Sillabus: Organização Morfo-Funcional Cardiovascular

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SYLLABUS
Organização Morfo-Funcional do Aparelho Cardiovascular.
Panorâmica Integrada da Função Cardiovascular.
Propriedades Elementares do Coração. Eletrofisiologia cardíaca.
Luiz F. Junqueira Jr.
Professor Titular, BSc/MSc/MD/PhD
Cardiologia - Fisiologia Cardiovascular
Área de Clínica Médica
Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília
Organização morfo-funcional e função cardiovascular: visão global integrada.
O coração como bomba premente/aspirante. O sistema arterial e o sistema venoso.
Rede capilar. Geração e manutenção de pressão e fluxo sanguíneos. Reservas de
pressão e de volume. Circulações acessórias: esplâncnica, porta-hepática e renal.
Circulação pulmonar. Variáveis hemodinâmicas fundamentais: débito cardíaco,
pressões arterial e venosa, resistência vascular periférica, frequência cardíaca,
retorno venoso, volume sistólico, contratilidade.
Propriedades elementares do coração: automatismo, condutibilidade, excitabilidade
e contratilidade. Eletrofisiologia cardíaca: formação e condução do impulso
cardíaco. Excitabilidade miocárdica. Potencial de ação do coração: mecanismos
e peculiaridades; agentes influenciadores diversos.
Considerações fisiopatológicas: arritmogênese.
1) Panorâmica da Função Cardiovascular.
A função do aparelho cardiovascular consiste na oferta e manutenção de suficiente,
contínuo e variável fluxo sanguíneo aos diversos órgãos da economia, segundo as necessidades
metabólicas dos mesmos face as diversas exigências funcionais do organismo.
Para desempenhar
esta função o aparelho cardiovascular está organizado morfo-funcionalmente para gerar e manter um
gradiente de pressão no seu interior, para conduzir e distribuir continuamente o volume sanguíneo
aos diferentes tecidos, para promover a troca de fluidos, gases e nutrientes entre o compartimento
vascular e os tecidos, e para coletar o volume sanguíneo proveniente dos tecidos retornando-o ao
coração.
Assim, compõe-se de uma bomba premente/aspirante (corações esquerdo e direito), de
um sistema tubular condutor e distribuidor resistivo (sistema arterial), de um sistema trocador
(microcirculação e rede capilar) e de um sistema coletor e reservatório complacente (sistema
venoso).
Integram-se a esta organização fundamental, diversos sistemas circulatórios acessórios:
a circulação esplâncnica (de reserva de volume), a porta-hepática (de coleta de nutrientes), a renal
(para eliminação de produtos metabólicos), e a circulação pulmonar (para a troca de gases
metabólicos).
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Em decorrência da sua organização morfo-funcional, e levando-se em conta seu
objetivo funcional, pode-se concluir que o aparelho cardiovascular opera para manter determinado
volume sanguíneo circulando sob um gradiente de pressão, o qual se traduz no fluxo sanguíneo
circulante; isto é, não existe fluxo sem adequado gradiente de pressão, e de nada adianta existir
gradiente de pressão sem adequado volume sanguíneo (fluxo = pressão / resistência).
O fluxo
sanguíneo circulante é representado pelo débito cardíaco (ou volume minuto cardíaco), e o gradiente
de pressão é a diferença entre as pressões no ventrículo esquerdo e no átrio direito (circulação
sistêmica) e, entre as pressões no ventrículo direito e átrio esquerdo (circulação pulmonar),
diferenças estas que são diretamente proporcionais aos volumes sanguíneos arterial e venoso e as
respectivas resistências vasculares arterial e venosa. Portanto, as pressões arterial e venosa, e o
volume sanguíneo, constituem-se nas variáveis fundamentais que determinam a perfeita dinâmica
funcional cardiovascular.
A estreita relação entre estas variáveis, e aquelas que as determinam
primariamente, são representadas pelas seguintes funções hemodinâmicas:
Pressão Arterial (f) Débito Cardíaco x Resistência Periférica
Débito Cardíaco (f) Pressão Arterial / Resistência Periférica
Débito Cardíaco (f) Frequência Cardíaca x Volume Sistólico
Volume Sistólico (f) Retorno Venoso & Contratilidade
Para o desempenho da função de manutenção de um adequado fluxo sanguíneo
tecidual, os diversos componentes do aparelho cardiovascular incorporam certas propriedades
morfo-funcionais. No caso do coração, quatro propriedades funcionais elementares, sendo três
eletrofisiológicas e uma mecânica, determinam o funcionamento automático e cíclico do órgão para
a geração de pressão e ejeção de variável débito cardíaco: automatismo, condutibilidade,
excitabilidade e contratilidade.
O sistema arterial possui basicamente a propriedade de variação da
resistência oferecida ao fluxo sanguíneo, para a manutenção da pressão arterial e distribuição do
fluxo sanguíneo.
A microcirculação tem a propriedade de permitir a troca de substâncias e
materiais entre o compartimento intravascular e o meio tecidual.
O sistema venoso, por sua vez,
possui a propriedade de variação da sua complacência, que objetiva promover um variável retorno de
volume sanguíneo ao coração e manter uma reserva deste volume.
Embora possuam independência funcional, cada uma das propriedades das diversas
estruturas cardiovasculares está sob a influência reguladora e diferenciada do sistema nervoso
central, por meio do seu componente autonômico que integra o sistema nervoso simpático e o
sistema nervoso parassimpático; diversas substâncias hormonais e humorais circulantes também
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influenciam as propriedades funcionais cardiovasculares. O objetivo destas influências é a
promoção dos ajustes do funcionamento do aparelho cardiovascular, a imediato, curto, médio e
longo prazos, necessários ao preciso desempenho da sua função de oferta e manutenção de adequado
fluxo sanguíneo ao organismo, peculiarmente variável segundo distintas condições ou circunstâncias
fisiológicas.
2) Fenomenologia Eletrofisiológica do Coração.
O fenômeno eletrofisiológico básico de todo tecido excitável, incluindo o tecido
excito-condutor do coração e o miocardio comum, é o potencial de ação, cuja condução ao longo da
membrana celular representa o impulso ou estímulo elétrico.
No coração, o potencial de ação
origina-se automaticamente no nodo sinusal, dadas as peculiaridades eletrofisiológicas deste tecido;
a partir do nodo sinusal propaga-se pelo miocárdio atrial atingindo o nodo atrioventricular, de onde
ganha o tecido especializado condutor dos ventrículos, representado pelo feixe de His e seus ramos
e sub-ramos direito e esquerdo, terminando no sistema de Purkinje, e ativando sequencialmente toda
a musculatura ventricular numa direção e sentido bem definidos.
As propriedades do automatismo
e da condutibilidade dizem respeito a estas capacidades de auto-geração e condução do estímulo
elétrico cardíaco.
A sequência do processo de ativação elétrica ventricular inicia-se pelo ramo direito do
feixe de His, na região medial direita do septo interventricular, de onde atinge as porções medial e
apical do ventrículo direito;
com pequeno retardo, ativa-se a região esquerda do septo
interventricular e em seguida a porção médio-apical do ventrículo esquerdo, a partir da condução do
impulso elétrico pelo ramo esquerdo do feixe de His e seus sub-ramos.
Finalmente, ativam-se as
porções basais ventriculares, a partir do impulso conduzido pelos sub-ramos ântero-superiores direito
e esquerdo.
A ativação elétrica do septo interventricular é traduzida pelo vetor septal ou inicial de
ativação ventricular (onda “q” do ECG), e a ativação das porções médio-apical e basal são
representadas, respectivamente, pelos vetores ventriculares propriamente ditos (onda “R” do ECG) e
pelo vetor basal ou terminal de ativação ventricular (onda “s” do ECG).
Esta sequência hierarquizada e ordenada do processo de ativação elétrica do coração,
pode, no entanto, ser modificada por diversos fatores fisiológicos ou patológicos.
Como forma de
proteção contra distúrbios patológicos que podem interferir neste processo eletrofisiológico,
qualquer parte do tecido excito-condutor e do miocárdio comum atrial ou ventricular é capaz de
auto-gerar o estímulo cardíaco, o que expressa a propriedade de excitabilidade do coração.
Esta
excitabilidade, manifesta mais frequentemente pela extra-sístole, é de tal ordem notável que sofre
comumente a influência, mesmo no coração sadio, de múltiplos fatores intrínsecos e extrínsecos ao
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organismo.
Na presença de uma doença cardíaca a excitabilidade miocárdica fica grandemente
exacerbada, expressando-se em diferentes tipos de arritmias relacionadas principalmente as extrasístoles (e.g, as diversas modalidades de taquicardias paroxísticas, o “flutter” e a fibrilação atriais e
ventriculares).
O potencial de ação do coração constitui-se, representativamente, de dois
componentes iniciais e um componente intermediário: 1) o componente rápido (“spike”), de
curtíssima duração, dependente da acelerada entrada intracelular de ions sodio, que inverte o
potencial de membrana; 2) o componente lento, simultâneo ao anterior e que persiste após o
mesmo, de maior duração, dependente da lenta entrada intracelular de ions calcio.
Estes dois
componentes traduzem as fases de despolarização rápida e de despolarização mantida (“plateau”) do
potencial de ação; esta última constitui-se na base eletrofisiológica da prolongada manutenção do
processo de ativação ventricular e do decorrente fenômeno de contração sistólica.
O componente
final do potencial de ação é representado pela fase de recuperação elétrica da membrana celular, ou
de restabelecimento do potencial de membrana, que se constitui no processo de repolarização,
dependente da saida intracelular progressivamente lenta de ions potássio.
O potencial de ação do tecido nodal (nodos sinusal e átrioventricular) difere
substancialmente daqueles do tecido condutor e do miocárdio comum:
o seu limiar de
despolarização é mais baixo (o potencial de membrana é menos negativo), não possui o componente
rápido, o “plateau” é curto, e apresenta peculiarmente o pré-potencial ou despolarização diastólica;
estas são as características eletrofisiológicas do tecido nodal (marca-passo) que lhe conferem a
propriedade do automatismo.
Alterações em qualquer dos fenômenos eletrofisiológicos que determinam o potencial
de ação do coração, induzidas por influências diversas, constituem-se no substrato fisiopatológico
para a gênese das arritmias cardíacas. Entre os agentes mais importantes, capazes de influenciar
fisiologicamente ou patologicamente o potencial de ação do coração, de maneira direta ou indireta,
incluem-se: o estado do balanço autonômico vago-simpático (a ação parassimpática é antiarritmogênica ou estabilizadora das propriedades eletrofisiológicas, e a ação simpática é proarritmogênica), o meio hidro-eletrolítico tecidual, o equilíbrio ácido-básico orgânico, substâncias
circulantes diversas, agentes farmacológicos (drogas e anestésicos) e grande multiplicidade de
processos patológicos. Particularizando, qualquer agente anestésico, por exemplo, tem a capacidade
de modificar, em maior ou menor grau, as diferentes propriedades eletrofisiológicas cardíacas,
isolada ou combinadamente, atuando diretamente sobre o coração e, ou indiretamente por meio de
modificações da atividade autonômica cardíaca, como formas principais de ação.
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Bibliografia Selecionada
1. Rushmer RF. Estrutura e Função do Sistema Cardiovascular (tradução).
Ed. Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 1974.
2. Guyton AC. Tratado de Fisiologia Médica (tradução). Ed. Guanabara-Koogan,
Rio de Janeiro, 7a. edição, 1989.
3. Coraboeuf E, Nargeot J. Electrophysiology of human cardiac cells.
Cardiovasc. Res. 1993; 27: 1713-1725.
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