projeto de investimento de quatro anos de maturação
irá ter retorno positivo. Os riscos de operações de longo prazo são sempre maiores, o
que se reflete em graus de confiança permanentemente baixos para as expectativas
formuladas. Outro fator que eleva o risco dos empréstimos de bancos de
desenvolvimento é a sua magnitude. Cada empréstimo envolve somas expressivas, o
que representa também um risco de perda elevado. Assim, o risco envolvido nestas
operações sempre exige maior cautela e a manutenção de critérios mais rígidos para
concessão de empréstimos. Por fim, o fato de bancos de desenvolvimento possuírem
ativos de longo prazo cria rigidez e impede mudanças significativas na composição do
62
Neste contexto, considera-se o tipo de derivativo de crédito mais comum, o credit default swap.
129
portfólio. Esta falta de mobilidade de bancos de desenvolvimento requer que ele seja
mais cauteloso e por vezes impede que ele tenha margem para aproveitar boas
oportunidades, ainda que mais arriscadas.
Com limitados graus de liberdade, restam poucas possibilidades para bancos de
desenvolvimento flexibilizarem a sua atuação e mostrarem mais ou menos aversão ao
risco. A fragilidade financeira do tomador é certamente um destes critérios. O banco de
desenvolvimento se mostra mais flexível, quando empresta a tomadores que possuem
menor participação de capital próprio ou quando empresta maiores volumes a um
mesmo tomador. Outra alternativa diz respeito à composição da sua carteira. Ao
aumentar a concentração da sua carteira a fim de atender a um ciclo de investimento de
um setor, o banco de desenvolvimento também mostra flexibilização, ainda que
determinados limites prudenciais sejam muitas vezes exigidos.
Além da cautela na concessão de empréstimos, uma segunda forma de bancos de
desenvolvimento satisfazerem a sua preferência pela liquidez é através da administração
de passivo. Neste sentido, um dos objetivos de bancos de desenvolvimento é procurar
estabilizar a sua captação. Para atingir esta meta, eles procuram diversificar os seus
passivos, obtendo recursos tanto no mercado interno (quando possível) quanto nos
mercados externos. No tocante a estes últimos, os recursos provêm de diferentes
investidores institucionais e de diversos países. Isto reduz o risco de o banco não
conseguir recursos para suas operações e permite que ele busque funding adequado ao
custo mais baixo.
A preocupação na decisão de composição do passivo também precisa
contemplar o perfil esperado do ativo e procurar qual a melhor maneira de prover os
fundos para a sua expansão. Uma composição de passivo mais favorável reduz a
valorização atribuída a ativos líquidos. Dado que o ativo de bancos de desenvolvimento
é composto prioritariamente por empréstimos de longo prazo, a estrutura do passivo
deve privilegiar também obrigações de prazo mais longo. Este é um motivo para bancos
de desenvolvimento não possuírem depósitos. A imprevisibilidade destes compromissos
e a possibilidade de saques a qualquer momento impõem um custo muito elevado a
estas instituições e elevariam em demasia a sua preferência pela liquidez. Reduzir a
diferença entre prazos do ativo e passivo evita que o banco tenha que rolar suas dívidas
ou seja obrigado a recorrer ao mercado para refinanciá-las, eventualmente a custos mais
130
elevados. Um documento das Nações Unidas sobre bancos de desenvolvimento
explicita este tipo de preocupação (UN-DESA, 2005):
“Long-term loans increase liquidity risk, and therefore require lenders to
maintain sufficient long-term liabilities, equity, or other sources of funding.
This might call for increasing the amount of equity and donor grants. Also,
for banks using various funding sources such as savings, domestic bond
issues or bank loans, sophisticated asset-liability management is necessary
to manage interest rate, liquidity, and foreign exchange risks...”
A meta de bancos de desenvolvimento de procurar maior casamento entre ativos
e passivos em prazo se estende também para os demais termos das obrigações. O
casamento de maturidades e termos satisfaz, pelo menos em parte, a preferência pela
liquidez porque reduz os riscos de juros e de moeda.
A fim de evitar estes riscos, diversos bancos de desenvolvimento atuam com
repasse dos custos de captação, através da fórmula chamada de cost pass-through. O
custo financeiro para o tomador de recursos é dado, então, pelo custo de captação
adicionado de um spread que cobre, pelo menos em parte, os custos do banco de
desenvolvimento e o risco de default específico do tomador. Desta forma, a instituição
repassa ao tomador final todos os riscos oferecidos pelas suas captações.
O repasse destes riscos, por vezes, não é trivial. A necessidade de diversificação
de passivos e a busca de recursos a prazos condizentes com a atuação dos bancos de
desenvolvimento e ao custo mais baixo possível resultam em um perfil de captação que
atende muito mais aos agentes que fornecem funding aos bancos de desenvolvimento do
que aos tomadores últimos dos recursos.
A expansão dos mercados de derivativos nas últimas décadas permitiu que os
bancos de desenvolvimento pudessem conciliar em grande parte dos casos as
preferências dos poupadores de recursos e dos tomadores. Através de contratos de
swaps, geralmente contratos bilaterais (over-the-counter) dadas as necessidades
específicas dos bancos de desenvolvimento, torna-se possível alterar o perfil de
captação e torná-la mais atrativa ao tomador final. Os contratos mais freqüentes são os
swaps de taxas de juros, de taxas de juros fixas para variáveis, e os swaps de moeda,
especialmente de ienes e outras moedas para dólar estado-unidense. A seguinte
afirmativa do Banco Mundial (IBRD, 2005) confirma este uso dos derivativos:
131
“Interest rate and currency swaps are also used for asset/liability
management purposes to match the pool of liabilities as closely as possible
to the interest rate and currency characteristics of liquid assets and loans.”
Por fim, os bancos de desenvolvimento além de administrar o seu passivo
buscando o melhor casamento possível entre ativos e passivos se preocupam com a
relação entre o capital próprio e o capital de terceiros. Já foi visto anteriormente que o
funding das operações de bancos de desenvolvimento com capital de terceiros e os
compromissos contratuais associados a estas captações são uma das principais causas
deles possuírem um comportamento baseado no princípio da preferência pela liquidez.
Conseqüentemente, bancos de desenvolvimento administram a sua alavancagem de
forma a reduzir os riscos incorridos e não elevar demasiadamente a sua valorização da
liquidez. Por outro lado, a manutenção de um grau de alavancagem mais baixo reduz as
possibilidades de expansão do ativo acima da geração interna de recursos e, portanto, a
capacidade de bancos de desenvolvimento cumprirem ainda mais a sua função de
realizar empréstimos de longo prazo com grandes benefícios econômicos e sociais. Na
escolha do grau de alavancagem de bancos de desenvolvimento, faz-se necessário
combinar os dois aspectos.
Atualmente, há grande ênfase na manutenção de coeficientes de capital próprio
considerados suficientes para assegurar tanto o comprometimento das instituições
financeiras com as operações realizadas quanto permitir que elas sejam capazes de
absorver eventuais choques. A regulação prudencial, mais especificamente o Acordo de
Basiléia, baseia-se nestes princípios e os analistas financeiros tendem a considerar o
nível de alavancagem uma variável fundamental para determinar a saúde financeira de
uma instituição. Assim, apesar dos bancos de desenvolvimento geralmente não estarem
formalmente submetidos aos critérios de Basiléia, o indicador de alavancagem vem
ganhando importância para obtenção dos seus objetivos, dentre os quais se destaca a
captação de recursos a baixo custo no mercado. Este comportamento é observado por
Bergamini Junior e Giambiagi (2005: 33) no caso do Banco Mundial:
“Registre-se que organismos financeiros multilaterais não seguem
formalmente as regras específicas estabelecidas pelo Acordo de Basiléia,
mas aderem aos princípios genéricos de administração de risco. Por
exemplo, o Banco Mundial submete ao mercado financeiro, de forma
transparente, a sua política de administração de liquidez e de gerenciamento
do risco financeiro, de forma distinta do modelo preconizado no Acordo de
Basiléia, mas muito convergente com relação aos princípios nele existentes,
132
salientando que a sua política financeira é, de forma geral, muito
conservadora: está classificado no nível de risco AAA, detém um índice de
capitalização ponderado por risco de 36% e capta 100% dos seus recursos
ordinários no mercado financeiro.”
O trecho acima sintetiza uma visão encontrada na literatura sobre bancos de
desenvolvimento. A fim de garantir a sua auto-sustentação e permitir um acesso aos
mercados financeiros em condições favoráveis, eles adotam uma política financeira
muito conservadora que lhes assegure uma boa avaliação pelos analistas e um bom
rating. A função desenvolvimentista está, muitas vezes, subordinada à viabilidade
financeira.
Em resumo, a presente seção procurou demonstrar que o comportamento de
bancos de desenvolvimento pode ser compreendido a partir do princípio de preferência
pela liquidez. Eles adotam comportamentos conservadores na composição do seu
balanço devido à natureza das suas operações. Sua missão enquanto banco de
desenvolvimento é principalmente prover recursos de longo prazo para setores, agentes
e projetos com benefícios econômicos e sociais significativos muitas vezes envolvendo
riscos expressivos. Tais empréstimos envolvem grande incerteza, pois seu retorno
depende da evolução da economia ao longo de um relevante período de tempo. Para
viabilizar estes empréstimos, os bancos de desenvolvimento recorrem muitas vezes a
captações no mercado que criam compromissos contratuais. A combinação de ativos
com realização sujeita à elevada incerteza e obrigações impreteríveis conduz os bancos
de desenvolvimento a um comportamento bastante conservador, desde exigências para
os empréstimos realizados, passando pela manutenção de ativos líquidos até uma
administração de passivos e casamento do balanço a fim de reduzir a exposição a riscos
de juros e de moeda. Na terminologia de Minsky, bancos de desenvolvimento são
bancos hedge, porque procuram minimizar os riscos aos quais estão expostos. Esta
política conservadora encontra respaldo no Relatório Anual 2005 do Banco Mundial
(IBRD, 2005):
“IBRD’s financial policies and practices have led it to build reserves, to
diversify its funding sources, to hold a large portfolio of liquid investments,
and to limit a variety of risks, including credit, market and liquidity risks.”
Não obstante, a identificação do comportamento baseado no princípio de
preferência pela liquidez e uma gestão financeira bastante conservadora não
133
necessariamente prejudica a atuação dos bancos de desenvolvimento enquanto
instituições de fomento. Como afirmam Bergamini Junior e Giambiagi (2005: 39) ao
analisar o comportamento financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES):
“Em resumo, assumir uma política de desenvolvimento que apóie em maior
proporção determinados setores, projetos ou regiões pode ser consistente
com a adoção de parâmetros financeiros que levem em conta a necessidade
de ter uma administração rigorosa das finanças do BNDES e que seja
compatível com a obtenção de bons resultados em seu balanço.”
No tocante à política financeira de bancos de desenvolvimento, o seu
conservadorismo deve se limitar ao que se justifica pela sua função primordial de
provedor de recursos de longo prazo. Em outras palavras, a política conservadora deve
prevalecer enquanto resposta às elevadas incertezas intrínsecas das operações realizadas
por esta instituição. Ela precisa avaliar cautelosamente os trade offs entre retorno e
liquidez e entre segurança e capacidade de expandir operações. Este é o desafio que se
coloca aos bancos de desenvolvimento, e que nada mais é do que uma aplicação
específica do princípio de preferência pela liquidez para bancos de desenvolvimento.
4.4 Uma investigação preliminar sobre o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES)
4.4.1 O BNDES
O BNDES é o mais importante banco de desenvolvimento no Brasil e também
um dos bancos de desenvolvimento nacionais mais relevantes no mundo (cf. UNDESA, 2005; Long, 1994). O destaque do BNDES deve-se principalmente ao volume
dos seus desembolsos, que em 2005 atingiram R$ 47,1 bilhões ou US$ 19,6 bilhões
(BNDES, 2006b). Estes números colocam o BNDES próximo a instituições do porte do
134
Banco Mundial, que desembolsou US$ 9,7 bilhões no ano fiscal63 de 2005 (IBRD,
2005). Em termos de ativos, no entanto, o BNDES atingiu R$ 175 bilhões ou US$ 75
bilhões em 2005, um valor ainda muito inferior aos US$ 222 bilhões relatados pelo
Banco Mundial.
O BNDES é um órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio Exterior e cujo capital é de propriedade exclusiva da União. Desta forma, o
BNDES é o principal instrumento do Governo Federal para os financiamentos de longo
prazo com o objetivo de apoiar empreendimentos que contribuam para o
desenvolvimento do país. Dentre as prioridades do BNDES destacam-se os
financiamentos à indústria e aos setores de infra-estrutura, o apoio às exportações
brasileiras e o fomento a pequenas e médias empresas. Adicionalmente, o BNDES
contribui para o desenvolvimento do mercado de capitais e para formulação de políticas
de desenvolvimento nacional e identificação de soluções para problemas estruturais da
economia brasileira. (BNDES, 2006a; BNDES, 2002)
No Brasil, o BNDES responde por cerca de 20% do total do crédito e é uma
importante fonte de crédito de longo prazo (BCB, 2006). Por ser um banco de atacado,
para distribuição dos seus produtos ele se vale de parcerias com bancos comerciais.64 O
BNDES conta também com duas subsidiárias integrais: a FINAME (Agência Especial
de Financiamento Industrial) apóia a expansão e modernização da indústria brasileira
através do financiamento à compra de máquinas e equipamentos e à exportação de bens
e serviços e a BNDESPAR (BNDES Participações S.A.) investe em empresas nacionais
através da subscrição de valores mobiliários no mercado de capitais brasileiro. As três
empresas, juntas, formam o chamado Sistema BNDES.
As operações do Sistema BNDES contemplam desde empréstimos de curto
prazo até os tradicionais empréstimos de longo prazo, com remuneração a juros fixos ou
variáveis, bem como operações do BNDES-Exim de apoio às exportações, do Cartão
BNDES e o apoio através de participação acionária. Assim, no balanço consolidado o
ativo é composto principalmente por empréstimos de diferentes naturezas.
63
O ano fiscal de 2005 para efeito do relatório anual do Banco Mundial abrange o período de 1º de julho
de 2004 a 30 de junho de 2005.
64
Devido a sua extensa rede de agências e capilaridade, estes bancos de varejo estão mais próximos dos
clientes finais permitindo que as linhas do BNDES alcancem maior número de empresas, especialmente
tendo em vista pequenas e médias empresas.
135
Adicionalmente, o BNDES possui títulos e valores mobiliários, em grande parte
debêntures privadas adquiridas em operações de financiamento. Dentre as aplicações
interfinanceiras de liquidez destacam-se os fundos de investimento no Banco do Brasil.
Inicialmente eles eram classificados nesta rubrica e posteriormente integraram os títulos
e valores mobiliários. Para efeitos do presente trabalho, optou-se pela classificação
antiga, que parece representar mais precisamente as características dos fundos de
investimento. Por fim, no ativo permanente prevalecem os investimentos em ações, das
quais quase 70% em 2005 eram negociadas em bolsa.
Do lado do passivo, o item mais relevante no balanço do Sistema BNDES é a
captação de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O FAT é um
instrumento de combate ao desemprego em duas frentes: (i) através das remunerações
provisórias do Seguro Desemprego e do Abono Salarial e de programas de treinamento
e recolocação, e (ii) através de programas de desenvolvimento econômico que
fomentem a criação de novos empregos. O BNDES recebe recursos através do FATConstitucional e do FAT-Depósitos Especiais.
O FAT-Constitucional compreende a transferência de 40% dos recursos da
arrecadação dos programas PIS e PASEP. Nesta categoria, os saldos são remunerados
pela TJLP ou indexados ao dólar norte-americano (FAT Cambial) e remunerados pela
variação da Libor. O BNDES recolhe ao FAT (União) juros semestrais correspondentes
a TJLP, limitado à taxa de 6% a.a. A diferença entre a TJLP e os juros pagos é
incorporada ao saldo devedor exigível no longo prazo. Já o FAT-Depósitos Especiais
gera transferências adicionais ao FAT-Constitucional. Estes recursos são aplicados em
programas específicos e sob condições especiais, apresentando regras diferenciadas de
remuneração, amortização e pagamento de juros ao FAT.
Dentre os demais passivos do Sistema BNDES, estão o Fundo de Participação
PIS-PASEP65 e as fontes externas de recursos, classificadas em dois tipos: as captações
de mercado – empréstimos bancários sindicalizados e emissão de eurobônus – e as
captações junto a instituições multilaterais de crédito e agências governamentais, como
65
O Fundo PIS-PASEP foi descontinuado a partir da nova Constituição Federal de 1988, que destinou as
arrecadações do PIS e do PASEP para o Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Apesar de não receber
novos aportes, as obrigações anteriores continuam ativas e, portanto, figuram no passivo do Sistema
BNDES.
136
Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento, Japan Bank for
International Cooperation (JBIC) e Kreditanstalt für Wiederaufbau (KfW).
Adicionalmente, o BNDES faz a gestão do Fundo da Marinha Mercante e do Fundo
Nacional de Desenvolvimento.
4.4.2 O BNDES e o princípio da preferência pela liquidez
Para efeito do presente estudo foram utilizados os balanços do Sistema BNDES,
a preços correntes, entre 1995 e 2005. A partir destes dados, foi possível fazer uma
avaliação preliminar do comportamento do BNDES tendo em vista as proposições
teóricas desenvolvidas na seção 4.3, dentre as quais se destaca a tendência de bancos de
desenvolvimento serem bancos conservadores, ou bancos hedge na terminologia de
Minsky.
A apresentação das principais atribuições do BNDES e da constituição do seu
balanço na seção anterior deixa claro que ele incorre essencialmente nos mesmos riscos
que os demais bancos de desenvolvimento. Seu principal item no ativo são os
empréstimos, com destaque para empréstimos de longo prazo, e, como foi visto na
seção 4.3, eles envolvem grande incerteza quanto à capacidade dos tomadores do
crédito conseguirem auferir receitas suficientes para honrar seus compromissos com o
BNDES. Quanto ao funding, prevalece o capital de terceiros, incluindo captações no
mercado externo. Desta forma, o BNDES possui compromissos contratuais e incorre em
risco de juros e moeda, como os demais bancos de desenvolvimento.
Embora do lado das operações ativas o BNDES não se distinga
fundamentalmente das demais instituições de desenvolvimento, vale enfatizar que a
economia brasileira nas últimas décadas passou por períodos de elevada instabilidade
macroeconômica66. Isto se refletiu em taxas de crescimento baixas e voláteis. Entre
1995 e 2005, a economia brasileira cresceu em média 2,4% ao ano, com picos de 4,9%
em 2004 e 4,4% em 2000 e anos de crescimento muito baixo em 2003 (0,5%) e 1998
66
Vale destacar que no final dos anos 1990 o país enfrentou diversas crises internacionais.
137
(0,1%). Este contexto de instabilidade elevou a já alta incerteza das operações de longo
prazo. Ficou cada vez mais difícil formular expectativas e o grau de confiança nestas
expectativas tendeu a ficar ainda mais baixo.
Em relação aos compromissos assumidos pelo BNDES, há que se destacar que a
instituição possui elevada alavancagem: o indicador de patrimônio líquido em relação
ao ativo total ficou abaixo de 9% desde 2002 (BNDES, 2006a). Isto significa que a
participação de capital de terceiros é muito expressiva no funding do BNDES, como
enfatizaram Bergamini Junior e Giambiagi (2005: 41):
“O exame do funding do BNDES destinado às operações de crédito revela
que o mesmo provém de terceiros, bem como espelha a inexistência de
recursos do Orçamento da União ou de outros recursos a custo zero.”
A constatação de que o BNDES trabalha essencialmente com capital de terceiros
impõe uma grande responsabilidade à instituição. O comprometimento com a
viabilidade financeira é fundamental para continuidade e expansão das operações do
banco de desenvolvimento. Segundo Bergamini Junior e Giambiagi (2005: 35-36):
“Ao considerar que o BNDES realiza suas operações de crédito
exclusivamente com recursos de terceiros, fica evidente o quanto é essencial
à manutenção do seu compromisso com a política de auto-sustentação
econômico- financeira que vem balizando sua atuação creditícia. (...) Essa
política tem como finalidades comprovar a capacitação do Banco no
adequado gerenciamento dos recursos de terceiros, como os do FAT, que é
um fundo privado, e manter acesso ao mercado financeiro e aos recursos
geridos por agências multilaterais.”
Como visto na seção 4.3, a associação de ativos de longo prazo e elevada
incerteza e a existência de compromissos contratuais é uma combinação que deixa os
bancos de desenvolvimento suscetíveis a situações nas quais o fluxo de retorno dos seus
ativos seja frustrado ou se mostre insuficiente para os pagamentos assumidos. Esta
situação justifica o seu comportamento baseado no princípio da preferência pela
liquidez. Dadas as características do BNDES discutidas acima, é possível concluir que o
seu comportamento pode ser compreendido através do instrumental teórico proposto e,
no caso particular do BNDES, o conservadorismo da política financeira tende a ser
exacerbado.
138
Para avaliar esta hipótese, analisar-se-á primeiramente a composição do ativo do
BNDES entre 1995 e 2005. Como visto na subseção 4.4.1, os bens e direitos do BNDES
são compostos por aplicações interfinanceiras de liquidez, títulos e valores mobiliários,
empréstimos e repasses, e investimentos. No período de análise, a mudança de
composição é bastante clara. Os investimentos, que correspondem a participações
acionárias do BNDES em outras empresas, tiveram a sua participação reduzida de mais
de 20% do ativo para menos de 10%, como pode ser visto no Gráfico 1 abaixo. Esta
queda se concentrou no período de 1995 a 2000 e a partir de então o indicador tem se
mantido estável. Em 2005, os investimentos responderam por 8,3% do ativo. Já os
títulos e valores mobiliários ganharam participação até 1998, para depois perdê-la e
representarem em 2005 5,8% do ativo, abaixo do valor registrado em 1995.
Gráfico 1: Composição do ativo do BNDES – Títulos e valores mobiliários e
Investimentos (em participação percentual do Ativo Total): 1995 a 2005
25%
Investimentos
20%
Títulos e valores
mobiliários
15%
10%
5%
0%
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos balanços do BNDES
Os demais itens do ativo aumentaram a sua participação. Como mostra o Gráfico
2 abaixo, empréstimos e repasses cresceram quase que continuamente ao longo do
tempo e em 2005 atingiram participação de 76% do ativo. As aplicações de liquidez
também apresentaram tendência de crescimento, apesar do comportamento mais
errático. Em 2005, elas alcançaram participação de 6%.
139
Gráfico 2: Composição do ativo do BNDES – Ativos líquidos e Empréstimos
e repasses (em participação percentual do Ativo Total): 1995 a 2005
78%
7%
76%
6%
Empréstimos e repasses
74%
5%
72%
4%
3%
70%
Aplicações de liquidez
2%
68%
1%
66%
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos balanços do BNDES
Considerando o princípio da preferência pela liquidez, a composição do ativo do
BNDES, e sua evolução ao longo do período de análise, sugere que a instituição adota
um comportamento pouco cauteloso.
Os investimentos e os títulos e valores mobiliários são considerados ativos de
baixa liquidez. As ações possuem elevado risco de mercado e o montante da carteira do
BNDES frente aos volumes negociados no mercado brasileiro exige que a venda destes
ativos seja bem estudada. Em outras palavras, os investimentos não são ativos que
possam atender a preferência pela liquidez do BNDES. Por outro lado, os títulos e
valores mobiliários, que excluem as aplicações nos fundos do Banco do Brasil, em geral
não são títulos registrados para negociação nas notas explicativas das demonstrações
contábeis do sistema BNDES (BNDES, 2006a). De acordo com estes documentos, a
maior parte dos títulos e valores mobiliários são classificados como títulos a serem
mantidos até o vencimento. Ainda que exista uma parcela de títulos públicos67, cerca de
80% são debêntures privadas, em especial debêntures de longo prazo, utilizadas como
maneira alternativa de conceder crédito aos clientes. Tendo em vista o exposto, resta ao
67
Dentre estes títulos públicos destacam-se aqueles detidos para gestão de riscos, como as NTN-Is.
140
BNDES contar com as aplicações de liquidez para fazer frente à frustração das suas
expectativas. A maioria destes recursos está em fundos no Banco do Brasil, que
possuem atualização diária.
Para efeito de um comportamento baseado na preferência pela liquidez, os ativos
líquidos do BNDES corresponderam a apenas 3% do ativo total em média no período e
a 6% em 2005, destacando-se que esta participação foi excepcionalmente alta para o
padrão apresentado nos demais anos observados. Ao mesmo tempo, cabe lembrar que os
empréstimos se expandiram no período, como visto no Gráfico 2 acima, com um salto
entre 1999 e 2001. No período precedente, os empréstimos situavam-se em torno de
69% do ativo, após 2001 sua participação subiu para cerca de 75%. Embora os ativos
líquidos sejam mantidos em proporção baixa em relação aos demais ativos, eles
acompanharam este aumento dos empréstimos e financiamentos.
Em termos do princípio da preferência pela liquidez, os dados permitem concluir
que o aumento da proporção de empréstimos e repasses no total dos bens e direitos do
BNDES aumentou a incerteza associada ao seu fluxo de retorno das suas aplicações e
sua exposição ao risco de crédito. Isto pode explicar em parte a manutenção de maior
proporção de ativos líquidos. Esta tendência fica explícita no Gráfico 3, que apresenta
os empréstimos e repasses como um múltiplo dos ativos líquidos.
Gráfico 3: BNDES - Relação entre Empréstimos e repasses e
Ativos líquidos: 1995 a 2005
70
60,9
60
49,6
50
41,0
40
30
23,0
20
19,2
12,5
10
0
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos balanços do BNDES
2005
141
A baixa liquidez dos ativos do BNDES contrasta com o perfil do ativo de bancos
de desenvolvimento como o Banco Mundial. No seu relatório anual, a instituição fixa
um valor mínimo prudencial para os seus ativos líquidos tendo em vista as
características das suas operações (IBRD, 2005). No ano fiscal de 2005, o mínimo
prudencial correspondeu à cerca de 10% dos empréstimos e financiamentos, isto é, a
uma relação entre empréstimos e ativos líquidos de no máximo 10. A carteira de ativos
líquidos, porém, foi maior do que o mínimo prudencial e a relação entre empréstimos e
ativos líquidos caiu para cerca de 7,6.
O fato do BNDES manter uma proporção de ativos líquidos relativamente baixa
não significa necessariamente que ele é pouco cauteloso, porque ele pode se valer de
outros expedientes para reduzir seu risco. Neste sentido, a observação da composição do
passivo é fundamental.
Gráfico 4: BNDES - Composição do passivo total
(em participação percentual): 1998 a 2005
60%
54,5%
Outros empréstimos e
repasses
50%
49,8%
38,7%
40%
34,1%
30%
FAT Constitucional
Patrimônio líquido
20%
9,0%
10%
8,2%
0%
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos balanços do BNDES
O Gráfico 4 acima mostra a evolução dos principais itens do passivo do BNDES
em termos de participação no total de recursos. O período de análise foi reduzido para o
intervalo entre 1998 e 2005, dada a disponibilidade da abertura do passivo entre FATConstitucional e outros capitais de terceiros. Como será visto adiante, tal diferenciação é
fundamental e possui impactos decisivos sobre a gestão financeira do BNDES.
142
O capital próprio, como observado anteriormente, apresentou participação
cadente até 2002 e depois recuperou lentamente um pouco desta queda. Em valores
correntes, o capital próprio pouco se alterou ao longo do tempo. Somente em 1996 e
2004 é que a expansão nominal atingiu 10%; em 2005 o patrimônio líquido aumentou
11%. Esta evolução do capital próprio levou ao seguinte comportamento da relação
empréstimos e repasses sobre o patrimônio líquido, conforme o Gráfico 5:
Gráfico 5: BNDES - Empréstimos e repasses sobre patrimônio líquido:
1998 a 2005
10
8
6
4
2
0
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos balanços do BNDES
Este indicador foi claramente ascendente entre 1995 e 2002. A partir deste
momento, a expansão do patrimônio líquido e a estabilização dos empréstimos no total
dos ativos levaram a uma ligeira queda. Para o período 1995-2005 prevalece a estratégia
agressiva do BNDES de expansão dos empréstimos sem o incremento proporcional do
capital próprio.
Neste contexto, vale recuperar a proposta de Pires (1997) que sugeria que o
BNDES deveria utilizar um nível de alavancagem maior ao longo do tempo a fim de
que o maior número de operações ativas permitisse que a instituição reduzisse o spread
cobrado em cada uma delas. De acordo com as demonstrações contábeis do BNDES,
em 1996 a alavancagem medida por ativos totais sobre o patrimônio líquido foi de 4,6.
Até 2002, este indicador cresceu para 12,2 e a partir de então recuou um pouco e em
143
2005 registrou 11,1. Estes valores superam a proposta de Pires (1997), que advogava
uma alavancagem da ordem de oito e até dez como proposta mais ambiciosa.
A combinação de crescimento da alavancagem com a manutenção de grande
parcela de ativos de baixa liquidez poderia indicar que o BNDES tivesse uma gestão
financeira arriscada. A ampla utilização de recursos de terceiros e a elevada incerteza
envolvida nos empréstimos de longo prazo tende a ser uma combinação perigosa,
embora o risco possa ser reduzido de acordo com o perfil de captação dos recursos.
Considerando, então, os capitais de terceiros, estas captações do BNDES
possuem prazos aparentemente compatíveis com a atividade de banco de
desenvolvimento. Entre 1995 e 2005, o passivo exigível no longo prazo representou em
torno de 90% do capital de terceiros. Ainda que se exclua deste cálculo os recursos do
FAT exigível no longo prazo, devido às suas características que serão analisadas a
seguir, o passivo exigível no longo prazo ainda responde por cerca de 85%.
Entre os capitais de terceiros, foi feita a distinção entre dois grupos. O FATConstitucional ficou entre 30% e 40% dos recursos totais do BNDES entre 1998 e 2005.
Mais recentemente, a partir de 2002, a participação do FAT-Constitucional vem
crescendo continuamente, passando de 34% para quase 39% em 2005. O FATConstitucional é a principal fonte de recursos de longo prazo do BNDES.
Os demais empréstimos e repasses consolidam todas as demais captações no
mercado interno e externo, a exceção do FAT-Constitucional. Dentre os principais itens
que compõem este agregado estão as obrigações por repasse, os fundos financeiros e de
desenvolvimento, as captações externas e os depósitos especiais do FAT.
Como pode ser visto no Gráfico 4, estes outros capitais de terceiros ganharam
participação no funding do BNDES entre 1998 e 2002: de pouco mais de 40% do
passivo total, eles passaram para quase 55%. A partir de então, ao contrário da
tendência do FAT-Constitucional, estes outros empréstimos e repasses vêm perdendo
participação relativa. Do pico de 2002, caíram paulatinamente até os 50% registrados
em 2005. O principal item a contribuir para esta queda foram os empréstimos no
exterior. Seu valor absoluto caiu de R$ 16 bilhões em 2002 para apenas R$ 5 bilhões em
2005. Em participação no passivo total, eles passaram de mais de 10% para menos de
3%.
144
Em termos de impacto para gestão de risco e para preferência pela liquidez do
BNDES, os dois grupos de capitais de terceiros são radicalmente distintos. Os demais
empréstimos e repasses são funding com perfil mais tradicional; eles geram
compromissos financeiros ao longo do tempo, correspondendo a juros e amortizações.
Como visto anteriormente, a sua grande maioria é de compromissos de longo prazo,
compatíveis com o perfil dos ativos.
O FAT-Constitucional, por sua vez, é um passivo de natureza distinta. Como
consta das demonstrações contábeis (BNDES, 2006a: 45):
“[p]ara os recursos do FAT-Constitucional, somente haverá amortizações se
ocorrer insuficiência de recursos para custear o seguro-desemprego e o
abono salarial, em montantes e situações previstas em lei.”.
Ainda nesse caso, considerado improvável68, seriam amortizados em torno de 20% do
saldo devedor nos primeiros dois anos, 10% nos três anos seguintes e 5% a partir do
sexto ano, quando necessário, para cobrir o seguro desemprego. A ausência de
amortizações previstas, isto é, prazos de amortização indefinidos contratualmente, torna
o FAT-Constitucional um funding singular. Esta constatação foi o que deu origem ao
enquadramento do FAT como dívida subordinada, através da Resolução BACEN nº
2.837, de 30 de maio de 2001. Adicionalmente, o valor correspondente a 50% do
patrimônio líquido ajustado foi incluído no Patrimônio de Referência como dívida
subordinada elegível a capital, impactando positivamente o índice de Basiléia do
BNDES.
Soma-se à ausência de amortizações previstas a observação feita na subseção
anterior, que o valor pago a título de juros está limitado a juros nominais de 6% ao ano,
sendo que a diferença entre a TJLP vigente e os 6% aa pagos ao FAT é capitalizada. Em
outras palavras, o FAT-Constitucional é um capital de terceiros com perfil muito
favorável. Não somente a parcela elegível a capital tem características semelhantes ao
capital próprio; em sua totalidade os recursos do FAT-Constitucional têm características
semelhantes ao capital próprio. Muitas vezes, também o capital próprio cria
compromissos, ainda que informais. Assim ocorreu ao longo dos últimos anos, quando
68
Para que os demais recursos do FAT fossem insuficientes para custear o seguro-desemprego e o abono
salarial seria necessário que o país estivesse imerso em uma crise sem precedentes.
145
o BNDES garantiu ao seu acionista, a União, uma remuneração a título de dividendos.69
A principal diferença está na remuneração do capital próprio estar condicionada a um
resultado positivo, enquanto que os juros do FAT precisam se pagos independentemente
do resultado do BNDES.
No entanto, até o presente momento, os recursos do FAT-Constitucional
desfrutam de uma vantagem adicional: o fluxo de ingressos referentes às transferências
dos recursos do PIS-PASEP é superior ao pagamento de juros. Segundo as notas
explicativas que acompanham as demonstrações contábeis (BNDES, 2006a), a
movimentação do FAT-Constitucional no ano de 2005 consistiu de ingressos da ordem
de R$ 6,8 bilhões, enquanto os pagamentos de juros somaram R$ 3,2 bilhões. O
ingresso líquido foi significativo, de cerca de R$ 3,6 bilhões. Enquanto o estoque de
recursos do FAT-Constitucional no BNDES não for alto suficiente para gerar um
pagamento de juros que supere os aportes adicionais do Fundo na instituição, este
passivo, na prática, fica isento de compromissos contratuais; ocorre apenas o ingresso
de recursos, ainda que em volumes decrescentes à medida que o estoque detido pelo
BNDES aumenta.
Em resumo, a composição do passivo do BNDES pode ser considerada bastante
favorável ao desempenho da função de banco de desenvolvimento. Ainda que a
instituição recorra fundamentalmente ao capital de terceiros para obter recursos para as
suas operações, o perfil desta captação confere grande tranqüilidade em termos de
compromissos contratuais. Em primeiro lugar, o passivo do BNDES é majoritamente de
longo prazo, condizente com os seus empréstimos. Mais importante do que isso é a
existência de um passivo relevante tanto quantitativa quanto quantitativamente para o
BNDES. O FAT-Constitucional responde por cerca de 40% dos recursos mobilizados
pelo BNDES e ele até o presente momento não gera compromissos contratuais líquidos:
os novos aportes são superiores às despesas com juros. Além disso, estas despesas estão
limitadas a 6% aa e não existem amortizações previstas. O perfil do funding do BNDES
é tal que os compromissos contratuais são relativamente pequenos em relação ao total
de operações realizadas, pois cerca de 50% são recursos que não exigem amortização.
69
Estes pagamentos foram o principal motivo para a manutenção do patrimônio líquido praticamente
estável durante quase todo o período de análise.
146
A análise do balanço permite ainda um exercício que fornece elementos para
avaliar a relação entre ativo e passivo. Os índices de liquidez comparam itens do ativo
com o passivo circulante, ou seja, os compromissos contratuais do exercício seguinte.
Desta forma, eles procuram medir a capacidade que a empresa possui de honrar os seus
compromissos no próximo exercício.
O Gráfico 6 abaixo apresenta os índices de liquidez corrente e liquidez imediata
do BNDES para o período 1995 a 2005. A liquidez imediata é medida pela razão entre
ativos líquidos e o passivo circulante. Conforme a discussão precedente de participação
crescente de ativos líquidos no ativo total, o índice de liquidez imediata apresentou
ligeira tendência de aumento ao longo do período, embora de maneira errática. Este
comportamento, entretanto, não se refletiu no índice de liquidez corrente, que mede a
razão entre ativo circulante e passivo circulante. Este último indicador mede a
disponibilidades de recursos no próximo exercício frente aos compromissos no mesmo
período.
Gráfico 6: BNDES – Índices de liquidez corrente e liquidez imediata:
1995 a 2005
4,0
80%
Liquidez corrente
3,5
70%
3,0
60%
2,5
50%
2,0
40%
1,5
30%
1,0
Liquidez imediata
0,5
20%
10%
0,0
0%
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Fonte: Elaboração própria a partir de dados dos balanços do BNDES
A liquidez corrente do BNDES não apresentou tendência ao longo do tempo e se
manteve em torno de 2,5 na maior parte do período. Este indicador revela que apesar da
baixa liquidez, o BNDES dispunha de ativos no curto prazo que superavam quase duas
147
vezes e meia os compromissos contratuais do exercício seguinte. Assim, mesmo que
uma parcela dos retornos dos empréstimos não se confirmasse, devido à incerteza
envolvida no financiamento de projetos, não seria de se imaginar que o mesmo
acontecesse para todos estes pagamentos de juros e amortizações. Além disso, a gestão
dos ativos líquidos parece ter compensado eventuais oscilações dos retornos dos
empréstimos e de títulos e valores mobiliários. Por fim, vale lembrar que uma parcela
do passivo circulante corresponde aos juros do FAT-Constitucional, que como visto
acima até o presente momento não geram saídas de caixa.
Sumariamente, o índice de liquidez corrente do BNDES ao longo dos onze anos
entre 1995 e 2005 mostra que o comportamento da instituição é conservador. Ao manter
o ativo circulante em valores correspondentes a cerca de duas vezes e meia o valor dos
compromissos contratuais do próximo exercício, pode-se afirmar que o BNDES está
muito protegido contra eventuais frustrações de expectativa.
Pires (1997: 3) menciona uma característica do balanço do BNDES que explica
o elevado índice de liquidez corrente: “as exigibilidades têm prazo mais longo que os
ativos”. Embora esta informação não possa ser verificada diretamente através do
balanço, esta proposição foi comprovada pela análise das notas explicativas referentes
às demonstrações contábeis de 2005. Neste ano, as operações ativas de crédito e repasse
com vencimento dos dois anos seguintes (2006 e 2007) representavam 40% do total,
enquanto as operações com vencimento após 2010 totalizaram 32%. Já as obrigações
por empréstimos e repasses desconsiderando FAT e PIS-PASEP (para os quais não há
discriminação por ano de vencimento) possuíam perfil muito mais longo do que o ativo:
apenas 28% tinham vencimento entre 2006 e 2007 e pouco menos de 50% (47%)
criavam exigências depois de 2010.
As informações acima indicam que o prazo dos passivos do BNDES é mais
longo do que o prazo dos seus ativos. Trata-se de uma inversão em relação ao que se
observa em bancos comerciais. Eles são instituições financeiras essencialmente
especulativas no conceito de Minsky70, pois captam recursos a prazos mais curtos, com
destaque para os depósitos à vista que tem prazo imediato, e realizam operações de
70
Uma instituição especulativa possui compromissos contratuais que excedem as suas receitas em
determinados períodos, embora a instituição seja solvente. Isto exige que ela refinancie as suas obrigações
ao longo do tempo, a fim de enfrentar a sua iliquidez.
148
crédito a prazos mais longos. O descasamento de prazos faz parte da natureza de bancos
comerciais. Já o BNDES possui um descasamento às avessas; seu passivo possui prazo
mais longo do que o ativo. Para Minsky, o BNDES seria classificado como um banco
hedge.71
Finalmente, há que se lembrar os demais expedientes utilizados pelo BNDES
para reduzir a sua exposição ao risco e que não possuem expressão direta no balanço.
Na concessão de crédito, a instituição adota uma série de cuidados: a empresa necessita
de boa avaliação (rating), o projeto de gasto precisa ter mérito e viabilidade financeira e
ao longo do tempo é feito o seu acompanhamento. Na precificação dos empréstimos, o
BNDES minimiza o risco cambial e de juros e usualmente repassa as condições
financeiras das suas fontes de recursos, utilizando a metodologia cost pass-through,
adicionada de um spread para sua remuneração. Por fim, vale mencionar que o BNDES
opera com derivativos de maneira a tornar o perfil do passivo financeiro do BNDES
mais atrativo aos tomadores de recursos, especialmente no que se refere às captações
externas. De acordo com as demonstrações contábeis, os resultados das operações de
derivativos são integralmente repassados aos tomadores de recursos. (BNDES, 2006a;
Prado e Monteiro Filha, 2005; Bergamini e Giambiagi, 2005; Pires, 1997)
O que se pode concluir a partir da discussão do comportamento do BNDES
segundo o princípio da preferência pela liquidez e da análise dos seus balanços entre
1995 e 2005 é que a instituição é bastante conservadora no que se refere à sua gestão
financeira. Apesar de uma primeira impressão bastante diferente quando se considera a
baixa liquidez dos ativos detidos pelo BNDES e pela evolução da sua alavancagem no
período considerado, a investigação da composição do seu passivo e do perfil dos
compromissos contratuais em relação às receitas das operações ativas não deixa dúvidas
quanto ao seu conservadorismo.
O BNDES dispõe de um passivo ímpar, com prazos elevados e com grande
participação do FAT-Constitucional. Como visto, esta parcela do FAT não possui
amortizações previstas; exige somente o pagamento de juros e este é limitado à taxa fixa
de 6% aa. Ademais, enquanto o estoque ainda é relativamente baixo, os novos aportes
71
O banco hedge, ao contrário do banco especulativo, possui receitas que superam os compromissos
contratuais em todos os períodos futuros.
149
do Fundo superam os pagamentos de juros conferindo um influxo líquido de recursos.
Por outro lado, os demais recursos captados pelo BNDES possuem prazo mais alto do
que as operações ativas. Assim, a instituição, em geral, dispõe de retorno dos
empréstimos e repasses suficientes para honrar cerca de duas vezes e meia as suas
obrigações no exercício seguinte. Por todos estes motivos, o BNDES é um banco hedge
segundo a classificação de Minsky.
4.5 Conclusão
O presente artigo procurou discutir teoricamente como o princípio da preferência
pela liquidez pode ser utilizado para compreender o comportamento de bancos de
desenvolvimento. Posteriormente, o caso do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social - BNDES permitiu uma avaliação preliminar das possibilidades
deste instrumental.
O princípio da preferência pela liquidez como desenvolvido por Keynes e
posteriormente enriquecido pela administração de passivos proposta por Minsky é um
arcabouço amplo e flexível que permite compreender o comportamento de bancos, e em
especial de bancos de desenvolvimento. A preferência pela liquidez e outras medidas
para reduzir a exposição a riscos são respostas naturais de precaução de instituições
cujos resultados são incertos.
A natureza das operações de bancos de desenvolvimento normalmente envolve
prazos mais longos e riscos mais elevados, seja devido ao prazo ou às características dos
setores apoiados. Os empréstimos, conseqüentemente, são marcados por grande
incerteza. Por outro lado, as instituições de fomento recorrem crescentemente a
captações no mercado e estão cada vez mais comprometidos com a auto-sustentação,
isto é, com a sua viabilidade financeira. Conseqüentemente, eles tendem a adotar
comportamentos conservadores na composição do seu balanço e na concessão dos
empréstimos, procurando minimizar o risco ao qual estão inexoravelmente expostos
devido a sua missão enquanto bancos de desenvolvimento.
150
A análise dos balanços patrimoniais do Sistema BNDES sugere que a instituição
brasileira não difere dos seus pares. Ao longo dos onze anos entre 1995 e 2005, o
BNDES adotou posturas conservadoras na condução da sua função de promover o
desenvolvimento brasileiro. Esta possivelmente é uma conseqüência das incertezas de
projetos de longo prazo, especialmente no Brasil.
Além dos expedientes cautelosos na concessão de crédito e a adequação dos
termos de ativos e passivos, os balanços revelaram que o BNDES possui um índice de
liquidez corrente bastante elevado. Isto reflete a composição bastante favorável do seu
passivo, com prazos elevados e com grande participação do FAT-Constitucional. Os
compromissos financeiros do BNDES são relativamente baixos considerando a grande
participação do capital de terceiros e, com um descasamento de prazos às avessas, o
fluxo de pagamentos no curto prazo é inferior ao retorno das operações ativas. Assim, o
BNDES parece bastante protegido contra eventos imprevistos que afetem os
compromissos contratuais dos tomadores de recursos, garantindo que a instituição seja
capaz de honrar as suas obrigações.
A situação financeira confortável do BNDES pode levar ao questionamento da
necessidade deste nível de precaução da instituição. Como visto anteriormente, os
bancos de desenvolvimento deveriam adotar comportamentos conservadores somente na
medida exigida pela sua função de promover o desenvolvimento. Eventuais excessos de
conservadorismo limitam a sua ação desenvolvimentista.
Neste aspecto, vale destacar que pelo menos uma parte da liquidez do balanço
do BNDES resulta de outros determinantes, que não a sua preferência pela liquidez. Um
dos indicadores de desempenho do BNDES é a sua capacidade de mobilização de
recursos por ano, o que se reflete nos elevados desembolsos da instituição quando
comparada a outros bancos de desenvolvimento (cf. subseção 4.4.1). O prazo das
operações ativas é uma variável importante neste contexto. Com prazos menores,
aumenta o giro dos ativos e o desembolso anual também aumenta. Ao mesmo tempo,
tomando o prazo do passivo com aproximadamente constante, aumenta também a
liquidez do balanço.
Esta constatação não impede que se alerte para a situação confortável do
BNDES e para a possibilidade de aumento dos prazos do ativo sem prejuízo para gestão
151
financeira do BNDES. Por outro lado, fica claro que existe margem para o BNDES
expandir os seus empréstimos em prol da sua função desenvolvimentista, bastando para
isto uma política mais agressiva de captação de recursos de terceiros. Estritamente a
partir da análise da exposição a riscos, seria possível aprimorar a administração de
passivos do BNDES a fim de expandir a captação de recursos no mercado.
Uma política mais agressiva do BNDES em termos de expansão dos
empréstimos fica limitada não pela sua preferência pela liquidez, visto que a instituição
dispõe de graus de liberdade neste sentido. O principal limitante para expandir a ação
desenvolvimentista tende a ser o valor do seu patrimônio líquido e a sua elevada
alavancagem. Isto afeta negativamente o índice de Basiléia, ao qual o BNDES está
sujeito, bem como os principais indicadores das avaliações feitas pelo mercado. Este
fator pode impedir tanto formalmente a expansão da instituição quanto dificultar a
captação de recursos no mercado. A importância desta questão foi reconhecida
recentemente pelo governo brasileiro, que em agosto de 2006 anunciou uma
capitalização do BNDES para elevar o patrimônio de referência de R$ 24 bilhões para
cerca de R$ 30 bilhões (BNDES, 2006b). Os indicadores de patrimônio e alavancagem
merecem acompanhamento constante, a fim de garantir um futuro no qual o BNDES
possa exercer plenamente o seu potencial de banco de desenvolvimento, sem ficar
restrito à evolução dos recursos deste passivo privilegiado que é o FAT-Constitucional.
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154
CAPÍTULO V: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a importância atribuída por Keynes e autores pós-keynesianos às
instituições bancárias, esta tese apresentou três ensaios sobre economia bancária
discutindo o conceito de preferência pela liquidez. A reflexão principalmente teórica
cobriu aspectos pouco explorados ou mesmo não questionados na literatura, buscando
atualização conforme desenvolvimentos recentes do mercado financeiro.
O argumento que se procurou demonstrar foi que o princípio da preferência pela
liquidez é um arcabouço amplo e flexível que permite compreender o comportamento
de bancos quanto à sua escolha de ativos e passivos, bem como de operações chamadas
fora de balanço. Ele se aplica desde o banco comercial simples, como proposto por
Keynes no Tratado sobre a Moeda, passando pelos bancos universais da atualidade até
bancos de desenvolvimento.
O primeiro ensaio discutiu as principais atividades e funções atribuídas às
instituições bancárias e que são apontadas na literatura como características distintivas
dos bancos: a gestão de informações como defendida por autores novo-keynesianos; a
assunção de riscos, que ganhou maior importância com as transformações institucionais
recentes e a crescente complexidade das técnicas e modelos aplicados; e a criação de
liquidez.
No ensaio, defendeu-se a concepção de banco como provedor e criador de
liquidez, e que esta é a característica distintiva de bancos em relação às demais
instituições financeiras. A concessão de empréstimos é feita mediante o registro de
depósitos à vista para os tomadores; isto é, quando bancos concedem empréstimos, eles
criam a chamada moeda creditícia.
A partir da análise de diferentes visões da teoria pós-keynesiana, a conclusão foi
que bancos não reagem passivamente ao ambiente, eles buscam um comportamento
155
ativo baseado na administração de passivos, aumento da alavancagem e nas inovações.
Para elevar seu lucro, bancos recorrem a este conjunto de expedientes que permitem
contornar os limites impostos pela autoridade monetária e pela regulação em geral e isto
confere graus de liberdade para os bancos concederem empréstimos e criarem moeda
creditícia. Em que medida instituições bancárias se valem destes graus de liberdade para
expandir suas atividades não foi objeto de discussão deste primeiro ensaio, porém o
ensaio seguinte tratou deste aspecto do comportamento de bancos.
Neste segundo ensaio discutiram-se as decisões de portfólio de instituições
bancárias. Foram identificados elementos para construção de um modelo póskeynesiano, tendo em vista também as mudanças no mercado financeiro nas últimas
décadas e os seus impactos sobre a preferência pela liquidez dos bancos. Motivada pelo
primeiro ensaio, a reflexão teórica visou especialmente as implicações para a
compreensão da concessão de crédito.
Em primeiro lugar, a avaliação feita pelos bancos acerca da expectativa de
retorno e da possibilidade do tomador de recursos honrar os seus compromissos é
fundamental para o crédito ser concedido. Depois, como bancos possuem preferência
pela liquidez, a rentabilidade do crédito é comparada com o retorno esperado de todos
os demais ativos, inclusive o retorno não-monetário dado pelo prêmio de liquidez.
Neste contexto, concluiu-se que a expansão dos empréstimos tende a criar as
condições que limitam a própria concessão de crédito. Esta expansão altera a estrutura
financeira
das
instituições
bancárias,
elevando
os
riscos
enfrentados
e
conseqüentemente elevando a sua preferência pela liquidez.
Muito embora bancos disponham de cada vez mais instrumentos para gestão de
riscos e satisfação da preferência pela liquidez – maior liquidez dos diferentes ativos de
crédito, a administração de passivos, o uso de instrumentos derivativos e as inovações
financeiras – e que eles tenham ampliado os limites considerados seguros para expansão
do crédito, a percepção de risco das instituições bancárias e a sua preferência pela
liquidez podem limitar a expansão. Neste caso, somente mudanças nas expectativas e
redução na percepção de incerteza permitiriam a flexibilização destes limites.
Como a concessão de crédito constitui uma das atividades centrais e que
justificam a existência de bancos de desenvolvimento, o objetivo do terceiro ensaio foi
156
investigar em que medida o instrumental teórico baseado no princípio da preferência
pela liquidez, como desenvolvido em mais detalhe no segundo ensaio, contribui para
compreender as decisões e os eventuais limites de bancos de desenvolvimento.
Os empréstimos destas instituições são marcados por grande incerteza, devido a
prazos mais longos e riscos mais elevados, seja pelo prazo ou pelas características dos
setores apoiados. Por outro lado, as instituições de fomento recorrem crescentemente a
captações no mercado e estão cada vez mais comprometidos com a sua viabilidade
financeira. Como conseqüência, elas tendem a adotar comportamentos conservadores na
composição do seu balanço e na concessão dos empréstimos, procurando minimizar o
risco ao qual estão inexoravelmente expostos devido a sua missão enquanto bancos de
desenvolvimento.
Na posterior avaliação preliminar da gestão financeira do BNDES a partir de
dados de balanço entre 1995 e 2005, concluiu-se que o banco de desenvolvimento
brasileiro também adotou posturas conservadoras. Ele difere, no entanto, por ter uma
composição bastante favorável do seu passivo. Além de prazos elevados, o BNDES
conta com grande participação do FAT-Constitucional, um passivo que não possui
amortizações previstas, somente pagamento de juros. A situação financeira confortável
do BNDES sugere que, em relação à sua preferência pela liquidez, o banco poderia
adotar uma política mais agressiva em termos de captação de recursos de terceiros e de
expansão dos empréstimos.
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