Número 05/06 – Janeiro / Dezembro – 2000 - ISSN 2179 5215 BRASIL, DOS 500 A OUTROS TEMPOS... F. Itami Campos1 RESUMO Inicialmente, gostaria de agradecer ao ilustre deputado George Morais, vice-presidente desta Casa de Leis, o convite e dizer do esforço que procurei fazer a fim de contribuir para o evento e não ser esse mais um momento de vãs afirmativas acerca desta importante temática – o BRASIL. Gostaria, também, de deixar claro que, como cientista político que trabalha a política brasileira, procurarei fazer uma análise mais política que histórica da trajetória do povo brasileiro em seu processo de afirmação. Brasil, país do presente. Falar sobre o Brasil não é fácil, pois se de um lado se tem todo um percurso histórico que nos convida a refletir sobre nossas origens e formação, de outro somos abrigados a, partindo daí, pensar no porvir, no futuro que se descortina. Tendo esse contraponto como base, trabalharei a exposição. Tomarei o passado como fundamento, como substrato para pensar o futuro, o amanhã. E, desde já afirmo que o Brasil não pode continuar sendo o país do futuro, tem que ser o país do presente. Pindorama. O Brasil, Terra de Santa Cruz, é produto do mundo moderno e não pode ser tomado, pensado, separado do processo que envolve a Europa no final da Idade Média e início da Idade Moderna. A empresa mercantilista, capitalista, é a responsável pelo empreendimento da navegação, da busca de novas especiarias no Oriente. Deste empreendimento comercial é que resultam as ‘novas terras’, terras já portuguesas, dentro das perspectivas definidas pelo Tratado de Tordesilha, em 1494, e que, estrategicamente, Pedro Álvares Cabral vem, política e oficialmente, descobrir, ou melhor, tomar posse. 21 Número 05/06 – Janeiro / Dezembro – 2000 - ISSN 2179 5215 Os nativos da Pindorama viviam numa cultura tecnicamente inferior à do europeu colonizador. Por esse elemento técnico, pela força da arma de fogo, o processo de dominação, na seqüência, vai acontecer. Formação Econômica e Social. Não vou me deter na análise das diferentes formas econômicas que se processaram ao longo do que se denomina formação econômica brasileira, bem trabalhada por Celso Furtado, por Caio Prado Júnior, Francisco de Oliveira e tantos outros. Não se pode, contudo, esquecer que esse processo econômico está embrincado a outros de natureza social e política, será dessa forma que tratarei a temática. Procuro perceber como a economia, na sua produção, expande fronteiras, estabelece formas de convivência e agrega o nativo, o colono, o escravo e o migrante numa caleidoscópica miscigenação que Gilberto Freire em suas obras, especialmente em Casa Grande & Senzala, consagra como ‘democracia racial’. Conceito contraditado por alguns, mas que tem o mérito de realçar o valor do produto desta miscigenação e desfazer o preconceito de quem, por interesses outros, caracterizava o brasileiro como produto de degradado, indolente e preguiçoso! Retornemos à economia. O açúcar com seus engenhos, exigindo mão de obra além da nativa, para o muito labor produtivo, retorna à arcaica forma de escravidão. Traz da África o negro para o eito e dele herdamos costumes, crenças e alimentos. Apesar da lamentável e degradante exploração do negro escravo – descrita em versos por Castro Alves em ‘Navio Negreiro” e denunciados por muitos outros abolicionistas – o negro será um dos elementos fundamentais na formação étnica brasileira e a sua cultura contribuirá sobremaneira para a riqueza culinária, vocabular, para danças e costumes desse país tropical. Vale aqui mencionar o trabalho de Manoel Diégues Júnior, Etnias e Culturas no Brasil, em que apresenta a contribuição das diferentes etnias para a cultura brasileira. Se a economia açucareira era autárquica e voltada para exportação e pouco contribuiu para a integração territorial, a descoberta do ouro e das pedras preciosas vai deslocar para o interior um importante contingente populacional e consolidar uma vida citadina, propiciando a troca de mercadorias entre regiões e dando início a um incipiente mercado interno. 22 Número 05/06 – Janeiro / Dezembro – 2000 - ISSN 2179 5215 Também contribui para a ocupação de vasta extensão de terra o criatório, com o gado se deslocando sertão a dentro, formando fazendas e povoações e constituindo o que se conhece como civilização do couro. Vale destacar que Goiás é produto desses dois movimentos para o interior, da mineração, trabalhada com precisão por Pe. Palacin de saudosa memória, pela pecuária, após a decadência da mineração que não teve o fausto e expressão da mineira. A economia açucareira e a escravidão, tratadas por Jacob Gorender em sua obra Escravismo Colonial, por imposição do modo de produção capitalista cedem ao café o primado da economia brasileira. Novas terras, novas formas produtivas trazem outras gentes para compor a etnia nacional. O colono europeu – italiano, espanhol, alemão – e o colono orientar, especialmente o japonês, redefinem o trabalho e redesenham a economia nacional, contribuindo também para a formação política brasileira. A expansão da cafeicultura, suas exigências e crises abrem espaço à integração de novas regiões, recriando, no dizer de Francisco de Oliveira, novos espaços econômicos. E, fomentam, a partir dos anos 30, o processo de industrialização, importante para quebrar a herança colonial da produção baseada na monocultura, contribuindo para a constituição de uma economia diversificada e tecnologicamente avançada. Formação Política. A formação política do Brasil será trabalhada por mim segundo dois eixos. No primeiro, vou explorar um traço da colonização portuguesa que é a da contraposição entre centralização e descentralização. Num segundo, trabalharei a questão do Estado verso a Nação. Em ambos interessa os desdobramentos posteriores de cada um dos eixos. Ressalto, porém, que não é meu propósito desenvolver conceitos, pois isso demandaria mais tempo. Já nos primórdios da ocupação do território brasileiro descentralização e centralização se apresentam como forma de governo. A dicotomia se revela uma constante, quando a descentralização se mostra inoperante, a centralização se impõe. Assim, as Capitanias Hereditárias (1534) não prosperam, é estabelecido o Governo Geral (1549) com Tomé de Souza. Posteriormente, por questões de defesa do território divide-se a Colônia em dois grandes domínios (1621) Estado do Brasil, como sede em Salvador e Estado do Maranhão, como sede em São Luiz ou em Belém. De novo, tornase necessária a centralização. 23 Número 05/06 – Janeiro / Dezembro – 2000 - ISSN 2179 5215 Temos um Império centralizado, com o poder monárquico intervencionista, em que as províncias não tem autonomia e o poder moderador está acima dos demais poderes. Império seguido por uma República, a primeira de 1889 a 1930, descentralizada, com o reconhecimento das províncias como estado com relativa autonomia, uma república contraditoriamente liberal, mas que o social era caso de polícia. O Movimento de Trinta põe a termo essa forma de governo. A República que o Movimento engendra traz a centralização e o não reconhecimento da autonomia dos estados e municípios. As crises, a agitação política de comunistas e integralistas e a incapacidade das classes dirigentes em governar fazem o Estado impor sua força e como o Golpe de 1937 estabelecer o Estado Novo. Neste regime que vai até ao final da Segunda Guerra em 1945, a crítica à democracia liberal leva à centralização política, à ditadura. O executivo controla a economia e a sociedade, o legislativo, a rigor, não existe. Fim da Guerra. Novos tempos. A Constituição de 1946 marca um período de descentralização em que os partidos políticos, agora nacionais tem importância. O legislativo é palco do debate nacional. A experiência democrática e o movimento social são contidos pelo Movimento de 1964. O regime militar traz a centralização, mantém as eleições, mas controla os partidos, reprime o movimento social. Os estados e o congresso estão sujeitos aos atos institucionais e ao controle do executivo. As crises econômicas, a recessão e o movimento social impõem, contudo, a abertura política e a saída dos militares do governo. A nova república e a democratização pós 1985 superam o controle e a imposição dos atos institucionais. A Constituição de 1988 traz a marca da cidadania. A presença da massa na política, a redefinição do espaço público garantirão e assegurarão, sem dúvidas, a democracia como valor universal neste país. Outro traço marcante e que sido destacado é o da contraposição entre Estado verso Nação. O mundo moderno tem como uma das suas marcas a presença do Estado que realiza a unidade de poder contrapondo-se à realidade do mundo feudal, descentralizada, com poderes dispersos – Igreja, feudos, monarquias e algumas outras. Forma-se o Estado Moderno, burocratizado, capitalista, centralizado, obra da monarquia absoluta, centralizando o poder, retirando-o de qualquer outra instituição. 24 Número 05/06 – Janeiro / Dezembro – 2000 - ISSN 2179 5215 O Estado português é um dos primeiros a se constituir com estas características, centralizado. E vai ser sob esta forma que vai se dar o processo de colonização do Brasil. Neste sentido merece ser citado o livro Os Donos do Poder de Raymundo Faoro. De acordo com ele, o Estado português, moderno, transfere para a América a sua moldagem e impõe uma forma de mando, centralizado que vai ser o lastro da forma econômica colonial, e do patrimonialismo. Para ele o estamento burocrático é produto desta forma de domínio do Estado português. Presente nele vai estar a classe dirigente brasileira que, distante do povo, domina, impõe e constrói a partir de cima uma ordem. Assim, o poder estatal estrutura-se antes de se constituir o povo, domina o território mesmo antes de ele ser ocupado. Para muitos esse é um dos graves problemas políticos da formação social brasileira, pois essa classe dirigente, mancomunada numa burocracia distante, estabelece mecanismos de controle e abafa qualquer veleidade de libertação. Permitam-se mais uma digressão. Achamo-nos no recinto da Assembléia Legislativa que, na configuração de poderes, representa o povo e o que nos tem mostrado o processo político brasileiro é que o legislativo tem sido também vítima da concentração de poder, da hipertrofia do executivo. nos momentos de centralização que relatamos, o congresso e o Poder Legislativo têm sido a primeira vítima. Assim o foi, no pós trinta, no Estado Novo. no Regime Militar. E, neste momento de reafirmação democrática, tenho a esperança de que o Legislativo seja e torne-se cada vez mais o elemento de articulação das forças política que almejam e trabalham por um país democrático e em que a cidadania seja assegurada a todos como inerente à sua condição de brasileiro. Assim, chegamos ao momento final em que torna-se necessário se questionar – por que comemorar 500 Anos e o que comemorar nesta data ? Disse no início e reafirmo – o futuro é importante, mas temos que viver o presente e ele importa enquanto momento em que as forças sociais e políticas configuram-se no movimento social, na sociedade civil organizada, na arena política, enfim, na conjunção de forças que a realidade se nos apresenta. Marx diz, na abertura do 18 Brumário, que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem, não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.” Por isso, o momento de comemorar torna-se importante, como forma de se avaliar o que nos foi legado e transmitido e a partir daí refazer o fio da história. 25 Número 05/06 – Janeiro / Dezembro – 2000 - ISSN 2179 5215 Construindo o Brasil sem sujeição, sem subordinação, sem dependência. Em que o povo expresse sua soberania na reafirmação do seu projeto de nação, formada por etnias diversas, por culturas diversas, que não transija diante da desigualdade, da corrupção e do abuso de poder e que seja antes de tudo democrata. ABSTRACT: (*) Conferência proferida na sessão solene, realizada no Plenário da Assembléia Legislativa do Estado de Goiás, no dia 24 de abril de 2000 às 20:00 horas, em comemoração aos roo Anos do Brasil. 26