Tratamento restaurador atraumático: uma alternativa de

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Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo
2008 maio-ago; 20(2): 204-8
Tratamento restaurador atraumático: uma alternativa de recuperação da qualidade
de vida
Atraumatic restorative treatment: an alternative of life quality recuperation
Pinkie Seabra Marra *
Bianca Tardelli Lagreca *
Vanessa Roma Martins *
Aline Vieira Oliveira *
Ana Beatriz Vils *
Leila Chevitarese **
José Massao Miasato ***
RESUMO
A doença cárie é muito prevalente, em especial na primeira infância, e alguns fatores de risco como a higiene inadequada associada à livre demanda do aleitamento materno persistente pode contribuir para o seu
agravamento. O objetivo deste estudo é relatar um caso clínico do programa de TRA recuperando qualidade de vida por meio de mudanças comportamentais dos cuidadores através de relato de caso clínico.
Descritores: Restauração dentaria permanente – Carie dentária – Saúde bucal – Qualidade de vida
ABSTRACT
The caries disease is very prevalent in special in the first chilhood and some risk factors like incorrect hyiyene in association with persistent free demand lactation can contribute to its aggravation. The goal of this
study is to present a case report of ART program, which provides life quality by means of changes in the
behaviour of responsible persons.
Descriptors: Dental restauration, permanent – Dental caries – Oral health – Quality of life
*** Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO – RJ).
*** Coordenadora de Pós-Graduação em Odontologia da UNIGRANRIO – RJ. Mestre e Doutora em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ - RJ).
*** Professor de Pós-Graduação em Odontologia da UNIGRANRIO – RJ. Mestre e Doutor em Odontopediatria pela Faculdade de Odontologia da UFRJ - RJ.
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Marra PS, Lagreca BT, Martins VR, Oliveira AV, Vils AB, Chevitarese L, Miasato JM. Tratamento restaurador atraumático: uma alternativa
de recuperação da qualidade de vida. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2008 maio-ago; 20(2): 204-8
INTRODUÇÃO
A doença cárie é muito prevalente, em especial na
primeira infância, e alguns fatores de risco como a higiene inadequada associada à livre demanda do aleitamento
materno persistente pode contribuir para o seu agravamento. De acordo com Martins et al.6 (2001), a etiologia
da cárie dentária no pequeno paciente é semelhante a da
população de forma geral, com o diferencial de que à
criança com pouca idade é naturalmente mais suscetível
devido a três fatores: o dente jovem é mais sensível a
ação dos ácidos produzidos pelas bactérias cariogênicas;
a incapacidade do bebê de realizar a remoção de placa
sem a ajuda de responsáveis; a dependência dos pais em
relação à dieta.
Apesar de hoje a Odontologia estar avançada devido
ao desenvolvimento tecnológico e científico, observa-se
um paradigma, onde a população brasileira, de maneira
geral, perde seus dentes muito cedo, e a dificuldade de
acesso ao tratamento juntamente a falta de informação
fazem com que as pessoas acreditem que esse fato é certo.
Raggio et al.8 (2001) atribuem o aparecimento da doença cárie ao desconhecimento dos responsáveis, que não
recebem educação adequada sobre métodos de prevenila.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) desenvolveu o programa de Tratamento Restaurador Atraumático (TRA), para países com comunidades desfavorecidas
economicamente ou marginalizadas, a fim de controlar
o avanço da cárie dentária (Frencken et al.3, 1996). Frencken et al.4 (1994) concluiram que a etapa restauradora
deve juntar-se aos demais métodos de prevenção e con-
trole da cárie. Tais métodos incluiriam o controle da dieta cariogênica, instrução de higiene oral e aplicação de
fluoreto (Oliveira et al.7, 1998). Ardenghi e Imparato1
(2002), enfocam a importância de o tratamento da doença cárie estar vinculado a um programa educativo e
preventivo contextualizado.
O objetivo deste estudo é apresentar o programa de
TRA recuperando qualidade de vida por meio de mudanças comportamentais dos cuidadores através de relato de caso.
RELATO DE CASO
Paciente sexo feminino, 34 meses, portadora da Síndrome de Down, acompanhada por sua mãe procurou
serviço odontológico para receber orientação a respeito
da ausência de elementos dentários.
Durante a anamnese, a mãe relatou que nunca havia
higienizado os dentes de sua filha, pois desconhecia essa
necessidade já que era um bebê. Relatou também que
apesar de a criança fazer todas as refeições, ainda continuava com a livre demanda do aleitamento materno
durante o dia e a noite.
No exame clínico foram observadas a presença de
placa, gengivite generalizada e ausências clínicas dos elementos 52, 53, 62 e 63. Foram realizadas radiografias
periapicais confirmando anodontia dos elementos 52 e
62. Para dar continuidade ao exame clínico, realizou-se
a profilaxia sendo diagnosticada mancha branca ativa
(MBA) e lesões cavitadas (LC) com esmalte desapoiado
em todos os elementos dentários (Fig. 1).
Diante do quadro optou-se pelo tratamento restau-
Figura 1: E
videncia a presença de lesão de MBA, lesões cavitadas, gengivite e ausências clínicas dos elementos 52, 53, 62 e 63.
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Figura 2: A
plicação tópica de fluoreto como parte integrante da
etapa preventiva do TRA.
Figura 3: A
usência de placa e gengivite confirmando a motivação da mãe.
rador atraumático (TRA) que promove a educação em
saúde, aplicação tópica de fluoreto, instrução de higiene
bucal associada à técnica atraumática. Em um primeiro
momento, a mãe foi orientada sobre a importância da
higienização e do desmame, controlando dessa maneira
os fatores de risco; na mesma consulta foi feita aplicação
de verniz fluoretado nas MBA que continuou por mais
quatro sessões. As orientações e motivação foram feitas
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Figura 4: Aspecto final imediatamente após restauração atraumática, reação positiva da paciente e acompanhamento após 2 meses.
em todas as sessões (Fig. 2).
Com o andamento do tratamento, observou-se a motivação da mãe se confirmando através da ausência de
placa e gengivite, mas apesar do empenho ela relatava a
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dificuldade do desmame noturno (Fig. 3).
Ao longo das consultas, através das trocas de informações a mãe percebeu que a doença cárie era passível
de controle e necessariamente as perdas dentárias teriam
de não acontecer. Tal conhecimento levou ao êxito do
tratamento, isto é, se alcançou o controle de placa.
O acompanhamento era realizado semanalmente e a
mãe demonstrava grande vontade de ver a reabilitação
bucal de sua filha. Após 15 semanas de acompanhamento, o desmame foi conseguido pela mãe e então foi realizada a técnica atraumática com cimento de ionômero
de vidro (Fig. 4).
DISCUSSÃO
O tratamento de escolha não se deu pelo fato da paciente ser portadora da Síndrome de Down, mas sim
pela faixa etária (0-3 anos / bebê), e pelos fatores de risco
observados durante anamnese e exame clínico.
O TRA pode ser uma escolha de tratamento para bebês pela não facilidade do manejo da criança em clínica,
pois muitas vezes estes não cooperam com a realização
do tratamento restaurador convencional (Figueiredo e
Garcia2, 1996). Tal argumento não se aplica ao caso aqui
descrito, visto que a criança foi extremamente colaboradora, chegando ao ponto de dormir na cadeira.
Foi feita a opção da não restauração dos dentes porque a mãe, apesar de ter aprendido a higienizar os elementos dentários bem como a cavidade bucal e a criança
comparecer semanalmente ao consultório para o controle das lesões por meio de aplicações tópicas com verniz
fluoretado, não conseguia fazer o desmame, sendo portanto necessário mais tempo para fazer com que ela controlasse esse fator de risco.
A transição da condição do esmalte, ou seja, a de esmalte desapoiado, mas ainda mantendo a cavidade sem
acesso para a de esmalte com acesso para instrumento
manual (colher de dentina), serviu de fator educativo e
demonstrativo de como a lesão de cárie pode evoluir. E
isso foi decisivo para que a mãe pudesse compreender
a necessidade do desmame, permitindo que as restaurações atraumáticas fossem confeccionadas. Dessa forma, o
TRA utilizado como programa proporcionou a melhora
da qualidade de vida da paciente, na medida que conseguiu conscientizar a mãe da necessidade do controle do
fator de risco (desmame) e aplicar medidas preventivas
no tocante à higiene.
Segundo Guedes-Pinto5 (2003), pode-se afirmar que
a odontologia para bebês ocorre ou acontece quando os
pais são educados, aprendem e se conscientizam, assim
como aplicam os conhecimentos aprendidos. A partir
do momento em que a mãe aderiu ao tratamento, como
acima descrito, pode-se dizer que a afirmativa do autor
foi verdadeira para o caso em questão e concorda com
Oliveira et al.7(1998) que, o Programa TRA apresenta
a parte preventiva como fundamental para mudanças de
comportamento que levam a mudanças de qualidade de
vida.
Outro ponto importante a ser assinalado é que as
crianças tratadas com a técnica atraumática experimentam menor desconforto comparadas com aquelas tratadas com a técnica convencional (Schiriks e Amerogen9,
2003). Esse aspecto pode ter contribuído para o excelente comportamento apresentado pela criança durante o
período de tratamento, o que de certo modo contribuiu
para que sua mãe pudesse continuar tentando controlar
seus fatores de risco desequilibrados.
Por todos os argumentos acima expostos, há de se ressaltar que a criança, apesar de ser portadora da Síndrome
de Down, apresentou reação semelhante e até melhor do
que crianças ditas normais, concordando com o descrito
por Guedes-Pinto5 (2003) que não acredita poder enquadrar crianças em tipos de padrões pré-estabelecidos,
criando situações rígidas de compreensão da atitude da
grande maioria, em razão destas apresentarem características de diferentes categorias.
O tempo de adequação segundo Walter et al.10 (1996)
é de 1 mês, mas esse tempo nem sempre se enquadra
nas necessidades de adequação dos pais para controle
dos fatores de risco de seus filhos, como no caso aqui
descrito: amamentação à livre demanda associada à não
higienização. No entanto, o TRA por ser programa não
restringe o tempo de emprego de suas etapas e estas não
estão condicionadas ao tempo de existência de uma e
outra (técnica atraumática e etapa preventiva). Logo, a
escolha pelo programa se deu por respeitar o tempo e o
momento de cada indivíduo (da mãe e da criança) até
que se alcançasse o controle do fator de risco da filha.
CONCLUSÃO
O TRA como um programa com todas as suas etapas (educativa, curativa e preventiva) se mostrou eficaz,
e permitiu maior conhecimento sobre a doença cárie
e suas conseqüências, modificando hábitos e modo de
pensar do cuidador.
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Marra PS, Lagreca BT, Martins VR, Oliveira AV, Vils AB, Chevitarese L, Miasato JM. Tratamento restaurador atraumático: uma alternativa
de recuperação da qualidade de vida. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2008 maio-ago; 20(2): 204-8
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Recebido em: 02/03/2007
Aceito em: 08/12/2007
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