51 educação para cidadania e temas transversais

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Número 04 – Julho / Dezembro – 1999 - ISSN 2179 5215
EDUCAÇÃO PARA CIDADANIA E
TEMAS TRANSVERSAIS*
Elza Maria Staciarini**
RESUMO.
Considerando a sala de aula um laboratório de conhecimento e o trabalho
docente decorrente de um planejamento cojunto, o artigo formula uma proposta de
ensino do tema ‘econssistema do cerrado’ – Geografia, tendo por base os princípios de
transversalidade e interdisciplinaridade, fixados pelo Parâmetros Curriculares e pelas
Diretrizes Curriculares Nacionais
INTRODUÇÃO.
Inicialmente gostaria de dizer que é com grande satisfação que estou
participando deste evento, principalmente porque vou ter a oportunidade de dialogar
com colegas sobre temas que me interessam muito e que, de certa forma, fazem parte do
meu cotidiano como professora de Prática de Ensino do curso de Geografia.
Ontem foi discutida a fundamentação teórica da organização curricular nos
Parâmetros Curriculares Nacionais e, hoje, vamos falar de quatro, dos cinco temas
transversais sugeridos nos PCNs: Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde e
Educação Sexual, dos quais os dois últimos ficarão a cargo da Professora Maria Sílvia.
* Palestra apresentada no curso de Atualização em Políticas de Educação Básica em
Outubro de 1998
** Professora do curso de Geografia da FFBS. Mestre em Geografia, UNESP.
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DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
Retornando à palestra da semana passada, devemos lembrar que os Parâmetros
Curriculares, embora muito interessantes, são apenas uma proposta do MEC; uma
contribuição
importante,
mas
não
obrigatória;
não
constituem
um
pacote.
Diferentemente, as Diretrizes Curriculares Nacionais são obrigatórias e devem ser
contempladas na proposta pedagógica da escola. De qualquer forma, os princípios que
regem os PCNs e as Diretrizes para o Ensino Fundamental são bastante semelhantes.
São eles:
princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do
respeito ao bem comum;
princípios dos direitos e deveres da cidadania, do exercício da criticidade e do
respeito à ordem democrática;
princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade e da diversidade de
manifestações artísticas e culturais.
Um outro ponto comum entre os PCNs e as Diretrizes é aquele que trata da
interdisciplinaridade e da transversalidade de temas com o objetivo de exercitar e
desenvolver a cidadania.
O fato de eu estar aqui, hoje, não significa que tenha respostas para todas as
questões, nem que tenha receitas testadas para a inserção dos temas transversais nas
várias disciplinas. Sei que isso é possível e, o que vou fazer é principalmente levantar
pontos para refletimos juntos e dar algumas sugestões através de exemplos práticos. De
qualquer forma, penso que este encontro será *importante no momento em que cada
escola for elaborar sua proposta pedagógica, mesmo que hoje a gente saia daqui com
mais dúvidas do que certezas.
Então, quando falamos em transversalidade estamos falando na dimensão
didática que queremos dar à nossa disciplina e na transformação da prática pedagógica
do professor e, quando falamos em interdisciplinaridade estamos falando na abordagem
epistemológica dos objetos de conhecimento de cada disciplina e suas relações com as
demais, ou seja, devemos compreender que a realidade tem múltiplos ângulos: o
espacial, o social, o natural, o histórico, o cultural, o ideológico, o político, o econômico
etc.
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TRANSVERSALIDADE

Compreender
que a
realidade tem
múltiplas
dimensões
dimensão didática

transformação da prática pedagógica do professor
INTERDISCIPLINARIDADE

abordagem epistemológica dos objetos de
conhecimento de cada disciplina

interação entre as várias disciplinas
Nesse sentido, acredito ser importante refletir criticamente sobre nossa prática
enquanto trabalhadores da educação, prática essa que está inserida numa sociedade
cheia de incertezas, contradições e conflitos. Daí a importância de momentos como esse
para que possamos trocar experiências e compreender melhor a sociedade em que
vivemos e ajudamos a construir. Um outro ponto para reflexão diz respeito ao futuro
dos nossos alunos: daqui a alguns anos eles serão professores, médicos, engenheiros,
políticos... e, se pensarmos que “a educação escolar complementa a educação familiar”
então nós seremos co-responsáveis pelo tipo de profissional que eles vierem a ser e isso
depende, também, dos valores que transmitimos. Por isso não basta apenas que eles
saibam todos os conteúdos; é necessário que eles sejam éticos, que tenham consciência
de seus direitos e obrigações para com a sociedade, que respeitem as pessoas
independentemente de sua raça, cor, sexo, opção sexual ou poder aquisitivo, que tenham
consciência que a natureza é um legado inestimável e que ele também é responsável
pela formação e transformação do ambiente terrestre e, ainda, que a sua ação nesse
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ambiente vai contribuir para melhorar ou piorar a qualidade de vida das pessoas.
Portanto, vai ser a prática de cada um de nós que vai dar suporte ao nosso fazer
cotidiano, ao nosso (re)pensar o ensino. Mas, se em nome da objetividade, nós nos
recusamos a discutir a nossa prática, poderemos ter resultados totalmente diferentes
daqueles esperados. Assim, a discussão das várias disciplinas e a discussão da escola
como um todo institucional devem caminhar juntas. Nós, professores, devemos refletir
sobre a visão dicotomizada que estamos passando aos nossos alunos. Porque enquanto
estivermos preocupados em definir limites para as nossas matérias específicas, isolandoas das outras, estaremos contribuindo para a fragmentação da realidade.
Como, então, repassar conteúdos de nossa disciplina específica e, ao mesmo
tempo, não fragmentar a realidade? Daí a necessidade do planejamento conjunto e das
reflexões em equipe que o projeto pedagógico da escola requer. Deixar para trás
conceitos enraizados, “definições cristalizadas” e encarar a realidade como uma
totalidade é um desafio que nós, educadores, devemos enfrentar se quisermos formar
cidadãos preparados para o mundo do trabalho, para o empreendedorismo e para a vida;
porque enquanto estivermos preocupados em definir a geografia, a história, a
matemática..., sem inseri-las em um contexto mais global (e social) estaremos perdendo
a noção de totalidade, ou seja, estaremos perdendo a noção do real.
Visão Dicotomizada

Definições Cristalizadas

Saber Parcelizado

Perspectiva Disciplinar Rígida

FRAGMENTAÇÃO
DA REALIDADE
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Por outro lado, encarar a realidade como totalidade, não significa ser polivalente ou
falar de todas as coisas; significa, sim, interagir com as outras disciplinas de forma a
não fragmentar o saber. O professor tem o dever de conhecer o currículo da série que
ele trabalha, bem como o da anterior e o da posterior para que ele tenha uma visão dos
conteúdos que seus alunos estão adquirindo, uma vez que nenhuma disciplina é um
saber específico em si mesmo. Ainda é necessário alargar o debate em torno da
interdisciplinaridade e da transversalidade e envolver todos os professores na elaboração
da proposta pedagógica da escola, na medida em que ela (a proposta) só terá sentido se
for compartilhada e apropriada por todos e deverá ser entendida como uma mudança de
atitude, como uma nova forma de agir e de pensar e não como um discurso bonito do
MEC ou como uma tarefa “para casa” passada pela direção da escola, até porque o
homem celularizado, internetizado, globalizado, permanece infeliz e fechado em sim
mesmo. Nesse sentido, a sala de aula tem que deixar de ser auditório de informação para
ser laboratório de conhecimento, para não corrermos o risco de ter uma sociedade muito
bem informada, mas ignorante. A função da escola é fazer com que a criança e o jovem
elaborem o conhecimento através das informações. Que eles tenham a capacidade de
trabalhar as informações e gerar seu próprio conhecimento, pois essa é a grande
diferença do mundo globalizado.
Reflexões em equipe
Planejamento conjunto
Interação entre as
áreas específicas
REALIDADE
COMO
↕
TOTALIDADE
Respeito às pessoas
Participação
Respeito à natureza
FORMAÇÃO
DA
CIDADANIA
Dignidade do ser humano
Igualdade de direitos
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Co-responsabilidade
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Como já foi dito, os Parâmetros Curriculares Nacionais, ao proporem uma educação
comprometida com a cidadania, elegeram princípios segundo os quais orientar a
educação escolar, como: dignidade das pessoas, igualdade de direitos, participação, coresponsabilidade pela vida social. Nesse sentido, a cidadania é o eixo vertebrador da
educação escolar e as áreas convencionais dos currículos são necessárias, mas não
suficientes para se alcançar esse fim; por isso meio ambiente, pluralidade cultural,
saúde, orientação sexual, ética, devem ocupar, na escola, o mesmo lugar de importância
dos temas convencionais, sem contudo, constituírem áreas específicas. Esses temas
transversais vão dar sentido social a procedimentos e conceitos próprios das áreas
convencionais, uma vez que não é possível fazer um trabalho pautado na
transversalidade tendo um currículo com uma perspectiva disciplinar rígida. Sabemos
que a realidade social é contraditória, plural e polissêmica, pois é formada por vários
grupos e classes sociais implicando em pontos de vista e projetos políticos diferentes;
daí a necessidade da ação política dos educadores e da escola como instrumento e
espaço de reprodução e transformação da sociedade.
A educação para a cidadania requer que questões como meio ambiente, pluralidade
cultural, saúde, orientação sexual, ética sejam apresentados para aprendizagem, reflexão
e avaliação dos alunos. Apesar de algumas disciplinas já tratarem esses temas, o que se
propõe é que eles sejam tratados em todas as disciplinas de forma contínua e integrada
(e não em momentos estanques) pois seu estudo deve recorrer ao conjunto de
conhecimentos relativos às diferentes áreas do saber. Diante disso optou-se por integrálos ao currículo através do que se chama transversalidade.
No estudo do tema Meio Ambiente deverão ser tratados, entre outros, os seguintes
aspectos:
-
elementos naturais e construídos do meio ambiente;
-
áreas rural e urbana;
-
proteção ambiental: preservação, conservação, recuperação, degradação;
-
sustentabilidade;
-
diversidade;
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No estudo da Pluralidade Cultural, há que se considerar:
-
pluralidade cultural e vida das crianças no Brasil;
-
espaço e pluralidade;
-
tempo e pluralidade;
-
vida sócio familiar e comunitária;
-
pluralidade e educação;
-
constituição da pluralidade cultural do Brasil e situação atual;
-
continentes e terras de origem dos povos do Brasil;
-
trajetórias das etnias no Brasil;
-
pluralidade cultural e cidadania, entre outros.
Se a escola optar por trabalhar com estes temas, ela deverá ter o compromisso de dar
aos professores condições para aquisição de informações. Isso não significa que todos
os professores devam saber tudo sobre todos os temas, mas eles deverão estar dispostos
a aprender e a impregnar as suas práticas pedagógicas e educativas com esses assuntos.
É claro que a inserção dos temas transversais nas diferentes áreas não é uniforme; é
preciso respeitar a singularidade, tanto dos temas, quanto das disciplinas. Quando se
fala em meio ambiente, por exemplo, a primeira noção que se tem é que esse tema só
poderá ser tratado pela Geografia, Ciências Naturais, Biologia... Pluralidade Cultural,
pela mesma forma, está mais relacionada com História, Sociologia, Geografia... mas
esses temas também ganham importância nas outras disciplinas como Matemática,
Educação Física, Língua Portuguesa e em todas as outras.
No início dessa palestra eu disse a vocês que não tinha receitas prontas, mas que
ia apresentar sugestões. Para isso escolhi um assunto “Ecossistema Cerrado” dentro dos
temas transversais Meio Ambiente e Pluralidade Cultural e elaborei uma matriz com
sugestões de conteúdos nas várias áreas, disciplinas e princípios do Ensino
Fundamental, e dos PCNs. Essa matriz poderá ser modificada e vocês poderão
acrescentar ou subtrair assuntos dependendo da realidade de cada escola e daquilo que o
conjunto de professores elegeu como prioridades.
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Ecossistema Cerrado
Temas Transversais: Meio Ambiente e Pluralidade Cultural
Geografi História Língua
Matemátic Ciên.
a
Portug.
a
Naturais
3
4
5
Arte
Ed.
Língua
Física
Estrang.
7
8
Sugestão de
Conteúdo
1
2
6
Princip.
Éticos
Princ.
Direitos
e Deveres
Princ.
Estéticos
1. Geografia
Conteúdo: domínio morfoclimático – composição – ocupação – agricultura –
urbanização – transformação do espaço – condições ambientais – a construção de
Goiânia e Brasília – as queimadas – mudanças na economia – conservação –
preservação – parques e reservas – sustentabilidade – comparação com outros
ecossistemas brasileiros e mundiais – condições de vida da população – diversidade
cultural – recursos hídricos.
Princípios: respeito ao meio ambiente – exercício da criticidade – participação
2. História
Conteúdos: povos primitivos e colonizadores – culturas preservadas e extintas –
abertura da fronteira agrícola – mudanças ambientais e culturais – ocupação do território
brasileiro e goiano – grupos étnicos.
Princípios: respeito ao bem comum – respeito a outras culturas – diversidade de
manifestações culturais.
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3. Língua Portuguesa
Conteúdos: vocabulário regional – música, literatura e poesia regionais.
Princípios: diversidade de manifestações culturais – sensibilidade – criatividade –
participação.
4. Matemática
Conteúdos: problematização de questões como: área desmatada, queimada, plantada
– quantitativos populacionais – curvas de produtividade, desemprego – maquinário
agrícola – geração de energia.
Princípios: responsabilidade – autonomia – criticidade – participação.
5. Ciências Naturais
Conteúdo: espécies animais e vegetais existentes e em extinção – conseqüência do
uso de agrotóxicos – plantas medicinais – biodiversidade – sustentabilidade – poluição
hídrica.
Princípios: respeito ao meio ambiente – participação – sensibilidade – respeito à
cultura.
6. Arte
Conteúdos: danças típicas e atuais – artesanato – folclore.
Princípios: respeito à cultura, ao bem comum – sensibilidade – criatividade –
diversidade de manifestações artísticas e culturais.
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7. Educação Física
Conteúdos: jogos – brincadeiras – danças típicas.
Princípios: respeito à cultura, ao bem comum – sensibilidade – criatividade –
diversidade de manifestações artísticas e culturais.
8. Língua Estrangeira
Conteúdos: vocabulários indígenas utilizados em nomes de cidades, rios, comidas
etc.
Princípios: respeito à cultura – sensibilidade – diversidade de manifestações
culturais.
Essa é apenas uma sugestão entre as inúmeras opções que temos. Basta que sejamos
criativos e aproveitemos as experiências dos alunos, pois não se muda a educação com
leis, mas com a nossa ação efetiva.
ABSTRACT.
From the principles of transversality and interdisciplinarity, established by the
“Parâmetros Curriculares e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais” (Syllabi Parameters
and National Syllabi Orientations), the article formulates a proposal for teaching the
theme “Ecosystem of the Cerrado”- a content traditionally worked in Geography.
The proposal considers the classroom as a laboratory of knowledge and
the professors’ work is based on a school plan which has the citizenship as a basis for
education.
BIBLIOGRAFIA
KARRARA, Kester. Psicologia e Construção da Cidadania. Revista Psicologia ano 16 n.º 1,
1996.
MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Brasília. 1997.
MEC. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. 1997.
PORTO, Carlos Walter G. Reflexões sobre Geografia e Educação. Revista Terra Livre 2.
São Paulo. 1987.
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