47 O DESEJO E O SABER Resumo

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Número 05/06 – Janeiro / Dezembro – 2000 - ISSN 2179 5215
O DESEJO E O SABER
Vera Maria de Moura Almeida
Resumo
O presente artigo trata das relações entre a aquisição do saber escolar e
processos inconscientes, ressaltando-se o papel da falta e do desejo, numa perspectiva
psicanalítica. Neste contexto, faz-se algumas considerações a respeito da atuação do
professor, no sentido de motivar o aluno, através do desejo, na busca do preenchimento
da sua falta fundante.
Ao longo do tempo, a Psicanálise tem sido considerada um método de
tratamento de distúrbios neuróticos e uma teoria explicativa dos processos mentais
inconscientes. Ainda que a teoria psicanalítica não se relacione diretamente com a
Educação, incessante tem sido a busca de contribuições da Psicanálise para o processo
educativo. Desde muito cedo, Freud se preocupava com as relações da Psicanálise com
a Educação, apesar de ter deixado poucos escritos que tratem especificamente da
Educação. Suas reflexões neste campo encontram-se em íntima conexão com as idéias
que compõem a sua teoria e encontram-se diluídas em seus escritos.
Reconhecendo a importância dos processos educativos, no entanto, Freud,
depois de muita busca, constatou que “educar é impossível”, assim como governar e
psicanalisar, uma vez que se sabe previamente que os resultados destas tarefas serão
insatisfatórios. Tal impossibilidade não deve, no entanto, levar à idéia de inutilidade da
Educação, mas aponta seus limites, indica somente a noção de algo que não pode ser
integralmente alcançado.
Dirigindo-se a educadores, Freud recomenda que abandonem o discurso
tradicional repressor, sem abdicarem da autoridade e reconheçam a função da
sexualidade no desenvolvimento da criança. A repressão das pulsões pela coação não
conduz ao seu desaparecimento, nem ao seu domínio, mas ao recalque e à predisposição
à neurose. Acredita que a Pedagogia, esclarecida pela Psicanálise, possa levar à
profilaxia da neurose, compreendendo o efeito nocivo da severidade exagerada e da
eliminação do prazer.

Livre docente. Doutora em Psicologia da Educação.
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A educação não poder reforçar a tirania do superego, mas deve permitir a
sublimação das pulsões agressivas para objetivos socialmente aceitos. Neste
movimento, deixa de ser aliada do recalque e se coloca a serviço da sublimação das
pulsões parciais, uma vez que a sublimação também possibilita a satisfação das pulsões
sem recalcamento, contribuindo para a prevenção da neurose.
É impossível dar à criança liberdade para seguir sem restrições seus impulsos,
devendo o educador possibilitar ao educando o equilíbrio entre o prazer individual e as
necessidades sociais. A criança deve ser educada para, de acordo com a realidade, poder
tanto expressar como dominar a agressividade. Trata-se de encontrar o equilíbrio entre a
proibição e a permissão, equilíbrio difícil de ser alcançado, o que levou Betts (in
Calligaris, 1994: 53), retomando Freud dizer: “A educação situa-se entre o necessário e
o impossível”.
A Educação instaura severas inibições que comprometem a relação do sujeito
com o aprender e traz restrições às funções do ego, incluindo-se o aprender e de modo
especial o aprender escolar. A primeira relação com o saber é de amor, mas na
impossibilidade de capturá-lo, a relação passa a ser de ódio, daí gerando dificuldades de
aprendizagem. Freud afirma que os processos afetivos e os intelectivos são
indissociáveis.
A Psicanálise não oferece diretamente nenhuma contribuição para a Educação,
no que diz respeito aos métodos pedagógicos e aos conhecimentos formais dos
processos de aprendizagem, mas trouxe significativas contribuições para a compreensão
das relações entre dificuldades de ajustamento e fracasso escolar. Muitos aspectos da
teoria podem se estender à Educação, destacando-se especialmente a noção de desejo,
que se situa no centro da teoria e da prática psicanalítica e que é de grande importância
para a compreensão do ato de aprender, uma vez que o aprender se dá através do desejo.
Nas relações iniciais do bebê com a mãe ocorre a impossibilidade de ela
satisfazer plenamente suas pulsões, instaurando-se no bebê uma falta, que se
consubstancia na busca de um objeto perdido, designado por Lacan de “objeto a”, que
gera o desejo do desejo, o desejo de preencher a falta. O “objeto a” aparece intimamente
ligado à falta que nunca se preenche por nenhum objeto real.
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O desejo estrutura-se como desejo de objetos do mundo, que imaginariamente
supririam a falta. Mas, o desejo desliza de um objeto a outro, na busca desse objeto
impossível, perdido e nunca mais recuperado.
Ao estabelecer a compreensão da falta como o que funda o sujeito e ao conceber
o desejo como articulado na dimensão da falta, presentificando a falta e a ruptura dela
decorrente, os transtornos da aprendizagem colocam em causa a falta e o desejo, pois a
escola trabalha com o sujeito que pensa e ao pensar não deixa de desejar. Tais
transtornos apontam para dificuldades maiores, das quais a escolaridade é só uma das
manifestações.
Fendrik (in Calligaris, 1994) diz que o “impossível de educar” declarado por
Freud, provavelmente se liga à impossibilidade de a criança cumprir o “ideal do eu” a
ela imposto pelo educador e à dificuldade de lidar com a decepção conseqüente a sua
não correspondência. Não é possível passar a vida inteira alienada ao desejo, tentando
responder às exigências imaginárias dos ideais, cumprindo todas as aspirações
conscientes ou inconscientes de seus educadores, criando-se assim uma condição de
absoluto não reconhecimento de seu próprio desejo. Nestas condições, o desejo de saber
pode permanecer inibido e a atividade da inteligência limitada talvez para sempre,
colocando o sujeito numa posição alienante de submissão. Na busca de um aluno ideal
exclui-se a particularidade e a singularidade do sujeito, tanto do aluno quanto do
professor. Neste campo, o “desejo não pode aparecer, a não ser de forma deslocada,
através da agressividade, da rebeldia ou da apatia” Betts (in Calligaris, 1994: 39).
Nestas circunstâncias, a Educação declara um “voto de morte” dirigido à criança. O que
falta em geral leva o sujeito à ação, ação que advém do desejo, que quando se fixa num
objeto deixa o sujeito inerte.
Pereira (in Calligaris, 1994) ressalta que no outro extremo, o nada desejar em
relação ao aluno, deixando-o livre de qualquer influência ou coerção não seria menos
nocivo, pois inviabilizaria sua estrutura psíquica, impedindo-a de assumir sua condição
de desejante, já que a pergunta sobre seu próprio desejo se funda como interrogação
sobre o desejo do outro.
A Pedagogia autêntica deseja o desejo de aprender do aluno e o desejo do aluno
é ser o desejo do professor, ser desejado, reconhecido por ele, de tal forma que aquele
que ensina como aquele que aprende sempre serão sujeitos desejantes.
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Tal reconhecimento só pode ser feito pela palavra, que fazendo laço social, possibilita a
constituição de objetos desejantes. O desejo é mediatizado, emerge pela palavra, que
funda o desejo, é condição do desejo. O discurso do educador representa para a criança
o Outro, universo simbólico, que se constrói a partir de sua inscrição na linguagem.
O ensinar se faz na forma discursiva e o falar tem sempre um caráter de poder.
Assim compreendida, a Educação implica deveres e débitos com instâncias simbólicas
da autoridade, que definem limites para o campo do desejo.
O desejo inscreve-se no registro de uma relação simbólica com o Outro, através
do desejo do Outro, semelhante no caso do professor. Freud demanda à escola uma
sustentação no campo do simbólico, possibilitando ao aluno o interesse pelo mundo da
ciência e da cultura, podendo a escola aproximá-lo ou afastá-lo deste mundo, na
dependência do professor. O aprender só ocorre quando existe a subjetivação dos
significados do Outro, o que implica simultaneamente o incorporar das palavras do
Outro e o separar-se delas, tornando próprias as palavras do Outro.
Observa-se que cada vez mais a escola vem provocando o desinteresse dos
alunos, que não acreditam mais na instituição, o que exige mudanças radicais na relação
com o aluno e o saber. Cabe à escola propor conhecimentos significativos para que
possa emergir o sujeito desejante, pois o desejo decorre da demanda e leva à ação.
Como já foi dito, o “objeto a” enquanto eternamente faltante inscreve a presença
de um vazio, que pode ser ocupado por qualquer objeto, sem que nenhum objeto
consiga preenchê-lo, não havendo pré-determinação, não tendo um objeto específico
que o satisfaça. O desejo é único, indestrutível, inconsciente e escapa ao tempo, jamais
podendo ser plenamente satisfeito, sua satisfação será sempre parcial, o que implica um
infindável retorno.
Este é o espaço do professor, criar situações em sala de aula que possam ativar o
desejo do aluno. O professor deve surpreender o saber do aluno, apontar para a falta de
saber, e assim levá-lo a interrogar, questionar e provocar a dúvida, que dinamiza o
desejo. Fazer deslizar os significantes, possibilitando a descoberta de novos
significados, sem fechá-los, permitir o deslizamento de cadeias significantes, que
apontam para algo que não se alcança, num eterno recomeçar.
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Lacan concebe o desejo como sustentado pela fantasia, que o mantém. A
realidade organiza-se em função da fantasia, sendo o desejo o elemento articulador do
real com o simbólico. O que foi dito até aqui, indica que o professor deve manter a
fantasia do aluno com relação ao conhecer, para que o desejo se mobilize, estando
intimamente ligado ao prazer.
Enfim, a Psicanálise possibilita ao professor aceitar os limites da sua própria
ação, quando se reconhece que a frustração é inevitável e reconhece a angústia, a falta e
o conflito, onde quer que eles estejam, como inerentes ao ser humano, mas que existem
maneiras melhores de se lidar com eles.
ABSTRACT
The present article talks about the relationship between the acquisition of the
scolar knowledge and unconscious processes, emphasizing the role of the lack and the
desire, in a psychoanalytical point of view. In this context, some considerations are
made about the performance of the te\acher, in order to motivate the pupil, through the
disire, in search of filling her lack foundanting.
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