SISTEMA FINANCEIRO, BANCOS E FINANCIAMENTO DA ECONOMIA: UMA ABORDAGEM PÓS-KEYNESIANA Tese de Professor Titular Dr Luiz Fernando Rodrigues de Paula Tese apresentada à Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ) Área do Concurso: Economia Política RIO DE JANEIRO Outubro – 2011 Dedico esta tese a minha esposa Simone, pelo amor e compreensão necessários para conclusão deste trabalho, e minha filha Júlia. ii a AGRADECIMENTOS Várias pessoas, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho. Meus colegas do Grupo de Estudos da Moeda e Sistema Financeiro, nucleado na UFRJ, coordenado pelo Prof Fernando Cardim de Carvalho, me proporcionaram um ambiente de discussão e trabalho que certamente contribuiu para o bom andamento de minha pesquisa. Além do próprio Cardim, cabe mencionar meus amigos André Modenesi, Antonio Alves Jr., Fernando Ferrari Filho, Jennifer Hermann, José Luís Oreiro e Rogério Sobreira, muitos deles co-autores de vários trabalhos acadêmicos, alguns relacionados diretamente a temática tratada nesta tese. Meus colegas da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ, seja no Departamento de Evolução Econômica (DEE) seja no Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas (PPGCE), contribuiram para me proporcionar um bom e estimulante ambiente de trabalho. Agradeço, em particular, ao Alexis Toríbio Dantas, Dalthan Simas e Léo da Rocha Ferreira. Destaco, ainda, os vários assistentes de pesquisa que tive na UERJ, entre os quais, Aline Gomes, Fábio Barcelos e João Adelino de Faria, e ainda os alunos da pós-graduação em Economia, em particular aqueles que orientei as dissertações e que se tornaram meus amigos: Ana Paula Gonçalves, Gabriel Squeff, Henrique Oswaldo Reis Jr, João Adelino de Faria, Kátia Bonilla Alves, Rodrigo Mendes Leal e Tiago Rinaldi Meyer. Ana Paula, em particular, pela ajuda na edição desta tese. Agradeço, por fim, Alexis Toribio Dantas, Carmem Feijó, João Sabóia, Maria Beatriz David e Rogério Sobreira, além de Fernando Ferrari Filho, Jennifer Hermann e Miguel Bruno, por aceitarem a participar da banca de avaliação desta tese. Sou grato ao CNPq, pela concessão de bolsa de produtividade desde 1999, e o programa PROCIÊNCIA/UERJ, desde 2002, ambos fundamentais para o apoio financeiro que tem permitido o desenvolvimento de minha pesquisa durante os últimos anos. iii RESUMO Uma das diferenças fundamentais da teoria pós-keynesiana em relação a teoria econômica convencional é a importância atribuída por esta abordagem ao papel da moeda e de instituições financeiras no funcionamento e dinâmica de uma economia empresarial. Em particular sistemas financeiros têm um papel crucial no crescimento econômico, independentemente da existência de problemas relacionados à existência de fricções no funcionamento dos mercados financeiros e de crédito. Na visão convencional o papel das instituições financeiras é o de mobilizar poupanças e facilitar a alocação de recursos, ou seja, cumprir o papel de intermediar recursos entre poupadores e investidores, e ao mesmo tempo facilitar o gerenciamento de riscos na atividade de intermediação. Na visão pós-keynesiana, por sua vez, o sistema financeiro tem um papel ambíguo na economia: ao mesmo tempo em que ele pode estimular o crescimento econômico como provedor de liquidez e na alocação da poupança ex-post para consolidar o investimento, a ação de especuladores nos mercados financeiros (necessária para prover liquidez nos mercados secundários) tem um papel instabilizador nesses mercados. Nesta abordagem, diferentemente da visão convencional, a poupança ex-ante não é condição prévia para a realização dos investimentos, e bancos – enquanto provedores de liquidez – têm um papel fundamental na criação de poder de compra novo para as firmas investidoras. Assim, a funcionalidade do sistema financeiro tem um sentido diferente da visão convencional, e isto tem importantes implicações de política. Esta tese é composta de quatro ensaios teóricos sobre a temática “sistema financeiro, bancos e financiamento em uma perspectiva pós-keynesiana”: um primeiro sobre os determinantes do comportamento dos bancos em uma economia monetária, a partir da abordagem da preferência pela liquidez; um segundo sobre comportamento dos bancos e crédito no ciclo minskiano; um terceiro sobre financiamento da economia, funcionalidade do sistema financeiro e estruturas financeiras; e, por fim, um quarto sobre financiamento da inovação buscando integrar uma perspectiva keynesiana, institucionalista e schumpeteriana. iv SUMÁRIO 1. 2. 3. 4. Introdução................................................................................................... 1 Dinâmica dos bancos em uma economia monetária................................ 7 1.1.Introdução.............................................................................................. 7 1.2.Teoria da firma bancária: a abordagem convencional neoclássica.................................................................................................... 10 1.3.Teoria da firma bancária: uma perspectiva pós-keynesiana................... 19 1.4.Conclusão............................................................................................... 36 Anexo 1.A: Mercado de crédito no ciclo econômico................................... 37 Comportamento dos bancos e oferta de crédito no ciclo minskiano 39 2.1. Introdução.............................................................................................. 39 2.2. Dinâmica dos bancos no ciclo econômico............................................ 40 2.3. A hipótese de fragilidade financeira e a evolução do estado de expectativas dos bancos................................................................................ 47 2.4. Conclusão.............................................................................................. 58 Anexo 2.A: Margem de segurança e unidades de financiamento................ 61 Financiamento, desenvolvimento econômico e funcionalidade do sistema financeiro....................................................................................... 63 3.1. Introdução.............................................................................................. 63 3.2. Visão convencional do sistema financeiro............................................ 65 3.3. Funcionalidade do sistema financeiro ao crescimento econômico: a abordagem pós-keynesiana........................................................................... 70 3.4. Estruturas financeiras alternativas e mudanças recentes no sistema financeiro...................................................................................................... 79 3.5. Conclusão.............................................................................................. 85 Sistema financeiro e o financiamento da inovação.................................. 88 4.1. Introdução.............................................................................................. 88 4.2. Schumpeter e Keynes sobre crédito, inovação e investimento: uma breve análise................................................................................................. 89 4.3. Financiamento, incerteza e inovação a partir de uma perspectiva keynesiana-schumpeteriana.......................................................................... 94 4.4. Funcionalidade do sistema financeiro e tipologia dos sistemas financeiros.................................................................................................... 100 4.5. Conclusão.............................................................................................. 104 Referências bibliográficas.......................................................................... 107 v INTRODUÇÃO Uma das diferenças fundamentais da teoria pós-keynesiana em relação a teoria econômica convencional é a importância atribuída por esta abordagem ao papel da moeda e de instituições financeiras no funcionamento e dinâmica de uma economia empresarial. Em particular sistemas financeiros têm um papel crucial no crescimento econômico, independentemente da existência de problemas relacionados à existência de fricções no funcionamento dos mercados financeiros e de crédito. Na visão convencional o papel das instituições financeiras é o de mobilizar poupanças e facilitar a alocação de recursos, ou seja, cumprir o papel de intermediar recursos entre poupadores e investidores, e ao mesmo tempo facilitar o gerenciamento de riscos na atividade de intermediação. Na visão pós-keynesiana, por sua vez, o sistema financeiro tem um papel ambíguo na economia: ao mesmo tempo em que ele pode estimular o crescimento econômico como provedor de liquidez e na alocação da poupança ex-post para consolidar o investimento, a ação de especuladores nos mercados financeiros (necessária para prover liquidez nos mercados secundários) tem um papel instabilizador nesses mercados. Nesta abordagem, diferentemente da visão convencional, a poupança ex-ante não é condição prévia para a realização dos investimentos, e bancos – enquanto provedores de liquidez – têm um papel fundamental na criação de poder de compra novo para as firmas investidoras. Assim, a funcionalidade do sistema financeiro tem um sentido diferente da visão convencional, e isto tem importantes implicações de política. Assim, nesta concepção, bancos são agentes ativos que possuem expectativas e motivações próprias, cujo comportamento - com base na administração dinâmica de seu balanço - tem impacto decisivo sobre as condições de financiamento da economia e, conseqüentemente, sobre o nível de gastos dos agentes, afetando as variáveis reais da economia, como produto e emprego. Tal enfoque, além de destacar o papel fundamental que os bancos desempenham no estabelecimento das condições de financiamento da economia e na determinação do nível de atividade econômica, deve ser compatível com a visão de Keynes acerca da tomada de decisões dos agentes sob condições de incerteza não-probabilística e sua teoria de preferência pela liquidez. Na abordagem póskeynesiana de preferência pela liquidez, como será desenvolvido nesta tese, os bancos, como qualquer outra firma, têm preferência pela liquidez com base em suas 1 expectativas sobre um futuro incerto, conformando seu portfólio conciliando lucratividade e sua escala de preferência pela liquidez. De tal escolha depende, em boa medida, a criação de crédito e depósitos bancários, e, por conseguinte, a oferta de moeda na economia. A perspectiva pós-keynesiana destaca, ademais, que os bancos têm um comportamento fortemente pró-cíclico. Na fase expansiva, impregnado por maior otimismo, tendem a diminuir sua preferência pela liquidez ao mesmo tempo em que intensifica a administração do passivo, aumentando sua alavancagem e alterando sua estrutura de obrigações. Em particular, bancos privilegiam rentabilidade a liquidez, no que resulta no aumento descasamento de seu balanço e submissão a maiores riscos. Assim, bancos respondem positivamente visões otimistas sobre viabilidade de estruturas de dívidas das firmas, concedendo crédito. Já na fase de desaceleração, face a deterioração de expectativas, aumenta a preferência pela liquidez e aversão ao risco do banco, expressa na preferência por ativos mais líquidos, contração do crédito e diminuição do descasamento de prazos no balanço. Esta estratégia defensiva leva a racionamento maior do crédito, que freqüentemente contribui para um aprofundamento do descenso cíclico. Esta tese é composta de quatro ensaios teóricos sobre a temática “sistema financeiro, bancos e financiamento em uma perspectiva pós-keynesiana”: um primeiro sobre os determinantes do comportamento dos bancos em uma economia monetária, a partir da abordagem da preferência pela liquidez; um segundo sobre comportamento dos bancos e crédito no ciclo minskiano; um terceiro sobre financiamento da economia, funcionalidade do sistema financeiro e estruturas financeiras; e, por fim, um quarto sobre financiamento da inovação buscando integrar uma perspectiva keynesiana, institucionalista e schumpeteriana. Deste modo, a tese é composta de dois capítulos sobre bancos e crédito e dois sobre financiamento da economia. Embora os capítulos possam ser lidos separadamente, há um seqüenciamento lógico entre eles que permite um aprofundamento e desdobramento da temática tratada nesta tese: a problemática do financiamento da economia em algumas de suas várias dimensões a partir de uma “leitura” pós-keynesiana. O primeiro capítulo - intitulado “Dinâmica dos bancos em uma economia monetária” - a dinâmica comportamental da firma bancária e seus efeitos sobre a oferta de crédito a partir de uma perspectiva pós-keynesiana, tomando como ponto de partida as contribuições de Keynes (em seu Treatise on Money) e Minsky (em seu Stabilizing 2 an Unstable Economy). Tal enfoque, além de destacar o papel fundamental que os bancos desempenham no estabelecimento das condições de financiamento da economia e na determinação do nível de atividade econômica, deve ser compatível com a visão de Keynes acerca da tomada de decisões dos agentes sob condições de incerteza nãoprobabilística e sua teoria de preferência pela liquidez. O capítulo sustenta que o bancos não são agentes neutros na intermediação de recursos reais na economia e tampouco conformam seu balanço como resultado das decisões tomadas por outros agentes, tal como nos modelos neoclássicos, mas instituições ativas que possuem expectativas e motivações próprias e que, portanto, administram dinamicamente seu balanço, a partir de suas expectativas de rentabilidade e risco em um mundo intrinsecamente incerto. Assim, mais que meros intermediadores passivos de recursos, bancos são capazes de criar ativamente crédito (poder de compra novo) independentemente da existência de depósitos prévios. Entendida como uma firma capitalista cujo principal objetivo é obter lucro na forma monetária e que possui preferência pela liquidez, o banco é apresentado como uma instituição cujo comportamento influencia diretamente as condições de liquidez e de financiamento da economia e, por conseguinte, a concretização das decisões de investimento dos agentes. A volatilidade de suas avaliações sobre a riqueza financeira e suas expectativas quanto ao retorno dos empréstimos ocasionam flutuações na oferta de crédito e, conseqüentemente, no nível de investimento, produto e emprego da economia. Para Keynes e economistas pós-keynesianos a dinâmica da firma bancária afeta de forma decisiva as condições e volume de financiamento da economia e, conseqüentemente, as decisões de gasto dos agentes, assim como os resultados da política monetária. O segundo capítulo - intitulado “Comportamento dos bancos e oferta de crédito no ciclo minskiano” – examina o papel dos bancos e dos estado de expectativas no ciclo econômico de Minsky, tomando como referência tanto trabalhos deste autor quanto de outros autores pós-keynesianos, como Kregel. Em particular, procura-se mostrar que a compatibilidade entre a hipótese de fragilidade financeira de Minsky e a dinâmica do ciclo econômico depende da evolução da percepção de risco dos agentes econômicos (bancos e firmas) durante o ciclo. Neste sentido, o ciclo econômico pode ser caracterizado por um aparente paradoxo: a percepção de risco (microeconômico) e a fragilidade (macroeconômica) da economia caminham em sentidos opostos. Isto ocorre porque quando a economia está em processo de crescimento, os agentes (empresas financeiras e não-financeiras) tendem a diminuir suas margens de segurança sem que 3 isto esteja associado a uma mudança nas suas preferências individuais por “risco e retorno”. O otimismo, a partir de uma perspectiva pós-keynesiana, se manifesta na redução do risco percebido pelos agentes em função da alteração no estado de expectativas dos agentes. Paradoxalmente, a mudança nas posturas financeiras dos agentes econômicos ao longo do ciclo não é percebida pelos agentes econômicos ao mesmo tempo em que leva a uma crescente fragilização financeira da economia. Isto porque a dinâmica do ciclo econômico em Minsky depende da evolução do risco percebido pelos agentes econômicos, que tende a se alterar ao longo das fases do ciclo. Destaca-se no capítulo que no ciclo minskiano os bancos têm um papel importante na explicação do comportamento do ciclo econômico, seja acomodando a demanda por crédito na fase expansionista, permitindo uma expansão maior da atividade econômica, seja contraindo as operações de crédito na fase contracionista do ciclo, podendo ampliar a crise já que dificulta a rolagem das dívidas das empresas, que se encontram com sua capacidade de geração de receitas deterioradas. O terceiro capítulo – denominado “Financiamento, desenvolvimento econômico e funcionalidade do sistema financeiro” - objetiva analisar a importância do sistema financeiro para o desenvolvimento e, em particular, o conceito de funcionalidade do sistema financeiro na visão pós-keynesiana. O capítulo sustenta que, enquanto que na teoria convencional o sistema financeiro “funcional” é aquele que provê a melhor distribuição de informação para guiar consumidores e poupadores na alocação intertemporal da renda e riqueza, na perspectiva pós-keynesiana um sistema financeiro macroeconomicamente eficiente é aquele com poder de criação de crédito para atender a demanda de liquidez necessária para realização dos gastos pelos agentes, e com capacidade de criar mecanismos financeiros apropriados para realização da consolidação das dívidas das firmas inversoras. Deste modo, ele pode permitir um ritmo de acumulação a um nível superior àquele que seria viável pela simples acumulação de poupanças prévias. Algumas questões são desenvolvidas neste capítulo. Em primeiro lugar, um sistema financeiro pode ser funcional do ponto de vista microeconômico, mas não ser do ponto de vista macroeconômico, ou seja, no sentido de permitir um processo de expansão de uma economia financeiramente estável. Em segundo lugar, na visão pós-keynesiana, o sistema financeiro tem um papel ambíguo na economia: ao mesmo tempo em que ele pode estimular o crescimento econômico como provedor de liquidez e na alocação da poupança ex-post para consolidar o investimento, a ação de especuladores nos mercados financeiros (necessária para prover liquidez nos mercados 4 secundários) tem um papel instabilizador nesses mercados. Por último, o conceito de funcionalidade do sistema financeiro supõe a existência de uma estrutura diversificada de instituições e instrumentos financeiros, que possam oferecer alternativas de financiamento para os agentes realizarem seus gastos. Contudo, no caso dos países em desenvolvimento, caracterizados pela existência de sistemas financeiros incompletos e por incertezas bem maiores do que nos países desenvolvidos, a questão de criação de condições apropriadas para coordenar e sustentar uma maior expansão econômica emerge naturalmente. Por fim, o quarto capítulo desta tese – intitulado “Sistema financeiro e o financiamento da inovação” – examina a interação entre financiamento e sistema financeiro e a dinâmica da inovação a partir de uma análise que busca integrar a abordagem neoschumpeteriana com a perspectiva pós-keynesiana. Agregando-se a essas, busca-se também secundariamente incorporar uma dimensão institucionalista de análise do financiamento e estruturas financeiras, na linha desenvolvida originalmente por Zysman (1983). Para tanto, o capítulo, inicialmente, ressalta algumas semelhanças e complementaridade entre a análise de Schumpeter e de Keynes – ambos os autores mostraram que o crédito criado pelos bancos (não dependente de poupança) desempenha um papel fundamental no financiamento dos investimentos (produtivo ou em Pesquisa e Desenvolvimento – P&D) na economia. Um caminho interessante de interação entre tais abordagens é considerar que as inovações são introduzidas através das decisões de investimento das firmas, e que essas dependem de expectativas empresariais de longo termo relacionadas às rendas futuras esperadas do sucesso do empreendimento inovador, sujeita a incerteza radical que permeia tais decisões. Outra questão importante levantada no capítulo são os problemas relacionados aos constrangimentos financeiros para realização dos investimentos em P&D, em função de que se trata de ativos intangíveis que não podem ser utilizados como garantia de crédito e são difíceis de serem monitorados pelos emprestadores. Em particular, os constrangimentos financeiros à inovação são bem maiores nas pequenas empresas em relação às grandes empresas, já que estas podem se utilizar de fundos internos para financiar as atividades de P&D. Por último, o capítulo destaca, a partir da literatura existente, que não há um tipo de estrutura financeira “ótima” para dar sustentação aos investimentos em P&D, havendo vários prós e contras tanto ao sistema baseado no crédito quanto no sistema baseado no mercado de capitais. O capítulo conclui que para países em desenvolvimento, em particular com sistemas financeiros pouco 5 desenvolvidos, a solução do problema de financiamento da atividade inovadora não é um resultado espontâneo do mercado, o que pode requerer freqüentemente a existência de instrumentos financeiros públicos para dar suporte à atividade de P&D. 6 CAPÍTULO 1 DINÂMICA DOS BANCOS EM UMA ECONOMIA MONETÁRIA 1.1. Introdução 1 De acordo com a concepção “clássica” de intermediação financeira, desenvolvida originalmente por Gurley & Shaw (1955), os bancos, ao criarem moeda, estão apenas intermediando a transferência de recursos (poupança) das unidades superavitárias para unidades deficitárias. Deste modo, sendo meros intermediários neutros na transferência de recursos reais na economia, seu comportamento pouco afeta a determinação das condições de financiamento da economia. Os bancos comerciais funcionam, assim, apenas como uma correia de transmissão que intermedia a relação entre as autoridades monetárias e os agentes não-financeiros. O papel neutro da intermediação financeira foi posteriormente desenvolvido por Eugene Fama (1980), para quem o papel dos bancos é apenas o de prover serviços de pagamento. Em um sistema competitivo, a atividade de gerenciamento de portfólio dos bancos está sujeita ao teorema Modigliani-Miller, que estabelece a irrelevância de decisões de financiamento. Por conseguinte, a atividade bancária é passiva na determinação de preços e das variáveis reais da economia: “desde que bancos respondem aos gostos e oportunidades de demandantes e ofertantes de ativos de portfólio, eles são simplesmente intermediários, e o papel de um setor bancário competitivo no equilíbrio geral é passivo” (Fama, 1980, p. 46). Coube a James Tobin (1987), em artigo originalmente publicado em 1963, estabelecer os determinantes da atuação dos bancos comerciais a partir de fatores relacionados às oportunidades lucrativas destas instituições. Criticando o que chamou de “visão velha” do multiplicador bancário, segundo o qual os bancos são criadores “quase-técnicos” de moeda e a criação de moeda bancária resulta de um ajustamento passivo a uma dada razão de reserva, Tobin mostrou que, na “visão nova” dos bancos comerciais, o volume de reservas não se constitui num constrangimento para o tamanho do banco, na medida em que o uso que eles fazem das reservas disponíveis pelo sistema 1 Este capítulo é uma versão modificada e ampliada de artigo publicado orginalmente na Revista Brasileira de Economia. Ver Paula (1999). 7 bancário é uma variável que depende das oportunidades de empréstimos e das taxas de juros. Assim, o tamanho do balanço dos bancos – o volume de seus ativos e passivos – seriam determinados pelo seu comportamento otimizador onde, num equilíbrio competitivo, a taxa de juros cobrada aos tomadores equilibra na margem a taxa de juros paga aos seus credores: “sem os requerimentos de reserva, a expansão do crédito e depósitos pelo sistema bancário deveria ser limitada pela disponibilidade de ativos a rendimentos suficientes para compensar os bancos dos custos de atrair e reter os depósitos” (Tobin, 1987, p. 279). Com base nesta “visão nova” dos bancos comerciais, foram desenvolvidos diversos modelos neoclássicos de firma bancária – cujo o mais conhecido é o de Klein (1971) – que caracterizam os bancos como firmas maximizadoras de lucro que procuram, de forma geral, atender as demandas dos tomadores e emprestadores de recursos até o ponto em que a receita marginal dos ativos se iguala ao custo marginal das obrigações. Esses modelos têm enfocado normalmente o problema da escolha pelo banco entre o ativo lucrativo (empréstimos) e um ativo líquido (reservas monetárias), buscando soluções de otimização na divisão de recursos entre empréstimos, que proporcionam retornos, e reservas, que devem ser retidas devido ao risco de iliquidez. Há dois aspectos críticos nesses modelos: em primeiro lugar, que eles tomam a quantia de depósitos (passivo bancário) como dada, posto que os depósitos resultam das preferências dos depositantes, o que torna o balanço dos bancos em parte resultado direto de decisões tomadas por outros agentes; em segundo lugar, a dicotomia reservas versus empréstimos pode ser inadequada, considerando que empiricamente a acumulação de reservas não tem sido a forma em que a liquidez precisa ser satisfeita. Na abordagem pós-keynesiana de preferência pela liquidez dos bancos, como será visto neste capítulo, tais instituições, como qualquer outra firma, têm preferência pela liquidez com base em suas expectativas sobre um futuro incerto, conformando seu portfólio conciliando lucratividade e sua escala de preferência pela liquidez. De tal escolha depende, em boa medida, a criação de crédito e depósitos bancários, e, por conseguinte, a oferta de moeda na economia. Ademais, os bancos são vistos como agentes ativos que administram dinamicamente os dois lados de seus balanços. Isto porque significa que eles não tomam o seu passivo com dado, na medida em que procuram influenciar as preferências dos depositantes, através do gerenciamento das obrigações e da introdução de inovações financeiras. Como uma firma que possui expectativas e motivações próprias, seu comportamento tem impacto decisivo sobre as 8 condições de financiamento da economia e, consequentemente, sobre o nível de gastos dos agentes, afetando assim as variáveis reais da economia, como produto e emprego. Em realidade, os teóricos pós-keynesianos, assim como Keynes 2 , centraram, em geral, sua atenção nos aspectos macroeconômicos da atividade bancária, enquanto que a análise do comportamento do banco a nível microeconômico tem sido relegada a comentários intuitivos, sem que tenha sido desenvolvido uma teoria keynesiana da firma bancária (cf. Dymski, 1988, p. 499). Na análise de autores pós-keynesianos horizontalistas, como Basil Moore (1988), a oferta de crédito é perfeitamente elástica, o que pressupõe que os bancos comerciais realizam empréstimos atendendo a toda demanda existente à taxa de juros de mercado, não sendo nunca constrangidos quantitativamente em termos de reservas. Esta abordagem, todavia, não dá maior importância ao comportamento dos bancos, que é simplesmente uma caixa preta na discussão de oferta de moeda endógena. Ou seja, os bancos não têm preferência pela liquidez, e, consequentemente, não racionam crédito 3 . Há outros autores pós-keynesianos, contudo, que têm procurado, mais recentemente, desenvolver uma análise em que o comportamento dos bancos e a dinâmica da administração de seu balanço têm um papel central na dinâmica monetária de uma economia empresarial 4 . O presente capítulo objetiva desenvolver alguns parâmetros gerais que permitam a elaboração de uma teoria pós-keynesiana da firma bancária, alternativa à abordagem neoclássica, e analisar, a partir de um enfoque não-convencional, a dinâmica comportamental da firma bancária e seus efeitos sobre a oferta de crédito e a dinâmica monetária de uma economia capitalista. Em particular, pretende-se evidenciar que enquanto na abordagem convencional neoclássica os bancos são intermediários neutros na transferência de recursos reais entre poupadores e investidores que conformam seus balanços tomando como “dado” os fundos disponíveis, e seu comportamento, portanto, pouco afeta o volume e as condições de financiamento da economia. No enfoque de Keynes e de autores pós-keynesianos, como Hyman Minsky, Paul Davidson, Victoria Chick, Sheila Dow, Gary Dymski e Fernando Cardim de Carvalho, bancos são agentes 2 Ainda que Keynes tenha, em alguns de seus trabalhos, destacado o papel crucial do sistema bancário na determinação do nível de investimentos e, por conseguinte, do nível da atividade econômica, ele escreveu pouco sobre os aspectos comportamentais dos bancos, só o fazendo de forma sugestiva. Em particular, a atividade bancária aparece de forma marginal na Teoria Geral. 3 Para uma crítica de autores pós-keynesianos à abordagem horizontalista, ver Carvalho (1993) e Dow (1996). 9 ativos que possuem expectativas e motivações próprias, cujo comportamento - com base na administração dinâmica de seu balanço - tem impacto decisivo sobre as condições de financiamento da economia e, consequentemente, sobre o nível de gastos dos agentes, afetando as variáveis reais da economia, como produto e emprego. Tal enfoque, além de destacar o papel fundamental que os bancos desempenham no estabelecimento das condições de financiamento da economia e na determinação do nível de atividade econômica, deve ser compatível com a visão de Keynes acerca da tomada de decisões dos agentes sob condições de incerteza não-probabilística e sua teoria de preferência pela liquidez. O capítulo está dividido em três seções, além desta introdução. Na seção 1.2 examina-se a abordagem convencional da firma bancária, com base nos modelos neoclássicos, sendo ainda realizado uma avaliação crítica dos mesmos. Na seção 1.3 procura-se inicialmente estabelecer as premissas centrais de uma de uma teoria póskeynesiana da firma bancária, para em seguida efetuar uma análise da administração dinâmica comportamental dos bancos em uma economia monetária da produção – administração do ativo, estratégias bancárias e oferta de crédito, administração do passivo e inovações financeiras, lucratividade bancária etc. A seção 1.4 - a título de conclusão - sumariza os principais argumentos desenvolvidos no capítulo. 1.2. Teoria da firma bancária: a abordagem convencional neoclássica 1.2.1. A visão “visão velha” e a “visão nova” dos bancos A abordagem convencional neoclássica da firma bancária pode ser dividida em duas visões, de acordo com Tobin: a “visão velha”, relacionada à análise convencional dos livros-textos sobre a criação da moeda pelos bancos comerciais, em que esses são vistos como uma entidade monopolista e criadores de moeda “quase-técnicos”, tal como expresso na análise do multiplicador bancário; a “visão nova”, em que os bancos comerciais funcionam como uma firma gerenciadora de portfólio neutra ao risco (riskneutral) que desenvolvem um comportamento tipicamente otimizador. A “visão velha” trata os bancos comerciais como uma única entidade monopolista, uma vez que todos pagamentos e recebimentos são feitos através deste 4 Ver, por exemplo, para uma análise mais macroeconômica, Davidson (1986) e para uma análise microeconômica dos bancos, Dymski (1988), Paula (1998) e Carvalho (2007). 10 banco e todo empréstimo concedido retorna integralmente ao mesmo sob a forma de depósito. Este banco monopolista é uma espécie de “caixa preta” capaz de criar moeda ilimitadamente, pois a expansão de seus ativos acarretaria um retorno automático da moeda bancária criada na forma de depósitos, com as obrigações crescendo pari passu com os ativos bancários. Assim, o banco comercial pode criar moeda com um simples movimento em seus registros, por exemplo através de uma mera penada da caneta de seu presidente aprovando a concessão de um empréstimo (Tobin, 1971, p. 272). O processo de criação da moeda é, contudo, restringido pelos requerimentos legais de reserva, que, instituídos pelas autoridades monetárias de modo a evitar uma perda significativa do valor da moeda, funcionam como um limite à criação da moeda bancária. A concepção do multiplicador bancário é a melhor descrição do processo de criação da moeda bancária como um processo autônomo a ser acionado de acordo com as variações na base monetária e no multiplicador. O volume de depósitos do banco é dado pelo multiplicador bancário, que relaciona a quantidade de reservas bancárias ao estoque de depósitos à vista no sistema bancário. Assim, (1) D = 1 R , 0 < r < 1, onde D = volume de depósitos à vista; r R = reservas dos bancos r = taxa de reservas exigida pelas autoridades monetárias (1/r) = multiplicador bancário A fórmula acima mostra que o volume de depósitos à vista é gerado pela variação no nível de reservas bancárias, sendo que quanto maior (menor) a taxa de reservas menor (maior) será a criação (ou destruição) múltipla dos depósitos à vista. Em outras palavras, o sistema bancário pode emprestar uma quantia de recursos monetários que é um múltiplo das reservas, sujeito à manutenção de um nível mínimo de reservas, que é estabelecido convencionalmente ou imposto pelas autoridades. Os depósitos criados são, portanto, um resultado deste processo multiplicador. O multiplicador monetário, por sua vez, estabelece a relação entre os meios de pagamento (M) e a base monetária (B): (2) M = 1 ⋅ B, 1 − d (1 − r ) onde d = proporção de depósitos à vista sobre M r = taxa de reservas bancárias (R/D) 11 A análise do multiplicador monetário mostra que a base monetária (e conseqüentemente a oferta monetária) é fortemente influenciada pelas autoridades monetárias (AM), uma vez que “d” é uma variável fora do controle da AM, mas tende a se manter estável no tempo, enquanto que “r” é estabelecida diretamente pela AM. Portanto, ainda que os bancos comerciais sejam entidades capazes de criar moeda privada sob a forma de depósitos à vista, as AM podem controlar a oferta de moeda, através da taxa de reservas fracionárias exigida; conseqüentemente, a oferta de moeda é determinada exogenamente pelas autoridades. Assim, os bancos comerciais são vistos como criadores “quase-técnicos” de moeda e a atividade bancária como um mero ajustamento passivo a uma dada razão de reserva. Os bancos funcionam como “máquinas de fazer dinheiro”, a serem acionados pelas autoridades monetárias, sendo a firma bancária uma instituição passiva que busca maximizar seus lucros através da expansão de empréstimos, restringida pelos requerimentos legais de reserva. A principal crítica de Tobin (1987) à “visão velha” da firma bancária é que, segundo ele, esta se aplicaria somente a uma economia com um banco monopolista. Em uma economia com um sistema financeiro que inclui diferentes tipos de intermediários financeiros concorrentes entre si, a moeda emprestada por um banco individual pode não retornar integralmente ao mesmo. Tampouco há garantia de que as obrigações bancárias cresçam na mesma magnitude que seus ativos no âmbito do sistema bancário como um todo, pois só uma parte dos recursos criados pelos empréstimos retornam sob a forma de depósitos bancários, sendo que outra parte pode ser distribuída entre diferentes alternativas de aplicações existentes, oferecidas pelas instituições financeiras bancárias e não-bancárias. Por outro lado, um banco não é constrangido por qualquer quantidade fixada de reserva, na medida em que ele pode obter reservas adicionais para satisfazer suas necessidades tomando emprestado do banco central ou no interbancário ou ainda vendendo títulos de curto termo. Independentemente dos requerimentos legais de reservas, haveria um limite natural à escala de operações dos bancos comerciais, que ocorreria no ponto em que a receita marginal dos ativos se igualasse ao custo marginal das obrigações. Deste modo, qualquer alteração desse limite só seria possível através de uma mudança autônoma na preferência do público ou por outros fatores considerados externos à atividade bancária. O equilíbrio competitivo do banco se daria no ponto em que o tamanho de seu ativo está de acordo com a maximização dos recursos existentes para financiá-lo, sendo 12 que esses recursos estão representados pelo volume de depósitos correspondentes, que refletem as preferências do público: “a escala dos depósitos bancários e dos ativos é afetada pelas preferências dos depositantes e pelas oportunidades de empréstimos e investimentos disponíveis para os bancos” (Tobin, 1987, p. 281). Assim, a instituição bancária, cuja função primordial é atender simultaneamente as preferências de portfólio dos agentes que emprestam e os que tomam emprestado, conforma seu balanço levando em conta as oportunidades de aplicações, limitada pela disponibilidade de depósitos e, por isso, o seu balanço é em parte um resultado direto das decisões tomadas por outros agentes. Na teoria de seleção de portfólio de Tobin (1982), o banco comporta-se como uma firma gerenciadora de portfólio, que deverá reter a moeda até o ponto em que o custo marginal de oportunidade de manter a moeda na forma líquida (medida normalmente pelo rendimento dado por algum ativo que rende juros) for igual aos custos esperados de restaurar a liquidez. Uma situação de maior risco aumentaria os custos esperados de restaurar a liquidez e reduziria, portanto, a criação de moeda de forma a manter mais reservas líquidas, ou seja, moeda corrente ou ativos com elevada liquidez (quase-moeda). A “visão nova”, portanto, procura incorporar preocupações relacionadas à composição do portfólio bancário, com vistas à minimização dos custos associados ao risco de iliquidez e maximização da rentabilidade. A “visão nova” dos bancos de Tobin é a base dos modelos neoclássicos relacionados a escolha de ativo ou passivo bancário. Tais modelos neoclássicos analisam os bancos comerciais como uma firma que visa a otimização de seu balanço, procurando, de forma geral, atender as demandas dos tomadores e emprestadores de recursos até o ponto em que o benefício marginal se iguale ao custo marginal de assim proceder. 1.2. 2. Os modelos neoclássicos de firma bancária 5 A equação geral desenvolvida por Santomero (1984, p. 580-1) define o comportamento da firma bancária, cuja meta é maximizar uma função-objetivo de riqueza, gerando várias soluções individuais para o problema de maximização da 5 A análise que se segue pretende somente dar um panorama geral e sucinto de alguns dos principais mode-los convencionais, a partir das resenhas e classificações feitas por Baltensperger (1980) e Santomero (1984). 13 riqueza no horizonte de tempo τ. Os diversos modelos convencionais derivam de distintas especificações para as equações (3), (4) e (5) e, por isso, a equação geral de Santomero (EGS) estabelece o princípio universal que não é violado por nenhum desses modelos. Objetivando maximizar o valor esperado de uma função-objetivo qualquer de sua riqueza estocástica, a firma bancária procura dar solução ao seguinte problema: ⎡ ⎛ ~ ⎞⎤ (3) max E⎢V ⎜⎝W t + τ ⎟⎠⎥ , sujeita a ⎣ ⎦ ~ ~ ~ ⎛ ⎞ ⎛ ⎞ ⎛ ⎞ (4) Wt + τ = Wt ⎜⎝1 + Π t +1 ⎟⎠ ⋅ ⎜⎝1 + Π t + 2 ⎟⎠...⎜⎝1 + Π t + τ ⎟⎠ , e ~ ~ (5) Π t + k = onde, V ( •) ⎛⎜ ~ W ⎝ t +τ ~ Π t+k ~ ( ∑i r Ai Ai − ∑ j r D j D j − C Ai , D j Wt + k −1 )= ~ π t+k Wt + k −1 = função objetivo, onde ∂V ∂ Wt +τ > 0 e ∂ 2V ∂Wt 2+ τ ≤ 0 ⎞⎟ = valor da riqueza final no horizonte de tempo τ ⎠ = lucro estocástico por unidade de capital durante o período t + k, onde 0≤k≤τ ~ r Ai = retorno estocástico do ativo i Ai = categoria de ativo i, onde 1 ≤ i ≤ n ~ r Dj = custo estocástico para o depósito j Dj = categoria de depósito j, onde 1 ≤ j ≤ m C( •) = função custo de operação, onde ∂C ∂ Ai ≥ 0, ∀ i e ∂C ∂ D j ≥ 0, ∀ j A equação (3) é a forma geral de função-objetivo a ser maximizada pelo banco e permite dois tipos distintos de comportamento. Da primeira derivada, mais riqueza terminal é preferida que menos. Contudo, o grau de utilidade marginal depende crucialmente da segunda derivada. A firma pode ser um maximizador de valor esperado ou um investidor avesso ao risco. Quando a taxa marginal de substituição entre risco e retorno não está no centro de atenção, a maximização do lucro esperado é assumido. Na equação (4), a especificação geral acima é definida como um problema de avaliação multiperíodo, em que normalmente a independência entre períodos é assumida para 14 fazer a maximização uma análise de período simples. A equação (5), por sua vez, define o lucro por unidade de capital investido pelos donos da firma ou seus representantes no gerenciamento da mesma. Na segunda especificação pode ser visto que o procedimento de otimização envolve a escolha dual de alavancagem e componentes do portfólio, enquanto que a primeira envolve os modelos que derivam a estrutura de capital ótima de uma firma bancária. Resolver as equações (3), (4) e (5) resulta na decisão conjunta de estrutura de portfólio e alavancagem. A EGS busca, portanto, mostrar que, diante de uma função de custos operacionais (C), cujo crescimento acompanha a expansão de seu portfólio e dada a escolha do público entre depósitos e papel-moeda, a firma bancária procura compatibilizar a sua estrutura de ativos (A) com a estrutura de depósitos (D) e o nível de capital (W) da firma bancária, de modo a maximizar o seu lucro esperado por unidade de capital (Π) e, consequentemente, sua riqueza ao longo do tempo. Buscando dar soluções ao problema da maximização da riqueza da firma bancária, foram desenvolvidos os modelos convencionais neoclássicos, que podem ser agrupados em três grandes categorias: (a) modelos de alocação de ativo, que procuram determinar o ativo ótimo tomando o passivo como dado; (b) modelos de escolha do passivo, que estabelecem o passivo ótimo a uma dada estrutura ativa; (c) modelos completos de firma bancária ou modelos dos dois lados do balanço, que procuram estabelecer simultaneamente o ativo e passivo ótimo, assim como a escala de operação bancária. Na primeira categoria - modelos de alocação de ativo - o problema a ser resolvido refere-se à alocação ótima dos fundos dados entre os diferentes ativos, uma vez que a estrutura passiva é exogenamente determinada. Grosso modo, pode-se dividilos em dois modelos: a) modelos de gerenciamento de reservas: procuram estabelecer a alocação ótima entre o ativo líquido (reservas) e o ativo lucrativo (empréstimos), dada a quantidade de depósitos, tomando-se os custos operacionais do lado do ativo como implícitos. O volume de depósitos pode se alterar ao longo do tempo devido às retiradas feitas pelos depositantes, risco que o banco pode estimar de forma probabilística. O volume de reservas, por sua vez, é determinado pela igualdade entre o custo marginal de reter reservas (custo de oportunida-de) e o benefício marginal (redução do custo de ajustamento) de assim proceder. Tais modelos, buscam, assim, soluções de otimização 15 na divisão de recursos entre empréstimos, que proporcionam retornos, e reservas, que devem ser retidas devido ao risco de iliquidez 6 . b) modelos de aversão ao risco: o banco comercial é uma firma que, possuindo aversão ao risco, tem como critério de escolha minimizar a variância dado o risco e retorno dos diversos ativos, procurando maximizar uma função utilidade esperada. Assim, uma vez que o banco não é neutro quanto ao risco, ele se submeterá a maiores riscos somente se os mesmos estiverem associados a um aumento ainda maior na expectativa de lucro, ou seja, aceitará um portfólio de perfil mais arriscado somente no caso em que este estiver vinculado a um retorno compensador. Na segunda categoria - modelos de escolha do passivo - assume-se como dada a estrutura ativa do banco, sendo o problema a ser resolvido a distribuição ótima do passivo bancário. Esta categoria pode, também, ser dividida em dois modelos, a saber: c) modelos de determinação da estrutura de depósitos: levando-se em conta que os custos associados à emissão das distintas categorias de depósitos - depósitos à vista (D1) e depósitos a prazo (D2) - são diferentes, tais modelos estabelecem que a estrutura ótima de depósitos em um mercado competitivo será alcançada no ponto em que o custo marginal da produção de D1 associada à sua participação no rendimento pecuniário A for igual ao custo marginal de produção de D2. d) modelos de decisão entre depósitos e capital: procuram estabelecer a distribuição ótima entre depósitos e capital no passivo, considerando que o capital próprio do banco, assim como suas reservas, serve como salvaguarda contra crises de liquidez. O estado de insolvência pode ocorrer quando o rendimento auferido com os ativos for insuficiente para cobrir os juros prometidos sobre os depósitos. Assim, a decisão ótima do banco quanto a sua estrutura do passivo deve comparar o custo de oportunidade de se utilizar o capital próprio ao invés de fundos de depósitos para cobrir uma deficiência de liquidez. A condição de equilíbrio no que se refere ao patrimônio líquido é dada pela igualdade entre o custo marginal de oportunidade de elevação do capital próprio e a receita marginal de redução dos custos de iliquidez. A solução de otimização é determinada pela condição ra = c ∫ f(X) dx, onde ra é o rendimento de um ativo, c é o custo de obtenção de fundos adicionais relacionados a uma eventual deficiência de reservas, e X são as retiradas bancárias líquidas, com a probabilidade estabelecida pela função densidade f(X). 6 16 Uma terceira categoria - modelos completos de firma bancária ou modelos dos dois lados do balanço - procura explicar “não só as escolhas de ativos e obrigações do banco e sua interações (caso haja alguma), como também a determinação do tamanho total da firma” (Baltersperger, 1980: 18), e inclui basicamente dois modelos: e) modelos de monopólio: estes modelos pressupõem que o banco tem poder de monopólio na fixação da taxa de juros em pelos menos um dos mercados em que ele opera, normalmente o mercado de crédito (devido a imperfeição da elasticidade da oferta de empréstimos e da demanda por depósitos), comportando-se como um estabelecedor de preço (price setter). É, portanto, este poder de monopólio que explicaria a sua escala de operação e sua estrutura ativa e passiva, levando em conta que as decisões de um banco individual seriam capazes de afetar as taxas que remuneram os componentes do passivo, assim como aqueles integrantes do ativo bancário. f) modelos de recursos reais: procuram explicar o tamanho e estrutura das obrigações e ativos dos bancos em termos dos fluxos de custos reais de geração e manutenção de estoques, preconizando a escala eficiente da atividade bancária baseada principalmente na função de custos operacionais. Considerando que a firma bancária teria uma função de produção que relacionaria as diferentes disposições de obrigações e ativos com as correspondentes combinações de insumos, a produção de equilíbrio da firma ocorreria quando a receita marginal de cada categoria de empréstimos e de outros ativos negociáveis se igualasse ao custo marginal de produzir as diferentes categorias do ativo (relacionados à aquisição de depósitos). 1.2.3. Críticas à abordagem neoclássica da firma bancária Os modelos neoclássicos da “visão nova” avançaram, em relação ao enfoque mecanicista da “visão velha”, na análise dos determinantes e motivações do comportamento dos bancos no que se refere à composição do balanço bancário. O enfoque de Tobin foi importante ao estabelecer os determinantes do limite de atuação dos bancos comerciais a partir de fatores relacionados às oportunidades lucrativas dessas instituições. Deste modo, os diversos modelos convencionais de firma bancária desenvolvidos a partir de então mostraram que os bancos não devem ser considerados “máquinas de fazer dinheiro”, mas sim agentes econômicos que tomam decisões relacionadas ao seu balanço com o objetivo de maximizar seu lucro, considerando uma 17 série de variáveis, como custos operacionais, custos do passivo e os retornos do ativo, riscos, crises de liquidez etc.. Assim, em relação à análise do multiplicador bancário, a firma bancária nesses modelos leva em conta, na distribuição do porfólio bancário e criação de moeda sob a forma de depósitos, além da disponibilidade de reservas do sistema bancário e dos encaixes legais de reservas estabelecidos pelas autoridades monetárias, outros fatores exógenos ao banco comercial. A assunção básica da visão convencional é que o banco é uma firma maximizadora de lucro neutra ao risco. Um dos resultados deste modelos é que os bancos funcionam como intermediários neutros na transferência de recursos reais na economia. Deste modo, eles não criam poder de compra novo, o que significa que seu comportamento pouco afeta a determinação das condições de financiamento da economia e, portanto, as variáveis reais da economia, como produto e emprego. Como assinala Dymski (1988: 509-10), o setor bancário – nestes modelos – não é um determinante da atividade econômica uma vez que ele simplesmente ajusta-se passivamente a condições estruturais originadas em outro lugar: as condições do mercado financeiro determinam o tamanho do setor bancário e o volume de crédito é estabelecido pela posição da curva de demanda por empréstimos, que é presumivelmente dada por fatores “reais”. Assim, os bancos transferem mecanicamente os sinais do mercado e as condições do setor real em sua decisão de como dividir suas aplicações entre títulos, reservas e empréstimos. Portanto, em que pese o grau de sofisticação desses modelos, as soluções de equilíbrio encontradas nos mesmos se restringem ao funcionamento da firma bancária, estabelecidas a partir de parâmetros definidos exogenamente ao banco, como é o caso dos depósitos, frutos das preferências dos depositantes, sendo estes determinados pelas suas restrições orçamentárias. Depósitos são basicamente resultados de decisões do público. Em outras palavras, o balanço é um resultado direto das decisões tomadas por outros agentes, sendo que os valores utilizados na sua composição são definidos externamente, não exercendo os bancos qualquer influência sobre os mesmos, o que evidencia a ausência do “fator preferência” por parte das instituições bancárias. Outra crítica que pode ser feita à abordagem neoclássica é que a dicotomia reservas versus empréstimos, usada em vários de seus modelos, pode ser inadequada, considerando que empiricamente a acumulação de reservas não tem sido a forma em 18 que a liquidez precisa ser satisfeita 7 . De fato, como mostra Dow (1996), é a razão de adequação de capital ao invés das razões de reservas que são na atualidade os constrangimentos operativos dos bancos. 1.3. Teoria da firma bancária: uma perspectiva pós-keynesiana 1.3.1. A firma bancária em uma economia monetária da produção 8 Na perspectiva pós-keynesiana, bancos são vistos como entidades que, mais do que meros intermediadores passivos de recursos, são capazes de criar crédito independentemente da existência de depósitos prévios, através da criação ativa da moeda bancária. O comportamento dos bancos – como um firma que possui expectativas e motivações próprias - têm um papel essencial na determinação das condições de financiamento em uma economia capitalista, ao estabelecer o volume e as condições sob os quais o crédito é ofertado, pois deles depende a criação de poder de compra novo necessário à aquisição de ativos de capital que proporciona a independência da acumulação de capital em relação à poupança prévia 9 . Como qualquer firma capitalista, bancos têm como principal objetivo a obtenção de lucro na forma monetária. Para tanto, tomam suas decisões de portfólio orientadas pela perspectiva por maiores lucros, levando em conta sua preferência pela liquidez e suas avaliações sobre a riqueza financeira, em condições de incerteza que caracteriza uma economia monetária da produção. Deste modo, os bancos enfrentam a escolha básica entre satisfazer os compromissos de empréstimo ou preservar a flexibilidade para maximizar a liquidez do seu ativo em um ambiente adverso. 7 Keynes, em seu Treatise on Money, já havia destacado que as taxas de reservas bancárias, uma vez fixadas por lei ou por força de hábito, tendem a ser mantidas pelos bancos numa proporção estável ao longo do tempo, pois a manutenção de uma taxa mais elevada poderia significar abrir mão de possibilidades de lucro, enquanto uma taxa menor poderia resultar em problemas de liquidez. 8 Uma economia monetária da produção tem como característica central o destaque dado ao processo de tomada de decisões em um ambiente de incerteza não-probabilística, à concepção de não-neutralidade da moeda - segundo o qual a moeda não é uma simples conveniência, pois sendo um ativo, afeta motivos e decisões dos agentes - e, ainda, ao sistema de contratos a prazo, por meio de resgates de pagamentos no futuro, como instrumento básico pelo qual os agentes alcançam algum tipo de coordenação perante o futuro incerto (cf. Carvalho, 1992, cap.3). O tipo de incerteza que caracteriza uma economia monetária da produção é a incerteza não-probabilística no sentido Knight-Keynes, que se refere a fenômenos econômicos para os quais não existe bases seguras para se formar cálculos probabilísticos (Keynes, 1973). 9 Para uma análise do papel dos bancos no financiamento do investimento e sobre a relação poupança e investimento, ver, entre outros, Davidson (1986) e Studart (1995). 19 A concessão de crédito pelo banco depende fundamentalmente de suas expectativas quanto à viabilidade dos empréstimos, ou seja, da capacidade do tomador auferir receitas futuras para cumprir seus compromissos financeiros. A volatilidade dessas avaliações feitas pelos bancos, além de sua preferência pela liquidez, ocasiona flutuações na oferta de crédito e, consequentemente, no nível de investimento, produto e emprego na economia: “este ativismo do banqueiro afeta não apenas o volume e distribuição do financiamento, mas também o comportamento cíclico dos preços, da renda e do emprego” (Minsky, 1986, p. 226). A firma bancária, em uma economia monetária da produção, opera sob restrições semelhantes à de qualquer outro agente e sob incertezas sobre o futuro iguais ou maiores do que as que atingem o resto dos agentes, devido a natureza intrinsecamente especulativa de sua função de transformador de maturidades e das incertezas que envolve cada transação financeira10 . A incerteza afeta diretamente a formação de expectativas e a tomada de decisões dos bancos, pois não somente o banco deve tomar uma posição ativa com retorno estocástico, como deve financiar esta posição com uma base de passivo de composição incerta. Isto porque eles realizam compromissos de empréstimos ex ante baseados em expectativas de variáveis ex post, entre os quais os níveis de depósitos realizados e as reservas do sistema bancário (cf. Dymski, 1989, p. 159). Bancos, como qualquer outro agente cuja atividade seja especulativa e demande algum grau de proteção e cuidado, têm preferência pela liquidez, e conformam seu portfólio buscando conciliar lucratividade com sua escala de preferência pela liquidez, que expressa a precaução de uma firma cuja atividade tenha resultados incertos. A composição do ativo bancário, portanto, depende do desejo do banco de absorver riscos associados com eventos futuros incertos, mais especificamente do estado de suas expectativas quanto ao futuro: quando suas expectativas são desapontadas, o banco tende a reduzir seu grau de transformação de maturidade e passam a privilegiar liquidez. De modo geral, quando a avaliação futura do banco acerca do retorno dos empréstimos, da manutenção do valor dos colaterais exigidos e do comportamento das taxas de juros 10 De modo a minimizar tal incerteza, expressa na perda de valor de seus ativos, bancos procuram efetuar seus negócios ancorados em fontes primárias - rendimento líquido auferido por seus ativos (diferença esperada entre receitas brutas e custos rotineiros) - e secundárias de caixa (valor dos colaterais, empréstimos ou receitas com venda de ativos transacionáveis). Assim, como tais transações envolvem a possibilidade de rendimentos incertos no futuro, a firma bancária pode exigir algum colateral como garantia, ou seja, bens ou ativos do tomador que o banco poderá tomar para si caso o devedor não honre suas obrigações. 20 de mercado for desfavorável, ele poderá preferir ativos mais líquidos em detrimento dos empréstimos de prazo mais longo. Tais decisões relacionam-se à administração do balanço bancário, que envolve a estrutura ativa e passiva. Como assinala Minsky (1986, p. 225-6), “a atividade bancária é um negócio dinâmico e inovativo de fazer lucros. Banqueiros procuram ativamente construir fortunas ajustando seus ativos e obrigações, que significa, em suas linhas de negócios, tirar vantagem das oportunidades de lucro que lhes são oferecidas”. A firma bancária procura ativamente ajustar seu portfólio de modo a explorar as oportunidades de lucro existentes. Contrariamente à abordagem neoclássica, suas estratégias e desempenho têm impacto significativo sobre o comportamento da economia. Como observa Heise (1992, p. 295): A atividade bancária não está adequadamente modelada como uma ação intermediária entre o setor tomador de empréstimo (investidor) dirigido para o lucro e a política de preços perseguida pelo Banco Central, ou como um agente gerenciador de portfólio. Ao contrário, um banco deve ser modelado como uma instituição constrangida pela liquidez, cujos cálculos e expectativas (sobre seus fluxos de caixa, condições de refinanciamento, falências de tomadores de empréstimo, política do banco central etc.) em conjunção com as expectativas de lucro dos investidores e a propensão a consumir das famílias terão um impacto essencial sobre a atividade econômica em uma economia capitalista. O ativismo do banqueiro significa também que a firma bancária, ao adotar suas estratégias na busca por maiores lucros, procura tomar iniciativas para atrair clientes, criando estímulos novos que modificam a escala de preferência dos depositantes, visando inclusive contornar as regras coibidoras de suas atividades, que possam ser estabelecidas pelas autoridades monetárias. Depósitos não são um parâmetro, uma variável exógena ao banco, tal como nos modelos convencionais neoclássicos, mas sim uma variável passível de ser influenciada pela ação da firma bancária. Portanto, na perspectiva pós-keynesiana, bancos não são agentes que administram passivamente o dinheiro que emprestam ou os recursos que são depositados em sua confiança pelos agentes, na medida em que, ao procurarem levantar fundos compatíveis com seus planos de crescimento, gerenciam dinamicamente o seu passivo. 21 1.3.2. Dinâmica da firma bancária: a administração do ativo e do passivo 11 A abordagem pós-keynesiana enfatiza, assim, a administração dinâmica do balanço das instituições bancárias como fator que condiciona o comportamento destas. Uma vez que tais instituições não administram passivamente o dinheiro que emprestam e os recursos que são depositados em sua confiança, tendo capacidade de criar ativamente moeda bancária, o gerenciamento de seu portfólio ocorre ao nível dos dois lados de seu balanço: a firma bancária, da mesma forma que escolhe a cesta de ativos que irá reter, procura, no lado do passivo, administrar suas obrigações (administração de exigência de reservas), introduzir inovações financeiras e, ainda, tomar emprestado no mercado interbancário ou junto ao Banco Central, de modo a prover fundos para a expansão de seus ativos. Por isso, Os bancos não devem apenas fazer escolhas com relação a suas aplicações, mas também com relação a suas fontes de recursos. Longe de contar com curvas horizontais de recursos, buscam ativamente novas fontes, estendendo suas escolhas estratégicas para os dois lados do balanço. (...) O ponto central reside em considerar que os bancos, como outros agentes, devem desenvolver estratégias de operação de modo a conciliar a buscar de lucratividade com sua escala de preferência pela liquidez (Carvalho, 1993, p. 120). A administração do ativo relaciona-se à composição do portfólio de aplicações dos bancos, ou seja, às formas pelos quais eles dividem seus recursos entre os diferentes tipos da aplicações, de acordo com suas expectativas de rentabilidade e de riscos e sua preferência pela liquidez, enquanto a administração do passivo significa que os bancos procuram atuar, do lado das obrigações, de forma ativa e não mais como meros depositários passivos dos recursos de seus clientes. Bancos, em seu negócio dinâmico e inovativo de fazer lucros, buscam ampliar o volume de recursos captados e influir nas escolhas do público, criando vários instrumentos de captação de recursos e administrando suas exigências de reservas. 11 A análise da dinâmica da firma bancária que se segue corresponde ao Estágio V da evolução bancária elaborada por Chick (1992), ou seja, pressupõe-se a existência de um banco central em sua função de emprestador de última instância e o desenvolvimento de técnicas de administração de passivo por parte dos bancos. Para uma outra abordagem sobre a evolução histórica dos bancos, ver Kregel (1997a). 22 Administração do ativo: a escolha do portfólio de aplicações Keynes, em sua Teoria Geral, formulou sua teoria da preferência pela liquidez 12 , em que a taxa de juros é “a recompensa por abrir-se mão da liquidez, uma medida do desejo daqueles que possuem moeda de abrir mão do seu controle sobre ela” (Keynes, 1973a, p.167), em um modelo em que havia somente duas classes de ativos: moeda e títulos. A moeda é uma forma de riqueza e a taxa de juros o preço que guia a escolha entre forma líquida e ilíquida de riqueza. Nesse modelo, os juros pagos aos títulos é uma compensação pelo seu menor grau de liquidez quando comparado com a moeda, que possui o maior prêmio de liquidez entre os ativos. Em uma economia monetária, os agentes retêm moeda, seja porque têm planos de gastos para financiar (motivo transação), seja porque estão especulando sobre o comportamento futuro da taxa de juros (motivo especulação), ou ainda por precaução contra um futuro incerto, uma vez que a moeda é um ativo seguro com o qual se pode transportar a riqueza no tempo (motivo precaução). Assim, tanto a demanda precaucionária por moeda quanto a especulativa se definem por causa da incerteza quanto ao futuro. No capítulo 17 da Teoria Geral, Keynes generalizou sua teoria da preferência pela liquidez para uma teoria de preficação de ativos, não mais presa em uma dicotomia entre ativos líquido e ilíquido, mas baseada no princípio geral de que os diferentes graus de liquidez devem ser compensados pelos retornos pecuniários que definem a taxa de retorno obtida pela posse dos diferentes ativos 13 . Assim, cada classe de ativos existentes possui sua própria taxa de juros (rA), definida em termos de preços correntes de mercado, em que: (6) rA = a + q – c + l, onde q = rendimento do ativo (taxa de quase-renda a ser ganha pela posse ou uso do ativo) c = custo de carregamento incorrido na sua conservação l = seu prêmio de liquidez a = seu valor de mercado (taxa de apreciação) 12 Para uma análise sobre a teoria da preferência pela liquidez de Keynes, ver, entre outros, Wells (1988). Em equilíbrio, os retornos oferecidos por parte de cada classe de ativos – sua “taxa própria de juros” teriam que ser iguais, o que implica que cada classe de ativos deve oferecer retornos em dinheiro proporcionais ao adicional de risco de iliquidez que cada classe oferece. 13 23 Nesta abordagem, a preferência pela liquidez é refletida em termos do trade off entre retornos monetários (a + q – c) e o prêmio pela liquidez da moeda (l), causando assim substituições na estrutura de demanda por ativos, que se diferenciam de acordo com combinações de retornos monetários e prêmio de liquidez que eles oferecem, sendo a liquidez valorizada quando a incerteza aumenta. Tal como no capítulo 17 da Teoria Geral, pode-se expressar a preferência pela liquidez de um banco numa cesta específica de ativos escolhidos por ele, de acordo com os diferentes graus de liquidez associados aos vários ativos ao alcance deles 14 . Neste sentido, Keynes (1971, v.II, p. 67), no Treatise on Money, já havia assinalado que o problema dos bancos no que se refere ao gerenciamento bancário no lado do ativo dizia respeito à composição de seu portfólio de aplicações: O que bancos estão ordinariamente decidindo não é quanto eles emprestarão no agregado - isto é determinado por eles pelo estado de suas reservas - mas quais formas eles emprestarão - em que proporção eles dividirão seus recursos entre os diferentes tipos de investimentos que estão abertos para eles. Assim, Keynes (1971, v.II, cap. 25) divide as aplicações, de forma ampla, em três categorias: (i) letras de câmbio e call loans (empréstimos de curtíssimo prazo no mercado monetário); (ii) investimentos (aplicações em títulos de terceiros, público ou privado); (iii) adiantamentos para clientes (empréstimos em geral). Quanto à rentabilidade dos ativos, os adiantamentos, via de regra, são mais lucrativos do que os investimentos, e estes, por sua vez, mais lucrativos do que os títulos e call loans, embora esta ordem não seja invariável. Quanto à liquidez, as letras de câmbio e os call loans são mais líquidos 15 que os investimentos, pois são revendáveis no curto prazo sem perdas significativas, enquanto os investimentos são em geral mais líquidos que os adiantamentos. Estes últimos incluem vários tipos de empréstimos diretos e são, em geral, as aplicações mais lucrativas, mas, em contrapartida, mais arriscadas (quanto ao retorno do capital) e ilíquidas (por serem de mais longo termo e não-comercializáveis). 14 Para uma análise da abordagem da preferência pela liquidez dos bancos, ver Carvalho (2007). A liquidez dos diversos ativos - segundo Davidson (1972) - é determinada em função dos seguintes fatores: (i) tempo de conversibilidade, ou seja, o tempo gasto necessário para transformar o ativo em moeda; (ii) capacidade esperada de retenção do valor do ativo, relacionada à habilidade de um ativo transformar-se em moeda sem perda considerável de seu valor. Quanto menor o tempo gasto esperado de negociação e maior a capacidade esperada de reter valor de um ativo, mais elevada será a sua liquidez. O que determina a liquidez, em última instância, é a existência de mercados de revenda organizados, ou seja, mercado de “segunda mão”. 15 24 O Quadro 1.1 abaixo sintetiza o portfólio de aplicações dos bancos, segundo a rentabilidade e o grau de liquidez dos ativos. Quadro 1.1: Portfólio de aplicações, segundo Keynes (1971) ATIVO RENTABILIDADE GRAU DE LIQUIDEZ Letras de câmbio e call loans pequena alta Investimentos pequena média Adiantamentos alta pequena Tal análise, quando compatibilizada com a teoria de decisões dos agentes sob condições incerteza, aprofundada e desenvolvida por Keynes (1973b, 1987) em trabalhos posteriores ao Treatise on Money, permite enfocar as estratégias dos bancos (e tomada de decisões) com relação ao seu portfólio de aplicações considerando sua preferência pela liquidez. bancos, como qualquer outro agente cuja atividade seja especulativa e demande algum grau de proteção e cuidado, têm preferência pela liquidez e conformam seu portfólio buscando conciliar lucratividade com sua escala de preferência pela liquidez, que expressa a precaução de uma firma cuja atividade tenha resultados incertos 16 . É, portanto, da escolha de que ativos comprar e que obrigações emitir, orientada pela combinação entre liquidez e rentabilidade, que resulta a expansão ou contração da oferta de moeda, uma vez que a moeda é criada quando os bancos compram ativos financiados pela emissão de uma obrigação particular destas instituições - os depósitos à vista. As expectativas dos bancos, sob condições de incerteza, têm um papel crucial na determinação da composição do portfólio de aplicações dos bancos, ou seja, seu ativo. Os bancos demandam aplicações mais líquidas, apesar de menos lucrativas, em função da incerteza sobre as condições que vigoram no futuro, o que pode levar a um aumento em sua preferência pela liquidez, ocasionando, consequentemente, um redirecionamento em sua estrutura de ativos. Moeda legal e ativos líquidos - cujo retorno vem na forma de um prêmio de liquidez mais do que uma compensação pecuniária - representam um instrumento de proteção à incerteza e de redução dos riscos intrínsecos à atividade bancária. A retenção de ativos líquidos permite aos bancos manter opções abertas, inclusive para especular no futuro. 25 Assim, as proporções em que as diferentes aplicações são divididas sofrem grandes flutuações, refletindo as expectativas dos bancos quanto à rentabilidade e liquidez de seus ativos, assim como ao estado geral de negócios na economia. Quando suas expectativas são otimistas, os bancos privilegiarão rentabilidade à liquidez, procurando elevar prazos e submeter-se a maiores riscos com relação a seus ativos, diminuindo a margem de segurança (ativos líquidos/ativos ilíquidos) nas suas operações, o que resulta no crescimento da participação dos adiantamentos e de ativos de maior risco na composição de sua estrutura ativa, como os empréstimos de mais longo termo 17 . Do contrário, se suas expectativas são pessimistas e a incerteza é alta, pois o grau de confiança nas suas expectativas quanto ao futuro diminui, eles expressam sua maior preferência pela liquidez dirigindo suas aplicações para ativos menos lucrativos porém mais líquidos, o que faz declinar a oferta de crédito aos seus clientes. Mais especificamente, procurarão reduzir o prazo médio de seus ativos e a adotar uma posição mais líquida, através da manutenção de reservas excedentes ou compra de ativos de grande liquidez como os papéis do governo, diminuindo em contrapartida a participação de adiantamentos no total do ativo e privilegiando as aplicações em ativos mais líquidos e de menor risco. Deste modo, as estratégias bancárias procuram explorar o trade off rentabilidade e liquidez: em geral, um banco ao privilegiar liquidez em detrimento de maior rentabilidade deverá caminhar na direção de ativos mais líquidos; alternativamente, ao buscar maior rentabilidade, deverá procurar ativos de mais longo termo ou de mais alto risco 18 . Assim, bancos com preferência pela liquidez poderão não acomodar passivamente a demanda por crédito, pois buscarão comparar os retornos esperados com os prêmios de liquidez de todas os ativos que podem ser comprados. Isto significa que a disponibilidade de crédito poderá diminuir devido a maior preferência pela liquidez dos bancos, sem estar relacionada aos riscos inerentes ao empréstimo, fazendo que o racionamento de crédito possa surgir quase que independentemente dos retornos esperados dos projetos de investimento. A sensibilidade dos bancos em relação às demandas de crédito por parte do público depende, em grande medida, das preferências que orientam as suas decisões de 16 Portanto, é a incerteza incontornável quanto ao futuro que justifica a preferência pela liquidez dos agentes, mantendo riqueza sob a forma de moeda. 17 Ao mesmo tempo, como será visto mais adiante, os bancos podem se utilizar de métodos de administração de passivos para alavancar suas operações ativas. 26 portfólio. Como mostra Keynes (1971, v.II, p.67), tal sensibilidade pode ser suficientemente elástica por parte dos bancos: Quando (...) as demandas por adiantamentos aumentam por parte de seus clientes de negócios de uma forma que os bancos julguem legítimo ou desejável, eles fazem o máximo para satisfazer estas demandas reduzindo seus investimentos e, talvez, suas letras de câmbio; enquanto, se a demanda por adiantamentos está caindo, eles empregam os recursos mais livremente, aumentando de novo seus investimentos. A elasticidade dos bancos na concessão de crédito pode ser vista a partir de uma versão simples da operação de balanço de um banco (cf. Studart, 1995, p. 39-44), em que o ativo bancário é composto por reservas (R), ativos líquidos (A) e empréstimos (L), devendo ser igual aos depósitos (D) no lado das obrigações: (7) R + A + L ≡ D Embora a razão de reservas compulsórias seja estabelecida pelas autoridades monetárias, a razão de ativos líquidos (τ = A/D) é determinada pela estratégia de competição dos bancos e por sua preferência pela liquidez. Portanto, empréstimos (L) podem ser definidos como: (8) L ≡ (1 - τ - r) D, onde r é a razão de reservas compulsórias sobre depósitos A equação (8) expressa a visão de que, enquanto o banco tiver um estoque de ativos líquidos (τ > 0), um aumento em seus empréstimos pode ser realizado sem diminuição das reservas, ou seja, em caso de rápida expansão dos empréstimos, r pode permanecer constante enquanto τ declina. Até que τ ≈ 0 seja alcançado, a oferta de empréstimos pode ser significativamente elástica. Logo, um aumento nos empréstimos pode se realizado sem esvaziamento das reservas, através da venda de ativos líquidos, até que o banco tenha alcançado sua “plena capacidade”. 18 A taxa de risco (r) associada à posse de um ativo está relacionada negativamente ao seu prêmio de 27 Estratégias bancárias, oferta de crédito e posturas financeiras Do ponto de vista da dinâmica interna do portfólio bancário, o volume e as condições de oferta de crédito são determinados pelas conjecturas dos bancos em relação ao retorno dos empréstimos - ou seja, o fluxo de moeda que o tomador obterá para atender seus compromissos contratuais - e/ou da manutenção do valor dos colaterais dados em garantia 19 , tanto na fase de crescimento do ciclo econômico quanto no descenso. Em outras palavras, os bancos variam seu desejo de conceder empréstimos tomando como base sua expectativa de viabilidade de projetos de investimento e o valor do colateral. Na fase expansionista do ciclo econômico, como o risco de crédito é percebido como baixo e os retornos esperados dos projetos de investimento são altos, de acordo com a avaliação feita pelos bancos, a oferta de crédito por parte do sistema bancário é normalmente elástica o suficiente para satisfazer a demanda por crédito dos agentes não-financeiros. Durante o descenso cíclico, o valor dos colaterais e os retornos prospectivos sobre os projetos de investimento, de forma geral, caem. Assim, depois de um lag temporal conhecido, os bancos responderão diminuindo os novos empréstimos de modo a aumentar a liquidez de seu balanço, expressando sua maior preferência pela liquidez, pois os lucros esperados declinará uma vez que a percepção de um maior default entre seus compromissos de empréstimo aumenta 20 . Os empréstimos orientados fundamentalmente por fluxos de caixa são realizados sobre a base do valor prospectivo de algum empreendimento particular, vinculado às expectativas do banco acerca do atendimento dos compromissos contratuais por parte dos tomadores de empréstimo, enquanto os empréstimos baseados primordialmente no valor dos colaterais dados em garantia dependem do valor de mercado esperado dos ativos que estão sendo empenhados. Quando as instituições bancárias tornam-se em geral mais pessimistas, os tomadores de crédito que tinham sido previamente aceitos pelos bancos podem se defrontar com o valor do colateral e projeções de fluxos de rendas futuras reduzidas de acordo com a avaliação feita pelas instituições bancárias. liquidez (l), que mede a dificuldade de disposição do ativo no caso de mudança do portfólio. 19 Colaterais são títulos, promissórias, duplicatas a receber ou títulos reais que são dados em garantia a um empréstimo. A manutenção do valor dos colaterais para os bancos depende da existência de mercados de revenda organizados e está relacionada à capacidade (e ao tempo gasto) de se transformar em moeda sem grandes perdas, ou seja, ao seu valor de mercado e grau de liquidez. 20 Este argumento está desenvolvido graficamente no Anexo 1.A. 28 A partir de Minsky (1986), pode-se construir as seguintes posturas financeiras para os bancos em suas estratégias relacionadas às operações de crédito. Quando predomina um maior grau de conservadorismo em termos da margem de segurança na administração do ativo bancário, os bancos dão ênfase ao fluxo de caixa esperado como principal critério na concessão de fundos e os empréstimos são estruturados de tal forma que os fluxos de caixa antecipados preencham os compromissos financeiros, caracterizando uma postura de financiamento hedge 21 , tanto para o tomador quanto para o emprestador. Concomitantemente, os bancos procuram aumentar a participação de formas líquidas de aplicações no total do ativo, visando diminuir assim a ocorrência do risco de crédito. Um exemplo de financiamento hedge é o empréstimo comercial tradicional em que a venda ou estoque de bens rende um fluxo de caixa suficiente para o pagamento do débito. Todavia, quando as expectativas tornam-se menos conservadoras, os bancos relaxam os critérios para concessão de crédito, que passam a ser baseados principalmente no valor dos ativos penhorados. Consequentemente, aumenta a participação de formas menos líquidas de ativos e com retornos mais longos, abrindo espaço para a rentabilidade como principal critério a ser atendido na composição do balanço bancário, passando os bancos a adotar uma postura de financiamento especulativo. Neste caso, o refinanciamento de posições inclui ativos que proporcionam retornos a longo prazo através de dívidas de curto prazo, ou seja, uma unidade especulativa financia suas posições de longo termo com recursos de curto termo. A viabilidade de uma estrutura financeira especulativa depende tanto dos fluxos de lucro (no caso dos bancos dos rendimentos líquidos sobre os seus ativos) para pagar os juros sobre dívidas quanto do funcionamento do mercado financeiro em que tais dívidas podem ser negociadas. 21 Minsky (1982, 1986) distingue três posturas financeiras para os agentes na economia através da relação entre os compromissos de pagamento contratuais provenientes de suas obrigações e seus fluxos primários de dinheiro ao longo do tempo: (i) comportamento hedge: é uma postura financeira cautelosa do agente, que significa que o fluxo de caixa esperado excede os pagamentos de dívida a cada período, ou seja, o agente manterá um excesso de receitas sobre o pagamento de compromissos contratuais a cada período, pois os lucros superam as despesas com juros e os pagamentos de amortizações; (ii) postura especulativa: uma unidade torna-se especulativa quando, por alguns períodos, seus compromissos financeiros de curto prazo são maiores que as receitas esperadas como contrapartida desta dívida, o que a leva a recorrer ao refinanciamento para superar os momentos de déficit, mas sem que haja um aumento da dívida, sendo que nos períodos seguintes espera-se que a unidade tenha um excesso de receita que compense as situações iniciais de déficits; (iii) postura Ponzi: uma unidade Ponzi é aquela que no futuro imediato os seus recursos líquidos não são suficientes nem mesmo para o pagamento dos juros devidos, tornando necessário tomar recursos adicionais emprestados para que a unidade possa cumprir seus compromissos financeiros, aumentando o valor de sua dívida. Ver mais no capítulo 2 desta tese. 29 De forma geral, um período de prosperidade da economia leva a uma diminuição ainda maior na preferência pela liquidez dos bancos e uma aceitação de práticas financeiras mais agressivas. Deste modo, os bancos relaxam ainda mais os seus critérios na concessão de fundos, aceitando uma relação de fluxo de caixa especulativo e concedendo empréstimos baseados quase exclusivamente no valor dos colaterais, se engajando em um financiamento Ponzi, um caso extremo de especulação. Neste caso, ao mesmo tempo em que o banco diminui as exigências pelos quais concede fundos, cresce a participação de adiantamentos no total do ativo. Os empréstimos Ponzi podem, ainda, serem impostos a um banco porque a renda auferida por ele pode cair abaixo de suas expectativas ou as taxas de juros aumentam na rolagem especulativa do financiamento além dos níveis antecipados tanto pelo tomador quanto pelo emprestador. Portanto, a procura por maiores lucros por parte dos bancos, ou uma mudança nas condições do mercado financeiro, induz ao financiamento especulativo ou mesmo Ponzi. A fragilidade ou robustez global da estrutura financeira, do qual a estabilidade cíclica da economia depende, emerge da natureza dos empréstimos feitos pelos bancos e também das próprias condições do mercado. Uma orientação do fluxo de caixa pelos banqueiros leva-os a sustentar uma estrutura financeira robusta; uma ênfase dos banqueiros nos valores dos colaterais empenhados e nos valores esperados dos ativos leva à emergência de uma estrutura financeira mais fragilizada. Minsky mostra, assim, o caráter contraditório da atividade bancária: ao mesmo tempo que é um elemento essencial no financiamento da atividade de investimento e uma condição necessária para a operação satisfatória de uma economia capitalista, este comportamento pode induzir ou amplificar uma instabilidade financeira, ocasionando um mal funcionamento da economia, sobretudo em momentos de boom econômico quando o grau de endividamento dos empresários tende a aumentar substancialmente. Administração do passivo A administração do passivo envolve decisões relativas à participação dos diversos tipos de obrigações no total do passivo, inclusive a proporção do patrimônio líquido (grau de alavancagem). As instituições bancárias modernas passam a agir, do lado das obrigações, de forma dinâmica, adotando uma atitude ativa na busca de novos depósitos ou através da administração das necessidades de reservas, o que faz com que os fundos que financiam os seus ativos sejam fortemente condicionados pelo próprio 30 comportamento do banco. Portanto, mais do que receber passivamente os recursos de acordo com as escolhas realizadas pelo público, os bancos procuram interferir nessas escolhas das mais diferenciadas formas, promovendo alterações em suas obrigações para que possam aproveitar-se de possíveis oportunidades de lucro. As mudanças no perfil das obrigações bancárias podem ser obtidas através do manejo das taxas de juros dos depósitos a prazo e, ainda, de outras formas indiretas de estímulo a um redirecionamento do comportamento do público, como publicidade, fornecimento de garantias especiais aos depósitos, oferecimento de presentes e prêmios aos clientes, criação de novos e atrativos tipos de obrigações etc. Uma estratégia mais ousada da firma bancária, através da expansão de ativos mais lucrativos, como adiantamentos a clientes, pode ser sustentada por uma política mais agressiva de captação de fundos por parte do banco, gerenciando suas obrigações de modo a privilegiar o aumento da participação de componentes do passivo que absorvam menos reservas e, ainda, introduzindo novas fórmulas de captar recursos dos clientes - as chamadas inovações financeiras 22 . Estas só se efetivam se houver uma perspectiva de obtenção de lucro por parte do banco e de uma maior parcela de mercado, em geral associados a um período de boom econômico, constituindo-se num instrumento fundamental no processo de concorrência bancária. As inovações financeiras, portanto, ao ampliarem as formas através das quais os bancos podem atrair recursos, exercem forte influência sobre o montante e perfil dos recursos captados pelos bancos, alavancando a capacidade dos bancos de atender uma expansão na demanda por crédito. Entendidas como novos produtos e serviços ou uma nova forma de ofertar um produto já existente, as inovações financeiras, num período de boas perspectivas de negócios para os bancos, resultam não apenas da reação destes procurando contornar regulamentações e restrições das autoridades monetárias, mas também da busca de recursos de terceiros para financiamento de suas operações ativas, aumentando o grau de alavancagem do banco. As técnicas de administração de passivo e a possibilidade de introdução de inovações financeiras – como, por exemplo, a criação de novas obrigações financeiras sob a forma de quase-moedas - podem conferir ao sistema bancário capacidade de contornar as restrições impostas pelas autoridades monetárias sobre a disponibilidade de 22 Para uma análise mais detalhada sobre inovações financeiras, ver Gowland (1991). 31 reservas por força de uma política monetária restritiva, permitindo que os bancos tornem-se mais responsivos à demanda por crédito do público: A política monetária tenta determinar a taxa de crescimento dos ativos e obrigações bancárias, controlando o crescimento das reservas bancárias. Desde que a taxa de crescimento desejada pelo gerenciamento bancário (...) pode ser substancialmente maior que a taxa de crescimento das reservas bancárias que a política monetária objetiva alcançar, durante várias vezes quando os bancos são confrontados com uma demanda maior de clientes aparentemente merecedores de crédito o sistema bancário é caracterizado por inovações que tentam enganar as constrangimentos do Federal Reserve (Minsky, 1986, p.243). Mudanças na quantidade da moeda ocorrem por intermédio de interações entre as unidades econômicas que desejam realizar gastos (consumo, investimento) e os bancos que podem facilitar, ou não, tais gastos. A oferta de moeda torna-se, assim, interdependente da demanda por moeda 23 . O banco central tem poder regulatório sobre a expansão primária de liquidez, limitando ou expandindo, sob certas restrições, dado que atua através dos bancos comerciais, a capacidade de captação dos bancos e, deste modo, influindo nas condições de oferta de crédito. As autoridades monetárias, contudo, não têm um controle absoluto sobre a quantidade de moeda disponível na economia, pois influenciam apenas indiretamente o volume de intermediação financeira, ao afetarem as condições de custo e a disponibilidade de reservas dos bancos. Através da manipulação da taxa de juros e do nível de reservas bancárias, podem influir no volume e no preço do crédito bancário, sendo que o resultado final sobre o volume de oferta de crédito resulta das respostas do sistema bancário às variações nas taxas de rentabilidade de suas diferentes operações ativas. A base de reservas, levando em conta as condições gerais de acesso à liquidez estabelecidas pelo banco central, que limitam ou expandem a capacidade de captação de recursos por parte dos bancos, pode se expandir endogenamente de modo a atender as demandas por empréstimos do público, desde que seja rentável para as instituições bancárias. 23 A discussão acerca do caráter endógeno ou exógeno da oferta de moeda, que tem gerado controvérsias entre economistas de diferentes matrizes teóricas, inclusive entre autores keynesianos, não é objeto de discussão neste texto. Para uma análise sobre o debate horizontalismo versus verticalismo, ver, entre outros, Fiocca (2000) e Paula (2003). 32 A administração do passivo significa, portanto, que a oferta de crédito bancário é responsiva à demanda por financiamento, não sendo estabelecida mecanicamente pela ação das autoridades monetárias. Um dado volume de reservas pode ser sustentado por diferentes quantias de obrigações, dependendo da composição e grau de absorção de reservas. Como estas representam perdas para os bancos, no sentido de que se trata de recursos que não são aplicados, e diferentes obrigações consomem reservas em diferentes proporções, “o gerenciamento dos bancos tentará substituir as obrigações com baixa absorção de reservas por aquelas que consomem mais reservas, até que os custos abertos 24 compensem as diferenças nos custos encobertos na forma de reservas requeridas” (Minsky, 1986, p. 242). Suponhamos um balanço bancário simplificado que tenha seu passivo composto por depósitos à vista (Dv) e depósitos a prazo (Dp) que rendam uma determinada taxa de juros r, sendo o total das obrigações igual ao total de ativos (At) no lado das aplicações. Assim: (9) Dv + Dp (r) ≡ At Quando a taxa de juros de mercado se eleva, por determinação de uma política monetária restritiva - e, portanto, r aumenta -, os custos abertos das obrigações remuneradas (Dp) crescem. Consequentemente, os bancos procurarão, inicialmente, substituir as obrigações com baixo grau de absorção de reservas por obrigações com alto grau de absorção de reservas (Dv). Esta mudança faz com que os custos abertos diminuam e os encobertos aumentem. Logo, os bancos, a partir do momento em que os custos abertos se igualem aos custos encobertos, vão procurar criar novas formas de obrigações e pagar mais altas taxas nas obrigações existentes que economizam reservas, reduzindo o custo de oportunidade de manutenção de depósitos ociosos, representado pela taxa de juros de mercado. Desta forma, o banco pode liberar recursos para serem direcionados para as oportunidades percebidas de lucro. A habilidade de criar substitutos para reservas e minimizar a absorção de reservas é uma propriedade essencial de um sistema bancário maximizador de lucros. Mesmo que o Banco Central procure determinar o crescimento do crédito bancário, administrando as reservas disponíveis dos bancos, o controle sobre a razão de reservas poderá ser anulado pela existência de ativos líquidos no portfólio dos bancos 24 O custo aberto (overt cost) é o custo do pagamento de determinada taxa de juros para uma dada obrigação - depósitos a prazo, CDBs, acordos de recompra, fundos federais etc. -, enquanto que o custo 33 ou pela capacidade destes de gerenciarem suas obrigações e criarem inovações financeiras, minimizando a absorção de reservas. Por isso, conclui Minsky (1986, p. 237), “os esforços de maximização de lucro dos bancos e a mudança nos custos das reservas quando a taxa de juros se eleva e cai faz a oferta de financiamento responsiva à demanda”. Lucratividade dos bancos A lucratividade do banco é determinada fundamentalmente pelos ganhos líquidos de seus ativos. Neste sentido, as instituições procuram aumentar o spread entre as taxas de aplicação e de captação de recursos, aplicando a taxas mais elevadas que aquelas pagas em suas operações passivas. Grosso modo, o lucro bruto do banco é igual ao rendimento de seus ativos menos os custos dos depósitos. Mais especificamente, o lucro (Π) resulta da diferença entre a taxa média recebida sobre seus ativos (ra) e a taxa média paga nas obrigações (rp), multiplicado pelo volume total das operações do balanço (V), mais receitas com tarifas (Rt) e menos custos administrativos (Ca). Assim: (10) Π = [(ra - rp).V] + Rt - Ca Como já foi destacado, a busca por maiores lucros induz os bancos a adotar uma postura especulativa ou mesmo Ponzi: o banqueiro procurará obter maior rendimento aceitando ativos de mais longo termo e/ou de mais alto risco e, ao mesmo tempo, diminuir a taxa paga nas suas obrigações, oferecendo maiores promessas de segurança e garantias especiais aos depositantes e encurtando o termo das obrigações (prêmio de liquidez). Assim, quanto mais otimista for um banco quanto ao futuro e mais agressiva for a estratégia por ele adotada, maior deverá ser a participação de obrigações de menor termo no total do passivo, ao mesmo tempo que deverá crescer na composição da estrutura ativa a participação de ativos de mais longo termo e de empréstimos baseados no valor dos colaterais. O objetivo da administração do banco, de modo a sustentar um crescimento contínuo em seus lucros, é colocar o banco em posição de se aproveitar das variações na demanda por crédito e nas taxas de juros. Segundo Minsky (1986), os bancos, movidos pelo processo de concorrência bancária e pela busca de maiores lucros, procuram encoberto (covert cost) é representado pelos custo de oportunidade que o banco incorre em manter reservas ociosas no banco central. 34 aumentar sua escala de operação e elevar o spread bancário, utilizando duas estratégias: (i) elevação do lucro líquido por unidade monetária do ativo; (ii) aumento na relação entre ativo e capital próprio do banco (alavancagem). A primeira, como visto acima, é realizada através da ampliação da margem (spread) entre as taxas de juros recebidas sobre os ativos e as pagas sobre as obrigações, procurando elevar os rendimentos dos ativos retidos e reduzir as taxas de remuneração dos depósitos: A tentativa de aumentar o spread entre a taxa de juros do ativo e a taxa de juros do passivo leva os bancos a aprimorarem os serviços que eles oferecem aos depositantes e tomadores de empréstimos, criando novos tipos de papéis; novos instrumentos financeiros resultam da pressão por lucros (Minsky, 1986, p. 237). A manutenção de um spread positivo requer que os bancos procurem se aproveitar das oscilações nas taxas de juros: quando suas expectativas são “baixistas”, eles deverão dar ênfase aos ativos com taxas de juros fixas ou com maior intervalo para revisão dos juros, financiando-os com passivos de curto prazo e/ou a taxas variáveis; se elas são “altistas”, os bancos procurarão casar a sensibilidade do ativo às variações nas taxas de juros, diminuindo a maturidade média de seu ativo e os ativos a taxa de juros fixas e aumentando em contrapartida a participação dos ativos a taxas variáveis, financiando-os com obrigações a taxas de juros fixas e/ou prazos mais longos. O aumento no grau de alavancagem do banco, por sua vez, faz com que se busque novas formas de tomar fundos emprestados, de modo a permitir que as instituições bancárias cresçam mais rapidamente e se aproveitem das oportunidades de lucros, sobretudo em períodos de maior otimismo nos negócios. Assim, como resultado de uma postura mais agressiva em suas operações ativas, os bancos elevam o grau de alavancagem de seu patrimônio (total do ativo/capital próprio), aumentando o uso de recursos de terceiros para adquirir ativos. Neste sentido, as técnicas de administração de passivo e o lançamento de inovações financeiras assumem um papel crucial na estratégia bancária, procurando reduzir a necessidade de reservas e aumentar o volume de recursos de terceiros captados, de maneira compatível com a alavancagem dos empréstimos. 35 1.4. Conclusão Este capítulo analisou, numa abordagem teórica pós-keynesiana, o comportamento dos bancos em uma economia empresarial. Procurou-se mostrar que os bancos, neste enfoque, mais que meros intermediadores passivos de recursos, são capazes de criar ativamente crédito (poder de compra novo) independentemente da existência de depósitos prévios. Entendida como uma firma capitalista cujo principal objetivo é obter lucro na forma monetária e que possui preferência pela liquidez, a firma bancária é uma instituição cujo comportamento influencia diretamente as condições de liquidez e de financiamento da economia e, por conseguinte, a concretização das decisões de investimento dos agentes. A volatilidade de suas avaliações sobre a riqueza financeira e suas expectativas quanto ao retorno dos empréstimos ocasionam flutuações na oferta de crédito e, consequentemente, no nível de investimento, produto e emprego da economia. Neste enfoque não-convencional, bancos não são agentes neutros na intermediação de recursos reais na economia e tampouco conformam seu balanço como resultado das decisões tomadas por outros agentes, tal como nos modelos neoclássicos, mas instituições ativas que possuem expectativas e motivações próprias e que, portanto, administram dinamicamente seu balanço (com o gerenciamento bancário ocorrendo ao nível dos dois lados do balanço), a partir de suas expectativas de rentabilidade e risco em um mundo intrinsecamente incerto. Para Keynes e pós-keynesianos a dinâmica comportamental dos bancos afeta de forma decisiva as condições e volume de financiamento da economia e, consequentemente, as decisões de gasto dos agentes, assim como os resultados da política monetária. Em outras palavras, na dinâmica monetária-financeira de uma economia monetária da produção, “bancos importam!” (banks matter!). 36 ANEXO 1.A: MERCADO DE CRÉDITO NO CICLO ECONÔMICO 25 Os gráficos 1.1 e 1.2 apresentam um diagrama do mercado de crédito para dois estados da economia: fase expansionista e fase contracionista do ciclo econômico. OM é a base de capital do sistema bancário: quanto maior a extensão de crédito em relação à base de capital, mais frágil o portfólio bancário. ib é a taxa básica de empréstimo bancário, tal como determinada pela taxa de desconto do banco central. A oferta de crédito é determinada por um “mark-up” sobre ib , com o “mark-up” aumentando devido ao risco do emprestador rl , quando o volume de crédito aumenta. A demanda por crédito, por sua vez, é determinada pela taxa de retorno esperada do investimento iI , e pelo risco do tomador rb . O gráfico 1.1 representa o mercado de crédito em uma fase expansiva do ciclo, quando o risco percebido é baixo e o retorno esperado dos projetos de investimento é alto. O volume de crédito, quando determinado pela oferta marginal da curva de crédito, é elevado. O gráfico 1.2 representa a situação recessiva, com os retornos esperados baixos e o risco percebido alto, resultando em um volume menor de crédito. A linha ib pode ser vista como equivalente à oferta horizontalista da curva de crédito. Entretanto, as taxas de empréstimo bancário cobradas são estabelecidas convencionalmente de acordo com a estrutura de taxas (taxa básica mais o prêmio de risco). A oferta efetiva de crédito é de fato Sc , que varia sobre o ciclo conforme o grau de risco percebido de risco. Uma estrutura de taxa está implícita na taxa de juros mostrada nas curvas de crédito horizontais. Portanto, a oferta de crédito pode estar bem perto da horizontal em boa parte do ciclo econômico, sobretudo em períodos de boom de crescimento, exceto para algumas classes de tomadores que rotineiramente são colocados fora pelo processo de avaliação de risco. A avaliação de risco requer a avaliação do colateral assim como do projeto planejado. Durante o descenso cíclico, a avaliação de ambos será revisto para baixo. Com o valor dos colaterais dados em garantias aos empréstimos e os retornos prospectivos dos empréstimos caindo depois de um lag reconhecido, os bancos responderão contraindo os novos empréstimos de modo a aumentar a liquidez de seu balanço. Da mesma forma, os provedores de fundos de atacado dos bancos ao 25 Este anexo está baseado em Dow (1996). 37 perceberem que os valor dos próprios colaterais dos bancos também diminuem a provisão de recursos, reforçando assim a contração do crédito. Gráfico 1.1: Mercado bancário com risco: a fase expansiva Gráfico 1.2: Mercado bancário com risco: a fase contracionista 38 CAPÍTULO 2 COMPORTAMENTO DOS BANCOS E OFERTA DE CRÉDITO NO CICLO MINSKIANO 2.1. Introdução 52 De acordo com a hipótese de fragilidade financeira, o modo como as firmas financiam suas posições de carteira, em particular a aquisição de ativos de capital, junto ao setor bancário, é responsável pelo comportamento cíclico da economia. Deste modo, o crescimento do financiamento na fase expansionista produz dois efeitos simultâneos: o ritmo de atividade econômica se expande e a fragilidade financeira aumenta. A economia enfrentaria, então, um trade-off: quanto maior o ritmo de crescimento, menor a resistência da economia a choques adversos. Consequentemente, mais vulnerável ela está a crises. Portanto, a hipótese de fragilidade financeira de Minsky descreve analiticamente um processo endógeno em que a estabilidade econômica sustentada produz uma fragilidade financeira da economia. Neste capítulo procura-se mostrar que a compatibilidade da hipótese da fragilidade financeira, formulada por Minsky (1982, 1986), com a dinâmica do ciclo econômico depende da evolução do risco percebido pelos agentes econômicos durante as fases do ciclo. Nesse sentido, o ciclo econômico poderia ser caracterizado pela presença de um aparente paradoxo: a percepção de risco (microeconômico) e a fragilidade (macroeconômica) da economia caminham em sentidos opostos. Isto ocorre porque - como será desenvolvido no decorrer do capítulo - quando a economia está em processo de crescimento, os agentes (empresas financeiras e não-financeiras) tendem a diminuir suas margens de segurança sem que isto esteja associado a uma mudança nas suas preferências individuais por “risco e retorno”, como poderia sugerir uma análise tobiniana. O otimismo, a partir de uma perspectiva pós-keynesiana, se manifesta na redução do risco percebido pelos agentes em função da alteração no estado de expectativas dos agentes com relação ao futuro. Mais precisamente, o risco percebido, 52 Este capítulo é resultado de pesquisa realizada originalmente no âmbito do Grupo de Estudos sobre Moeda e Sistema Financeiro no IE/UFRJ com a participação de Antonio J. Alves Júnior. 39 por ser uma função das expectativas dos agentes sob condições de incerteza, diminui em um período de expansão. Em particular, os bancos aumentam sua alavancagem e a participação dos empréstimos no seu portfólio não porque estariam se tornando necessariamente mais ousados, ou, no sentido de Tobin (1958), mais propensos ao risco. Ao contrário, mesmo que os bancos mantivessem suas preferências particulares entre risco e retorno, a redução do risco percebido os levaria à readequação de seu portfólio, no sentido da expansão dos seus empréstimos, porque simplesmente esta é a estratégia que lhe parece mais adequada num contexto em que os seus clientes estão auferindo lucros e pagando devidamente seus empréstimos e seus concorrentes estão expandindo sua carteira de empréstimos. Neste contexto, este capítulo objetiva analisar o papel dos bancos no ciclo minskiano. O capítulo está dividido em três seções, além desta introdução. Na seção 2.2 analisa-se o comportamento dos bancos frente às mudanças em suas expectativas, formadas sob condições de incerteza não-probabilística, a partir de uma perspectiva fundamentalmente microeconômica, baseada na abordagem da preferência pela liquidez dos bancos. Na seção 2.3, examina-se a formação das expectativas dos bancos e das firmas no ciclo econômico, e sua relação com a hipótese da fragilidade financeira de Minsky. Procurar-se-á argumentar que a fragilidade financeira não é necessariamente (ou unicamente) um resultado de alterações nas estratégias dos bancos, que se tornariam pretensamente mais “ousados” ou “amantes do risco” durante a fase expansiva, mas a conseqüência de uma redução no risco percebido pelos mesmos. A seção 2.4 sumariza os argumentos do capítulo. 2.2. Dinâmica dos Bancos no Ciclo Econômico 53 Comportamento dos bancos em uma perspectiva pós-keynesiana Nesta seção analisamos as mudanças nas posturas financeiras e na estrutura patrimonial dos bancos que ocorrem no ciclo econômico. Na perspectiva póskeynesiana, os bancos, como qualquer firma capitalista, tomam as suas decisões de portfólio orientadas pela expectativa de maiores lucros, levando em conta sua 53 Um detalhamento mais aprofundado sobre a dinâmica da firma bancária e do crédito em uma perspectiva pós-keynesiana, ver o capítulo 1 desta tese. 40 preferência pela liquidez e suas avaliações da riqueza financeira, em condições de incerteza que caracterizam uma economia monetária da produção. Em outras palavras, bancos são agentes que apresentam preferência pela liquidez determinada fortemente por suas expectativas formadas sob condições de incerteza não-probabilística do tipo Knight/Keynes 54 , conformando seu portfólio de acordo com o trade-off percebido entre liquidez e rentabilidade. A sua escala de preferência pela liquidez expressa a precaução que é inerente aos resultados incertos da atividade bancária, no que se refere ao retorno de suas aplicações. Neste sentido, a estratégia dos bancos é definida de acordo com a sua preferência pela liquidez e as oportunidades de lucro existentes: Para um dado estado de expectativas, as preferências pela liquidez dos bancos determinarão o perfil desejado de ativos que compram e seus preços, isto é, a taxa de retorno que cada tipo de ativo deve oferecer para compensar pelo seu grau de iliquidez.” (Carvalho, 2007, p.15) Bancos, com preferência pela liquidez, poderão não acomodar passivamente a demanda por crédito, pois buscarão comparar os retornos esperados com os prêmios de liquidez de todos os ativos que podem ser comprados. Isto significa que a disponibilidade de crédito poderá diminuir devido à maior preferência pela liquidez, sem estar relacionada diretamente aos riscos inerentes aos empréstimos, fazendo com que o racionamento de crédito possa surgir quase que independentemente dos retornos esperados dos projetos de investimento (Dow, 1996). Tomando como base o capítulo 17 da Teoria Geral de Keynes (1964), podemos analisar a composição do portfólio dos agentes, inclusive dos bancos, baseado no princípio geral de que os diferentes graus de liquidez devem ser compensados pelos retornos pecuniários que definem a taxa de retorno obtida pela posse dos diferentes ativos. Assim, cada classe de ativos existentes possui sua taxa própria de juros, definida em termos de preços correntes de mercado, em que: a + q – c + l, onde q é o rendimento do ativo, c o custo de carregamento incorrido na sua conservação, l o seu prêmio de liquidez e a o seu valor de mercado (taxa de apreciação). Nesta abordagem, a preferência pela liquidez é refletida em termos do trade-off entre retornos monetários (a + q – c) e o prêmio pela liquidez da moeda (l), causando assim substituições na 54 Refere-se a fenômenos econômicos para os quais “não existe base científica para se formar qualquer cálculo de probabilidade. Nós simplesmente não sabemos.” (Keynes, 1973, p. 114). Para um aprofundamento da noção de incerteza não-probabilística, ver, entre outros, Davidson (1994) e Dequech (1999). 41 estrutura de demanda por ativos. Estes se diferenciam de acordo com combinações entre retornos monetários e prêmio de liquidez que eles oferecem, sendo a liquidez valorizada quando a incerteza aumenta. No caso dos bancos, dada a flexibilidade de seu portfólio, a composição de sua estrutura de aplicações (ativo) sofre grandes flutuações, refletindo as mudanças em suas expectativas, sob condições de incerteza não-probabilística, quanto à rentabilidade e liquidez de seus ativos. Tais escolhas, contudo, dependem em boa medida do grau de confiança dos bancos com relação às suas expectativas formuladas quanto ao futuro, se mais ou menos otimistas, independentemente de suas preferências individuais por risco e retorno. No enfoque pós-keynesiano, os bancos estão atuando no estágio V da evolução bancária elaborada por Chick (1992), ou seja, pressupõe a existência de um banco central em sua função de emprestador de última instância e o desenvolvimento de técnicas de administração de passivo por parte dos bancos. Os bancos – nesta perspectiva - são vistos como agentes ativos que administram dinamicamente os dois lados de seu balanço, o que significa que eles não tomam o seu passivo como dado, na medida em que procuram influenciar as preferências dos depositantes, através do gerenciamento das obrigações e da introdução de inovações financeiras 55 . Assim, as instituições bancárias modernas procuram agir, do lado das obrigações, de forma dinâmica, adotando uma atitude ativa na busca de novos depósitos ou através da administração das necessidades de reservas, o que faz com que os fundos que financiam os seus ativos sejam fortemente condicionados pelo próprio comportamento do banco. Portanto, mais do que receber passivamente os recursos de acordo com as escolhas realizadas pelo público, os bancos procuram interferir nessas escolhas das mais diferenciadas formas, promovendo alterações em suas obrigações para que possam aproveitar-se de possíveis oportunidades de lucro. As mudanças no perfil das obrigações bancárias podem ser obtidas através do manejo das taxas de juros dos depósitos a prazo e, ainda, de outras formas indiretas de estímulo a um redirecionamento no comportamento do público. Contudo, para sustentar uma estratégia de expansão de suas atividades, as firmas bancárias normalmente adotam uma política mais agressiva de captação de fundos, gerenciando suas obrigações de modo a privilegiar o aumento da participação de componentes do passivo que absorvam 55 Ver, neste particular, Minsky (1986, cap.10) e Paula (1999). 42 menos reservas e, ainda, introduzem novos produtos e serviços - as chamadas inovações financeiras. Estas, ao ampliarem as formas através das quais os bancos podem atrair recursos, exercem forte influência sobre o montante e perfil dos recursos captados pelos bancos, alavancando a capacidade destas instituições de atender uma expansão na demanda por crédito. Dinâmica dos bancos na fase expansionista e contracionista do ciclo Na fase expansionista do ciclo, os bancos têm um papel central em sancionar as demandas por crédito das firmas, fundamental para que uma economia monetária possa crescer. Os banqueiros respondem as visões otimistas sobre a viabilidade de estruturas de dívidas das firmas – típicas de um contexto de crescimento - financiando as posições com um aumento em sua carteira de crédito. Seu comportamento – como uma firma que possui expectativas e motivações próprias – é essencial na determinação das condições de financiamento em uma economia capitalista. Do ponto de vista do portfólio de aplicações dos bancos (ativo), como suas expectativas tornam-se mais otimistas na fase ascendente do ciclo, eles passam a privilegiar rentabilidade à liquidez, procurando elevar os prazos e adquirir ativos que embutem maiores riscos, diminuindo a relação entre ativos líquidos/ativos ilíquidos nas suas operações, o que resulta, por exemplo, no crescimento da participação dos adiantamentos e dos empréstimos de mais longo termo em seus portfólios. Deste modo, os bancos tenderão a ter posturas mais ousadas, se expondo mais aos riscos típicos da atividade bancária - risco de juros, de crédito e de liquidez 56 - à medida que seu estado de confiança sobre a estabilidade das taxas de juros e de câmbio e sobre as perspectivas de crescimento econômico seja favorável. A busca por maiores lucros em uma conjuntura expansionista induz os bancos a adotar uma postura mais especulativa: o banqueiro procurará obter maior rendimento aceitando ativos de mais longo termo e/ou de mais alto risco e, ao mesmo tempo, diminuir a taxa paga nas suas obrigações, oferecendo maiores promessas de segurança e garantias especiais aos 56 Portanto, risco de juros e de liquidez resultam diretamente do descasamento de taxas e de maturidades entre as operações ativas e passivas dos bancos, sendo que o primeiro refere-se ao risco de um banco ter um spread pequeno ou mesmo negativo em suas operações de intermediação financeira, devido às oscilações das taxas de juros de mercado, e o segundo à habilidade de um banco de satisfazer suas obrigações quando elas forem devidas, uma vez que os bancos têm que atender a qualquer procura repentina de caixa ou transferência de dinheiro sem hesitação ou demora. O risco de crédito ou risco de default é o risco que um emprestador ou credor enfrenta devido à possibilidade de que o devedor não honre sua obrigação financeira. Para análise dos riscos na atividade bancária, ver, entre outros, Lewis (1992). 43 depositantes e encurtando o termo das obrigações. Como resultado destas estratégias bancárias, a disponibilidade de recursos para o financiamento de gastos dos agentes aumenta, promovendo uma condição necessária para a expansão do nível de produto na economia. Ao mesmo tempo, com vistas a alavancar suas operações ativas – em particular a concessão de empréstimos – os bancos passam a se utilizar ativamente de técnicas de administração do passivo, de modo a não só alterar a composição de seu passivo em uma direção que lhe for mais conveniente, como também a aumentar o volume de recursos captados junto ao público. Isto é feito de duas formas: gerenciamento de reservas e introdução de inovações financeiras. No primeiro caso, os bancos procuram induzir seus clientes a aplicar seus recursos em obrigações que economizem reservas – por exemplo, através do manejo das taxas de juros dos depósitos a prazo e, ainda de outras formas indiretas de estímulo a um redirecionamento no comportamento do público, por intermédio de publicidade, oferecimento de prêmios aos clientes etc. - de modo a ter mais recursos disponíveis “livres” para emprestar. A base de reservas, levando em conta as condições gerais de acesso à liquidez estabelecidas pelo Banco Central, as quais limitam ou expandem a capacidade de captação de recursos por parte dos bancos, pode se expandir endogenamente de modo a atender às demandas por empréstimos do público, desde que seja rentável às instituições bancárias. No segundo caso, os bancos procuram, através do lançamento de novos produtos e serviços, ou uma nova forma de oferecer um produto já existente – as chamadas inovações financeiras – adotar uma política mais agressiva de captação de fundos, buscando atrair novos recursos de modo a alavancar sua capacidade de atender uma expansão na demanda por crédito. As inovações financeiras, em um período de boas perspectivas de negócios para os bancos, resultam não apenas das instituições procurando contornar as regulamentações e restrições das autoridades monetárias, mas também da busca de recursos de terceiros para o financiamento de suas operações ativas. O aumento no grau de alavancagem do banco, portanto, faz com que se busque novas formas de tomar fundos emprestados, de modo a permitir que as instituições bancárias cresçam mais rapidamente e aproveitem as oportunidades de lucros, sobretudo em períodos de maior otimismo nos negócios. Assim, como resultado de uma estratégia 44 de expansão de suas operações ativas, os bancos elevam o grau de alavancagem de seu patrimônio, aumentando o uso de recursos de terceiros para adquirir ativos. Portanto, as técnicas de administração de passivo e o lançamento de inovações financeiras assumem um papel crucial na estratégia bancária na fase ascendente do ciclo econômico, procurando reduzir a necessidade de reservas e aumentar o volume de recursos de terceiros captados, de maneira compatível com a alavancagem dos empréstimos. O quadro 2.1 abaixo sintetiza a estrutura patrimonial simplificada típica de um banco na fase ascendente do ciclo. Quadro 2.1: Estrutura patrimonial dos bancos na fase ascendente do ciclo ATIVO PASSIVO Disponibilidades (-) Depósitos a vista importância da Títulos públicos e privados (-) menos Depósitos a prazo administração Empréstimos (+) líquido Empréstimos de passivo - Curto prazo (-) (redesconto, interbancário) - Longo prazo (+) Patrimônio líquido (-) OBS: o sinal (+) e (-) significa aumento ou diminuição da importância relativa da rubrica Enquanto que na fase expansionista os bancos têm um papel central em sancionar as demandas por crédito das firmas, na fase descendente do ciclo, eles cumprem um papel de amplificar o quadro de crise que se instala, uma vez que as estratégias defensivas adotadas resultam num racionamento de crédito que pode inviabilizar a rolagem da dívida por parte das empresas não-financeiras. Isto porque, quando uma crise ocorre, as expectativas dos bancos quanto ao futuro tornam-se pessimistas. As instituições bancárias passam a expressar sua maior preferência pela liquidez dirigindo suas aplicações para ativos menos lucrativos, porém mais líquidos, o que faz declinar a oferta de crédito aos seus clientes. Deste modo, os bancos procurarão reduzir o prazo médio de seus ativos e a adotar uma posição mais líquida, através da manutenção de reservas excedentes e/ou da compra de ativos de alta liquidez, como os papéis do governo, diminuindo em contrapartida a participação de adiantamentos no total do ativo, sobretudo os empréstimos de mais longo prazo. Do outro lado, a 45 administração de passivo perde importância, ao mesmo tempo em que diminui o grau de alavancagem do banco, através de um aumento da participação relativa do patrimônio líquido no total do passivo, expressando a maior cautela dos banco sob condições econômicas adversas. Em particular, os bancos expressarão suas posturas mais conservadoras, procurando diminuir sua exposição aos riscos inerentes à atividade bancária, uma vez que seu estado de expectativas com relação às perspectivas da economia e dos negócios se deteriora. Por isso, procuram evitar ao máximo o descasamento de taxas e maturidades entre suas operações ativas e passivas, ao mesmo tempo em que se tornam mais cautelosos na concessão de crédito, inclusive solicitando maiores cauções (colaterais) neste tipo de operação. Quadro 2.2: Estrutura patrimonial dos bancos na fase descendente do ciclo ATIVO PASSIVO Disponibilidades (+) Depósitos a vista diminui Títulos públicos e privados (+) mais Depósitos a prazo importância Empréstimos (-) Empréstimos da administração líquido - Curto prazo (+) (redesconto, interbancário) de passivo - Longo prazo (-) Patrimônio líquido (-) Obs: O sinal (+) e (-) significa aumento ou diminuição da importância relativa da rubrica. Em outras palavras, como as expectativas quanto ao futuro se deteriora, os bancos tenderão a adotar posturas financeiras mais conservadoras frente ao maior risco percebido, que se expressa no crescimento de sua preferência pela liquidez na composição de seu portfólio de aplicações. Ou seja, um banco ao privilegiar liquidez em detrimento de maior rentabilidade deverá caminhar na direção de ativos mais líquidos e de menor risco (ver Quadro 2.2). Em suma, tendo em vista a sua preferência pela liquidez, os bancos poderão não acomodar passivamente a demanda por crédito 57 , caso a comparação dos retornos esperados com os prêmios de liquidez de todas os ativos que podem ser comprados assim indicar. O preço pago pela economia é que, nestas 57 A própria natureza da demanda de crédito se altera durante o ciclo. Na fase expansionista, o crédito é demandado primordialmente para financiar compras e expansão da capacidade produtiva. Quando a 46 circunstâncias, as possibilidades de expansão da economia se tornam limitadas pela restrição de financiamento, enquanto perdurar um quadro de expectativas pessimistas. 2.3. A hipótese de fragilidade financeira e a evolução do estado de expectativas dos bancos A hipótese de fragilidade financeira e as posturas financeiras dos agentes A escola pós-keynesiana busca desenvolver uma teoria sobre o comportamento de uma economia monetária da produção, ou seja, uma economia em que a moeda influencia os motivos e as decisões dos agentes econômicos 58 . Isso implica que o sistema bancário, por suas funções de administração do sistema de pagamentos e de fornecimento de liquidez e crédito, é peça fundamental para a compreensão da dinâmica econômica de uma economia capitalista. Este é exatamente o ponto defendido por Minsky quando argumenta que o modo através do qual as firmas financiam a aquisição de bens de capital junto ao sistema bancário é responsável pelo comportamento cíclico da economia capitalista. De acordo com a hipótese da fragilidade financeira 59 , a própria dinâmica do processo de crescimento econômico leva as firmas a ser tornarem crescentemente endividadas para expandir o investimento. As flutuações cíclicas da economia resultam da maneira como as firmas financiam suas posições de carteira, com a fragilidade se elevando em períodos de crescimento devido ao aumento do número de agentes com posturas especulativas 60 . Deste modo, como assinalam Dymski e Pollin (1992, p.40): Minsky argumenta que existe uma tendência inerente das estruturas financeiras capitalistas de se moverem ao longo do tempo de estados de robustez para estados de fragilidade. Isto é devido às mudanças nas expectativas que ocorrem ao longo do curso do ciclo econômico, e o modo como esta mudança é transmitida através do sistema financeiro. economia entra numa fase de descenso, uma parte maior da demanda de crédito se origina na necessidade de renegociação de débitos atrasados, uma situação claramente mais arriscada. 58 Com já assinalado no capítulo 1, uma economia monetária da produção tem como característica central o destaque dado ao processo de tomada de decisões em um ambiente de incerteza não-probabilística, à concepção de não-neutralidade da moeda, ainda, ao sistema de contratos a prazo, por meio de resgates de pagamentos no futuro, como instrumento básico pelo qual os agentes alcançam algum tipo de coordenação perante o futuro incerto (cf. Carvalho, 1992). 59 Ver, para o desenvolvimento desta hipótese, Minsky (1982) e Minsky (1986, cap.9). 60 Mollo (1988) descreve com detalhes como Minsky conecta a idéia de fragilidade financeira com a instabilidade do capitalismo. 47 Para Minsky, a decisão de investimento, de escolha de ativos, é concomitante à escolha de meios de financiamento, sendo que a combinação entre ambas as decisões definem o grau de vulnerabilidade da economia a mudanças adversas na conjuntura econômica. Uma economia será mais ou menos frágil - macroeconomicamente segundo a preponderância de estruturas financeiras hedge ou especulativa. Uma estrutura financeira se caracteriza pelo estabelecimento de margens de segurança 61 entre os fluxos futuros de lucros esperados de uma unidade econômica e os compromissos financeiros contratados 62 . Grosso modo, pode-se classificá-la como hedge, especulativa ou Ponzi. Unidades classificadas como hedge adotam posturas financeiras conservadoras, i.e., são aquelas em que as margens de segurança entre lucros e compromissos financeiros são suficientes para garantir que, em todos os períodos futuros, os lucros superem as despesas com juros e o pagamento de amortizações (a renda bruta esperada excede com alguma margem os compromissos de pagamento de dívidas). Para uma unidade hedge, a margem de segurança é positiva para qualquer aumento provável na taxa de juros, já que ela está protegida completamente em relação aos seus compromissos futuros de caixa. Portanto, uma elevação dos juros não afeta a capacidade de pagamento de compromissos dessas unidades, pelo menos diretamente. Unidades especulativas mantêm margens de segurança menores que as unidades hedge, pois especulam que não vai haver aumento nos custos financeiros a ponto de inviabilizar seus projetos. Em geral, nos períodos iniciais, seus lucros esperados não são suficientes para pagar o total do principal da dívida, ou seja, os compromissos de pagamento em dinheiro referentes às dívidas excedem a renda bruta esperada, pois espera-se que nos períodos seguintes os agentes obtenham um excesso de receita que 61 A margem de segurança oferece uma proteção contra eventos inesperados em cada período do projeto. De acordo com Minsky (1986, Apêndice A), as margens de segurança são definidas para o fluxo de caixa, para o valor de capital da firma e para o balanço patrimonial. Em linhas gerais, além da diferença entre os lucros esperados e os compromissos financeiros em cada período de tempo (margem do fluxo de caixa), as firmas detêm uma parcela de ativos líquidos além de suas necessidades operacionais (margem de segurança do balanço patrimonial), e procuram garantir uma diferença positiva entre o valor presente de seus ativos face ao valor presente de seus compromissos financeiros, utilizando uma taxa de desconto maior para as rendas dos ativos, tendo em vista o fato de serem, em geral, mais voláteis do que o valor dos compromissos financeiros (margem de segurança do valor do capital). Todos essas margens de segurança são influenciadas pelo efeito da formação de expectativas sobre a incerteza. No Apêndice 2A deste capítulo, detalha-se formalmente o uso do conceito de margem de segurança para os fluxos de caixa das unidades de financiamento. 62 É bem conhecida a passagem de Minsky (1986, p.198) que diz que “para analisar como os compromissos financeiros afetam a economia é necessário olhar as unidades econômicas em termos de fluxos de caixa. A abordagem de fluxos de caixa olha todas a unidades - sejam elas famílias, corporações ou governos (municipais, estaduais e nacionais) – como se elas fossem bancos””. 48 compense as situações iniciais de déficit. Por isso, tais unidades necessitam de refinanciamento de parte das obrigações. Nestas condições, se os juros sobem, as despesas financeiras assumidas se elevam, alterando diretamente o valor presente dos seus empreendimentos. Agentes econômicos que tomam financiamento com maturidade inferior a do projeto financiado assumem normalmente posturas especulativas, uma vez que sabem de antemão que terão de recorrer a novos financiamentos para cumprirem seus contratos financeiros. Esse padrão de financiamento é típico de economias dominadas por euforia. As unidades Ponzi podem ser consideradas um caso extremo de unidades com posturas financeiras especulativas. No futuro imediato, seus lucros não são suficientes nem mesmo para cobrir o valor dos juros devidos, tornando necessário tomar recursos adicionais emprestados para que a unidade possa cumprir seus compromissos financeiros. Seu endividamento cresce mesmo que os juros não aumentem, sendo a vulnerabilidade frente a variações positivas nas taxas de juros ainda maiores que no caso anterior. Neste caso, a firma, frente a um aumento provável na taxa de juros, tem que voltar ao banqueiro e capitalizar seus pagamentos de juros em um processo de renegociação de dívida de modo a evitar sua falência. Uma das conseqüências analíticas do uso do conceito de fragilidade é que o sucesso de uma política monetária restritiva em conter a demanda agregada, sem produzir instabilidade, depende do grau de fragilidade financeira da economia como um todo. Frente a um aumento nos juros, uma economia robusta, dominada por agentes com postura hedge, deverá ser afetada via redução nos gastos e nos lucros. No caso de uma economia frágil, isto é, cuja maioria dos agentes apresenta postura especulativa, uma elevação dos juros afetaria diretamente o valor de seus compromissos financeiros, o que pode inviabilizar de forma generalizada o pagamento das dívidas e iniciar uma crise financeira 63 . Paradoxalmente, a mudança nas posturas financeiras dos agentes econômicos ao longo do ciclo, como preconizada por Minsky, não é percebida pelos agentes econômicos como uma postura mais ousada e arriscada que deve ser evitada. Ao contrário, esta parece ser uma tendência geral e inevitável, a despeito das diferenças existentes entre as firmas. Kregel (1997b) sugere que o aumento da fragilidade 63 Neste sentido, segundo Vercelli (2001, p. 43), “a fragilidade financeira de uma unidade econômica descreve sua propensão em mudar o comportamento econômico em conseqüência de um choque e é 49 financeira é produzido por um lento e imperceptível processo de erosão nas margens de segurança das firmas. Deste modo, o argumento pós-keynesiano é que o ciclo econômico influencia e é fortemente influenciado pela percepção de risco que os agentes econômicos formulam em função de seu estado de expectativas. No que segue, discutimos mais detalhadamente esta questão. Ciclo, margens de segurança e oferta de crédito Como visto, o processo de financiamento da acumulação de capital envolve a comparação de dois fluxos fundamentais, antes que a decisão de investir seja efetivada. O primeiro é o fluxo de lucros esperados pelas empresas tomadoras de crédito. O segundo é o fluxo de compromissos financeiros contratados. Como já destacado, a diferença entre os lucros esperados e os pagamentos contratados, em cada período do fluxo de caixa, constitui as margens de segurança para o tomador e o credor. Quanto maiores as margens de segurança, menores as chances de que um “erro” nas previsões de lucros compartilhadas pelo banco e pelo tomador inviabilize o pagamento de alguma das parcelas dos empréstimos. A necessidade da adoção de margens de segurança advém do fato de que em uma economia monetária as firmas atuam sob condições de incerteza. Não fosse assim, as margens de segurança não teriam justificativas racionais. Tomando o conceito de incerteza em uma acepção particular relacionada ao risco probabilístico, a saber, que as variáveis econômicas - por exemplo, o retorno futuro do projeto a ser financiado – são geradas por um processo ergódico, a função de distribuição de probabilidade dos retornos futuros poderia ser conhecida a partir de séries históricas. Neste caso, as margens de segurança desempenhariam a função econômica do “seguro” (no sentido strictu senso de cobertura de risco de um ativo), como sugerem os modelos de média-variância à la Tobin. A manutenção de um determinado volume de reservas líquidas por parte dos bancos em seus ativos e de um certo grau de capitalização, que implica em custos de oportunidade para o investidor, refletiria os riscos envolvidos nos projetos financiados e o grau de aversão ao risco de cada banco. Contudo, o tipo especial de incerteza à que a economia monetária de produção está submetida, a incerteza não-probabilistica do tipo Knight/Keynes, confere certa medida pelo tamanho mínimo que de um choque que induz a situações de insolvência, um estado que é limite para mudar dramaticamente o comportamento da unidade”. 50 elasticidade para as margens de segurança em relação às informações objetivas a respeito do retorno do projeto. Não se trata, porém, dos graus de aversão ao risco dos agentes envolvidos. Neste caso, nem os tomadores de crédito nem os bancos podem ter garantias a respeito do resultado probabilístico dos projetos financiados. Não há elementos objetivos que permitam a obtenção de um par média-variância que possa assegurar que a estrutura financeira que serviu de base para a concessão de empréstimos será validada. Isto porque os dados necessários para a tomada de decisão de investimento simplesmente podem não existir. Por isso, diferentemente do que ocorreria em modelos baseados no trade-off risco-retorno esperado, de inspiração tobiniana, onde os banqueiros procurariam informações relevantes para estimar o risco e o retorno provável do projeto, em uma economia monetária da produção a decisão de investir depende de um cálculo prospectivo baseado em hipóteses sobre o comportamento futuro de variáveis relevantes que não pode se apoiar em dados disponíveis no presente. Nesta economia, as previsões sobre o futuro, por melhor que sejam feitas, não propiciam condições suficientes para que o empresário haja sob certeza. Neste caso, a tomada de decisão implica em que o empresário acredite em suas previsões, ou seja, é necessário que seu estado de confiança, fundamentalmente subjetivo, o faça tomar a decisão de investir. O estado de confiança, por sua vez, depende da (maior ou menor) disposição de otimismo dos agentes face à incerteza e de como o conhecimento influencia a sua percepção de incerteza 64 . Portanto, segundo Dequech (1999, p. 425-6): Quanto maior a percepção e aversão a incerteza, considerando algumas expectativas, mais forte a inclinação das pessoas em não agirem; elas irão preferir adiar a decisão de agir indefinidamente. Segundo Kregel (1997b), dada a impossibilidade de se analisar objetivamente o grau de risco e o retorno do projeto em uma economia sujeita a incerteza, o banqueiro apoia seu grau de confiança na convenção de que o passado tenderá a se reproduzir no futuro. Portanto, sua regra básica para conceder empréstimos é avaliar o histórico da relação entre banco e cliente, selecionando entre os demandantes de crédito aqueles cujo passado como bons pagadores os credenciem como bons pagadores no futuro. 64 De acordo com Keynes (1964, p. 149), “não há, entretanto, muito a ser dito sobre o estado de confiança a priori. Nossas conclusões devem depender principalmente da observação atual da psicologias dos negócios e mercados. 51 Evidentemente, considerações específicas quanto aos projetos a serem financiados são importantes, mas tendo em vista a impossibilidade de uma avaliação objetiva dos fluxos futuros de renda de um projeto de investimento, dada a incerteza que permeia os negócios, tais considerações também são de natureza subjetiva. Bancos, em geral, apoiam sua decisão de financiamento levando em conta também outra convenção: seguir a opinião média do mercado. Esta consideração, sob incerteza, é fundamental para o posicionamento de um banco específico na estrutura do sistema bancário e para seu desempenho, pois lhes garantiria o market share e a reputação da instituição. Nas palavras de Keynes (1972, p.156): Um banco saudável, alas! não é aquele que antecipa o perigo e o evita, mas um que, quando está arruinado, está arruinado de uma maneira ortodoxa e convencional junto com seus companheiros, de forma que ninguém pode realmente censurá-lo. De fato, se todos os bancos perderem em conjunto, o market share de um banco específico sofrerá provavelmente alterações marginais, ao mesmo tempo em que seu desempenho será afetado de modo similar ao do restante do setor bancário. Além disso, uma postura diferente – seja ela ousada ou conservadora em relação aos demais bancos de um banco ou subconjunto de bancos com relação à média poderia ser vista pelos acionistas e/ou clientes como uma ameaça a seus benefícios futuros 65 . Portanto, não é necessária uma postura individual de menor aversão ao risco por parte dos bancos para explicar o comportamento da oferta de crédito bancário na fase expansionista: a avaliação do histórico da relação entre banco e cliente, assim como das estratégias adotadas pela média de comportamento dos (outros) bancos66 , são fatores importantes neste processo. Nas palavras de Kregel (1997b, p. 545): Ao longo do tempo, banqueiro irá emprestar aos tomadores que eles previamente teriam recusado (ou que teriam emprestado somente com margens de segurança mais elevadas), e eles irão se concentrar em emprestar para projetos em áreas especificas simplesmente porque todos os demais estão fazendo assim. Como qualquer processo evolucionário, os participantes precisam perceber o que está realmente acontecendo: um banqueiro não 65 Não é objetivo deste capítulo discutir, com detalhes, a natureza da concorrência bancária e suas implicações macroeconômicas. Ver, a respeito, Freitas (1997). 66 Evidentemente, o comportamento médio dos bancos é influenciado por estado geral de suas expectativas quanto ao futuro. 52 percebe que ele/ela está reduzindo sua margem de segurança. De fato, no que diz respeito ao banqueiro, a habilidade de seus clientes em pagarem os juros, baseado no desempenho passado, está na melhor das hipóteses melhorando. Quanto aos tomadores de crédito, sua crença racional na premissa de que seu projeto a ser financiado será bem sucedido, gerando rendimentos suficientes para satisfazer com folga o pagamento de juros e do principal do empréstimo tomado - é resultado também da aceitação da convenção de que o passado tenderá a se reproduzir no futuro. Quanto maior o prazo considerado para a prospecção de oportunidades nos negócios, mais importante o papel desta convenção, porque mais insignificante torna-se o volume de dados objetivos que sustentam sua decisão. Adicionalmente, o estado de expectativas das firmas inversoras é afetado, além do conhecimento baseado nas informações disponíveis – que são insuficientes para proporcionar uma base segura para a tomada das decisões empresariais relevantes -, pelo animal spirits empresarial, ou seja, sua disposição de otimismo frente à incerteza, que contém necessariamente algum grau de subjetividade 67 . Portanto, a própria demanda por financiamento por parte das firmas é uma função do estado de expectativas quanto aos negócios. O ciclo econômico em Minsky seria fortemente definido pelo modo através do qual os dados do presente influenciam o estado de confiança nas previsões dos bancos e dos tomadores acerca do retorno esperado dos projetos. Assim, partindo de uma economia recém saída de uma crise, o estado de confiança nas expectativas futuras está impregnado de informações passadas a respeito de falências de firmas fortemente endividadas. Tanto bancos como tomadores de empréstimos ainda estarão às voltas com créditos inadimplentes. O endividamento seria visto como extremamente arriscado porque o cenário negativo seria considerado o mais provável. Na medida em que a economia comece a crescer, os resultados surpreenderão positivamente os agentes econômicos. Maiores lucros e menor grau de utilização da capacidade produtiva das firmas representarão estímulos para novos investimentos e, consequentemente, justificarão uma maior demanda por financiamento por parte das firmas. Os índices de inadimplência em queda tornarão a demanda por empréstimos mais atraente para os bancos. A resposta das empresas não-financeiras e dos bancos a 67 Keynes (1964, p. 161) se refere ao espírito animal (animal spirits) como “um impulso para a ação ao invés da inação”, ou ainda como “temperamento sanguíneo e impulsos construtivos”. Dequech (1999, p. 420), acrescenta que “o espírito animal deve ser associado não somente com confiança mas também com a característica otimista ou pessimista das expectativas”. 53 este quadro gerará resultados macroeconômicos positivos que acrescentarão novas “informações” aos agentes cuja influência sobre o seu estado de expectativas será animadora. De acordo com Dymski e Pollin (1992, p. 40): (...) uma vez que a ascensão cíclica continua e os lucros realizados superam as expectativas, entretanto, as expectativas melhoram positivamente. O espírito animal está agora aceso, e firmas tornam-se desejosas de tomar emprestado na busca de oportunidades de lucro. O início do ciclo econômico no ciclo de Minsky depende crucialmente das mudanças no estado de expectativas dos agentes, isto é, das expectativas compartilhadas entre bancos e firmas com relação às melhores perspectivas da economia. Dessa forma, uma fase expansiva do ciclo teria origem quando as expectativas dos agentes quanto ao futuro da economia indicasse maiores níveis de investimento para as empresas e menor preferência pela liquidez por parte dos bancos. Mais e mais investimentos elevariam os lucros, engrossando a fileira de bons pagadores, aumentando a confiança na capacidade de pagamento dos (novos) tomadores. Quanto mais empréstimos bancários, maiores os gastos em investimento, e, portanto, maiores os lucros. Consequentemente, maior a confiança no sucesso dos projetos. Ainda segundo Kregel (1997b, p. 544-5): Agora, é uma característica de um período de expansão estável que a população de tomadores com boas histórias de pagamento está aumentando. Erros que poderiam emergir em períodos de dificuldade são convertidos em sucesso pelo crescimento do mercado e da renda. Em tais condições, não é necessário assumir que a banqueiro torne-se menos cético ou diligente em realizar suas avaliações de crédito ou que ele/ela torne-se mais entusiasta e otimista em avaliar os futuros ganhos em relação a margens de segurança que se reduzem. É tão-somente que o universo de experiências de empréstimos realizados tornase crescentemente positivo. È a expansão que valida projetos de maior risco, e não qualquer mudança na avaliação por parte do emprestador. Esse efeito retroalimentador entre investimentos e empréstimos bancários contribuiria para validar as estruturas financeiras das firmas, com impactos positivos sobre o estado de expectativas quanto aos seus negócios 68 . Neste contexto de 68 Coutinho e Belluzzo (2004) apontam uma outra característica de um ciclo de prosperidade: à medida que o ciclo avança, torna-se crescente a divergência de preços entre os ativos financeiros e os ativos instrumentais e reprodutíveis, em favor do primeiro. A valorização dos ativos financeiros em geral 54 crescimento, os bancos que mais obtêm lucros são aqueles que mais emprestam. A maior alavancagem e a menor liquidez dos ativos, antes temida pelos banqueiros por aumentar a exposição dos bancos, passam a compor a estratégia dos bancos ante o imperativo da concorrência bancária: deve-se fazer o que os demais bancos, que estão obtendo lucros significativos, estão fazendo, sob a pena de redução nas taxas de crescimento e do market share. No decorrer deste processo, o banqueiro não percebe a ocorrência de qualquer aumento na sua exposição ao risco de crédito. Para as empresas, os lucros esperados passam a ser suplantados pelos lucros reais. Cria-se um círculo virtuoso, em que o aumento dos investimentos produz um aumento nos lucros, o que por sua vez estimula tanto a realização de novos investimentos quanto uma valorização no patrimônio líquido das empresas. Para muitas delas, as margens de segurança passam a se apresentar como excessivas. Os lucros esperados são cada vez mais coincidentes com os lucros realizados e, efetivamente, o “risco estimado” no passado se apresenta no presente exagerado. O temor do risco passa a ser substituído pelas preocupações das firmas com a necessidade de ampliar os níveis de produção e o investimento para garantir o market share a longo prazo. O maior grau de confiança nas previsões faz com que as empresas adiram à convenção de investir como as empresas que estão lucrando o fazem. Maiores investimentos e maior grau de endividamento passam a ser imperativos da concorrência: o ritmo de crescimento das firmas precisa se acelerar. O efeito deste processo sobre os balanços patrimoniais das firmas bancárias e não-bancárias evidenciaria, portanto, o maior grau de confiança no futuro por parte dos agentes econômicos. Neste processo, dinâmico por natureza, não só as firmas não- bancárias estariam alterando suas margens de segurança – reduzindo-as de modo geral -, como também as instituições bancárias o estariam. Ademais, as empresas tomadoras de crédito apresentariam maior participação de capitais de terceiros no seu passivo e maior participação de ativos fixos em seus ativos. Os bancos, por outro lado, tenderiam a apresentar um hiato crescente entre o grau de maturação de seus ativos visà-vis seu passivo, aumentando o descasamento de prazos entre ambos. Isso significa dizer que, durante a expansão, as margens de segurança estariam sendo erodidas, sem que os agentes (bancos e firmas) se dessem conta do que está acontecendo. Contudo, como já destacado, isto não seria necessariamente o efeito de provoca uma redução generalizada na percepção de riscos dos agentes, inflando o valor da riqueza, dando início a uma inflação de ativos. 55 uma mudança mais significativa no grau de aversão ao risco dos agentes envolvidos. Em uma economia monetária da produção, caracterizada pela incerteza nãoprobabilística, se há uma melhoria no estado de expectativas dos agentes quanto ao futuro, é natural que as empresas tendam a re-acomodar seus portfólios no sentido de menor liquidez. Não obstante, as empresas estão reduzindo suas margens de segurança baseadas apenas na sua maior confiança no futuro, sem que isto signifique uma euforia generalizada ou um excesso de otimismo. Assim, os vínculos financeiros entre bancos e empresas vão se estreitando, já que há um aumento generalizado nos financiamentos a projetos de investimento. O desempenho dos bancos e das empresas torna-se cada vez mais interconectado. Os investimentos têm de crescer para que os fluxos de lucro se ampliem e permitam o cumprimento das obrigações financeiras. A disponibilidade de linhas de crédito não pode cessar, sob a pena de inviabilizar o crescimento dos investimentos e as renegociações de posições devedoras. Qualquer ruptura em uma dessas condições pode provocar um colapso financeiro, que será tanto maior quanto mais avançada for a erosão das margens de segurança. Uma economia em que predominam unidades especulativas e Ponzi, ou seja, em que as margens de segurança são reduzidas a um mínimo, o grau de fragilidade financeira é elevado, uma vez que qualquer mudança repentina na economia – por exemplo, uma elevação mais acentuada na taxa de juros – pode levar a uma crise. Como já ressaltado, uma das características de uma economia monetária é que o estado de confiança dos agentes é subjetivo e sujeito, portanto, a mudanças não explicadas por dados objetivos. Por isso, ainda que a economia apresente um desempenho que influencie positivamente o estado de confiança, nada impede que os empresários e banqueiros, em determinado momento, tenham uma menor "clareza" sobre o futuro. Por exemplo, o próprio aquecimento da economia pode levar os empresários a esperar taxas de juros mais elevadas ou antever um aumento na capacidade produtiva além da demanda projetada. Nesses momentos, uma maior precaução dos empresários pode acarretar um aumento em sua preferência pela liquidez. Sendo assim, é esperado que a economia cresça de modo errático, não-linear, podendo eventualmente estar sujeita a choques. Mas não é simplesmente o "choque" em si mesmo que pode ameaçar o funcionamento da economia, mas sim a capacidade de uma determinada economia em absorver ou não tal choque. Do ponto de vista financeiro, isto depende da maior ou menor margem de segurança das empresas em um determinado 56 momento. E é aí que se inscreve a contribuição de Minsky na explicação do ciclo econômico: uma economia mais frágil é exatamente aquela mais susceptível a choques normais ao seu funcionamento, porque margens de segurança menores significam menor tolerância a choques, tornando a economia vulnerável a reversões abruptas. Neste sentido, escreve Vercelli (2001, p. 44), (...) eventualmente, depois de um boom sustentado a estrutura financeira de uma economia torna-se tão frágil que um pequeno choque pode ser suficiente para disparar uma crise financeira que reduz fortemente o investimento. Supondo que um determinado choque – por exemplo, uma elevação na taxa de juros com resultado da ação do banco central para evitar pressões inflacionárias típicas do auge cíclico - leva a economia a uma crise, de que modo os bancos tendem a se comportar em um quadro de desaceleração cíclica? Em primeiro lugar, na crise o estado de expectativas dos agentes (firmas e instituições financeiras) se deteriora como um todo. Como os retornos dos projetos de investimento caem repentinamente, parte das firmas que eram tidas como "bons clientes" e "bons pagadores", tornam-se abruptamente em "maus pagadores", dada a impossibilidade de honrarem suas obrigações. As projeções dos fluxos de rendas futuras são reduzidas de acordo com a reavaliação dos projetos de investimento por parte das instituições financeiras. Consequentemente, as próprias margens de segurança das firmas se contraem repentinamente, podendo mesmo desaparecer, seja porque seu fluxo de rendas futuras diminui seja porque a elevação na taxa de juros pode aumentar a dívida contraída, dependendo do perfil da dívida. Neste contexto, altera-se a avaliação de risco dos tomadores de crédito por parte dos bancos. Como o crescente risco percebido é incorporado ao prêmio de risco, os tomadores podem ser racionados via taxas de juros cobradas pelos (novos) empréstimos. O comportamento do sistema bancário pode agravar um eventual quadro de crise econômica, pois ao procurar recuperar o mais rapidamente possível o crédito estendido às empresas, ele pode se recusar a rolar integralmente (ou parcialmente) os passivos das firmas, assim como o serviço da dívida. Isto pode resultar tanto em uma elevação na taxa de juros cobrada quanto em uma maior seletividade na concessão do crédito. Por conseguinte, eleva-se involuntariamente a relação entre dívida e capital próprio das firmas. Estas passam, portanto, a ter dificuldades na rolagem de sua dívida, justamente no momento em que elas mais precisam disto, acabando por levar a um aumento 57 generalizado na inadimplência. Consequentemente, a estrutura financeira da economia (empresas e instituições financeiras) como um todo se torna frágil, vulnerável a uma deflação de dívida que pode induzir a uma recessão mais profunda na economia, uma vez que a queda no nível de preços dos ativos de capital (em relação aos custos de produção do investimento) e o colapso nos arranjos de financiamento ocasionam uma diminuição e instabilidade nos preços dos ativos que leva a uma espiral de investimento, lucros e preços de ativos declinantes. Neste contexto, a ação do banco central – de prover a economia com adequada liquidez – é fundamental, pois tal ação pode ser determinante em mitigar ou agravar a crise. Na ausência de um emprestador de última instância, a propagação do pânico pode levar à ruptura do sistema de pagamentos e à corrida bancária. Assim, independente de se tornarem mais avessos ao risco, bancos aumentam a sua preferência pela liquidez, provocando uma diminuição na disponibilidade de crédito na economia. Portanto, enquanto que na etapa de crescimento os bancos têm um papel fundamental no ciclo de potencializar a acumulação de capital, ao conceder crédito que permite o sancionamento das decisões de gasto dos agentes, na crise os bancos, ao contraírem sua oferta de crédito e impossibilitarem a rolagem da dívida, atuam como amplificadores da crise. 2. 4. Conclusão Este capítulo procurou analisar a importância do estado de expectativas dos bancos no entendimento da dinâmica dos ciclos de Minsky. Neste particular, buscou-se mostrar inicialmente que a mudança no estado de confiança dos bancos – tornando-o mais otimista ou pessimista de acordo com as suas expectativas formuladas com relação ao futuro – se expressa diretamente em alterações na sua preferência pela liquidez, com impactos sobre a sua estrutura patrimonial. O maior otimismo dos bancos – tal como visto no capítulo 1 desta tese - significa que eles passam a privilegiar rentabilidade à liquidez na composição de seu ativo, procurando elevar os prazos e submeter-se a ativos que embutem maiores riscos, diminuindo a relação entre ativos líquidos/ativos ilíquidos nas suas operações e resultando no crescimento da participação dos adiantamentos e dos empréstimos de mais longo termo em seus portfólios. Ao mesmo tempo, com vistas a alavancar suas operações ativas – em particular a concessão de empréstimos – os bancos passam a se utilizar ativamente de técnicas de administração de passivo. Por outro lado, 58 em face de uma expectativa pessimista – resultado de uma deterioração no seu estado de expectativas quanto ao futuro - as instituições bancárias passam a expressar sua maior preferência pela liquidez dirigindo suas aplicações para ativos menos lucrativos, porém mais líquidos, o que faz declinar a oferta de crédito aos seus clientes. Os bancos, assim, reduzem o prazo médio de seus ativos e adotam uma posição mais líquida, ao mesmo tempo em que buscam diminuir o seu grau de alavancagem. Em seguida, desenvolveu-se a hipótese de fragilidade financeira de Minsky, que argumenta que o modo através do qual as firmas financiam a aquisição de bens de capital junto ao sistema bancário é o responsável pelo comportamento cíclico da economia capitalista. O aumento da fragilidade financeira é produzido por um lento e imperceptível processo de erosão nas margens de segurança das firmas, que tendem a se endividarem cada vez mais no decorrer do processo de crescimento econômico. Paradoxalmente, a mudança nas posturas financeiras dos agentes econômicos ao longo do ciclo não é percebida pelos agentes econômicos ao mesmo tempo em que leva a uma crescente fragilização financeira da economia. Isto porque, como se procurou argumentar no capítulo, a dinâmica do ciclo econômico em Minsky depende da evolução do risco percebido pelos agentes econômicos, que tende a se alterar ao longo das fases do ciclo: uma margem de segurança que pode ser considerada problemática numa conjuntura de crise econômica, pode ser aceitável num contexto de crescimento econômico. No ciclo minskiano os bancos têm um papel importante na explicação do comportamento do ciclo econômico, seja acomodando a demanda por crédito na fase expansionista, permitindo uma expansão maior da atividade econômica, seja contraindo as operações de crédito na fase contracionista do ciclo, podendo ampliar a crise já que dificulta a rolagem das dívidas das empresas, que se encontram com sua capacidade de geração de receitas deterioradas. Neste capítulo, argumentou-se que a expansão creditícia realizada pelos bancos não é um resultado necessário de mudanças preconcebidas nas suas preferências individuais na composição de seu portfólio, como reflexo de sua menor aversão ao risco, mas sim do fato de que os bancos – sob condições de incerteza – procuram pautar o seu comportamento com base nas seguintes convenções: avaliação do histórico da relação entre banco e cliente e acompanhamento das estratégias adotadas pela média de comportamento dos (outros) bancos. Ainda assim (e adicionalmente), é de se esperar que os bancos, na fase de crescimento, alterem seu estado de expectativas com relação ao futuro e tornem-se desejosos de sancionar o 59 declínio nas margens de segurança das firmas, da mesma forma que na crise ele tendem a aumentar sua preferência pela liquidez, independentemente dos retornos esperados dos projetos de investimento. 60 ANEXO 2.A Margem de segurança e unidades de financiamento 69 Segundo Minsky, a expansão econômica induz tanto o(s) credor(es) quanto o(s) tomador(es) de crédito a se engajar no financiamento especulativo. Isto ocorre porque, quando o ciclo de expansão se estabelece, os erros de avaliação esperados – a serem cobertos pelas margens de segurança – tendem a ser reduzidos, uma vez que as expectativas dos agentes tornam-se crescentemente confiantes. A definição de margem de segurança, no conceito de fluxo de caixa, para uma unidade de financiamento pode ser melhor entendida a partir da seguinte equação: CCi = τ (Qi - λσ2Qi) (1) Onde CCis são os compromissos contratuais relacionados à dívida contraída. Qis e σ2Qi são, respectivamente, as quase-rendas e sua variância, esperadas pelos empresários e seus banqueiros; e τ é a margem de segurança dos fluxos de caixa. Quanto menor τ maior a margem de segurança, ou seja, menor a parcela das quaserendas – calculadas de acordo com o pior cenário esperado – comprometida com o pagamento de compromissos financeiros. Desse modo, uma unidade hedge pode ser expressa como: CCi < τ (Qi - λσ2Qi), τ < 1 para todo i (2) Uma unidade hedge é, portanto, aquela em que a margem de segurança é sempre positiva, uma vez que ela está protegida dos efeitos diretos sobre o seu fluxo de caixa de qualquer aumento nas taxas de juros. Uma unidade especulativa, por sua vez, é aquela em que para algum (ou alguns) período “i”, de modo geral em um curto período inicial, CCi > Qi - λσ2Qi, o que implica que a diferença entre CCi e Qi - λσ2Qi para os períodos iniciais tem que ser satisfeita através de refinanciamento de parte do principal (normalmente dívida de curto prazo). Contudo, como no período subsequente os Qs esperados são maiores do que os compromissos de pagamento sobre as dívidas existentes, o valor capitalizado Qs excede o valor capitalizado de CCs. Em outras palavras, o valor presente dos ganhos brutos esperados sobre o ativo de capital, depois do período de dívidas especulativas, 69 Este anexo está baseado em Minsky (1986, p. 335-341). 61 proporciona uma margem de segurança sobre o valor da dívida contraída, garantindo a solvência dessas unidades. É importante destacar que a viabilidade de longo termo de uma unidade engajada em financiamento especulativo depende da existência de uma margem de segurança no valor dos ativos de capital sobre o valor das dívidas. Assim, por sua própria natureza, o financiamento especulativo repousa na presunção de que as taxas de juros não irão se alterar fora de um espectro que seja aceitável, ameaçando a solvência dessas unidades. Por sua vez, uma unidade de financiamento Ponzi pode ser caracterizada pela equação: CCi > τ (Qi - λσ2Qi), para todo i, exceto i = n (?) (3) A rationale que justifica uma unidade Ponzi é a expectativa de que “existe algum evento no céu” que poderá levar Qn > CCn por uma margem suficiente para compensar o passado ΣCCi > Qi Ou seja, a viabilidade das unidades Ponzi depende de que a taxa de juros não ultrapasse um valor crítico, de modo que a valorização dos ativos supere os compromissos financeiros refinanciados. Para Minsky, um aumento na razão de financiamento do tipo Ponzi sobre o volume total de financiamentos – o que não é um evento raro em conjunturas expansionistas – é um indicador de que a fragilidade de uma estrutura financeira situa-se em uma zona perigosa de deflação de débito. 62 CAPÍTULO 3 FINANCIAMENTO, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E FUNCIONALIDADE DO SISTEMA FINANCEIRO 3.1. Introdução Hoje em dia começa a ver uma ampla aceitação no mainstream de que o sistema financeiro tem uma grande importância para o desenvolvimento econômico, ainda que não exista um consenso sobre os requerimentos para um sistema financeiro operar de forma funcional a dar sustentação ao crescimento econômico 70 . Entretanto, a constatação em vários trabalhos empíricos de que há uma forte e robusta relação empírica entre essas variáveis não resulta na existência de uma teoria mais elaborada e convincente sobre o papel do sistema financeiro (setor bancário e mercado de capitais), seja em apoiar o desenvolvimento econômico, seja em dar origem a práticas e processos especulativos que possam resultar em crises financeiras. Franklin Allen (2001), em seu discurso presidencial na American Finance Association (AFA), observou a existência de uma visão amplamente aceita entre acadêmicos de que os intermediários financeiros podem ser ignorados uma vez que não têm efeitos reais na economia. Ele acrescenta que os intermediários financeiros são vistos como um véu, cujo comportamento não afeta os preços dos ativos ou a alocação de recursos. A relação entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico foi “descoberta” no hoje influente artigo de Ross Levine (1997), bastante representativo da visão convencional, que destaca que “a preponderância de razões teóricas e evidências empíricas sugerem uma relação positiva e de primeira ordem entre desenvolvimento financeiro e crescimento econômico (...) O desenvolvimento dos mercados financeiros e instituições é uma parte crítica e inerente ao processo de crescimento, diferentemente da 70 Do ponto de vista teórico, a análise sobre a importância da moeda e crédito para o crescimento e desenvolvimento econômico tem origem nos trabalhos de Keynes (1936/1985, 1937) e Schumpeter (1911/1982). Nos anos 1950, em uma visão mais convencional sobre a intermediação financeira, cabe destacar os trabalhos de Gurley e Shaw (1955; 1960), e nos anos 1970 o desenvolvimento da chamada “teoria da liberalização financeira” de Shaw (1973) e McKinnon (1973). Por sua vez, Minsky (1982, 1986), a partir de uma perspectiva pós-keynesisana, desenvolveu nos anos 1980 a chamada “teoria da fragilidade financeira”. Numa perspectiva histórico-institucionalista, cabe mencionar o instigante trabalho de Zysman (1983). Nos anos 1990, a partir da análise novo-keynesiana da assimetria de informações, Stiglitz (1994, 1998) fez importantes contribuições sobre a relação entre Estado, crescimento e sistemas financeiros. 63 visão de que o sistema financeiro (....) responde passivamente ao crescimento econômico e industrialização” (Levine, 1997, p. 688-689). O autor, contudo, se utiliza do que denomina de “abordagem funcional” do sistema financeiro71 , onde instrumentos, mercados e instituições financeiras surgem para mitigar os efeitos dos custos de informação e de transação, isto é, “qualquer teoria sobre o papel do sistema financeiro no crescimento econômico (implícita ou explicitamente) adiciona fricções específicas ao modelo Arrow-Debreu” (Idem, p. 690; itálicos acrescentados). Uma implicação importante desta abordagem é que o papel das instituições financeiras é o de mobilizar poupanças e facilitar a alocação de recursos, ou seja, cumprir o papel de intermediar recursos entre poupadores e investidores, e ao mesmo tempo facilitar o gerenciamento de riscos na atividade de intermediação. Não há uma grande diferença em relação a visão clássica dos intermediários financeiros desenvolvido nos anos 1950 por Gurley e Shaw (1955; 1960), no sentido de que ainda que tais intermediários tenham novas funções, além da intermediação propriamente dita, eles continuam a cumprir, em última instância, um papel relativamente neutro para o desenvolvimento econômico. Ou seja, eles podem potencializar, em algum grau, o crescimento, ao ajudar a mitigar o problema de informação imperfeita e assimétrica, mas não são os fatores determinantes deste processo. A questão da importância do sistema financeiro para o desenvolvimento está a muito no cerne da teoria pós-keynesiana (Davidson, 1972; 1986; Minsky, 1982; 1986; Kregel, 1986; 1994; Carvalho, 1992) e tem suas raízes tanto no Tratado da Moeda de Keynes (1930), onde o mesmo desenvolve o embrião da teoria da endogeneidade da moeda, quanto na discussão de Keynes em 1937 com Ohlin e Robertson a respeito da relação entre financiamento, poupança e investimento, quando Keynes fez uma importante distinção entre poupança e financiamento, e destacou o papel dos bancos na provisão de liquidez necessária para a realização do investimento 72 . 71 Ver, também, Levine (2004). Cabe assinalar que Schumpeter também destacou o papel fundamental do mercado de crédito e dos bancos, ao estabelecer uma forte ligação entre inovação e desenvolvimento com a criação da moeda bancária. Schumpeter (1911, 1939) considera a criação de crédito pelos bancos como a fonte principal de financiamento, uma vez que a economia estacionária do fluxo circular é deixada de lado e a análise passa a se centrar no processo de desenvolvimento econômico. Neste contexto, o sentido do crédito é de “novos meios de pagamentos criados ad hoc desde que os empresários não tenham meios próprios e desde que não existe – nem de longe – poupança” (Schumpeter, 1939, p.111). Para uma análise comparativa e uma tentativa de síntese entre Keynes e Schumpeter na constituição de uma teoria monetária alternativa ao mainstream, ver Bertocco (2007). Ver, ainda, o próximo capítulo desta tese. 72 64 Uma das diferenças fundamentais da teoria pós-keynesiana em relação a teoria econômica convencional é a importância fundamental, dada por esta abordagem, que moeda e instituições financeiras têm no funcionamento e dinâmica de uma economia empresarial. Em particular sistemas financeiros têm um papel crucial no crescimento econômico, independentemente da existência de problemas relacionados à existência de fricções no funcionamento dos mercados financeiros e de crédito. Na visão póskeynesiana, o sistema financeiro tem um papel ambíguo na economia: ao mesmo tempo em que ele pode estimular o crescimento econômico como provedor de liquidez e na alocação da poupança ex-post para consolidar o investimento, a ação de especuladores nos mercados financeiros (necessária para prover liquidez nos mercados secundários) tem um papel instabilizador nesses mercados. Nesta abordagem, diferentemente da visão convencional, a poupança ex-ante não é condição prévia para a realização dos investimentos, e bancos – enquanto provedores de liquidez – têm um papel fundamental na criação de poder de compra novo para as firmas investidoras. Assim, a funcionalidade do sistema financeiro tem um sentido diferente da visão convencional, e isto tem importantes implicações de política. Este capítulo objetiva analisar a importância do sistema financeiro para o desenvolvimento e, em particular, o conceito de funcionalidade do sistema financeiro na visão pós-keynesiana. Para tanto, analisa-se brevemente, na seção 3.2, a visão convencional sobre a relação entre financiamento e crescimento, enquanto que a seção 3.3 analise tal relação a partir da perspectiva pós-keynesiana, enfatizando em particular o conceito de funcionalidade do sistema financeiro. A seção 3.4, por sua vez, analisa as estruturas financeiras alternativas e as mudanças recentes no sistema financeiro internacional. A seção 3.5 conclui o capítulo. 3.2. Visão convencional do sistema financeiro A visão convencional sustenta que o sistema financeiro é um intermediário neutro de recursos na economia cuja existência é justificada principalmente por seu papel de diversificar as oportunidades entre poupadores e investidores, minimizar os custos de agenciamento entre emprestadores e tomadores, e de mitigar os efeitos dos custos de informação e de transação no processo de intermediação73 . Assim, custos de 73 Para uma resenha ampla, ver Gorton e Winton (2004). 65 adquirir informação e fazer transações financeiras criam incentivos para a emergência de mercados e instituições financeiras. Em um mundo a la Arrow-Debreu, com informação perfeita, mercados completos sem fricções, instituições financeiras não seriam necessárias, uma vez que ofertantes e demandantes de fundos poderiam negociar diretamente. A ausência de informação perfeita sobre as oportunidades relacionadas os investimentos produtivos faz com que as instituições financeiras tenham um papel no financiamento do investimento, uma vez que poupadores freqüentemente não são capazes de selecionar as melhores oportunidades de investimento, ao mesmo tempo em que os investidores podem não encontrar as melhores oportunidades de aplicação de seus recursos em projeto de terceiros. A teoria moderna da intermediação financeira tem sua origem na “velha” abordagem de intermediação financeira de Gurley e Shaw (1955, 1960) que sustentava que o papel básico dos intermediários financeiros – enquanto transferidores de recursos das unidades superavitárias para as unidades deficitárias – é retirar do mercado uma parte (majoritária) dos títulos privados primários e substituí-los pela circulação de títulos secundários, de sua emissão. Os autores fazem uma distinção entre financiamento direto, no qual as unidades deficitárias emitem títulos primários diretamente às unidades superavitárias, e financiamento indireto, em que os intermediários financeiros, com base nos depósitos disponíveis (fornecido pelas unidades superavitárias) adquirem títulos primários das unidades deficitárias, que irão compor sua carteira com títulos, concedendo-lhes um crédito. Para eles, o financiamento direto era uma forma limitada de financiamento devido a dificuldade de avaliação de riscos por parte dos poupadores. Nesta abordagem, a funcionalidade do sistema financeiro pode ser vista como relacionada à alocação eficiente de recursos poupados entre as diversas oportunidades de investimento produtivo, sendo o volume desses recursos determinado externamente ao sistema 74 , proporcionando uma maior flexibilidade e eficiência na transferência de fundos na economia, inclusive no que se refere à diminuição do risco para poupadores. Assim, os intermediários financeiros têm uma função especial na economia, de atuar como transformadores de maturidades, compatibilizando as necessidades de financiamento dos investidores com desejos de 74 Está subentendido que o volume dos depósitos bancários é uma decisão de alocação intertemporal de renda e riqueza dos agentes. 66 poupança dos poupadores, ao transformarem ativos ilíquidos e de mais longa maturidade (empréstimos) em ativos líquidos de maturidades mais curta (depósitos) 75 . A teoria moderna da intermediação financeira, por sua vez, está fundamentada na existência de falhas de mercados decorrentes da presença de informação assimétrica e/ou imperfeita, desviando assim do paradigma clássico de mercados perfeitos. Deste modo, as instituições financeiras têm como função principal a redução de custos de transações decorrentes das assimetrias informacionais e sua funcionalidade deriva de tais falhas. Tais instituições têm informação privilegiada – o que lhes conferem uma vantagem comparativa sobre os mercados de capitais – o que lhes permitem monitorar de forma eficiente os tomadores de crédito, minimizando os custos de agenciamento entre tomadores e emprestadores de recursos. Várias são as variantes na teoria moderna da intermediação financeira 76 . A abordagem de assimetrias de informação (Leland e Pyle, 1977; Diamond, 1984; Stiglitz e Weiss, 1981) tem como ponto de partida que o tomador de empréstimos é provável ter mais informação que o emprestador sobre os riscos do no qual eles recebem fundos, gerando problemas de risco moral e seleção adversa, o que pode reduzir a eficiência na transferência de fundos entre unidades superavitárias para unidades deficitárias. Bancos provêm um mecanismo de comprometimento de longo prazo, permitindo superar os problemas de risco moral e seleção adversa 77 . Assim, se o banco tem relação próxima 75 Neste sentido, Fama (1980), em influente artigo, sustenta que o papel dos bancos no equilíbrio geral da economia é: (i) ofertar serviços de transação, permitindo aos depositantes realizarem mudanças de renda e riqueza através de suas contas, e ainda (ii) ofertar serviços de gerenciamento de portfólio, onde eles compram títulos dos indivíduos e firmas (empréstimos é uma compra de títulos) a partir do qual os bancos então oferecem como opção de portfólio para outros agentes (depósitos bancários). Para Fama, bancos são intermediários financeiros sem qualquer controle sobre os detalhes do equilíbrio geral: “Os constrangimentos básicos das oportunidades de portfólio são definidos pelas decisões de investimentoprodução real das firmas. A forma pelo qual as firmas financiam suas decisões, ou a forma como elas são refinanciadas por intermediários, incluindo bancos, nem expande nem contrai o conjunto de oportunidades de portfólio dos investidores (...). [Assim] a atividade bancária é em grande medida uma força passiva na determinação de preços e da atividade real” (Fama, 1980, p. 45). E ainda, acrescenta: “Desde que bancos somente respondem a gostos e oportunidades de demandantes e ofertantes de ativos de portfólio, bancos são simples intermediários financeiros, e o papel de um setor bancário competitivo em um equilíbrio geral é passivo” (Idem, p.46). 76 Como pode ser visto a seguir, as diferentes abordagens se assemelham em vários aspectos, normalmente se diferenciando pela ênfase no papel atribuído ao intermediário financeiro. Para um aprofundamento, ver as resenhas feitas por Gorton e Winton (2004) e Modenesi (2007). 77 O problema de seleção adversa ocorre quando, em decorrência de um aumento dos juros, é provável que os bons tomadores que tem projetos são menos arriscados sejam deslocados do mercado de crédito por maus tomadores, cuja probabilidade de ficar inadimplente é maior. Isto porque, a partir de determinado nível de juros, somente os projetos potencialmente mais rentáveis, porém mais arriscados, podem remunerar o empréstimo. Assim, o banco não consegue distinguir com precisão um tomador de alto risco de um de baixo risco. Como resultado, a razão entre bons e maus demandantes de crédito se reduz, ampliando a probabilidade de que maus tomadores sejam (adversamente) selecionados pelo banco. Trata-se de um caso de a informação assimétrica pode causar um problema antes que a transação ocorra. 67 com seus tomadores, isto o capacita a ter boas informações sobre os prospectos futuros dos projetos financiados, permitindo inclusive um melhor acompanhamento destes. Argumenta-se que os bancos reduzem o grau de informação imperfeita e assimétrica entre ofertantes e usuários dos fundos, uma vez que nem todos os poupadores têm tempo, inclinação ou expertise para monitorar o risco de default dos tomadores de crédito. Assim, a teoria de monitores delegados sustenta que as instituições financeiras são coalizões de agentes que avaliam projetos, investem em determinados projetos de alto valor e dividem os retornos sobre o seu portfólio de projetos; se beneficiam, assim, de ganhos de escala na atividade de monitoramento, reduzindo o custo de obtenção e/ou processamento de informações. Atuam, assim, como monitores delegados em benefício dos poupadores – ou seja, são agentes aos quais os emprestadores (depositantes) delegam a função de monitorar o comportamento dos devedores, com o objetivo de assegurar que os empréstimos sejam honrados. Uma das vantagens dos intermediários financeiros é sua capacidade de diversificação, que diminui os custos de intermediação em relação aos custos dos empresários. Portanto, os intermediários produzem informação sobre investimentos potenciais, informação esta que não pode ser produzida de forma eficiente no mercado de títulos, além de diminuir a dispersão do retorno dos empréstimos dos bancos. Já a abordagem de custos de transação (Bernston e Smith, 1976; Campbell e Kracaw, 1980; Fama, 1980) sustenta que as instituições financeiras funcionam como uma coalização de agentes que busca explorar economias de escala derivadas do uso de tecnologias de transação (operação do sistema de pagamentos) e economias de escopo em função da sua diversificação de portfólio (por exemplo, portfólio de empréstimos). Bancos fornecem liquidez os ativos financeiros e diversificam oportunidades para poupadores e investidores, sendo que sua funcionalidade repousa na redução dos custos de transação da atividade de financiamento (custo monetário de uma transação financeira, custo de monitoramento, custo de busca e auditoria). Esta teoria supõe que na ausência da existência do banco, a estrutura de custo/retorno do poupador e do tomador de crédito seria maior, em função do maior custo de transação. Em outras Já o problema do risco moral sustenta que a fixação da taxa de juros acima de um determinado patamar, induz os investidores a realizar projetos mais rentáveis (mas mais arriscados) para que possam remunerar seus empréstimos, resultando em uma ampliação da probabilidade dos devedores ficarem inadimplentes e, assim, também se eleva o risco de crédito do banco. Trata-se de um caso de a informação assimétrica pode causar um problema depois que a transação ocorreu. Em ambos os casos, para evitar uma elevação no risco de sua carteira de crédito, os bancos mantêm a taxa de juros abaixo do equilíbrio e racionam crédito. Ver, a respeito, Stiglitz e Weiss (1981) e Mishkin (1988, cap.10). 68 palavras, bancos reduzem os custos de busca através de seus canais de distribuição (rede de agências, internet, telefone etc.), além de poderem reduzir os custos de negociação através do uso de contratos padrões de crédito (Matthews e Thompson, 2008, p.38-39). Em particular, firmas menores e menos conhecidas utilizam os bancos como fonte de financiamento devido aos custos relativamente menores junto com a vantagem da capacidade superior dos bancos de monitoração e seleção. A abordagem da regulação, por sua vez, é desenvolvida por Guttentag e Lindsay (1968), Fama (1980), Mankiw (1986) e Merton (1995), dentre outros. Ela destaca a importância das regulações incidentes sobre a criação de moeda e os processos de poupança e de financiamento em uma economia capitalista. A regulação afeta a solvência e liquidez da instituição financeira, já que os bancos em particular por sua atividade tópica de transformadores de maturidades se defrontam côo o risco de insolvência e iliquidez. Neste sentido, Diamond e Rajan (2000) mostra que o capital próprio de um banco afeta sua capacidade de financiamento bem como sua capacidade de receber (os pagamentos) de seus tomadores, ou o desejo de liquidá-los. Segurança e robustez do sistema financeiro com um todo justificam a regulação da indústria financeiro. Contudo, a regulação de intermediários financeiros, especialmente dos bancos, é custoso, devido aos custos diretos de administração e de emprego de supervisores, além de custos indiretos gerados pela supervisão prudencial, mas pode gerar rendas pala os intermediários regulados, no caso de aumentar as barreiras de entrada e saída do mercado. Em suma, considera-se que o marco regulatório é fundamental na atividade de intermediação financeira e estabilidade do sistema financeiro. Por fim, a abordagem de gerenciamento de risco (Allen e Santomero, 1997, 1999; Scholtens e Wensveen, 2000; 2003), a função principal dos intermediários financeiros é o gerenciamento de risco em suas diferentes formas - maturidade, inadimplência, mercado (taxa de juros e preços dos ativos), etc. A absorção de risco é uma função central dos bancos e das companhias de seguro, permitindo reduzir as incompatibilidades entre poupadores (em média mais avessos ao risco) e investidores (menos avessos ao risco). O pressuposto básico de tal abordagem é que os intermediários financeiros gerenciam riscos de forma mais eficiente e menos custosa do que os demais agentes econômicos. Os intermediários financeiros têm capacidade de absorver riscos uma vez que sua escala permite uma diversificação da carteira de investimentos, entendida como necessária para oferecer segurança requerida pelos 69 poupadores. Deste modo, os intermediários financeiros não são apenas agentes que selecionam e monitoram os tomadores de crédito em nome dos poupadores, se constituindo na realidade em contraparte ativa que oferecem um produto específico que não pode ser oferecido pelos investidores individuais aos poupadores, que é a cobertura de risco. Para tanto, eles usam sua reputação e suas operações de balanço e fora do balanço (Scholtens e Wensveen, 2003). Assim, na perspectiva de teoria moderna de intermediação financeira, um sistema financeiro funcional seria aquele que provê a melhor distribuição de informação para guiar consumidores e poupadores na alocação intertemporal da renda e riqueza, ajudando a superar a assimetria de informações entre poupadores e investidores, e que ao mesmo tempo permite reduzir os custos de transação na atividade de intermediação, contribuindo, assim para a melhor alocação de recursos disponíveis para impulsionar o crescimento (Levine, 1997; Merton, 1993; Schoeltens e Wensveen, 2003). Uma característica comum entre a “velha” e “nova” teoria da intermediação financeira é que ambas as abordagens não fazem distinção entre o comportamento de um banco analisado individualmente e o conjunto do sistema bancário, e ainda, consequentemente, o montante dos empréstimos dos bancos está limitado ao recebimento de depósitos prévios, cujo volume é uma decisão de alocação intertemporal de renda e riqueza dos agentes. Está implícita a visão de que o volume de recursos disponíveis para investimento depende da poupança prévia acumulada, uma vez que o financiamento é obtido pelo investidor quando o banco realiza a intermediação da poupança de algum agente poupador provendo assim ao investidor recursos disponíveis para a acumulação de capital. A abordagem pós-keynesiana, que será vista a seguir, tem uma visão bastante distinta do processo de financiamento da economia. 3.3. Funcionalidade do sistema financeiro ao crescimento econômico: a abordagem pós-keynesiana A análise de Keynes sobre a atividade bancária e o financiamento da economia foi desenvolvida antes e depois da publicação da Teoria Geral. No seu Treatise on Money da Moeda, Keynes (1971) sustentou que a moeda toma a forma de moedacrédito, e que os depósitos bancários são criados no processo de concessão de crédito e 70 não necessariamente primeiro coletados a partir de depósitos existentes 78 . Em outras palavras, a atividade bancária consiste na criação de liquidez, e não na mera transferência de recursos de agentes superavitários para agentes deficitários, para usar a terminologia consagrada de Gurley e Shaw. No Treatise on Money a oferta de moeda é tratada como endógena, uma vez que um aumento na quantidade da moeda para atender o crescimento no produto total requer a aquiescência do setor bancário. O assunto é retomado na discussão pós-Teoria Geral com Ohlin e Robertson sobre a determinação da renda e mais especificamente sobre a relação entre poupança, financiamento e investimento (Keynes, 1937, 1939; entre outros). Não se pretende aqui resgatar tal discussão 79 , mas assinalar que Keynes reafirmou o papel central dos bancos na atividade econômica e no financiamento do investimento e a natureza endógena do processo de criação da moeda bancária: “o financiamento [das empresas] requerido durante o interregno entre a intenção e a implementação do investimento é ofertada principalmente por especialistas, em particular por bancos” (Keynes: 1937, p. 666). Em uma conhecida passagem de um de seus textos, Keynes (1937) faz uma importante distinção entre financiamento e poupança, e assinalou que o investimento não deixará de ser realizado por falta de poupança, mas sim por falta de financiamento: Os bancos detêm uma posição chave na transição de uma escala inferior de atividade para uma mais elevada. Se eles recusam a uma acomodação, um crescente congestionamento do mercado de empréstimos de curto prazo ou do mercado de novas emissões inibirá a melhora (nas condições de financiamento), não importa quão frugal o público se proponha a ser a partir de suas rendas futuras. (....) O mercado de investimentos pode tornar-se congestionado por causa da falta de liquidez, mas nunca se congestionará por falta de poupança. (Keynes, 1937, p. 668-669) Com é sabido, para Keynes (1936, 1937, 1939), em uma economia empresarial a poupança não é pré-condição para investimento, e a igualdade entre poupança e investimento resulta da mudança no nível de renda, sendo que a decisão de investimento precede logicamente a criação da renda. Seguindo o princípio da demanda efetiva, que diz que são os gastos agregados que geram a renda na economia, a poupança (ex-post) não pode financiar nada pois representa apenas a renda não-consumida, inexistente 78 È importante ressaltar que tal concepção faz sentido quando se considera o setor bancário não como um todo e não apenas o banco individualmente. 71 antes da realização do investimento. Investimento é determinado primariamente pelas expectativas empresariais de longo prazo relacionadas às rendas futures de seus ativos de capital. Em um mundo incerto, o sucesso dos negócios depende crucialmente da confirmação das expectativas empresariais, mas isto não ser prognosticado antecipadamente. Assim, investimentos só serão realizados se o “espírito animal” dos empresários estiver desperto, e também se houver disponibilidade de crédito por parte do setor bancário. Em tal economia, o financiamento, que é independente da poupança prévia, precede o investimento: È claro que nada é mais seguro do que o fato de que o crédito ou o ‘financiamento’ requerido pelo investimento ex ante não é principalmente fornecido pela poupança ex ante. Que parte – se é que alguma – é desempenhada por essa poupança, iremos considerar em algum momento. (Keynes, 1937, p. 664) Assim, seguindo o princípio da demanda efetiva, a poupança é o resultado do processo de geração de renda na economia (e não o seu início), não se constituindo em um obstáculo para o investimento: se existe financiamento que permita que o investimento seja realizado, as variações do gasto do investimento provocam variações de tal magnitude na renda agregada que induzem uma variação da poupança desejada pelas famílias no mesmo montante da variação inicial do investimento. Logo, o acréscimo do investimento é financiado fora das poupanças resultantes do processo de geração de renda; não somente o investimento gera a renda maior do que a inicial, como ele também é financiado independentemente da poupança prévia. De fato, a oferta de fundos disponíveis não é determinada pela canalização do fluxo de poupança do período, mas sim pelo estoque de ativos financeiros existentes. Assim, o que se requer para gerar fundos para financiar investimentos é a renúncia a liquidez dos agentes, de modo a adquirir novos títulos ofertados pelos demandantes de fundos, adicionado a capacidade de criação ativa de crédito por parte do setor bancário80 . 79 Ver, a respeito, Carvalho (1996). Keynes (1971), no Treatise on Money, mostra que a criação de depósitos pelos bancos envolve duas dimensões: uma passiva, em que os depósitos são criados quando o público deposita seus recursos no banco e este abre um depósito contra o valor recebido, criando os chamados depósitos primários, cujo volume independe em boa medida do comportamento do banco; e outra ativa, quando o banco cria depósitos derivativos a partir da expansão dos seus ativos, na forma de investimento ou adiantamento, e torna disponíveis os recursos para os agentes para quem pagam ou adiantam recursos na forma de depósitos à vista 80 72 Nas palavras de Keynes: Poupança em uma data prévia não pode será maior do que o investimento naquela data. O maior investimento será sempre acompanhado de maior poupança, mas nunca será precedido por ela. Desentesouramento e expansão de crédito provêm não uma alternativa para uma maior poupança, mas uma necessária preparação para ela. Ele é o pai, e não o gêmeo do incremento da poupança (Keynes, 1939, p. 572, grifos no original). A oferta agregada de financiamento em uma economia monetária é determinada principalmente pelo desejo dos bancos criarem crédito e depósitos correspondentes, e ainda pelo estoque de moeda existente. Keynes (1937) ao analisar o processo de financiamento da formação de capital, descreveu tal processo como tendo duas etapas: uma primeira, no qual a provisão de moeda permite que a despesa de investimento seja implementada (finance), ou seja, a demanda por moeda provida pelo setor bancário no momento em que a firma decide investir; e, uma segunda, no qual a poupança ex post é utilizada para consolidar dívidas para a despesa de investimento. O funding é o processo de transformação de dívidas de curto prazo em obrigações de longo prazo, de modo a tornar compatível a maturidade e montante das obrigações da firma investidora vis-à-vis o retorno esperado dos investimentos. Keynes sugeriu em sua análise um circuito que envolve financiamentoinvestimento-poupança-funding, em que a obtenção de financiamento (moeda) é o início do processo de formação de capital, a poupança é gerada a partir das decisões de investimentos, como resultado do processo multiplicador de renda, enquanto que a poupança ex post poderia ser canalizada para o mercado financeiro para consolidar a dívida de curto prazo das firmas investidoras. Os requerimentos financeiros do processo de formação de capital podem então ser sumarizados da seguinte forma: O empresário quando decide investir, tem que se satisfazer em dois pontos: primeiro, deve poder obter um financiamento de curto prazo suficiente durante o período de produção do investimento; e, em segundo lugar, deve poder eventualmente consolidar, em condições satisfatórias, as obrigações de curto prazo, através de emissões de títulos de longo prazo. Vez ou outra, o empresário pode utilizar-se de recursos próprios ou fazer emissão de longo prazo diretamente, mas isso não modifica o volume de financiamento, que tem que ser encontrado pelo mercado como um todo, mas apenas o canal pelo qual chega o 73 empresário e a probabilidade de que parte do volume possa ser levantada pela liberação de dinheiro do próprio bolso ou do resto do público. Dessa forma, é conveniente ver o processo duplo como o característico” [no financiamento do investimento]. (Keynes, 1937, p. 664) A compra de um bem de capital por parte do investidor, necessária para a materialização do investimento, requer – tal como qualquer outra transação – o acesso a moeda. Em particular, a realização de qualquer gasto planejado requer a criação de moeda, independentemente da natureza do bem transacionado. Keynes chamou de demanda de financiamento (finance) a demanda por moeda que permite a compra de bens de investimento. Finance é um fundo rotativo que não requer a existência prévia de poupança. Se o fluxo de gastos agregados permanece constante, dada a velocidade constante da moeda, o estoque de moeda existente pode financiá-los pela simples troca de mãos de moeda entre agentes na realização das transações, não sendo necessários que os bancos criem novos empréstimos 81 . Contudo, se os gastos agregados vão ser aumentados – por exemplo, se o investimento se expandir gerando uma demanda de moeda para o motivo finance superior aos recursos monetários gerados no período anterior - então é necessária a criação de nova moeda, o que deverá ser feito pelo setor bancário e/ou por um desentesouramento por parte dos agentes em função de um menor preferência pela liquidez por parte desses. Se os bancos suprem o crédito para satisfazer a demanda por moeda, via expansão de suas operações ativas e os agentes abrem mão de sua liquidez (comprando títulos ofertados pelos ofertantes de fundos), as taxas de juros não aumentarão com o aumento do nível de atividade econômica; caso isto não ocorra, alguns investimentos poderão não ser realizados por escassez de financiamento ou sua realização resultará em um aumento na taxa de juros. Quando o banco concorda fazer um empréstimo para um novo projeto de investimento, este empréstimo cria uma obrigação, um depósito correspondente 82 . Se a autoridade monetária acomoda a demanda por reservas dos bancos que surge como um resultado da criação de depósitos via crédito, o finance é gerado. O empréstimo realizado é usado pela firma para pagar o 81 Segundo Carvalho (1997, p. 467, itálicos no original), “Bancos não têm que criar novos empréstimos. O próximo gastador em linha usará a moeda recebida para fazer seus pagamentos. Os depósitos totais não têm que se alterar para que novos pagamentos sejam feitos: eles somente mudam de mãos (...) [Assim] finance no conceito keynesiano não tem nada a ver com poupança ou com o multiplicador. Uma vez que estamos tendo uma fluxo constante de gastos, o finance se constitui em um fundo rotativo”. 74 ofertante do novo equipamento e contratar novos trabalhadores; firmas e trabalhadores, por seu turno, depositam sua renda no setor bancário. Assim, os bancos são capazes de financiar o investimento sem necessidade de poupança prévia. Uma das peculiaridades do investimento em relação a outros ativos é que ele é composto da compra de ativos de longa vida, o que coloca o problema de como consolidá-lo, ou seja, de como torná-lo compatível com o perfil temporal das obrigações da firma investidora. Os fundos para consolidação das dívidas de curto prazo das firmas em uma estrutura de ativos financeiros de mais longo prazo estão disponíveis uma vez que a poupança surge pari passu com o fluxo de investimentos. Embora a poupança seja criada simultaneamente com o investimento, isto não significa que ela torna-se imediatamente e da forma apropriada disponível para consolidar as dívidas dos investidores. Ela pode, por exemplo, ser usada para comprar ativos de curto prazo, se a preferência pela liquidez dos agentes estiver aguçada e/ou não houver instrumentos financeiros adequados para canalizar a poupança para ativos financeiros de longo prazo. A incerteza sobre as taxas de juros futuras pode gerar um sentimento de “urso” (bearish) no mercado de títulos que estimule os poupadores a se manterem líquido. Assim, o funding será dificultado, senão inviabilizado. Se não houvesse incerteza, o circuito finance-investimento-poupança-funding se completaria simultaneamente ao processo de multiplicação de renda; mas em um mundo incerto, o desenvolvimento completo do multiplicador não garante a alocação de poupança nos títulos de longo prazo ou na compra de ações (Studart, 1997). Assim, o problema fundamental de uma economia empresarial não é como gerar a poupança, mas como fazer com que a poupança disponível esteja disponível para permitir a consolidação das dívidas dos investidores. O risco de não ser capaz de consolidar a dívida fica nas mãos do investidor que tomou empréstimos curto para investir em ativos de longa vida. Alternativamente, o investidor pode colocar títulos próprios de longo prazo (ações ou títulos de dívida corporativa) diretamente no mercado financeiro, ou indiretamente vendendo seu título para um banco de investimento, que mais tarde coloca seu próprio título no mercado (Carvalho, 1997, p. 473). Do ponto de vista macroeconômica, o funding tem um o papel de mitigar o crescimento da fragilidade financeira que é inerente a uma economia em crescimento, devido tanto ao aumento no grau de endividamento dos investidores quanto ao 82 No Treatise on Money, Keynes (1930, p. 153) destaca que os próprios bancos “podem comprar ativos, ou seja, aumentar seus investimentos, e pagar por eles na forma de um crédito contra eles mesmos”. 75 descasamento de maturidades entre sua estrutura ativa e passiva (Minsky, 1986). Mercados financeiros têm um importante mas, ao mesmo tempo, ambíguo papel de dar suporte ao crescimento sustentado. Por um lado, eles podem ajudar a transformar as maturidades das firmas quando tais mercados são capazes de fazer a mediação entre os demandantes de títulos e as firmas desejosas de consolidar suas obrigações de curto prazo em dívidas de longo prazo. Cabem as instituições e mercados financeiros o papel de diversificar ativos a serem ofertados aos poupadores e administrar as estruturas passivas e ativas com horizontes de maturação distintos. Assim, a falta de mercados financeiros organizados e bem desenvolvidos pode fazer com que o financiamento tenda a ser de mais curto prazo e o racionamento de crédito pode ocorrer em tempos de crescimento, diminuindo a capacidade de expansão da economia. Conseqüentemente, a posição financeira de firmas e bancos torna-se mais frágil (Studart, 1995-96, p. 283). Por outro lado, os mercados financeiros podem ser uma fonte de instabilidade criada a partir da ação de especuladores. Tal comportamento é necessário para dar liquidez aos títulos no mercado secundário, pois este só existe se houver agentes apostando em direção contrária em relação aos preços dos ativos. Contudo, quando a ação dos especuladores domina os mercados financeiros, as práticas de curto prazo determinam o ritmo dos preços dos ativos. A especulação é uma atividade de prever a psicologia do mercado. Em uma economia empresarial, a organização de mercados financeiros enfrenta um trade-off severo entre liquidez e especulação, como Keynes apontou na capítulo 12 de sua Teoria Geral. Em suas palavras: (…) a maioria dessas pessoas está, de fato, muito preocupada não em fazer uma avaliação superior de longo prazo de um provável rendimento de um investimento em sua vida útil total, mas em prever mudanças na base convencional de avaliação em um curto tempo a frente do público geral. Elas estão preocupadas não no que o investimento irá valer para a pessoa que o compra ‘para mantê-lo’, mas naquilo que o mercado irá estimar, sob a influência da psicologia de massa, três meses ou um ano a frente. (Keynes, 1936/2007, p.154-5) A função primária dos mercados financeiros secundários é prover liquidez aos ativos financeiros, que envolve a habilidade de comprar e revender ativos em um mercado bem organizado, onde ativos financeiros podem ser prontamente revendidos. 76 Uma vez que os mercados provêm liquidez aos ativos, esta característica facilita o uso desses ativos para financiar o investimento assim como podem encorajar os poupadores a proverem o funding necessário que estimula as firmas a gastarem seus recursos monetários em novos projetos de investimentos produtivos 83 . A canalização da poupança para títulos de maturidade mais longa tem o papel de equilibrar as posições patrimoniais do investidor em função do já mencionado descasamento entre a maturidade da dívida bancária de curto prazo e a vida útil do ativo de capital. A “desfuncionalidade” do sistema financeiro em relação às necessidades do desenvolvimento econômico pode ter conseqüências desfavoráveis para a dinâmica de crescimento da economia. De fato, em períodos marcados por expectativas pessimistas de longo prazo (Keynes, 1936/2007, cap.12), qualquer progresso no processo de crescimento econômico tende a ser evitado tanto porque o investimento espontâneo é limitado quanto pela falta de fontes adequadas de financiamento na economia. Na ausência de instituições e mercados financeiros desenvolvidos, em período de expectativas otimistas, em função da escassez de fontes apropriadas de financiamento, os investimentos planejados podem ser financiados por alguma combinação entre ações, crédito de curto prazo e, em função da disponibilidade e condições, de empréstimos externos. Neste caso, a estrutura inadequada de financiamento do investimento será caracterizada pelo maior grau de descasamento de prazos e moedas, e, conseqüentemente, de maiores riscos na economia (Hermann e Paula, 2011). Assim, na ausência de um sistema financeiro funcional a um crescimento financeiramente estável, cada ciclo de crescimento será acompanhado de uma maior fragilidade financeira doméstica e/ou externa 84 (Minsky, 1986; Paula e Alves Jr, 2000). Esta condição aumenta o risco do ciclo de crescimento ser interrompido devido a uma crise bancária e/ou crise cambial. O conceito de “funcionalidade do sistema financeiro”, a partir de uma perspectiva teórica pós-keynesiana, foi formulada por Studart (1995-96), para quem: 83 Alternativamente, a falta de mercados secundários pode inibir o desenvolvimento de mercados financeiros. Ver, a respeito, Alves Jr et al (2000). 84 Como visto no capítulo 2, para Minsky (1982, 1986), a própria dinâmica do processo de crescimento econômico leva as firmas a se tornarem crescentemente endividadas para expandir o investimento. Existe, assim, uma tendência inerente das estruturas financeiras capitalistas em se moverem de estado de robustez para um estado de fragilidade ao longo do tempo. Isto ocorre em função das mudanças nas expectativas dos agentes que ocorre ao longo do ciclo econômico, e a forma como esta mudança é transmitida através do sistema financeiro. As flutuações cíclicas da economia resultam da maneira como as firmas financiam suas posições de carteira, com a fragilidade se elevando em períodos de crescimento devido ao aumento do número de agentes com posturas especulativas. 77 [Um] sistema financeiro é funcional para o processo de desenvolvimento quando ele expande o uso de recursos existentes no processo de desenvolvimento econômico com um mínimo aumento possível na fragilidade financeira e outros desequilíbrios que possam deter o processo de crescimento por razões puramente financeiras. (Studart, 1995-96, p. 64) Ou seja, um sistema financeira funcional é aquele capaz de prover financiamento (finance) que permite os empresários a fazer gastos com investimentos e que canaliza poupança para, direta ou indiretamente, fundar suas dívidas mais tarde (funding). Studart (1995-96) define a eficiência dos sistemas financeiros em duas dimensões. Na dimensão macroeconômica, a eficiência do sistema financeiro deve ser avaliada em quão bem ele desempenha as funções de finance e funding, ou seja, de como dá suporte a um crescimento financeiramente estável. Já na dimensão microeconômica, a eficiência do sistema financeiro está relacionada a habilidade de prover as funções acima ao menor custo possível. Assim, um sistema financeiro pode desempenhar razoavelmente suas funções de financiamento, mas mantendo altos custos de intermediação ou financiamento projetos de futuro duvidosos; alternativamente, ele pode ser tecnologicamente sofisticado e eficiente operacionalmente, mas altamente ineficiente do ponto de sua funcionalidade macroeconômica. Existe claramente uma dimensão de Keynes (resolver o problema de financiamento dos investimentos) e uma dimensão de Minsky (redução da fragilidade financeira da economia) envolvida no conceito de funcionalidade do sistema financeiro. De fato, a funcionalidade do sistema financeiro não está relacionada a simplesmente estimular cada round do desenvolvimento econômico, mas sim se trata de uma condição fundamental para o crescimento de longo prazo. Uma importante conseqüência da abordagem teórica aqui desenvolvida é que embora as decisões de investimento sejam determinadas pelas expectativas empresariais de longo prazo, o desenvolvimento do sistema financeiro é muito importante para dar suporte ao desenvolvimento econômico. Não se pode esperar que tais instrumentos financeiros sejam criados espontaneamente por mercados financeiros privados, especialmente no caso de países em desenvolvimento. 78 3.4. Estruturas financeiras alternativas e mudanças recentes no sistema financeiro Quando sugeriu o esquema de financiamento finance-funding, Keynes estava pensando em um sistema financeiro com especialização institucional do tipo anglosaxão, então vigente na Inglaterra e nos EUA, onde se tem uma dicotomia entre bancos, criadores de finance, e mercados de capitais, onde as firmas investidores podem emitir diretamente seus títulos corporativos com vista a realização do funding, ou podem ainda se utilizar de intermediários financeiros (bancos de investimento) que levantam no mercado capital dos poupadores em nome das firmas investidores que emitem ações ou títulos de dívida. Assim, neste modelo (até pelo menos o processo de desregulamentação dos anos 1990), os bancos comerciais são tipicamente os agentes principais no fornecimento de liquidez necessária para início do processo de investimento (finance), enquanto que os bancos de investimento desempenham o papel de auxiliar no processo de financiamento, realizando a subscrição dos títulos das empresas investidoras ou mantendo em carteira títulos (ações e títulos de dívida) das empresas financiadas. Para o desenvolvimento do mercado primário de títulos, entretanto, é fundamental a existência de um mercado secundário denso 85 que dê liquidez aos títulos emitidos primariamente, pois isto estimula que os “poupadores” comprem títulos de maturidade mais longa. Como já ressaltado anteriormente, os especuladores têm um papel importante em dar liquidez aos mercados financeiros, ainda que sua ação possa instabilizar os preços em tais mercados. Cabe assinalar que a poupança adicional gerada pelo processo multiplicador de renda deverá ser canalizada através do mercado financeiro para que o funding das empresas possa ser realizado, mas para tanto é necessário a existência de instrumentos financeiros apropriados para tanto. O Quadro 3.1 mostra um fluxograma que sintetiza o circuito de financiamento em um sistema financeiro funcional ao crescimento econômico financeiramente estável em uma estrutura financeira baseada no modelo anglo-saxão. 85 Um mercado secundário denso é aquele em que funcione um mercado de revenda que permita a venda de um título o mais prontamente possível com a menor perda possível em seu valor. 79 Quadro 3.1: Circuito de financiamento no modelo anglo-saxão BANCOS BANCO DE INVESTIMENTO FINANCE UNDERWRITING CONSUMO INVESTIDOR RENDA MULTIPLICADOR POUPANÇA FUNDING MERCADO PRIMÁRIO MERCADO SECUNDÁRIO LIQUIDEZ ESPECULADOR Fonte: Adaptado de Carvalho et al (2007, p.334). A validade do circuito de financiamento finance-funding, contudo, não depende de uma estrutura financeira especializada, como era típica até recentemente no sistema financeiro norte-americano. Em qualquer economia capitalista, o processo de formação de capital começa com a provisão de liquidez, através da oferta de financiamento (finance) e conclui com a geração e alocação da poupança para a realização do funding das empresas investidoras. Portanto, diferentes formas de organização do sistema financeiro devem constituir formas específicas que permitam que as duas funções – finance e funding – sejam realizadas (Carvalho, 1997, p. 475-76). Assim, a funcionalidade de qualquer sistema financeiro não pode ser assegurada, nem qualquer política proposta, sem uma análise mais apurada das instituições existentes no país e seu papel em financiar a acumulação de capital. No caso de sistemas financeiros não-segmentados, também conhecidos como “modelo alemão”, o mercado de capitais é débil e não se constitui em uma fonte importante de financiamento das firmas, havendo o predomínio da forma de financiamento indireto, com uma concentração das funções de provimento de liquidez e de financiamento de longo prazo para a realização do funding em uma única instituição bancária, conhecida como “banco universal”. Esta atua simultaneamente como banco comercial e banco de investimento, internalizando em uma única instituição financeira 80 serviços de diferentes espécies. Assim o banco universal desempenha ambas as funções (finance e funding), ainda que possa haver uma distinção interna entre tais funções. Na Alemanha, por exemplo, existiam limites estritos para o uso de fundos de curto prazo para comprar ou ofertar ativos de longo prazo por parte dos bancos, devendo os fundos de longo prazo ser obtido pela colocação de títulos/certificados bancários. A experiência dos países desenvolvidos mostra que não existe um modelo de sistema financeiro ideal para dar suporte ao desenvolvimento econômico. Na realidade, as características histórico-institucionais acabam por moldar em grande medida o desenvolvimento do sistema financeiro em cada país. Zysman (1983) sugeriu uma taxonomia, um pouco diferente da analisada acima (sistemas financeiros segmentados com especialização institucional e sistemas financeiros não-segmentados), dividida em dois grandes tipos: sistema financeiro com base no mercado de capitais (capital market- based system) e sistema financeiro com base no crédito bancário (credit-based financial system): o primeiro tem uma importante participação de instrumentos diretos de financiamento (ações e títulos de dívida) como fonte de financiamento de longo prazo, a existência de instrumentos e mercados financeiros diversificados, e a presença de um mercado de crédito bancário de curto prazo; no segundo o mercado de capitais é fraco, normalmente há baixa especialização institucional e existe uma predominância do financiamento indireto, ou seja, do crédito bancário como principal forma de financiamento da economia. Sistemas financeiros com base no crédito podem ainda ser subdivididos em dois tipos: sistema financeiro controlado por grandes grupos financeiros autônomos (tipo alemão) e sistema controlado por organismos de governo (tipo francês). O Quadro 3.2 apresenta algumas características das estruturas financeiras, de acordo com a taxonomia, já bastante consagrada, sugerida por Zysman. Zysman (1983) assinalou que, do ponto de vista histórico, tanto o sistema baseado no mercado de capitais quanto o sistema baseado no crédito têm sido bem sucedido para dar sustentação ao desenvolvimento econômico. Sua análise mostra ainda que nem todos os países combinaram desenvolvimento financeiro com crescimento econômico de forma sincronizada. Entre os países desenvolvidos, somente a GrãBretanha, USA e Alemanha o fizeram, sendo que, como já destacado, nos dois primeiros casos com um sistema baseado no mercado de capitais, e no segundo em um sistema baseado no crédito, organizado ao redor do banco universal. Todos os países industrializados ou em desenvolvimento que realizaram ou aprofundaram o seu processo de industrialização no pós-2ª Guerra Mundial tiveram como suporte um 81 sistema financeiro baseado no crédito de algum modo controlado por organismos de governo, a cargo de grandes bancos públicos e/ou agências de desenvolvimento, muitas vezes em parceria com grandes bancos privados 86 . Gerschenkon (1962) já havia assinalado que a industrialização de países “atrasados” não é um processo gradual e contínuo, sendo, em especial, necessária com freqüência uma ação estatal mais efetiva em prol da industrialização. Sem dúvida, um dos mecanismos frequentemente utilizado para dar suporte ao desenvolvimento industrial tem sido o financiamento público 87 . Quadro 3.2: Taxonomia dos sistemas financeiros, segundo Zysman Sistemas financeiros com base no mercado de capitais Sistemas financeiros com base no crédito bancário • Estrutura financeira diversificada com • Baixa especialização institucional e especialização das instituições em pouca variedade de instituições financeiras segmentos distintos do mercado • Mercado de capitais é fraco como • Diversificação dos instrumentos e fonte de financiamento das firmas mercados financeiros • Forte predomínio de formas indireta de • Forte predomínio de formas diretas de financiamento financiamento • Financiamento de investimentos • Existência de mercados secundários assume a forma predominante de bem organizados e sólidos que permitam empréstimos bancários de longo prazo conferir liquidez aos títulos • Sistema financeiro controlado por • Securities (ações e títulos) são as organismos do governo (tipo francês) principais fontes de financiamento de • Sistema financeiro controlado por longo prazo grandes grupos financeiros autônomos • Bancos atuam basicamente no (tipo alemão) segmento de crédito de curto prazo (crédito pessoal e capital de giro). Fonte: Elaboração própria com base em Zysman (1983). As estruturas do sistema financeiro, sistemas financeiros segmentados ou sistemas financeiros baseados no banco universal, têm se alterado substancialmente em função das mudanças e desenvolvimentos recentes no sistema financeiro mundial, que têm resultado em boa medida do processo de desregulamentação financeira e dos desenvolvimentos tecnológicos em comunicações e informática. Em particular, o processo de desregulamentação financeira que ocorreu nos EUA nos anos 1980 e 1990 86 Mesmo no caso do Japão, onde predominaram bancos privados as linhas de financiamento de longo prazo eram subsidiadas pelo governo. 82 erodiu gradualmente as fronteiras que mantinham segmentados os distintos segmentos do sistema financeiro. Entre as tendências recentes do sistema financeiro, cabe destacar o desenvolvimento de instrumentos de securitização de dívidas, que resulta da acumulação de constrangimentos regulatórios sobre a atividade de empréstimo bancário, e que tem levado a um crescimento de formas de financiamento direto no mercado financeiro por parte de empresas e bancos; a emergência de investidores institucionais (seguradoras, fundos de pensão, fundos de investimento etc), que passam a ser um demandador importante de títulos de maturidade mais longa, se tornando grandes ofertantes de recursos (e conseqüentemente serve de estímulo para securitização); desenvolvimento do mercado de derivativos 88 , instrumentos que se desenvolveram principalmente a partir dos anos 1970 em função da maior volatilidade da taxa de juros e da taxa de câmbio, e que permitem decompor e negociar em separado os riscos que cercam uma dada transação financeira, mas que podem também servir como instrumento de especulação financeira; o declínio dos bancos comerciais e universalização dos bancos 89 , que passam a diversificar suas atividades para além da atividade de intermediação financeira propriamente dita, incluindo atividades típicas de bancos de investimento, entre outras 90 . O Quadro 3.3 mostra as tendências recentes de mudanças no sistema financeiro, em particular suas causas e características. Os efeitos sobre a disponibilidade e condições de financiamento das empresas são um pouco ambíguos. Por um lado, tais tendências contribuem para aumentar a oferta de financiamento quando comparado aos sistemas financeiros anteriores, em função das oportunidades criadas pela securitização, emergência de fundos de mercado monetário e diversificação da atuação dos bancos que passam também a atuar como promotores e garantidores da colocação dos títulos das empresas. Assim, em tese, as funções finance e funding do sistema financeiro deveriam ser beneficiadas por tais mudanças. Por outro lado, a desregulamentação financeira, tanto doméstica quanto internacional (fluxo de capitais entre países), aumenta o potencial de especulação por parte dos investidores e instituições financeiras que passa a se dar entre diferentes 87 Ver Hermann (2011) para uma análise da discussao teórica sobre o papel dos bancos públicos nos sistemas financeiros de países desenvolvidos e países em desenvolvimento. 88 A colocação de títulos, especialmente a dívida, por parte de empresas e governos beneficiou-se da possibilidade de decompor seus riscos e formar seus preços de forma mais acurada. 89 A reestruturação bancária que vêm ocorrendo desde os anos 1980 tem acarretado nos países desenvolvidos uma diminuição da importância relativa dos depósitos a vista com fonte de recursos dos bancos, diminuição na margem líquida de juros e aumento nas receitas não-financeiras dos bancos. Ver, a respeito, Paula (2011, cap. 7). 90 Para um aprofundamento, ver Carvalho et al (2007). 83 mercados domésticos e entre diferentes segmentos dos mercados financeiros dos países. Isto abre espaço para contágios, comportamento de manada, etc., o que pode resultar em maior volatilidade das variáveis macroeconômicas como taxa de juros e taxa de câmbio, sobretudo em países com sistemas financeiros pouco densos vis-à-vis ao volume de fluxos de capitais entre países. Quadro 3.3: Tendências recentes de mudanças no sistema financeiro • Fenômeno Derivativos Causas • Volatilidade de juros e câmbio • • Securitização Novos riscos • Constrangimentos regulatórios sobre empréstimos • Aumento nos custos dos empréstimos bancários • Investidores Institucionais Características • Mecanismo de transferência e gestão de risco • Gestão de riscos bancários • Crise do Welfare State • Novas Oportunidades de Investimento • Desintermediação • Redução dos custos dos empréstimos • Grandes ofertantes de recursos • Administração profissional de recursos • Novos instrumentos de financiamento • Declínio dos Bancos • Regulação dos juros dos Comerciais e Tendência depósitos bancários a Universalização dos • Ascensão da securitização Bancos e investidores institucionais • Aumento da regulamentação sobre atividades bancárias • Bancos passam a atuar como brookers • Limitação do papel do crédito como mecanismo de financiamento • Expansão do escopo dos serviços bancários • Competição de outras instituições financeiras a partir da desregulamentação financeira Fonte: Elaboração própria do autor. A recente crise financeira internacional mostra o perigo de se confiar no funcionamento de um sistema financeiro desregulamentado. No mercado de títulos, como já assinalado, desenvolveram-se mecanismos de securitização, estimulados pelo 84 crescimento de investidores institucionais, em que firmas e bancos se financiam “empacotando” rendas a receber. Uma vez que a securitização permitia a diluição de riscos no mercado, as instituições financeiras passaram a aumentar sua alavancagem, supondo que os mecanismos de auto-regulação do mercado seriam capazes de continuar avaliando corretamente os riscos inerentes às atividades financeiras. 91 A crise do subprime – mercado de financiamento imobiliário de maior risco – acabou por expressar todas as contradições deste processo. A necessidade de ampliação de escala levou as instituições financeiras a incorporarem segmentos de baixa renda em condições de “exploração financeira” – no caso do subprime, com taxas de juros variáveis (baixas no início e se elevando ao longo do tempo) – que acabou resultando em um processo de estrangulamento financeiro do tomador de crédito. A securitização, que serviria para diluir riscos, na prática serviu para esconder riscos – títulos lastreados em hipotecas eram emitidos por instituições financeiras de grande porte, sendo tais ativos classificados como grau de investimento por uma agência de rating. Tais ativos, como resultado da globalização financeira, passaram, por sua vez, a ser comprados por investidores de diferentes nacionalidades. Criaram-se, assim, novos instrumentos financeiros que não foram devidamente regulamentados pelas autoridades monetárias. Mecanismos de auto-regulação mostraram-se falhos devido ao caráter pró-cíclico da tomada de risco: projetos que eram considerados ruins na desaceleração passaram a ser visto como bons no boom cíclico. Como os mercados financeiros desregulamentados não são eficientes, na ausência de regras que estabilizem os referidos mercados, as atividades especulativas e a valorização financeira da riqueza afloram naturalmente. Isto porque a liberalização dos mercados financeiros e a existência de novos instrumentos financeiros (como derivativos) ampliaram a possibilidade de realização de atividades especulativas, dando origem a uma espécie de grande “cassino global”92 . 3.5. Conclusão Este capítulo mostrou que enquanto que na teoria convencional o sistema financeiro “funcional” é aquele que provê a melhor distribuição de informação para guiar consumidores e poupadores na alocação intertemporal da renda e riqueza, e que ao mesmo tempo permite reduzir os custos de transação na atividade de intermediação, 91 92 Para um aprofundamento, ver Carvalho e Kregel (2008). Para uma análise da crise financeira internacional de 2008/2009, ver Ferrari-Filho e Paula (2010). 85 na perspectiva pós-keynesiana um sistema financeiro é macroeconomicamente eficiente é aquele com poder de criação de crédito para atender a demanda de liquidez necessária para realização dos gastos pelos agentes, e com capacidade de criar mecanismos financeiros apropriados para realização da consolidação das dívidas das firmas inversoras. Deste modo, ele pode permitir um ritmo de acumulação a um nível superior àquele que seria viável pela simples acumulação de poupanças prévias. O papel do sistema financeiro, entretanto, é dúbio para o crescimento: ao mesmo que pode potencializar o crescimento, provendo liquidez e instrumentos adequados para realização do funding, ele pode ser instrumento de especulação, com efeitos deletérios para o crescimento do produto e do emprego. Isto porque, como salientou Minsky (1982, 1986), economias capitalistas em expansão se tornam crescentemente frágeis financeiramente devido à tendência inerente das estruturas financeiras capitalistas em se moverem de estado de robustez para um estado de fragilidade ao longo do tempo, que ocorre em função das mudanças nas expectativas dos agentes ao longo do ciclo econômico, e a forma como esta mudança é transmitida através do sistema financeiro, já que os bancos tendem a sancionar o declínio nas margens de segurança das firmas. Isto coloca a necessidade de se efetuar uma discussão aprofundada sobre critérios de regulação do sistema financeiro, que, ao mesmo tempo, em que iniba a especulação e operações financeiras opacas no sistema financeiro, não seja demasiado inibidor da expansão das atividades do setor bancário e do mercado de capitais. A partir da perspectiva pós-keynesiana pode-se levantar algumas questões importantes relacionadas ao financiamento de economias em desenvolvimento. Em primeiro lugar, um sistema financeiro pode ser funcional do ponto de vista microeconômico (em termos operacionais e tecnológicos), mas não ser do ponto de vista macroeconômico, ou seja, no sentido de permitir um processo de expansão de uma economia financeiramente estável 93 . Em economias capitalistas em expansão, sobretudo economias em desenvolvimento, as instituições financeiras podem crescer sua lucratividade ofertando financiamento de curto prazo, sem que tenham, contudo, estímulo para financiar posições financeiras das firmas de mais longo prazo, em função da baixa sofisticação destes mercados e das elevadas incertezas que caracterizam tais economias (que freqüentemente inibem relações financeiras de longo prazo em função de seus elevados riscos). Conseqüentemente, as firmas para expandirem suas atividades 93 Este foi o caso do sistema financeiro brasileiro, em particular nos anos 1980 e 1990, quando a relação crédito/PIB caiu dramaticamente, ao mesmo tempo em que o mercado de capitais pouco se desenvolveu. 86 em uma economia em crescimento têm que recorrer a renovação de crédito de curto prazo, autofinanciamento e endividamento externo para implementar seus projetos de investimento, no que resulta em um aumento da fragilidade financeira dessas unidades. Em segundo lugar, o conceito de funcionalidade do sistema financeiro supõe a existência de uma estrutura diversificada de instituições e instrumentos financeiros, que possam oferecer alternativas de financiamento para os agentes realizarem seus gastos. Contudo, no caso dos países em desenvolvimento, caracterizados pela existência de sistemas financeiros ainda subdesenvolvidos e incompletos 94 e por incertezas bem maiores do que nos países desenvolvidos (aumentando os riscos da atividade financeira), a questão de criação de condições apropriadas para coordenar e sustentar uma maior expansão econômica e uma distribuição de renda mais justa emerge naturalmente. Não há razão para supor que os mecanismos de financiamento e sobretudo de funding surjam espontaneamente pelo simples funcionamento do livre mercado. Isto pode abrir em muitas circunstâncias a necessidade de se ter um papel mais ativo do Estado como regulador e/ou financiador do desenvolvimento, de modo a propiciar uma alocação de recursos e riqueza mais eficiente na economia. 94 Mercados incompletos são definidos amplamente como pela situação no qual segmentos do sistema financeiro (por exemplo, financiamento de longo prazo) não se desenvolvem por falta do desinteresse dos agentes seja do lado da demanda seja do lado da oferta deste sistema. 87 CAPÍTULO 4 SISTEMA FINANCEIRO E O FINANCIAMENTO DA INOVAÇÃO 4.1. Introdução 95 Em uma resenha da literatura sobre a relação entre finanças e inovação, O´Sullivan (2006, p. 241) destacou que “economistas contemporâneos de inovação têm negligenciado fortemente a relação entre finanças e inovação”, e que, portanto, “a troca intelectual entre economistas evolucionários e economistas financeiros parece ser a melhor rota para um melhor entendimento entre a relação entre finanças e inovação”. Um caminho interessante e promissor para o fechamento deste gap entre análise da inovação e análise do funcionamento do sistema financeiro pode ser uma busca de interação entre a abordagem de Schumpeter e a de Keynes, por um lado, e entre a abordagem neoschumpeteriana e a perspectiva pós-keynesiana 96 , de outro. Isto porque enquanto que a abordagem de Schumpeter e neoschumpetariana destaca o papel fundamental da inovação na dinâmica do desenvolvimento econômico, a abordagem de Keynes e pós-keynesiana, por sua vez, destaca a importância do sistema financeiro no desenvolvimento econômico. Ademais, em ambas as perspectivas o mercado não é auto-regulado pelo seu livre funcionamento, as decisões relacionadas a expectativas de longo termo, como inovação e investimento produtivo, estão sujeitas a incerteza radical, sendo que as forças da inovação (na abordagem neoschumpetariana) e as forças financeiras (na abordagem pós-keynesiana) têm caráter disruptivo na economia. Embora alguns autores destaquem uma interação entre tais abordagens, os trabalhos existentes buscam em geral integrar e mostrar similaridades entre Keynes e Schumpeter em relação à análise da importância do papel do mercado de crédito e dos bancos, ou seja, na elaboração de uma teoria que dê suporte a tese da não-neutralidade da moeda, uma vez que não só Keynes mas também Schumpeter desenvolveu uma análise original sobre o papel do crédito nas economias capitalistas, que, em que pese 95 Agradeço as sugestões feitas por Jennifer Hermann e Norberto Martins a este capítulo, isentando-os de erros e omissões remanescentes. 96 Evidentemente há ampla literatura relacionada a essas visões. Na perspectiva neochumpeteriana, ver, entre outros, Dosi et al (1988), Fagerberger et al (2006) e Hanusch e Pyka (2007), e na perspectiva póskeynesiana, ver, por exemplo, Minsky (1986), Carvalho (1992) e Davidson (2002). 88 algumas diferenças importantes, têm semelhanças em vários aspectos (Nassica, 2002; Bertocco, 2007). O objetivo deste capítulo é examinar a interação entre financiamento e sistema financeiro e a dinâmica da inovação a partir de uma análise que busque integrar algumas contribuições tanto da abordagem neoschumpeteriana quanto da perspectiva póskeynesiana. Agregando-se a essas, procuramos também secundariamente incorporar uma dimensão institucionalista de análise do financiamento e estruturas financeiras, na linha desenvolvida originalmente por Zysman (1983). Ressalta-se que este capítulo tem um caráter eminentemente exploratório e que não se pretende aqui desenvolver uma teoria mais elaborada e integrada entre tais abordagens, mas apenas apontar algumas possibilidades de análise na relação entre financiamento e inovação. O capítulo está dividido em quatro seções, além desta introdução. Na seção 4.2 desenvolvem-se brevemente as contribuições de Keynes e Schumpeter sobre crédito e investimento e algumas possíveis interações. A seção 4.3, por seu turno, analisa a relação entre financiamento, investimento e inovação a partir de uma perspectiva keynesiana-schumpeteriana. Já a seção 4.4 discute o conceito de funcionalidade do sistema financeiro e as tipologias dos sistemas financeiros, e sua relação com as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Por fim, a seção 4.5 sumaria e conclui o capítulo. 4.2. Schumpeter e Keynes sobre crédito, inovação e investimento: uma breve análise Em seu livro “Teoria do Desenvolvimento Econômico” (TDE), publicado originalmente em alemão em 1911, Schumpeter (2010) define a inovação como uma aplicação industrial ou comercial de alguma coisa nova, tais como produtos e processos, novos tipos de organização ou novos mercado, e destaca a importância da inovação como estimulo primário fundamental para o processo de desenvolvimento econômico. O “fluxo circular” corresponde a um estado estacionário (ou lentamente mutável, em função das variações nos “dados” (população, nível de consumo, etc.), em que os produtores e consumidores estão em equilíbrio e no qual não existe inovações e no qual moeda e crédito não importância relevante. A ruptura do estado estacionário ocorre por intermédio das inovações, que dão início ao processo de “desenvolvimento econômico”. Ao introduzir a inovação - definida pelo deslocamento da função de produção ou 89 criação de novas combinações produtivas - no fluxo circular, abre-se novas perspectivas de lucros que geram uma seqüência de alterações no comportamento dos agentes econômicos, que acaba gerando uma segunda onda de investimentos imposta pela primeira. Portanto, mudanças que ocorrem na produção são conseqüência das inovações realizadas por empresários inovadores, constituindo as inovações o “impulso fundamental que aciona e mantém em movimento a máquina capitalista”. Um segundo elemento do processo de desenvolvimento econômico é a criação de moeda pelos bancos através de crédito. Na TDE Schumpeter sustenta que a inovação é financiada através da criação de crédito, que, por sua vez, não precisa ser baseado no estoque de moeda existente. Assim, nas palavras de Schumpeter (2010, p.106): A função essencial do crédito em nossa visão consiste em habilitar o empresário a retirar de suas utilizações anteriores os bens de produção de que precisa, ativando uma demanda com eles, e forçando assim o sistema econômico dentro de novos canais. Nossa segunda tese agora de coloca: na medida em que o crédito não puder se concedido a partir dos resultados de empreendimento passado ou, em geral, a partir de reservatórios de poder de compra criados pelo desenvolvimento passado, só pode consistir de meios de pagamentos creditícios criados ad hoc, que não podem ser respaldados pela moeda em sentido estrito, nem por produtos já existentes. Para Schumpeter o crédito é um dos elementos básicos do processo de desenvolvimento econômico e é visto como “um complemento monetário da inovação”. Em particular, o crédito torna-se um fator necessário para o desenvolvimento quando as inovações são feitas por novos empresários que não tem seus próprios meios de produção. Assim, através da criação de moeda bancária, os bancos concedem aos empresários-inovadores o poder de compra necessário para desviar os recursos de seus usos tradicionais, permitindo que as inovações ocorram. É importante destacar que para Schumpeter a oferta de crédito bancário não depende da existência de poupança prévia. Neste sentido, “poupança propriamente dita vem a ser menos importante do que a doutrina comumente dá a entender” e que, portanto, [c]omo a inovação é descontínua e envolve uma mudança considerável e no capitalismo concorrencial é tipicamente incorporada as novas firmas, ela exige grandes gastos antes do aparecimento de qualquer renda, razão pela qual o 90 crédito se transforma num elemento essencial do processo. E não podemos recorrer a poupança a fim de explicar a existência de um fundo do qual venham surgir esses créditos, pois “tal procedimento implicaria a existência de lucros prévios. (Schumpeter, 1984, p.183) No capitalismo trustificado começa a reduzir o papel do crédito: embora a criação de crédito ainda tenha um papel a desempenhar, tanto o poder de acumular reservas quanto o acesso direto ao mercado financeiro tendem a reduzir a importância deste elemento na vida das empresas oligopolistas. Assim, no livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia” (CSD), publicado originalmente em 1942, a atividade inovativa deixa de ser dominada de novas firmas e passa a ser dirigida por atividades de grandes empresas industriais, tornando, portanto, o progresso tecnológico crescentemente o resultado de “times de treinados especialistas que tornam-se o que é requerido e fazem seu trabalho de forma esperada” (Schumpeter, 2011, p. 132). Portanto, Schumpeter se move do capitalismo competitivo mais característico do século XIX, ainda presente em sua TDE, de 1911, para o capitalismo trustificado do século XX, presente no seu livro CSD de 1942. Keynes, por sua vez, desenvolveu uma teoria monetária que fazia uma distinção importante entre economia cooperativa ou de troca e economia monetária ou empresarial, no qual na primeira as decisões de produção e distribuição são feitas conjuntamente por todos os produtores, e os meios de pagamento são pagos com bens ou alguns meios de pagamento, de tal modo que a renda monetária será toda gasta e igual ao produto corrente (i.e., vale a Lei de Say); já a economia monetária é uma economia descentralizada, em que os agentes são organizados para a produção e onde os bens são distribuídos através do mercado entre unidades independentes. Em uma economia monetária, a moeda ao invés de ser uma mera conveniência temporária, joga papel próprio e afeta motivos e decisões dos agentes, não sendo neutra nem no curto (quanto estoque de capital é dado) nem no longo período. Ou seja, a moeda afeta não apenas decisões de produção ou de oferta de trabalho, mas também as formas e ritmo da acumulação, determinante principal de equilíbrio de longo período (Carvalho, 1992, cap.3). Logo, a presença da moeda é um elemento necessário que justifica a existência de equilíbrio com desemprego involuntário na economia. Em uma economia monetária, o setor bancário moderno tem um papel fundamental enquanto provedor da liquidez necessária para que os agentes realizem 91 seus gastos. Keynes (1971), no seu Treatise on Money, mostrou que os bancos são capazes de fazer tanto criação passiva de moeda quanto criação ativa de moeda, sendo que neste último caso a moeda bancária (depósitos) é criada através da concessão de empréstimos e não a partir de depósitos coletados previamente (com no primeiro caso). Já na sua discussão com Ohlin e Robertson, após a publicação da Teoria Geral, fez uma importante distinção entre financiamento e poupança, e assinalou que o investimento não deixará de ser realizado por falta de poupança, mas sim por escassez de financiamento, conforme visto no capítulo anterior (Keynes, 1937). Para Keynes (1937, 1964), a poupança não é pré-condição para investimento, e a igualdade entre poupança e investimento resulta da mudança no nível de renda, sendo que a decisão de investimento precede logicamente a criação da renda. Investimento é determinado primariamente pelas expectativas empresariais de longo prazo relacionadas às rendas futures de seus ativos de capital. Em um mundo incerto, o sucesso dos negócios depende crucialmente da confirmação das expectativas empresariais, mas isto não ser prognosticado antecipadamente. Logo, investimentos só serão realizados se o “espírito animal” dos empresários estiver desperto, e também se houver disponibilidade de crédito por parte do setor bancário. A oferta agregada de financiamento em uma economia monetária é determinada principalmente pelo desejo dos bancos criarem crédito e depósitos correspondentes, e ainda pelo estoque de moeda existente. Como visto no capítulo 3, Keynes (1937), ao analisar o processo de financiamento da formação de capital, descreveu tal processo como tendo duas etapas: uma primeira, no qual a provisão de moeda permite que a despesa de investimento seja implementada (finance), ou seja, a demanda por moeda (liquidez) provida pelo setor bancário no momento em que a firma decide investir; e, uma segunda, no qual a poupança ex post é utilizada para consolidar dívidas para a despesa de investimento. O funding é assim o processo de transformação de dívidas de curto prazo em obrigações de longo prazo, de modo a tornar compatível a maturidade e montante das obrigações da firma investidora vis-à-vis o retorno esperado dos investimentos. Já o finance é um fundo rotativo que não requer a existência prévia de poupança: se o fluxo de gastos agregados permanece constante, dada a velocidade constante da moeda, o estoque de moeda existente pode financiá-los pela simples troca de mãos de moeda entre agentes na realização das transações, não sendo necessário que os bancos criem novos empréstimos; contudo, se os gastos agregados vão ser aumentados (expansão dos 92 investimentos), então é necessária a criação de nova moeda, o que deverá ser feito pelo setor bancário e/ou por um desentesouramento por parte dos agentes. Para concluir esta seção, buscaremos destacar algumas semelhanças mais gerais entre a abordagem de Schumpeter e de Keynes em relação a moeda e crédito, embora haja também algumas diferenças importantes cuja análise, entretanto, foge ao escopo deste capítulo 97 . Em primeiro lugar, pode-se observar, do que foi visto acima, uma certa semelhança entre a distinção feita por Schumpeter entre “fluxo circular da vida econômica” (estático) e o processo de desenvolvimento puxado por inovações (dinâmico) e a distinção feita por Keynes entre uma economia sem aumento de investimento e uma economia com aumento de investimento. Tanto no processo do “desenvolvimento econômico” quanto na “economia monetária” em que o investimento está aumentando o crédito bancário desempenha um papel fundamental Entretanto, há diferenças no papel da moeda na economia entre os dois autores: a moeda na “economia monetária” de Keynes não tem o mesmo sentido do “crédito” em Schumpeter. Este último corresponde ao “finance motive” de Keynes, que é uma forma de demanda transacional por moeda para atender um gasto não-rotineiro, enquanto a moeda na “economia monetária” de Keynes tem o sentido de reserva de valor, em função da preferência pela liquidez, e, portanto, trata-se de demanda precaucional ou especulativa, mas não transacional. De todo modo, ambos os autores rejeitam a dicotomia entre o lado real e o lado monetário da economia, a chamada “dicotomia clássica” e concordam que a moeda-crédito criada pelos bancos desempenha um papel importante no financiamento da atividade econômica, e em especial no investimento produtivo ou investimento em inovações. Neste sentido, há uma complementaridade entre Keynes e Schumpeter. Em segundo lugar, como sugerido por Bertocco (2007), uma interessante interação entre Keynes e Schumpeter seria levar em conta a teoria keynesiana de determinação da renda (e o princípio da demanda efetiva), enfatizando assim que as inovações são introduzidas através das decisões de investimento das firmas, que, como visto, para ser realizada há necessidade de obtenção de liquidez, que em boa parte é 97 Uma das diferenças importantes é com relação a determinação da taxa de juros: enquanto que esta para Keynes é determinada no mercado monetário (no qual a preferência pela liquidez tem um papel fundamental), para Schumpeter a taxa de juros é uma fração do lucro. Por outro lado, Schumpeter dá importância a moeda na sua função de meio de pagamento, enquanto que Keynes destaca a função de reserva de valor. Para um aprofundamento, ver Nassica (2002) e Bertocco (2006). 93 suprida por crédito bancário. Decisões de investimento em inovações dependem de expectativas empresariais de longo prazo, i.e., estão sujeitas a incerteza radical que permeia tais decisões. Evidentemente, o processo de inovação tecnológica tem especificidades (por exemplo, não é um bem tangível como o investimento produtivo que é realizado via aquisição de bens de capitais) que devem ser levadas em consideração, tendo inclusive implicações do ponto de vista do financiamento das inovações. Esta perspectiva permite uma integração mais orgânica entre a teoria póskeynesiana e a teoria neoschumpeteriana para o entendimento do processo de financiamento da inovação. Na próxima seção abordaremos este assunto. 4.3. Financiamento, incerteza e inovação a partir de uma perspectiva keynesianaschumpeteriana A inovação tecnológica é um processo caro, que demanda um significativo volume de recursos para sua realização, que ocorre ao longo do tempo calendário e cujos resultados de retorno são incertos. Seu processo de seleção depende de uma série de fatores, entre os quais se incluem: (i) a natureza e os interesses de “instituiçõeschaves” entre pesquisa pura e aplicações econômicas; (ii) fatores institucionais, tais como agências públicas (militares, agências espaciais, sistema de saúde, instituições de fomento a pesquisa, etc.); (iii) processos de tentativa e erro na exploração de novas tecnologias realizadas pelo “empresário schumpeteriano”; (iv) as possibilidades determinadas em parte pelo paradigma tecnológico 98 prevalecente que formata os padrões de oportunidade do progresso técnico tanto em termos do escopo das inovações quanto em quão fáceis (ou não) eles podem encontrados 99 (Dosi, 1988). Segundo Rosenberg (1982), o empresário schumpeteriano é uma figura heróica, pronto para se arriscar com ousadia rumo ao desconhecido e, por isso, suas decisões não são o resultado de um cálculo preciso e cuidadoso. Portanto, as decisões empresariais sobre introdução de inovações tecnológicas são fortemente determinadas pelas expectativas empresariais de longo prazo relacionadas às rendas futuras esperadas do sucesso do empreendimento inovador, ou seja, tem um forte elemento subjetivo e 98 Segundo Dosi (1988, p. 233) um paradigma tecnológico refere-se ao “corpo de conhecimento que guia as atividade de pesquisa e desenvolvimento, desenvolve-se através de tentativas e erros dos indivíduos e firmas, e é freqüentemente compartilhado pela comunidade inteira de atores tecnológicos e econômicos como uma base no qual alguém procura aprimoramentos na eficiência no desempenho da eficiência no processo e do produto”. 94 exógeno em termos expectacionais, algo semelhante ao “espírito animal” sugerido por Keynes. Afinal, apenas a perspectiva de bons lucros justifica investir em uma aposta arriscada, como no caso de investimento em P&D. Nos termos de Schumpeter, o “desenvolvimento” é um fator básico gerador de monopólios e de imperfeições de mercado, estando o lucro gerado pelo sucesso da inovação associados a “lucros de monopólios”. O sucesso da inovação enquanto empreendimento comercial comporta inevitavelmente um certo grau de monopólio, já que antes que a inovação se difunda para outras empresas, ela é monopólio do empresário-inovador, e o lucro obtido é precisamente devido a este monopólio (Napoleoni, 1979, p.57). Não se trata de um monopólio absoluto, mas sim temporário, que tende a desaparecer durante o processo dinâmico de concorrência. 100 Decisões empresariais relacionadas a investimentos em inovações, tais como os investimentos produtivos, são tomadas sob incerteza não-probabilística, que refere-se a fenômenos para os quais "não existe base científica sobre o qual formar cálculos probabilísticos". Portanto, é impossível determinar a priori o quadro relevante de influências que atuarão entre a decisão de se implementar um determinado plano e a obtenção efetiva de resultados, dificultando a previsão segura que serviria de base para uma decisão racional, dada a extrema precariedade da base de conhecimento (Carvalho, 1992). Assim, a dinâmica da economia se move no tempo histórico e é, portanto, não estacionária. Os agentes não aprendem necessariamente com os acontecimentos passados e os resultados de eventos passados não podem contribuir de forma completa para a constituição de distribuição de probabilidades que fundamentem a formulação de expectativas racionais sobre acontecimentos futuros. Davidson (2000) sustenta que empresários schumpeterianos são elementos constitutivos de um sistema não-ergódico (sistemas de realidade transmutáveis): Se empresários tem alguma importante função no mundo real é exatamente fazer decisões cruciais. A atividade empresarial (....), pela sua própria natureza, envolve ‘crucialidade’. Restringir esta atividade a um processo de tomada de decisão de um robô através de cálculos ergódicos em um mundo estocástico (...) ignora o papel do empresário schumpetariano – de criador de revoluções 99 Por exemplo, pode-se citar os clusters de novas oportunidades tecnológicas associadas com a eletricidade, química baseada no óleo sintético, e, mais recentemente, na microeletrônica. 100 Segundo Schumpeter (1942/2010, cap.VII), a introdução de novos métodos de produção e novas mercadorias dificilmente seria concebível sob concorrência perfeita desde o inicio. Assim, a concorrência perfeita é sempre temporariamente suspensa quando alguma coisa nova está sendo introduzida. 95 tecnológicas dando origem a mudanças futuras que são frequentemente inconcebíveis para o empresário inovador. Empresários não descobrem meramente o futuro, eles o criam (...) Modelos de probabilidade são representações reconstruídas do processo de tomada de decisão somente em um mundo onde só decisões de rotinas são feitas (...) esses modelos não podem explicar a função criativa essencial do comportamento empresarial em mundo de Keynes-Schumpeter onde a realidade é transmutável.” (Davidson, 2000, p. 113) Na mesma direção, Dosi (1988), ao definir a inovação como descoberta, imitação e adoção de novos produtos, nos processos produtivos e novas formas organizacionais, sustenta que o resultado na introdução de uma inovação não pode ser conhecido em antemão com qualquer precisão 101 : (…) o que é procurado não pode ser conhecido com qualquer precisão antes da atividade própria de pesquisa e experimentação, de modo que resultados técnicos (e ainda mais comerciais) dos esforços de inovação dificilmente podem ser conhecidos ex ante (....) [I]novação envolve um elemento fundamental de incerteza, que não é simplesmente a falta de toda informação relevante sobre a ocorrência de eventos conhecidos, mas, e mais fundamentalmente, envolve também (i) a existência de problemas técnico-econômicos cujos soluções são desconhecidas (...), e (ii) a impossibilidade de traçar as conseqüências das ações”. (Dosi, 1988, p.222) Portanto, investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) podem estar sujeitos a incertezas ainda maiores do que investimentos produtivos: “a incerteza aqui pode ser extrema e não uma simples matéria de uma bem especificada distribuição de média e variância.” (Hall, 2002, p.3) O grau de incerteza tende a ser maior no início de programas de pesquisa e dos projetos de inovação, o que implica não poderem ser analisados em uma estrutura simples e estática. Trata-se, ademais, de ativos intangíveis que não podem ser utilizados como garantia de crédito e que são difíceis de serem monitorados pelos emprestadores, o que coloca problemas relacionados ao financiamento da inovação. Assim, as especificidades do processo de inovação (sua 101 Ver, também, Dosi e Orsenigo (1988). 96 natureza, formação de expectativas, financiamento, etc.) devem ser levadas em conta na análise da inovação, uma vez que, do ponto de vista da teoria de investimento, pesquisa e desenvolvimento (P&D) tem uma série de características que a tornam diferente do investimento produtivo comum. Vejamos algumas dessas questões. Com relação à formação das expectativas tecnológicas, Rosenberg (1982, cap.5) sustenta que o ritmo de adoção de tecnologias novas e aperfeiçoamentos depende em boa medida das expectativas relativas à trajetória futura da inovação tecnológica e que a inovação não é necessariamente um processo disruptivo como sugeriu Schumpeter, mas pode ser incremental. O ponto central destacado por Rosenberg é que há incerteza quanto ao momento de se introduzir a inovação: a decisão de adotar a inovação “x” hoje pode ser afetada pela expectativa de que sejam introduzidos aperfeiçoamentos significativos no mesmo “x” amanhã. Ou seja, há incerteza não somente nas inovações tecnológicas realizadas na economia como também quanto ao aperfeiçoamento futuro na tecnologia cuja introdução está sendo avaliada. Conseqüentemente, a introdução de uma inovação torna-se fortemente influenciada pelas expectativas e extensão de seus aperfeiçoamentos futuros: uma firma pode não estar disposta a introduzir uma nova tecnologia se achar altamente provável o surgimento de novos aperfeiçoamentos em um curto espaço de tempo. Logo, as expectativas relativas aos aperfeiçoamentos futuros podem ser condicionantes decisivos não só da difusão de tecnologias como também dos esforços empreendidos no desenvolvimento de novas tecnologias. Por isso, como assinalava Schumpeter, a inovação é, em grande medida motivada pela expectativa de ganhos de monopólio, ainda que temporários. Sem estes ganhos (ou a expectativa deles) a inovação não vale o risco que representa. Outra especificidade importante da atividade de P&D é que o ativo de conhecimento criado por este investimento é intangível, parcialmente incorporado em capital humano 102 , e normalmente é bastante especializado na firma inovadora, o que faz com que a estrutura de capital das firmas inovadoras tenha uma alavancagem consideravelmente menor do que outras empresas. Assim, bancos e outros emprestadores, ao preferirem ativos físicos como garantia dos empréstimos, são relutantes em emprestar quando o projeto envolve montantes significativos de investimentos em P&D. Conseqüentemente, fluxos de caixa positivos podem ser mais importantes para P&D do que para investimentos em capital fixo. Contudo, o serviço da 102 Segundo Hall (2002, p.3), cerca de 50% ou mais dos gastos em P&D são relativos a salários de cientistas e engenheiros especializados e de boa educação. 97 dívida normalmente requer uma fonte estável de fluxo de caixa, o que pode não ser o caso dos investimentos em P&D: dada a natureza dos projetos de inovação, os recursos financeiros para tais projetos são mais difíceis e caros de serem obtidos. Nos termos de Minsky (1986) é difícil tanto o emprestador quanto o tomador (potenciais ou não) avaliarem a margem de segurança103 (fluxos de caixa líquido que proporcionem uma proteção contra eventos inesperados em cada período do projeto) envolvida no projeto, em função da impossibilidade de se fazer qualquer projeção dos rendimentos esperados. Assim tanto o risco do tomador quanto o risco do emprestador são elevados, em função do risco de que, uma vez realizado, o investimento gere lucros menores do que os compromissos de dívidas da firma 104 . Portanto, em função dos elevados riscos dos tomadores e dos emprestadores, emprestadores são relutantes em emprestar e as firmas são incapazes ou relutantes em obterem empréstimos para investimento em P&D, o que pode aumentar substancialmente o custo do capital (Hall, 2002, p. 8). Assim, os próprios emprestadores (banco ou um fundo institucional) tendem a racionar o crédito, devido tanto a dificuldade de ser avaliar razoavelmente o retorno do projeto de investimento – uma vez que podem não ser capazes de entenderem o mercado potencial relacionados aos investimentos inovadores - quanto a ausência de um ativo tangível que dê lastro a operação de crédito. Uma questão adicional que pode dificultar e encarecer o financiamento é o problema de informação assimétrica que envolve os projetos de inovação tecnológica: Firmas são relutantes em revelar suas idéias inovadoras para o mercado e o fato de que poderia haver um custo substancial em revelar a informação para seus competidores reduz a qualidade do sinal que eles podem dar em relação ao projeto potencial (....) Assim, a implicação da informação assimétrica é se defrontar com custos de capital externo maiores do que os custos de capital interno para P&D devido ao prêmio de limões (“lemons’ premium”). (Hall, 2002, p. 6) 103 Margem de segurança do fluxo de caixa é a diferença entre os lucros esperados e os compromissos financeiros em cada período de tempo. 104 Deve-se assinalar que tanto risco do tomador quanto do emprestador tem um elemento subjetivo, pois ambos dependem do “estado de confiança” do emprestador e do tomador no fluxo de caixa esperado das firmas. 98 Da análise acima, uma conclusão que emerge é que o hiato entre os custos de financiamento de projeto de investimento em P&D entre fontes internas e fontes externas é freqüentemente maior do que em outras formas de investimento, como capital fixo. Portanto, As firmas intensivas em P&D devem ser mais inclinadas do que outras firmas em utilizar fundos internos para financiar seus investimentos. Além disso, os constrangimentos de financiamento que surgem das imperfeições nos mercados de capitais devem ter muito maior impacto sobre P&D do que sobre outros investimentos. (O’Sullivan, 2006, p.253-254) 105 O’Sullivan (2006, p.245) assinala que a assertiva de que houve uma transformação histórica geral de um processo de inovação dominado por “new ventures”, do tipo analisado por Schumpeter em sua TDE, para um processo dirigido por grandes firmas industriais, tal como analisado em seu CSD, deve ser rejeitado. A importância do crédito bancário para pequenas empresas pode conviver com o fato que grandes empresas utilizam predominantemente autofinanciamento (lucros retidos) para financiar suas atividades de P&D. Ou seja, é importante, do ponto de vista da estrutura de financiamento, fazer uma distinção entre pequenas e novas empresas inovadoras e grandes empresas. Os constrangimentos financeiros a inovação são bem maiores nas primeiras, o que faz com que as mesmas se defrontem com um custo de capital maior do que seus competidores de maior porte. Para análise do processo de financiamento da inovação é necessário considerar os estágios do processo de inovação. Neste sentido, pode-se distinguir 4 fases do processo de inovação: semente (concepção da idéia inovativa), start-up (início do processo inovativo), crescimento inicial (estágio inicial de expansão) e crescimento sustentado (estágio de consolidação). O financiamento externo tende a se concentrar nas etapas mais avançadas do processo inovador, quando a incerteza reduz para níveis mais aceitáveis. Assim, para pequenas empresas, sem 105 De fato, um trabalho empírico (Planes et al, 2001), que avalia os constrangimentos financeiros à inovação de uma amostra representativa com 5.000 empresas industriais francesas, no período de 19941996, mostra que as empresas inovadoras absorvem uma proporção maior de financiamento próprio (ou do seu grupo empresarial) do que outras empresas não-inovadoras, e conseqüentemente usam uma proporção menor de empréstimo bancário e outras dívidas financeiras. Ughetto (2008) obtém o mesmo resultado ao analisar uma amostra de 1.100 firmas italianas: 50% dos investimentos em capital fixo são financiados com fundos internos, enquanto este percentual sobe para quase 83% quando se analisa os investimentos em P&D. 99 recursos próprios, há um problema de como financiar a atividade inovadora, sobretudo em países sem mercado de capitais desenvolvido. 4.4. Funcionalidade do sistema financeiro e tipologia dos sistemas financeiros Hoje em dia começa haver uma ampla aceitação na Economia de que o sistema financeiro tem uma grande importância para o desenvolvimento econômico (Levine, 2004), ainda que não exista um consenso sobre os requerimentos para um sistema financeiro operar de forma funcional a dar sustentação ao crescimento econômico. A partir da análise do circuito financiamento-investimento-poupança-funding de Keynes, referido no capítulo 3, alguns economistas pós-keynesianos (Studart, 1995-96; Carvalho, 1997) desenvolveram o conceito de funcionalidade ou eficiência do sistema financeiro. Studart (1995-96), define a funcionalidade do sistema financeiro, como visto no capítulo anterior, como aquele que expande o uso dos recursos da economia com um mínimo de fragilidade financeira. Ou seja, um sistema financeiro funcional é aquele capaz de prover financiamento (finance) que permite os empresários a fazer gastos com investimentos e que canaliza poupança para, direta ou indiretamente, fundar suas dívidas mais tarde (funding). Nas palavras de Carvalho: O sistema financeiro (...) tem que satisfazer dois critérios de eficiência: ele tem que prover uma oferta elástica de financiamento para acomodar gastos de investimento crescentes, e tem que criar direta e indiretamente canais financeiros para permitir sua consolidação. (Carvalho, 1997, p. 472) A inexistência de um sistema financeiro funcional, nos termos acima definidos, pode comprometer o desenvolvimento e amadurecimento de um “sistema nacional de inovação”. 106 Este último deve ser entendido como “uma construção institucional, produto seja de uma ação planejada e consciente ou de um somatório de decisões não planejadas e desarticuladas, que impulsiona o progresso tecnológico em economias capitalistas complexas. Através da construção desse sistema de inovação se viabiliza a realização de fluxos de informação necessários ao processo de inovação tecnológica. Esses arranjos institucionais envolvem as firmas, redes de interação entre empresas, agências governamentais, universidades, institutos de pesquisa, laboratórios de 100 empresas, atividade de cientistas e engenheiros. Arranjos institucionais que se articulam com o sistema educacional, com o setor industrial e empresarial, e também com as instituições financeiras completando o circuito doas agentes que são responsáveis pela geração, implementação e difusão das inovações”. (Albuquerque, 1996, p. 121) Uma sistema nacional de inovação desenvolvido é, portanto, fundamental para o desenvolvimento das atividades inovativas e sua difusão, e, conseqüentemente, contribuindo para o sucesso competitivo de um país no comércio internacional. O sistema financeiro é parte integral do sistema nacional de inovação, uma vez que os arranjos de financiamento são fundamentais para o desenvolvimento de atividades de P&D. Uma estrutura financeira funcional é um pré-requisito para que uma dinâmica inovativa se desenvolva em uma economia. Contudo, para países em desenvolvimento, em particular com sistemas financeiros pouco desenvolvidos, a solução do problema de financiamento da atividade inovadora não é um resultado espontâneo do mercado. Assim, o alto grau de incerteza e risco que envolve o financiamento a inovação pode requerer algum tipo de arranjo financeiro estatal, principalmente quando um país não dispõe de mercado de capitais desenvolvido. Há, portanto, uma limitação estrutural das forças de mercado em resolverem o problema do financiamento dos investimentos em economias em desenvolvimento que buscam se desenvolver rapidamente. Zysman (1983) sugeriu, como visto no capítulo anterior, uma taxonomia de sistema financeiro dividida, grosso modo, em dois grandes tipos de estrutura financeira: sistema financeiro com base no mercado de capitais (capital market-based system) e sistema financeiro com base no crédito bancário (credit-based financial system): o primeiro tem uma importante participação de instrumentos diretos de financiamento (ações e títulos de dívida) como fonte de financiamento de longo prazo, a existência de instrumentos e mercados financeiros diversificados, e a presença de um mercado de crédito bancário de curto prazo – que é a característica do modelo anglo-saxão (EUA e Reino Unido); no segundo o mercado de capitais é fraco, normalmente há baixa especialização institucional e existe uma predominância do financiamento indireto, ou seja, do crédito bancário como principal forma de financiamento da economia. Sistemas financeiros com base no crédito podem ainda ser subdivididos em dois tipos: sistema financeiro controlado por grandes grupos financeiros autônomos (tipo alemão) e sistema 106 Nelson (1993), entre outros, mostra que há uma grande diversidade de arranjos relativos aos sistemas de inovação de cada país. 101 financeiro controlado por organismos de governo (tipo francês). As estruturas do sistema financeiro, sistemas financeiros segmentados ou sistemas financeiros baseados no banco universal, têm se alterado substancialmente em função das mudanças e desenvolvimentos recentes no sistema financeiro mundial, havendo uma certa convergência entre as duas estruturas, mas tal tipologia ainda tem sua relativa validade e pode ser útil para analisar a relação entre funcionalidade do sistema financeiro e desenvolvimento econômico, com ênfase no suporte aos investimentos a P&D. Neste particular, a pergunta fundamental é: qual modelo de sistema financeiro é mais funcional para estimular investimentos em P&D? Empiricamente é difícil avaliar a funcionalidade de um tipo de estrutura financeira para o desenvolvimento econômico, ou seja, qual estrutura financeira é mais funcional para apoiar o desenvolvimento. Neste sentido, Zysman (1983) assinalou que, do ponto de vista histórico, tanto o sistema baseado no mercado de capitais quanto o sistema baseado no crédito tiveram experiências bem sucedidas em dar sustentação ao desenvolvimento econômico, tendo como exemplo os EUA e Reino Unido, no primeiro caso, e Alemanha e Japão, no segundo. Albuquerque (1996) mostra que a literatura não é conclusiva quanto ao arranjo financeiro que é mais funcional para estimular investimentos em P&D. Para alguns autores sistemas financeiros baseados no mercado de capitais permitem uma melhor seleção de novas tecnologias, enquanto que os sistemas baseados no crédito bancário facilitam o desenvolvimento baseado no aprendizado tecnológico (Christensen, 1992); por outro lado, outros autores sustentam que estruturas financeiras baseadas no crédito (como Alemanha e Japão) estimulam o investimento de longo prazo, enquanto que aquelas baseadas no mercado de capitais tenderiam a priorizar os investimentos de curto prazo (Pavel e Pavitt, 1994). Por outro lado, Mulkay et al (2001) realizaram um estudo empírico, com uma amostra de grandes firmas manufatureiras da França e dos EUA, e encontraram que os fluxos de caixa têm um impacto bem maior nos EUA do que na França tanto para investimento em P&D quanto para investimento em capital fixo, o que parece evidenciar a maior dependência das grandes empresas americanas de fundos internos quando comparadas as firmas francesas. De todo modo, países que estão mais ou menos no mesmo nível quanto aos sistemas de inovação – EUA, Japão e Alemanha – possuem estruturas financeiras diversas, o que parece evidenciar a dificuldade de se definir a priori um tipo de sistema financeiro que seja mais funcional para o desenvolvimento das atividades inovadoras. 102 Como já assinalamos na seção anterior, os riscos presentes no financiamento de investimentos em P&D, elevando tanto o risco do emprestador quanto do tomador de crédito, faz com que, em particular para as grandes empresas, o uso de fundos internos (vis-à-vis externos) seja maior do que no financiamento de outros tipos de investimentos. De todo modo, o crédito tem importância no financiamento das pequenas empresas inovadoras, que podem contar freqüentemente nos países desenvolvidos com mecanismos de mercado e, sobretudo, com diversos fundos públicos de estímulo a inovação 107 . Os EUA, por terem um mercado de capitais sofisticado e bem-desenvolvido, desenvolveram instrumentos financeiros específicos voltados para o financiamento de pequenas empresas inovadores, conhecidos como “venture capital” (VC). Este consiste de um pool de fundos especializados, normalmente de investidores privados, que são gerenciados por profissionais que conhecem a indústria no qual está sendo investido e que, portanto, investem em firmas que podem ter maior potencial de rentabilidade e crescimento. Em princípio os problemas de informação assimétrica são reduzidos com o uso deste instrumento financeiro uma vez os gerentes do investimento são melhores informados sobre o empreendimento, o que faz com que as firmas inovadoras sejam melhores monitoradas quando comparadas aos casos normais de financiamento de investimentos via setor bancário. Hall (2002, p.17) mostra, entretanto, que a ”solução VC” para o problema do financiamento da inovação tem limites: “Primeiro, ela tende a focalizar somente em poucos setores em determinado momento, e realiza investimento com um tamanho mínimo que é muito grande para firmas iniciantes em alguns setores. Segundo, a boa performance do VC requer o mercado denso para ações de pequenas e novas firmas (...) de modo a prover uma estratégia de saída para investidores no estágio inicial.” Esta modalidade de financiamento a inovação tem maior importância nos EUA e um pouco no Reino Unido, mas nos demais países desenvolvidos sua relevância é pequena, apesar de existir vários programas e fundos específicos para estimular sua difusão. 107 Hall (2002, p.14-15) relata várias iniciativas governamentais de apoio financeiro a pequenas e médias empresas iniciais para desenvolvimento de projetos inovadores. 103 4.5. Conclusão Este capítulo analisou alguns aspectos conceituais e algumas questões envolvidas na relação entre financiamento e as atividades de investimento em P&D, procurando, para tanto, trazer alguns desenvolvimentos teóricos relacionados à abordagem neoschumpetariana, pós-keynesiana e institucionalista. Para tanto, procurou-se inicialmente mostrar algumas semelhanças e complementaridade entre a de Schumpeter e de Keynes que mostraram que o crédito criada pelos bancos (não dependente de poupança) desempenha um papel fundamental no financiamento dos investimentos (produtivo ou em P&D) na economia. Um caminho interessante de interação entre tais abordagens é considerar que as inovações são introduzidas através das decisões de investimento das firmas, e que essas dependem de expectativas empresariais de longo termo relacionadas às rendas futuras esperadas do sucesso do empreendimento inovador, sujeita a incerteza radical que permeia tais decisões. Alguns autores, como Dosi (1988), consideram que os investimentos em P&D podem estar sujeitos a incertezas ainda maiores do que os investimentos produtivos em função da impossibilidade de se traçar com alguma precisão as conseqüências das ações das atividades inovadoras, cujas trajetórias são fortemente do tipo “dependente do caminho” (path-dependent). Outra questão importante levantada no capítulo são os problemas relacionados aos constrangimentos financeiros para realização dos investimentos em P&D, em função de que se trata de ativos intangíveis que não podem ser utilizados como garantia de crédito e são difíceis de serem monitorados pelos emprestadores. Ademais, há adicionalmente a dificuldade para tanto o emprestador quanto o tomador avaliar razoavelmente a margem de segurança envolvida no projeto, em função da impossibilidade de se fazer uma boa projeção dos rendimentos esperados, ou de saber de antemão se a inovação será bem-sucedida. Conseqüentemente, o hiato entre os custos de financiamento de projeto de investimento em P&D entre fontes internas e fontes externas é freqüentemente maior do que outras formas de investimento. Em particular, os constrangimentos financeiros à inovação são bem maiores nas pequenas empresas em relação às grandes empresas, já que estas podem se utilizar de fundos internos para financiar as atividades de P&D. Por último, o capítulo mostra, a partir da literatura existente, que não há um tipo de estrutura financeira “ótima” para dar sustentação aos investimentos em P&D, 104 havendo vários prós e contras tanto ao sistema baseado no crédito quanto no sistema baseado no mercado de capitais. Países com sistemas de inovação bem desenvolvidos, como EUA, Alemanha e Japão, têm estruturas financeiras diferenciadas. Em particular, para pequenas e médias empresas, face às dificuldades de financiamento já ressaltadas, há uma grande proliferação de programas e fundos públicos ou semi-públicos para concessão de crédito a um custo compatível com a atividade de inovação. A solução de mercado para resolver os problemas de financiamento de pequenas empresas inovadoras em sistemas baseados em mercado de capitais, venture capital, que tem alguma importância nos EUA, tem algumas limitações, como o fato de que normalmente se concentra em alguns poucos setores e com investimentos cujo tamanho mínimo pode ser muito grande para empresas pioneiras em algumas áreas. Em particular, na fase inicial de desenvolvimento de um projeto inovador, quando a incerteza é elevada, o investimento em P&D tende a ser financiado com predominância de fontes internas da empresa, e, portanto pode contar com o apoio do governo sob a forma de subsídios e/ou redução de impostos. Tais mecanismos podem contribuir para reduzir os custos do investimento inovativo e normalmente favorecem as empresas de maior porte. (Corden e Salles-Filho, 2006) Acrescente-se que vários países contam com um funding público significativo para o desenvolvimento de setores específicos como aeroespacial, eletrônico e defesa. Para pequenas empresas, como já assinalado, sem recursos próprios para investimentos de alto risco, é necessário haver disponibilidade de recursos a custos acessíveis, o que normalmente requer a criação de fundos específicos para tanto. Para países em desenvolvimento, em particular com sistemas financeiros pouco desenvolvidos, a solução do problema de financiamento da atividade inovadora não é um resultado espontâneo do mercado, o que pode requerer a existência de instrumentos financeiros públicos para dar suporte à atividade de P&D. Isto porque tais países têm freqüentemente uma menor capacidade de mobilização de capital, uma cultura inovadora das empresas menos difundida e um sistema nacional de inovação bem menos desenvolvido – tudo isto conduzindo a maiores dificuldades para promover e fomentar a inovação. Tais países tendem a se concentrar inicialmente não no desenvolvimento de tecnologias de ponta, mas na aquisição de conhecimento de tecnologias maduras, para então, num segundo passo, quando são capazes de realizar um processo de aprendizado bem sucedido, alcançarem fases de inovações incrementais percorrendo trajetórias tecnológicas consolidadas (com assimilação e aprimoramento 105 tecnológico) até atingirem, na seqüência, fases do ciclo tecnológico do produto mais elevadas (com capacidade de geração de tecnologia própria). A constituição de sistemas nacionais de inovação bem desenvolvidos, dentro do qual estruturas financeiras funcionais para o estímulo aos investimentos cumprem um papel fundamental, é uma precondição para que países em desenvolvimento sejam capazes de realizarem seu catching-up tecnológico. A análise da funcionalidade de estruturas financeiras e de arranjos financeiros que dêem suporte aos investimentos em P&D é uma área de pesquisa que ainda demanda um aprofundamento maior, tanto do ponto de vista teórico, quanto do ponto de vista empírico-institucional. 106 Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE, E.M. (1996). “Estruturas financeiras, funcionalidade e sistemas nacionais de inovação: notas introdutórias sobre uma articulação necessária”. Nova Economia 6(2): 113-132. AGHION, B. A. (1999). “Development banking”. Journal of Development Economics, 58: 83-100. ALLEN, F. (2001). “Presidential address: do financial institutions matter?” Journal of Finance 56: 1165-1175. ALLEN, F e SANTOMERO, A.M. (1997). “The theory of financial intermediation”. Journal of Banking and Finance, 21: 1461-1485. ALLEN, F e SANTOMERO, A.M. (1999). “What do financial intermediaries do?”. Wharton Financial Institutions Center, September. ALVES JR., A.J., FERRARI FILHO, F. e PAULA, L.F. (2000). “The post Keynesian critique of conventional currency crisis models and Davidson’s proposal to reform the international monetary system”. Journal of Post Keynesian Economics, 22(2): 207-225. BALTENSPERGER, E. (1980). “Alternative approaches to the theory of the banking firm”. Journal of Monetary Economics, 6(1): 1-37. BENSTON, G.J. e SMITH JR., C.W. (1976). “A transactions cost approach to the theory of financial intermediation”. Journal of Finance 31: 215-231. BERTOCCO, G. (2007).”The characteristics of a monetary economy: a KeynesSchumpeter approach”. Cambridge Journal of Economics, 31(1): 101-122. CAMPBELL, T. S., e KRACAW, W.A. (1980). “Informacion production, market signalling, and the theory of financial intermediation”. Journal of Finance 35: 863882. CARVALHO, F.C. (1992). Mr. Keynes and the Post keynesians. Cheltenham: Edward Elgar. _______________ (1993). “Sobre a endogenia da oferta de moeda: réplica ao Professor Nogueira da Costa”. Revista de Economia Política, 13(3): 114-121. _______________ (1996). “Sorting the issues out: the two debates (1936/7; 1983/6) on Keynes’s finance revisited”. Revista Brasileira de Economia 50(3): 312-327. ______________ (1997). “Financial Innovation and the Post Keynesian Approach to the “Process of Capital Formation”. Journal of Post Keynesian Economics, 19(3): 461487. ______________ (2007). “Sobre a preferência pela liquidez dos bancos”. In PAULA, L.F. e OREIRO, J.L. (org.). Sistema Financeiro: Uma Análise do Setor Bancário Brasileiro. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier. CARVALHO, F. C. e KREGEL, J. (2008). Crise Financeira e Déficit Democrático. Rio de Janeiro: IBASE. 107 CARVALHO, F.C., SOUZA, F.E.P., SICSÚ, J., PAULA, L.F. e STUDART, R. (2007). Economia Monetária e Financeira: Teoria e Política. 2ª edição. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier. CHICK, V. (1992). “The evolution of the banking system and the theory of saving, investment and interest”. In CHICK, V. On Money, Method and Keynes: Selected Essays. London: MacMillan. CHRISTENSEN, J.L. (1992). “The role of finance in the national systems of innovation”. In Lundvall, B. (ed). National Systems of Innovation: Towards a Theory of Innovation and Interactive Learning. London: Pinter. CORDER, S. e SALLES-FILHO, S. (2006). “Aspectos conceituais do financiamento à inovação”. Revista Brasileira de Inovação, 5(1): 33-76. COUTINHO, L. e L.G. BELLUZZO (2004). “Financeirização” da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas”. In FERRARI FILHO, F. e PAULA, L.F. (org.). Globalização Financeira: Ensaios de Macroeconomia Aberta. Petrópolis: Vozes. DAVIDSON, P. (1972). Money and the Real World. London: MacMillan. ____________(1986). “Finance, funding and investment”. Journal of Economics, 9(1): 101-110. Post Keynesian ____________(1994). P. Post Keynesian Macroeconomics Theory. Aldershot: Edward Elgar. ____________(2000). “Uncertainty in economics”. In Dow, S.e Hillard, J. (eds). Keynes, Knowledge and Uncertainty. Aldershot: Edward Elgar. ___________ (2002). Financial Markets, Money and the Real World. Cheltenham: Edward Elgar. DIAMOND, D. (1984). “Financial intermediation and delegated monitoring”. Review of Economic Studies, LI:. 393-414. DIAMOND, D.W., e RAJAN, R.G. (2000). “A theory of bank capital”. Journal of Finance, 55: 2431-2465. DEQUECH, D. (1999). “Expectations and confidence under uncertainty”. Journal of Post Keynesian Economics, 2(3): 415-430. DOSI, G. (1988). “The nature of the innovative process”. In Dosi, G., Freeman, C., Nelson, R., Silverberg, G. & Soete, L. Technical Change and Economic Theory. London: Pinter Publishers. DOSI, G. e ORSENIGO, L. (1988). “Coordination and transformation: an overview of structures, behaviours and change in evolutionary environments”. In Dosi, G., Freeman, C., Nelson, R., Silverberg, G. & Soete, L. Technical Change and Economic Theory. London: Pinter Publishers. DOW, S. (1996). “Horizontalism: a critique”. Cambridge Journal of Economics, 20 (4): 497-508. 108 DYMSKI, G.A. (1988). “A Keynesian theory of bank behavior”. Journal of Keynesian Economics, 10(4): 499-526. Post ____________. (1989). “Keynesian versus credit theories of money and banking: a reply to Wray”. Journal of Post Keynesian Economics, 12(1): 157-163. DYMSKI, G. e R. POLLIN. (1992). “Hyman Minsky as hedgehog: the power of the Wall Street Paradigm”. In FAZZARI, S. e D. PAPADIMITRIOU (ed.). Financial Conditions and Macroeconomic Performance. Armonk/London: M.E.Sharp. FAGERBERG, J., MOMERY, D.C. e NELSON, R., ed. (2006). The Oxford Handbook of Innovation. Oxford: Oxford University Press. FAMA, E.F. (1980). “Banking and theory of finance”. Journal of Monetary Economics, 10: 39-57. FERRARI-FILHO, F. e PAULA, L.F. (2010). “Crise financeira e reestruturação do sistema monetário internacional’. Indicadores FEE 37(1):113-117. FIOCCA, D. (2000). A Oferta de Moeda na Macroeconomia Keynesiana. São Paulo: Paz e Terra. FREITAS, C.P. (1997). “A natureza particular da concorrência bancária e seus efeitos sobre a estabilidade financeira”. Economia e Sociedade, 8: 51-83. GERSCHENKRON, A. (1962). Economic Backwardness in Historical Perspective: A Book of Essays. London: The Belknap Press of Harvard University Press. GORTON, G. e WINTON, A. (2003). “Financial intermediation”. In Constantinides, G., Harris, M. and Stulz, R. (ed.). Handbook of the Economics of Finance, volume 1A. Amsterdam/London: Elsevier. GOWLAND, D. (1991). “Financial innovation in theory and practice”. In GREEN, C. e LLEWELLYN, D. (eds.). Surveys in Monetary Economics, v. 2. Oxford: Basil Blackwell. GURLEY, J. e SHAW, E. (1955). "Financial aspects of economic development". American Economic Review, XLV(4): 515-538. GURLEY, J. e SHAW, E. (1960). Money in a Theory of Finance. Washington, D. C.: The Brookings Institution. GUTTENTAG, J.M., e LINDSAY, R. (1968).“The uniqueness of commercial banks”. Journal of Political Economy, 71: 991-1014. HALL, B.H. (2002). “The financing of research and development”. UC Berkeley Working Papers E01—311. HANUSCH, H. e PYKA, A., ed. (2007). Elgar Companion to Neo-Schumpeterian Economics. Cheltenham: Edward Elgar. HEISE, A. (1992). “Commercial banks in macroeconomic theory”. Journal of Post Keynesian Economics, 14(3): 285-296. 109 HERMANN, J. (2011). “Bancos públicos em sistemas financeiros maduros: perspectivas teóricas e desafios para os países em desenvolvimento”. Revista de Economia Política, 31(3) (prelo). KEYNES, J.M. (1937). “The ex-ante theory of the rate of interest”. Economic Journal, December. ______________(1939). “The process of capital formation”. Economic Journal, 49(195): 558-577. ______________(1964). The General Theory of Employment, Interest, and Money. New York/London: Harcourt Brace & Company. _____________ (1971). A Treatise on Money, vol. I e II. London: MacMillan. ______________ (1972). “The consequences of the banks of the collapse of money values”. In Essays in Persuasion. Collected Writings, vol. IX, Editado por D.Moggridge. London: Macmillan, 1972. _____________(1973). “The general theory of employment”. In The General Theory and After: Defence and Development. Collected Writings, vol. XIV. Editado por D.Moggridge. London: Macmillan. KLEIN, M. (1971). “A theory of banking firm”. Journal of Money, Credit and Banking, 3(2): 205-218. KREGEL, J. (1986). “A note on finance, liquidity, saving, and investment”. Journal of Post Keynesian Economics, 9(1): 91-100. __________ (1995). “Market form and financial performance”. Economic Notes, 24(3): 485-504. ___________(1997a). The past and future of banks, ms. ___________(1997b). “Margins of safety and weight of the argument in generating financial instability”. Journal of Economic Issues, XXXI(2): 543-548. LEVINE, R. (1997). “Financial development and economic growth: views and agenda”. Journal of Economic Literature, XXXV: 688-726. __________(2004). “Finance and growth: theory and evidence”. Paper prepared for the Handbook of Economic Growth. Carlson School of Management, University of Minnesota and the NBER. LEWIS, M.K. (1992). “Asset and liability management”. In NEWMAN, P., M. MILGATE e J. EATWEEL (ed.). The New Palgrave Dictionary of Money & Finance. London: Macmillan. MCKINNON, R. (1973). Money and Capital in Economic Development. Washington: Brookings Institution Press. MANKIW, N.G. (1986). “The allocation of credit and financial collapse”. Quarterly Journal of Economics, 101: 455-470. MATHEUS, K. e THOMPSON, J. (2008). The Economics of Banking. Chichester: Wiley. 110 MERTON, R.C. (1993). “Operation and regulation in financial intermediation: a functional perspective. In Enlgund, P. (Ed), Operation and Regulation of Financial Markets. Stockholm: Economic Council. _______________ (1995). “Financial innovation and the management and regulation of financial institutions”. Journal of Banking and Finance, 19: 461-481. MISHKIN, F. (1988). The Economics of Money, Banking, and Financial Markets. Reading: Addison-Wesley. MINSKY, H. (1982). Can ‘IT’ Happen Again? Essays on Instability and Finance. New York: M.E.Sharpe. _____________(1986). Stabilizing an Unstable Economy. New Haven: Yale University Press. MODENESI, A.M. (2007). “Teoria da intermediação financeira, o modelo ECD e sua aplicação aos bancos: uma resenha”. In Paula, L.F. e Oreiro, J.L. (org). Sistema Financeiro: Uma Análise do Setor Bancário Brasileiro. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier. MOLLO, M.L.R. (1988). “Instabilidade do capitalismo, incerteza e papel das autoridades monetárias: uma leitura de Minsky”. Revista de Economia Política, 8(1): 100-123. MOORE, B. (1988). Horizontalists and Verticalists: the Macroeconomics of Credit Money. Cambridge: Cambridge University Press. NAPOLEONI, C. (1979). O Pensamento Econômico do Século XX. Rio de Janeiro: Paz e Terra. NASSICA, E. (2002). “Financing economic activity: Schumpeter vs Keynes”. In Arena,R. and Dangel-Hagnauer, C. (ed). The Contribution of Joseph Schumpeter to Economics. London: Routledge. NELSON, R., ed. (1993). National Innovations Systems: A Comparative Analysis. Oxford: Oxford University Press. O’SULLIVAN, M. (2006). “Finance and innovation”. In Fagerberg, J., Momery, D.C. and Nelson, R. (ed.). The Oxford Handbook of Innovation. Oxford: Oxford University Press. PAULA, L.F. (1998). “Comportamento dos bancos, posturas financeiras e oferta de crédito: de Keynes a Minsky”. Revista Análise Econômica, 16(29): 411-439. ____________(1999). “Dinâmica da firma bancária: uma abordagem não-convencional”. Revista Brasileira de Economia, 53(3): 136-142. __________ (2003). “A teoria horizontalista da moeda e do crédito: crítica da crítica”. Estudos Econômicos, 33(2): 287-323. ____________(2011). Financial Liberalization and Economic Performance: Brazil at the Crossroads. London: Routledge. PAVEL, P. e PAVITT, K. (1994). “National innovations systems: why they are important, and how they might be measured and compared. Economics of Innovation and New Technology, 3(1): 77-95. 111 PLANES, B., BARDOS, M., SEVESTRE, P. e AVOUYI-DOVI, S. (2001). Innovation: Financing and Financing Constraints, mimeo. ROSENBERG, N. (1982). “On technological expectations”. In Inside the Black Box: Technology and Economics. Cambridge: Cambridge University Press. SANTOMERO, A.M. (1984). “Modeling the banking firm”. Journal of Money, Credit, and Banking, 16(4): 576-602. SCHOLTENS, B. e WENSVEEN, D. (2000). “A critique on the theory of financial intermediation”. Journal of Banking and Finance, 24: 1243-1251. ______________________________ (2003). “The theory of financial intermediation: an essay on what it does (not) explain”. SUERF Studies, 2003/1. SCHUMPETER, J. A. (1939). Business Cycles, 2 vols. New York: McGraw Hill. __________________(1982). The Theory of Economic Development. Piscataway, New Jersey: Transaction Publishers. __________________ (1984). “A instabilidade do capitalismo”. Literatura Econômica, 6(2): 153-190. Publicação original “The instability of capitalism”, The Economic Journal, XXXXVII(151), 1928. __________________(2010). The Theory of Brunswick/London: Transaction Publishers. Economic Development. New __________________ (2011). Capitalism, Socialism and Democracy. 2nd edition. New York/London: Harper & Brothers Publishers. SHAW, E. S. (1973). Financial Deepening in Economic Development. New York: Oxford University. STIGLITZ, J. (1994). “The role of the state in financial markets”. Proceedings of the World Bank Annual Conference on Development Economics 1993. __________ (1998). “The role of the financial system in development.” The World Bank Group, Presentation at the Fourth Annual Bank Conference on development in Latin America and the Caribbean (LAC-ABCDE). The World Bank, via Internet: www.worldbank.org. STIGLITZ, J. e WEISS, A. (1998). “A credit rationing in markets with imperfect information”. American Economic Review 71(3): 393-410. STUDART, R. (1985). Investment finance in economic development. London: Routledge. _____________(1995-96). “The efficiency of financial systems, liberalization, and economic development”. Journal of Post Keynesian Economics, 18(2): 269-292. _____________ (1997). “O sistema financeiro e o financiamento do crescimento: uma alternativa pós-keynesiana a visão convencional”. In Lima, G.L., Sicsú, J. e Paula, L.F.(org.). Macroeconomia Moderna: Keynes e a Economia Contemporânea. Rio de Janeiro: Campus. UGHETTO, E. (2008). “Does internal financial matter for R&D? New evidence from a panel of Italian firms”. Cambridge Journal of Economics, 32: 907-925. 112 TOBIN, J. (1958). “Liquidity preference as behavior towards risk”. Review of Economics Studies, 25: 65-86. _________. (1987). “The commercial banks as creators of ‘money’”. In Essays in Economics, v.1. Cambridge, MIT Press. __________(1982). “The commercial banking firm: a simple model”. Scandanavian Journal of Economics 84(4): 495-530. VERCELLI, A. (2001).” Minsky, Keynes and the structural instability of a sophisticated monetary economy”. In BELLOFIORE, R. e P. FERRI (org.). Financial Fragility and Investment in the Capitalist Economy, vol. II. Cheltenham, United Kingdom: Edgard Elgar. WELLS, P. (1983). “A Post Keynesian view of liquidity preference and the demand of money”. Journal of Post Keynesian Economics, 5(4): 523-556. ZYSMAN, J. (1983). Governments, Markets and Growth. London: Cornell University Press. 113