Transtorno de Estresse Pós-Traumático e Terapia comportamental

Propaganda
ACTA COMPORTAMENTALIA
Vol. 23, Núm. 2 pp. 167-183
Transtorno de Estresse Pós-Traumático e Terapia
comportamental: um estudo de caso
(Post-traumatic stress disorder and behavioral therapy: a case study)
Vagner Angelo Garcia*1 & Alessandra Turini Bolsoni-Silva**
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Psicologia
do Desenvolvimento e Aprendizagem - Unesp/Bauru
**
Departamento de Psicologia Unesp/Bauru, Programa de Pós-Graduação
em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem
(Brasil)
*
RESUMO
O presente artigo descreve o caso de uma paciente vítima de abuso sexual na infância que desenvolveu um
quadro de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Questões relacionadas a abuso sexual, características do TEPT e formas de tratamento são discutidas. A intervenção foi conduzida na perspectiva da Análise
do Comportamento, tendo como foco as queixas da cliente relacionadas ao transtorno, bem como outras
demandas, tais como relacionamento com a mãe e a irmã, dificuldades de estudo (faculdade) e aumento
de peso. Procurou-se através da intervenção conscientizar a cliente sobre o transtorno e seu tratamento
(Psicoeducação), promovendo autoconhecimento, habilidades sociais, refletindo sentimentos e em paralelo
foi trabalhada a dificuldade de estudo e o aumento de peso. Como medidas avaliativas da intervenção (pré/
pós-teste) foram utilizados instrumentos para rastreamento de TEPT e comorbidades. Conclui-se que a intervenção foi efetiva para o desaparecimento dos sintomas característicos de TEPT, bem como para a promoção
de repertórios relacionados à queixa da cliente.
Palavras-chave: abuso sexual; transtorno de estresse pós-traumático; terapia comportamental.
ABSTRACT
This article describes the case of a victim of sexual abuse in childhood who developed Post-Traumatic Stress
Disorder (PTSD). Issues related to sexual abuse, PTSD characteristics and forms of treatment are discussed.
The intervention was conducted from the perspective of Behavior Analysis, focusing on the patient complaints related to the disorder, as well as other issues such as her relationships with her mother and sister,
difficulties to study at college and weight gain. During the intervention the client was educated about the
disorder and its treatment (psycho-education); self-awareness, social skills and reflections about feelings
were promoted. The difficulties to study and weight gain were treated in parallel. As evaluative measures of
intervention (pre/post-test) were used screening instruments and comorbid PTSD. It was concluded that the
intervention was effective for the disappearance of the characteristic PTSD symptoms, as well to promote
repertoires related to the patient complaints.
Keywords: sexual abuse; post-traumatic stress disorder, behavioral therapy.
1)
E-mail: [email protected]
168
VAGNER ANGELO GARCIA & ALESSANDRA TURINI BOLSONI-SILVA2015
O abuso sexual infantil pode causar danos tanto a curto quanto em longo prazo, incluindo psicopatologias
mais tarde na vida adulta (Hornor, 2013). Ele é apontado pela literatura como fator preditivo para o desenvolvimento de transtornos de ansiedade, sintomas depressivos e agressivos, problemas quanto ao seu papel
na sociedade e funcionamento sexual e sérias dificuldades em relacionamentos interpessoais (Maniglio,
2009; Hornor, 2013). Alguns fatores podem contribuir para o agravamento do caso e consequente desenvolvimento de traumas, como por exemplo, a proximidade com o agressor, o uso de violência, o tipo de abuso,
sendo que a procura por ajuda especializada só ocorre quando esses traumas psicológicos e emocionais
vierem a se agravar (Passarela, Mendes & Mari, 2010; Serafim, Saffi, Achá, & Barros, 2011; Hornor, 2013)
Peredaa et al. (2009) analisaram 65 estudos de investigação em um total de 22 países com o objetivo
de fazer uma mapeamento global para o abuso sexual e descobriu que cerca de 7,9% dos homens e 19,7%
das mulheres no mundo sofreram abuso sexual antes da idade de 18 anos. Complementando esse dado, um
estudo de Amstadter et al. (2008) apresentou uma taxa de 36% de desenvolvimento do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) para as vítimas de abuso sexual.
O abuso sexual de crianças e adolescentes, na maioria das vezes, é praticado por alguém próximo a
vítima (Serafim et al., 2011). Numa pesquisa com 205 crianças/adolescentes, vítimas de abuso sexual, Serafim et al. (2011) descobriram que os principais abusadores eram os pais (38%) ou padrastos (29%), sendo
que muitas vezes a criança encontrava dificuldades para denunciar o abusador, o que contribui para que o
abuso se prolongue por anos e as consequências sejam ainda mais graves. Sendo o Transtorno do Estresse
Pós-Traumático (TEPT) um dos transtornos mais comuns em vítimas de abuso sexual, o próximo tópico
aborda algumas características a ele relacionadas.
TEPT: SINTOMAS E CARACTERÍSTICAS GERAIS
O Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) foi observado pela primeira vez em estudos envolvendo
veteranos de guerra nos Estados Unidos, onde se caracterizava pela revivência de um evento extremamente
traumático, acompanhada por sintomas de excitação aumentado e esquivas de estímulos associados com o
trauma (APA, 2000). Em 1980, o TEPT foi classificado no Diagnostic Statistical Manual (DSM-III). Com
ligeiras modificações foi mantido no DSM-III-R (1987), no DSM-IV (1994) e na Classificação Internacional
de Doenças, CID-10 (1992), sempre classificado como um dos transtornos de ansiedade (Sbardelloto, Schaefer,
Justo & Kristensen, 2011). Recentemente, com o lançamento do DSM-V (APA, 2013) houve duas mudanças
importantes nos critérios diagnósticos: a retirada da exigência de que o evento traumático fosse vivenciado ou
testemunhado pelo próprio indivíduo aceitando que o TEPT seja desenvolvido por quem soube que um evento
traumático que aconteceu com um familiar próximo ou amigo próximo; e o outro é relacionado a necessidade
de que o evento fosse vivenciado com intenso medo, impotência, ou horror, a justificativa é que tais características não apresentava diferenças quanto ao diagnóstico e evolução do caso (Araújo & Neto, 2014).
São considerados eventos potencialmente traumáticos aqueles em que a pessoa experiencia, testemunha ou se defronta com situações de ameaça à vida ou à integridade física (de si ou de outrem). São
exemplos dessas situações os acidentes naturais, automobilísticos, assaltos, sequestros, ameaça com arma,
violência sexual, morte súbita e inesperada de parente ou amigo muito próximo (Figueira & Mendlowiczb,
2003; O’Connor, 2005; Pulcherio, Vernetti, Strey & Faller, 2008; McLean & Foa, 2011, Hornor, 2013).
Os sintomas são categorizados em três esferas: I) Revivência do acontecimento traumático (em
pesadelos ou mesmo durante o estado de vigília); II) Evitação sistemática dos estímulos associados ao trauma e III) Sintomas de humor ansioso: taquicardia, respiração curta, constrição precordial, “formigamentos”,
parestesias, sudorese, extremidades frias ou também cefaleias, tonturas, “peso no estômago”, insônia e irritabilidade, explosividade, hipervigilância e sobressalto (Câmara Filho & Sougey, 2001; Ximenes, Oliveira
& Assis, 2009; Habigzang, Borges, Dell’Aglio & Koller, 2010).
Vol. 23, Núm. 2
TEPT E TERAPIA COMPORTAMENTAL169
Os sintomas do TEPT, em geral, iniciam-se nos primeiros três meses, porém pode ocorrer um
lapso de meses ou mesmo anos após o trauma (Freitas et al., 2011). Freitas et al. (2011) relatam um caso que
ocorreu 25 anos após o evento traumático. Nesse relato de caso, a cliente com 34 anos passou a apresentar
os sintomas do TEPT após a exposição a um noticiário que relatava fatos semelhantes ao trauma vivenciado
na infância. O próximo tópico discute possibilidades de intervenções para o TEPT.
O TRATAMENTO PARA O TEPT
Há diversas intervenções para o TEPT descritas na literatura, tais como Terapia Cognitivo-Comportamental (Walsh, 2002; O’Connor, 2005; Hinton et. al., 2011; Kar, 2011; McLean, & Foa, 2011; Cummings,
Berkowitz & Scribano, 2012), Treino em Relaxamento (Knapp & Caminha, 2003; Bourne, 2005), Terapia
de Exposição (Bourne, 2005; Foa et al., 2005; Rauch, Eftekhari & Ruzek, 2012), Terapia Cognitiva (Bourne,
2005), Treino em Habilidades Sociais (Walsh, 2002), Psicoeducação (Walsh, 2002; Passarela et al. 2010),
Terapia em Grupo (Sloan, Bovin, & Schnurr, 2012).
Wells (2010) propõe uma intervenção baseada na Terapia Metacognitiva que compreende três fases:
a) conceitualização e socialização, em que o terapeuta expõe ao cliente que os sintomas que seguem ao trauma são fruto do mecanismo de adaptação para lidar com o trauma; b) analisar com o cliente as vantagens e
desvantagens de se preocupar e ruminar e c) modificação atencional, onde o objetivo é que o cliente possa,
sempre que se sentir ansioso, retornar a sua rotina de vida normal, dirigindo sua atenção para outros pontos,
diferentes dele próprio e da ameaça. Esse tipo de intervenção é uma nova proposta dentro da perspectiva
cognitiva (Wells, 2010), pois se apresenta como uma forma alternativa de não abordar exaustivamente o
trauma. Segundo os autores a técnica pode ser muito útil em casos em que o cliente se recusa e/ou se esquiva
de falar sobre o evento traumático em si.
Na perspectiva da Análise do Comportamento, a intervenção descrita por Wells (2010) se assemelha a
psicoeducação e análise funcional. No primeiro momento, o terapeuta deve informar ao paciente as características do transtorno e seu desenvolvimento. O segundo momento, quando são analisadas vantagens e desvantagens relacionadas à preocupações/ruminações, é semelhante ao procedimento de análise funcional, onde o
terapeuta estimula o cliente a relatar fatos, condições antecedentes e consequentes, favorecendo prever consequências e tomar decisões. O que Wells (2010) chama de modificação atencional poderia ser entendido como
orientar o cliente a emitir operantes alternativos de forma a produzir reforçadores positivos e reduzir aversivos,
no caso a ansiedade e pensamentos desagradáveis (reforçador negativo), como destacado por Skinner (1974)
ao descrever estratégias de autocontrole e a importância de usar/emitir comportamento concorrente.
A Psicoeducação (Walsh, 2002; Martins, 2009; Passarela et al. 2010) consiste em esclarecer ao paciente sobre as características do TEPT, levando o cliente a compreender que os sintomas que apresenta não
são diferentes dos apresentados por pessoas que foram expostas a estresses semelhantes, proporcionando
um ambiente em que o cliente se sinta seguro, sabendo que o terapeuta compreende suas dificuldades, contribuindo para a eficácia da terapia.
Na perspectiva da abordagem comportamental ao TEPT, o condicionamento clássico explica o emparelhamento que ocorre na associação dos sintomas com o trauma, onde as vítimas “... reagem ao evento
traumático (estímulo incondicionado) com medo e ansiedade (resposta incondicionada) e passam a exibir a
mesma resposta, agora condicionada, às dicas (estímulos condicionados) que foram pareados com a situação
estressora” (Calais, Baptista & Dias, 2002, p.353). Dessa forma, seria esperada a extinção das respostas
condicionadas com o passar do tempo, caso não houvesse nova exposição ao evento traumático. Porém, não
é isso que ocorre e é possível buscar explicação através do modelo do condicionamento operante proposto
por Skinner, onde as respostas de evitação/esquiva são aprendidas e reforçadas negativamente, tornando-se
resistente a extinção (Knapp & Caminha, 2003).
170
VAGNER ANGELO GARCIA & ALESSANDRA TURINI BOLSONI-SILVA2015
A intervenção comportamental tem utilizado a análise funcional para definir objetivos comportamentais a serem atingidos durante o processo terapêutico (Calais & Bolsoni-Silva, 2008). Mais que um recurso,
a análise funcional permite a avaliação, obtenção de informações e planejamento da intervenção, além de autoconhecimento (Sturmey, 1996; Costa & Marinho, 2002). Com ela é possível levantar hipóteses sobre como
e porque ocorre o comportamento-problema do cliente (Calais & Bolsoni-Silva, 2008), e consequentemente
o cliente passa a ter mais conhecimento sobre si, passando a identificar o conjunto complexo de variáveis
que estão envolvidas no problema-queixa. Outro mecanismo utilizado pelo terapeuta comportamental que
auxilia na construção do autoconhecimento pelo cliente é o treino discriminativo, onde o terapeuta busca
promover um responder diferencial perante aspectos do ambiente (Borges & Cassas, 2011).
Por exemplo, quando o cliente apresenta-se ansioso, ele pode optar por ficar ruminando (A), o que
pode trazer algum reforçador (negativo no caso de conseguir encontrar alguma solução para o problema),
mas pode acabar mantendo a ansiedade (punição). Por outro lado, o cliente pode sair e ir ao cinema (B), o
que vai produzir reforçadores positivos (alegria) e reduzir aversivos (pensamentos desagradáveis e ansiedade). Nesse caso, o papel do terapeuta, ao analisar as contingências, consiste em aumentar o valor reforçador
das consequências que mantém B (através de contingências verbais) e minimizar o valor aversivo das consequências de A.
Dentro dessa perspectiva, no tratamento do TEPT, o terapeuta pode propor uma intervenção a partir
das demandas do cliente, tratando de seus problemas de acordo com as dificuldades apresentadas, mas buscando compreender a ecologia comportamental (Goldiamond, 2002/1974), identificando classes de ações e
classes de estímulos, para então, promover comportamentos funcionalmente equivalentes, de forma a obter,
com operantes alternativos, reforçadores que mantém o(s) problema(s) relatado(s).
Cloitre et al. (2002) apontam que o TEPT decorrente de abuso sexual na infância, quando apresentado
por mulheres na idade adulta, pode exigir um tratamento mais complexo. A justificativa é que essas mulheres
podem ter se desenvolvido com déficits de relacionamento interpessoal, como sequelas do abuso sofrido.
Mulheres, vítimas de abuso sexual na infância, relataram menos satisfação com namoro e casamento, dificuldades de relacionamento com os pais, problemas de relacionamento no trabalho, maior isolamento social
do que as mulheres sem história de abuso (Lamoureux, Palmieri, Jackson, & Hobfoll, 2012). A frequência
e a extensão das dificuldades interpessoais, bem como o seu impacto na vida dessas pessoas indicam fortemente a necessidade de intervenções específicas a esses problemas.
Para esses problemas de relacionamento interpessoal, o campo do Treinamento de Habilidades Sociais
(THS) pode contribuir. Os comportamentos emitidos nas interações sociais são descritos em comportamento
habilidoso, não habilidoso passivo e não habilidoso ativo (Del Prette & Del Prette, 2010). Do ponto de vista
da Análise do Comportamento todo comportamento se mantém porque produz reforçadores, então, ainda
que os comportamentos não habilidosos gerem punições e sentimentos negativos associados, eles se mantêm porque produzem reforçadores, ainda que negativos (Bolsoni-Silva & Carrara, 2010). No caso de uma
pessoa que passou por uma experiência traumática e que passou a apresentar sintomas de TEPT, não raro
pode-se observar a emissão de comportamentos de isolamento social, o que, somado a um histórico de vida
com dificuldades no relacionamento interpessoal, devido a excesso de comportamento não habilidoso, maior
poderá ser a dificuldade de interagir com pessoas, sair de casa, ou seja, o indivíduo terá mais dificuldade em
emitir operantes que poderiam produzir reforçadores que concorreriam com os pensamentos desagradáveis
e ansiedade. Justifica-se, assim, o Treinamento em Habilidades Sociais (THS) na intervenção ao TEPT, pois
se a pessoa tiver acesso a reforçadores por meio de algumas classes de respostas (as respostas habilidosas),
poder-se-á diminuir a probabilidade de emissão de respostas controladas por reforçamento negativo.
Ehlers et al. (2010), em revisão de diversos estudos de meta-análise sobre a eficácia de procedimentos de intervenção para o TEPT, apontam que as diretrizes de tratamento internacionais recomendadas ao
TEPT, são aquelas que envolvem uma intervenção com foco no trauma como tratamento de primeira linha.
Vol. 23, Núm. 2
TEPT E TERAPIA COMPORTAMENTAL171
Os autores também apontam que para avançar na compreensão do tratamento ideal para TEPT, deve ocorrer
maior investigação sobre os mecanismos ativos de mudança terapêutica, incluindo elementos do processo
terapêutico. Por exemplo, enquanto o estado atual da literatura de TEPT sugere que abordar diretamente memórias traumáticas em seu tratamento tem uma vantagem sobre os fatores não específicos, novas pesquisas
com medidas de processo podem contribuir para a descoberta de outros pontos de intervenção.
McDonagh et al. (2005) realizaram um estudo comparativo entre a terapia cognitivo-comportamental
e a terapia de resolução de problemas com mulheres diagnosticadas com TEPT decorrente de abuso sexual
na infância. Os participantes foram encaminhados aleatoriamente, e em igual número, para cada uma das
terapias e para uma lista de espera. O tratamento consistia de 14 sessões com duas horas de duração média
para ambas as terapias. Na abordagem cognitivo-comportamental, o procedimento consistia em exposição
ao trauma, reestruturação cognitiva, psicoeducação e realização de tarefas de casa. Na perspectiva da terapia
de resolução de problemas, a intervenção não foi focada no trauma, mas sim em ajudar o cliente a reconhecer o impacto de sua história de trauma em seu padrão de relacionamentos e ensinando-lhe uma abordagem
sistemática para a resolução de problemas, refletindo sobre os efeitos comuns de traumas na infância. Os
resultados demonstram que ambas as terapias apresentaram remissão nos sintomas de TEPT, entretanto, a
terapia cognitivo-comportamental evidenciou maior efetividade (maior proporção na redução de sintomas)
enquanto que a terapia de resolução de problemas apresentou maior adesão ao tratamento.
Outra intervenção ao TEPT em mulheres que sofreram abuso sexual na infância foi descrita por
Cloitre et al. (2002), onde 68 mulheres foram submetidas a uma intervenção em terapia cognitivo-comportamental. Cloitre et al. (2002) aplicaram um procedimento em duas fases, onde primeiramente foram tratadas
as dificuldades no relacionamento interpessoal e num segundo momento houve a terapia de exposição ao
trauma e a reestruturação cognitiva. Os resultados apontam uma melhora significativa nos sintomas do
TEPT, bem como maior adesão ao tratamento.
A questão da adesão ao tratamento discutida nos dois últimos estudos, bem como seus resultados
enfatizam a complexidade do TEPT quando de desenvolvimento tardio em pessoas vítimas de abuso sexual
na infância. A maior aderência descrita nos estudos de McDonagh et al. (2005) com o grupo que passou por
terapia de resolução de problemas, e por Cloitre et al. (2002) com o treinamento em habilidades sociais,
evidenciam a necessidade de se trabalhar as habilidades sociais desses clientes com TEPT de desenvolvimento tardio, como forma de garantir a permanência desses pacientes em terapia, visto a dificuldade que
apresentam nessa área.
Martins (2009) aplicou um protocolo de tratamento numa amostra de pacientes com TEPT resistentes
à medicação avaliando a eficácia da TCC ao ser adicionado ao tratamento medicamentoso. O protocolo inclui técnicas de reestruturação cognitiva, exposição imaginária, exposição in vivo, psicoeducação, treino de
respiração e relaxamento, administradas ao longo de quatro meses, num total de 16 sessões com terapeuta
principal e 45 sessões com co-terapeuta. A eficácia do protocolo foi avaliada pelos escores (pré e pós-teste),
dos questionários: Inventário para o TEPT - Civil (PCL-C), o Inventário Beck de Depressão (BDI) e Inventário Beck de Ansiedade (BAI). Os sintomas do TEPT apresentaram melhora significativa em quatro dos
cinco pacientes do grupo de intervenção, o que não ocorreu no grupo controle, sugerindo que o programa de
tratamento mostrou-se eficaz na amostra estudada.
Como descrito anteriormente, o desenvolvimento tardio do TEPT em mulheres vitimas de abuso
sexual na infância, pode exigir do terapeuta uma intervenção que enfoque as diversas queixas em face da
complexidade que o transtorno pode acarretar nesta fase. Há poucos estudos na literatura, sendo que não foi
encontrado nenhum estudo na perspectiva da Análise do Comportamento, que apresentaram intervenções
com esta população proporcionando um treinamento de habilidades sociais, com o objetivo de melhorar o
relacionamento interpessoal destes clientes que apresentavam muitas dificuldades, além dos sintomas característicos do TEPT. Assim, o objetivo do presente trabalho consiste em descrever um estudo de caso de
172
VAGNER ANGELO GARCIA & ALESSANDRA TURINI BOLSONI-SILVA2015
uma cliente com TEPT de desenvolvimento tardio devido a abuso sexual, que participou de uma intervenção
analítico comportamental, incluindo treino de habilidades sociais.
MÉTODO
Local, participante e aspectos éticos
Este trabalho foi desenvolvido em uma clínica-escola de uma universidade pública do interior do estado de
Estado de São Paulo. Taine (nome fictício) de 25 anos, estudante universitária, participou de uma pesquisa
que avaliava ansiedade social em universitários, realizada sob supervisão da coautora do presente texto.
Após responderem a pesquisa, os participantes foram perguntados se gostariam de participar de intervenção
psicoterapêutica. Apesar de não preencher os critérios para Ansiedade Social, a cliente relatou interesse em
receber atendimentos psicológicos devido a problemas pessoais: dificuldades na faculdade e no relacionamento com a namorada. Ao iniciar a intervenção a cliente autorizou por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) a utilização das sessões para fins de pesquisa, respeitando os aspectos éticos
conforme resolução do CNS 196/96 sendo a pesquisa autorizada pelo Comitê de Ética da universidade a
qual estava vinculado.
Histórico dos atendimentos
A cliente passou por dois períodos de atendimento. No primeiro deles, em 2010, ela frequentou 18 sessões,
sendo atendida por uma estagiária do curso de psicologia e, no segundo período, em 2011, foram conduzidas
21 sessões, em trabalho desenvolvido por outro estagiário, um ano após o primeiro atendimento. O caso da
cliente sempre esteve vinculado ao Estágio em Terapia Comportamental, sendo supervisionado pela coautora do presente trabalho.
Instrumentos
Como medida de pré-teste do primeiro atendimento, a cliente foi avaliada em relação ao repertório de habilidades sociais através do IHS-DEL PRETTE (Del Prette & Del Prette, 2001). Outra medida refere-se à
aplicação de um questionário validado (instrumento foi cedido pelas autoras a pedido) que avalia habilidades sociais e dificuldades de interação social em diferentes contextos, obtendo informações que favorecem
descrever análises funcionais (Bolsoni-Silva & Loureiro, no prelo).
No início do segundo período de atendimento (terceira sessão), foi aplicada a Escala PCL-C, conhecida como PTSD Checklist – Civilian Version (PCL-C) desenvolvida por Weathers e cols. (1993) e traduzida e
validada no Brasil por Bringhenti, Luft e Oliveira (2010). A escala é utilizada para o rastreamento do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT). Como a literatura da área aponta a existência de comorbidades, e
cogitou-se essa hipótese, também foram aplicadas as Escalas Beck – BDI e BAI (Cunha, 2001), para avaliar
sintomas de depressão e de ansiedade. Todos os instrumentos citados foram reaplicados ao final do segundo
período de atendimento (vigésima sessão, quatro meses após o pré-teste).
Tratamento e análise dos dados
Nos dois períodos de atendimento, os dados coletados com os instrumentos, bem como aqueles obtidos nas
primeiras sessões através do relato da cliente foram organizados na forma de um estudo de caso. Esse estudo
Vol. 23, Núm. 2
TEPT E TERAPIA COMPORTAMENTAL173
foi estruturado com as informações sobre a história de vida, déficits, excessos e reservas comportamentais,
análise funcional e objetivos. Assim, foi possível selecionar de modo apropriado e, de comum acordo com a
cliente, os objetivos a serem trabalhados nas sessões.
Nas sessões foram utilizadas diversas técnicas comportamentais descritas na literatura (Calais &
Bolsoni-Silva, 2008). A Tabela 1 apresenta a frequência com que cada técnica foi utilizada, sendo que está
dividida cronologicamente em cinco períodos de quatro sessões. Essa divisão em períodos iguais busca
evidenciar como as técnicas foram utilizadas em cada momento da intervenção, possibilitando ao leitor uma
maior compreensão do seu uso e em quais momentos ocorreu.
O uso de determinada técnica era condizente ao relato que a cliente trazia para cada sessão, levando-se em consideração os objetivos propostos (Tabela 2): treino discriminativo, ampliar respostas funcionalmente equivalentes (treino de habilidades sociais), promover autoconhecimento, refletir sentimentos e
psicoeducação referente a aspectos do TEPT. Observando as Tabelas 1 e 2 o leitor pode relacionar quais
técnicas eram aplicadas de acordo com cada objetivo proposto.
Tabela 1
Técnicas utilizadas durante as sessões: 2º Atendimento
Técnicas
Acolhimento
Elogio
Ensaio Comportamental
Fazer perguntas e/ou Descrever relações funcionais.
Feedback (positivo e negativo)
Instrução
Modelação
Parafrasear
Reforçamento/Modelagem
Relatar eventos/aspectos relacionados ao abuso (trauma)
01-04
4
3
0
24
1
4
0
2
4
10
05-08
1
7
0
26
5
6
1
3
6
4
Sessões
09-12
5
9
0
24
3
1
0
2
8
4
13-16
1
9
1
37
0
4
0
7
8
3
17-20
3
4
0
30
2
2
1
0
5
3
Tabela 2
Objetivos trabalhados durante as sessões (2º Atendimento)
Objetivos
Treino Discriminativo
Treino de Habilidades Sociais
Autoconhecimento
Psicoeducação relacionado ao TEPT
Refletir sentimentos
01-04
3
2
6
2
15
05-08
5
6
8
5
17
Sessões
09-12
11
4
14
4
9
13-16
5
5
16
1
18
17-20
1
3
16
0
13
174
VAGNER ANGELO GARCIA & ALESSANDRA TURINI BOLSONI-SILVA2015
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A seção de resultados apresenta dados sucintos da primeira intervenção realizada, bem como resultados
gerais obtidos. Em seguida são apresentados os resultados condizentes ao segundo atendimento, foco deste
trabalho, quando após o diagnóstico de TEPT, foi proposto para a cliente uma intervenção com o objetivo
de minimizar/eliminar os sintomas do transtorno, trabalhando aspectos do relacionamento com a mãe e a
irmã, que ocasionavam dificuldades para a cliente, e que a literatura aponta como característicos do TEPT
em vitimas de abuso sexual na infância (Cloitre et al. 2002; Lamoureux et al., 2012). Outros objetivos da intervenção referem-se a queixas secundárias, como aumento de peso, dificuldades em estudar e fazer provas
discursivas na faculdade.
1. Primeira intervenção: informações sobre o caso e resultados alcançados
Nas primeiras sessões, conheceu-se a história de vida da cliente e buscou-se ouvir e refletir sobre o trauma,
algo que a cliente se esquivava bastante. A cliente apresentava um padrão de comportamento não-habilidoso
ativo (agressivo) e não-habilidoso passivo (inassertivo).
No primeiro ano de atendimento sua queixa foi relacionada à sua relação com a família, relatando que
foi vítima de abuso sexual, sendo molestada pelo padrasto durante a infância e adolescência por oito anos
(entre os sete e quinze anos). Serafim et al. (2011) apontam que o abuso sexual praticado por pais/padrasto é
um dos mais frequentes descritos na literatura da área, e que o fato de ser alguém da própria convivência da
criança é um fator que dificulta para ela pedir ajuda, prolongando-se a situação por muitos anos, como evidenciado neste caso. Outras queixas relacionadas pela cliente, nesse primeiro atendimento, diziam respeito
à dificuldade em continuar o curso universitário (a cliente estava com medo de ter que abandonar o curso), e
ao seu relacionamento amoroso, pois Taine morava com a namorada e ocorriam muitas brigas.
A história de vida relatada por Taine foi conturbada. Sua mãe engravidou do namorado quando morava na casa da irmã na capital do estado. Após descobrir que era traída pelo namorado (ele era casado e tinha
outra família) a mãe de Taine a deixou na casa da irmã, vindo para o interior do estado, só voltando para
buscá-la quando ela já estava com cinco anos. Nesse período, a mãe da cliente estava morando com outro
companheiro, e Taine passou a viver com a mãe e o padrasto.
Morando no interior com a mãe e o padrasto, a cliente conta que quando tinha sete anos passou a sofrer
abuso sexual, praticado pelo padrasto, que perduraram até os quinze anos. A cliente não havia contado a ninguém sobre o abuso e quando o fez, foi por temer que o padrasto repetisse o ato com sua irmã mais nova. Taine
relata que nessa época não se sentiu acolhida pela família, o que favoreceu sua decisão de sair de casa aos dezesseis anos, indo morar em outro estado, com o consentimento da mãe, em uma instituição educativa de cunho
religioso. Após voltar, Taine prestou e passou no vestibular de uma universidade pública em cidade distante
da família. Contudo, por circunstâncias adversas e muitas dificuldades a cliente teve que abandonar o curso.
Taine realizou novamente o vestibular para o mesmo curso (mas outra universidade/cidade) aonde
veio a conhecer a atual namorada, com a qual mora há três anos. Dessa forma, a cliente, ao procurar pelo
primeiro atendimento (após participar da pesquisa), estava no terceiro ano da faculdade, prestes a abandonar pela segunda vez o curso (pois a cliente já havia trancado por um semestre) e relatou estar com muitas
dificuldades tanto na vida pessoal (dificuldades de relacionamento com a namorada, mãe e irmã) quanto na
vida acadêmica (baixo aproveitamento, com sério comprometimento do curso, pensando em abandonar).
Nos instrumentos aplicados como medida de pré-teste (durante o estudo já mencionado) Taine obteve
um percentil de 96 no IHS (Del Prette e Del Prette, 2001), demonstrando um repertório altamente elaborado
em habilidades sociais, com resultados acima da média para alguns itens. Na aplicação do questionário que
avalia habilidades sociais e dificuldades de interação social com diferentes interlocutores do universitário
Vol. 23, Núm. 2
TEPT E TERAPIA COMPORTAMENTAL175
(Bolsoni-Silva & Loureiro, no prelo) a cliente não apresentou classificação clínica para potencialidades
(expressão de sentimentos, opiniões, lidar com críticas, contexto, comportamento habilidoso, consequência
positiva), mas teve um escore elevado, classificado em clínico, para dificuldades de falar em público, comportamento não habilidoso e consequência negativa.
Após o relato de suas dificuldades, queixas e história, foram acordadas com a cliente os objetivos para
a terapia. A cliente optou por trabalhar o relacionamento com a namorada, com a mãe e a irmã e as dificuldades em relação à universidade, em detrimento de refletir sobre o trauma, pois não o julgava como algo que
prejudicasse a sua vida nesse momento. Essa esquiva do tema recorrente ao trauma é descrito na literatura
relacionada ao TEPT e abuso sexual, sendo esse um dos fatores que justificam a intervenção proposta por
Wells (2010) em que abordar exaustivamente o trauma pode não ser benéfico para o cliente.
Sendo assim, foi desenvolvido um Treinamento em Habilidades Sociais - THS na perspectiva analítico comportamental, com foco nas interações com a namorada, mãe e irmã, bem como nos contextos da vida
acadêmica e profissional. Utilizou-se de um procedimento semi-estruturado para universitários, onde de
acordo com a problemática da cliente, eram trabalhadas suas dificuldades, utilizando-se de diversas técnicas
(análise funcional, reforçamento diferencial, modelagem, role-play, tarefas de casa, etc.).
Como resultados alcançados (Tabela 3), a cliente permaneceu na universidade, conseguindo um emprego e passou a sentir-se valorizada, sendo que utilizará as informações e dados do seu trabalho remunerado para a monografia final de seu curso. Em relação ao relacionamento com a namorada/esposa, as brigas
diminuíram próximas a zero. A cliente desenvolveu e aprimorou repertório de resolver problemas, expressar
afeto, sentimentos negativos, opiniões, além de discriminar as situações em que apresentava padrão de
comportamento não-habilidoso ativo (agressivo) e inassertivo, exercitando o autocontrole e a assertividade.
Contudo, ao final do primeiro ano de atendimento, o relacionamento com a mãe e a irmã ainda se
mostrou conturbado e difícil para a cliente, sendo assim, foi proposto a Taine que continuasse na terapia no
ano seguinte, após o recesso, com outro estagiário.
Tabela 3
Descrição de queixas, superações/aquisições e dificuldades (1º e 2º Atendimentos)
Período Queixas
Superações/ Aquisições
1º
Melhora no relacionamento com a
namorada e a sogra
Superação das dificuldades e
motivação para continuar o curso, com
planejamento de metas
Padrão de comportamento habilidoso
(assertivo)
Diminuição gradual até total de sonhos,
pesadelos e flashbacks relacionados ao
abuso
Acompanhamento com nutricionista e
perda de peso
Sem preocupações referentes ao
relacionamento com a mãe e a irmã
Autoconhecimento sobre formas de
estudar e influência do ambiente
2º
Relacionamento com a namorada e
família (mãe e irmã)
Dificuldades em continuar no curso,
desejo de abandonar
Padrão de comportamento nãohabilidoso ativo (agressivo)
Vítima de abuso sexual na infância
Sonhos, pesadelos relacionados ao
abuso
Flashbacks relacionados ao abuso
Aumento excessivo de peso
Relacionamento com a família
(mãe/irmã)
Dificuldades em estudar, em fazer
avaliações
Manutenção
dificuldades
Relacionamento
com a família
(mãe/irmã)
---------
176
VAGNER ANGELO GARCIA & ALESSANDRA TURINI BOLSONI-SILVA2015
2. Segunda intervenção: TEPT e queixas secundárias
Seis meses após a primeira intervenção, a cliente foi novamente contactada e mostrou interesse em continuar
com a terapia. As primeiras sessões foram destinadas a estabelecer um vínculo entre o novo terapeuta e a
cliente, bem como a avaliação do caso, além da discussão dos objetivos para o período. Assim, Taíne relatou
novamente sua história e foram discutidos os objetivos do atendimento anterior e diante da constatação da
manutenção dos bons resultados alcançados, referentes ao relacionamento com a namorada, a universidade e
ao trabalho (ver Tabela 3), cogitou-se continuar a promoção de melhores interações com a mãe e com a irmã.
Outros objetivos discutidos e acordados referiram-se a uma dificuldade da cliente em realizar provas
discursivas na faculdade e a um aumento de peso, onde ela relata que engordou 23 quilos em três anos. Além
dessas queixas, verificou-se que a cliente apresentava alguns sintomas que são característicos do Transtorno
do Estresse Pós-Traumático (TEPT), como pensamentos perturbadores (flashbacks) relacionados ao abuso
sexual, bem como sonhos angustiantes e aflitivos (Câmara Filho & Sougey, 2001; Ximenes et al., 2009; Habigzang et al., 2010). Esses sintomas apareceram após Taine se deparar na escola onde trabalhava, com uma
criança com sinais de abuso sexual. O desencadeamento do TEPT após a exposição a eventos semelhantes
ao trauma já havia sido apontado em outros estudos (Freitas et al., 2011).
Para avaliar a possibilidade acima levantada, bem como comorbidades, foram aplicados os instrumentos descritos no método, como pré-teste da segunda intervenção: PCL-C, BAI e BDI. Os resultados
demonstram que Taine preencheu os critérios para o TEPT, tanto na pontuação da escala (PCL-C), com 70
pontos, quanto nos critérios do DSM-IV (APA, 2000). Em relação à depressão, a cliente não preencheu os
critérios. Em relação a ansiedade, apresentou ansiedade leve, o que poderia estar influenciando também o
aumento de peso.
Assim, foi proposta uma intervenção sobre o TEPT, com o objetivo de diminuir/eliminar os sentimentos/comportamentos relacionados ao transtorno. Para esse aspecto, o tratamento proposto, de acordo
com a abordagem comportamental, seguiu procedimentos que promoveram a análise funcional (Calais &
Bolsoni-Silva, 2008), a psicoeducação quanto ao TEPT (Passarela et al.; Martins, 2009; Wells, 2010), o
treino de habilidades sociais (referencia suprimida para evitar identificação dos autores) quanto às interações
sociais (mãe e irmã, associadas ao trauma) bem como o treino discriminativo, com o objetivo de possibilitar
a cliente responder de maneira operante a outros estímulos de forma a produzir reforçadores.
O diagnóstico do TEPT foi realizado na sessão 3, sendo que na sessão seguinte a cliente foi informada, e recebeu explicações sobre o transtorno. Foi exposto para a cliente que os sintomas que se seguiam ao
estresse eram normais e faziam parte do mecanismo de adaptação para lidar com o trauma (Wells, 2010).
Diante disso, sessão a sessão, o terapeuta foi explicando para a cliente sobre as características do TEPT,
realizando a Psicoeducação (McDonagh et al. 2005; Martins, 2009; Passarela et al. 2010; Wells, 2010), e
através dessa reflexão, era solicitado para a cliente pensar em alternativas, promovendo análises das situações que traziam desconforto, como por exemplo, a mudança de foco quando os pensamentos, flashbacks
relacionados ao trauma apareciam (treino discriminativo e proposição de novos operantes).
É importante ressaltar que no primeiro ano de atendimento havia sido proposto à cliente falar sobre
o trauma, buscando quebrar o pareamento, contudo Taine se recusou, e como ela não apresentava outros
sintomas do TEPT (sonhos, flashbacks, pensamentos angustiantes), optou-se por outros objetivos (relacionamento com a namorada e vida acadêmica). Nesse segundo atendimento, apesar da cliente estar disposta,
optou-se por seguir o caminho proposto por Wells (2010) que afirmava que falar recorrentemente sobre o
evento em si, poderia ser aversivo e nem sempre necessário. Dessa forma, o caminho de intervenção adotado
se propôs a não abordar o trauma em si, uma vez que o transtorno se desenvolveu muitos anos após o abuso
(desenvolvimento tardio), e sim realizar uma discussão do impacto da sua história de trauma em seu padrão
de relacionamento que também é apontado como eficaz pela literatura (McDonagh et al., 2005).
Vol. 23, Núm. 2
TEPT E TERAPIA COMPORTAMENTAL177
Taine relatava sonhos/pesadelos que lhe eram perturbadores. Nas sessões esses sonhos eram comentados e procurava-se refletir, discutir sobre seus conteúdos, procurando fazer relações funcionais com sua
história pregressa e atual (Objetivo: autoconhecimento/psicoeducação; Técnicas: fazer perguntas/descrever
relações funcionais, parafrasear – Tabelas 1 e 2). Tais sonhos iniciaram-se, como já informado, após a cliente
descobrir, a partir de evidências físicas e de comportamentos, que uma menina do projeto em que trabalhava
sofreu abuso sexual por parte de seu pai. O aparecimento dos sintomas do TEPT após a exposição da cliente
perante esse fato corrobora com a literatura que diz que eventos semelhantes podem desencadear a reexperiência do trauma e desencadeamento do transtorno (Freitas et al., 2011).
Durante as sessões, procurava-se refletir com a cliente sobre aspectos desencadeados pelo trauma
(Knapp & Caminha, 2003). Taine culpava a mãe por não a ter acolhido quando soube do abuso, bem como
de ainda ter continuado casada com o padrasto, mesmo sabendo tudo que ele lhe fez. Nesse sentido, refletiuse com a cliente sobre essa culpa que ela direcionava para a mãe, relembrando a história e as dificuldades
vivenciadas por ela (mãe) e discutindo estes aspectos com as tentativas que a mãe fazia para se aproximar,
mesmo que a cliente as julgasse de forma inadequada ou insatisfatória (Objetivo: Refletir sentimentos/autoconhecimento; Técnica: Fazer perguntas/parafrasear – Tabelas 1 e 2).
Essas reflexões objetivavam intervir tanto nos sintomas do TEPT quanto no relacionamento com a
mãe, pois isto estava diretamente associado ao abuso e ao trauma desenvolvido. O fragmento seguinte relata
como era conturbado o relacionamento com a mãe e a irmã, pois a cliente dizia que “eu não sinto vontade de
vê-la e não tenho saudades, e não queria que fosse assim... Eu tenho muito mais contato, e bom relacionamento com minha sogra.” (sessão 1). Essa dificuldade de relacionamento com e mãe e com a irmã é apontada pela literatura como comum a mulheres vitimas de abuso sexual durante a infância e que desenvolveram
TEPT na vida adulta, sendo de fundamental importância a discussão de aspectos deste relacionamento como
parte da própria intervenção para o TEPT (Cloitre et al. 2002; Horonor, 2002; Maniglio, 2009; Lamoureux
et al., 2012; Hornor, 2013).
Assim, a cada sessão que a cliente relatava situações do passado, que em sua opinião demonstravam
abandono e/ou desinteresse da mãe em relação ao seu caso, o terapeuta fazia perguntas para a cliente, objetivando descrever relações funcionais, bem como parafraseava o que ela dizia, questionava, fazendo com
que a cliente refletisse (Tabelas 1 e 2). Essa reflexão de sentimentos objetivava levar a cliente se colocar no
lugar da mãe, entender suas decisões e atitudes. Como parte desse processo, Taíne relatou as dificuldades
que a mãe teve na vida, procurando entender algumas situações, como por exemplo, continuar com o marido após o conhecimento do abuso, outra filha para criar, situação financeira, questões religiosas, etc. Com
isso buscou-se levar a cliente a uma compreensão das atitudes da mãe, refletindo e entendendo ao invés de
culpando e acusando. Também foi discutido junto com Taine sobre comportamentos da mãe que denotavam
cuidados e apoio para com ela, por exemplo, oferecer mantimentos, oferecer uma casa para acolhê-la quando
saiu de casa, visitá-la, ligar para saber como estava.
Inicialmente, a cliente aparentava não aceitar o diagnóstico de TEPT, pois apenas ouvia o que o
terapeuta dizia sobre o transtorno (psicoeducação), mas não fazia muitas reflexões, sendo mais passiva em
relação à sua aceitação. Contudo essa passividade se relacionava apenas ao aceitar e discutir sobre o diagnóstico, pois em relação aos sonhos/pesadelos e pensamentos aflitivos, a cliente se mostrou muito sensível
as instruções e sempre procurou colocar em prática as sugestões e instruções de manejo recebidas no que se
referia ao treino discriminativo e emissão de novos operantes. Essa “não-aceitação” do diagnóstico perdurou
até a nona sessão, onde na décima a cliente relatou alguns acontecimentos que foram chaves para o processo
terapêutico.
Primeiramente, a cliente aceitou sua condição face ao TEPT. Um evento que demonstra tal fato foi
Taine procurar por informações na internet, sem que tenha havido a sugestão do terapeuta, vindo a discutilas com estagiário na sessão 10. Taine encontrou relatos na internet sobre abuso sexual e histórias de abuso
178
VAGNER ANGELO GARCIA & ALESSANDRA TURINI BOLSONI-SILVA2015
semelhantes à dela, e o estagiário teve o cuidado de discuti-las com a cliente, informando sobre os sintomas
e natureza de tais acontecimentos. Esse movimento da cliente em procurar informações (ainda que na internet) promoveu mudanças em sua forma de encarar sua situação, saindo da passividade inicial frente ao
diagnóstico. Outro ganho apresentado foi em relação ao relacionamento com a mãe. A cliente após aceitar o
diagnóstico, procurou sensibilizar sua mãe frente às suas dificuldades e, de maneira assertiva, expôs para a
mãe o que lhe aconteceu, o porquê do relacionamento conflituoso entre elas, relacionando o trauma com as
circunstâncias atuais. Dessa forma, mobilizou a mãe para auxiliá-la no tratamento, pois sua mãe tinha comportamentos que lhe causavam sofrimento e remetiam ao seu trauma, como por exemplo, falar do abusador
na presença da cliente.
Após essa conversa, a mãe e a irmã de Taine vieram visitá-la, sendo que sua mãe se mostrou sensível com o processo terapêutico e passou a acatar algumas solicitações da filha. Assim, o comportamento
de Taine produziu consequências esperadas, o que foi discutido na sessão, com o objetivo de fortalecer
esse comportamento da cliente, promovendo assertividade no relacionamento com a mãe e refletindo sentimentos (Objetivos: habilidades sociais/discriminação/ autoconhecimento/refletir sentimentos; Técnicas:
elogio/ feedback/reforçamento - Tabela 1 e 2). Esses avanços possibilitam visualizar como a intervenção em
habilidades sociais e resolução de problemas permitiu a melhora no relacionamento com a mãe e a irmã,
confirmando os dados apresentados por Cloitre et al. (2002) que apontava como extremamente necessário
trabalhar as dificuldades de relacionamento que a pessoa com TEPT vitima de abuso sexual pode apresentar.
Outro ponto de realce, é que a descrição pormenorizada da intervenção, além de permitir a visualização de como transcorreu o processo terapêutico, contribui para a lacuna apontada por Ehlers et al. (2010)
sobre o déficit em pesquisas que descrevam a intervenção sobre o TEPT com desenvolvimento tardio, em
vitimas de abuso sexual.
Em relação aos pensamentos relacionados ao trauma, lembranças (flashbacks do passado), devido à
discussão e análises propostas a partir do relato da cliente, eles diminuíram de frequência, vindo a cessarem
por completo (sessão 8). A partir da décima sessão, os sonhos/pesadelos também diminuíram de frequência
e ao término dos atendimentos a cliente não apresentava mais relatos. Como discutido por McDonagh et al.
(2005), os dados aqui apresentados, evidenciam que uma intervenção não precisa focar essencialmente o
trauma, sobretudo em TEPT de desenvolvimento tardio, mas sim ajudar o cliente a reconhecer o impacto de
sua história de trauma em seu padrão de relacionamentos e ensinando-lhe alternativas para a resolução de
problemas (habilidades sociais), refletindo sobre os efeitos comuns de traumas na infância.
No pós-teste, a reaplicação da Escala PCL-C (Weathers e cols., 1993) ao final dos atendimentos,
evidenciou que Taine não preenchia mais os critérios para TEPT, obtendo apenas 14 pontos, o que também ficou evidenciado em relação ao DSM-IV (APA, 2000), em que a cliente não mais se enquadrava nos
critérios diagnósticos. No pós-teste, a cliente também respondeu ao IHS (Del Prette e Del Prette, 2001) e
ao Questionário de Habilidades Sociais e Contextos (Bolsoni-Silva & Loureiro, no prelo). Com relação ao
primeiro instrumento, a cliente atingiu 100%, melhorando ainda mais seu repertório em habilidades sociais,
com todos os fatores acima da média populacional. Em relação ao questionário a cliente manteve escore
elevado, apesar de pequena redução, para Potencialidades (58 no pré-teste e 49 no pós-teste, sendo clinico
abaixo de 36,4), e em relação às Dificuldades, a cliente saiu do escore clínico para o não clínico (12 no préteste e 4 no pós-teste, sendo clinico acima de 5,5).
Apesar da significativa melhora no relacionamento com a mãe, Taíne ainda relatava sofrimento nesse
sentido. Ela continuava culpando a mãe por não tê-la acolhido no passado, dizia que sua mãe não agiu como
deveria, continuando com o marido, mesmo sabendo que ela foi abusada por ele. Diante da aproximação da
mãe, quando a cliente a sensibilizou para o TEPT e para seu sofrimento (sessão 10), a situação melhorou um
pouco, mas logo a cliente passou a relatar angústia e sofrimento de novo, pois segundo ela a sua mãe agora a
Vol. 23, Núm. 2
TEPT E TERAPIA COMPORTAMENTAL179
sufocava: “essa perseguição dela, de querer saber como está, me incomoda... poderia ser algo normal, ela
já entendeu que não precisa largar, mas não precisa ficar...” (sessão 12).
Diante da aproximação relatada, com base nos sentimentos vivenciados pela cliente, ela optou por
evitar o relacionamento com a mãe, possivelmente porque lhe exigia um repertório de afeto que ela não
tinha e que estava com pouca motivação para desenvolvê-lo. Sendo assim, ligou para a mãe e disse que não
dava para continuar da forma como estava, pois ela ainda sofria perante a presença da mãe e lhe disse para
procurar um psicólogo, pois somente com a mãe procurando ajuda ela poderia voltar a falar com ela. A partir
de então, a cliente relatou se sentir melhor: “O ponto fundamental, era relacionado ao meu sofrimento com
a minha mãe, as lembranças que isso causavam, pois eu sofria demais, e hoje não... eu refleti, compreendi
melhor e deixei de me sentir culpada em relação a isso” (sessão 17). A hipótese que se levanta é que ainda
que a mãe lhe fizesse falta, ela funcionava como estímulo que evocava lembranças do trauma, o que lhe era
aversivo, ainda que não de maneira intensa a ponto de fechar os critérios diagnósticos para TEPT. Quando
a cliente se afastava da mãe, suspendia tais aversivos e, então, afastar-se da mãe era mantido por reforçador
negativo.
Até então, Taine relatava que se sentia mal em não ter um relacionamento com a mãe e a partir da
reflexão promovida na terapia, onde a cliente era levada a descrever relações funcionais, refletir sentimentos,
compreender as decisões que tomou na vida, as dificuldades que passou, ela passou a compreender melhor
as atitudes da mãe. Um ponto importante destacado pela cliente (sessão 18) é que a sua decisão de evitar um
relacionamento com a mãe foi muito bem refletida por ela, pois buscou uma aproximação e a partir dessa experiência pôde decidir qual caminho seguir, sem culpa. Para Skinner (1974) autocontrole refere-se a escolher
entre dois cursos de ação que sejam conflitantes. Tal decisão se expressa de maneira mais satisfatória quanto
maior o autoconhecimento, de forma que ao decidir qual caminho seguir, se escolha aquele que produzirá
mais reforçadores positivos e negativos. No caso da cliente acredita-se que nesse ponto da terapia ela já tinha
bastante autoconhecimento que lhe fez tomar tal decisão. No entanto, escolher se afastar da mãe, a qual ela
relatava como sendo importante fonte de afeto, parecia, aos olhos do terapeuta e supervisora, que poderia
trazer dificuldades na sequencia, como a volta dos sentimentos de abandono.
Felizmente, a decisão tomada pela cliente promoveu uma mudança no comportamento da mãe. Apesar dela não ter procurado um psicólogo, como Taine havia solicitado, sua mãe fez algo que significou muito
para a cliente. Ela ligou para a filha e disse que se preocupava com ela e que iria ajudá-la até terminar a faculdade, pois era sua mãe e tinha por obrigação fazer isso. Diante disso a cliente relata que o fato da sua mãe
se preocupar com a sua faculdade foi algo novo e relevante para ela, momento em que relata que está “muito
feliz e isso foi importante para mim” (sessão 21), confirmando a hipótese do terapeuta de que o afeto da mãe
era muito importante e que ela rompeu relacionamento com a mãe com a função de produzir mudanças até
então não obtidas. Assim, a cliente disse que não sentia mais culpa em relação à mãe e que estava disposta
a tentar um relacionamento com ela.
Com relação a queixa de aumento de peso, o terapeuta trabalhou com a cliente procurando fazer a
descrição de relações funcionais (Tabela 1), objetivando o autoconhecimento e a psicoeducação (Tabela 2),
que possibilitaria a cliente a entender e discriminar por que se alimentava inadequadamente, em quais momentos e refletir sobre prática de exercícios. Assim, a cliente passou a notar a relação entre aumento de peso
e ansiedade. O terapeuta aconselhou a cliente a procurar um profissional da área para auxiliá-la na perda
de peso, e ela fez acompanhamento com uma nutricionista, concomitante aos atendimentos, conseguindo
programar uma reeducação alimentar. Paralelamente aos outros objetivos propostos, o terapeuta investigava
como caminhava esse processo de dieta com a cliente (monitorava), elogiando ganhos e reforçando/modelando novos operantes, que em conjunto com as reflexões produzidas na terapia, proporcionaram perda de
peso, gradual e constante.
180
VAGNER ANGELO GARCIA & ALESSANDRA TURINI BOLSONI-SILVA2015
Com a diminuição dos sintomas característicos do TEPT e paralelo à intervenção no relacionamento
com a mãe, foi discutida com a cliente a sua dificuldade acadêmica com as provas, onde o terapeuta através
de perguntas para a cliente objetivou uma análise das situações em que ela fazia as provas (momento, tipo
de prova, forma de resposta, ansiedade durante a prova, leitura de questões, estudo antecipado, etc.), bem
como do tempo dispensado para isso, conversando sobre a qualidade desse tempo e do ambiente em que
isso ocorria. O objetivo era o de produzir autoconhecimento, conduzir treino discriminativo e promover
novos operantes de forma a discriminar sobre as circunstâncias em que fazia a prova e perceber que quando
conseguia estudar com antecedência, ia melhor nas provas e assim a cliente passou a se preparar melhor.
Esses resultados, os dados dos instrumentos, bem como a avaliação da terapia foram discutidos com
a cliente na sessão 21 (sessão devolutiva), onde através dos ganhos destacados e da superação das queixas
pela cliente (ver Tabela 3), foi realizada a alta da paciente.
Assim, o procedimento aqui desenvolvido, baseado em intervenções para o TEPT, foi adaptado para
a interface da Análise do Comportamento, se mostrando altamente eficaz na eliminação do transtorno e na
resolução de queixas secundárias. Em linhas gerais, foi realizado a psicoeducação (Walsh, 2002; McDonagh
et al., 2005; Martins, 2009; Passarela et al. 2010), o treinamento em habilidades sociais para melhora no relacionamento interpessoal (Cloitre et al., 2002; Walsh, 2002), a discussão de aspectos relacionados ao trauma,
sem contudo abordar exaustivamente o trauma em si (McDonagh et al., 2005; Wells, 2010), promovendo
autoconhecimento, refletindo sentimentos e em paralelo trabalhando a dificuldade de estudo e o aumento de
peso (queixas secundárias), utilizando-se diversas técnicas comportamentais (Tabela 1).
Outra contribuição do presente estudo se relaciona a descrição do modelo de intervenção para o TEPT
na perspectiva da Análise do Comportamento, com medidas de resultado e também processuais, que são
uma lacuna na literatura de TEPT com desenvolvimento tardio (Ehlers et al. 2010). A descrição deste caso
reafirma importantes considerações sobre o TEPT decorrente de abuso sexual. Um deles é a questão referente às dificuldades de relacionamento em que a vitima de abuso na infância pode apresentar ao longo de seu
desenvolvimento (Horonor, 2002; Maniglio, 2009; Cloitre et al. 2002). O desenvolvimento de sintomas após
a exposição a eventos que lembrem ao trauma, também já havia sido apontado na literatura e confirmados
aqui (Freitas et al. 2011).
McDonagh et al. (2005) em seu estudo de meta-análise apontaram como tratamento de primeira
linha o foco no trauma. Entretanto, Taine já havia preterido essa discussão no primeiro ano de atendimento,
e como exposto por Cloitre et al. (2002), a complexidade do tratamento de TEPT de inicio tardio, emana
uma intervenção inicial em diversas frentes. Assim, como forma de proporcionar maior adesão da cliente
ao processo terapêutico, o treinamento em habilidades sociais, focando as dificuldades de relacionamento
da cliente, e a discussão de aspectos relacionados ao trauma (não o trauma em si) se apresentam como uma
alternativa de melhor condução da terapia para os casos de TEPT de desenvolvimento tardio, em que falar
exaustivamente sobre o trauma pode ser aversivo e dificultar a adesão do cliente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, a estratégia de intervenção descrita acima para o TEPT procurou desfazer a associação existente
entre o trauma e eventos pareados a ele. A psicoeducação proporcionou a cliente conhecimentos sobre a origem dos pensamentos angustiantes, os sonhos aflitivos, promovendo reflexão e autoconhecimento essenciais
para a mudança. A análise funcional realizada sessão a sessão também contribuiu para o autoconhecimento
da cliente, proporcionando a ela melhores condições na tomada de decisões, bem como a compreensão dos
fatos que estavam ocorrendo, e assim, foi possível o desenvolvimento e/ou ampliação de respostas operantes
funcionalmente equivalentes, onde algumas delas envolvem a área de habilidades sociais.
Vol. 23, Núm. 2
TEPT E TERAPIA COMPORTAMENTAL181
Assim, em relação às queixas apresentadas e aos objetivos propostos, a cliente superou suas dificuldades. Como Taine não apresentou mais os sintomas característicos do TEPT, conclui-se que a intervenção
proposta se mostrou eficaz. A proposta de intervenção aqui descrita se apresenta como uma alternativa ao
tratamento do TEPT em vitimas de abuso sexual com desenvolvimento tardio na abordagem da Análise do
Comportamento.
Entretanto, o procedimento proposto carece de novos estudos para verificar se mantém sua efetividade frente a outros clientes que apresentem as mesmas características (TEPT – abuso sexual/desenvolvimento
tardio, sem comorbidades), ou ainda se apresenta a mesma eficácia sobre o TEPT desenvolvido sequencialmente ao trauma, bem como desencadeados por outros eventos que não o abuso sexual.
REFERÊNCIAS
Amstadter, A., McCauley, J., Ruggiero, K., Resnick, H., & Kilpatrick, D. (2008). Service utilization in a
representative sample of female rape victims. Psychiatr. Serv., 59, 1450-1457.
American Psychiatric Association (2000). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4ª edição/Texto Revisado. Porto Alegre: Artmed.
American Psychiatry Association (2013). Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5.
Washington: American Psychiatric Association.
Araújo, A. A., & Neto, F. L. (2014). A nova classificação americana para os transtornos mentais – o DSM-5.
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn. 16, 67 - 82
Bolsoni-Silva, A. T., & Carrara, K. (2010). Habilidades Sociais e Análise do Comportamento: compatibilidades e dissensões conceitual-metodológicas. Psicologia em Revista, 16, 330-350.
Bolsoni-Silva, A. T., & Loureiro, S. R. (no prelo) Questionário de avaliação de habilidades sociais, comportamentos e contextos para universitários (QHC-Universitários). Manual técnico. São Paulo: CETEPP.
Borges, N., & Cassas, F. A. (2011). Clínica analítico-comportamental: aspectos teóricos e práticos. Porto
Alegre: Artmed.
Bourne, E. J. (2005). The anxiety and phobia workbook. Oakland: New Harbinger Publication.
Bringhenti, M. E., Luft, C. B., & Oliveira, W. F. (2010). Transtorno do estresse pós-traumático em acidentes
de trânsito: validação de escala. Psico-USF, 15, 193-203.
Calais, S. L., Baptista, M. N., & Dias, R. R. (2002). Transtorno de stress pós-traumático. In M. B. B. Pinho et
al. (Eds.). Comportamento e cognição (pp. 345-356). Santo André, SP: ESETec Editores Associados.
Calais, S. L., & Bolsoni-Silva, A. T. (2008). Alcance e limites das técnicas comportamentais: algumas considerações. In M. R. Cavalcante (Eds.). Avaliação e Intervenção em Análise do Comportamento:
Aspectos de Procedimento (pp. 15-29). São Paulo: Editora Roca.
Câmara Filho, J. W. S., & Sougey, E. B. (2001). Transtorno de estresse pós-traumático: formulação diagnóstica e questões sobre comorbidade. Revista Brasileira de Psiquiatria, 23, 221-228.
Cloitre, M., Koenen, K. C., Cohen, L. R., & Han, H. (2002). Skills training in affective and interpersonal
regulation followed by exposure: A phase-based treatment for PTSD related to childhood abuse. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 70, 1067-1074.
Costa, S. E. G. C., & Marinho, M. L. (2002). Um modelo de apresentação de análise funcional do comportamento. Estudos de Psicologia 19(3), 43-54.
Cummings, M., Berkowitz, S. J., & Scribano, P. V. (2012) Treatment of childhood sexual abuse: An updated
review. Current Psychiatry Reports 14, 599-607.
Cunha, J. A. (2001). Manual da versão em português das Escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo.
182
VAGNER ANGELO GARCIA & ALESSANDRA TURINI BOLSONI-SILVA2015
Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2001). Inventário de habilidades sociais: manual de aplicação, apuração e interpretação. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2010). Psicologia das habilidades sociais: Terapia educação e trabalho. Petrópolis: Editora Vozes.
Ehlers, A., Bisson, J., Clark, D. M., Creamer, M., Pilling, S., Richards, D., Schnurr, P. P., Turner, S., & Yulea,
W. (2011). Do all psychological treatments really work the same in posttraumatic stress disorder?
Clin Psychol Rev. 30, 269-276.
Figueira, I., & Mendlowiczb, M. (2003). Diagnóstico do transtorno de estresse pós-traumático. Rev. Bras.
Psiquiatr., 25, 12-16.
Foa, E. B., Hembree, E. A., Cahill, S. P., Rauch, S. A., Riggs, D. S., Feeny, N. C., & Yadin, E. (2005).
Randomized trial of prolonged exposure for posttraumatic stress disorder with and without cognitive
restructuring: Outcome at academic and community clinics. J Consult Clin Psychol.73, 953-964.
Foa, E. B., & McLean, C. P. (2011). Prolonged exposure therapy for post-traumatic stress disorder: a review
of evidence and dissemination. Expert Review of Neurotherapeutics, 11, 1151-1170.
Freitas, M., Passos, Z., & Fontenelle, L. F. (2011). Transtorno de estresse pós-traumático de início tardio?
Reflexões diagnósticas baseadas em um relato de caso. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 60, 64-66.
Goldiamond, I. (2002). Toward a constructional approach to social problems: Ethical and constitutional
issues raised by Applied Behavior Analysis. Behavior and Social Issues, 11, 108-197.
Habigzang, L. F., Borges, J. L., Dell’Aglio, D. D., & Koller, S. H. (2010). Caracterização dos sintomas do
Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em meninas vítimas de abuso sexual. Psicolia Clínica, 22, 27-44.
Hinton, D. E., Hofmann, S. G., Rivera, E., Otto, M. W., & Pollack, M. H.. (2011). Culturally adapted CBT
(CA-CBT) for Latino women with treatment-resistant PTSD: A pilot study comparing CA-CBT to
applied muscle relaxation. Behav Res Ther. 49, 275-280.
Hornor, G. (2013). Posttraumatic Stress Disorder. Journal of Pediatric Health Care 27, 29-38.
Horonor H. (2002). Child sexual abuse; psychosocial risk factors. J Pediatric Health Care 16, 187-92.
Kar, N. (2011). Cognitive behavioral therapy for the treatment of post-traumatic stress disorder: a review.
Neuropsychiatr Dis Treat 7, 167-181.
Knapp, P., & Caminha, R. M. (2003). Terapia cognitiva do transtorno de estresse pós-traumático. Revista
Brasileira de Psiquiatria, 25, 31-36.
Lamoureux, B. E., Palmieri, P. A., Jackson, A. P., & Hobfoll, S. E. (2012). Child Sexual Abuse and Adulthood-Interpersonal Outcomes: Examining Pathways for Intervention. Psychological Trauma: Theory, Research, Practice, and Policy 4(6), 605-613.
Maniglio, R. (2009). The impact of child sexual abuse on health: a systematic review of reviews. Clin Psychol Rev. 29, 647-657.
Martins, A. L. (2009). Tratamento cognitivo-comportamental do transtorno de estresse pós-traumático em
pacientes resistentes à medicação. Dissertação de mestrado não-publicada, Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.
McDonagh, A. et al. (2005). Randomized Trial of Cognitive–Behavioral Therapy for Chronic Posttraumatic
Stress Disorder in Adult Female Survivors of Childhood Sexual Abuse. Journal of Consulting and
Clinical Psychology 73, 515-524.
O´Connor, R. (2005). Undoing perpetual stress. New York: Penguin Group.
Passarela, C. M., Mendes, D. D., & Mari, J. J. (2010). Revisão sistemática para estudar a eficácia de terapia
cognitivo-comportamental para crianças e adolescentes abusadas sexualmente com transtorno de estresse pós-traumático. Revista de Psiquiatria Clínica, 37, 60-65.
Vol. 23, Núm. 2
TEPT E TERAPIA COMPORTAMENTAL183
Peredaa, N., Guilerab, G., Fornsa, M., & Gómez-Benitob, J. (2009). The prevalence of child sexual abuse in
community and student samples: A meta-analysis. Clin Psychol Rev. 29, 328-338.
Pulcherio, G., Vernetti, C., Strey, M. N., & Faller, S. (2008). Transtorno de estresse pós-traumático em dependente do álcool. Revista de Psiquiatria Clínica, 35, 154-158.
Rauch, S. A. M., Eftekhari, A., & Ruzek, J. I. (2012). Review of exposure therapy: a gold standard for PTSD
treatment. Journal of Rehabilitation Research & Developmen, 49, 679-689.
Sbardelloto, G., Schaefer, L. S., Justo, A. R., & Kristensen, C. H. (2011). Transtorno de estresse pós-traumático: evolução dos critérios diagnósticos e prevalência. Psico-USF, 16, 67-73.
Sloan, D. M., Bovin, M. J., & Schnurr, P. P. (2012). Review of group treatment for PTSD. Journal of Rehabilitation Research & Development 49, 689-691.
Sturmey, P. (1996). Functional analysis in clinical psychology. England: John Wiley & Sons.
Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: McMillan.
Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Alfred A. Knopf.
Serafim, A. P., Saffi, F., Achá, M. F. F., & Barros, D. M. (2011). Dados demográficos, psicológicos e comportamentais de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Revista de Psiquiatria Clínica, 38,
143-147.
Ximenes, L. F., Oliveira, R. V., & Assis, S. G. (2009). Violência e transtorno de estresse pós-traumático na
infância. Ciência e Saúde Coletiva, 14, 417-433.
Walsh, J. (2002). Shyness and social phobia. A social work perspective on a problem in living. Health and
Social Work, 27, 137-144.
Wells, A. (2010). A terapia metacognitiva. Elementos de controle mental na compreensão e no tratamento do
transtorno da ansiedade generalizada e do transtorno do estresse pós-traumático. In R. L. Leahy (Eds.)
Terapia cognitiva contemporânea. Teoria, pesquisa e prática (pp. 171-189). Porto Alegre: Artmed.
Received: April 9, 2013
Accepted: December 12, 2014
Download