O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação* The legal person’ s axiological foundation of moral damage in the information society Flávia Piva Almeida Leite [email protected] Beatriz Salles Ferreira Leite [email protected] Marco Antonio Lima [email protected] Resumo O presente trabalho aborda o estudo da fundamentação dos direitos da personalidade – a pessoa humana – e sua aplicabilidade à pessoa jurídica, bem como suas violações, com base na doutrina e na dificuldade de quantificar e comprovar o dano material por ofensa ao bom nome da empresa. A Súmula nº 227 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) (BRASIL, s.d.), apesar de anterior ao Código Civil, cuja vigência iniciou-se em 2003, reconhece, em conjunto com o próprio diploma civil, a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral. Para tanto, é necessário que a violação ofenda a honra objetiva da empresa, que diz respeito ao seu nome diante do mercado em que atua e perante seus consumidores e clientes. Tais violações, hodiernamente, ocorrem com maior frequência tendo em vista a digitalização e instantaneidade das * O presente artigo é fruto de pesquisas no Projeto “Direitos da personalidade e crítica ao dogmatismo nos direitos morais do autor” do Programa de Mestrado em Direito em Sociedade da Informação da UniFMU registrado na Capes desde de 2005. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 301 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima comunicações existentes na sociedade da informação. Demonstraremos que, em que pese a possibilidade de ofensa à boa imagem da empresa com o respectivo ressarcimento, muitos operadores do direito ainda cometem equívocos ao fundamentarem suas ações judiciais nas decisões dos magistrados quando acolhem ou negam o reconhecimento da violação ocorrida. Chegamos a essa conclusão pelas decisões judiciais que se reportam à possibilidade de violação à honra objetiva da empresa. Para tanto, utilizou-se do método indutivo, pesquisando-se a doutrina e a bibliografia, bem como as decisões jurisprudenciais que abordaram o referido tema. Palavras-chave: Sociedade da Informação; Direitos da personalidade; honra objetiva; Dano moral; Súmula nº 227 STJ. Abstract This paper approaches the study of the grounds of personal rights - the human person - and their applicability to the legal entity as well as its violations, based on the doctrine and in the difficulty to quantify and prove the damage caused by an offense to the company’s good name. The Precedent No. 227 of the Supreme Court of Justice (STJ), although prior to the Civil Code, whose term began in 2003, recognizes, together with the civil law, the possibility of a legal person to suffer moral damage. Therefore, it is necessary that the violation offends the company’s objective honor, involving its name in the market in which it operates and their customers and clients. Such violations are now more frequent due to the scanning and instantaneity of existing communications in the information society. We demonstrate that, regarding the possibility of offense to the company’s good image and its due compensation, many jurists still make mistakes by grounding their lawsuits in the decisions of judges that embrace or deny the recognition of the violation. We come to this conclusion by judicial decisions that relate to the possibility of violation of the objective honor of the company. Therefore, we used the inductive method, researching the doctrine and literature, as well as court decisions that addressed the said topic. Keywords: Information society; Personality rights; Violation; Honor strict; Moral damage. 302 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação Introdução O presente artigo, desenvolvido com base no método indutivo, perscrutará a doutrina e a jurisprudência com o objetivo de analisar a questão dos elementos que compõem o dano moral da pessoa jurídica e, especialmente, seus efeitos na sociedade contemporânea. Neste sentido, verificaremos que, em razão da revolução tecnológica das últimas décadas, ocorreu a potencialização da sua existência, em razão da sua rápida propagação proporcionada pelos mais diversos meios de comunicação, em especial a internet. Para tanto, faz-se necessário discorrer, ainda que de forma sucinta, sobre o que é a sociedade da informação, a fim de que possamos, então, tratar da questão relacionada aos direitos de personalidade, do qual decorre o direito à indenização por dano moral, ocasião em que estudaremos o que é, quando se configura e, principalmente, sua relação com a pessoa jurídica. A sociedade pós-moderna, informatizada e que proporciona comunicação instantânea graças à utilização, principalmente, da internet, tem suas benesses – por exemplo, maior facilidade de acesso a qualquer tipo de informação, mas não se limita à propagação de fatos saudáveis, mas também da prática de atos ilícitos. Diante de um sem-número de usuários, tornou-se cada vez mais fácil, e também frequente, a utilização da web 2.0 como ferramenta para denegrir a honra das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas. Como neste trabalho o enfoque estará sobre a pessoa jurídica, cita-se um exemplo dos tipos de ferramentas que o usuário tem nas mãos para ser ouvido pelas empresas. Muitas vezes, não sem razão, mas em algumas delas com certo grau de ofensa, é possível reclamar de uma empresa de produtos ou serviços por meio do site Reclame Aqui (www.reclameaqui.com.br), que tem grande procura para consultas sobre a reputação dos fornecedores. Qualquer usuário da rede pode acessar o número de reclamações de determinada empresa, sua resposta em relação ao caso e se ele foi solucionado a contento. Utilizado de maneira legítima, o site mostra ser uma ferramenta bastante hábil para traçar um perfil da empresa consultada; todavia, como já dissemos anteriormente, há o outro lado da moeda: os usuários Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 303 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima que se aproveitam dessa facilidade para publicar mensagens ofensivas à honra objetiva da pessoa jurídica. É neste ponto que debruçaremos os esforços, pois há que ser aclarada a ideia da fundamentação dos pedidos acerca do dano moral da pessoa jurídica. Sua existência parece ser contraditória, uma vez que a violação aos direitos da personalidade é calcada na essência da pessoa humana, embasada na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), em seu artigo 5º, X, que assegura a inviolabilidade da honra, imagem, intimidade, privacidade, e assegura a indenização por sua violação. Na mesma toada, veio o Código Civil atual (BRASIL, 2002), todavia, mesmo antes de sua vigência, já havia a Súmula nº 227 (BRASIL, s.d.) do colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ), afirmando que a pessoa jurídica é passível de sofrer dano moral. Por essa razão, abordaremos os elementos axiológicos que fundamentam o reconhecimento do dano moral para a pessoa jurídica com base no ordenamento jurídico vigente e na jurisprudência pátria sobre o tema. Sua relevância está fundada na dificuldade que os operadores do direito encontram em delimitar o dano moral da pessoa jurídica, pois, como se observará ao longo do texto, concluiremos que há uma evidente confusão quando do pedido e/ou, também, da fundamentação legal da ação, já que há uma nítida confusão entre os direitos de personalidade da pessoa física com os da pessoa jurídica. As postulações de decisões judiciais muitas vezes parecem se esquecer de que a base do pedido de reconhecimento da violação da honra, no que toca às pessoas jurídicas, dirige-se ao abalo de sua honra objetiva, ou seja, a deterioração de sua figura perante o mercado de consumidores no qual atuam como prestadores de serviços ou produtos. A pessoa jurídica não é capaz de sofrer lesões intrínsecas, subjetivas, como abalo moral psíquico, contudo, muitas das vezes os pedidos fundam-se nessa linha construtiva, o que se mostra equivocado. Não se nega que a pessoa jurídica seja sujeito capaz de ser vítima de dano moral, entretanto, para isso, deve ter sua honra objetiva abalada. Um exemplo de fácil percepção do que estamos tentando demonstrar ocorre quando a empresa tem seu nome incluso no rol dos 304 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação maus pagadores de forma indevida. Nestes casos, inclusive a presunção é absoluta, e os danos morais independem de prova, pois seu nome certamente será prejudicado perante os integrantes da sociedade na qual ela atua. Dentro do quadro apresentado, pretendemos estudar cada um dos elementos que justificariam a concessão do dano moral à pessoa jurídica com o objetivo de contribuir de forma elucidativa para o tema. Desta forma, não é nosso objetivo esgotar qualquer matéria; apenas faremos a reflexão sobre o tema com o intuito de criarmos mecanismos didáticos que possibilitem uma melhor compreensão do assunto pelos operadores do direito. Sociedade da informação A sociedade, ao longo de sua história, passou por três grandes marcos do desenvolvimento social, conhecidos como Revolução Agrícola, Revolução Industrial e Revolução Informacional. Estas transformações vividas pela sociedade não ocorreram de forma linear nem tampouco o surgimento de uma nova fase acarretou a extinção da anterior; ao contrário, houve a agregação de novos valores. Para Manuel Castells (2005), o paradigma da tecnologia da informação está fundado em cinco características: 1) a informação é a sua matéria-prima; 2) penetrabilidade dos efeitos da nova tecnologia (as atividades humanas são afetadas pela tecnologia); 3) predomínio da lógica das redes (a rede pode ser implementada materialmente em todos os tipos de processos e organizações); 4) flexibilidade (a rede possui alta capacidade de reconfiguração); 5) convergência de tecnologias específicas (a tendência natural é de integração de todo o sistema). A revolução tecnológica ocorrida no final do século XX, conhecida como Sociedade da Informação, é responsável pela modificação das estruturas da sociedade, em especial na área de comunicação. A principal característica desta fase é a possibilidade de amplo acesso à informação, o que justifica sua nomenclatura. Apenas a título de curiosidade sobre esta característica desta nova era, citamos o médico psiquiatra e escritor Augusto Cury, em entrevista concedida à jornalista EduarCadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 305 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima da Rosa (2014), da Dourados News. Na referida entrevista, o médico destaca que uma criança de sete anos na sociedade contemporânea já recebeu, em sua curta jornada, mais informações em sua vida do que um imperador romano no auge de Roma. O sociólogo Barreto Junior, ao tratar sobre o tema destaca que: A sociedade contemporânea atravessa uma verdadeira revolução digital em que são dissolvidas as fronteiras entre telecomunicações, meios de comunicação de massa e informática. Convencionou-se nomear esse novo ciclo histórico de Sociedade da Informação, cuja principal marca é o surgimento de complexas redes profissionais e tecnológicas voltadas à produção e ao uso de informação, que alcançam ainda sua distribuição através do mercado, bem como as formas de utilização desse bem para gerar conhecimento e riqueza. Essa expressão tem sido utilizada com frequência cada vez maior em tempos contemporâneos, porém, o conceito advém da década de 60, quando foi superado um estágio de desenvolvimento histórico e teve início um período marcado pela confirmação de um novo paradigma na sociedade. Na sociedade contemporânea, o novo modelo organizacional superaria a centralidade de controle e da otimização de processos industriais e alçaria o processamento e o manejo da informação para o centro das discussões no âmbito das ciências humanas e tecnológicas. (2007, p. 62). Por consequência lógica, as informações que transitam na rede têm valor comercial, podendo alavancar ou destruir a imagem de uma pessoa, seja física ou jurídica; por esta razão, as informações passaram a ter valor: “a era da informação não é apenas um ‘slogan’, mas um fato; a economia baseada no conhecimento é, realmente, uma nova economia, com novas regras, exigindo novas maneiras de fazer negócios” (LISBOA, 2007, p. 120). Nesta mesma linha, destacamos o entendimento de Simão Filho: 306 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação Assim é que a Sociedade da Informação, antes de se prestar a ser um elemento jurídico que possa dar origem a um segmento específico do direito, quando vista em razão de suas intercorrências, é um princípio de natureza econômica, que passou a reger certas atividades comunitárias de forma plena, parecendo ser o caminho lógico do desenvolvimento social e, a partir de sua boa formulação e implemento, o futuro se fará com vistas à melhoria da qualidade de vida e condição humana. (2007, p. 28). A Sociedade da Informação, em hipótese alguma, resume-se à internet, mesmo porque seu surgimento é posterior, e, se não bastasse, está restrita a apenas parte da população, sendo que a televisão continua a ser um dos principais instrumentos de comunicação. Entretanto, não podemos ignorar a impulsão dada pela rede mundial de computadores à sociedade contemporânea. Na internet, todos os computadores ficam interligados entre si em uma grande rede. Esta conexão pode ser feita por cabos, satélites e redes telefônicas. Em razão de suas diversas finalidades, ela rapidamente se popularizou. Em novembro de 2014, a rede mundial de computadores já tinha aproximadamente 3 bilhões de usuários, ou seja, 40% de toda a população mundial (INTERNET JÁ TEM…, 2014). No Brasil, de acordo com os dados divulgados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013 (PNAD, 2015), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 85 milhões de brasileiros tinham se conectado à Internet, sendo que 48% dos domicílios brasileiros tinham acesso à internet. Cinco anos antes, este número, de acordo com o Ibope NetRatings, era de aproximados 40 milhões de usuários (INTERNET CHEGA…, 2008). A internet, cada vez mais utilizada, é um campo de larga importância, pois, por meio dela – a rede das redes–, parte significativa da sociedade consegue, principalmente pelas redes sociais, implicações em qualquer campo, tais como econômico, político e cultural. Ela possibilita a seus usuários o direito de informar e ser informado. Como afirma Paesani: Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 307 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima A liberdade de informação tem sido definida como a mãe de dois direitos: de informar e ser informado. A informação deve ser observada sob o aspecto ativo e passivo. No primeiro caso, aborda-se a possibilidade de acesso aos meios de informação em igualdade de condições, possibilitando o direito de expressar o pensamento e informar, o aspecto passivo salvaguarda o direito de assimilar e receber as notícias e as opiniões expressas por alguém. Neste último caso, tem-se a liberdade de se informar. (2006, p. 21, grifos no original). Não é por acaso que aplicativos populares como WhatsApp e Instagram foram vendidos por cifras bilionárias, o primeiro por U$19 bilhões de dólares, enquanto o segundo foi vendido por U$ 1 bilhão de dólares, ambos ao Facebook (FACEBOOK COMPRA…, 2008); a informação é o ator principal da nova fase vivida pela sociedade. Uma vez conectado à rede mundial de computadores, o usuário deixa um rastro de informações, de dados que são utilizados com diferentes finalidades. Sobre o tema, Barbosa afirma: Se ao tempo da Guerra Fria existiam dois programas teórico-políticos em disputa pela hegemonia dos movimentos da sociedade, na atual fase do capitalismo, na sociedade da informação, há apenas o programa individual-materialista, o neoliberalismo. O atual projeto neoliberal não enfrenta um oponente teórico, político e ideológico à sua altura. A informação, em definitivo, é a principal fonte de valorização e produção de riquezas, no atual programa hegemônico neoliberal. (2007, p. 52). No Brasil, a Constituição Federal de 1988, atenta a esta nova etapa da civilização, estabeleceu como princípio o acesso de todos à informação (art. 5º, XIV), sem qualquer censura ou licença prévia (arts. 5º, IX e 220). Em 1997, com o lançamento do Livro verde da sociedade da informação (TAKAHASHI, 2000)¸ o Governo Federal iniciou um programa para a sociedade da informação que passa a estabelecer diretrizes e me- 308 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação tas para regular essa sociedade. Na primeira fase foram estabelecidas as bases para a criação da infraestrutura da rede no País, com a inserção do programa Rede Nacional de Pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia. Na segunda fase houve uma preocupação em melhorar a estrutura já instalada, como o aumento da velocidade da internet, de modo a deixá-la compatível com o sistema mundial. E, finalmente, na última fase, o objetivo foi a regulação do setor, motivando a criação do Marco Regulatório da Internet (Lei nº 12.965/14, [BRASIL, 2014]), que gerou uma grande expectativa na sociedade brasileira, com o intuito de ver protegidos seus direitos no tocante ao mundo virtual, que, ao contrário do que se pensa, não é um mundo à parte, sem regras e limites, pois, em que pese a importância da liberdade de expressão garantida constitucionalmente no art. 5º, XIX, tal direito não é absoluto. Com certo grau de democracia e, às vezes, até em detrimento da proteção dos dados, o indivíduo (usuário) pode exercer seu direito de livre expressão na rede. Conforme Cunha, Marin e Sartor (2012), o grau de democracia de um país pode ser medido pela liberdade de expressão na internet; veja-se, por exemplo, o relatório do relator especial sobre a promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão da Organização das Nações Unidas (UNITED NATIONS REPORT…, 2011). Todavia, relatam os mesmos autores que deve haver interação igualitária entre a privacidade e o direito de liberdade de expressão. Em razão dessa liberdade e com o crescimento do acesso nos últimos dez anos, a responsabilidade dos provedores de serviço on-line por fato de terceiro têm sido assunto crescente de discussões e debates por todo o mundo, tendo em vista a produção e a distribuição do conteúdo gerado pelo usuário; algo que, infelizmente, nem sempre é socialmente benéfico. Com o uso da rede, cresceram os tipos de delitos e de danos patrimoniais e morais, inclusive às pessoas jurídicas, na mesma proporção em que se elevou o número de agentes com a popularização dos computadores pessoais, smartphones e serviços de comunicação. Isso porque, a “web 2.0”, como é chamada essa nova rede global de acesso à internet, tornou-se um fórum no qual qualquer usuário, por meio de suas opiniões, pode efetivamente exercitar seus direitos políticos, Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 309 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima econômicos e civis. Com o crescimento das comunicações instantâneas, e diante do imediatismo exigido pela sociedade da informação, os direitos da personalidade tornaram-se extremamente mais vulneráveis e suscetíveis de violação. Para melhor compreendermos a tônica dos diretos da personalidade, passamos a discutir, no item a seguir, sua construção no direito. Direitos da personalidade O tratamento dos direitos da personalidade no plano do direito dá-se sob três óticas. Sob a ótica do direito civil, recebem o nome de direitos da personalidade e, no Código Civil brasileiro (BRASIL, 2002), estão previstos e tutelados nos artigos 11 a 22; no campo do relacionamento com o Estado, são denominados direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal entre os artigos 5º e 17; e no direito internacional são um ramo dos direitos humanos, cujo regramento e proteção são feitos por tratados internacionais ratificados pelo Brasil com status de norma constitucional. A compreensão desses direitos deve ser capaz de promover a consciência sobre nossa liberdade, igualdade, diversidade, o respeito e o direito de cada um, assim como as responsabilidades e os deveres. Segundo Szaniawski (2005, p. 137): “reconhece e tutela o direito geral de personalidade através do princípio da dignidade da pessoa, que consiste em uma cláusula geral de concreção da proteção e do desenvolvimento do indivíduo”. Ainda, sob a denominação de direitos da personalidade, segundo Gomes: Compreendem-se os direitos personalíssimos e os direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina moderna preconiza e disciplina no corpo do Código Civil como direitos absolutos, desprovidos, porém, da faculdade de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos outros indivíduos. (1996, p. 130). 310 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação Para Tepedino, são como direitos da personalidade Os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa dos valores inatos do homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos. (1999, p. 47). Por tais definições, percebe-se que os direitos da personalidade são de fundamental importância para a proteção dos valores que, intrínsecos do ser humano, foram positivados para garantir sua estabilidade e integridade. Características dos direitos da personalidade Tais direitos possuem como objeto os bens mais elevados da pessoa humana: vida, integridade física, moral, intimidade, o segredo, o respeito, a honra, a intelectualidade e outros. São intransmissíveis e indispensáveis e também, como já acima referidos, direitos inatos, desde a concepção até a morte. São também absolutos, extrapatrimoniais, imprescritíveis e impenhoráveis, necessários, oponíveis erga omnes (BRASIL, 2002, art. 11), transcendem o ordenamento jurídico, pois nascem com a pessoa, sendo, ainda, intangíveis. Podemos ainda apontar as diversas nomenclaturas que tais direitos recebem. Discorrendo sobre essa questão terminológica, Cupis (1961) aponta que os direitos da personalidade devem ser vistos quanto à vida e à integridade física, às partes separadas do corpo e ao cadáver, à liberdade, à honra e respeito ao resguardo, ao segredo, à identidade pessoal, ao título, ao sinal figurativo, ao direito moral de autor. Esses direitos dizem respeito aos relativos à integridade física, direito à vida, ao próprio corpo, no todo ou em parte, e ao cadáver, direito à integridade moral, direito à honra, à liberdade, ao recato, ao segredo, à imagem, ao nome e o direito moral de autor. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 311 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima No tocante à pessoa jurídica, que é o objeto deste estudo, o direito da personalidade que será abordado é o que diz respeito à honra. Apesar de toda a argumentação dos direitos da personalidade ser fundado na pessoa humana, o Código Civil atual, em seu art. 52, determina que se apliquem às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Além do mencionado artigo, faz-se necessário citar ainda a Súmula nº 227 do STJ (BRASIL, s.d.): “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Neste aspecto, cabe aqui discutir sobre a honra da pessoa jurídica. Nos dizeres de Schreiber (2014), a previsão do art. 52 do Código Civil não vai ao encontro de toda a argumentação e construção que embasam os direitos da personalidade, pois, segundo assevera o autor, tal fundamentação viola a dignidade da pessoa humana, que é prevista como fundamento em nossa Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Ao discorrer sobre essa posição, aponta o autor que tal construção deu-se no intuito de facilitar a indenização por meio do dano moral, já que a quantificação para o pleito de danos materiais torna-se bastante difícil de ser mensurado e provado. Segue dizendo o autor: Exigir da pessoa jurídica que demonstre matematicamente o efeito negativo da matéria jornalística ofensiva significaria lhe impor prova impossível ou de extrema dificuldade, por envolver bens ideais (embora seguramente econômicos), como a desvalorização da marca junto ao público. Muito mais fácil foi rotular tal dano como dano moral, abrindo as portas pra que o juiz promovesse a sua quantificação por arbitramento. (SCHREIBER, 2014, p. 23). Para justificar tal entendimento, o mesmo autor aponta que a jurisprudência baseia-se na doutrina penalista, que faz diferença entre a honra objetiva e a subjetiva. Assim relata Schreiber: A imensa maioria dos casos assenta na violação à “honra” da pessoa jurídica. As cortes extraem da doutrina 312 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação penalista a já mencionada distinção entre a honra subjetiva e honra objetiva, para concluir que, embora não goze de um sentimento íntimo em relação à sua integridade moral, a pessoa jurídica desfruta, ao menos, de honra objetiva, ou seja, de uma reputação no meio social. No entender dos tribunais, a violação a essa honra objetiva faria com que a pessoa jurídica sofresse um dano moral. (2014, p. 97). Após tais assertivas, parece claro que, apesar da construção jurisprudencial, que posteriormente foi acolhida pelo Código Civil, o dano sofrido pela pessoa jurídica é, em sua essência, patrimonial, com denominação de dano moral, para tornar possível a produção da prova, quando necessária, e posterior indenização. Diniz (2002, p. 68), em exegese ao art. 52, do Código Civil, esclarece que as pessoas jurídicas têm direitos da personalidade, como o direito ao nome, à marca, à honra objetiva, à imagem, ao segredo etc., por serem entes dotados de personalidade pelo ordenamento jurídico-positivo, e podem sofrer dano moral. O STJ, em acórdão relatado pelo ministro Ruy Rosado de Aguiar (BRASIL, 1995), entendeu, a respeito da matéria, o seguinte: A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune a injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, possível de ficar abalada por atos que afetem o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua. (BRASIL, 1995, p. 40.893). Por meio desses entendimentos, conclui-se que, em que pese não ser possível que a pessoa jurídica padeça de sofrimentos psíquicos e abalos psicológicos, pode ter sua imagem abalada diante do ramo em que atua e até mesmo da sociedade em geral, tendo violada sua honra objetiva. Esse entendimento, que hoje não mais se discute em razão da edição da Súmula nº 227 (BRASIL, s.d.) do STJ tem seu fundamento prin- Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 313 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima cipal no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal e vem sido acolhido pela jurisprudência de nossos tribunais: Apelação nº 4033125-44.2013.8.26.0224. Relator. Des. Francisco Occhiuto Jr. 32ª Câmara de Direito Privado. TJSP. Prestação de serviços. Telefonia. Ação de indenização por danos morais e materiais. Ação julgada procedente, condenada a ré ao pagamento de R$7.240,00 a título de dano morais. Apelação da ré. Pretensão ao afastamento dos danos morais, ou a sua redução. Impossibilidade. Demora injustificada na transferência da linha da autora. Interrupção dos serviços de telefonia por cerca de seis meses. Pessoa jurídica, embora não seja titular de honra subjetiva, tem imagem e reputação que podem sofrer abalo moral perante clientes e terceiros. Súmula 227 do C. STJ. Dissabores que vão além do razoável. Dano moral configurado. Redução: descabimento. Valor fixado que atende aos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade. Função punitiva e educativa da reparação por danos morais. Recurso improvido. (BRASIL, 2015) Nos dizeres de Lotufo (2003, p. 150), “o âmbito do dano não patrimonial é muito mais amplo, como a honra, a reputação, a imagem, o nome, a privacidade, cuja lesão pode atingir todas as pessoas e até entes de fato”. Dos fundamentos axiológicos do dano moral da pessoa jurídica Inicialmente, precisamos pontuar que o dano moral da pessoa física não se confunde com o da pessoa jurídica, já que esta última é apenas um ente abstrato. Destarte, para que o presente estudo atenda à sua verdadeira finalidade, faremos, em um primeiro momento, uma breve análise dos fundamentos do dano moral da pessoa física, para então realizarmos o aprofundamento da matéria com relação à configuração do dano extrapatrimonial da pessoa jurídica. 314 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação A base do presente estudo será a Constituição Federal, pois nela encontraremos os verdadeiros fundamentos e princípios que norteiam o instituto do dano moral e, em segundo plano, utilizaremos do enfoque infraconstitucional, em especial o Código Civil. Assim, logo no primeiro artigo da Constituição Federal encontramos que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III)1. Não há na norma um conceito legal e determinado para este importante fundamento, ficando esta tarefa a cargo da doutrina e da jurisprudência. Com efeito, como o objeto do presente trabalho não está voltado à pessoa humana, não prolongaremos a análise das divergências doutrinárias sobre este tema; destacamos, porém, sua importância nos ensinamentos de Andrighi: Se é fundamento é porque se constitui num valor supremo, num valor fundante da República, da Federação, do País, da Democracia e do Direito. Portanto, não é apenas um princípio da ordem jurídica, mas o é também da ordem pública, social, econômica e cultural. Daí sua natureza de valor supremo, porque está na base de toda a vida nacional. A partir da Constituição de 1988, cria-se uma nova ordem constitucional, em que o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais tornam-se o núcleo da ordem jurídica. Essa mudança de paradigma produz um grande impacto no sistema jurídico nacional, promovendo a releitura dos demais ramos do direito e redefinindo os contornos dos antigos institutos como a propriedade e o contrato. (2012, p. 374, grifos do autor). Destarte, o ponto de partida para a configuração do dano moral está na própria dignidade da pessoa humana, direito fundamental e per Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III - a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; […] 1 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 315 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima sonalíssimo, raciocínio este complementado com a análise do artigo 5º da Constituição Federal. O seu caput estabelece que “todos são iguais perante a lei”, enquanto que seus incisos V e X2 asseguram o direito à reparação pelo dano extrapatrimonial pela violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, restando inequívoca a previsão constitucional quanto ao reconhecimento do dano moral. Neste sentido, diz Fiorillo (2012, p. 116): “A lesão aos bens ambientais, necessariamente observada em sua condição metaindividual, possibilita eventual indenização em face do art. 5º, V e X, da Constituição Federal”. No plano infraconstitucional, o Código Civil determina a responsabilidade daquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem3. Pouco importa se o dano é exclusivamente extrapatrimonial, a responsabilidade civil do agente causador é inequívoca. Os princípios da responsabilidade civil buscam restaurar um equilíbrio patrimonial e moral violado. Um prejuízo ou dano não reparado é um fator de inquietação social. Os ordenamentos contemporâneos buscam alargar cada vez mais o dever de indenizar, alcançando novos horizontes, a fim de que cada vez menos restem danos irressarcidos. É claro que esse é um desiderato ideal que a complexidade da vida contemporânea coloca sempre em xeque. Os danos que devem ser reparados são aqueles de índole jurídica, embora possam ter conteúdo também de cunho moral, religioso, social, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; […] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; […] 3 Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187) causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. 2 316 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação ético, etc., somente merecendo a reparação do dano as transgressões dentro dos princípios obrigacionais. (VENOSA, 2013, p. 1100). A Lei nº 8.078/90 (BRASIL, 1990), igualmente, assegura como direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação pelos danos morais em seu artigo 6, VI4. Ao interpretar referido dispositivo legal, Marques (2014, p. 290) pontua: “O ressarcimento do dano moral foi assegurado ao consumidor pelo art. 6º, VI, do CDC, mas não se limita ao ressarcimento de danos morais em relações extracontratuais”. Desta forma, dúvida alguma há de que o direito à reparação pelo dano moral está devidamente positivado em nosso ordenamento jurídico nos planos constitucionais e infraconstitucionais. Porém, pela ausência de um conceito legal determinado sobre o dano moral, novamente a tarefa foi conferida à doutrina e à jurisprudência. Singelamente, o dano pode ser dividido em duas categorias: a primeira corresponde ao prejuízo econômico auferido pela parte e sua aferição ocorre com base em dados concretos, denominado dano material; a segunda está relacionada ao dano não econômico sofrido pela parte em razão de violação aos direitos de personalidade da vítima, de forma a abalar sua estrutura emocional, denominado dano moral (ou extrapatrimonial). Com relação ao dano moral, Cahali entende que, Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: […] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. 4 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 317 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral. (2005, p. 23). Venosa não diverge do entendimento supra, senão vejamos: Dano moral, ou melhor dizendo, não patrimonial, é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos de personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. Não é também qualquer dissabor comezinho da vida que pode acarretar indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do homem médio, o bônus pater famílias: não se levará em conta o psiquismo do homem excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de resistir sempre às rudezas do destino. (2013, p. 116). O STJ tem fixado o entendimento de que o dano moral está relacionado ao sentimento de dor pelo lesado, afastando a possibilidade do seu reconhecimento em problemas do cotidiano, com a finalidade de preservar este precioso instituto, pois somente: “o sofrimento acentuado, diferente de mero incômodo, é verdadeiramente irrecusável…” (BRASIL, 2012) Neste aspecto, em um primeiro momento, poderíamos chegar à conclusão de que a pessoa jurídica, por não ter alma humana, ou seja, por não ter os atributos inerentes aos direitos de personalidade, que são próprios do ser humano, não seria apta a sofrer dano moral. Porém, se fizermos uma análise mais aprofundada do tema, verificaremos que é plenamente possível a configuração do dano moral à pessoa jurídica, mas, para tanto, é imprescindível entender sua correta fundamentação, ou seja, os elementos que caracterizam sua configuração. 318 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação Da análise do artigo 5º da Carta Magna, é possível concluir que: i) todos somos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, nos exatos termos do caput; ii) o dano moral descrito em seus incisos V e X, não faz qualquer ressalva quanto à pessoa jurídica; iii) portanto, no que couber, o dano moral não é exclusivo da pessoa física, estendendo-se, no que for aplicável, à pessoa jurídica. No plano infraconstitucional, o Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) segue a mesma trilha, primeiro por admitir que a pessoa jurídica figure na condição de consumidora de produtos e serviços, após por assegurar-lhe a efetiva reparação pelos danos materiais e imateriais que vier a sofrer: Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: […] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Não obstante, o Código Civil, ao tratar sobre as pessoas jurídicas, reconhece a incidência, no que couber, dos direitos de personalidade, que pertenceriam somente à pessoa física: “Art. 52 - Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos de personalidade” (BRASIL, 2002). É neste dispositivo que reside a maior dificuldade de compreensão do instituto do dano extrapatrimonial da pessoa jurídica, já que não há dúvida alguma de que o direito de personalidade está pautado na dignidade da pessoa humana, o que afastaria a possibilidade de sua caracterização à pessoa jurídica, já que é um ente abstrato. Não raras vezes, o artigo 52 do Código Civil é interpretado de forma equivocada, equiparando os direitos de personalidade da pessoa física e jurídica como se iguais fossem. Shcreiber assevera: Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 319 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima Neste ponto é importante notar que o art. 52, embora pouco claro, não chega a afirmar que as pessoas jurídicas têm direitos de personalidade. O que o art. 52 estende às pessoas jurídicas é tão somente a “proteção” dos direitos de personalidade, no que couber. Em outras palavras, o dispositivo autoriza que alguns instrumentos destinados à tutela dos direitos da personalidade sejam invocados em benefício das pessoas jurídicas. Nada mais. E mesmo essa extensão – limitada a alguns instrumentos protetivos – deve ser vista com cautela, atentando-se para a diversidade de fundamento e inspiração. (2014, p. 22, grifos do autor). Não se estuda aqui se a pessoa jurídica pode ou não sofrer dano moral, mesmo porque esta análise já restaria prejudicada, pois a jurisprudência é tranquila em reconhecer a possibilidade de configuração do dano moral à pessoa jurídica, tendo o colendo Superior Tribunal de Justiça, em 1999, editado a Súmula nº 227 (BRASIL, s.d.), cujo verbete consagrou claramente: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Ao contrário, o objeto do presente trabalho está alicerçado nos fundamentos axiológicos do dano moral à pessoa jurídica. Desta forma, é necessário compreender que a pessoa jurídica não sofrerá dano em sua honra subjetiva, pois inexiste! O fundamento está pautado na honra objetiva da pessoa jurídica. Venosa destaca: Na verdade, quando se afirma, e isso se faz com frequência nas decisões e na doutrina, que a pessoa jurídica pode ser atingida na sua honra objetiva, o que se quer verdadeiramente permitir é a indenização de danos não facilmente avaliáveis. Nesse aspecto torna-se indenizável o ataque à honra, ao nome e à boa fama da pessoa jurídica. Sob esse diapasão, também não se afasta a possibilidade de a pessoa jurídica sem fins lucrativos também ser atingida sob esses aspectos, principalmente porque essa categoria de entidade pode ser afetada em sua credibilidade e com isso ficar prejudicada no desempenho do papel social a que se propôs. Assim, com 320 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação a mitigação necessária, podem ser trazidos à baila os princípios dos arts. 11 a 21, no que couber, longe estando esse rol de ser exaustivo. (2013, p. 1116). Shcreiber entende que este dano à honra objetiva seria mais voltado à dificuldade em quantificar o valor do dano patrimonial da pessoa jurídica em situações em que seu patrimônio é atingido: A rigor, tais atentados não atingem a dignidade humana, mas o patrimônio das pessoas jurídicas. Por exemplo, se uma matéria jornalística atribui falsamente a certa sociedade empresária o emprego de mão de obra escrava, o atentado ao bom nome da companhia não significa nada mais que a desvalorização da sua marca, com eventual queda nas vendas e desestímulo aos negócios. Tais danos são tecnicamente patrimoniais. Todavia, na tradição jurídica brasileira, o dano patrimonial precisar ser numericamente demonstrado, por meio de cálculos ou perícias. Exigir da pessoa jurídica que demonstre matematicamente o efeito negativo da matéria jornalística ofensiva significaria lhe impor prova impossível ou de extrema dificuldade, por envolver bens ideais (embora seguramente econômicos), como a desvalorização da marca junto ao público. Muito mais fácil foi rotular tal dano como dano moral, abrindo as portas para que o juiz promovesse a sua quantificação por arbitramento. Trata-se de um artifício útil. “Moraliza-se”, por assim dizer, o dano patrimonial sofrido pela pessoa jurídica para permitir sua livre determinação pelo magistrado, dispensando-se o autor da prova quase impossível do prejuízo econômico experimentado em tais circunstâncias. (2014, p. 23). Entendemos, contudo, que se trata de dano extrapatrimonial, e a fundamentação está no disposto no inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal, em especial quanto ao abalo à sua honra objetiva e outro não tem sido o entendimento adotado pelo colendo Superior Tribunal Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 321 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima de Justiça ao afastar a hipótese de incidência pautada em ofensa à honra subjetiva, conforme ementas abaixo transcritas: ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. MORTE DE AVES. DANO MORAL. PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE CARACTERIZAÇÃO DA PERDA DE CREDIBILIDADE NO ÂMBITO COMERCIAL. 1. A pessoa jurídica pode ser objeto de dano moral, nos termos da Súmula 227/STJ. Para isso, contudo, é necessária violação de sua honra objetiva, ou seja, de sua imagem e boa fama, sem o que não é caracterizada a suposta lesão. 2. No caso, do acórdão recorrido não se pode extrair qualquer tipo de perda à credibilidade da sociedade empresária no âmbito comercial, mas apenas circunstâncias alcançáveis pela ideia de prejuízo, dano material. Assim, descabida a fixação de dano moral na hipótese. 3. Recurso especial provido. (BRASIL, 2015a; grifos dos autores). PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. TELEFONIA. DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. COMPROVAÇÃO. ANÁLISE DE MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7/ STJ. REVISÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. SÚMULA 7/STJ. 1. Esta Corte possui entendimento pacífico quanto à possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral, nos termos da Súmula 227/STJ, desde que haja ofensa à sua honra objetiva. Ocorre que, para averiguar se houve ou não comprovação dos danos morais sofridos, necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é vedado nesta seara recursal, ante o óbice da Súmula 7/STJ. 2. A quantia estipulada a título de danos morais, quando não exorbitante ou irrisória, não pode ser revista, em razão do óbice da Súmula n. 7/STJ. 3. Agravo regimental não provido. (BRASIL, 2014; grifos dos autores). 322 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação Os fundamentos axiológicos que norteiam o pedido de ressarcimento por dano extrapatrimonial estão vinculados à honra objetiva, representada pelo abalo da imagem da empresa perante terceiros com a possibilidade de redução do fluxo financeiro. Ou seja, a proteção não é da dor que sofre o sócio ou até mesmo a pessoa jurídica. O sócio (pessoa física) por ser pessoa distinta do ente abstrato (pessoa jurídica), não obstante a pessoa jurídica não sofre dor. Para reforçar o que até aqui foi desenvolvido, o próprio colendo Superior Tribunal de Justiça foi categórico ao fixar os elementos que compõem o dever de indenizar, no que se refere à pessoa jurídica e o dano moral: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. AUSÊNCIA. INUNDAÇÃO DE ESTABELECIMENTO LOCALIZADO EM SHOPPING CENTER. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PESSOA JURÍDICA. OFENSA À IMAGEM E HONRA OBJETIVA CONFIGURADA. REQUISITOS DA REPARAÇÃO CIVIL CONFIGURADOS. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. DANO MORAL. VALOR ARBITRADO. RAZOABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. […]. 2. A jurisprudência desta eg. Corte consolidou-se no sentido de reconhecer a possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral (Súmula 227/STJ), desde que demonstrada, como na hipótese, ofensa à sua honra objetiva (imagem e boa fama). 3. O Tribunal local, ao apreciar as provas produzidas nos autos, foi categórico em reconhecer os requisitos ensejadores da obrigação de indenizar, em decorrência da prova de dano à imagem do estabelecimento perante sua clientela, bem como de sua honra objetiva em decorrência do risco de integridade física a que foram submetidos os consumidores. Nessas circunstâncias, afigura-se inviável rever o substrato fático-probatório diante do óbice da Súmula 7/STJ. […]5. Agravo regimental a que se nega provimento. (BRASIL, 2015b; grifos dos autores). Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 323 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima No referido julgado, resta inequívoca a fundamentação para embasar as hipóteses de incidência do dano moral sofrido pela pessoa jurídica, sendo imprescindível a ofensa concreta à sua honra objetiva, com o abalo de sua imagem e boa fama (art. 5º, X, CF [BRASIL, 1988]), pois o direito constitucional é assegurado a todos, inclusive às pessoas jurídicas. Equivocada é a pretensão formulada tendo como fundamento a dor da pessoa jurídica, pois esta é um ente abstrato. O que se tutela no caso em questão é sua imagem e boa fama, ou seja, sua honra objetiva. Do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação Após delinear os preceitos dos elementos axiológicos do dano moral da pessoa jurídica, resta, ainda, o dever de colocar em relevo sua importância na sociedade contemporânea. Com efeito, o advento da sociedade da informação decorre da revolução tecnológica ocorrida nos meios de comunicação; a consequência é a possibilidade de potencialização do dano à honra das pessoas físicas e jurídicas, em especial na internet, já que as informações trafegam pela rede sem barreiras de espaço e tempo. Desta forma, considerando que o presente trabalho está vinculado ao estudo do dano moral da pessoa jurídica (honra objetiva), torna-se evidente que uma informação negativa e indevida de uma empresa, poderá trazer forte abalo em sua estrutura, capaz, até mesmo, de possibilitar o encerramento de suas atividades5. Como exemplo, citamos o caso denominado O Caso da Escola Base: “A Escola Base era uma instituição de ensino localizada no bairro da Aclimação, na cidade de São Paulo. Após denúncia de duas mães sobre suposto abuso sexual de seus filhos, crianças de quatro anos de idade, foi aberto inquérito policial e a imprensa passou a divulgar as acusações com manchetes sensacionalistas, o que incitou a revolta da população. Houve saques ao colégio, depredação das instalações, ameaças de morte contra os acusados. O inquérito, entretanto, acabou arquivado por falta de provas. Alguns veículos de imprensa chegaram a se retratar, mesmo assim a Escola Base acabou fechando as portas” (ROVER, 2014). 5 324 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação Em que pese a garantia constitucional do direito à liberdade de expressão (art. 5º, IX [BRASIL, 1988]), o exercício de referido direito deve ser realizado com cautela, já que não há uma zona livre de imputações desonrosas ou de abalo à imagem. Neste sentido, vale lembrar que o próprio consumidor de um produto ou serviço, ao exercer seu direito de reclamação em sítios eletrônicos ou em qualquer meio de comunicação, deve fazê-lo com cautela, sob pena de violar a honra subjetiva da empresa e ser responsabilizado por eventuais danos morais. O consumidor mais atento, antes de celebrar um contrato com uma empresa, poderá obter, na própria rede mundial de computadores, informações sobre sua conduta profissional. Diversos são os sites à sua disposição, dos quais destacamos o Procon (www.procon.sp.gov.br) e o Reclame Aqui (www.reclameaqui.com.br). Contudo, sem prejuízo os sites de relacionamento, como Facebook, igualmente podem trazer informações positivas ou negativas de fornecedores. Neste contexto, é inquebrantável que informações que atentem contra a honra objetiva da empresa adquirem potencial caráter danoso, pois afetam sua imagem e honra perante terceiros, ocasionando a perda de credibilidade e prejuízo financeiro. Assim, é possível que aquele consumidor, tomado pela revolta em razão do eventual descumprimento contratual por parte da empresa, seja condenado ao pagamento de indenização por danos morais, não por violar a dignidade da pessoa humana dos sócios, mas por atingir a reputação da pessoa jurídica. Neste sentido, destacamos o entendimento proferido pelo Juiz Giordano Resende Costa, da 4.ª Vara Cível de Brasília: É necessário pontuar que o registro de reclamações nas redes socais e em sites especializados tornou-se uma ‘febre’ entre os consumidores, que cada vez mais utilizam esses meios de comunicação para externar seus descontentamentos e trocar informações. Contudo, não se pode esquecer que, ao optar pela publicação de comentário na internet, que é um sistema global de rede de computadores, o autor do texto perde o controle da extensão de sua publicação, diante da velocidade de Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 325 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima transmissão das informações e do número indefinido de pessoas que ela pode alcançar. Trata-se, portanto, de uma ferramenta que deve ser utilizada de forma consciente e responsável, pois as consequências de uma publicação não refletida podem causar danos à esfera jurídica de terceiros. (TJDFT, 2015; grifos do autor). Nesta situação, o consumidor foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais à pessoa jurídica no importe de 10 mil reais, reduzida pela 6ª Turma do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal para 2 mil reais (CONSUMIDOR É CONDENADO…, 2015). Vale destacar que o site Reclame Aqui recebe mais de 25 mil reclamações por dia, possui aproximadamente 70 mil empresas cadastradas; são mais de 15 milhões de usuários cadastrados, sendo que destes, 200 mil foram bloqueados pela própria empresa por abuso no direito de reclamar (CONSUMIDOR, ATÉ ONDE…, 2015). Portanto, o acesso à informação é uma das principais características da sociedade contemporânea. Nesta vertente, dúvida alguma resta de que a informação que atente contra a honra objetiva da pessoa jurídica ganha um novo grau de ofensa, pois poderá ser acessada por qualquer pessoa, em qualquer lugar do mundo, a qualquer tempo, destruindo ou abalando a reputação da pessoa jurídica. Considerações finais Diante do que foi exposto neste trabalho, concluímos que a sociedade da informação, que prima pela comunicação instantânea, digitalizada e transnacional, contribui para a majoração de agentes e número de casos que violam os direitos da personalidade em virtude da maior acessibilidade garantida aos usuários pelos meios de comunicação. Neste aspecto, demonstramos que os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana e tutelados em três esferas: direito privado, público e internacional. Assim, possuem diversas características que só a ele dizem respeito, como a irrenunciabilidade, a imprescritibilidade 326 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 O fundamento axiológico do dano moral da pessoa jurídica na sociedade da informação e indisponibilidade. Contudo, em que pese toda a fundamentação dos direitos atribuídos à pessoa humana, restou claro que sua tutela estende-se às pessoas jurídicas. O objeto do presente trabalho foi demonstrar os elementos axiológicos do dano moral sofrido pela pessoa jurídica. Antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002, que se deu em 11 de janeiro de 2003, a Súmula nº 227 do STJ (BRASIL, s.d.) já determinava que a pessoa jurídica é passível de sofrer dano moral. Todavia, a fundamentação do dano moral da pessoa física não pode, em hipótese alguma, ser confundida com o da pessoa jurídica, não obstante alguns operadores do direito fundamentarem seus pedidos com base no abalo psíquico sofrido pela pessoa física do representante legal da pessoa jurídica. Os pedidos, causas de pedir, e, por muitas vezes, decisões judiciais, são fundamentados na tônica do ser humano, sem levar em conta que, para que se atinja a honra de uma empresa, devemos levar em consideração a definição mais ampla, aquela que engloba o nome e a imagem de todas as pessoas. A fundamentação do dano moral da pessoa jurídica é o abalo de sua honra objetiva, representada pela imagem ou credibilidade ofendida perante terceiros, capaz de interferir diretamente em seu patrimônio material. Claro que a pessoa jurídica não sente dor, angústia, abalo psíquico, em que pesem as teses que persistem em nossos tribunais nos dias atuais. Assim, o presente artigo é apresentado com a finalidade de contribuir para o desenvolvimento do tema, permitindo que os operadores do direito tenham mais esta fonte de informação e, por consequência, ao elaborarem seus pedidos, façam-no de forma adequada, já que o dano extrapatrimonial da pessoa jurídica existe, desde que os fatos e fundamentos jurídicos do pedido sejam adequadamente desenvolvidos. Referências ANDRIGHI, F. N. Direito constitucional contemporâneo: o processo como efetivação da dignidade humana. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2012. Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228 327 Flávia Piva Almeida Leite; Beatriz Salles Ferreira Leite Marco Antonio Lima Barbosa, M. A. Poder na sociedade da informação. In: PAESANI, L. M. (Coord.). O Direito da sociedade da informação. São Paulo: Atlas, 2007. v. 1. BARRETO JUNIOR, I. F. 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Advogada e palestrante. Doutora em Direito Urbanístico pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) São Paulo/SP, Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) Bauru /SP, Pós-graduada em Gerente de Cidades pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) São Paulo – SP. [email protected] Beatriz Salles Ferreira Leite Advogada. Mestranda em Direito da Sociedade da Informação pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), especialista em Direito Processual Civil pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), São Paulo, SP; professora de Direito Civil no Complexo Educacional FMU. [email protected] Marco Antonio Lima Advogado. Mestre em Direito da Sociedade da Informação no Complexo Educacional FMU. Especialista em Direito das Relações de Consumo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado em Direito pela Universidade Guarulhos. Professor de Direito no Complexo Educacional FMU, em Processo Civil, Direito do Consumidor e Sociedade da Informação. [email protected] Submetido em: 23-3-2016 Aceito em:30-5-2016 332 Cadernos de Direito, Piracicaba, v. 16(30): 301-332, jan.-jun. 2016 • ISSN Impresso: 1676-529-X • ISSN Eletrônico: 2238-1228