UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO SEMI-ÁRIDO PAULA FONSECA BASTOS EPILEPSIA IDIOPÁTICA EM CÃES: REVISÃO DE LITERATURA Salvador – BA 2009 PAULA FONSECA BASTOS EPILEPSIA IDIOPÁTICA EM CÃES: REVISÃO DE LITERATURA Monografia apresentada a Universidade Federal Rural do Semi-Árido – UFERSA, como pré-requisito para obtenção do título de Especialista em Clínica Médica de Pequenos Animais Orientador:. MSc. Otávio Pedro Neto Salvador – BA 2009 Ficha catalográfica preparada pelo setor de classificação e catalogação da Biblioteca “Orlando Teixeira” da UFERSA B327e Bastos, Paula Fonseca. Epilepsia idiopática em cães: revisão de literatura / Paula Fonseca Bastos. -- Mossoró, 2009. 23f. Monografia (Especialização em Clínica Médica de Pequenos Animais) – Universidade Federal Rural do SemiÁrido. Orientador: Prof. M. Sc. Otávio Pedro Neto. 1.Cão. 2.Neurologia. 3.Convulsão. 4.Fenobarbital. I.Título. CDD: 636.7 Bibliotecária: Keina Cristina Santos Sousa e Silva CRB15 120 AGRADECIMENTOS À Deus por estar sempre presente em todos os momentos da minha vida,. Ao prof. orientador e papai do ano Otávio Pedro Neto, por me passar sempre a segurança de que no final tudo daria certo, e deu. Aos meus pais Wilson e Mariza, que sempre estiveram ao meu lado me orientando a estudar e batalhar para ser a melhor. A minha família que sempre acreditou “mais ou menos” no meu potencial de “doutora” e isso me fez lutar diariamente para mostrar que eu sou boa no que faço. A Antônio Júnior, meu noivo, marido, amigo, companheiro e verdadeiro amor, que me apóia, acredita e torce por mim incondicionalmente. Aos meus padrinhos João de Deus e Leila, e meus primos Leonardo, Fernanda, Marcos e ao mais novo membro da família JG (João Gabriel) por me abrigarem e aturarem durante toda esta jornada. À menina Lai e ao menino Adonai, por toda paciência e carinho que têm comigo, meus anjinhos da guarda. À Dra Eliane, amiga de infância que fiz na pós, por não me deixar desistir na reta final e por ter me acompanhado durantes estes eternos meses. À Dra Rita de Cássia, pelo apoio na elaboração deste trabalho. À Dra Roxane pelo empenho e disponibilidade em me ajudar sem nem me conhecer direito, caiu como uma fada acalmando e orientando-me. À Dra Maria Clara, por ter feito de mim a profissional que sou hoje, você é muito Especial. À todos vocês, meu muito obrigada!!! RESUMO A epilepsia idiopática é uma doença caracterizada pela ocorrência de crises convulsivas recidivantes, cuja causa não pode ser identificada. Ela acomete cerca de 2-3% dos cães. O diagnóstico é realizado através da exclusão de todas as outras doenças que causem crises convulsivas, tanto as intracranianas quanto as extracranianas. Embora não exista um tratamento definitivo, as crises podem ser controladas com medicação. O tratamento é recomendado toda vez que o paciente apresentar mais de três crises generalizadas tônicoclônica severas por ano e as medicações recomendadas para o tratamento em longo prazo são o fenobarbital e o brometo de potássio. Palavras-chave: cão, neurologia, convulsão,fenobarbital. ABSTRACT Idiopathic epilepsy is a clinical condition characterized by the frequent recurrence of convulsive relapsers’ situations, which the problem is not yet identified. The disease happens in 2- 3 % of dogs. The diagnostic is made excluding all others disease that may occur convulsive situation, both intracranial and extra cranial. Although there is no definitive treatment the crises can be controlled with medication. The treatment is recommended every time that the patient has more than three generalized tonic-clonic severe seizures per year and the recommended medications for the long-term treatment are Phenobarbital and potassium bromide. Keywords: dog, neurology, convulsion, phenobarbital. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 9 2. REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................... 10 2.1 Etiologia ................................................................................................... 10 2.2 Fisiologia Geral ........................................................................................ 12 2.3. Achados Clínicos e Classificação ........................................................... 12 2.4. Diagnóstico ............................................................................................. 14 2.5. Tratamento............................................................................................... 15 2.6. Falhas no Tratamento .............................................................................. 18 3.CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................... 19 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 21 9 1. INTRODUÇÃO A epilepsia é um distúrbio transitório paroxístico da função do sistema nervoso, resultante de atividade elétrica anormal do cérebro. Não é uma doença específica e sim um grupo de manifestações de qualquer condição que superestimule o cérebro. Essas manifestações acarretam prejuízo ou perda da consciência, fenômenos motores anormais, distúrbios psíquicos, sensoriais e do sistema nervoso autônomo (BLOOD; STUDDERT, 2002). A epilepsia idiopática é uma doença hereditária caracterizada pela ocorrência de crises convulsivas recidivantes, cuja causa não pode ser identificada (ETTINGER; FELDMAN, 2004 e TILLEY; SMITH, 2009). Ela acomete cerca de 2-3% dos cães e por isso precisa ser bem compreendida pelos médicos veterinários. 10 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. Etiologia A epilepsia pode ser classificada em epilepsia idiopática (primária), sintomática (secundária) e sintomática provável (epilepsia criptogênica ou adquirida). A epilepsia idiopática ou primária é causada por um problema funcional hereditário no cérebro e geralmente é dependente da idade. Ela é hereditária em algumas raças como Pastor Alemão, Tervuren Belga, Keeshond, Beagle e Darchshund e sua freqüência pode aumentar pela endogamia (JONES et al., 2002). Pode ser identificada também nas raças são bernardo, cocker spaniel, setter irlandês, boxer, husky siberiano, springer spaniel, malamute do alaska, border collie, sheltie, poodle miniatura, fox terrier pêlo de arame, labrador retriever e golden retriever (SHOW ; IHLE, 1999 e RADOSTITS et al., 2002). A incidência é mais alta nos machos, o que sugere uma hipótese genética envolvendo um gene recessivo autossômico e um gene supressor ligado ao sexo. Essa descoberta se deve ao desenvolvimento rápido de novas tecnologias genéticas para a identificação de genes específicos responsáveis pela epilepsia idiopática (SRENK et al., 1994; FRASER ,2008; NOEBELS, 2003). Além disso, alguns autores citam que cães machos epiléticos quando excitados pela presença de fêmeas no cio ou simplesmente por terem uma libido elevada, apresentam maior chance de convulsionar, sendo necessário, a realização da castração desses pacientes para maior efetividade da medicação. A manifestação das convulsões em animais com epilepsia idiopática é variável. Foi sugerida uma faixa etária de seis meses a cinco anos. Todavia, são encontrados filhotes caninos com epilepsia idiopática nos quais as convulsões foram observadas antes dos seis meses de idade (HOSKINS, 1993). Na maioria das raças, quanto menor a idade de início das convulsões, mais difícil será o controle do distúrbio. No entanto, cães de raça pura como o Cocker Spaniel podem apresentar o distúrbio por volta de oito a doze semanas de idade e superar o problema por volta dos quatro a seis meses de vida. Esta forma de epilepsia é denominada epilepsia juvenil. As convulsões em cães com epilepsia idiopática são comumente tônico-clônicas generalizadas e duram de um a dois minutos (NELSON; COUTO, 2006). As características, os hábitos alimentares e as brincadeiras específicas dos cães não interferem nas manifestações clínicas das convulsões (LENGWEILER; JAGGY, 1999). A epilepsia sintomática é caracterizada por ataques convulsivos causados por uma lesão estrutural identificável no cérebro como por exemplo, traumatismo crânio-encefálico, encefalite, neoplasia, hidrocefalia, lissencefalia, distúrbios de armazenamento lisossomal, 11 entre outros. Assim, mesmo nos intervalos das convulsões podem ser encontradas alterações de nervo craniano, anormalidades mentais, alterações no andar, na postura ou nos reflexos espinhais que denunciem a presença de alguma doença cerebral orgânica. (SHERDING, 1988). A epilepsia sintomática provável é caracterizada por crises convulsivas resultantes de uma lesão estrutural no cérebro, embora não se consiga identificar a causa, suspeita-se de dano cerebral residual decorrente de um distúrbio intra ou extra-craniano anterior como uma agressão inflamatória, traumática, tóxica, metabólica ou vascular anterior. Pode ocorrer em qualquer idade, raça ou sexo em cães e gatos. A causa da epilepsia adquirida não pode ser determinada pela anamnese e os exames físico, neurológico, testes clinicopatológicos e a análise do líquido cefalorraquidiano são normais. O eletroencefalograma e a imagem de ressonância magnética podem ter alterações, diferenciando este distúrbio da epilepsia idiopática (NELSON; COUTO, 2006). Os distúrbios extracranianos, também denominados de ataques convulsivos reativos, como a encefalopatia hepática, hipoglicemia, hipocalcemia, deficiência de tiamina, intoxicação por organofosforado, chumbo e etilenoglicol, embora possam causar ataques convulsivos, não são considerados epilepsia. O ataque convulsivo é uma descarga elétrica, transitória, súbita e descontrolada proveniente dos neurônios cerebrais e que resultam em perda ou desequilíbrio da consciência, alteração do tônus muscular, trismus maxilar ou movimentos mastigatórios, salivação e, com freqüente, micção e defecação involuntárias (NELSON & COUTO, 2006). Em sua maioria, as convulsões originam-se na substância cinzenta rostral ao mesencéfalo. O aspecto da convulsão varia com a região do cérebro envolvida e as alterações na atividade motora podem manifestar-se como espasmos musculares tônicos (rígidos) ou clônicos (convulsivos) e movimentos de “remada” com os membros. O esfregar dos membros na cara, a “caça a cauda”, e a mordedura das partes do corpo sugerem alterações sensoriais. Suspeita-se de alucinações visuais em cães exibindo comportamento de “morder mosca” (ETTINGER & FELDMAN, 2004). 12 2.2. Fisiopatologia Geral A fisiopatologia das convulsões varia de acordo com a causa. O tecido nervoso possui um limiar de excitabilidade e se este limiar for reduzido até um nível crítico, resultará em despolarização neuronal espontânea. Se houver a despolarização de um número suficiente de neurônios, ocorrerá a disseminação de uma onda de despolarização ao longo das vias estabelecidas, indo afetar toda a região ou todo o sistema nervoso. Quando os neurônios normais circundantes são continuamente estimulados, eles se tornam hiperexcitáveis, aumentando o foco convulsivo ou criando múltiplos focos convulsivos, um processo conhecido como “acendimento”. Alguns distúrbios convulsivos pioram com o passar do tempo, e se tornam refratários à medicação, devido ao acendimento (ETTINGER; FELDMAN, 2004). A ocorrência de convulsões aumenta a probabilidade de convulsões adicionais. As alterações sinápticas foram comparadas a “mecanismos de aprendizado” responsáveis pela memória. Existe também uma modificação patológica nos neurônios após as convulsões, primariamente nos dendritos, que variam desde distorções menores, ausência virtual de processos nos neurônios, até a eventual morte neuronal (OKAMOTO; MATSUMOTO, 1984; LORENZ; CORNELIUS, 1996). 2. 3. Achados Clínicos e Classificação As convulsões apresentam três estágios. A aura ou fase pré-íctica é o período imediatamente precedente ao ataque convulsivo. Essa fase é geralmente curta e se caracteriza por alterações comportamentais como inquietação, sialorréia, midríase, choro e ocultamento. O ictus é o ataque convulsivo de fato e pode ser generalizado ou focal. Geralmente é breve, durando até dois minutos e além dos movimentos tônico-clônicos dos membros podem ocorrer perda de consciência e disfunção autônoma (salivação, micção e defecação). O pósicto é o período de recuperação neuronal após o ataque convulsivo, os animais ficam desorientados e deprimidos por um período de tempo variável, geralmente dura menos de trinta minutos (HOSKINS, 1993; BIRCHARD; SHERDING, 2003). O estado epilético é um estado de atividade convulsiva quase constante do qual o animal não retorna à consciência entre as convulsões e pode se desenvolver ocasionalmente. Este é potencialmente fatal para o animal porque o espasmo dos músculos respiratórios interfere na respiração (SHOW; IHLE, 1999). Entretanto, ANDRADE (2002), também denomina de mal epilético uma convulsão 13 que ultrapassa os 30 minutos. As complicações de um estado epilético incluem morte de neurônios com subseqüente enfermidade cerebral orgânica, que se manifesta clinicamente por demência e alteração de personalidade. Foi observada cegueira permanente pós-íctica. Um aumento da excitabilidade dos neurônios cerebrais também ocorre, e isto faz com que o paciente responda menos à medicação anticonvulsivante e piore o prognóstico para o tratamento prolongado. Outras complicações incluem acidose do liquor e soro, edema pulmonar neurogênico, arritmias ventriculares e hipoglicemia (SHERDING, 1988). As crises convulsivas podem ser classificadas como generalizadas ou parciais (focais). As convulsões generalizadas graves demoram tipicamente menos do que cinco minutos, mas as convulsões motoras parciais ou generalizadas leves podem demorar trinta minutos. As convulsões parciais são ainda classificadas em motoras parciais e psicomotoras (SHOW; IHLE, 1999). As crises generalizadas brandas caracterizam-se por alterações motoras em todos os membros, além da musculatura do pescoço e da cabeça, sem a perda de consciência dos pacientes. Estes podem apresentar uma aura ou uma percepção de que a crise está vindo, procurando locais para se abrigar ou procurando o proprietário para confortá-los. Logo em seguida a esta alteração comportamental, começam espontaneamente contrações clônicas incontroláveis nos membros, pescoço e cabeça, o animal em geral mantém-se em decúbito lateral, ansioso e confuso, mas não inconsciente, e com freqüência tenta rastejar até o proprietário. Pode ocorrer sialorréia de moderada a excessiva e algumas vezes, vômito. Essas crises duram de um a dez minutos, mas podem chegar à uma hora, reduzindo-se quando os cães são confortados pelos proprietários. As crises generalizadas severas são também denominadas crises tônico-clônicas ou “Grande Mal” e caracterizam-se por perda de consciência, sialorréia abundante e contrações mandibulares seguidas de contrações tônico-clônicas da musculatura dos membros, pescoço e face. Alguns vocalizam devido a passagem de ar pela laringe contraída, os olhos mantêm-se abertos com dilatação pupilar bilateral, micção e defecação espontâneas. Durante a crise, além do consumo excessivo de oxigênio, os pacientes não conseguem realizar uma boa ventilação e, por isso, apresentam cianose em graus variados. A fase ictal dura aproximadamente 30 a 90 minutos, o período pós-ictal dura de alguns minutos até uma hora e se caracteriza pela exaustão do animal com sonolência acentuada ou hiperatividade, andar compulsivo, amaurose devido à dilatação pupilar e desorientação. Alguns também se apresentam famintos ou sedentos (SPINOSA et al., 2006). As convulsões focais resultam em movimentos que permanecem localizados em uma região do corpo. Podem caracterizar-se por torção de um único membro ou de um lado 14 da face (RADOSTITS et al., 2002). As convulsões parciais motoras originam-se em uma parte do hemisfério cerebral e resultam em sinais assimétricos que podem incluir desvio lateral da cabeça em direção contrária à lesão e fasciculações focais ou contrações tônicoclônicas dos músculos contralaterais faciais ou dos membros. Tais convulsões podem tornarse generalizadas e estão quase sempre associadas a doença estrutural encefálica. Convulsões psicomotoras ocorrem raramente em cães e gatos e se originam no lobo temporal ou nas estruturas límbicas. Elas se manifestam como anormalidades comportamentais paroxísticas e estereotipadas como raiva, histeria, correr atrás da cauda e caçar moscas imaginárias. Sem os testes eletrodiagnósticos realizados durante a mudança comportamental é impossível distinguir as convulsões psicomotoras do comportamento estereotipado compulsivo (NELSON; COUTO, 2006). 2.4 Diagnóstico O diagnóstico da epilepsia idiopática é baseado nos tipos de ataque, na anamnese, e através da exclusão de todas as outras doenças que causem crises convulsivas, tanto as intracranianas quanto as extracranianas (FISCHER, 1995; BLOOD; STUDDERT, 2002). Deve-se então realizar exame físico, neurológico e oftalmológico completo em todos os cães apresentados com histórico de convulsões. Esses exames são normais quando se trata de epilepsia idiopática, ou podem revelar sinais sugestivos de doença neurológica, metabólica ou de intoxicação (SHOW; IHLE, 1999 e NELSON; COUTO, 2006). Em cães epiléticos, não são encontradas alterações nas avaliações clínicas, neurológicas, oftalmológicas, nos exames complementares de diagnóstico por imagem como a Imagem de ressonância magnética e nos exames laboratoriais como o hemograma completo, análise do LCR, análise sérica de glicose, uréia, creatinina, TGO, TGP, cálcio, colesterol, entre outros (NELSON; COUTO, 2006). A anamnese deve ser criteriosa a fim de obter informações que determinem o ataque convulsivo. O proprietário deve ser questionado acerca do comportamento interictal, pois uma alteração no tipo de ataque e demência interictal constituem características comuns das doenças extracranianas. O exame neurológico não deve ser realizado durante a fase pósconvulsiva para que não haja anormalidade no resultado (BIRCHARD; SHERDING, 2003). O exame oftalmológico pode revelar evidência de aumento de pressão intracraniana, papiledema ou presença de lesão inflamatória, que pode conduzir aos diagnósticos de encefalite e meningite (SHERDING, 1988). 15 Os exames laboratoriais incluem hemograma completo, bioquímica sérica com o animal em jejum e urinálise. A análise sérica da glicose, eletrólitos, uréia, creatinina, proteína total, albumina, enzimas hepáticas, cálcio e colesterol poderão ter utilidade para a exclusão de algumas afecções metabólicas. Determinações de ácidos biliares com o animal em jejum e numa situação pós-prandial são necessárias para a determinação da função hepática. As determinações séricas de colinesterase e chumbo são efetuadas caso haja suspeita de exposição a tóxicos. Radiografias torácicas e abdominais devem ser obtidas, especialmente em cães com mais de 5 anos de idade, para a detecção de neoplasias. Se houver suspeita de hipotireoidismo, deverá ser efetuada a dosagem de TSH, T4 livre e T4 total (ETTINGER; FELDMAN, 2004). Caso o paciente sofra convulsões freqüentes ou apresente outros sinais neurológicos, a avaliação diagnóstica também deverá incluir a eletroencefalografia (EEG), líquido cefalorraquidiano (LCR), tomografia axial computadorizada (CAT), e as imagens por ressonância magnética (MRI). Os resultados de todos estes testes serão negativos ou normais em animais com epilepsia idiopática (ETTINGER; FELDMAN, 2004). 2.5. Tratamento Embora não exista um tratamento definitivo para a epilepsia idiopática, as crises podem ser controladas com medicação. O tratamento é recomendado toda vez que o paciente apresentar mais de três crises fortes por ano e as medicações recomendadas para o tratamento em longo prazo são o fenobarbital e o brometo de potássio. O tratamento das convulsões depende da sua etiologia. A terapia tem bom resultado em pacientes que apresentam a epilepsia idiopática ou adquirida, quando o padrão das crises convulsivas ou a sua freqüência estiverem interferindo na vida do animal. Pacientes que têm convulsões por lesão estrutural requerem terapia adicional dependendo da causa (neoplasias e encefalite), mas os animais que apresentam convulsões de origem extracraniana têm seu uso contra-indicado, uma vez que a causa das crises deve ser avaliada e eliminada (hipoglicemia, encefalopatia hepática ou urêmica). Crises generalizadas brandas ou focais esporádicas ou mesmo crises generalizadas severas, não ultrapassando três por ano, não necessitam de controle (SPINOSA et al., 2006 e ANDRADE, 2002). O tratamento emergencial consiste na aplicação de diazepam IV (0,25 a 0,5mg/kg) lentamente, repetindo-se a aplicação por mais 2 vezes, se necessário, com intervalos variando 16 de 15 a 30 minutos. Se não houver controle adequado com o diazepam, aplicar propofol 6 mg/kg ou o pentobarbital sódico (15 a 30mg/kg por via IM ou IM/IV) até a anestesia do animal ou fenobarbital. Em animais apresentando um grande número de crises convulsivas ou status epilepticus é recomendado aplicar o diazepam em solução fisiológica na dose de 0,25 a 0,5mg/kg/h nas primeiras horas; a seguir, redução da dose nas horas seguintes. Aplicar vitamina B1 (SC/IM) seguida de solução de glicose a 5% (5 a 20ml/kg) por via IV. Solução de manitol, a 20% (1 a 2g/kg) por via IV, a fim de reduzir o edema cerebral e o uso de corticóide e oxigenioterapia poderá auxiliar na redução do edema formado (NELSON; COUTO, 2006 e ANDRADE, 2002). 2.5.1. Anticonvulsivantes mais utilizados na medicina veterinária a) Fenobarbital O fenobarbital é a droga de escolha para o tratamento inicial e crônico das convulsões em cães. É uma medicação eficaz, segura, barata e com poucos efeitos colaterais. Controla as convulsões em 60-80% dos cães epilépticos, se a concentração sérica for mantida dentro da faixa adequada. Seus principais mecanismos de ação são a elevação do limiar convulsivo e a redução da excitabilidade neuronal. Também inibe a difusão do foco epiléptico para outras áreas encefálicas, reduz a intensidade das convulsões, diminui sua duração e freqüência, prevenindo efeitos colaterais como degeneração ou morte neuronal decorrentes da atividade convulsiva repetida. Após a administração oral, a concentração plasmática máxima é alcançada em 4 a 8 horas, pois são necessárias aproximadamente 6 horas para que seja totalmente absorvida pelo trato gastrointestinal. Sofre metabolização hepática e seus metabólitos são excretados pelos rins. Devido a sua meia-vida longa (40-90 horas), são necessários 8 a 18 dias para se alcançar um nível sérico estável (entre 20 e 45µg/ml). Para que isto ocorra, deve ser administrado a cada 12 horas na maioria dos cães (BAHRARIAS & NETO, 1999). A dosagem é 2 a 6 mg/kg, VO em cães. Os efeitos colaterais são sedação, polifagia, polidipsia, poliúria, raramente anemia e hepatopatia (ANDRADE, 2002). 17 b) Brometo de Potássio O controle das convulsões refratárias pode ser melhorado através da adição de brometo de potássio a uma terapia de fenobarbital (NELSON; COUTO, 2001). É indicado também em cães que desenvolveram hepatopatias pelo uso de outros anticonvulsivantes. A meia-vida é de aproximadamente 25 dias no cão e sua eliminação é quase que exclusivamente renal. Em virtude da meia-vida longa pode-se utilizá-lo uma vez ao dia ou fracionar a dose em 2 a 5 vezes ao dia, em razão do sabor amargo e da hipertonicidade deste medicamento, evitando distúrbios gastrointestinais (SPINOSA et al., 2006). Segundo SCHWARTZ-PORSCHE & JÜRGENS (1991), os melhores resultados terapêuticos com o brometo de potássio ocorrem em animais que sofrem da generalizada severa. A dose recomendada é de 22 a 66 mg/kg, VO s.i.d. / b.i.d. , 70 a 80 mg/kg/ dia, VO como agente único ou 22 a 30 mg/kg/ dia, VO em associação com fenobarbital (ANDRADE, 2002). Segundo BIRCHARD; SHERDING (2003), o brometo de potássio deve ser usado como droga adjuvante não sendo recomendado como droga única. Os efeitos colaterais incluem ataxia locomotora dos membros pélvicos que desaparece com a redução da dosagem, raramente pancreatite, dermatite alérgica e hipercalemia em pacientes apresentando distúrbios renais (ANDRADE, 2002). Os cães podem experimentar letargia transitória/sedação suave por até 3 semanas após o início da terapia (BISTNER et al., 2002). c) Diazepam É um tranqüilizante menor, que também possui propriedades antiepilépticas (BIRCHARD; SHERDING, 2003). Seu uso como anticonvulsivante é limitado em virtude de sua meia-vida muito curta e o custo da droga também é uma desvantagem do seu uso (NELSON; COUTO, 2006). A terapia com esta droga é indicada em casos de Status Epilepticus, convulsões generalizadas e focais, convulsões mioclônicas e crises de ausência. Não se utiliza o diazepam como anticonvulsivante único em cães, pois desenvolve tolerância em 1 a 2 semanas. Quando absorvido por via oral é rapidamente biotransformado pelo fígado em vários metabólitos. Quando administrado intravenosamente, penetra imediatamente no Sistema Nervoso Central, sendo por isso o anticonvulsivante de eleição em casos de emergência (SPINOSA et al., 2006). A dose recomendada é 0,3 a 0,8 mg/kg 3 vezes ao dia. Pode ser utilizado no tratamento domiciliar de cães com epilepsia idiopática e convulsões em grupos. Em cães na 18 fase pré-convulsiva, a administração de diazepam oral (10 a 30 mg) pode ser utilizada para diminuir a gravidade das convulsões em agrupamentos intermitentes. Antes que a convulsão ocorra ou logo após a primeira, a preparação injetável de diazepam pode ser administrada pelo proprietário por via retal (1 a 2 mg/kg). Essa medida domiciliar pode diminuir a gravidade das convulsões em agrupamentos e diminuir o risco de estado epiléptico ou diminuir a probabilidade do animal necessitar de hospitalização. Os efeitos colaterais são sedação e polifagia (NELSON; COUTO, 2006). Outras substâncias anticonvulsivantes como a primidona e o ácido valpróico apresentam alguns efeitos colaterais indesejáveis para os cães e por isso, não são recomendadas para tratamento em longo prazo (ANDRADE, 2002). 2.6. Falhas no Tratamento As falhas na terapia anticonvulsivante nem sempre se devem à resistência primária ao tratamento, muitas vezes ocorre devido a outros fatores como falha na administração do medicamento e nas doses prescritas do mesmo (SCHWARTZ-PORSCHE, 1992). Portanto, é necessário verificar o tipo de convulsão para a escolha do medicamento adequado. Observa-se a eficiência da posologia, assim como os níveis séricos do medicamento. A associação de anticonvulsivantes com outros medicamentos pode alterar a absorção ou mesmo promover competição na ligação de proteínas plasmáticas, alterando os efeitos terapêuticos dessas substâncias. Tolerância medicamentosa pode ocorrer principalmente se for utilizado o fenobarbital que é potente indutor enzimático, aumentando a biotransformação hepática. O estro pode aumentar a freqüência das crises convulsivas em algumas cadelas. Doenças sistêmicas com vômitos e/ou diarréia alteram a absorção medicamentosa, diminuindo a concentração plasmática. Doenças hepáticas alteram a biotransformação, aumentando os riscos de intoxicação medicamentosa. Anfetaminas, tranqüilizantes fenotiazínicos e organofosforados podem estimular as crises convulsivas em cães epilépticos. A obesidade é outro fator a ser considerado, pois a maioria dos anticonvulsivantes promove polifagia nos animais, aumentando gradativamente o peso, promovendo com isso a diminuição da concentração plasmática e nos tecidos destes agentes. Nestes cães deve-se controlar a alimentação e monitorar os níveis séricos dos anticonvulsivantes (SPINOSA et al., 2006). 19 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS A epilepsia idiopática é um distúrbio encefálico caracterizado por crises convulsivas recidivantes na ausência de lesões morfológicas encefálicas. O encéfalo permanece estruturalmente normal, mas não funcionalmente (TILLEY; SMITH, 2008). Ela é hereditária em algumas raças o que sugere uma hipótese genética envolvendo genes recessivo autossômico e supressor ligado ao sexo (FRASER, 2008; RADOSTITS et al., 2002). TILLEY; SMITH (2008) relatam que as manifestações das convulsões em animais ocorrem entre os 6 meses e 5 anos de idade. Segundo SHOW; IHLE (1999), as convulsões têm início entre os 9 e 36 meses de vida. Se elas começarem antes dos 9 meses ou após os 5 anos de idade, é improvável que seja epilepsia idiopática. Todavia, HOSKINS (1993) tem encontrado filhotes caninos com epilepsia idiopática nas quais as convulsões foram observadas antes dos 6 meses de vida. O controle das convulsões deve ser realizado se as mesmas estiverem interferindo na vida do paciente. O anticonvulsivante de eleição na medicina veterinária é o fenobarbital, por ser uma medicação eficaz e com poucos efeitos colaterais. As falhas no tratamento associamse a resistência medicamentosa, ao estro, doenças hepáticas e obesidade, dosagem abaixo do recomendado ou a não administração do medicamento por esquecimento. Os proprietários devem ser informados que a maioria dos cães com epilepsia idiopática pode ser controlada adequadamente com anticonvulsivantes e têm uma boa qualidade de vida, especialmente os cães de raça pequena (SHOW; IHLE, 1999). Para tanto, é necessário manter o tratamento ininterruptamente, a posologia recomendada e informar sobre a variação individual quanto aos medicamentos e suas dosagens entre os diferentes pacientes. Portanto, uma vez iniciada a terapia, não se deve interrompê-la. Deve ser informado também que, neste período de adaptação, os pacientes poderão apresentar novas crises convulsivas, até o ajuste adequado da dose do medicamento. Recomenda-se que os proprietários anotem em um calendário as freqüências das crises, o número de convulsões por período e a duração das mesmas, auxiliando o profissional a avaliar o sucesso ou não da terapia utilizada. A maioria das crises é controlada, desta forma o sucesso desta terapia anticonvulsivante depende primariamente da compreensão e cooperação dos proprietários (SPINOSA et al., 2006; TILLEY; SMITH, 2008). A epilepsia idiopática é um distúrbio que tem uma baixa prevalência entre os cães e a literatura sobre o assunto é bastante escassa. Através deste trabalho, foi possível elucidar 20 questões sobre os principais aspectos da epilepsia idiopática canina, ampliando o entendimento da mesma entre os acadêmicos e médicos veterinários. 21 REFERÊNCIAS ANDRADE, Silvia Franco. Manual Terapêutica Veterinária. 2 ed. São Paulo Editora Roca, 2002. BAHRARIAS, M.V. & NETO, O.P. Emprego do fenobarbital no controle da epilepsia canina. Revista Clínica Veterinária, ano IV nº23, 1999. Disponivel em http://bahrbituricos.blogspot.com/2008/10/convulses-e-epilepsia-em-ces-e-gatos.html. Acesso em 15.01.2009 BIRCHARD, Stephen J. e SHERDING, Robert G. Manual Saunders Clínica de Pequenos Animais. 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