FATORES DE RISCO ERGONÔMICOS NA MANIPULAÇÃO DE PRODUTOS FARMACÊUTICOS Leandro Zvirtes, Lídia Helena V. Bordin, Fernando G. Amaral Dr. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS Praça Argentina, 9 – sala LOPP – CEP 90040-020 – Porto Alegre - RS – Brasil [email protected] Palavras-chave: análise ergonômica, ergonomia participativa, fatores de risco, serviços farmacêuticos A análise ergonômica de um posto de produção de NPT em farmácias de manipulação está condicionada não só a elaboração de soluções que visam minimizar os fatores de risco e problemas ergonômicos dos trabalhadores, mas também ao atendimento das exigências assépticas de inspeção e controle de qualidade das boas práticas de manipulação. A ação ergonômica realizada, utilizando uma abordagem participativa, permitiu identificar os problemas e fatores de risco que afetam a saúde do operador no desempenho da tarefa. A aplicação do método REBA permitiu analisar as posturas dos operadores e os riscos ocasionados ao sistema músculo-esquelético. Keywords: ergonomics analysis, participatory ergonomics, risk factors, pharmacy services The ergonomic analysis of a workstation producing TPN in a admixture pharmacy is conditioned not only to the elaboration of solutions that aim to minimize risk factors and ergonomics problems of workers, but also to the attendance of aseptic requirements of inspection and quality control of the good practice of manipulation. The ergonomic action, using a participatory approach, allowed to identify the problems and risk factor that can affect the health of the operator in the performance of the tasks. The application of REBA allowed to analyze the positions of the operators and the risks caused to the musculoskeletal system. 1. INTRODUÇÃO Os processos de manipulação de soluções intravenosas na indústria farmacêutica são bastante influenciados pela qualidade dos equipamentos disponíveis. Um destes processos é o de Nutrição Parenteral Total (NPT), a qual é utilizada em casos em que a alimentação oral normal não é possível, na absorção incompleta de nutrientes ou associada à desnutrição. A NPT é uma solução estéril, composta por carbohidratos, proteínas, lipídios, aminoácidos, eletrólitos e vitaminas, usados em quantidade ajustada para cada paciente. Para prevenir sua contaminação, a NPT deve ser preparada usando se técnicas assépticas em um ambiente estéril (O’Neal et al. 2002). Dessa forma, o processo de produção da Nutrição Parenteral Total se caracteriza pela alta complexidade, exigindo da empresa instalações especiais, matéria prima de alta qualidade e de alto valor, funcionários especializados e controle de qualidade minucioso. Embora, as metodologias para manipulação de NPT tenham mudado drasticamente nos últimos 20 anos, as condições de trabalho e a realização de tarefas que envolvem movimentos repetitivos dos membros superiores são comuns nestes postos de trabalhos, as quais muitas vezes acabam gerando distúrbios osteomusculares relacionados com o trabalho (DORT). O desenvolvimento de DORTs depende da interação de diferentes variáveis. As características do operador, como a idade e nível de habilidades, podem ser influenciadas com o desenvolvimento de tarefas e o desenho de ferramentas, conduzindo a excessivas demandas do sistema musculosquelético (Bridger, 1995). O levantamento ergonômico das condições de trabalho, através da análise ergonômica, possibilita a identificação das anomalias existentes e os componentes do sistema que condicionam as exigências do trabalho. Através de uma avaliação ergonômica destas anormalidades e das condições de trabalho, pode-se identificar os problemas que estão ocasionando um custo humano para os operadores, e propor soluções visando à eficiência e eficácia do trabalho. Segundo Wisner (1987), como principais aspectos do custo humano do trabalho, pode-se destacar as doenças profissionais e as doenças ligadas ao trabalho, os acidentes, o desgaste e a fadiga, o sofrimento e o desinteresse. De outra forma, para Santos (1997), a eficiência no trabalho não está vinculada somente ao método de trabalho ou a incentivos salariais, mas também a condições de trabalho que garantam o bem-estar físico do trabalhador e que diminuam a fadiga. entendimento das numerosas atividades de uma empresa. Segundo o autor, considerar a opinião do operador é de suma importância na análise das atividades das tarefas. O objetivo deste trabalho é apresentar os principais problemas e fatores de risco identificados na tarefa de manipulação de NPT e propor recomendações no sentido de eliminá-los ou reduzi-los. No levantamento ergonômico realizado em um posto de trabalho de manipulação de NPT utilizou-se critérios macroergonômicos e uma abordagem participativa na identificação e caracterização dos problemas. A análise ergonômica procurou identificar as dificuldades de produção de NPT em uma farmácia de manipulação, bem como excessos de repetitividade, forças e posturas adotadas. 2.1 Descrição da tarefa Assim, a avaliação ergonômica partiu de referenciais teóricos embasados em critérios participativos e com enfoque macroergonômico. Este, parte do conhecimento e análise inicial do produto e do processo de manipulação de NPT. O ambiente de trabalho da manipulação de NPT é constituído de um isolador/capela com fluxo laminar de 10 (partículas/cm3 ), localizado em uma sala estéril com pressão positiva e duas cadeiras com apoio fixo para os pés. O isolador apresenta em suas extremidades laterais passadores que funcionam na alimentação e evacuação de materiais (Figura 1). A face anterior do equipamento apresenta uma proteção plástica, com abertura para colocação dos braços e com luvas de borracha nas extremidades. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Para a produção de NPT, além de instalações especiais, deve-se obedecer a certos padrões de controle de qualidade. Segundo Delattin (1998), as condições necessárias exigidas na inspeção e controle da manipulação de produtos médicos estéreis, compreendem: • • • • • • Tabela de classificação do ar e classe, Monitoramento ambiental, Utilização de tecnologia de isolador, Uso de tecnologia de controle de vazão, enchimento e rotulagem Uso de simulações como validação para preparação asséptica; Esterilização. Todas estas exigências de boas práticas de manipulação especificadas pelos órgãos competentes são atendidas pelo posto de trabalho utilizado na manipulação de NPT na empresa em estudo. Apesar do atendimento dessas exigências, as condições de trabalho impostas aos operadores, dificultam a realização das atividades da tarefa, culminando no surgimento de doenças profissionais e ocupacionais. Nesse sentido, de acordo com Wisner (1987), uma análise criteriosa do trabalho é indispensável para o Figura 1 – Isolador (posto 1) O isolador permite o trabalho simultâneo de dois operadores, onde cada um desempenha funções específicas. O primeiro operador trabalha na manipulação de grandes volumes (glicose, água, etc.) e o segundo operador manipula os pequenos volumes (eletrólitos, vitaminas, lipídios, etc.). A tarefa de manipulação tem seu início com a chegada da prescrição, a qual é afixada na estrutura metálica do próprio isolador, num ângulo aproximado de 60o da altura dos olhos do operador. A partir da leitura da prescrição o primeiro manipulador verifica a disponibilidade de materiais no passador de alimentação e começa o preparo das soluções parenterais. A adição das soluções de grandes volumes é feita usando-se uma bomba envasadora e também algumas vezes por gravidade. Após, a bolsa é passada para o segundo manipulador, o qual adiciona as soluções de pequenos volumes, faz a homogeneização e coloca a bolsa no passador para ser evacuada. Os pequenos volumes são adicionados através de seringas específicas para cada composto. A duração média de preparo para cada bolsa é de aproximadamente 7 minutos, sendo que a produção média diária gira em torno de 60 bolsas. As bolsas têm peso variável de acordo com as prescrições (adulto e pediátrico), oscilando entre 0,4 e 3 kg. (Liberty Mutual Group, 2002). Como preocupação inicial da análise ergonômica, buscou-se identificar problemas relacionados a risco de lesões no organismo, perturbações na execução das atividades da tarefa, fontes de fadiga, sofrimento e incomodo. A categorização dos problemas ergonômicos identificados na manipulação de NPT foi realizada conforme proposto por Moraes (2000): Problemas interfaciais: - Posturas prejudiciais resultantes de inadequações do campo de visão para leitura de prescrições (hiperextensão da cabeça) acarretando cervicalgias, cefaléias, fadiga, cansaço (figura 2); - de torções de tronco, abdução e rotações excessivas dos membros superiores para alcance de materiais resultando em lombalgias e queixas músculoesqueléticas em ombros e cotovelos (Figura 2); 2.2 Metodologia Aplicada No levantamento e identificação dos problemas e fatores de risco usou-se de diversos tipos de recursos, como por exemplo, filmagens, registros fotográficos, aplicação de questionários, observações e entrevistas. A aplicação de todos eles só foi realizada após o consentimento de todos as funcionários envolvidos. Na avaliação das posturas dos operadores, utilizou se o método REBA ( Rapid Entire Body Assessment). A metodologia aborda a interface homem-carga, incorporando fatores de carga dinâmicos e estáticos, demonstrando um novo conceito de gravidade para a posição do membro superior. O objetivo é desenvolver um sistema de análise postural sensível aos riscos músculo-esqueléticos em várias tarefas. O método procura dividir o corpo em segmentos a serem codificados individualmente, servindo como referência os movimentos planos, buscando fornecer um sistema de escores para a atividade muscular causada por posturas diversas e/ou instáveis. Figura 2 – Manipulação NPT - 3. RESULTADOS Através de análise baseada nos recursos e no método aplicado, possibilitou-se identificar os prováveis problemas que estavam afetando a saúde e o desempenho dos operadores na realização da tarefa. Tarefas que envolvem movimentos repetitivos dos membros superiores são comuns em muitos ambientes de trabalho, as quais muitas vezes acabam por produzir como resultado distúrbios traumáticos cumulativos - de dificuldade de aproximação do plano de trabalho, dado às características da face anterior do isolador (proteção plástica e colocação dos braços em mangas também plásticas com grossas luvas de borracha). Isso induz o operador à manutenção de posturas estáticas com os membros superiores elevados em posição de abdução fixa por longos períodos. A contração isométrica sustentada é também um fator importante devido ao falso apoio para os antebraços proporcionado pelas aberturas das mangas gerando também compressões localizadas; de dificuldade em acomodar os membros inferiores quando sentado, devido à altura fixa em relação ao solo do plano inferior do isolador; falta de apoio para os pés gerando fadiga, dores musculares e cansaço. Problemas Acionais - O operador realiza repetidamente movimentos de aspirar e esvaziar seringas, o que gera queixas osteomusculares nos punho e dedos; A comprovação destes problemas pode ser constatada através da análise dos resultados da aplicação do REBA nos postos 1 e 2 da manipulação de NPT, conforme tabela 1 abaixo. Posto 1 Posto 2 Os escores relativos ao Os escores mais elevados pescoço e tronco são dizem respeito a abdução influenciados pela busca de dos braços e exigências da informação mal localizada musculatura do pescoço e do acima do plano de visão. tronco. Os braços também indicam A interface com o objeto é uma pontuação elevada pobre, indicando preensões caracterizada pela abdução digitais em prono-supinação excessivamente estática em de caráter repetitivo. combinação com preensões digitais em prono-supinação Tabela 1: Resultado da análise pelo método REBA Figura 3 – Manipulação seringas (posto 2) 4. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO - O operador realiza movimentos de adição de soluções em ângulos e desvios de punho com prejuízo para o sistema músculo-esquelético. Problemas Operacionais - Ritmo de trabalho intenso em determinados períodos levando a superestimar e/ou superar os limites físicos dos operadores para a manutenção dos prazos de entrega. Isso acarreta fadiga física e mental, além de problemas osteomusculares. Problemas Instrumentais - O arranjo para a colocação das prescrições (fora do plano de alcance visual - acima da cabeça do operador num ângulo de aproximadamente 60o ) acarreta dificuldades na tomada de informações, podendo causar erros de leitura. Problemas psicossociais - Há conflitos de opiniões e pequenas divergências entre os operadores da produção gerando, eventualmente, climas de tensão no ambiente de trabalho. De acordo com Santos (1997), considerar as especificações ergonômicas, quando da transformação de uma situação de trabalho existente, possibilita atingir de uma forma mais segura e com menor custo os objetivos delineados em termos operacionais e de melhoria das condições de trabalho, como por exemplo, confiabilidade, qualidade e produtividade. De acordo com o resultado das análises a medida mais adequada ao posto em questão seria o seu reprojeto ou substituição por um isolador/capela, que permita uma melhor adequação do operador ao plano de trabalho. O reprojeto do posto de trabalho deveria então atender a questões como: - minimização da distância de alcance horizontal e vertical das bolsas na barra metálica e dos passadores facilitando o acesso aos materiais, permitindo ao operador a diminuição da realização de movimentos de extensão máximos, tanto laterais como frontais. Para isso, o novo plano de trabalho deveria permitir uma aproximação do operador para facilitar o acesso a pegada de materiais e principalmente àqueles de uso mais freqüente. - melhoria da tomada de informações evitando adoção de posturas prejudiciais pelos operadores resultante de inadequações do campo de visão para leituras de prescrições. A adoção dessas posturas desfavoráveis, com hiperextensão da cabeça, podem ser corrigidas através do fornecimento de mecanismos que permitam adequar o campo de visão e a tomada de informações. O mecanismo sugerido seria a inserção de uma placa de acrílico que prenda a prescrição, permitindo a sua visualização em nível dos olhos. - Da mesma forma, em função de esforços posturais predominantemente isométricos existe a necessidade de adotar uma rotatividade das posturas no posto de trabalho para minimizar o cansaço e a fadiga muscular. - prever a inserção de apoio para os pés adequado, permitindo o apoio para os membros inferiores que possibilite boa acomodação de pés e pernas, sem compressão destas com o bordo inferior da mesa. - para eliminar o risco oriundo da utilização de mangas com luvas no isolador, a solução mais significativa seria a substituição do isolador/capela por outro equipamento onde o operador esteja mais próximo do plano de trabalho e tenha facilidade de realização de gestos. A abordagem participativa aliada à visão macroergonômica dos produtos e processos permitiu cercar os fatores de risco aliados às queixas mais significativas dos operadores. No que concerne à aplicação do método REBA, este permitiu verificar através dos escores mais elevados as regiões do corpo mais solicitadas e que mereciam uma análise aprofundada para a sugestão de modificações. O método se mostrou útil, não pelo seu escore final, mas pela análise individualizada das características dos segmentos corporais. A metodologia empregada neste estudo permitiu a identificação de parâmetros de risco que afetam o desenvolvimento das atividades em postos de trabalho de manipulação de NPT. O resultado do estudo possibilitou o redesign dos postos com conceitos ergonômicos. 5. BIBLIOGRAFIA BRIDGER R. S. Introduction to ergonomics. McGrawHill, 1995. DELATTIN R. E U Status of GMP for Sterile Products. PDA Journal of Pharmaceutical Science & Technology. V. 52, n.3, p. 82-87, May-June 1998. LIBERTY MUTUAL RESEARCH CENTER. Cumulative Trauma Research. Boston: 2001. Disponível em http://www.libertymutual.com/ Acesso em 24 de abril de 2002. MORAES A. de. Ergonomia: conceitos e aplicações. Rio de Janeiro: 2AB, 2000 (2a. edição ampliada). 136p. O’NEAL B. C., SCHENEIDER P. J., PEDERSEN C. A., MIRTALLO J. M. Compliance with safe practices for preparing parenteral nutrition formulations. Am J Health-Syst Pharm. V. 59, n. 1, Fev. 2002. SANTOS N. dos. Manual de análise ergonômica na trabalho. 2 ed. Curitiba: Gênesis, 1997. 316 p. WISNER A. Por dentro do trabalho: ergonomia: método e técnica. São Paulo: FTD: Oboré, 1987.