CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA Instituto de Educação Continuada, Pesquisa e Extensão Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local OS VALORES E OS INSTRUMENTOS DE GESTÃO SOCIAL: Um Estudo de Casos Múltiplos com Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente ELIZABETH APARECIDA DA COSTA ALMEIDA Belo Horizonte-MG 2011 ELIZABETH APARECIDA DA COSTA ALMEIDA OS VALORES E OS INSTRUMENTOS DE GESTÃO SOCIAL: Um Estudo de Casos Múltiplos com Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente Dissertação apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de Pesquisa: Processos Político-Sociais: Organização e Articulação Interinstitucionais e Gestão do Desenvolvimento Local. Orientadora: Profª Dra Eloisa Helena de Souza Cabral. Belo Horizonte-MG Centro Universitário UNA 2011 Aos meus filhos, Bruno Costa Almeida e Beatriz Costa Almeida, razão de minha vida, por compreenderem minhas ausências. AGRADECIMENTOS A Deus, pela força, confiança e perseverança para desenvolver esta pesquisa. Ao Divino Espírito Santo, inspirador de cada palavra desta dissertação. À Professora Eloisa Helena de Souza Cabral, com a qual trilhei um longo caminho e travei diversos diálogos para a construção desta pesquisa e, com sábias intervenções, fez as contribuições para esta dissertação. Aos meus colegas do curso de Mestrado Profissional em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, pela convivência e boas trocas de experiências. Ao professor Téo (Armindo dos Santos de Sousa Teodósio), minhas colegas de mestrado, Janete e Tânia, pelos livros emprestados e artigos enviados para a composição do referencial teórico deste estudo. Ao Carlos Castro, pelo compartilhamento na escrita de artigos e diversos trabalhos. À Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), empresa onde trabalho, à qual sou grata por patrocinar e propiciar o meu desenvolvimento por meio deste estudo. Ao Hebert dos Santos Novaes, meu gerente, por me apoiar no aprendizado contínuo. Aos meus colegas e amigos da Cemig, que sempre acreditaram no Programa de Destinação de Recursos aos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e, com isto, indiretamente, contribuíram para esta pesquisa. Aos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs), que tiveram disponibilidade para responder o questionário, demonstrando confiança, credibilidade e atenção com a pesquisa. À Regina Helena Cunha Mendes, Presidente do CMDCA de Belo Horizonte, um agradecimento especial pela aula particular sobre Conselhos, Política de Direitos da Criança e do Adolescente e os empréstimos de livros. À Maria Thereza Martins, conselheira do CMDCA de Belo Horizonte, meu agradecimento pelas horas concedidas e boas dicas sobre investigações acerca dos conselhos. Aos meus pais, Francisco e Zarinha, que com toda a humildade, sabedoria e simplicidade, sempre torceram pelo meu sucesso e me transmitiram os mais elevados valores éticos e humanos. Aos meus filhos, Bruno e Beatriz, que participam e colaboram com a minha vida acadêmica e profissional. À Beatriz, companheira solidária dos finais de semana e feriados, aceitando com carinho a distância que se fez necessária para a construção deste estudo, o meu afeto. Ao Bruno, por abrir mão de seu conforto, soube compreender e me apoiar para que eu seguisse em frente, o meu carinho. Ao Márcio José de Almeida, um agradecimento especial por entender a minha necessidade de buscar caminhos diferentes e, mesmo assim, sempre me apoiar nos momentos difíceis. Aos meus irmãos, principalmente minhas irmãs, Elizete e Eliete, pela amizade e companheirismo, mesmo quando longe do convívio familiar. ―Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.‖ Fernando Pessoa. RESUMO Com a abertura política e advento da Constituição Federal de 1988 a participação ganha importância no contexto brasileiro, surgindo em meio a um período marcado pelo autoritarismo instaurado no país. Com a Constituição Federal de 1988, mecanismos e canais de participação foram criados com vistas a promover um ambiente democrático e que permitisse a participação cidadã na formulação de políticas públicas. Entre os mecanismos de participação consolidados no Brasil estão os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), considerados esfera pública ampliada de participação do Estado e sociedade civil e um dos integrantes do espaço público, orientados a partir de valores e práticas de gestão. O objetivo deste trabalho é identificar e analisar os valores e instrumentos de gestão social que orientam presidentes e conselheiros, na gestão dos programas e ações para a área da criança e do adolescente. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, com aplicação de questionários, revisão da bibliografia e análise do Regimento Interno e Resoluções dos CMDCAs, utilizados como fonte de dados secundários. Conclui-se que efetividade, qualidade, controle social, cultura pública, visibilidade social, representação de interesses coletivos, universalização, autonomia e democratização - valores do espaço público - embasam a tomada de decisão dos CMDCAs; participação, universalidade, indivisibilidade e responsabilidade - valores da Política Nacional - também estão presentes no processo decisório. Instrumentos de gestão social, nesta pesquisa reconhecidos como diagnóstico da situação, plano de trabalho, orçamento, metas e resultados, impactos esperados, monitoramento, critérios para liberação de recursos, parcerias, capacitação dos conselheiros e meio de comunicação ainda são práticas a serem implementadas nos conselhos. Os valores do espaço público, da Política Nacional e os instrumentos de gestão social não são percebidos na mesma ordem de importância pelos presidentes e conselheiros, sinalizando, assim, relação de conflito entre esses atores. Palavras-chave: Participação. Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. Instrumentos de gestão social. Valores da Política Nacional. Valores do espaço público. ABSTRACT With the political opening and the advent of 1988‘s Brazilian Federal Constitution, participating rises in importance in Brazilian context, emerging in the midst of a period marked by the authoritarianism in the country established. With 1988‘s Brazilian Federal Constitution, mechanisms and participation channels have been created in order to promote a democratic environment and allowing citizen participation in public policy formulation. Among those mechanisms of participation consolidated in Brazil, there are the Child and Adolescent Rights Councils (CMDCA), considered enlarged public sphere of government and civil society participation and one of the members of the public space, oriented from management values and practices. The purpose of this study is to identify and analyze the values and social management tools that guide presidents and counselors, in the management of programs and actions for the children and adolescents. This study has a qualitative approach, with questionnaires, literature review and analysis of the Internal Regulations and Resolutions from the CMDCAs, used as a secondary data source. It is concluded that effectiveness, quality, social control, public culture, social visibility, representation of collective interests, universality, autonomy and democratization – public space values – are the basis for decision making of the CMDCAs; participation, universality, indivisibility and responsibility - National Policy values - are also present in decision making. Social management instruments, in this research recognized as a situation diagnosis, work plan, budget, goals and results, expected impacts, monitoring, funds release criteria, partnerships, training of counselors and communication paths remain being practices to be undertaken in the Councils. The social management instruments and the public space and national policy values are not perceived in the same importance order, indicating, therefore, a conflict relationship between these actors. Key words: Participation. Child and Adolescent Rights Councils. Social management instruments. National Policy values. Public space values. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figuras FIGURA 1 Ciclo da gestão social dos CMDCAs. ............................................................... 74 FIGURA 2 Descentralização, intersetorialidade e interdisciplinaridade nos CMDCAs ... 118 FIGURA 3 Instrumentos de gestão social: presidentes e conselheiros. ............................ 149 FIGURA 4 Estrutura circular da percepção dos valores: presidentes e conselheiros. ....... 173 FIGURA 5 Hierarquia dos valores do espaço público: percepção de presidentes e conselheiros. ................................................................................................................ 174 Gráficos GRÁFICO 1 Competência para deliberação sobre a destinação dos recursos do Fundo da Infância e da Adolescência. ......................................................................................... 105 GRÁFICO 2 Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente com Plano de Ação Estruturado e Forma de Avaliação dos Resultados das Atividades. .............. 107 GRÁFICO 3 Diagnóstico da situação: percepção de presidentes e conselheiros. ............. 127 GRÁFICO 4 Plano de trabalho: percepção de presidentes e conselheiros. ....................... 129 GRÁFICO 5 Orçamento: percepção de presidentes e conselheiros. ................................. 131 GRÁFICO 6 Critério para liberação de recursos: percepção de presidentes e conselheiros. ..................................................................................................................................... 133 GRÁFICO 7 Acompanhamento de metas e resultados: percepção de presidentes e conselheiros. ................................................................................................................ 135 GRÁFICO 8 Impacto esperado: percepção de presidentes e conselheiros. ....................... 136 GRÁFICO 9 Monitoramento das ações: percepção de presidentes e conselheiros. ..............138 GRÁFICO 10 Meio de comunicação: percepção de presidentes e conselheiros. .............. 139 GRÁFICO 11 Parceria Conselho Estadual: percepção de presidentes e conselheiros. ..... 142 GRÁFICO 12 Parceria Prefeituras: percepção de presidentes e conselheiros. .................. 143 GRÁFICO 13 Parceria entidades locais: percepção de presidentes e conselheiros. ........ 144 GRÁFICO 14 Capacitação: percepção de presidentes e conselheiros. ............................. 145 GRÁFICO 15 Programas e ações deliberados pela Política Nacional: presidentes e conselheiros. ................................................................................................................ 157 GRÁFICO 16 Universalidade: percepção de presidentes e conselheiros. ......................... 160 GRÁFICO 17 Qualidade: percepção de presidentes e conselheiros. ................................. 161 GRÁFICO 18 Autonomia: percepção de presidentes e conselheiros. ............................... 162 GRÁFICO 19 Efetividade: percepção de presidentes e conselheiros. ............................... 163 GRÁFICO 20 Cultura pública: percepção de presidentes e conselheiros. ........................ 164 GRÁFICO 21 Sustentabilidade: percepção de presidentes e conselheiros. ....................... 165 GRÁFICO 22 Visibilidade social: percepção de presidentes e conselheiros. ................... 167 GRÁFICO 23 Representatividade de interesses coletivos: percepção de presidentes e conselheiros. ................................................................................................................ 168 GRÁFICO 24 Controle social: percepção de presidentes e conselheiros. ......................... 169 GRÁFICO 25 Democratização: percepção de presidentes e conselheiros. ....................... 170 Quadros QUADRO 1 Política de atendimento no município. ........................................................... 70 QUADRO 2 Planejamento de ações dos conselhos............................................................. 71 QUADRO 3 Construção do questionário para investigação das variáveis instrumentos de gestão social. ............................................................................................................... 99 QUADRO 4 Construção do questionário para investigação dos valores do espaço público.101 QUADRO 5 Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente por município.104 QUADRO 6 Critérios para a liberação dos recursos do Fundo da Infância e da Adolescência. ............................................................................................................ 106 QUADRO 7 Principais prioridades para o aprimoramento dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. ...................................................................... 112 QUADRO 8 Como as organizações aplicam os recursos recebidos do Fundo da Infância e da Adolescência (FIA). ............................................................................................. 116 QUADRO 9 Matriz de análise. .......................................................................................... 125 LISTA DE TABELAS TABELA 1Regiões com CMDCAs ..................................................................................... 75 TABELA 2CMDCAs convidados e respondentes do questionário ..................................... 96 TABELA 3Instrumentos de planejamento e ação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente .............................................................................................. 108 TABELA 4 Fonte dos recursos que ingressam na conta do Fundo da Infância e da Adolescência ...................................................................................................................... 108 TABELA 5 Instrumentos de prestação de contas .............................................................. 109 TABELA 6 Articulações e parcerias ................................................................................. 110 TABELA 7 Áreas de atuação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente ........................................................................................................................ 110 TABELA 8 Número de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente x número de adequações: influência no modelo de captação, avaliação, aprovação e transferência do recurso ................................................................................. 115 TABELA 9 Áreas de atuação das organizações ................................................................ 117 TABELA 10 Frequência de notas para os instrumentos de gestão social: percepção de presidentes e conselheiros .................................................................................................. 147 TABELA 11Estatística de notas atribuídas para instrumentos de gestão social: .............. 150 percepção de presidentes e conselheiros ............................................................................ 150 TABELA 12 Sistematização da análise documental: Regimento Interno e Resoluções dos Conselhos ........................................................................................................................... 153 TABELA 13 Frequência de notas para os valores do espaço público: percepção de presidentes e conselheiros ................................................................................................. 171 TABELA 14 Estatísticas valores do espaço público: percepção de presidentes e conselheiros ....................................................................................................................... 172 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABRAPIA Associação Brasileira de Proteção à Infância e à Adolescência AR Administração Regional CAE Conselho de Alimentação Escolar CEATS Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Setor CEDCA Conselho Estadual da Criança e do Adolescente CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais CF Constituição Federal CIAG Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CONANDA Conselho Nacional da Criança e do Adolescente CR Conselho de representantes ECA Estatuto da Criança e do Adolescente ENAPEGS Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social FABES Secretaria da Família e do Bem-Estar Social FIA Fundo da Infância e Adolescência FINEP Financiadora de Estudos e Projetos FONACRIAD Fórum Nacional de Dirigentes Estaduais para a Criança e o Adolescente FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental GIFE Grupo de Institutos, Fundações e Empresas IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano IES Índice de Exclusão Social IPM Índice de Participação Municipal LDO Lei de Diretrizes Orçamentárias LOA Lei Orçamentária Anual LOAS Lei Orgânica de Assistência Social LOS Lei Orgânica da Saúde NR Não respondeu OAB Ordem dos Advogados do Brasil OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PPA Plano Plurianual SAM Serviço de Assistência ao Menor SEDH Secretaria Especial dos Direitos Humanos SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SIPIA Sistema de Informação para Infância e Adolescência SUAS Sistema Único de Assistência Social UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância SUMÁRIO1 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 16 2 A PARTICIPAÇÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: DESAFIOS INSTITUCIONAIS ............................................................................................................ 25 2.1 A participação no contexto brasileiro ........................................................................ 25 2.2 Cidadania e os mecanismos de participação popular................................................. 41 2.3 Os conselhos gestores de política pública no Brasil .................................................. 47 2.3.1 Breve histórico ........................................................................................................ 47 2.3.2 A institucionalização dos conselhos gestores ......................................................... 52 3 O CONSELHO DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ................ 64 3.1 Características e funções ............................................................................................ 64 3.2 A situação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente ......................... 74 3.3 A Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente ............. 79 3.4 A gestão social ........................................................................................................... 87 4 METODOLOGIA DA PESQUISA ............................................................................... 92 4.1 Métodos de coleta e análise dos dados ...................................................................... 92 4.2 Os estudos iniciais realizados .................................................................................. 103 5 ANÁLISE DOS RESULTADOS E COMENTÁRIOS .............................................. 122 5.1 Análise dos instrumentos de gestão social ............................................................... 125 5.2 Análise dos valores e princípios da política nacional .............................................. 151 5.3 Análise dos valores do espaço público .................................................................... 158 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 174 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 188 APÊNDICES .................................................................................................................... 198 1 Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no Brasil desde 2009. 16 1 INTRODUÇÃO No universo da política, o termo participação dos indivíduos na sociedade civil ou política tornou-se parte do vocabulário e da agenda das nações ocidentais a partir dos anos de 1960. No Brasil, a questão da participação é tema presente desde o tempo de lutas da colônia contra a metrópole, passando pelas lutas contra a escravidão e pelo sindicalismo anarquista nas primeiras décadas do século passado (GOHN, 2007). Entretanto, o final dos anos de 1970, de acordo com Gohn (2004, p. 21), ―foi quando o termo foi definitivamente introduzido no vocabulário político corrente e passou a ser objeto de elaboração teórica‖. Nesse bojo, Gohn (2007) destaca que, nas décadas de 1970 e 1980, surgiram no Brasil formas não corporativas de defesa de interesses e direitos conhecidos como movimentos sociais. Todavia, a participação dos indivíduos nos processos de elaboração de estratégias e de tomada de decisão só apareceu na década de 1980, em propostas associadas dos movimentos populares com comunidades eclesiais da base, oposições sindicais, algumas categorias profissionais do funcionalismo público e associações de moradores (GOHN, 2007). Dessa forma, a participação no Brasil ganhou importância no final da década de 1970, sendo hoje conhecida como fruto de uma série de lutas sociais envolvendo os movimentos populares, categorias profissionais, sindicatos, cooperativas, partidos políticos, associações e instituições em busca da redemocratização do país como resposta às deficiências do Estado para atender às demandas sociais (COSTA, 1999; GOHN, 2007; GRAU, 1998). Nesse contexto teórico, Cavalcanti (2009), relata que no final da década de 1980 a pressão dos movimentos sociais passou a exigir a participação com manifestações contra o governo. Em meio a essas manifestações, houve o afastamento dos militares do poder e surgiu o desafio de redimensionar a relação entre Estado e sociedade civil. Dessa maneira, a perspectiva do autor converge com Brasil (2004), que também enfatiza a relação Estado e sociedade civil, abordando a questão das possibilidades de influência dos atores coletivos, movimentos sociais e outros atores nos processos decisórios das políticas públicas, ampliando a participação política. Para Santos (2003) as tentativas de ampliação da participação política vieram a partir da crise do Estado onde as reformas sociais ganharam destaque, devido à 17 necessidade de reorientação dos gastos sociais. Dessa forma, as reformas foram promovidas para tornar o Estado mais efetivo na prestação de bens públicos2 (RAICHELIS, 2008). A primeira onda de reforma, ocorrida entre o final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, redefiniu a participação em políticas públicas com a responsabilização dos gestores públicos e diminuição do aparelho estatal. Na busca por mais eficiência para superar a crise e atender às demandas sociais, o Estado admite a sua incapacidade de gerenciamento, formulação, implementação e articulação das políticas públicas e promove a reforma da administração pública (MILANI, 2006). A segunda onda de reforma, verificada no final dos anos de 1990, favoreceu o exercício da cidadania e o controle social (TEIXEIRA, 2001). Foi nessa onda que os municípios ganharam especial atenção e espaços foram criados para envolver a sociedade civil na deliberação democrática, desenvolvendo uma ―democracia pautada na ideia da ampla participação dos cidadãos nos assuntos de interesse da coletividade‖ (LUCHMANN, 2006, p. 23). Contudo, a participação vem sendo construída como um dos princípios organizativos centrais, sendo citada, inclusive, por órgãos internacionais. Exemplos disso são o relatório Japanese International Cooperation Agency (JICA, 2002) (BANDEIRA, 1999) e diversos outros agentes internacionais (MILANI, 2006), compondo a agenda política de órgãos como o Banco Mundial, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da União Europeia, das Nações Unidas e integrantes do Fórum Social Mundial, até muitas organizações não governamentais (ONG) e governos locais. É diante desse cenário, que inúmeros estudiosos discutem a temática da participação na tentativa de compreender as experiências participativas (AVRITZER, 2010; BRASIL, 2004; BANDEIRA, 1999; DAGNINO, 2004; GOHN, 2004; 2007; LUCHMANN, 2006; SAYAGO, 2007; SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005; STRECK; ADAMS, 2006; MILANI, 2006; TEIXEIRA, 2001). Perante esse cenário, é fundamental o desenvolvimento da cidadania e a construção de um ambiente democrático por meio da ampliação da participação. Desta maneira, é 2 Público são todos os bens ou serviços destinados à satisfação das necessidades comuns e indispensáveis, que possibilitam a vida digna da população, sendo bens públicos ou coletivos por excelência: a justiça, a vigilância das ruas, os serviços domiciliares (água, luz, esgoto), a educação básica, a medicina preventiva, a moradia, as telecomunicações, etc. Quando a disponibilidade ou a satisfação desses bens ou serviços exclui uma parte da população ou eles são de uma qualidade para uns e de outra para outros, indica-se que há desigualdade ou corporativismo (TORO, 2005, p. 30). 18 importante destacar os principais modelos teóricos da democracia visando compreender como os processos participativos alinham interesses do Estado e sociedade civil. Nobre (2004) discorre sobre essas teorias assinalando a existência de cinco modelos que se constituem em pontos de referência do debate contemporâneo: a democracia elitista; a democracia pluralista; a democracia legal; a democracia participativa; e a democracia deliberativa. A democracia requer, portanto, a participação cidadã em experiências participativas e, de acordo com Nobre (2004, p. 30), ―não basta dirigir-se ao Estado com suas reivindicações, mas é preciso participar nas esferas públicas, em espaços de expressão da opinião pública, de modo a fazer que a própria sociedade reconheça suas reivindicações‖. Entretanto, no Brasil, as relações entre Estado e sociedade civil foram institucionalizadas com a Constituição Federal de 1988, que definiu instrumentos de controle social com vistas a promover a participação na formulação, implementação, fiscalização e avaliação das políticas públicas por meio da existência de instâncias de caráter representativo, com composição mista. A CF também instituiu mecanismos de participação como o plebiscito, os referendos, as iniciativas populares, os fóruns, as conferências, manifestações públicas, as associações, as redes, câmaras setoriais, a gestão participativa e os conselhos (STRECK; ADAMS, 2006). Entre os mecanismos de participação, os conselhos gestores são observados desde o final da década de 1980 e estão presentes em quase todos os municípios, existindo muita expectativa em torno da sua representatividade. Criados a partir da pressão popular, os conselhos têm sua origem nos conselhos populares e conselhos comunitários (GOHN, 2007; TElXEIRA, 2000), sendo considerados produto de um processo conflituoso e contraditório e tratados pela literatura como espaço de participação nas políticas públicas (GOHN, 2007; RAICHELIS, 2006a; 2008), correspondendo a canais de participação em políticas públicas (AVRITZER, 2006; TEIXEIRA, 2001). Para Teixeira (2001), os conselhos foram institucionalizados com normas estabelecidas por seus membros e relativa autonomia, não sendo propriamente órgãos estatais, desde que presentes em sua lógica de funcionamento e em sua composição elementos oriundos da sociedade civil, podendo ser considerados como esfera pública (TEIXEIRA, 2001, p. 138) e, daí, como um dos integrantes do espaço público, orientados a partir de valores. 19 Para Raichelis (2006a, p. 109), os conselhos foram institucionalizados como ―espaços públicos com força legal para atuar nas políticas públicas, na definição de suas prioridades, de seus conteúdos e recursos orçamentários, de segmentos sociais a serem atendidos e na avaliação dos resultados‖. Segundo a autora, muitos desafios são enfrentados pelos conselhos e diversos elementos colocam em debate a efetividade das políticas públicas, os quais estão relacionados às responsabilidades públicas do Estado, fragmentação do espaço público, despolitização da política, estruturação das políticas públicas na sociedade capitalista e da natureza da intervenção estatal nesse campo. Raichelis (2008) indica que o espaço público é dotado de atributos (valores). Decorre dessa análise a possibilidade de a esfera pública não estatal3 assumir um processo de publicização que considere na sua constituição os atributos do espaço público não estatal (CABRAL, 2007; RAICHELIS, 2006b; 2008; WANDERLEY, 1998; 2000; WANDERLEY; RAICHELIS, 2006), que são: representatividade de interesses coletivos; democratização; qualidade e efetividade dos serviços; visibilidade social; universalidade; cultura pública; autonomia e controle social. Entende os autores que esses atributos são coordenados e convergentes. Entretanto, o desenvolvimento da esfera pública não estatal implica a superação de alguns desafios, que, segundo Wanderley (2000), podem ser: de representatividade – em que se encontram os atributos de visibilidade, representatividade e democratização; de sustentabilidade – apresenta-se como o objetivo de construir uma cultura pública; de efetividade – encontram-se aqui os atributos de autonomia e controle social. Nesse sentido, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs) são citados como exemplos de órgãos institucionalizados a partir dos anseios da sociedade civil e considerados frutos da formulação de uma política nacional que culminou na aprovação, pelo Congresso Nacional, e na sanção, pelo Presidente da República, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. O ECA 3 A expressão esfera pública é aqui adotada num significado [...] que engloba as relações entre [...] o estatal e o privado, o público não estatal. [...] A esfera pública, da forma como a estamos concebendo, precisa ser construída e tecida nas relações entre Estado e sociedade civil, e no interior dessas duas instâncias de poder, no sentido de ultrapassar a dicotomia estatal-privado com a instauração de uma esfera capaz de introduzir transformações, nos âmbitos estatizados e privados da vida social, resultando daí um novo processo de interlocução e decisão públicas. [...] A perspectiva adotada é, pois, que o conceito de público remete crescentemente tanto ao Estado quanto à sociedade, em um mesmo movimento, simultaneamente complementar e contraditório. [...] Considerando esse quadro, tanto o controle da sociedade organizada sobre o Estado quanto os espaços em que esse controle se realiza são peças-chave na constituição da esfera pública e supõe a criação de uma cultura política que institua a alteridade, ou seja, a sociedade dotada de representação e protagonismo (RAICHELIS; WANDERLEY, 2004, p. 8-11) 20 contém os princípios que colocam a criança e o adolescente como prioridade absoluta para a família, a sociedade e o Estado e estabelece valores e princípios que direcionam a política de atendimento às crianças e adolescentes. Os valores e princípios estabelecidos no ECA advêm do artigo 227 da Constituição Federal (CF), a saber: universalidade - os direitos de crianças e adolescentes são universais; indivisibilidade - nenhum grupo de direitos (políticos, civis, econômicos, sociais e culturais) é mais importante que o outro; responsabilidade - os estados são responsáveis por todos os cidadãos, sem exceção, e como tal, devem prestar contas dessa obrigação e responsabilidade; participação - cabe ao Estado incentivar a participação dos seus cidadãos em todas as esferas políticas (Federal, Estadual, Municipal). Sendo assim, os CMDCAs, como uma das formas de participação, ―direcionam as políticas da área, elaborando resoluções que são publicadas em Diário Oficial e têm a atribuição de acompanhar a atuação dos órgãos públicos e das organizações não governamentais na aplicação das políticas‖ (VEET, 2005). Portanto, são entendidos como instrumentos de controle social que visam a indicar caminhos e propor ideias para a proteção integral da criança e do adolescente, priorizando programas e ações de acordo com o diagnóstico do município. Entretanto, para que os CMDCAs funcionem corretamente, é necessário que cada conselheiro desenvolva um conjunto de habilidades, pois eles têm a responsabilidade de construir uma política municipal de proteção integral para crianças e adolescentes. Algumas iniciativas importantes que servem de base para o cumprimento das atribuições são o conhecimento da realidade local, o planejamento das atividades e o orçamento público (BELO HORIZONTE, 2007). Nessa direção, a Resolução 105/05 do CONANDA destaca as principais questões que precisam ser enfrentadas pelos conselhos no planejamento das atividades: focos de atuação - definição dos problemas para os quais a ação é direcionada; objetivos definição do que se espera atingir em relação ao foco de atuação; metas - indicação dos passos necessários para o cumprimento de cada um dos objetivos estabelecidos e resultados - detalhamento do que se espera alcançar com a ação; impactos esperados indicação do impacto gerado a partir dos resultados alcançados e formas de monitoramento das ações - estabelecimento dos mecanismos e indicadores de avaliação das ações previstas. Dessa maneira, várias atividades são necessárias ao desempenho dos CMDCAs: apresentação, diagnóstico das demandas e dos programas/ações existentes (mencionando 21 os indicadores sociais disponíveis, objetivos, prioridades e estratégias, recursos humanos, materiais e financeiros, avaliação (MINAS GERAIS, 2006); definição de planos de trabalho, plano de ação ou Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente (COSTA, 1993, p. 53); conhecimento de estruturas burocráticas e de mecanismos legais do setor; plano de aplicação de recursos (COSTA, 1993, p. 56); cadastramento de entidades governamentais e não governamentais; discussão e análise de leis orçamentárias e elaboração de proposições; acompanhamento de ações; cronogramas de reunião; visitas de campo e entrevistas com os dirigentes e usuários dos serviços e publicização dos atos políticos (RAICHELIS, 2008; TEIXEIRA, 2000; 2001). Os CMDCAs têm, ainda, a função de realizar a escolha dos membros do Conselho Tutelar e interagir com ele na execução da política para a área da criança e do adolescente. A existência de ambos os conselhos, no nível municipal, é condição para que os municípios recebam recursos federais. Por conseguinte, diversas críticas são referenciadas na literatura aos CMDCAs, relacionadas ao caráter institucional, atuação, participação, deliberação, representatividade, relações de conflito, transparência e desempenho (AVRITZER, 2010; FARIA; RIBEIRO, 2010; MENICUCCI, 2010; PRATTEIN, 2008; VEET, 2005; CEATS, 2006). Entretanto, ainda são incipientes os estudos que priorizam a análise dos conselhos sob a ótica dos valores considerados relevantes no processo de tomada de decisão. Dessa forma, é fundamental conhecer a percepção dos valores e instrumentos de gestão social presentes na tomada de decisão dos CMDCAs e que possibilitam melhorar a efetividade, a eficiência dos programas, serviços dos conselhos (RAICHELIS, 2000), e a superação de alguns desafios. É nesta perspectiva de pesquisa que o presente trabalho se insere: na análise de valores e instrumentos de gestão social percebidos pelos presidentes e conselheiros, representantes governamentais e não governamentais, dos CMDCAs no processo de deliberação de programas e ações para a área da criança e do adolescente. Sob o aspecto teórico, essa situação pode ser abordada dialogando com os valores expressos na Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente (participação, indivisibilidade, universalidade e responsabilidade), com os instrumentos de gestão social (diagnóstico da situação, plano de trabalho, orçamento, metas e resultados, impactos esperados, monitoramento, critérios para liberação de recursos, parcerias, capacitação dos conselheiros e meio de comunicação) e com os valores do espaço público (controle social, visibilidade social, democratização, representação de interesses coletivos, sustentabilidade, cultura pública, autonomia, universalidade, qualidade e efetividade). 22 Propõe-se, dessa maneira, um modelo analítico que integre as dimensões instrumentos de gestão social (quais mecanismos de gestão são percebidos no foco de atuação?); valores da Política Nacional (presidentes e conselheiros percebem que as ações e programas são aprovados de acordo com a política nacional de atendimento à criança e ao adolescente?); valores do espaço público (quais são os valores percebidos pelos presidentes e conselheiros?). De acordo com a delimitação do universo de pesquisa, algumas questões e hipóteses poderão ser evidenciadas. A hipótese central é que os instrumentos de gestão social não são práticas implementadas nos CMDCAs, no entanto, eles deliberam sobre programas e ações para a garantia da prioridade absoluta da população infanto-juvenil. Outras hipóteses são consideradas: instrumentos de gestão social são importantes para averiguar o poder de influência no processo de definição de políticas públicas e a eficácia deliberativa; a existência dos conselhos não implica a efetividade da participação; os valores da Política Nacional guiam presidentes e conselheiros no exercício da atribuição; os valores do espaço público guiam a seleção e avaliação de programas e ações para a garantia da prioridade absoluta. Assim, o problema de pesquisa ao qual se pretende responder é: qual a percepção dos valores e quais instrumentos de gestão social permeiam o processo de tomada de decisão dos CMDCAs? Aqui entra a contribuição de Schwartz (2005), que apresentou a teoria de valores em que três necessidades humanas universais (biológica, social e institucional) são a base para o desenvolvimento dos valores. Dessa maneira, Lilach e Schwartz (2005, p. 204) identificam que ―valores são critérios e metas transituacionais [...] ordenados por sua importância como princípios que guiam a vida‖. Dessa forma, os autores definem as principais características dos valores da seguinte forma: valores são crenças e transcendem situações e ações específicas, guiam a seleção e avaliação de ações, políticas, pessoas e eventos e são ordenados pela importância relativa aos demais. Para mensurar os valores, Schwartz (2005) elaborou um método de apresentar um questionário com valores e sua respectiva explicação, que o indivíduo identificaria como importantes na sua percepção. Essa técnica é consagrada e pode ser aplicada a organizações, países e populações. O que se mede quando se hierarquizam os valores é a importância desses valores. Sendo assim, o objetivo geral da presente pesquisa é identificar e analisar os valores e instrumentos de gestão percebidos pelos presidentes e conselheiros na tomada de decisão para a área da criança e do adolescente. Como objetivos específicos, têm-se: 23 analisar a percepção dos presidentes e conselheiros sobre os já mencionados instrumentos de gestão social; analisar a percepção dos presidentes e conselheiros sobre os valores da Política Nacional e valores do espaço público; identificar a efetividade deliberativa da participação nos CMDCAs; realizar revisão teórica sobre a temática da participação tendo por foco os CMDCAs; elaborar projeto de intervenção a partir das percepções dos presidentes e conselheiros; apresentar sugestões para pesquisas futuras, a fim de ampliar o conhecimento acerca do objeto de estudo. Para levar adiante esta pesquisa, consideraram-se os seguintes pressupostos: Valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente são percebidos por presidentes e conselheiros na deliberação de programas e ações que asseguram os direitos das crianças e adolescentes; Valores do espaço público são atributos percebidos por presidentes e conselheiros e orientam a função deliberativa; Instrumentos de gestão social são meios que orientam a gestão social dos conselhos; A escolha por analisar os CMDCAs justifica-se pelo envolvimento da discente com o Programa de Destinação de Recursos para Conselhos parceiros da CEMIG, atuante na área de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Outro ponto de destaque é a elaboração de artigos para disciplinas do corrente mestrado e outros trabalhos que já possuíam correlações com o conceito, a exemplo da sua inserção no estudo de casos múltiplos com conselhos que participam de um programa de destinação de recursos divulgado pelo Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS), em 2009. De acordo com Castro (1978), para a escolha de um tema de pesquisa devem ser observados os critérios de originalidade, importância e viabilidade. Quanto à originalidade, neste trabalho o enfoque é na tentativa de se utilizar do aparato metodológico da teoria de valores de Schwartz para analisar a percepção dos presidentes e conselheiros dos CMDCAs quanto aos valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente presente na tomada de decisão e valores do espaço público. A importância do tema decorre do fato observado empiricamente de que os conselhos exercem o papel deliberativo para as diretrizes de formulação de políticas públicas para a área da criança e do adolescente. Quanto à viabilidade, é factível a exploração do tema a partir do referencial teórico proposto. 24 A relevância da pesquisa encontra lugar, também, na possibilidade dos resultados dela advindos serem utilizados como sugestões para a qualificação da tomada de decisão a partir da identificação dos valores e instrumentos de gestão social orientados para os presidentes e conselheiros dos CMDCAs. Acredita-se que este estudo seja pertinente também para mais alargamento do significado de gestão social. Quanto ao processo metodológico, o estudo primou por ter caráter de abordagem qualitativa, que se valeu de um estudo de casos múltiplos com aplicação de questionário, revisão da bibliografia, análise de dados secundários, Regimentos Internos e Resoluções dos CMDCAs para realizar a análise dos dados coletados. Os estudos teóricos somados às revelações do resultado da análise do questionário e análise do Regimento Interno e Resoluções dos CMDCAs serviram como fundamento para que fosse desenvolvida a cartilha ―Fundamentos para disseminação dos valores e instrumentos de gestão social nos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente‖ (APÊNDICE H), identificando possibilidades de mobilização social dos presidentes e conselheiros no âmbito da tomada de decisão para formulação de diretrizes de políticas públicas para a população infantojuvenil. Diante do exposto, esta dissertação está organizada em seis capítulos. Após esta introdução no primeiro capítulo, no segundo apresenta-se o estudo teórico em torno da participação, buscando compreender o ambiente democrático numa retrospectiva histórica acerca dos movimentos sociais e os trajetos percorridos até a consolidação dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas. No capítulo três abordam-se os CMDCAs, objeto de estudo desta pesquisa e disseminadores dos princípios da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente e sua gestão social. No capítulo quatro descrevem-se os procedimentos metodológicos da pesquisa. A análise dos resultados é relatada no capítulo cinco. Nas considerações finais, capítulo 6, com base em elementos relevantes para a sua elaboração, é desenvolvida uma resposta ao problema de pesquisa e a avaliação acerca dos pressupostos. São fornecidos, ainda, os aspectos limitantes à presente investigação e sugeridos possíveis caminhos para pesquisas futuras. Seguem-se as referências utilizadas neste estudo e os apêndices. 25 2 A PARTICIPAÇÃO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: DESAFIOS INSTITUCIONAIS 2.1 A participação no contexto brasileiro O estudo da participação no contexto brasileiro se intensifica desde a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, sendo tema bastante explorado pela literatura acadêmica. Inúmeros estudiosos discutem a temática na tentativa de compreender a construção das experiências participativas (AVRITZER, 2010; BANDEIRA, 1999; DAGNINO, 2004; GOHN, 2004; 2007; LUCHMANN, 2006; MILANI, 2006; SAYAGO, 2007; SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005; STRECK; ADAMS, 2006; TEIXEIRA, 2001). Nos últimos 10 anos os estudos avançaram (AVRITZER, 2010) e um dos elementos impulsionadores foi a ampliação dos espaços públicos organizados pela sociedade civil, que implementou formas de participação, entre as quais se destaca a pluralização da participação em função do surgimento dos conselhos, no começo dos anos de 1990, e a aprovação do Estatuto da Cidade, no ano 2000 (AVRITZER, 2010, p. 12-13). O conceito de sociedade civil adotado neste trabalho baseia-se no trabalho de Habermas, incorporado nas contribuições de Cohen e Arato. Para Habermas (2003, p. 99), a ―sociedade civil compõe-se de movimentos, organizações e associações os quais captam os ecos dos problemas sociais que ressoam nas esferas privadas, condensam-nos e os transmitem a seguir para a esfera política‖. Dessa forma, Habermas (2003, p. 106) discute o papel da sociedade civil, seus atores, as barreiras do poder e indica que ―a sociedade civil pode, em certas circunstâncias, ter opiniões públicas próprias, capazes de influenciar o complexo parlamentar (e os tribunais), obrigando o sistema político a modificar o rumo do poder oficial‖. Assim, Habermas (2003), citando Cohen e Arato (1992), afirma que a sociedade civil institucionaliza-se mediante três complexos de direitos fundamentais: reprodução cultural, liberdade de pensamento, imprensa, expressão e comunicação; integração social, liberdade de associação e de reunião; socialização, privacidade, intimidade. Nessa linha, de acordo com Teixeira (2001, p. 47), ―a sociedade civil não pode assumir responsabilidades que são do Estado, mas exercer função política sobre o Estado e o sistema político no sentido de que possam atender às necessidades do conjunto da 26 sociedade‖. O fenômeno da participação fica entre várias dicotomias: direta ou indireta, institucionalizada ou movimentalista. A participação direta é própria de pequenos grupos e ameaça a governabilidade. A participação institucionalizada ou movimentalista diz respeito ao funcionamento de lógicas diferentes. No caso dos movimentos, a lógica é ―consensual solidarística‖ presidida por valores éticos, morais e comunitaristas, contrapondo à ―racional competitiva‖ em que prevalecem critérios de racionalidade e eficácia presentes nos sistemas econômicos e políticos (TEIXEIRA, 2001, p. 26). Nessa direção, Streck e Adams (2006) mapeiam diferentes formas de participação social e o seu papel numa sociedade: o voto (exercido mediante o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular); manifestações públicas (caráter esporádico); os movimentos sociais (muitos princípios e métodos derivam da ação dos movimentos sociais); as associações (elas vivem, em geral, a tensão entre certa tendência ao corporativismo e à relação pública); as redes (surgiram impulsionadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação e baseiam-se na solidariedade); os fóruns da sociedade civil (são espaços que reúnem pessoas representativas de organizações da sociedade civil); câmaras setoriais (é uma espécie de conselho instalado em praticamente todas as áreas da economia, cultura, meio ambiente e outros); a gestão participativa (os limites da democracia estão provocando a busca pela participação direta de cidadãos na gestão da coisa pública4); as conferências (intrinsecamente ligadas com o processo dos conselhos) e os conselhos (formas híbridas de participação) (STRECK; ADAMS, 2006, p. 109-111). Pode-se, então, admitir que a participação implica o fortalecimento de um ambiente democrático com a inclusão da sociedade civil nas relações com o Estado. Assim, é importante destacar de forma sistematizada, à luz de Nobre (2004), as principais correntes teóricas da democracia, de modo a demonstrar como a participação se insere em cada uma delas: a democracia elitista tem em Max Weber (1864-1920) e Joseph Schumpeter (1942) os seus principais pensadores e nesse modelo a democracia é vista como uma forma de escolher governantes, e o papel do cidadão comum é frequentemente descrito como uma decisão pública; a democracia pluralista tem como um dos pensadores Robert Dahl, que define a democracia como um método pelo qual os líderes políticos são selecionados e 4 Grau (1998, p. 22) destaca a coisa pública como o que é de interesse ou de uso comum e visível a todos. Em sua evocação da noção de coletividade, para a coisa pública destacam-se duas posições no pensamento ocidental contemporâneo. Uma, representada por Hannad Arendt (1994), em que a coisa pública conduz a rejeitar como não político tudo o que configura uma estrutura vertical de poder. A outra é representada pela maioria dos autores contemporâneos ligado a ―o que pertence ao Estado‖. Nessa versão, a coisa pública pode apenas se limitar a espaços comunitários e, por outro lado, o Estado é assumido como a esfera de realização da coisa pública e, por oposição, o privado é concebido como o ―não político‖. 27 enfatiza o importante papel exercido pelos grupos de interesse organizados da sociedade (organizações comerciais, sindicatos, partidos políticos, grupos étnicos, estudantes, institutos femininos, grupos religiosos), na construção das políticas públicas; a democracia legal, tem como pensadores, Friedrich Hayeck (1944) e Robert Nozik (1974), onde participar significa votar e escolher os bons dirigentes, com isso, a intervenção estatal só tem razão de ser na medida em que fomenta a perseguição dos objetivos do indivíduo; na democracia participativa e republicana, seus pensadores Carole Pateman (1970), Crawford B. Macpherson (1977) e Nikos Poulantzas (1968) defendem que a democracia é uma forma de sociedade em que se compreende a possibilidade de desenvolvimento do ser humano e participação em resultados decisórios políticos e para essa vertente, as instituições representativas e o próprio governo devem ser entendidos como meios de realização da vontade dos cidadãos; a democracia deliberativa tem como pensadores Jurgen Habermas (1995; 1997), Joshua Cohen e Bernard Manin e neste modelo as desigualdades sociais, culturais e econômicas são temporariamente desconsideradas no momento dos debates, de modo que o melhor debate supere o argumento, e na distribuição igualitária de oportunidades de intervenção pelos seus participantes. Percebe-se, assim, que na democracia o ―poder é exercido por todo o povo‖ (BOBBIO, 1988, p. 39) por meio de canais ou mecanismos de participação. Portanto, a participação depende das regras que podem constituir uma democracia, de mecanismos próprios e supõe uma relação de poder não só por intermédio do Estado, mas entre os próprios atores (TEIXEIRA, 2001). Desta maneira, pensar de onde vem a participação da sociedade civil nas políticas públicas é uma das premissas para entender a relação entre os diversos atores que lidam com a realidade social do Brasil. Nesta perspectiva, na análise da participação no panorama brasileiro, Teixeira (2001, p. 28) ressalta que, para melhor compreensão do significado do termo participação, ―não se pode deixar de considerar o contexto socioeconômico e o seu desenvolvimento histórico‖. Então, para orientar o debate sobre as formas de participação popular no Brasil, lança-se mão da retrospectiva histórica, marcada por uma relação de distanciamento entre Estado e sociedade civil. No período de 1964 a 1985, o Brasil encontrava-se na ditadura com a centralização e distribuição do poder nas mãos dos militares e da burguesia industrial (CAVALCANTI, 2009). Sob o regime militar, o desenvolvimento brasileiro identificou a necessidade de integração entre fatores econômicos e sociais, cujo sistema era centralizado e autoritário e previa reformas com vistas à universalização da cobertura, à gestão ineficiente com 28 prestação de serviços, por alguns órgãos, e à comunidade, geralmente de maneira fragmentada (CAVALCANTI, 2009, p. 160). Em 1974 teve início a abertura política, com a redução das restrições à propaganda eleitoral, e, paralelamente às medidas de abertura, houve a retomada e renovação da participação com movimentos de oposição que lutavam pela anistia, pela liberdade de expressão e contra o autoritarismo instaurado no país. As várias formas de participação popular foram gradativamente se ampliando e culminando no que foi denominado de movimentos sociais (COSTA, 1999; GOHN, 2007). E a classe trabalhadora conquistou direitos políticos e muitas de suas demandas sociais foram reconhecidas pelo governo: Nas décadas de 1970 e 1980, surgiram no Brasil formas não corporativas de defesa de interesses e direitos: os movimentos sociais. Consistiram numa alternativa de ação dos não organizados em sindicatos e associações. Foram movimentos para defesa de interesses genéricos, entendidos, no entanto, como especiais, por grupos que se uniam para defender direitos reconhecidos a todos, menos a eles. Não se agrupavam por interesses profissionais, mas pelo interesse pela igualdade, mesmo sendo diferentes. [...] Por meio de movimentos sociais, as mulheres, as populações faveladas, os negros, os homossexuais e os indígenas ensinaram que os direitos de cidadania devem ser garantidos a todos os cidadãos, organizados ou não, sindicalizados ou não, representados por partidos ou não (COSTA, 1999, p. 59). Diante do autoritarismo instaurado no país, a participação popular buscou alternativas de lançar a sua voz, tendo como objetivo central o fim do regime militar, a volta de eleições livres, aumento do controle sobre os recursos públicos e a conquista dos direitos dos trabalhadores (GOHN, 2007). A participação passou a ser constituída por ―novos atores sociais e políticos que constroem suas identidades e autonomia com uma nova maneira de encarar o Estado e agir coletivamente, expressando aspirações e necessidade‖ (TEIXEIRA, 2001, p. 24). Logo, a participação favorecia o exercício da cidadania e o controle social. Segundo Teixeira (2001), o controle social tem duas dimensões básicas. A primeira corresponde à accountability5, prestação de contas conforme estabelecido em parâmetros públicos; e a segunda, decorrente da primeira, consiste na responsabilização dos agentes políticos pelos atos praticados em nome da sociedade, conforme estabelecido em leis e padrões éticos vigentes. Assim, Teixeira define o controle social como ―um mecanismo de 5 O conceito de accountability é multifacetado e refere-se ao imperativo democrático segundo o qual os representantes devem considerar os desejos e as necessidades dos cidadãos na condução dos negócios públicos. O princípio da accountability estabelece uma ligação entre as políticas públicas e as preferências e expectativas dos cidadãos. Independentemente da existência de um controle formal, um governo é considerado ―responsivo‖ se adota políticas que são referidas pelos cidadãos como as suas favoritas (MAIA, 2008, p. 299). 29 participação dos cidadãos que, para ser efetivo, deve ter como alvos não apenas seus centros periféricos, mas, sobretudo, aqueles que se destinam às decisões estratégicas e ao próprio sistema econômico‖ (TEIXEIRA, 2001, p. 39). Sobre o controle social, Costa (1993a) entende como o aspecto que visa a garantir e assegurar níveis de transparências que permitam aos usuários dos serviços ou às organizações que os representam o acesso às informações para permitir o adequado acompanhamento das ações governamentais (COSTA, 1993, p. 75). O controle social pode ser também analisado como proposto pelo Portal da Transparência (CGU, 2010), ou seja, por meio da participação os cidadãos podem intervir na tomada da decisão administrativa, orientando a administração para que adote medidas que realmente atendam ao interesse público. Ao mesmo tempo, podem exercer controle sobre a ação do Estado, exigindo que o gestor público preste contas de sua atuação. A partir de 1977, os movimentos sociais ficaram cada vez mais presentes na política. Nessa época, já se começava a delinear uma discussão sobre conselhos populares e dois tipos de conselhos passaram a existir nas relações entre movimentos populares e Estado: conselhos populares e conselhos comunitários (GOHN, 2007, p. 51-55). Nos anos de 1980, o país deparou com o agravamento dos problemas sociais, sobretudo em relação à pobreza e desigualdade, enfrentando uma crise fiscal e se afastando da trajetória de crescimento econômico. Esses anos foram marcados pela recessão e a crise vivenciada produziu o sucateamento da rede de serviços e a perda do valor real dos benefícios financeiros (CASTRO; RIBEIRO, 2009, p. 134). É assim que, segundo Milani (2006), o governo tenta buscar respostas à sua crise consolidada pela ineficiência da administração pública para conter as consequências negativas das políticas anteriores e opta por adotar e realizar reformas sociais para que o Estado se torne mais eficiente e eficaz. Sobre este aspecto, Santos (2003) relata que as tentativas de ampliação da participação vieram a partir da crise do Estado, com consequente agravamento dos problemas urbanos, a crise do sistema representativo, com a perda de legitimidade dos partidos e ineficácia do Parlamento, levando a altos níveis de abstinência eleitoral e à eleição de políticos com propostas participativas. Nesse sentido, as reformas sociais ganharam destaque, devido à necessidade de reorientação dos gastos sociais para atender às reais necessidades da população, sobretudo dos segmentos mais vulneráveis. De acordo com Gohn (2007) e Benevides (2000), com as novas exigências dadas pela nova conjuntura econômica, social e política do país, vieram dificuldades e limites aos 30 canais de participação popular. Na visão de Grau (1998), os limites enfrentados pela participação, foram ligados aos lóci das decisões relacionadas aos desafios estruturais e culturais e às mudanças econômicas, ou seja, ―a globalização econômica e os processos de descentralização político-administrativa‖ (GRAU, 1998, p. 174). É neste cenário que o debate sobre conselhos populares ganhou importância e se aprofundaram as discussões sobre a participação na gestão das cidades, a natureza dos conselhos, sua competência e atribuições, caráter e objetivos, as formas de organizá-los, composição, iniciativa de criação, relações com o poder público e autonomia em relação ao Estado (GOHN, 2007). O debate denotava uma fase da participação como simples pressão pela demanda de um bem para outra fase, em que havia certa qualificação da participação. Entretanto, de acordo com Gohn (2007), foi na década de 1980 que a participação popular obteve várias conquistas, entre elas o desenvolvimento de um novo campo democrático com uma cultura política de mobilização formada por movimentos populares; por movimentos sociais pluriclassistas, como o de mulheres, de negros, de ecológicos; por lideranças das novas centrais sindicais; por parlamentares e partidos políticos oposicionistas; por entidades profissionais comprometidas com a democracia; e por ONGs então emergentes na cena política nacional, que adotavam como prática principal o encaminhamento das demandas que compunham suas agendas (GOHN, 2007). Santos (2003) também faz considerações sobre as conquistas da participação popular na década de 1980 e ressalta a criação de espaços institucionais de debate público e a reformulação do Conselho de Direitos da Pessoa Humana. Ainda sobre a década de 1980, Gohn (2007) discorre que no novo campo democrático o país passou a viver intensamente o processo de redemocratização. De acordo com Totora e Chaia (2002, p. 69), ―a redemocratização ocorreu primeiro nos governos subnacionais com a eleição para governadores e prefeitos no início dos anos de 1980, e somente em 1989 chegou ao núcleo central do Estado, com a eleição direta para presidente da República‖. Esse cenário sinalizaria a retomada da democracia. Com a retomada da democracia a partir dos anos de 1980, a mobilização social surgiu como pano de fundo da luta por mais equidade nas experiências dos conselhos que emergem como forma de enfrentamento de problemas como pobreza, exclusão social, deterioração do meio ambiente e, sobretudo, como uma habilidade das comunidades de conviverem umas com as outras (WENDHAUSEN; BARBOSA; BORBA, 2006, p. 132). Assim, têm-se mudanças decisivas nas relações entre os movimentos sociais e o Estado, que serão definidoras do modo de atuação da sociedade civil. 31 Com as eleições de 1982 veio a implementação de novas práticas governamentais, tendo por foco a descentralização dos serviços públicos. Essas conquistas vão se materializar na CF de 1988, que estabeleceu mecanismos de participação, a exemplo do plebiscito6, o referendo7 e a participação popular propriamente dita na elaboração de políticas públicas. Nesse sentido, a importância da participação da esfera municipal cresceu e os conselhos se tornaram ferramentas-chave na descentralização e na ampliação do papel político dos governos municipais (PETRARCA, 2008, p. 33). Sobre os mecanismos de participação, Teixeira (2001) esclarece que são instrumentos utilizados pelos cidadãos, individual ou coletivamente (meios judiciais, parlamentares, administrativos, simbólicos, sociais), e que ―entre os mecanismos institucionais e sociais para a participação cidadã na tomada de decisão (planejamento e gestão), controle social e expressão, alguns podem ser utilizados nos três níveis de governo e, outros, apenas no local‖ (TEIXEIRA, 2001, p. 173). A partir de 1985, após o afastamento dos militares do poder, iniciou-se um processo de revisão do papel do Estado, crescendo a pressão dos movimentos sociais, exigindo-se participação e ―desestatização‖ do país (CAVALCANTI, 2009). Sobre esse cenário, Wanderley e Raichelis (2006, p. 10) ressaltam: ―numa conjuntura em que o mote dominante é o da desconstrução do Estado, o desafio está na reconstrução do Estado pela qual ele seja posto como eixo estruturante do processo democratizador, que tenha por norte o social e o público‖. De acordo com Teixeira (2001), a partir de 1985 as ―caravanas‖ de militantes populares tornaram-se permanente instrumento de acompanhamento das atividades dos constituintes, negociação e pressão. Em 1988, foi constituída a República Federativa do Brasil, formada pela união dos estados, municípios e do Distrito Federal, como Estado Democrático de Direito e promulgada a CF de 1988, fundamentada na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e na livre iniciativa. Nessa conjuntura, o movimento das ―Diretas Já‖ tornou-se um marco inicial da redemocratização do país (CAVALCANTI, 2009). ‖A partir desse marco, temas como descentralização e reordenamento institucional seriam recorrentes, no sentido de revalorização da participação 6 Plebiscito – Latim: plebiscitum – plebis: povo comum e scitum: decreto. Expressão da vontade do povo sobre questões políticas por votação direta. O plebiscito é uma consulta prévia à população sobre questões de interesse coletivo. Quanto ao momento de convocação, consiste em uma manifestação popular sobre medidas futuras (FARIA, 2006). 7 Referendo – Latim: referendum. Submissão da lei, proposta ou em vigor, ao voto direto do povo. Referendo é uma consulta ao povo após a lei ser constituída, em que o povo sanciona a lei já aprovada pelo Estado ou a rejeita. Quanto ao momento da convocação, o referendo é sempre convocado depois da edição de atos normativos, seja para confirmar ou rejeitar normas legais ou constitucionais em vigor (FARIA, 2006). 32 popular e do poder local‖ (RAICHELIS, 2008, p. 77). Sobre isso, Gohn (2007) ressalta a constituição de um campo democrático favorável para a participação popular. A CF abriu espaço para a institucionalização de práticas ou instituições híbridas que foram normatizadas nos anos de 1990 (AVRITZER e PEREIRA, 2005; TEIXEIRA, 2001), tendo como princípio geral a cidadania e o reconhecimento de uma série de direitos sociais com a instauração de políticas que vieram contemplar as camadas mais pobres da população (GOHN, 2007; RAICHELIS, 2008). A CF também previu instrumentos para o seu exercício via democracia participativa por meio de conselhos deliberativos, de composição paritária que, de acordo com Gohn (2007), foram entendidos como conquista de canais de participação da população em assuntos da ―coisa pública‖, que colocou os sujeitos demandatários em novas arenas de luta no interior dos órgãos públicos, nas salas e gabinetes estatais. No entanto, a maior participação política da sociedade e, consequentemente, avanços no fortalecimento da sociedade civil aconteceu após os anos de 1985, com o fim da ditadura militar e a eleição direta para presidente da República em 1989 (TOTORA; CHAIA, 2002). Nesta perspectiva, a requalificação da temática da participação no que diz respeito à construção de um novo paradigma com ações coletivas baseadas na cidadania e construção de novos espaços de participação que se colocam entre o público e o privado, originando o ―público não estatal‖, só veio a acontecer com as eleições presidenciais, onde parcelas da oposição política às elites tradicionais brasileiras ascenderam ao poder em várias cidades e no governo de alguns estados (GOHN, 2007, p. 56). Para Gohn (2004, p. 23), nesse espaço ―público não estatal‖ ―a sociedade civil se amplia para entrelaçar-se com a sociedade política, colaborando para o novo caráter contraditório e fragmentado que o Estado passou a ter nos anos de 1990 e os interesses e alguns papéis são deslocados para a sociedade civil‖. De acordo com Gohn (2004), nesse espaço público não estatal irão situar-se os conselhos, fóruns, redes e articulações entre a sociedade civil e os representantes do poder público. Segundo Teixeira (2001, p. 122), ―os fóruns, plenárias e encontros temáticos foram os espaços públicos criados em várias partes do país para discussão de proposições, para interlocução entre entidades e especialistas‖. Assim, Gohn (2010) acredita que muitos movimentos se transformaram em associações juridicamente formalizadas, as ONGs, ou se incorporaram às que já os apoiavam. Em vários casos, o militante foi se transformando no ativista organizador das clientelas usuárias dos serviços sociais. De acordo com Scherer-Warren (2006, p. 120), o ativismo ―tende a protagonizar um conjunto de ações orientadas aos mais excluídos, 33 discriminados, carentes e mais dominados. Portanto, são conjugadas ações para a transparência do poder público e participação ativa da sociedade civil organizada‖. Nessa dinâmica social, organizações populares e instituições da sociedade civil ganham visibilidade e legitimidade a partir da definição de instrumentos democráticos de participação política que indicam os limites da democracia representativa e a necessidade de se aprofundar os processos de participação social e política (RAICHELIS, 2008, p. 77). Luchmann (2006, p. 23) enfatiza que ―em meio a este contexto se desenvolve uma concepção de democracia pautada na ideia da ampla participação dos cidadãos nos assuntos de interesse da coletividade‖. Essa ampla participação, na visão de Teixeira (2001, p. 28), se constitui em ―novas alternativas de participação, novas áreas de relações sociais e [...] e busca de um consenso normativo em relação a questões básicas como meio ambiente, exclusão social [...], formando uma nova cultura política‖. Para Gohn (2007, p. 58), os atores dessa participação já estiveram presentes nos anos de 1980 nas políticas dos conselhos e retornam articulados, com objetivos, constituição jurídica e papéis distintos nas relações sociedade-estado, conferindo novo caráter à coalizão de forças que formava o campo popular de representação. No entanto, essa forma de participação, para Milani (2006, p. 186), exige da política mais complexidade em seu sistema decisório e a decisão pública não é mais exclusivamente governamental, requer distribuição do poder de decisão entre diversos atores, o que implica intensa negociação na definição das regras políticas e os cidadãos são considerados sujeitos capazes de produzir a normatividade em que vivem. Essas experiências participativas, seus resultados, critérios de inclusão e exclusão estão intrinsecamente ligadas ao histórico político, às desigualdades econômico-sociais e ao papel das instituições no contexto (MILANI, 2006). Streck e Adams (2006, p. 102) salientam que essa forma de participação é considerada uma reconstrução do espaço público8 democrático com caráter emancipatório, permitindo a autonomia da sociedade civil nos controles das ações do Estado e das imposições econômicas do mercado. Dessa maneira, ―a sociedade civil organizada pode penetrar a institucionalidade estatal, inserir suas demandas, interferir nos modos em que a coisa pública é gerida e administrada e exercer o controle social sobre as decisões que lhes dizem respeito‖ (WANDERLEY; RAICHELIS, 2006, p. 3). Dessa forma, esse enfoque da 8 Para espaço público será adotado o conceito de Teixeira (2001), que indica a dimensão aberta, plural, permeável, autônoma, de arenas de interação social (TEIXEIRA, 2001, p. 46). 34 participação traz como característica principal a institucionalização dos canais de participação vinculados a políticas públicas. Segundo Teixeira (2001), os canais de participação são órgãos coletivos, paritários, de composição híbrida formado pela sociedade civil e Estado, ou seja, espaços e esferas públicas. No ponto de vista desse autor, por espaço público e esfera pública a ideia defendida é que há duas instâncias com papéis diferenciados. Na instância mediadora, esfera pública produz visibilidade e as ações e atores devem aparecer para debater questões. E no espaço público, são realizados debates, negociações, entre os diversos atores, para que se formulem as propostas a serem apresentadas na esfera pública. Neste contexto, a esfera pública passa a ser a instância geradora de decisões coletivas, afirmando a democracia na institucionalização de consensos construídos em relação aos diferentes interesses. Portanto, a participação em espaços públicos supõe a existência de canais de participação na esfera pública. Nessa perspectiva, Wanderley e Raichelis (2006) afirmam que as grandes linhas que marcam as transformações estruturais da esfera pública são estudadas por Habermas. Sob a ótica de Habermas, o espaço público é chamado de ―esfera pública" e compreende ―uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posições e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas, em temas específicos‖ (HABERMAS, 2003, p. 92). Para Habermas, ―o núcleo dessa cidadania é formado pelos direitos de participação política, que são defendidos nas novas formas de intercâmbio da sociedade civil, na rede de associações espontâneas protegidas por direitos fundamentais‖ (HABERMAS, 2010, p. 105). Na esfera pública, então, os problemas são percebidos, identificados, tematizados e dramatizados. Portanto, o conceito de esfera pública pressupõe igualdade de direitos, debates negociados e a pluralidade de públicos, ancorados no ―agir comunicativo9‖. O agir comunicativo, de acordo com Habermas, é fundamentado na 9 Em Teoria do Agir Comunicativo, Habermas propõe um conceito dual de sociedade, baseado em sistemas e mundo da vida segundo tendências teóricas macro e micro. O sistema é regido pela lógica instrumental (adequação de meios a fins), incorporada nas relações do Estado (macro) e economia (micro), cada qual com seu conjunto de instituições típicas, suas lógicas, seus propósitos, suas formas de manutenção e atribuição da legitimidade. O mundo da vida é o processo regido pela linguagem, pelas redes de significados que compõem determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objetivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjetivos e permite preservar a pluralidade das formas de vida contemporâneas com suas respectivas diferenciações internas. Para desenvolver sua teoria social, ele sustenta que, independentemente do foco recair no macro ou no micro, o todo social deve ser compreendido tanto por uma perspectiva ―internalista‖ quanto ―externalista‖, tanto por meio da agência (integração social) quanto do ponto de vista estrutural (integração sistêmica) (MAIA, 2008, p. 65-66). 35 construção social dos sujeitos e está situado entre o discurso e o mundo da vida, onde os atores constituem a fonte das interpretações para resolução dos conflitos vigentes por meio de consenso dos atores envolvidos, reproduzindo somente ações comunicativas (HABERMAS, 2010, p. 41). Entretanto, Teixeira conclui que esfera pública é um espaço de interação entre Estado e sociedade, inserido nas instituições estatais, ―constituído por organizações, instituições, mídia, grupos de interesse, conselhos de representação setorial e associações prestadoras de serviços‖ (TEIXEIRA, 2001, p. 49). Quanto ao espaço público, ―é composto de associações, entidades autônomas, grupos de cidadãos, instituições livres, não estatais nem econômicas, que se relacionam com base em regras e procedimentos discursivos e pouco institucionalizados‖ (TEIXEIRA, 2001, p. 49-50). Então, Teixeira considera os conselhos como esferas públicas estatais, em que há vinculação institucional ao aparelho de Estado e sua criação se insere num movimento maior de constituição de uma esfera pública ampliada, uma vez que é uma extensão do Estado até a sociedade, a partir da representação regida por critérios diferenciados da representação parlamentar (TEIXEIRA, 2000, p. 103). A partir das eleições de 1989 surge um novo paradigma na gestão dos bens públicos e o poder local passou a ser visto como sede político-administrativa do governo municipal, mais especificamente de suas sedes urbanas, as cidades, e pelas novas formas de participação popular, como dinamizador das mudanças sociais. Ao novo paradigma surgido com a requalificação da temática participação, Dagnino (2007) referencia como deslocamento de significado do conceito de cidadania, na qual se transforma em uma nova cidadania: A então chamada nova cidadania, ou cidadania ampliada, começou a ser formulada pelos movimentos sociais que, a partir do final dos anos 70 e ao longo dos anos 80, se organizaram no Brasil em torno de demandas de acesso aos equipamentos urbanos como moradia, água, luz, transporte, educação, saúde, etc. e de questões como gênero, raça, etnia, etc. Inspirada na sua origem pela luta pelos direitos humanos [...] como parte da resistência contra a ditadura, essa concepção buscava implementar um projeto de construção democrática, de transformação social, que impõe um espaço constitutivo entre cultura e política. [...] Nesse sentido, a nova cidadania inclui construções culturais, como as subjacentes ao autoritarismo social como alvos políticos fundamentais da democratização. Assim, a redefinição da noção de cidadania, formulada pelos movimentos sociais, expressa não somente uma estratégia política, mas também uma política cultural (DAGNINO, 2007, p. 103). Foi no final da década de 1980 e início da década de 1990 que ocorreu a primeira onda de reformas na América Latina, o que, no Brasil, acontecia paralelo ao processo de 36 redemocratização política. A esse processo Dagnino (2004, p. 109) chama de ―confluência perversa‖, ou seja, o desenvolvimento simultâneo do projeto neoliberal e do projeto democrático-participativo. Ambos os projetos afirmam requerer uma participação ativa e propositiva, ambos incentivam as parcerias entre o público e o privado, mas os sentidos políticos e culturais da participação são distintos. A partir do início dos anos de 1990, o país passou a viver sob um regime ―neoliberal‖ e buscando mais eficiência para atender às demandas sociais, sendo esse período constituído pelo aprofundamento da abertura da economia nacional, pela privatização de empresas e serviços públicos, pela desregulamentação das relações de trabalho e restrição à intervenção estatal sobre a economia (CAVALCANTI, 2009). É importante ressaltar que as alterações nas relações entre sociedade civil e Estado nos anos de 1990 passam a redefinir a visão do poder público sobre o cidadão e sua relação com a vida social participativa. Esse novo enfoque da participação nos anos de 1990 traz um crescente reconhecimento da necessidade de participação da comunidade em projetos individuais e de ampla participação nas atividades voltadas para o desenvolvimento, como cita o relatório Japanese International Cooperation Agency (JICA, 2002) (BANDEIRA, 1999, p. 15). Nesse processo, as ONGs e um conjunto diversificado de organizações sociais foram convocadas para o estabelecimento de diferentes parcerias como operadores de combate à pobreza (RAICHELIS, 2008). De acordo com Santos (2003, p. 135), ―as ONGs realizam projetos em educação, pesquisa, serviços, constituindo-se em redes para troca de informações e experiências‖. Sobre a década de 1990, um fato marcante do período foi a política de distribuição e gestão dos fundos públicos, que ―foi largamente interpretada como um poderoso antídoto à burocratização, à ineficiência, ao patrimonialismo e à corrupção que marcavam as políticas sociais brasileiras (SILVA; JACCOUD; BEGHIN 2005, p. 378). Porém, conforme observa Grau (1998, p. 182): O fomento da participação dos cidadãos, que se estabelece nesta perspectiva, não apenas pode ser considerado como um substituto da democratização dos pilares centrais do sistema político, [...] e a participação dos cidadãos tende, basicamente, a afetar a institucionalidade do aparelho do Estado, de modo a alcançar maior publicização. E o que Arretche observa é que ―o caráter democrático do processo decisório depende menos do âmbito no qual se tomam decisões e mais da natureza das instituições delas encarregadas‖ (ARRETCHE, 1996, p. 20). 37 A partir da abertura conseguida com a CF, inúmeros conselhos foram criados a partir de legislações participativas, como Lei Orgânica da Saúde (LOS), da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), do Estatuto da Criança e do Adolescente. Todos esses conselhos adotam a paridade como princípio, ainda que a forma de paridade varie de área temática (AVRITZER, 2006, p. 38-39), e envolvem representantes do Estado e da sociedade civil (associações comunitárias, movimentos sociais, representantes de usuários, trabalhadores, etc.). Também com a CF, outros mecanismos de participação ganharam espaço, como a Lei Orgânica do Município, de 05 de abril de 1990, e o Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 10 de julho de 2001). Em relação à Lei Orgânica do Município, ocorreram significativos avanços, principalmente em relação a três aspectos: descentralização, fortalecimento do Legislativo e aumento da participação popular. A CF também permitiu a descentralização dos gastos com saúde, educação, previdência e assistência social. Em outras palavras, o ambiente de baixo dinamismo econômico do período foi contraposto pelas políticas sociais que tiveram por base a CF (CASTRO; RIBEIRO, 2009, p. 133). Observação feita por Gohn (2004, p. 25) revela que alguns analistas diagnosticaram crise nos movimentos sociais populares urbanos nos primeiros cinco anos dos anos 1990, no sentido de que tiveram reduzida, naqueles anos, parte do poder de pressão direta que haviam conquistado nos anos 1980. Isso envolve vários fatos: o país saía de uma etapa de conquista de novos direitos constitucionais, a maioria dos quais precisava ser regulamentada; a volta das eleições diretas em todos os níveis governamentais, porque se tratava agora de democratizar os espaços públicos estatais; a necessidade de atuação no plano institucional e governamental aumentou, não apenas nos locais que passaram a ser administrados por governos populares, fundamentalmente no plano federal, lócus de debate e encaminhamento das conquistas obtidas na CF de 88, para que viessem a ser implantadas; as políticas neoliberais que o governo federal, naquele mesmo período, passou a implementar ou aprofundar, em todos os níveis e que geraram desemprego, aumento da pobreza e da violência, urbana e rural. Entretanto, de acordo com Gonh (2004), a crise dos movimentos sociais populares urbanos, nos primeiros anos da década de 1990, não implica o desaparecimento deles, e nem o seu enfraquecimento enquanto atores sociopolíticos relevantes, mas sim uma rearticulação, interna e externa, de seu papel na sociedade. Nos anos que se seguiram, cresceram os movimentos populares de defesa da cidadania e as práticas de desenvolvimento local. Participação comunitária e participação 38 popular cederam lugar a duas novas denominações: participação cidadã e participação social. ―A mobilização social passou a ser vista como energias a serem canalizadas para objetivos comuns‖ (GOHN, 2007, p. 56). Teixeira ressalta que a participação significa perceber a interação contínua entre os atores que, ―com os recursos disponíveis nos espaços públicos, fazem valer seus interesses, aspirações e valores, construindo suas identidades, afirmando-se como sujeitos de direitos e obrigações‖ (TEIXEIRA, 2001, p. 26). No final dos anos de 1990, uma segunda onda de reformas foi implantada com vistas ao resgate da capacidade de gerir do Estado. Nessa onda, os municípios foram os entes federativos com maior destaque no sentido da interação com a sociedade civil. Ao município competia garantir os serviços sociais básicos e às instituições liberação e definição das condições operacionais desses serviços. Nesse cenário, ganha força o conceito de descentralização como estratégia para racionalizar as decisões do Estado, considerado como centralizador e burocrático. A descentralização tem o papel de contribuir para minimizar os conflitos institucionais, pois a relação usuário-governo e o controle social da população sobre a ação governamental tende a ser facilitada pela transferência de responsabilidade de determinado nível governamental pela prestação de determinado serviço (COSTA, 1993, p. 73). Com a descentralização, o Estado passou a transferir responsabilidade e recursos para as organizações, para que as mesmas supram a demanda pública. Surgiu, então, mais interesse por parte da sociedade civil em se estruturar para conseguir repasses financeiros. A descentralização passou a constituir papel fundamental para o incentivo da participação, com o Estado concedendo às organizações competências para realizar direitos no que diz respeito à distribuição efetiva dos instrumentos de estímulo e controle necessários para a lida com um dado problema (COSTA, 1993, p. 75). Entretanto, todo esse processo de mudança na participação não foi gerado espontaneamente nem de forma harmoniosa. Dois fatores são destacados: primeiro, havia uma herança anterior acumulada de experiência de participação. Foram experiências que forneceram patamares referenciais e alimentaram as novas práticas; segundo, foi necessário ter vontade política para que um novo espaço público de caráter não estatal se implantasse. Esse espaço surgiu como um agente de mudança, de decisão e foi preciso construir regras de institucionalização para que os mecanismos de participação, de caráter democrático, viessem a operar (GOHN, 2007, p. 63) 39 Em meio às discussões sobre a participação, cabe salientar que muitas são as definições trazidas a termo, como participação popular, participação comunitária, participação política, participação social e participação cidadã. Teixeira (2001, p. 31-32) discorre sobre a participação cidadã e participação popular. De acordo com o autor, a participação cidadã articula os mecanismos institucionais disponíveis ou a serem criados a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo social. Com isso, exige a responsabilidade política e jurídica dos mandatários, o controle social e a transparência das decisões, tornando mais frequentes e eficazes os instrumentos de participação como o plebiscito, referendo e iniciativa popular. Assim, refere-se à relação entre sociedade civil, Estado e mercado, em que os papéis se definem pela atuação organizada de indivíduos, grupos e associações. A participação cidadã não se confunde com participação popular, pois a participação popular é muito utilizada para designar a ação desenvolvida pelos movimentos, em grande parte de caráter reivindicativo, visando ao atendimento de carências ou à realização de protestos, e tem sido usada por governos e organismos internacionais ao envolver segmentos dominados da população em seus projetos e políticas. De acordo com Teixeira (2001), participação cidadã não objetiva a mera prestação de serviços à comunidade ou à sua organização isolada, nem se trata de simples participação em grupos ou associações para defesa de interesses específicos ou expressão de identidades. Tais elementos podem estar presentes no processo, porém seus objetivos são mais amplos. Embora essencialmente política, constituindo-se numa atividade pública e de interação com o Estado, distingue-se da atividade política, uma vez que se sustenta na sociedade civil e não se reduz aos mecanismos institucionais nem busca o exercício do poder. Para Teixeira (2001), os mecanismos institucionais podem dar-lhe o caráter de permanência e regularidade, mas contêm o risco de envolver os agentes sociais na lógica do poder. Daí a necessidade de outros mecanismos, oriundos dos movimentos sociais, que possam garantir autonomia e potencializar a ação frente ao Estado, à sociedade política, ao mercado. De acordo com o autor, esses mecanismos podem ainda gerar uma ―nova institucionalidade‖, com procedimentos e regras próprias. Dessa forma, segundo Teixeira (2001), a participação cidadã utiliza-se não apenas de mecanismos institucionais, mas articula-se com outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo social. Entretanto, em qualquer termo usado para definir participação (participação popular, participação comunitária, participação política, participação social e participação 40 cidadã) e considerando o que Teixeira (2001) alerta como sendo uma questão fundamental para a teoria política [...] ―que diz respeito a quem e como, quem toma as decisões no Estado, como isso acontece, ao sujeito e ao processo decisório. Quanto ao sujeito, [...] definir quem [...] e, quanto ao processo, se a seleção implica apenas a escolha dos decisores‖ (TEIXEIRA, 2001, p. 33), é preciso delimitar o conceito de participação e considerar o poder político, que não se confunde com autoridade ou Estado, mas que diz respeito aos atores (quem), como toma as decisões no Estado (instrumentos de gestão social) e o processo decisório (tomada de decisão), delegando aos atores total liberdade de ação para definir as questões a serem propostas e quais as condições para que os cidadãos se pronunciem sobre conteúdos e alternativas políticas (TEIXEIRA, 2001). O termo participação cidadã empregado por Teixeira não tem diferença da definição trazida por Gohn (2007) e Grau (1998). No entanto, sobre a participação cidadã e participação social e comunitária, na visão de Teixeira (2001) têm diferenças. Na abordagem de Grau (1998), a participação cidadã é desligada da participação comunitária e se refere à participação política com intervenção direta dos agentes sociais em atividades públicas, favorecendo as decisões estatais, bem como a produção de bens públicos rumo às condições de ampliação da esfera pública. Nesse sentido, a participação remete ao fortalecimento e à democratização da sociedade e do Estado, assim como à redefinição das relações entre Estado e sociedade sob o ângulo desta última. Para Gohn (2007), participação cidadã é aquela que redefine laços entre o institucional e as práticas da sociedade civil organizada, porque o Estado reconhece a existência dos conflitos na sociedade e as divergências nas formas de equacionamento e resolução das questões sociais, entre os diferentes grupos, e participa da arena de negociação entre eles. Dessa forma, segundo Gohn (2007), o conceito de participação cidadã está lastreado na universalização dos direitos sociais, na ampliação do conceito de cidadania e em uma nova compreensão do papel do Estado, remetendo à definição das prioridades nas políticas públicas a partir do debate público. Nesse sentido, na participação cidadã, ―a categoria central deixa de ser a comunidade ou o povo e passa a ser a sociedade‖ (GOHN, 2007, p. 56). Enquanto isso, o sentido da participação social pressupõe comunidades atuantes, compostas de organizações autônomas da sociedade civil, imbuídas de espírito público, com relações sociais igualitárias e estruturas fincadas na confiança e na colaboração, articuladas em redes horizontais (GOHN, 2007, p. 60). Teixeira (2001) descreve que tem sido verificado crescimento da participação e as entidades com mais tradição de luta e estrutura organizativa pouco têm contribuído em 41 termos do poder local, o que vai repercutir negativamente na sociedade civil. Ao contrário de Teixeira, Sayago (2007) considera que, apesar do movimento de reflexão das perspectivas e atitudes da participação, ela não tem avançado tão rapidamente quanto estimado. Para Sayago, o princípio da participação enfrenta dificuldades que podem estar ligadas a uma colisão de comportamentos, atitudes e visões fortemente influenciadas por uma cultura organizacional baseada na hierarquia e na verticalidade (SAYAGO, 2007, p. 19). Streks e Adams (2006, p. 111) também avaliam a participação e concluem que ela precisa dar conta da multiplicidade de canais através dos quais as pessoas se manifestam e constroem as suas identidades, pois sem essa visão corre-se o risco de perpetuar o distanciamento entre governo e governados, entre representantes e representados. Os autores fazem recomendação especial para os conselhos, que devem dar atenção ao complexo cruzamento de canais de participação para não se tornarem mais uma vez estruturas vazias e meras cumpridoras de formalidades. Para fins deste trabalho, já que são muitas as definições dadas ao termo ―participação‖, considera-se o entendimento trazido por Teixeira (2001) e que vai além da participação social e comunitária, onde o foco é a mera prestação de serviços à comunidade, e supera a participação popular, vinculada aos movimentos sociais. Dessa forma, a participação depende de mecanismos próprios, institucionais ou não, e implica: outros atores são considerados, além do Estado; no aperfeiçoamento da representação; que o controle social deve ser uma prática; que a sociedade civil se fortalece por meio do exercício dos seus direitos e deveres nas resoluções das questões sociais e transparência das decisões. O tópico a seguir será dedicado aos mecanismos de participação popular tendo em vistas o seu entendimento. 2.2 Cidadania e os mecanismos de participação popular Os mecanismos de participação popular foram consolidados no Brasil com a CF de 1988 e estão inscritos no artigo 14º, sendo mais conhecidos e reconhecidos como mecanismos de gestão participativa. ―Sendo assim, a Constituição foi capaz de incorporar novos elementos culturais, surgidos na sociedade, na institucionalidade emergente, abrindo espaço para a prática da democracia participativa‖ (SANTOS, 2003, p. 65). 42 Os cinco mecanismos de participação popular mais conhecidos e utilizados no mundo são o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular, o recall e o veto popular. No Brasil, apenas os três primeiros foram inscritos no artigo 14 da CF de 1988: plebiscito, referendo e iniciativa popular. A iniciativa popular, em termos genéricos, designa diferentes maneiras de participação no exercício dos poderes Legislativo e Executivo, incluindo o plebiscito, o referendo, conselhos gestores, orçamento participativo, o poder de acesso de um grupo de cidadãos na elaboração de um projeto de lei, cumpridos certos pressupostos legais a serem submetidos à apreciação do Poder Legislativo (FLEURY, 2006, p. 94). Para Avritzer (2006), o orçamento participativo e os conselhos gestores são os mecanismos de participação popular, observados desde o final da década de 1980 e consolidados pela CF, que se destacaram no Brasil. De acordo com Avritzer, o orçamento participativo chamou a atenção por seu caráter inovador em relação ao orçamento municipal, em que a população decide sobre onde e como os investimentos devem ser realizados. Nesse sentido, de acordo com Luchmann (2006), a motivação pela participação nos orçamentos é parte de uma herança comum do processo de democratização que levou atores sociais, oriundos de movimentos sociais e comunitários, a disputarem o significado do termo participação popular. A primeira experiência aconteceu em Porto Alegre, sendo, logo em seguida, implementada em diversas cidades brasileiras (LUCHMANN, 2006). No entanto, com muito mais disseminação do que o orçamento participativo, os conselhos gestores estão presentes em quase todos os municípios do Brasil e as pesquisas acadêmicas (AVRITZER, 2010; CORTES, 2007; DAGNINO, 2002; 2004; FERRAZ, 2006; FLEURY, 2006; GOHN, 2007; LUCHMANN, 2007; 2008; PETRARCA, 2008; RAICHELIS, 2008; ROTHBERG, 2005; TATAGIBA, 2004; TEIXEIRA, 2000; 2001; TONELLA, 2004; WENDHAUSEN; BARBOSA; BORBA, 2006) têm demonstrado que existem grandes expectativas em torno do seu papel e na maneira pela qual as políticas públicas10 são formuladas. 10 A área de políticas públicas contou com quatro grandes ―pais‖ fundadores: H. Laswell, H. Simon, C. Lindblom e D. Easton. Coube a Laswell (1936) a introdução da expressão policy analysis (análise de política pública), ainda nos anos de 1930, como forma de conciliar conhecimento científico e acadêmico com a produção empírica dos governos e também como forma de estabelecer o diálogo entre cientistas sociais, grupos de interesse e governo. A Simon (1957) coube introduzir o conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos (policy makers). A racionalidade pode ser maximizada até um ponto satisfatório, pela criação de estruturas (conjunto de regras e incentivos) que enquadrem o comportamento dos atores e modelem esse comportamento na direção de resultados desejados. A Lindblom (1959; 1979) coube questionar a ênfase no racionalismo de Laswell e Simon e propor a incorporação de outras variáveis à formulação e à análise de políticas públicas, tais como relações de poder e a integração entre as diferentes fases do processo decisório, considerando papel das eleições, das burocracias, dos partidos e dos grupos de 43 Essas reflexões demonstram que, em sintonia com a discussão da participação, estão a cidadania e a formulação de políticas públicas. A cidadania é um dos elementos essenciais ao desenvolvimento (DEMO, 1995), tendo função educativa; e os lugares de participação são também espaços de aprendizagem da cidadania (STRECK; ADAMS, 2006). Logo, o estudo da Agência de Cooperação Internacional do Japão reconhece que o Brasil precisa, com a democratização e a expansão do sistema de mercado, diversificar a capacidade de desenvolvimento e impulsionar a participação dos atores, em virtude dos movimentos de ONGs tradicionalmente ativos, para obter mais desenvolvimento (JICA, 2002, p. 20). Marshall (1967) discute a evolução do conceito de cidadania associada à ideia de formação, educação e de ter direitos11 civis, políticos e sociais. Na visão de Marshall, para que tais direitos se concretizem, cada um desses tipos de direito depende da emergência de alguma especificidade. Assim, pode haver direitos civis sem direitos políticos, o contrário não é viável. Os direitos civis dependem de educação para toda a sociedade, de assistência judiciária aos pobres. Sem os direitos civis, os direitos políticos podem existir formalmente, mas ficam esvaziados de conteúdo e servem antes para justificar governos do que para representar cidadãos. Já os direitos políticos só se viabilizam caso o Poder Judiciário crie condições concretas para o exercício dos direitos de votar e de se candidatar. Os direitos sociais só serão concretizados caso o Estado esteja dotado de apoio administrativo, a ponto de permitir às sociedades politicamente organizadas reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um mínimo de bem-estar para todos. Logo, para Marshall a condição de pertencimento a uma comunidade é um critério para a cidadania plena. Ampliando os estudos sobre a cidadania, Tenório (2007) defende que a análise deve ser feita à luz da cidadania deliberativa que deve levar em consideração a pluralidade de formas de comunicação (morais, éticas, pragmáticas e de negociação), tendo os cidadãos como atores políticos. [...] ―Sob a cidadania deliberativa, tanto formas de deliberação dialógicas quanto instrumentais são institucionalizadas e válidas (legítimas) na formação da opinião e da vontade política‖ (TENÓRIO, 2007, p. 17). interesse. A contribuição de Easton (1965) foi definir a política pública como um sistema, ou seja, políticas públicas recebem inputs dos partidos, da mídia e dos grupos de interesse, que influenciam seus resultados e efeitos (SOUZA, 2007). 11 São direitos civis aqueles direitos que concretizam a liberdade, como os direitos à livre movimentação, à propriedade, à igualdade perante a lei. Eles se desdobram na garantia de ir e vir, de escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se; são direitos políticos aqueles que compõem a prerrogativa de participar do poder político e seu exercício consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar, de ser votado (MARSHALL, 1967, p. 76). 44 É interessante notar que Carvalho (2002) discorre sobre a evolução do conceito de cidadania e defende que, no Brasil, o conceito avançou delineado por um processo de avanços e retrocessos, diferente do conceito de Marshall. O autor destaca que os direitos foram conseguidos em uma ordem inversa da citada por Marshall, ou seja, primeiro foi dada mais evidência aos direitos sociais disseminados em um cenário de restrição dos direitos políticos e dos civis durante o regime ditatorial; depois vieram os direitos políticos e depois os direitos civis. Segundo Carvalho (2002), o conceito de cidadania tornou-se frequentemente utilizado a partir da década de 1990 e passou a fazer parte do nosso cotidiano, especialmente por estar vinculado à concepção de participação da sociedade civil nas políticas públicas por meio do espaço público aberto com a figura dos conselhos. Esses espaços propiciariam aos indivíduos a oportunidade de debater questões que os atingissem diretamente e a sociedade civil deixaria de se posicionar de maneira combativa diante do Estado para assumir caráter mais diluído em espaços de participação institucionalizados. Habermas (2010) também discute o conceito de cidadania e a divisão de direitos e acrescenta que o conceito de cidadania impresso por Marshall talvez se refira àquilo que os sociólogos caracterizam em geral como ―inclusão‖. Ainda de acordo com Habermas (2010, p. 108), a ―classificação dos direitos redigida por Marshall foi ampliada, não apenas em termos de valores culturais, mas também em termos de novos tipos de direitos civis, pelos quais lutam hoje em dia os movimentos feministas e ecológicos‖. E distingue, a este respeito, três tipos de direitos fundamentais: à liberdade individual, de participação igual de cada cidadão no processo de formação pública e o direito à igualdade de oportunidades. Na abordagem de Habermas, em uma sociedade sempre crescente, cada vez mais pessoas adquirem direitos de acesso e de participação cada vez mais amplos em subsistemas (mercados, empresas e empregos, cargos, associações políticas, de estabelecimento de autoadministração e de parlamentos, etc.) e somente os direitos políticos de participação fundamentam a colocação reflexiva do direito de um cidadão, ao passo que os direitos de participação social podem ser concebidos de forma paternalística (HABERMAS, 2010) Porém, não se pode negar que a promulgação dos direitos de cidadania no Brasil emerge em meio à crise do Estado, reconfigurando as relações entre Estado e sociedade alcançando direitos exigidos pela Constituição Federal de 1988. Entretanto, para que essa cidadania seja efetiva, requer a existência de esferas públicas de deliberação de políticas públicas. 45 Neste aspecto, é fundamental analisar o processo de formulação e elaboração de políticas públicas e a participação. A política pública é um ciclo deliberativo, composto de vários estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendizado em que as decisões de políticas públicas se iniciam com a identificação de problemas e a formação da agenda, concluindo com a avaliação, continuação, modificação ou fim da política (policy) (SOUZA, 2007). Sobre as decisões de políticas públicas, Souza (2007) ressalta que não ocorrem em lugares centrais claramente definidos, mas em um quadro de redes políticas (policy networks) no qual podem se formar comunidades políticas (policy communities) compostas por atores sociais que compartilham valores e visão sobre os resultados desejáveis da política setorial (SOUZA, 2007). Sobre as decisões políticas, Maia (2008) declara que as deliberações incluem interpretações de interesses e necessidades em que interesses estão relacionados aos recursos e competências que possibilitam o desenvolvimento da autonomia pessoal e política, isto é, a ―capacidade de tomar parte no exame crítico de si mesmo e dos outros e chegar a julgamentos que possam ser defendidos através da argumentação pública‖ (MAIA, 2008, p. 47). Pode-se ponderar que o processo de elaboração da política pública (policy process ou policy formation) é caracterizado por um ciclo (policy cycle) que compreende a formulação, a implementação e a avaliação da política. Então, o processo de formulação e elaboração de políticas públicas deve ser entendido no contexto de redes e comunidades políticas, pois da análise do conjunto de convicções, valores, ideais e fatores socioeconômicos elucidam-se quais critérios foram utilizados na construção do processo de formação de políticas (ARAÚJO, 2007). Desta maneira, o processo de formulação de políticas públicas traduz o momento no qual os problemas sociais são processados e inseridos na agenda governamental, concretizando-se em planos e intervenções estatais; é o momento em que a disputa pela participação política ganha sua dimensão mais tangível, pois pode, ou não, fazer com que determinadas demandas e projetos acarretem produção e distribuição de bens públicos (SABATIER, 1999 apud SAMPAIO, 2006, p. 20). Portanto, é o momento da tomada de decisão política, da discussão da melhor forma de gerir o bem público e os assuntos de interesse da coletividade. No entanto, como indica a interpretação de Hannah Arendt (LAFER, 2003, p. 59), vinculada à coletividade, a política ―consiste em pensar no lugar e 46 na posição dos outros em vez de estar de acordo consigo mesmo‖, ou seja, dialogando com quem deve chegar a um acordo. Assim posto, os conselhos participam do processo de formulação, implementação e avaliação da política (policy cycle), pois são identificadores de problemas, formuladores, promotores de políticas, controladores das ações públicas governamentais e não governamentais, normatizadores de parâmetros e definidores de diretrizes das políticas públicas (VEET, 2005). No entanto, Cortes (2007, p. 138) salienta que a existência dos conselhos não significa que eles sejam exitosos como promotores de participação. Para a autora, eles podem não participar de fato no processo de decisão de políticas públicas de determinada área da administração pública. Isso porque, por um lado, as principais decisões da área podem não ser tomadas ali e, por outro, esses representantes podem ter sua ação nos conselhos obstaculizada por outros atores que detêm mais recursos de poder. Entretanto, como os conselhos são espaços públicos plurais, nos quais representantes da sociedade e do Estado disputam, negociam e, ao mesmo tempo, compartilham a responsabilidade pela produção das políticas públicas em áreas específicas, podem influenciar o processo de elaboração e produção de políticas públicas (TATAGIBA, 2004). Dessa forma, para que a participação seja efetiva, é necessário que haja a combinação de fatores relativos a: características institucionais da área de política pública; capacidade organizativa dos movimentos e de grupos de interesses de usuários da cidade; posições das autoridades municipais em relação à participação; a natureza da comunidade política (policy community) em cada área, identificada principalmente pelo tipo de relação existente entre profissionais e lideranças populares (CORTES, 2007, p. 138). Assim, pode-se conceber que, por meio dos conselhos, buscou-se conquistar espaços ampliados de participação da sociedade civil nas decisões sobre os rumos das políticas sociais, com a incorporação dos movimentos sociais e grupos de interesses presentes no debate público, tais como grupos profissionais, setores privados e especialistas. Isso abriu caminho para diferentes interesses, passando o conselho a ser um ator no campo das políticas sociais e também uma arena em que atuam diversas forças e interesses (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005, p. 376). Para situar a temática dos conselhos, objeto de estudo desta dissertação, o item a seguir será dedicado à análise do processo de institucionalização dos conselhos. 47 2.3 Os conselhos gestores de política pública no Brasil 2.3.1 Breve histórico Conselhos como mecanismos de representação da sociedade civil utilizados na gestão pública não são novos na história (GOHN, 2007). De Acordo com Gohn (2007), em Portugal, entre os séculos XII e XV, foram criados conselhos municipais como forma político-administrativa de Portugal, em relação às suas colônias. De acordo com Teixeira (2000), a origem dos conselhos situa-se em três direções distintas. A primeira é resultante de movimentos insurrecionais, como aparato de poder e sistema alternativo de representação. Como exemplos citam-se a Revolução Francesa (1789), a Comuna de Paris, os conselhos dos sovietes russos, os conselhos operários de Turim (estudados por Gramsci), alguns conselhos na Alemanha nos anos 1920, conselhos na antiga Iugoslávia nos anos 1950, conselhos atuais na democracia americana. A outra direção na origem dos conselhos é a de instância de poder nos lugares de trabalho. Dessa vertente decorre a denominação de conselhos operários, ampliada posteriormente para conselhos de fábrica e conselhos populares. Na terceira direção, os conselhos surgem nos países de capitalismo como arranjos neocorporativistas com o objetivo de negociar demandas de trabalhadores, usuários e outros grupos de interesse. Surgem também como grupos de pressão em demandas relacionadas ao consumo e bens coletivos (TEIXEIRA, 2000). No Brasil, os conselhos têm origem em experiências de caráter informal sustentadas por movimentos sociais, no formato de conselho popular ou como estratégias de luta operária na fábrica, alternativas à inércia e ao comprometimento dos sindicatos oficiais, na forma de comissões de fábrica. Essas experiências e outras desenvolvidas na década de 1970 e 1980 (Osasco, Campinas, e Piracicaba – SP, Boa Esperança – ES e Porto Alegre do Norte – MT) foram incorporadas pela CF de 1988 e geraram, posteriormente, várias leis que institucionalizam os conselhos de políticas públicas (TEIXEIRA, 2000, p. 101). Assim, os conselhos são considerados como fruto de uma longa transição de regime político e refletem a entrada em cena de novos atores sociais: movimentos sociais, associações, entidades profissionais (TEIXEIRA, 2000, p. 107). A denominação de conselhos de políticas públicas é variada na literatura: são chamados de conselhos setoriais, conselhos gestores, conselhos de políticas públicas. As denominações legais geralmente referem-se ao nível de governo - municipal, estadual, 48 nacional - seguido do setor de atividades ou do programa a que se refere, por exemplo: Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (GOHN, 2007, p. 65). Contudo, é preciso atentar que muitas das definições sobre os conselhos parecem que estão ligadas aos ideais em torno dessas instâncias. Para melhor entendimento das diversas definições de conselhos, toma-se aqui a tipologia sugerida por Gohn (2007): conselhos gestores. De acordo com Gohn (2007:85), ―os conselhos gestores são diferentes dos conselhos comunitários populares [...] porque estes últimos são compostos exclusivamente de representantes da sociedade civil, cujo poder reside na força da mobilização e da pressão e, usualmente, não possuem assento institucionalizado junto ao poder público‖. Para Gohn (2007), as experiências ―conselheiristas‖ surgiram no Brasil de 1970 a 1995, identificando: os conselhos comunitários criados ao final dos anos de 1970; os conselhos populares ao final dos anos 1970 e parte dos anos 1980; e os conselhos gestores institucionalizados, principal objeto de reflexão e análise desta dissertação. Gohn (2007, p. 65) considera a institucionalização dos conselhos o resultado do cruzamento dos conselhos comunitários e conselhos populares, oriundos dos movimentos sociais a partir das pressões populares para a participação na coisa pública e institucionalizados a partir dos anos de 1990 com a CF. De acordo com a autora, a experiência dos conselhos comunitários funcionava paralelamente aos conselhos populares, provocando grande confusão toda vez que essas formas se cruzavam (GOHN, 2007). Firmaram-se as primeiras experiências de conselhos de gestão da coisa pública em uma ampla gama de tipos, que ia dos conselhos comunitários aos conselhos de escola; da saúde às câmaras de gestão de setores variados, como transportes, conselhos da condição feminina, do negro, etc. E esta ampla gama de experiências funcionava paralelamente aos conselhos populares dos movimentos sociais, provocando grande confusão toda vez que essas duas formas de participação e representação se cruzavam, pois a dos conselhos populares se fundava nos princípios da participação direta, e a dos conselhos comunitários e outros eram articulados pelos poderes públicos segundo critérios de representatividade que supunham a participação indireta. O cruzamento das duas formas só irá aparecer nos anos 1990, nas novas redes associativas (GOHN, 2007, p. 55). Como Gohn (2007) considera a institucionalização dos conselhos o resultado do cruzamento dos conselhos comunitários e conselhos populares, faz-se um breve relato da memória dos conselhos. 49 De acordo com Gohn (2007), nos anos de 1960 o governo de São Paulo, a partir de uma política de populismo do governador Adhemar de Barros, propôs a implantação de conselhos não atuantes, fiscalizadores, sob a coordenação do gabinete do Poder Executivo. Entre 1969 e 1973, fase repressiva da política brasileira, os conselhos passaram a ser vistos como instrumentos de mobilização popular. Em 1975, um encontro de entidades em busca de novos rumos para a cidade elaborou um documento denominado Carta de São Paulo e os representantes das Sociedades Amigos de Bairros presentes no evento reivindicavam a criação de um ―poder‖ composto de representantes das organizações populares, com autoridade para interferir na política municipal que resultou na criação das Administrações Regionais (AR), dirigidas por conselhos originados das associações de moradores (GOHN, 2007). De acordo com Gohn (2007), a partir de 1977 tornou-se possível distinguir dois tipos de conselhos no campo das relações entre movimentos populares e Estado: conselhos populares e conselhos comunitários. Segundo Raichelis (2008), os conselhos populares surgiram inicialmente como unificação dos movimentos sociais e os conselhos comunitários foram criados pelos governos para servirem de canal de mediação com os movimentos e organizações populares. Os conselhos populares não eram estruturados formalmente e surgiram inicialmente na área da saúde e emergiram com a unificação dos movimentos que reivindicavam melhores condições de saúde e de saneamento básico na década de 1970 (RAICHELIS, 2008, p. 40-41). Na visão de Gohn (2007), os conselhos populares foram construídos pelos movimentos populares ou setores organizados da sociedade civil em suas relações de negociação com o poder público, sendo instrumento de pressão e negociação das reivindicações junto aos governos. Em 1979, em São Paulo, o ex-prefeito Reynaldo de Barros criou os conselhos comunitários por meio do Decreto nº 16.100, que eram organizados por ARs objetivando a discussão do orçamento municipal e a elaboração de programas e projetos municipais com a participação de forças comunitárias, segundo a denominação oficial: duas associações de classe, dois clubes de serviços, duas entidades sociais, seis movimentos sociais religiosos e três Sociedades Amigos de Bairros (GOHN, 2007). Nesse sentido, Gohn (2007), destaca que o momento político do país era de tamanha ânsia de participação que o conselho foi acolhido. Em dezembro de 1979, a Portaria nº 75 regulamentou o funcionamento do conselho. As solicitações dos conselhos 50 deveriam constituir processos especiais na administração pública. O governo estruturava, então, pela primeira vez, desde 1964, uma proposta objetivando institucionalizar as demandas populares. Para Gohn (2007), os conselhos comunitários foram criados, diretamente pelos governos nas diferentes esferas, entre 1970 e 1980, para servir de canal de mediação com os movimentos e organizações populares, sendo entendidos como possibilidade de negociação de demandas dos movimentos sociais e como formas de mediar as relações com os movimentos e com as organizações populares. Durante os anos de 1980, no estado de São Paulo, foram instituídos 11 conselhos (GOHN, 2007). De acordo com Teixeira (2001), no governo Montoro, esse processo foi ampliado e instituíram-se vários tipos de conselhos, desde o da Condição Feminina, do Negro, da Juventude, Idosos, Deficientes Físicos, de Comunidades Locais, até Conselhos Municipais, para ―promover o estudo e a solução dos seus problemas‖ e, em troca, ―ampliar sua base de legitimidade‖. Também no Rio de Janeiro, segundo Teixeira (1996; 2001), na gestão de Saturnino Braga (1986-1988) a Prefeitura criou os Conselhos Governo/Comunidade por região administrativa, com representação de associações de moradores e outras entidades, sem caráter deliberativo, entendidos como fórum de negociação, porém de vida curta. No Espírito Santo, criou-se um conselho integrando representantes dos municípios e do Estado, além do movimento popular. Em Vitória, constituiu-se, em 1986, um ―Conselho Popular‖, formado por entidades de bairro, que foi objeto de disputas partidárias, resultando posteriormente na criação de um conselho paralelo, dividindo e enfraquecendo o movimento popular (TEIXEIRA, 1996). Porém, de acordo com Gohn (2007), os anos de 1980 trouxeram de volta ao cenário político a temática dos conselhos com nova polêmica. A conjuntura política do país demarcou o campo do debate em torno de duas propostas: como estratégia de governo, nas políticas da democracia participativa, e como estratégia de organização de um poder popular autônomo, estruturado a partir de movimentos sociais da sociedade civil. O debate sobre os conselhos populares nos anos de 1980 tinha como núcleo central a questão da participação popular reivindicada pela sociedade civil ao longo das décadas de lutas contra os setores da esquerda ou de oposição ao regime militar. Os movimentos sociais de massa eram elementos fundamentais para a construção dos conselhos populares representativos da população, os quais entendiam que a constituição e participação em 51 conselhos poderiam significar um momento de organização e de direção das lutas políticas dispersas e fragmentadas (GOHN, 2007, p. 75). Gohn (2007) ressalta que, entre os conselhos populares que se destacaram no cenário urbano, estão: os conselhos populares de Campinas, no início dos anos 1980, e o de saúde da zona leste de São Paulo. Ainda recorda a importância dos conselhos em algumas experiências de gestão municipal que se tornaram referências históricas, em que a participação era uma das diretrizes básicas: Lages, em Santa Catarina (Conselho de Pais); Boa Esperança, no Espírito Santo (Conselho de Desenvolvimento Municipal); e Piracicaba, em São Paulo (gestão 1976-1982). A autora também relembra a influência que algumas experiências de participação democrática exerceram no Brasil nos anos 1970, como as prefeituras de Bolonha, na Itália, e de Barcelona, na Espanha. Em 1984, a prefeitura de São Paulo fez nova tentativa de participação via conselhos por meio da Secretaria da Família e do Bem-Estar Social (FABES). Os conselhos da FABES subdividiram-se em dois níveis: das administrações regionais e do gabinete da Secretaria. Atribuíam-se aos conselhos deveres e atividades consultivas e opinativas, mas nada no campo deliberativo. No período de 1989 a 1992, o resultado das eleições municipais de 1988 recolocou a temática dos conselhos na pauta das discussões. Nas eleições municipais de 1988, em vários municípios (São Paulo, Campinas, Santos, Santo André), assumem o poder das cidades prefeitos comprometidos com causas populares, trazendo a possibilidade de antigas propostas dos movimentos populares em relação à participação na gestão das cidades virem a se concretizar. Gohn (2007) alerta que, embora se considerasse que os conselhos populares deveriam fortalecer os movimentos sociais e não substituí-los, não se encontraram documentos que comprovassem as propostas dos movimentos sociais para criar os conselhos. O dilema era definir se os conselhos populares deveriam ser constituídos por participantes de organizações (formais ou não formais) e de movimentos sociais organizados ou por representantes diretos da população de um bairro, região ou da cidade como um todo. De acordo com Raichelis (2008), apesar da polêmica que envolveu a questão dos conselhos sobre seu significado no interior dos movimentos populares, no movimento sindical, nos partidos de esquerda, na academia, essas iniciativas de participação constituíram importantes referências para a CF de 1988. 52 Ainda de acordo com Raichelis (2008, p. 41-42), ―a conjuntura pós-constituinte induziu a criação de conselhos institucionalizados, ampliando-se o debate sobre esse mecanismo e sua prática em diferentes esferas das políticas governamentais‖. A institucionalização dos conselhos mostrou-se necessária e estes foram constituídos como espaços públicos de participação. Os conselhos institucionalizados são previstos em legislação nacional, tendo caráter obrigatório. Fazem parte da implementação de políticas a partir da esfera federal e sua existência é condição sine qua non para a transferência de recursos públicos (GOHN, 2007). A inserção desses espaços institucionalizados no Brasil como conselhos gestores de políticas públicas será objeto de análise do próximo item. 2.3.2 A institucionalização dos conselhos gestores Os conselhos foram institucionalizados como estruturas formalizadas de participação entre Estado e sociedade civil, com normas estabelecidas por seus membros (Regimento Interno) e relativa autonomia, não sendo propriamente órgãos estatais, desde que presentes em sua lógica de funcionamento e em sua composição elementos oriundos da sociedade civil, podendo ser considerados esfera pública (TEIXEIRA, 2001, p. 138). Citam-se como exemplos de conselhos institucionalizados os conselhos de representantes (CR) previstos na Lei Orgânica Municipal de São Paulo e os conselhos gestores. Entre estes últimos estão: os Conselhos de Assistência Social, de Saúde, dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Trabalho, Tutelar, Alimentação Escolar (CAE) e de Acompanhamento e Controle Social do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) (GOHN, 2007, p. 70-71). De acordo com Teixeira (2001, p. 137), ―a implantação dessa nova institucionalidade, que cria espaços de interlocução e decisão entre Estado e sociedade, tem se constituído numa experiência complexa, cheia de conflitos, confrontos e negociações entre os atores‖. O autor ainda complementa que na busca da nova institucionalidade ―atribuem-se a cidadãos oriundos de associações voluntárias alguns papéis próprios de agentes do poder administrativo. É o caso dos conselhos de gestão [...] mesmo se devido à pouca experiência, dificuldade de articulação [...] assumem efetivamente suas funções‖ (TEIXEIRA, 2001, p. 138). 53 Avritzer e Pereira (2005) associam a institucionalização dos conselhos como órgãos ligados às políticas públicas mais estruturadas ou concretizadas em sistemas nacionais e com atribuições legalmente estabelecidas no plano da formulação e implementação das políticas. Os autores destacam que os conselhos são concebidos como fóruns públicos de captação de demandas e pactuação de interesses específicos dos diversos grupos sociais e como forma de ampliação da participação de segmentos com menos acesso ao aparelho de Estado (AVRITZER; PEREIRA, 2005, p. 26). A institucionalização dos conselhos é também discutida por Raichelis (2006a), que concorda com Teixeira (2000) e Avritzer e Pereira (2005) e reporta que são espaços públicos criados com as mudanças que se processaram no caráter dos movimentos populares e que redefiniram suas estratégias e práticas. Dessa forma, segundo Raichelis (2008), os conselhos ganharam novos contornos com o acesso de determinados segmentos ao aparelho do Estado, sendo uma consequência da atuação das forças sociais para fazer frente à crise social que se aprofundou na década de 1980 frente ao alarmante aumento da pobreza e da miséria que acentuou os níveis de desigualdade no Brasil (RAICHELIS, 2008, p. 35). Contudo, conforme Raichelis (2008), diversos elementos colocam em xeque a efetividade deliberativa e eficácia das políticas públicas e seus impactos na melhoria das condições de vida da população. E muitos desafios são enfrentados pelos conselhos os quais estão relacionados às responsabilidades públicas do Estado, fragmentação do espaço público, despolitização da política, estruturação das políticas públicas na sociedade capitalista e da natureza da intervenção estatal nesse campo (RAICHELIS, 2008). Sobre a efetividade deliberativa, Cunha (2007) a define como a capacidade de controlar e decidir sobre determinada política pública, expressa na institucionalização dos procedimentos, na deliberação pública e inclusiva, na proposição de novos temas e no controle sobre essas ações. Para Raichelis (2008), a efetividade depende da associação com outras formas e forças políticas capazes de potencializar-lhes a ação e a autora pressupõe que o espaço público é dotado de atributos (valores). Para falar de eficácia, segundo Teixeira (2000, p. 94), é preciso ―pensar o funcionamento dos conselhos: o conhecimento que eles têm da máquina administrativa, a regularidade das reuniões, a participação no orçamento e o seu acompanhamento e a formulação de propostas‖. E, do ponto de vista dos resultados, não há informações e dados seguros para dizer que os conselhos são eficazes. 54 Nesse sentido, para os conselhos alcançarem eficácia, é preciso que tenham efetividade, ou seja, é preciso que seu funcionamento seja regular, que possam fiscalizar, capacitar e propor políticas públicas (TEIXEIRA, 2000). O autor complementa: para ter efetividade é preciso ter paridade, igualdade e representatividade. A paridade é entendida na condição de igualdade, acesso a informações, na possibilidade de formação e na disponibilidade de tempo dos conselheiros. Carneiro e Costa (2002, p. 5) entendem que, independentemente de seu poder de mobilização, a eficácia ―depende das oportunidades de participação e deliberação abertas pelo Estado, da transparência e compromisso deste com os princípios democráticos e participativos‖. É preciso ter em conta que os conselhos deliberam sobre políticas que devem ter o caráter de universalidade e sua representatividade é restrita a setores específicos da sociedade. A legitimidade do caráter deliberativo dos conselhos enfatiza a necessidade de publicizar o debate que ocorre no seu interior (TEIXEIRA, 2000, p. 106). A publicização é compreendida por Raichelis (2008) como uma visão ampliada de democracia, tanto do Estado quanto da sociedade civil, e pela incorporação de novos mecanismos e formas de atuação, dentro e fora do Estado, que dinamizam a participação social de modo que ela seja cada vez mais representativa dos segmentos organizados da sociedade, especialmente das classes dominadas (RAICHELIS, 2008, p. 42-43). Sobre a publicização do debate no interior dos conselhos, Teixeira (2000, p. 94) compartilha da afirmação de Raichelis (2008) e indica que: ―é preciso identificar em que medida os conselhos têm promovido a divulgação das suas ações, a discussão da sua pauta, o aproveitamento de fóruns como a Câmara de Vereadores para tratar das questões de saúde, de educação, da criança e do adolescente‖. Neste aspecto, é importante ressaltar a afirmação de Tonella (2004): ―os conselhos, mesmo que garantam a discussão do que é realmente de interesse público, a transparência das decisões e o controle de recursos públicos não substituem a sociedade organizada em movimentos sociais‖ (TONELLA, 2004, p. 153). Dessa forma, Raichelis (2008) investiga os conselhos e os identifica como um dos possíveis caminhos da publicização. Na investigação dos conselhos, Raichelis (2008) chama a atenção para o fortalecimento do Estado como regulador das políticas sociais e discute a representação dos conselhos, a universalização das políticas, a democratização dos processos, a autonomia e a representação de interesses coletivos nos conselhos. Teixeira (2000, p. 107) destaca também a experiência dos conselhos como esferas públicas estatais, em que há vinculação institucional ao aparelho de Estado dos conselhos 55 fazendo referência a espaços orientados a partir de valores como solidariedade, equidade, respeito a diferenças e sustentabilidade. Ressalta, ainda, que não se quer dizer que todos os componentes dos conselhos são orientados por esses valores, até porque alguns deles são, de alguma forma, beneficiários desse processo. Entre estes há interesses privatistas e mercantis, mas que podem ser explicitados na discussão pública e confrontados com demandas mais gerais, de interesse público. De fato, Teixeira (2000) e Raichelis (2008) indicam que o conselho deve se pautar por valores. No entanto, percebe-se diferença entre Raichelis (2008) e Teixeira (2000). Raichelis pressupõe que o espaço público é dotado de atributos (valores), enquanto Teixeira identifica que o conselho é a esfera pública, Estado ampliado, e, assim, um dos integrantes do espaço público. Ambos os autores concordam que o conselho deve se pautar, em suas discussões, pelos valores do espaço público como meio de ampliação da participação nesses espaços. Decorre dessa análise a possibilidade da esfera pública não estatal assumir um processo de publicização que considere, na sua constituição, os atributos do espaço público não estatal (CABRAL, 2007; RAICHELIS, 2006b; 2008; WANDERLEY, 1998; 2000; WANDERLEY; RAICHELIS, 2006) que são: Representatividade de interesses coletivos, que envolve a constituição de sujeitos políticos ativos, que se apresentam na cena pública a partir da qualificação de demandas coletivas, em relação às quais exercem papel de mediadores; democratização, que remete à ampliação dos fóruns de decisão política que, alargando os condutos tradicionais de representação, permitam incorporar novos sujeitos sociais como portadores de direitos legítimos; qualidade e efetividade dos serviços, que são a garantia de que as atividades seguem padrões específicos de excelência e melhoria nas ações e programas do projeto, o que implica a garantia de impacto (resultado) positivo a partir das atividades do projeto, mudando condições estruturais mensuráveis e perceptíveis na vida das pessoas; visibilidade social, que é o valor usado no sentido de que as ações dos sujeitos devem expressar-se com transparência, não apenas para os diretamente envolvidos, mas também para todos os implicados nas decisões políticas; universalidade, que é a garantia de que as atividades atingem, indistintamente, a demanda expressa na missão; 56 cultura pública, que supõe o enfrentamento do autoritarismo social e da cultura privatista de apropriação do público pelo privado, remetendo à construção de mediações sociopolíticas dos interesses a serem reconhecidos, representados e negociados na cena visível da esfera pública; autonomia, que se caracteriza pela independência em relação à representatividade pública do governo, ou seja, é a garantia de que as atividades não tenham vínculos forçados com interesses de organizações governamentais, políticas ou privadas; controle social, que é o elemento que faz a conexão com a sociedade civil e permite o acesso aos processos que informam decisões da sociedade política, viabilizando a participação da sociedade civil organizada na formulação e na revisão das regras que conduzem as negociações e arbitragens sobre os interesses em jogo, além da fiscalização daquelas decisões, segundo critérios pactuados. Defendendo a ideia de que a esfera pública considere na sua constituição os atributos do espaço público não estatal, a realização do espaço público pertinente e necessário ao desenvolvimento implica a superação de alguns desafios. Esses desafios, segundo Wanderley (2000), podem ser: de representatividade – em que se encontram os atributos de visibilidade, representatividade e democratização; de sustentabilidade – apresenta-se com o objetivo de construir uma cultura pública; de efetividade – encontramse aqui os atributos de autonomia e controle social. Todavia, a análise da gestão pública implica conceber a gestão de ações públicas como respostas às questões sociais que têm origem na sociedade e são incorporadas e processadas pelo Estado em suas diferentes esferas de poder (federal, estadual e municipal); e a universalização da cidadania remete ao Estado, uma vez que são transferidas responsabilidades públicas estatais para organizações sociais, incluindo-se aí o terceiro setor12 (WANDERLEY; RAICHELIS, 2006, p. 2). Nesse sentido, para contribuir efetivamente na construção do espaço público e fortalecimento da sociedade civil, segundo Streck e Adams (2006, p. 114), os conselhos terão de enfrentar alguns desafios, tensões e até mesmo contradições. Esses desafios podem estar ligados às características apontadas como elementos centrais aos seus papéis. Nessa linha, Brasil (2004, p. 10) destaca o caráter dialógico, pautado na lógica de interação 12 Cabral (2007) estuda o terceiro setor a partir da possibilidade de assumir um processo de publicização que considere na sua constituição os atributos como valores do espaço público que, segundo Wanderley (1998; 2000), são: controle social, visibilidade social, democratização, representação de interesses coletivos, cultura pública, autonomia, universalidade, qualidade, efetividade. 57 comunicativa, no que se refere não apenas à negociação de conflitos, mas às possibilidades de inovações institucionais, delineadas a partir das práticas e valores dos atores societários. É nesse contexto que Habermas enfatiza o poder social integrador e emancipatório dos processos comunicativos, em que a comunicação seria o meio de reprodução do mundo da vida, por meio do qual a cultura seria transmitida e a integração o meio pelo qual se reconheceriam as normas de interação (MAIA, 2008). Mesmo sendo constituídos como espaços públicos plurais, nos quais representantes da sociedade e do Estado disputam, negociam e, ao mesmo tempo, o caráter deliberativo é compreendido como um poder decisório dessas instâncias sobre as políticas públicas, a legislação pertinente parece não ser tão contundente a este respeito (GOHN, 2007). De acordo com Gohn (2007), ―vários pareceres têm assinalado e afirmado o caráter apenas consultivo, restringindo suas ações ao campo da opinião, da consulta e do aconselhamento sem poder de deliberação ou decisão‖ (GOHN, 2007, p. 88). A partir das funções deliberativas, Gohn (2007) discorre que este fato não garante a implementação efetiva das decisões, pois não há estruturas jurídicas que dêem amparo legal e obriguem o executivo a acatá-las. Teixeira (2001) também comunga dessa opinião e acredita que é de extrema importância averiguar como os atores se inserem na deliberação. Nessa direção, Fuks e Perissionoto (2006) discutem os conselhos sob a ótica de recurso, decisão e poder, em que o poder é visto como um conjunto de relações sociais institucionalizadas e interiorizadas nos valores e nas percepções dos atores sociais que afeta o processo decisório. Esses autores documentam que a conduta dos atores no processo decisório e os resultados produzidos poderiam ser condicionados por fatores exteriores ao processo. Esses fatores são determinados por uma série de aspectos, tais como a existência de arenas alternativas, o desenho institucional dos conselhos, a interferência do governo nas eleições dos representantes, a existência de valores levando em conta as interações concretas que eles trazem consigo e que não podem ser simplesmente derivados dos aspectos estruturais que constrangem a ação e a relação governo e sociedade civil. Os mesmos pesquisadores evidenciam que a análise das relações de poder em instituições de participação ampliada deve levar em conta as dimensões estruturais que modelam as capacidades. As preferências dos atores e os limites socioeconômicos e políticos funcionam como obstáculos à participação. Acreditam que a participação política não comporta soluções puramente institucionais e os constrangimentos socioeconômicos, simbólicos e políticos podem funcionar como um poderoso obstáculo à participação ou até 58 mesmo aprofundar a desigualdade política, mesmo sabendo que a existência dessas instituições já permitiu a incorporação de determinados atores no processo de tomada de decisão (FUKS; PERISSIONOTTO, 2006, p. 78). A partir de instâncias deliberativas, como inovações institucionais e instrumentos de mudança social, Tatagiba (2004) estuda os conselhos que influenciam o processo de elaboração de políticas públicas. Neste caso, de acordo com a autora, as responsabilidades para a produção das políticas devem ser compartilhadas (TATAGIBA, 2004). A divisão das funções, de acordo com Tatagiba (2004), entre conselhos e instituições representativas quanto à definição, execução e/ou acompanhamento das políticas públicas não está resolvida no âmbito da legislação pertinente. [...]. Dessa institucionalização incompleta dos conselhos decorrem as dificuldades em definir até onde as suas deliberações possuem poder vinculante. Não é consenso, no âmbito da literatura pertinente, se deve ou não o Estado acatar as decisões dos conselhos (TATAGIBA, 2004, p. 365-366). Gohn (2007) também compartilha da opinião de Tatagiba (2004) e preconiza que as responsabilidades de funções ainda não se tornaram consenso nos conselhos e desse fato decorrem algumas dificuldades em definir as deliberações. Sobre a deliberação, Nobre (2004) utiliza aporte em Bernard Manin (1987) e define dois sentidos para o termo deliberação: no primeiro é entendido como um processo de discussão e no outro é compreendido como uma tomada de decisão (poder decisório). E quanto à tomada de decisão, o cidadão a delega à burocracia estatal em lugar de participar da vida pública (NOBRE, 2004). Como processo de discussão, Maia (2008, p. 127) entende a deliberação com ―um processo a longo prazo, no qual os fluxos comunicativos que se encontram na esfera pública podem gradativamente transformar-se em argumentos mais consistentes e publicamente defensáveis‖. Neste estudo adota-se a deliberação como poder decisório. Segundo Teixeira (2001), as funções deliberativas dos conselhos supõem uma delegação de poderes concebida pelo corpo eleitoral, com base em procedimentos definidos legalmente. Quanto à responsabilidade pelas decisões tomadas, como são estruturas híbridas, são diluídas, podendo comprometer a eficácia do Estado e a autonomia da sociedade civil. Daí, é preciso considerar que ao lado dos conselhos devam atuar fóruns, plataformas, conferências, adequados espaços públicos autônomos. Percebe-se que os conselhos poderão alterar progressivamente a natureza do poder local à medida que se tornam atuantes, fiscalizadores das ações do poder local público e denunciadores dos lobbies econômicos que pressionam e dominam os aparelhos estatais (GOHN, 2007, p. 108-109). Para alterar a natureza do poder local com efetiva 59 representação, a participação precisa ser qualificada, ou seja, não basta a presença numérica das pessoas, porque o acesso está aberto. É preciso dotá-los de informações e de conhecimento sobre o funcionamento das estruturas estatais (GOHN, 2007, p. 95). Essa vertente revela o perfil e a atuação dos conselheiros que, de acordo com Gohn (2007), devem ter cursos de formação e atualização como sujeitos políticos que precisam ter como referência um modelo de participação social cidadão, respaldado por um projeto emancipatório que vislumbre mudanças na sociedade a médio e longo prazo e não se circunscreve às ações imediatistas da conjuntura. Deve-se criar algum pré-requisito mínimo para ser conselheiro e ter uma forma de acompanhar as ações dos conselheiros e de se revogar e destituir qualquer membro que cumpra suas funções durante seu mandato. Portanto, o exercício dos conselhos deve ser passível de fiscalização e avaliação. Eles devem ter capacidade e poderes normativos de decisão, e não se implantar como mera instância consultiva e opinativa (GOHN, 2007, p. 111). Os conselheiros devem ter formação e consciência crítica para terem como meta o entendimento do processo onde se inserem; entenderem, por exemplo, a questão dos fundos financeiros públicos e os critérios que deveriam pautar seu uso para a eliminação da pobreza e das desigualdades sociais, para o atendimento das necessidades da população, segundo escalas de urgências e emergências (GOHN, 2004, p. 28-29). Como possíveis articuladores, de acordo com Avritzer (2006, p. 42), os conselhos não têm articulado bem com os legislativos locais, têm sido postos em segundo plano na sua capacidade decisória e têm perdido legitimidade na política local. Avritzer (2006) acentua que, apesar da intenção do legislador constituinte de criar formas híbridas de relação entre a participação e a representação, esse objetivo ainda não foi alcançado no Brasil. O ideal seria que esses arranjos participativos tivessem algum tipo de representantes dos legislativos, o que exigiria mudança normativa, já que a legislação vigente entende os conselhos de políticas como parte da estrutura do Executivo. Assim, é desejável que esses arranjos articulem melhor com os legislativos locais (AVRITZER; 2006, p. 42). Partindo do enfoque da intersetorialidade que privilegia a perspectiva dos atores da sociedade civil sobre o funcionamento dos conselhos, esses espaços têm demonstrado diversos limites e obstáculos (COMERLATO et al., 2007). Os autores destacam os seguintes limites e obstáculos mais marcantes nos espaços criados pelos conselhos: a intersetorialidade ainda se estabelece como um processo desafiante a ser exercido; faltam estratégias sociopolíticas para efetivar ações intersetoriais entre conselhos gestores e destes 60 com a esfera governamental e não governamental; a atenção às demandas sociais acontece de modo fragmentário, pontual, reparador e com sobreposições na oferta de programas, projetos e serviços (COMERLATO et al., 2007, p. 266). Na visão de Comerlato et al. (2007), a descentralização administrativa deveria promover a intersetorialidade com a interferência da sociedade civil na definição e desempenho das políticas públicas, ou seja, a intersetorialidade deveria estar alinhada à descentralização como alternativa para encontrar novos arranjos no enfrentamento dos complexos problemas sociais. Um dos problemas enfrentados pelos conselhos advém da falta de visão integrada sobre a realidade local (CASTRO, 2006). A integração unificaria a definição de funções, facilitaria a aproximação das questões sociais locais desde sua problemática estrutural, que está muito relacionada com o processo histórico de cada município e de cada comunidade. A autora faz indagações do tipo: ―como imaginar que o conselho de saúde não dialogue com o conselho dos direitos da criança e do adolescente ou [...] ou não se articule com o conselho do meio ambiente? Como pensar o conselho de assistência social se este não traça ações conjuntamente com o conselho de educação [...]‖ CASTRO (2006, p. 23). No entanto, Teixeira (2000, p. 95) afirma que, ―mesmo com todas as falhas, do ponto de vista do processo houve um avanço e não é sem razão que a questão da criança e do adolescente está na pauta, nas agendas de vários setores‖. Na atualidade, os conselhos permanecem no cenário e se apresentam de forma bastante diferenciada e com limites bem mais demarcados nos seus papéis e poderes. Geralmente têm papel consultivo ou deliberativo de controle social, têm base territorial local, seus membros são escolhidos diretamente ou indicados por partidos com participação na gestão e têm a prerrogativa legal de formular estratégias para as políticas públicas. Gohn (2007) faz considerações sobre o atual debate em torno dos conselhos gestores e cita que algumas lacunas são da mesma maneira das que permeavam os conselhos populares, tais como: qual o seu papel e qual a sua natureza. Devem se constituir como organismos consultivos, auxiliando o Poder Legislativo ou devem atuar como órgãos de fiscalização do Executivo ou também deliberativos? Segundo a autora, essas questões são fruto de várias lacunas hoje existentes, a exemplo de: criação de mecanismos que garantam o cumprimento de seu planejamento; instrumentos de responsabilização dos conselheiros por suas resoluções; estabelecimento claro dos limites e das possibilidades decisórias às ações dos conselhos; e discussão acerca das restrições orçamentárias e suas 61 origens; existência de multiplicidade de conselhos no município e não existência de ações coordenadas entre eles (GOHN, 2007, p. 89-90). Sobre as lacunas no debate dos conselhos, Avritzer (2010) avançou na questão de investigação e apresenta na pesquisa do Projeto Democracia Participativa ―Democracia, desigualdade e políticas públicas no Brasil‖13, a análise dos casos de conselhos a partir de metodologias comparativas14 desenvolvidas para estudar as formas de participação. O autor acredita que ao aportar à literatura essa amostra de casos, haverá condição de avaliar melhor os avanços e os percalços da participação, assim como os processos de empoderamento envolvidos nos processos de participação no Brasil (AVRITZER, 2010, p. 9). Na análise dos conselhos, Avritzer (2010) observa que o processo de criação desses órgãos em novas áreas de políticas públicas continua em expansão no país e as formas de organização interna ressaltam a consolidação de uma estrutura baseada em quatro elementos institucionais: decisão em plenário, secretaria executiva, mesa diretora e comissões temáticas. Faria e Ribeiro (2010, p. 88) também realizaram análise dos conselhos diante de algumas variáveis (grau de institucionalização, grau de representação, grau de democratização e desenho institucional), tendo como aporte teórico os conselhos participantes da pesquisa ―Democracia, desigualdade e políticas públicas no Brasil‖. 13 A pesquisa original do projeto proposto à Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) continha 36 cidades. Em algumas cidades houve recusa das prefeituras em fornecer acesso aos dados da gestão (São Bernardo do Campo, Pelotas e Niteroi). Além disso, em quatro cidades do Pará não houve sucesso na coleta dos dados (Ananindeua, Castanhal, Marabá e Santarém). As 29 cidades participantes são: Belo Horizonte, Juiz de Fora, Uberlândia, Montes Claros, Poços de Caldas, São Paulo, Sorocaba, Campinas, Cubatão, Rio de Janeiro, Angra dos Reis, Petrópolis, Volta Redonda, Brasília, Goiânia, Anápolis, Luziânia, Águas Lindas de Goiás, Aparecida de Goiânia, Florianópolis, Blumenau, Lages, Chapecó, Joinville, Porto Alegre, Cachoeirinha, Novo Hamburgo, São Leopoldo e Belém. 14 Avritzer analisou os conselhos conjugando três metodologias comparativas e acrescentando uma metodologia que permitisse comparar de forma sistemática as maneiras de participação denominada de 4 D‘s: densidade, diversidade, durabilidade e capacidade deliberativa. Das três metodologias comparativas, a primeira diz respeito à avaliação da normatividade participativa (FARIA, 2006), que compara os regimentos internos dos conselhos, as formas de eleição dos seus presidentes e a presença ou ausência de câmaras técnicas, cuja presença possibilita a participação mais qualificada dos atores da sociedade civil no processo de decisão sobre diversas políticas públicas. A segunda é a de pares de cidades a partir do trabalho de Baiocchi e Heller (2007) e de Pires e Thomas (2007), que tenta comparar casos diferentes de participação em cidades com características demográficas e socioeconômicas semelhantes. A terceira metodologia estuda os efeitos deliberativos dos conselhos, a partir da análise das atas (CUNHA, 2010). Essa análise permite ver quem fala mais nos conselhos e como os representantes do governo e da sociedade civil atuam no interior dos conselhos e se há de fato polêmica e debate no processo de deliberação nos mesmos. A metodologia em quatro D‘s permite comparar de forma mais sistemática as maneiras de participação local no Brasil, sintetizando o debate sobre participação em conselhos de políticas e orçamentos participativos, agregando as diversas dimensões qualitativas e quantitativas do debate. Por último, as quatro dimensões são sintetizadas no Índice de Participação Municipal (IPM), a partir do qual é possível apresentar um balanço qualitativo e quantitativo do desempenho das instituições de participação criadas no Brasil (AVRITZER, 2010, p. 9-10). 62 Encontraram que esses arranjos ainda estão em busca de identidade institucional mais definida e acreditam que a qualidade desses arranjos dependerá das relações entre o desenho institucional e a realidade pública, social e administrativa na qual o conselho está inserido. Apesar de inúmeros estudiosos se dedicarem a pesquisas que envolvem a deliberação e o papel dos conselhos (ABRAMOVAY, 2001; AVRITZER, 2010; CORTES, 2007; DAGNINO, 2002; 2004; FERRAZ, 2006; FUKS; PERISSINOTO, 2006; GOHN, 2007; LUCHMANN, 2007; PETRARCA, 2008; RAICHELIS, 2008; TATAGIBA, 2004; TEIXEIRA, 2000; 2001; TONELLA; 2004; TOTORA; CHAIA, 2002; TEIXEIRA, 2001; ZAVATARRO, 2007), ainda não existem dados conclusivos sobre o seu papel na mudança do padrão de políticas públicas (AVRITZER, 2006, p. 40), não sendo possível estabelecer um padrão único de comportamento para os conselhos (TONELLA, 2004). Além disso, as análises sobre os valores percebidos nesses espaços públicos são ainda reduzidas (RAICHELIS, 2008; TEIXEIRA, 2000). Outro ponto de destaque é que se impõe o desafio de adotar estratégias políticas que ampliem o arco de alianças capazes de fortalecer o terreno de direitos e as articulações (RAICHELIS, 2008, p. 37) apesar de todas as determinações quanto ao papel e funcionalidade dos conselhos, das limitações encontradas na sua dinâmica e considerando que: são resultantes de discussão pública e assumem papel ora de organismo de luta pelo poder e de organização econômica, ora de mecanismo de gestão e têm o papel de instrumento mediador na relação sociedade/Estado (GOHN, 2007; RAICHELIS, 2008; TEIXEIRA, 2001); são formas de participação política que irão convergir para a concretização da democracia participativa; e que democracia participativa tem sido um dos principais instrumentos teórico-analíticos de avaliação dessas experiências (LUCHMANN, 2007). Assim, sob a premência de se avançar na relação Estado e sociedade civil, rompendo a ideia de afastamento entre uma e outra é que se propõe a identificar os valores e instrumentos de gestão considerados relevantes no processo de tomada de decisão envolvendo esses atores como uma das possibilidades de ampliação da participação cidadã, por um lado incentivando as articulações para deliberações de políticas públicas e, por outro, a realização de ações e programas. A ideia aqui é que os atores sociais que integram a tomada de decisão compartilhem valores que transcendem situações e ações específicas, guiam a seleção e avaliação de ações, políticas, pessoas e eventos, de modo que o melhor argumento consiga superar os demais. 63 Confirma-se, então, o empenho no estudo da temática dos conselhos cujo desafio é identificar e analisar os valores e instrumentos de gestão social percebidos por presidentes e conselheiros que orientam a gestão social para a área da criança e do adolescente. Assim, considerando o escopo deste trabalho, que consiste em investigar valores e instrumentos de gestão social considerados relevantes no processo de tomada de decisão, foram selecionados os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs) como objeto de investigação. Os CMDCAs neste estudo são considerados os grupos sociais responsáveis pelo acompanhamento e formulação de diretrizes para a elaboração de Políticas Públicas para a Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente. Que fique claro que não cabe neste trabalho o julgamento de ações, mas conhecer se na tomada de decisão os valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente, instrumentos de gestão social e valores do espaço público, embasam o processo dialógico para resolução de conflitos. Mesmo assim, reconhece-se que na realidade dos conselhos haja certa tendência à não explicitação dos interesses e ao não reconhecimento do conflito e das trocas de procedimentos para a tomada de decisão, conforme referido por alguns autores abordados. 64 3 O CONSELHO DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE 3.1 Características e funções Os CMDCAs foram instituídos pelo ECA e constituem-se em espaços públicos de participação e inclusão política da comunidade nas decisões de cunho público, como define a CF de 1988. Pelos artigos 204 e 227 da CF, a sociedade civil participa da gestão pública via CMDCA, fazendo valer a democracia participativa. Por meio da Resolução nº 105/2005 (BRASIL, 2005a) o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA)15 estabeleceu parâmetros para a criação e funcionamento dos CMDCAs em todo o Brasil. A Resolução afirma que as decisões tomadas pelos CMDCAs vinculam as ações governamentais e da sociedade civil organizada (BRASIL, 2000). Os CMDCAs são paritários, têm igual número de membros governamentais e não governamentais. Isto quer dizer que as decisões emanadas do colegiado significam que pessoas do governo e da sociedade civil foram capazes de construir consenso sobre determinado item da política de atendimento. Nenhum dos lados do conselho, o governamental e o não governamental, pode impor sua vontade. Isto implica a exigência do diálogo e da disposição para a identificação de pontos comuns sobre os quais se possa avançar (COSTA, 1993, p. 71). Neste caso, o diálogo entre atores requer um espaço, espaço da palavra e da ação, que constitui o mundo público, situado no campo da opinião (LAFER, 2003, p. 61). São os órgãos que devem atuar na formulação e no controle da execução das políticas sociais que asseguram os direitos das crianças e adolescentes. São considerados instrumentos de controle social que visam a indicar caminhos e propor ideias para a proteção integral da criança e do adolescente, priorizando programas e ações de acordo com o plano de ação/diagnóstico do município. Ao município cabe a coordenação em nível local e a execução direta das políticas e dos programas em parceria com as entidades não governamentais que nele atuam. Portanto, o papel dos municípios relaciona-se com a aplicação das medidas de proteção previstas no Estatuto, enquanto o Estado deve enfatizar as medidas 15 O CONANDA é integrado por representantes do Poder Executivo, assegurada a participação dos órgãos executores das políticas sociais básicas na área de ação social, justiça, educação, saúde, economia, trabalho e previdência social e, em igual número, por representantes de entidades não governamentais de âmbito nacional de atendimento dos direitos da criança e do adolescente (LUCHMANN, 2008, p. 90). 65 socioeducativas, com o apoio técnico e financeiro da União, à qual caberá estruturar os programas e ações destinados a servir de suporte e retaguarda à Justiça da Infância e da Juventude (COSTA, 1993, p. 77). Não são executores de políticas, mas formuladores, promotores de políticas, defensores de direitos, controladores das ações públicas governamentais e não governamentais, normatizadores de parâmetros e definidores de diretrizes das políticas na perspectiva da garantia dos direitos humanos, sociais e políticos. É atribuição do Executivo elaborar o projeto de lei e encaminhá-lo ao Legislativo para aprovação. A sociedade civil tem o papel de provocar e sensibilizar o Poder Executivo para essa iniciativa legislativa. No caso de omissão do Executivo, o Ministério Público poderá instaurar inquérito civil. Veet (2005, p. 96) anuncia que ―não são conselhos apenas consultivos. Eles direcionam as políticas da área elaborando resoluções que são publicadas em Diário Oficial e têm a atribuição de acompanhar a atuação dos órgãos públicos e das organizações não governamentais na aplicação das políticas‖. A função normativa dos CMDCAs decorre da sua atribuição de emitir portarias, resoluções, pareceres e outros documentos que orientem para o cumprimento das disposições contidas na legislação (COSTA, 1993, p. 72). A resolução é uma forma de expressar as decisões e deliberações tomadas pelos conselheiros e deve ser aprovada pelo chefe do poder legalmente constituído. Os CMDCAs vão atuar como órgãos consultivos quando as recomendações advindas de assuntos discutidos em plenárias requererem posicionamento, mas que não é possível deliberar, pois ultrapassam o poder dessa instância. Os CMDCAs se utilizam de comunicações e representação quando sua deliberação tiver caráter fiscalizador, ou seja, discutem sobre a transferência e movimentação de recursos financeiros e execução da política da instância correspondente, acompanhando e controlando o fundo municipal16. As reuniões dos CMDCAs devem ser abertas ao público. Todos podem se manifestar, mas o direito de voto é exclusivo dos conselheiros. Os conselheiros são representantes da sociedade civil e de órgãos governamentais ligados às áreas de atuação do conselho. Essa composição mista permite que ambas as instâncias 16 Fundo Municipal é regulamentado pelo artigo 88 do ECA e tem como objetivo criar condições financeiras e administrativas para utilização de recursos destinados ao desenvolvimento de ações de atendimento à criança e ao adolescente com direitos ameaçados ou violados (art. 5º do ECA). As principais fontes de recursos do Fundo são: dotações orçamentárias do Executivo Municipal; doações de pessoas físicas e jurídicas, nacionais ou estrangeiras; recursos de multas e penalidades administrativas (art. 214 do ECA); transferências de recursos do governo federal e estadual; doações de governos ou organismos nacionais ou internacionais; contribuições de pessoas físicas ou jurídicas (art. 260 do ECA, observando a Lei nº 8242/91 e Decreto nº 794/93) (MINAS GERAIS, 2008, p. 32-33). 66 compartilhem da responsabilidade pela produção e acompanhamento das políticas públicas e, a partir desse debate, predominem os interesses de toda a sociedade. Os conselheiros têm a responsabilidade de construir uma Política Municipal de Proteção Integral para Crianças e Adolescente, tarefa que requer conhecimento da realidade vivida pela população infanto-juvenil da cidade. Para o exercício da função de conselheiro, algumas intervenções estratégicas devem ser contempladas na lista de ações prioritárias dos CMDCAs (BELO HORIZONTE, 2007, p. 47-48). Tais sugestões não eliminam a necessidade de levar em conta outras demandas do município. O funcionamento regular de um CMDCA depende de várias atividades: definição de planos de trabalho; cronogramas de reunião; produção de diagnósticos e identificações de problemas; conhecimento de estruturas burocráticas e de mecanismos legais do setor; cadastramento de entidades governamentais e não governamentais, discussão e análise de leis orçamentárias e elaboração de proposições; acompanhamento de ações governamentais e não governamentais; visitas de campo e entrevistas com os dirigentes e usuários dos serviços (TEIXEIRA, 2000, p. 112). Cabe ao prefeito, por meio de ato administrativo e respeitando os limites e diretrizes da lei municipal, nomear os representantes dos órgãos governamentais que irão compor o CMDCA. Para a representação da sociedade civil, as entidades deverão ser escolhidas por meio da organização de um fórum próprio ou do Fórum de Defesa dos Direitos da Criança, onde existir. O trabalho dos CMDCAs deve ser estruturado em comissões temáticas paritárias. As comissões temáticas se encarregam de preparar e analisar previamente as matérias a serem apreciadas e deliberadas nas reuniões plenárias. Relacionam-se, a seguir, algumas sugestões de comissões temáticas (BELO HORIZONTE, 2007, p. 38-39). Comissão de Política de Atendimento dos Direitos: responsável pelo diagnóstico e monitoramento constante da execução da política da criança e do adolescente no município. Comissão de orçamento e fundo: responsável pelo acompanhamento da gestão do fundo e pela articulação entre CMDCA e os setores responsáveis pelo planejamento e finanças do município. Responsável por acompanhar e monitorar o processo e execução do Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e Lei Orçamentária (LOA), além de encaminhar propostas para regulamento do fundo e para definição dos critérios a serem adotados no repasse dos recursos captados pelo fundo (BRASIL, 2011). 67 Comissão de Garantia de Direitos e Apoio aos Conselhos Tutelares: responsável pela condução do processo de criação e formação dos conselhos tutelares e por oferecer apoio técnico a esses conselheiros, por meio de constante diálogo. Comissão de Registro, Inscrição e Reavaliação: responsável pelo trabalho de registro de entidades e inscrição dos programas governamentais e não governamentais de atendimento e sua posterior reavaliação, efetuando as comunicações devidas ao Conselho Tutelar e à Justiça da Infância e da Juventude. Comissão de Comunicação e Divulgação: responsável pela divulgação dos trabalhos dos conselhos de direitos e tutelares e do processo de construção de uma Política Municipal de Proteção Integral para Crianças e Adolescentes, bem como da mobilização social para essa tarefa coletiva. O CMDCA deve estabelecer relações de cooperação com todos os órgãos e entidades municipais envolvidos direta ou indiretamente na proteção integral de crianças e adolescentes. Deve buscar, também, intercâmbio fora do seu município, especialmente com os CMDCAs das localidades vizinhas e com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, inclusive para a celebração de convênios intermunicipais que permitam o compartilhamento de estruturas e programas. Para que o CMDCA funcione corretamente, além do compromisso ético-político dos seus membros em relação ao interesse superior e à prioridade absoluta da criança e do adolescente, é fundamental que cada conselheiro desenvolva um conjunto de habilidades. Algumas iniciativas importantes que servem de base para o cumprimento das atribuições dos conselheiros são o conhecimento da realidade local, o planejamento das atividades e o orçamento público. A) Conhecimento da realidade local O primeiro passo do CMDCA no cumprimento de seu mandato de formular a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente é promover o ―diagnóstico da situação‖17 objetivando saber em que ponto o município se encontra e para onde se faz 17 Diagnóstico da situação – as atividades de estudo e pesquisa, que se consubstanciam em diagnósticos e prognósticos, no seu sentido técnico, são típicas do meio acadêmico e de ONGs especializadas em estudos e pesquisas e de empresas de consultoria, etc.; mas os Conselhos Municipais de Direitos podem também lançar 68 necessário caminhar. Trata-se de um pré-requisito fundamental para que o município possa desenhar sua política, atendendo realmente às necessidades das crianças e jovens. Os membros do CMDCA poderão realizá-la eles próprios; poderão constituir uma comissão envolvendo pessoas do município que tenham condições, em termos de capacidade e disponibilidade, para dedicar-se a essa tarefa ou poderão recorrer ao apoio técnico de organizações governamentais ou não governamentais com atuação e competência nessa área (COSTA, 1993, p. 53). A realização do diagnóstico da situação preciso da realidade do município é uma ação de caráter permanente. De acordo com a Resolução 106/2006 do CONANDA, vários processos podem ser gerados a partir do diagnóstico da situação: identificação dos problemas que afligem à população e possíveis soluções e encaminhamentos; realização de estudos e pesquisas; recadastramento das entidades e dos programas em execução; levantamento, no Poder Legislativo, dos projetos de lei que tratam dos direitos da criança e do adolescente; consulta à sociedade, inclusive por meio de audiências públicas; consulta aos módulos do Sistema de Informação para Infância e Adolescência (SIPIA) e aos demais bancos de dados existentes; acompanhamento da elaboração e execução das peças que compõem o orçamento destinado aos planos e programas das políticas sociais básicas, bem como do funcionamento dos conselhos de direitos e tutelares (BRASIL, 2005b). Os membros do conselho poderão realizar a análise ou constituir uma comissão para apurar o diagnóstico cujo objetivo é levantar a situação das crianças e adolescentes no município em relação ao atendimento de seus direitos e obter visão dos principais problemas, tanto em termos de cobertura (atendimento/desatendimento), quanto no que diz respeito à efetividade das ações desenvolvidas em favor da criança e do adolescente (COSTA, 1993, p. 53). Um ponto de destaque é que priorizar não significa excluir ou deter-se em alguns aspectos em detrimento dos demais. Então, a base objetiva e concreta do processo de decisão do CMDCA deve ser a análise da situação da criança e do adolescente no município, o que permitirá visualizar o que fazer primeiro, onde concentrar mais recursos, que tipo de intervenção utilizar e, da mesma forma, detectar aspectos menos agudos, mão dos recursos que tiverem ao seu alcance, fazendo levantamentos de dados e análises, com apoio de técnicos de nível superior (sociólogos, etc.), de órgãos públicos do município. O importante é não deixar de elaborar os atos normativos regulamentares e praticar as ações de monitoramento, pelo fato de não se ter feito o diagnóstico ideal e absolutamente técnico, pois ele é apenas um ―meio‖ e não um ―fim‖ em si mesmo (MINAS GERAIS, 2008, p. 10). 69 capazes de esperar algum tempo por uma abordagem sistêmática, seja pelo Poder Público, seja pelas organizações não governamentais (COSTA, 1993, p. 37). Delineados a coleta das informações, a ordenação e comentário analítico do material obtido no diagnóstico da situação e a elaboração e divulgação do relatório final da análise da situação, o passo seguinte é a elaboração do ―Plano de Ação‖, ―Plano de Trabalho‖ ou ―Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente18‖, estabelecendo as prioridades, formulando os objetivos, definindo as estratégias e prevendo os recursos necessários para sua execução, sendo o diagnóstico a base desse trabalho. O plano municipal deve considerar: ―os programas e serviços considerados necessários à proteção da criança e do adolescente, identificando os temas de mais carência no município, para que sejam incorporados ao orçamento municipal com a definição de cronograma com prazos e metas para sua elaboração‖ (COSTA, 1993, p. 55). Ao CMDCA cabe controlar, a partir do acompanhamento e da fiscalização das ações, a implementação do plano em termos da execução físico-financeira e de aferir o mérito, a relevância e o impacto das ações realizadas. Faz-se necessário proceder à avaliação sistemática dos resultados obtidos, tendo como parâmetros os objetivos e métodos propostos na fase de formulação (COSTA, 1993) Para a execução do ―Plano Municipal de Atendimento à Criança e ao Adolescente‖, é necessário um plano de aplicação de recursos contendo a previsão da destinação pelo município, nas diversas leis orçamentárias, de verbas específicas para atender aos custos dos projetos e programas outros que venham a ser criados (MINAS GERAIS, 2006). O plano de aplicação deve ter identificado os temas de mais carência no município (COSTA, 1993, p. 56). É preciso identificar os temas de mais carência no município. Há creches suficientes? Há necessidade de programas de abrigo, medidas socioeducativas, programas de orientação e apoio sociofamiliar, combate à mortalidade e desnutrição infantil, trabalho infantil e exploração sexual, prevenção da gravidez na adolescência, profissionalização, ações específicas para crianças e adolescentes com trajetória de rua, combate à evasão escolar, violência doméstica, drogas? Cada município tem suas peculiaridades e é preciso conhecê-las para, então, propor soluções de caráter preventivo e curativo (MINAS GERAIS, 2006, p. 6). 18 Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente: é o documento que, baseado nos diagnósticos apurados pelos conselheiros, a partir de amplo processo de debates com o Poder Público e os diversos seguimentos da sociedade, indica as principais demandas da área da criança e do adolescente e propõe as ações e programas necessários para atendê-las. Deve ser construído coletivamente e elaborado de acordo com as realidades locais e a disponibilidade de recursos financeiros para atendimento às respectivas políticas setoriais, nas áreas de saúde, educação, assistência social, garantia de direitos, etc. O Plano deve conter, no mínimo, os seguintes componentes: apresentação, diagnóstico das demandas e dos programas/ações existentes (mencionando os indicadores sociais disponíveis, objetivos, prioridades e estratégias, recursos humanos, materiais e financeiros, avaliação (MINAS GERAIS, 2006). 70 Para a elaboração do Plano de Ação, de acordo com Costa (1993b), devem ser consideradas as quatro linhas básicas de políticas públicas e de ações não governamentais da política de atendimento: políticas sociais básicas, assistência social, proteção especial e garantias. Sistematizam-se as linhas básicas: Política Beneficiário Objetivo e principais ações Sociais básicas Todas as crianças e adolescentes Políticas universais que se dirigem ao (universos da população) conjunto da população infantojuvenil. Em princípio pode-se definir como políticas sociais básicas os benefícios ou serviços de prestação pública. Consideram-se políticas sociais básicas: políticas de educação, saúde, cultura, recreação, esporte, lazer e profissionalização. Ações básicas de saúde e ensino fundamental. Assistência Crianças e adolescentes em estado de Os destinatários da política de Social necessidade (segmento da população) assistência social são as pessoas e grupos que se encontram em estado permanente ou temporário de necessidade, em razão de privação econômica ou de outros fatores de vulnerabilidade. Complementação alimentar, abrigo provisório. Proteção Crianças vítimas de abandono e tráfico, Plantões de recebimento e Especial de abuso, negligência e maltrato na encaminhamento de denúncias, família e nas instituições. Crianças e reabilitação de drogaditos, adolescentes que fazem das ruas seu atendimento ao adolescente infrator. espaço de luta pela vida e, até mesmo, de moradia; envolvidos no uso e tráfico de drogas; prostituídos; em conflito com a lei, em razão do cometimento de ato infracional e outras situações que impliquem ameaça ou violação da sua integridade física, psicológica ou moral. Garantias Crianças e adolescentes envolvidos em São responsáveis pela defesa jurídicoconflito de natureza jurídica social dos direitos individuais e (casos/grupos) coletivos da população infantojuvenil. Na área da promoção e defesa dos direitos da criança, os conselhos de direitos e os conselhos tutelares são responsáveis por implementar essa garantia. QUADRO 1 - Política de atendimento no município. Fonte: Costa (1993a, p. 35). 71 B) Planejamento das atividades O planejamento representa importante ferramenta para a formulação e controle da política local de atendimento aos direitos, possibilitando, inclusive, que as correções necessárias sejam efetuadas e que as diversas demandas sejam identificadas. O planejamento deve abranger: focos de atuação, objetivos, metas, resultados, impactos esperados e formas de monitoramento das ações. Em sua Resolução 105/05, o CONANDA destaca as principais questões que precisam ser enfrentadas pelo planejamento do conselho. E ressalta que o plano de trabalho do conselho preveja e priorize, além dos temas específicos relacionados à realidade local, iniciativas voltadas para a integração do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (MINAS GERAIS, 2008), o acompanhamento e o monitoramento dos programas e projetos, assim como o controle do orçamento direcionado à infância e à adolescência (BELO HORIZONTE, 2007, p. 38-39). O planejamento sistemático das ações permitirá que as demandas identificadas, de curto, médio ou longo prazos, sejam contempladas pelas iniciativas do conselho. Listamse a seguir os aspectos que devem abranger o planejamento: Focos de atuação Definição dos problemas para os quais a ação é direcionada. Objetivos Definição do que se espera atingir em relação ao foco de atuação. Metas Indicação dos passos necessários para o cumprimento de cada um dos objetivos estabelecidos. Resultados Detalhamento do que se espera alcançar com a ação. Impactos esperados Indicação do impacto gerado a partir dos resultados alcançados. Formas de monitoramento Estabelecimento dos mecanismos e indicadores de avaliação das das ações ações previstas. QUADRO 2 - Planejamento de ações dos conselhos. Fonte: Belo Horizonte (2007, p. 49-50). C) Orçamento público O orçamento público é um programa de trabalho com metas e objetivos a serem alcançados. Todo município tem seu orçamento próprio e sua elaboração é obrigatória. Três leis compõem o ciclo orçamentário: o PPA, a LDO e a LOA. O Executivo elabora o projeto de LOA de acordo com a LDO e o PPA e o envia para o Legislativo, que discute e 72 propõe emendas e vota o projeto que, depois de aprovado pelo Legislativo, retorna para sanção do chefe do Executivo e publicação no Diário Oficial. Entre as ações de responsabilidade dos CMDCAs está a de acompanhar a discussão e votação pelo Legislativo das diversas emendas aos projetos de LOA, LDO e PPA, acompanhar a execução orçamentária e apresentar, em conjunto com o setor encarregado do planejamento e finanças da prefeitura, relatório periódico que permita avaliar, continuamente, a efetiva implementação da política de atendimento dos diretos da criança e do adolescente. Para elaborar o PPA do município, é preciso conhecer a realidade econômica e social do município (diagnóstico). Para isso, devem-se ter informações consolidadas sobre população, renda média das famílias, índice de desemprego, acesso ao saneamento básico, condição das estradas, ameaças ao meio ambiente, produção agrícola, entre outros. Esse conhecimento prévio da realidade fornece elementos para a definição da base estratégica, dos objetivos e metas, assim como o correspondente direcionamento de recursos para atingir esses objetivos. A Comissão de Fundo do CMDCA ficará responsável pelo acompanhamento, discussão e votação pelo Legislativo das diversas emendas aos projetos de LOA, LDO E PPA. O CMDCA e a sociedade civil têm o direito e o dever de exercer o controle social da execução orçamentária que está assegurado na legislação. O CMDCA poderá articular ações com o Conselho Tutelar (ECA, artigo 136, IX). Junto com o Conselho Tutelar, deve trabalhar para que as receitas previstas na LOA sejam efetivamente disponibilizadas e executadas. O CMDCA deverá avaliar continuamente os planos e programas, visando a aferir o controle social e a execução dos objetivos e metas. Nesse sentido, em política social, como sugere Costa (1993a, p. 57), ―antes de perguntar: ‗quanto custa fazer isto?‘, deve-se perguntar: ‗quanto custa não fazer isto?‘‖. Então, os conselhos precisam compreender a importância do orçamento, pois o controle é feito a partir do orçamento público no qual se evidencia a prioridade absoluta, estabelecida na Lei 8.069/90 para crianças e adolescentes. De posse do resultado desse controle o conselho deve tomar as medidas cabíveis (MINAS GERAIS, 2008). Além do mais, o gasto social público, os cronogramas de execução fisico-financeira dos programas e o mérito, a relevância e o impacto junto à população infanto-juvenil devem ser objeto de severo controle por parte do conselho, sob pena de, por omissão, os conselheiros tornarem-se corresponsáveis pelas distorções e abusos cometidos pelos órgãos 73 do governo e pelas entidades não governamentais. O controle social não visa apenas a analisar documentos, mas a verificar como os recursos são aplicados e quais são os beneficiados (COSTA, 1993, p. 72), não deixando de considerar que ―a eficácia de um conselho é medida pelo conhecimento da máquina administrativa, a regularidade das reuniões, a participação no orçamento e a formulação de propostas‖ (TEIXEIRA, 2000, p. 93-94). Um marco normativo em relação às políticas públicas para a criança e o adolescente que cometeram ato infracional é a aprovação, em 2006, pelo CONANDA, do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). O SINASE é o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa envolvendo as políticas, planos e programas específicos de atenção a esse público (MENICUCCI, 2010, p. 181). De acordo com o SINASE, a importância dos CMDCAs como instrumento de gestão quando bem organizados e atuantes aproxima a sociedade civil da administração pública e se configura como instância privilegiada no debate acerca das políticas públicas, pois articula diversos segmentos para propor soluções para as questões e limitações apresentadas na realidade do município. É também papel dos CMDCAs acompanhar avaliar, controlar e deliberar sobre as ações públicas de funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos instituídos pelo ECA (BRASIL, 2006). O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente é entendido como uma rede formada pelos conselhos dos direitos, conselhos tutelares, varas judiciais especializadas, entidades sociais de proteção jurídico-social, programas socioeducativos para adolescentes infratores, programas de proteção especial para crianças e adolescentes com direitos violados (MINAS GERAIS, 2008, p. 8). Na promoção das políticas sociais existe uma interface com a política de assistência social e uma convergência operacional entre o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Na maioria dos municípios, a coordenação da política de garantia dos direitos da criança e do adolescente é assumida pelo órgão gestor da política de assistência social. Isso pode levar a uma confusão sobre o papel dos respectivos papéis dos conselhos (Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e Conselho de Assistência Social) (MENICUCCI, 2010, p. 179). Ao CMDCA compete, ainda, registrar as organizações da sociedade civil sediadas em sua base territorial que prestam atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas 74 famílias e a inscrição dos programas de atendimento em execução por entidades governamentais e das organizações da sociedade civil. Cabe aos conselhos, no máximo a cada dois anos, realizar o recadastramento das entidades e dos programas em execução. Diante do estudo sobre os CMDCAs, a FIG. 1 sistematiza o ciclo de gestão social desses conselhos adaptado do ciclo de gestão adotado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (BRASIL, 2005 apud SAYAGO, 2007, p. 12). FIGURA 1 - Ciclo da gestão social dos CMDCAs. Fonte: Adaptado a partir do Ciclo de Gestão Social adotado pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (Brasil, 2005 apud SAYAGO, 2007, p. 12). 3.2 A situação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente De acordo com dados da pesquisa municipal (IBGE, 2009), os CMDCAS encontram-se implantados em 5.084 municípios, ou seja, em 91,36% dos municípios brasileiros há conselhos. A região com mais elevada implantação é a Sul (94,7%); no Norte, é de 84,4% (TAB. 1). A pesquisa também informa, que 3.263 municípios desenvolvem ações de combate ao trabalho infantil; 2.201, de combate à exploração sexual; 889 promovem ações de desabrigamento; e 1.548 municípios elaboraram o Plano Municipal Socioeducativo. Segundo a mesma pesquisa, 683 conselhos não eram 75 deliberativos contrariando o ECA (Art. 88, II), sendo que 3.212 conselhos foram tidos como consultivos; 2.510 normativos; e 3.800 fiscalizadores. A paridade não foi observada em 161 dos municípios. Além disso, 3.287 conselhos contavam com o Fundo Municipal. Quanto à vinculação, registra-se que 4.399 conselhos estão vinculados ao órgão gestor de assistência social; apenas 8 a órgão gestor dos direitos humanos; 417 a outros órgãos e 260 conselhos a nenhum órgão. TABELA 1 Regiões com CMDCAs No de municípios Nº de CMDCAs % Relação brasileiros por região CMDCA/região 449 379 84,41 Nordeste 1.794 1576 87,85 Sudeste 1.668 1563 93,71 Sul 1.188 1.125 94,70 466 441 94,64 5.565 5.084 91,36 Região Norte Centro-Oeste Total Fonte: IBGE (2009) – Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Pesquisa de Informações Básicas Municipais – 2009. Dados do estudo de Veet (2005) enfatizou que a capacitação para o planejamento de políticas públicas de atendimento foi citada como fator principal por 73% dos membros desses órgãos. A falta de capacitação é responsável, em muitos casos, pela não realização do diagnóstico da situação da criança e do adolescente, pela inexistência de um plano de ação e por problemas na gestão do Fundo da Infância e da Adolescência. Outro ponto abordado é a falta de relacionamento dos conselheiros com os meios de comunicação (VEET, 2005, p. 106). Ainda de acordo com a pesquisa, ―a relação entre os grupos de conselheiros nem sempre é tranquila. Como espaço de negociação entre governo e sociedade civil, os conselhos de direito têm de lidar muitas vezes com interesses divergentes (conflito)‖ (VEET, 2005, p. 109). De acordo com Veet (2005), má vontade política e escassez de verba são mencionadas como consequências do mau funcionamento dos conselhos. Entendem-se como má vontade política a burocratização e as distorções na legitimidade dos seus representantes. Cita-se como exemplo a presença de vereadores e representantes do 76 Ministério Público19 no espaço de discussão. Como escassez de recursos, os CMDCAs alegam que muitos prefeitos reclamam que os municípios estão sobrecarregados com uma série de responsabilidades na implementação de políticas públicas, inclusive a criação e manutenção dos conselhos, sem que houvesse equivalente transferência de recursos (VEET, 2005, p. 22). Sob a ótica da mídia, Rothberg (2005) avaliou os CMDCAs a partir da divulgação das ações veiculadas na mídia, de forma positiva ou negativa, de maneira a incentivar ou desestimular a participação. O trabalho dos autores sublinhou a existência de conflitos entre esses conselhos e prefeituras e câmaras municipais, cuja performance desses conselhos tende a ser aprovada entre os microssistemas políticos locais. Em 2006, a pesquisa ―Conhecendo a Realidade‖ identificou a necessidade de se concentrar esforços na criação de mais conselhos e os dados demonstram que houve importantes avanços na implantação de conselhos municipais desde a promulgação do ECA. De acordo com a pesquisa, as dificuldades em iniciar a atividade dos conselhos municipais encontram respaldo no relato de seu funcionamento, considerando que esses colegiados, por norma, deveriam consolidar sua atuação em um trabalho contínuo e determinante em cada localidade. Um dado relevante da pesquisa está relacionado à composição do Conselho. Dessa maneira, a pesquisa indica desigualdade de forças entre poder público e sociedade civil, já que os assentos de presidente e do vice são mais comumente vindos do governo. Nesse sentido, a pesquisa conduz à Resolução 105/05 do CONANDA, que indica que deve haver alternância entre presidentes representantes do poder público e da sociedade civil (CEATS, 2006). Em 2008, a Empresa Prattein, Consultoria em Educação e Desenvolvimento Social realiza pesquisa na qual lista que os conselhos têm dificuldade para diagnosticar problemas e identificar projetos que atendam às demandas locais e faltam informações sobre os recursos investidos no fundo (PRATTEIN, 2008). Em 2010, Avritzer (p. 28) apresentou na pesquisa ―Democracia, desigualdade e políticas públicas no Brasil‖ um panorama da situação dos CMDCAs, tendo como referência 29 cidades que participaram da pesquisa, na qual compara a situação desses conselhos em capitais e cidades de porte médio, realizando um estudo sobre a efetividade deliberativa20. Na pesquisa tomou-se como referência a efetividade deliberativa a partir da 19 A cota governamental é reservada ao Executivo local. Segundo Avritzer (2010), a literatura sobre efetividade é relativamente vasta e versa mais sobre a efetividade do direito do que sobre a efetividade da participação (MATTA 1985; O‘DONNELL, 1996; 20 77 legislação sobre a participação da sociedade civil nos conselhos, aferindo a presença desses atores e qual é a capacidade de expressão deles no interior dessas instituições. Avritzer concluiu que é possível detectar diferença de perfil que gera uso desigual da palavra e que afeta a capacidade deliberativa dos conselhos. Segundo o autor, é importante analisar em que medida o diferente uso da palavra afeta também o acesso da população a bens públicos distribuídos pelo governo. Faria e Ribeiro (2010, p. 71-87) também avaliaram os CMDCAs tomando como base os conselhos que participaram da pesquisa ―Democracia, desigualdade e políticas públicas no Brasil‖ e consideraram nessa avaliação algumas variáveis 21. Concluíram que, quanto ao grau de institucionalização, 47% dos CMDCAs não possuem informações relativas ao ano de criação do Regimento Interno em vigor e 43% deles não as possuem relativas à frequência de realização de suas reuniões, o que os caracteriza como grau de institucionalização mais baixo. Os autores também constataram que, quanto às câmaras técnicas, possuem presença menos significativa, inclusive de informações relativas à realização de conferências. Quanto ao grau de democratização, apenas em 22% dos conselhos foi detectada a informação sobre o processo de votação, sendo o CMDCA referenciado com baixo de democratização. Quanto ao grau de representação, os CMDCAs são considerados os conselhos que menos possuem regras relativas à previsão de categorias de entidades representativas da sociedade civil e à definição dos representantes da sociedade civil. De modo geral, a maioria dos conselhos prevê a existência de mesa diretora, de secretaria executiva e de câmara técnica. O CMDCA chama a atenção quanto à baixa recorrência de câmaras técnicas. Uma explicação para o caráter menos formalizado do CMDCA, segundo Faria e Ribeiro (2010), pode ser encontrada nas suas próprias O‘DONNELL et al., 2000; apud AVRITZER, 2010, p. 22). Nesses trabalhos fica claro um traço da formação política brasileira, que é a incapacidade de implementar administrativamente elementos presentes na lei. Na pesquisa ―Democracia, desigualdade e políticas públicas no Brasil‖, para conseguir aferir essa relação, o autor analisou atas de reuniões dos conselhos em capitais e cidades de porte médio. Um dos elementos analisados é a vocalização, quem fala nas reuniões dos conselhos, procurando aferir a capacidade de vocalização dos usuários e de atores da sociedade civil e fazer uma comparação com a capacidade de vocalização dos atores ligados à administração municipal. Em capitais, constata-se forte variação na capacidade de vocalização dos atores da sociedade civil variando de 5,16% no Rio de Janeiro a 66,99% em Porto Alegre, mostrando acentuado padrão de variação entre as três áreas de política. O autor informa que a capacidade de vocalização dos atores da sociedade civil só é alta em Porto Alegre e Belo Horizonte. 21 São consideradas como variáveis por Faria e Ribeiro: grau de institucionalidade (o tempo de existência da Lei de Criação e do Regimento Interno em vigor, a estrutura organizacional e a frequência de reuniões ordinárias); grau de democratização (composição, explorando sua pluralidade e proporcionalidade e processo decisório, analisando as regras referentes à distribuição, concentração e alternância de poderes em relação à formulação das normas de funcionamento, definição da pauta e tomada de decisão) e o grau de representação diz respeito á existência ou não de instituições que têm acento nessas instituições, o número de cadeiras destinadas a cada segmento e as formas como estas definições ocorrem. 78 características setoriais, ou seja, o fato de não possuir, por exemplo, um ministério ou secretaria de governo próprio, com dotação orçamentária própria e não estar organizado como um sistema único; e o fato de ser uma política que depende da ação de um conjunto mais amplo de outras políticas. Para Faria e Ribeiro, todas essas características da política de direitos da criança e do adolescente podem estar impactando a capacidade dos conselhos de se organizarem formalmente. Menicucci (2010) também avalia os CMDCAs a partir dos conselhos que participaram da pesquisa ―Democracia, desigualdade e políticas públicas no Brasil‖, considerando o desenho institucional, a efetividade deliberativa, a deliberação como processo de debate e a deliberação como decisão. De acordo com a autora, buscou-se identificar alguns indicadores de desempenho dos municípios no atendimento às crianças e adolescentes e averiguar se há alguma relação entre ―melhores conselhos‖ e melhor desempenho nas políticas locais, levando-se em conta alguns indicadores financeiros, uma vez que o desempenho deve estar também vinculado à capacidade de gasto. A autora conclui que ainda é preliminar o caráter desse exercício e não permite afirmações conclusivas sobre essa relação, tanto em função da baixa representatividade dos municípios pesquisados quanto pela limitação dos indicadores. De acordo com Menicucci (2010), essas conclusões podem estar relacionadas com a concepção da política de proteção à criança e ao adolescente que indica uma vertente transversal e intersetorial. Ou seja, essa política envolve várias políticas públicas e avaliála envolve analisar um conjunto de ações governamentais dos três níveis de governo, tais como as políticas sociais básicas e serviços especiais concebidos especialmente para esse público (MENICUCCI, 2010). No entanto, a pesquisa considera que, em termos médios, os conselhos estão deliberando sobre as questões para as quais foram criados com a participação da sociedade no processo MENICUCCI (2010, p. 176-199). Apesar de diversas críticas registradas na literatura em relação à atuação, participação, caráter deliberativo, representativo e desempenho nos CMDCAs (AVRITZER, 2010; FARIA; RIBEIRO, 2010; MENICUCCI, 2010; PRATTEIN, 2008; VEET, 2005; CEATS, 2006), são ainda incipientes os estudos que priorizam a análise dos conselhos sob a ótica dos valores considerados relevantes no processo de tomada de decisão. O pressuposto aqui assumido é o de que instrumentos de gestão social são meios que orientam a gestão dos conselhos; valores da Política Nacional e valores do espaço 79 público são percebidos pelos presidentes e conselheiros e orientam a deliberação de programas e ações que asseguram os direitos das crianças e dos adolescentes. É nessa relação de pesquisa que o presente trabalho se insere. Por conseguinte, o tem por foco a análise dos valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente e instrumentos de gestão social considerados relevantes pelos CMDCAs no processo de tomada de decisão. Evidências da comunicação, da realização da missão e dos resultados alcançados são um referencial para a proposição de um diagnóstico das iniciativas nesse espaço público. Assim, no próximo subitem apresenta-se a Política Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. 3.3 A Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente As primeiras legislações e instituições específicas destinadas à infância e à adolescência surgiram em fins dos séculos XIX e nas primeiras décadas do século XX. Os tribunais de menores foram criados primeiramente em Lilinois, nos Estados Unidos (1899), e sucessivamente na Inglaterra (1905), Hungria e Portugal (1911), França (1912), Japão (1922), Espanha (1924) e no México (1927). Na América Latina os tribunais de menores foram instituídos simultaneamente aos europeus: na Argentina (1921), no Brasil (1923) e no Chile (1928). A legislação específica para crianças e adolescentes foi implantada primeiramente na Argentina (1919) e, por último, na Venezuela (1939) (FROTA, 2002). No Brasil, o primeiro código de menores, Código de Menores Mello Mattos, foi instituído em 1927 e delegava aos estados a execução do atendimento que se caracterizou, no período de 1930 a 1945, pela intervenção ativa desses no controle da população carente. Em 1942, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor (SAM). O primeiro documento legal de âmbito internacional concebendo a criança como sujeito de direitos foi a Declaração Universal dos Direitos da Criança aprovada em 1959 (FROTA, 2002). Com a Declaração Universal dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1959, surgiu a Doutrina da Proteção Integral. Esta se faz presente ainda em três documentos legais, além da Convenção: Regras Mínimas das Nações Unidas para a administração da justiça juvenil (Regras de Beijing); Regras Mínimas das Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade; e Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinquência juvenil (Diretrizes de Riad). As Regras de Beijing, Regras 80 Mínimas das Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade e Diretrizes de Riad também versam sobre a administração da justiça (FROTA, 2002, p. 66). No Brasil, o período dos governos militares foi pautado, para a área da infância, por dois documentos significativos que foram elaborados nas décadas de 1960 e 1970: a Lei que criou a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), Lei 4.513 de 1o/12/64; e o Código de Menores, de 1979, Lei 6.697 de 10/10/79 (CEATS, 2006). Segundo o CEATS (2006), a FUNABEM tinha como objetivo formular e implantar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor e se propunha a ser a grande instituição de assistência à infância, cuja linha de ação tinha na internação, tanto dos abandonados e carentes como dos infratores, seu principal foco. Ainda de acordo com o CEATS (2006), o Código de Menores de 1979 constituiu-se em uma revisão do Código de Menores de 1927, não rompendo, no entanto, com sua linha principal de arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil. Nessa direção, Lorenzi (2007) afirma que esta lei introduziu o conceito de "menor em situação irregular", que reunia o conjunto de meninos e meninas que estavam dentro do que alguns autores denominam infância em "perigo" e infância "perigosa" (LORENZI, 2007). Para os movimentos sociais pela infância brasileira, a década de 1980 representou importantes e decisivas conquistas que se dividiam em dois tipos: os menoristas e os estatutistas. Os primeiros defendiam a manutenção do Código de Menores, que se propunha a regulamentar a situação das crianças e adolescentes que estivessem em situação irregular (Doutrina da Situação Irregular). Já os estatutistas defendiam a instituição de novos e amplos direitos às crianças e aos adolescentes, que passariam a ser sujeito de direitos e a contar com uma política de proteção integral (LORENZI, 2007). O grupo dos estatutistas era articulado, tendo representação e capacidade de atuação importantes. Dessa forma, organizou-se um grupo de trabalho comprometido com o tema da criança e do adolescente, cujo resultado concretizou-se no artigo 227 da CF, trazendo os avanços da normativa internacional para a população infanto-juvenil brasileira. Estavam lançadas, portanto, as bases do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (LORENZI, 2007). A promulgação do ECA aconteceu no auge do processo de abertura política, após décadas de regime ditatorial e quase 60 anos de tentativas de reformulação do Código de Menores. Trata-se da primeira lei de atenção à criança brasileira, cuja elaboração se deu com a participação ativa do Fórum Nacional de Entidades Não Governamentais de Defesa das Crianças e Adolescentes. Entre essas organizações destacam-se o Movimento Nacional 81 de Meninos e Meninas de Rua, a Pastoral do Menor (atualmente Pastoral da Criança), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Frente Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, a Articulação Nacional dos Centros de Defesa de Direitos, a Coordenação dos Núcleos de Estudos ligados às universidades, a Sociedade Brasileira de Pediatria, a Associação Brasileira de Proteção à Infância e à Adolescência (ABRAPIA), a Comissão Nacional Criança e Constituinte, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) (COSTA, 1993, p.21) No campo governamental, os dirigentes e técnicos ligados à articulação criança e constituinte desempenharam também importante papel. Vale ressaltar o protagonismo político e social do Fórum Nacional de Dirigentes Estaduais para a Criança e o Adolescente (FONACRIAD). Cabe ainda ressaltar o papel aglutinador da Frente Parlamentar pelos Direitos da Criança, que permitiu que, na constituinte, o capítulo dos Direitos das Crianças e Adolescentes fosse aprovado com maioria absoluta (COSTA, 1993, p.21). Então, a política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente dispõe sobre o ECA – Lei Federal nº 8.069 de 13 de julho de 1990. O ECA está embasado na doutrina jurídica da proteção integral, afirmada pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e transformada em lei no Brasil pelo Decreto 99.710/90 (FROTA, 2002). O ECA foi criado para regulamentar as conquistas em favor da criança e do adolescente, obtidas na Carta Constitucional de 05 de outubro de 1988. A doutrina da Proteção Integral que o ECA utiliza advém do artigo 227 da CF. Os princípios gerais estabelecidos no artigo 227 da CF são: ―1. Universalidade: os direitos de crianças e adolescentes são universais. Porém, sua aplicação deve considerar a diversidade cultural de meninos e meninas com deficiência, indígenas, afro-descentedentes, quilombolas e com necessidades educativas especiais. 1. Indivisibilidade: os direitos são interdependentes e correlacionados – nenhum grupo de direitos (políticos, civis, econômicos, sociais e culturais) é mais importante que o outro. 2. Responsabilidade: os estados são responsáveis por todos os cidadãos, sem exceção, e como tal devem prestar contas dessa obrigação e responsabilidade. 3. Participação: o indivíduo tem a prerrogativa de participar da vida política e cultural e de contribuir para o desenvolvimento e dele desfrutar. Cabe ao Estado incentivar a participação dos seus cidadãos em todas as esferas.‖ 82 Cabem aos municípios a coordenação local e a execução direta das políticas, programas e serviços destinados à criança e adolescência, em parceria com as entidades não governamentais (COSTA, 1993). E para isto estabelece a criação de conselhos, de modo a assegurar a participação da sociedade civil na formulação, no controle e na execução das ações que visem ao cumprimento da Doutrina da Proteção Integral das crianças e adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069 de julho de 1990 – dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente e considera como diretriz da política de atendimento a esse público, a municipalização e criação de conselhos de direito (federal, estaduais e municipais), órgãos deliberativos e controladores das ações de atendimento em todos os níveis que são responsáveis pela visão estratégica e definição das ações de melhoria na gestão pública de atendimento à criança e ao adolescente (BRASIL, 1990). A partir da incorporação da Doutrina da Proteção Integral, a violação dos direitos da criança e do adolescente assumiu nova centralidade e o Brasil teve de tornar efetivos os instrumentos legais de promoção e proteção de direitos humanos no âmbito federal, estadual e municipal, para criar ou reformar instâncias públicas que funcionassem, articulada e integradamente, dentro de um sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente. O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente operacionaliza-se mais como um ―sistema estratégico‖. Cabe a ele o papel de ―potencializar estrategicamente‖ a promoção e proteção dos direitos da criança e do adolescente, no campo de todas as políticas públicas e políticas sociais, manter restritamente um tipo de atendimento direto, emergencial, em linha de ―cuidado integrado inicial‖ a crianças com seus direitos ameaçados ou violados ou adolescentes infratores (MINAS GERAIS, 2008). Nesse sentido, ―potencializar estrategicamente‖ significa: Mobilização social, sensibilização de dirigentes sociais e formadores de opinião (advocacy / lobby), construção de alianças e parcerias, empoderamento dos beneficiários, construção de competências (capacitações, treinamentos, especializações, reciclagem, aprofundamento, etc.), estudos e pesquisas, monitoramento e avaliação, etc. (MINAS GERAIS, 2008, p. 9). O sistema funciona exercendo três tipos de funções estratégicas: promoção de direitos, defesa (proteção) de direitos e controle institucional e social da promoção e defesa dos direitos. 83 Eixo da promoção - refere-se às políticas de atendimento de direitos, política de promoção e proteção de direitos, políticas públicas, medidas de proteção, medidas socioeducativas. Seus atores sociais são os conselhos de direitos, cada qual composto por organizações representativas da sociedade civil, designados pelo poder público, nos três níveis. Têm duas funções fundamentais: deliberar sobre as políticas públicas e controlar as ações para sua efetivação. Eixo da defesa - responsabiliza-se pelo não atendimento, pelo atendimento irregular ou pela violação dos direitos da criança e do adolescente. Seus atores sociais são: Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretarias e órgãos de segurança e justiça, Ministério Público, centros de defesa e os conselhos tutelares. Eles têm poder de fiscalização. Eixo do controle - controla ações de promoção e defesa. Seus atores sociais são os cidadãos, as entidades, os movimentos, os fóruns permanentes. Exerce o controle social o Estado. O controle é feito a partir do orçamento público, em que se evidencia a prioridade absoluta, estabelecida em lei, para crianças e adolescentes. De posse do resultado desse controle, o conselho deve tomar as medidas cabíveis. Fazem parte do sistema: a família, as organizações da sociedade civil (instituições sociais, associações comunitárias, sindicatos, escolas, empresas), os conselhos de direitos, conselhos tutelares e as diferentes instâncias do poder público (Ministério Público, Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública). O Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes deve explicitar-se igualmente por meio dos espaços públicos e mecanismos de acompanhamento, avaliação e monitoramento, com controle social difuso (sociedade civil organizada via fóruns, comitês, conferências, etc.) e institucional (pelos CMDCAs e outros órgãos de controle interno). Esses mecanismos de controle (acompanhamento/avaliação/monitoramento), no Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e Adolescentes, têm a maior importância para o asseguramento da eficiência, eficácia e efetividade da máquina estatal, na sua missão de promoção e proteção dos direitos humanos. Mas, na verdade, estão sendo pouco explorados pela maior parte dos órgãos governamentais, das entidades sociais e dos CMDCAs (MINAS GERAIS, 2008, p. 10). As crianças e adolescentes, de acordo com o ECA, passam a ser considerados sujeitos de direito, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e prioridade absoluta (COSTA, 1993, p. 26): 84 Sujeitos de direitos - as crianças e os adolescentes devem ter respeitada a condição de ser humano em desenvolvimento. Isto significa que têm direito ao respeito, à dignidade e à liberdade, exigindo dos cidadãos, do poder público e da sociedade civil que as coloquem como prioridade de suas ações e preocupações. Pessoas em condição peculiar de desenvolvimento - as crianças e adolescentes, além de todos os direitos de que desfrutam os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade, ainda têm direitos especiais decorrentes do fato de que não têm acesso ao conhecimento pleno de seus direitos, não atingiram condições de defender seus direitos frente às omissões e transgressões capazes de violá-los e não contam com meios próprios para arcarem com a satisfação de suas necessidades básicas. Por se tratar de seres em pleno desenvolvimento, não podem responder pelo cumprimento das leis e demais deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que os adultos. Prioridade absoluta - a criança e o adolescente são compreendidos como o valor intrínseco e o valor projetivo das novas gerações. O valor intrínseco reside no reconhecimento de que, em qualquer etapa do seu desenvolvimento, são seres humanos na mais plena acepção do termo. O valor projetivo evoca o fato de que cada criança e cada adolescente é um portador do futuro de sua família, de seu povo e da humanidade. A prioridade absoluta é entendida como: primazia em receber proteção e socorro em qualquer circunstância, precedência no atendimento por serviço ou órgão público de qualquer poder, preferência na formulação e execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos públicos às áreas relacionadas com a proteção da infância e da juventude. De acordo com Seda (1991, p. 48), o ECA é dividido em duas partes, o livro I e o livro II. O livro I trata dos direitos sociais, garantidos na CF, artigo 227, como saúde e educação e é dirigido a todas as crianças e adolescentes, sem exclusão de qualquer natureza. O livro II trata das crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social e da política de atendimento, sendo composto de sete matérias ligadas à forma pela qual a sociedade se organiza para que se possa fazer valer do que está escrito, ou seja: política de atendimento de direitos; medidas de proteção; prática de ato infracional por criança e adolescente; medidas pertinentes aos pais ou responsável; Conselho Tutelar; acesso à justiça de crimes e das infrações administrativas. 85 O ECA dá poderes aos cidadãos, às entidades governamentais e não governamentais e às autoridades para fazer valer que a criança e o adolescente sejam tratados corretamente como sujeitos de direitos. Listam-se a seguir os direitos fundamentais da criança e do adolescente segundo o ECA: 1. Do direito à vida e à saúde - as condições dignas de atendimento à saúde são asseguradas à gestante e à parturiente, com o acompanhamento de profissional competente e através do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 1988, artigos 201, II, 203, I, 208, VII e 227, 1º, I); 2. Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade; 3. O direito à convivência familiar e à comunitária; 4. Do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer. A educação, direito de todos e dever do Estado e da Família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, artigo 205); 5. Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho. Para consolidar a implantação das diretrizes contidas no ECA, além dos CMDCAs, foram criados o CONANDA, atualmente ligado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), da Presidência da República, responsável pela coordenação da política nacional da criança e adolescente, e o CEDCA, responsável, em nível estadual, pela coordenação de forma complementar à União e a execução de programas sociais. Atua também na complementação do trabalho realizado pelos municípios e as organizações sociais e pela adaptação e aplicação das normas federais a sua realidade. O ECA também promove um conjunto de revoluções que extrapola o campo jurídico e desdobra-se em outras áreas da realidade política e social no Brasil. As mudanças introduzidas pelo ECA dividem-se em três grandes grupos de mudanças (BELO HORIZONTE, 2007, p. 15-16). Mudanças de conteúdo - o ECA concebe a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, isto é, considera-os como criança cidadã e adolescente cidadão, com direitos legalmente exigíveis em determinadas circunstâncias. Eles deixam de ser vistos como meros objetos de intervenção social e jurídica por parte da família, da sociedade e do Estado. Dessa forma, evita-se que fiquem vulneráveis a um poder arbitrário, garantindo-lhes participação pró-ativa na vida social. Considera, também, meninos e meninas como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento – indivíduos que estão em período de mudança, de alterações biopsicossociais e detentores de todos os direitos a que têm os adultos e mais aqueles especiais ao seu ciclo de vida, à sua idade, ao seu processo de 86 desenvolvimento. Isso porque não estão em condições de exigi-los do mundo adulto e não são capazes, ainda, de prover suas necessidades básicas sem prejuízo de seu desenvolvimento pessoal e social. Mudanças de método - o ECA introduz as garantias processuais no relacionamento do adolescente com o sistema de administração da justiça juvenil. Além disso, supera a visão assistencialista e paternalista: crianças e adolescentes não estão mais à mercê da boa vontade da família, da sociedade e do Estado. Seus direitos passam a ser exigíveis com base na lei e quem deixar de cumpri-los poderá ser levado a responder judicialmente por isso. O ECA também inaugura uma nova forma de atendimento por meio da articulação de um sistema de garantia de direitos compreendendo as instâncias legais de exigibilidade de direitos para enfrentar as situações de violações dos direitos humanos de crianças e de adolescentes. Mudanças de gestão - o ECA compreende um novo ordenamento institucional e introduz uma nova divisão do trabalho social, tanto entre as três esferas de governo – União, estado e município –, como entre estes e a sociedade civil organizada. Ele dispõe, ainda, que os CMDCAs, em todas as esferas, e os conselhos tutelares, em nível municipal, são parte fundamental do esforço de tornar efetiva a democracia brasileira. O ECA visa a uma democracia cada vez mais beneficiada pela participação da cidadania organizada na formulação das políticas públicas, na agilização do atendimento às crianças e aos adolescentes e no controle das ações em todos os âmbitos. É aqui que se situa a importância do esforço de criação e consolidação dos CMDCAs e dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente nos diversos municípios brasileiros. O ECA estabelece uma série de princípios (valores) que representam a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente, conhecido como Sistema de Garantia de Direitos. Eles funcionam como uma peça-chave que articula as várias pontas do conjunto e traça diretrizes para suas ações. A ordem constitucional desses princípios está expressa no artigo 227 da CF, no qual se dizem quais são os deveres da família, da sociedade e do Estado para com as crianças e os adolescentes. Então, o que a Constituição faz é garantir que a sociedade se organize na busca dos fins sociais e dos deveres relativos à criança e ao adolescente exatamente nos termos que constam do artigo 227. O que o ECA faz é detalhar que os direitos constitucionais serão exigíveis pelos cidadãos. Um dos aspectos necessários para a prática dos princípios 87 contidos no ECA são os CMDCAs, ―considerados instrumentos de gestão capaz de fortalecer a rede de informações, promover sua transparência, articular os diversos entes federativos, promover e fortalecer fóruns de negociação‖ (BRASIL, 2008, p. 137). Esses instrumentos de gestão são espaços de compartilhamento e articulação do processo decisório, fazendo com que a cidadania deliberativa tenha relação com a gestão social da qual os atores participam de forma democrática como cidadão, decidindo o processo de formulação das diretrizes para elaboração das políticas para a área da criança e do adolescente. Para compreender a gestão social, a próxima seção fará a abordagem teórica do assunto, sempre se atendo à temática dos conselhos. 3.4 A gestão social Na busca de mais eficiência para superar sua crise ocorrida nos anos de 1980 e atender às demandas sociais, o ―Estado admite a sua incapacidade de gerenciamento, formulação, implementação e articulação das políticas públicas e vê que a reforma da administração pública é um reflexo de um paradoxo gerado pela combinação entre democracia e mercado‖ (MILANI, 2006, p. 181-182). Reformas foram promovidas para tornar o Estado mais efetivo com o acesso de determinados segmentos da sociedade civil ao aparelho do Estado, frente ao aumento da pobreza e da miséria que acentuou os níveis de desigualdade no Brasil (RAICHELIS, 2008). Na perspectiva de um projeto de desenvolvimento econômico e social, para articular o Estado e a sociedade civil percebe-se que as análises convergem para a visão de que a gestão do social deve ser conduzida a partir do pressuposto do bem comum em um processo descentralizado e participativo, contendo: ―iniciativas inovadoras de gestão social, que buscam integrar os diferentes setores e articular os diferentes atores e organizações sociais em redes sinérgicas que potencializem as ações dos governos e da sociedade civil‖ (DOWBOR, 1999, p. 31-42). Dessa maneira, a gestão social diz respeito às decisões que devem ser tomadas na igualdade política e decisória, tendo origem em processos de discussão orientados pelos princípios da inclusão, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum (TENÓRIO, 1999). Nessa perspectiva, revisitando o conceito de gestão social, Tenório (2007) afirma que o tema deve estar apoiado no conceito de cidadania deliberativa, relacionado ao acompanhamento do pensamento de Habermas. Desse modo, o procedimento da prática da 88 cidadania deliberativa na esfera pública é a participação. Assim, Tenório (2007, p. 27), entende ―gestão social como o processo gerencial deliberativo que procura atender às necessidades de uma dada sociedade, região, território ou sistema social específico‖. Dessa maneira, de acordo com Fischer et al. (2006, p. 805), a gestão social direciona-se ao desenvolvimento e pode ser entendida como ―processo de mediação transformadora, que demanda competências construídas ao longo da trajetória de vida dos gestores, onde os espaços em que viveram na infância e adolescência (a casa, o entorno, a cidade) são contextos [...] determinantes de referência valorativos‖. Assim, Tenório (2007, p. 10) afirma que a gestão social está ligada ao ―processo gerencial dialógico no qual a autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação que possa ocorrer em qualquer tipo de sistema social: público, privado ou de organizações não governamentais‖. Segundo Tenório (2007, p. 28), ―tratando-se de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento, o processo de implementação dessas políticas somente teria significado, na perspectiva da gestão social, se os usuários das políticas também participassem do processo‖. Nessa abordagem, a cidadania deliberativa consiste em levar em consideração a pluralidade de formas de comunicação: morais, éticas, pragmáticas e de negociação como formas de deliberação. Para Tenório (2007), o marco que possibilita essas formas de comunicação é a justiça, entendida como a garantia processual da participação em igualdade de condições, cuja forma de deliberação pode ser dialógica e/ou instrumental, institucionalizada e válida (legítima) na formação da opinião e da vontade política. Contudo, com o propósito de identificar as suas contribuições ao tema, Tenório (2010, p. 57), numa réplica, assegura que o conceito de gestão social não é restrito e o tema ―ainda carece de debates que o justifiquem como um processo de gestão que transcenda [...] a gestão estratégica [...] e os gestores [...] atuem sob uma perspectiva na qual o determinante de suas ações deve ser a sociedade e não o mercado‖. Dowbor (2007, p. 9) também concorda que os paradigmas da gestão social ainda estão por ser definidos ou construídos. Para ele, a gestão social é uma gigantesca área em termos econômicos, de primeira importância em termos políticos e sociais, mas com pontos de referência organizacionais ainda em elaboração. E salienta que as áreas sociais adquiriram essa importância apenas nos últimos anos e ainda não se formou uma cultura do setor e não se sabe como gerir essas áreas, pois os instrumentos de gestão correspondentes ainda estão engatinhando (DOWBOR, 2007, p. 8). 89 Entretanto, Pinho, na busca de diversas visões de entendimento do que representa a gestão social, procura colher algumas contribuições ao conceito, tendo como fonte de inspiração os trabalhos apresentados no I Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social (ENAPEGS), em 2007. Nesse sentido, Pinho (2010, p. 28) cita Gondim, Fischer e Melo (2006), que referem: ―a gestão social deve estar a serviço de muitos, de interesses sociais e do bem comum e [...] se constitui na participação dos próprios beneficiários da gestão, em interação e por meio de relações dialógicas‖. Apoiando-se em Carrion e Calou (2008 apud PINHO, 2010, p. 23), Pinho relata que a gestão social, para ―concretizar seus objetivos, necessita da forte presença da sociedade civil, assim como de modernizar e democratizar a máquina do governo‖. Recorrendo a Schommer e França Filho (2008), Pinho (2010) discorre que a concepção de gestão social valoriza os processos coletivos, dialogados e participativos da gestão, sendo diferente da gestão privada e da gestão pública. Pinho (2010) também contextualiza a gestão social com a temática dos conselhos e faz uma crítica a esses espaços. Uma das principais críticas feita por Pinho aos conselhos é a tensão entre interesse individual/grupo e interesse coletivo/comunidade, que seria de difícil separação e apresenta certas incompatibilidades. Na abordagem de Pinho (2010, p. 620), a participação é classificada como espaço seminal para a gestão social e usa aporte teórico para sustentação da sua crítica nos trabalhos de Dagnino (2002) e Tatagiba (2002). Dagnino (2002) apresenta a dificuldade da partilha do poder pelo Estado e a não qualificação técnica e política da sociedade civil para participar da elaboração e implantação de políticas públicas. Tatagiba (2002) demonstra os problemas de funcionamento dos conselhos baseado na obrigatoriedade à participação por decreto, incapacidade dos conselheiros de representar suas instituições, desprestígio do Estado em relação a essas instâncias, entre outras. Neste contexto, de acordo com Pinho (2010, p. 41), ―isto tudo leva à conclusão que no âmbito dos conselhos os encontros entre Estado e sociedade tem sido afetados negativamente pela grande recusa do Estado em partilhar o poder de decisão‖. Em outras palavras, de acordo com Pinho (2010, p. 41) ―o Estado estaria aprendendo, ou tendo que aprender, a se abrir para a sociedade bem como esta teria que se instrumentalizar para forçar um diálogo efetivo com o Estado, o que representa, [...] quebrar uma tradição historicamente constituída‖. É importante observar que Raichelis (2000) aborda o papel de gestão social de políticas públicas assumido pelos conselhos agregando-o a outras funções. Segundo a autora, se a gestão está sendo entendida como uma forma de garantir mais eficácia às ações 90 governamentais e à destinação dos recursos públicos, então a principal tarefa do conselho não pode se reduzir aos papéis de controle e fiscalização. Dessa forma, segundo Raichelis (2000), a compreensão dos obstáculos vivenciados pelos conselhos não pode ficar restrita apenas à investigação do papel de deliberação, representação e participação da sociedade civil. É preciso ter claro o que é gestão social de políticas públicas. Raichelis (2000, p. 44) defende que ―o conselho só melhora a eficácia da política implementada se colocar em discussão o seu conteúdo ou seus objetivos, as suas estratégias e prioridades e principalmente o público ao qual se destina‖. Então, o modelo de gestão para a efetivação do papel dos conselhos nesses espaços deve permitir mais envolvimento dos atores na gestão social da ―coisa pública‖ que diz respeito ao atendimento das demandas sociais (RAICHELIS, 2000). Para o atendimento das demandas sociais é preciso considerar as iniciativas sociais, o que, de acordo com Cabral (2009), obedece à designação de terceiro setor. Nesse sentido, a autora afirma que as iniciativas sociais apresentam desafios para a gestão social e a sociabilidade se apresenta como um local público equipado dos seguintes valores: representação de interesses coletivos; democratização; qualidade; efetividade; visibilidade; cultura pública; universalidade; autonomia; controle e defesa social; e sustentabilidade. Nesse sentido, a autora ressalta alguns desafios para a gestão social: reconhecer a natureza pública e intermediária do espaço de atuação; reconhecer o conjunto de atributos que se constitui em um referencial do cumprimento da missão institucional nesse espaço; beneficiar-se do diálogo com técnicas e métodos oriundos das áreas públicas e privada. O fato é que o tema gestão social vem sendo discutido e analisado na academia, mas o que se nota é que este conceito ainda está em processo de construção (DOWBOR, 2007; PINHO, 2010; SILVA JR. et al., 2008 apud PINHO, 2010, p. 23; TENÓRIO, 2010). E, de acordo com Pinho (2010), deve-se continuar com o termo por enquanto, pois não se vislumbrou nada mais concreto, mas mantendo a atenção para outras possibilidades. É nesse cenário que esta pesquisa se insere. É claro que, para que se tenha participação mais efetiva e, consequentemente, um processo decisório mais democrático, necessita-se não só da prática de gestão social, mas também de valores que sustentem a política nacional; não somente das leis, mas das diretrizes de formulação das políticas públicas. Daí a importância de se ater mais detidamente aos estudos dos conselhos, pois são espaços públicos nos quais os atores sociais se enfrentam e se confrontam a fim de deliberar sobre diretrizes para a formulação de políticas públicas e a relação dos atores, 91 tendo em vista a possibilidade de a sociedade civil intervir na gestão pública via relação de parceria com o Estado, fazendo-se valer de crenças e valores da política pública. Assim, este estudo se propõe a analisar qual a percepção dos valores e em que medida os princípios valorativos indicados na Política Nacional de Proteção aos Direitos das Crianças e Adolescentes, os instrumentos de gestão social e os valores do espaço público, são considerados relevantes pelos presidentes e conselheiros dos CMDCAs na tomada de decisão. 92 4 METODOLOGIA DA PESQUISA 4.1 Métodos de coleta e análise dos dados A produção do conhecimento científico trabalha com dois conceitos fundamentais: as técnicas e o método científico. As técnicas são os procedimentos empregados pelo pesquisador para levantar os dados e as informações necessárias para esclarecer o problema que se está pesquisando. O método científico é uma tentativa de organizar o pensamento para se chegar ao meio mais adequado de conhecer e controlar a natureza. No método científico, a proposição de hipóteses é o caminho que deve levar à formulação de uma teoria. O cientista, na sua hipótese, tem dois objetivos: explicar um ou geralmente um conjunto de fatos e prever outros acontecimentos e fatos dele decorrentes, deduzindo as consequências (ALVES-MAZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998). O método científico é construído de forma que a ciência e suas teorias evoluam com o tempo. Nesse bojo, a ciência é dividida em períodos históricos, cada um com modelos e paradigmas teóricos, diferentes a respeito da concepção de mundo, de ciência e de método. Assim, Thomas Kuhn percebeu que os paradigmas são elementos essenciais para o método científico. Dessa forma, a partir de certo momento da história da ciência tradicional, o modelo predominante, ―paradigma positivista‖, eleito até os anos de 1970, passou a ser substituído por outro modelo científico predominante, ―paradigma qualitativo‖, o qual se definia por oposição ao positivismo, identificado com o uso de técnicas quantitativas (ALVES-MAZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1998). Na ciência moderna, o paradigma quantitativo é caracterizado pela adoção de métodos dedutivos e busca da objetividade, validade e confiabilidade. O paradigma qualitativo é caracterizado pela utilização de métodos indutivos, objetivando a descoberta, a identificação, a descrição detalhada e a geração de explicações. Cada abordagem metodológica apresenta vantagens e limitações, sendo a natureza do tema de interesse que, em grande parte, vai determinar qual abordagem é a mais indicada para a investigação. Entretanto, de acordo com Miles e Huberman (1984, p. 20 apud ALVES, 1991), metodólogos quantitativos operando sob perspectiva lógico-positivista estão usando abordagens naturalistas e fenomenológicas para complementarem testes e levantamentos. E 93 pesquisadores qualitativos estão usando referenciais conceituais predeterminados e instrumentação pré-estruturada, especialmente quando estão trabalhando com mais de uma instituição ou comunidade. Diante dessa expositiva, justifica-se que a metodologia desta pesquisa está inserida nos parâmetros qualitativos, pois os questionários (APÊNDICES B, D) foram construídos usando-se referenciais conceituais predeterminados com perguntas semiestruturadas e trabalha-se com mais de um CMDCA. Ressalta-se, ainda, que, de acordo com Minayo (2002), o método qualitativo é apropriado, pois o fenômeno em estudo é complexo, de natureza social e não depende fortemente de análise estatística para suas inferências ou de métodos quantitativos para a coleta de dados. Nessa perspectiva, Minayo (2002, p. 21-22) defende que ―a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivação, aspirações, crenças, valores e atitudes‖, elementos estes que não podem ser facilmente captados e percebidos em médias estatísticas. Dessa forma, a pesquisa foi desenvolvida pelo método de estudos de casos múltiplos. A escolha do estudo de caso como estratégia da pesquisa se justifica fundamentalmente pela amplitude e complexidade do tema e o ―tipo de questão de pesquisa que está sendo apresentada‖ (YIN, 2005, p. 24). Conceitualmente, o estudo de caso pode ser definido como uma investigação empírica que estuda um fenômeno contemporâneo no contexto da vida real, quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes e nos quais múltiplas fontes de evidências são utilizadas e, neste caso, mais poderoso que a análise histórica (YIN, 2005, p. 32). Mattar (1993) analisa que o estudo de caso é uma forma de aprofundar o conhecimento de problemas não suficientemente definidos. Ele pode envolver exame de registros existentes, observação de acontecimentos, entrevistas estruturadas e não estruturadas, interlocução com especialistas, visita a organizações, consulta a materiais como livros, jornais, revistas e sites, entre outras. O interesse pela temática nasceu da vivência da discente com o Programa de Destinação de Recursos para CMDCAs, identificando e analisando a articulação e relacionamento entre os atores sociais, Estado e sociedade civil e pelo envolvimento com a elaboração de artigos para disciplinas do corrente mestrado e outros trabalhos que já possuíam correlações com a temática dos CMDCAs. A escolha por tais conselhos justificase pela necessidade de identificar e conhecer os valores e instrumentos de gestão social que embasam o processo de tomada de decisão a possibilitar o diálogo com os atores integrantes da gestão social para a área da criança e do adolescente. 94 A fim de responder ao problema de pesquisa em questão - qual a percepção dos valores e quais instrumentos de gestão social permeiam o processo de tomada de decisão dos CMDCAs? - esta dissertação buscou fundamentar-se teoricamente e conhecer o contexto, conforme apresentado e problematizado nos capítulos anteriores. Portanto, esta pesquisa baseou-se primeiramente em uma revisão da bibliografia, que permitiu o recorte analítico das observações, na análise documental dos Regimentos Internos e Resoluções dos conselhos e na aplicação de questionário. A análise do Regimento Interno e Resoluções dos conselhos foi utilizada como fonte de diálogo com os dados do questionário. A coleta de dados por meio de análise de documentos foi utilizada como fonte de dado secundário junto com as informações do questionário (APÊNDICE D), com o objetivo de conduzir a análise. Assim, a triangulação de dados com o uso de mais de uma fonte de dados foi utilizada para reforçar a validade de fidedignidade da pesquisa com convergência de resultados a partir de diferentes métodos. Entre os referenciais bibliográficos utilizados encontram-se a literatura que investiga a participação no âmbito brasileiro, os estudos acerca da institucionalização e funcionamento dos conselhos gestores, os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCAs), objeto central de investigação e a gestão social. O objetivo é identificar e analisar os valores e instrumentos de gestão social percebidos pelos presidentes e conselheiros na gestão social para a área da criança e do adolescente. A teoria de valores de Schwartz foi empregada como referência para a construção do questionário, instrumento de investigação, de onde foi usada a ideia de que valores podem ser medidos e hierarquizados. A teoria de Schwartz é uma das mais utilizadas e é capaz de abarcar a complexidade das relações entre os valores e o comportamento (TAMAYO; PORTO, 2005, p. 18). Schwartz (2005) identifica as principais características dos valores da seguinte forma: valores são crenças, valores transcendem situações e ações específicas, guiam a seleção e avaliação de ações, políticas, pessoas e eventos, valores são ordenados pela importância relativa aos demais. Lilach e Schwartz (2005) define valores como metas desejáveis que variam em sua importância e servem como princípios orientadores da vida das pessoas e como concepções do desejável que guiam a maneira pela qual atores sociais selecionam ações e avaliam pessoas e explicam suas ações e avaliações. De acordo Schwartz (2005), diferenças entre valores são contínuas e não intermitentes e esse continuum dá origem a uma estrutura circular. Schwartz propõe uma 95 relação entre a estrutura circular e a associação com variáveis externas, que facilita a interpretação de relações observadas. O método de ordenamento apresenta as vantagens de oferecer respostas claras em indivíduos ou grupos que tenham hierarquia de valores bem estabelecida e diferenciada e é uma ferramenta adequada para a clarificação das prioridades de valores. Uma das preocupações metodológicas centrais foi a estruturação de um questionário com questões fechadas, para apresentar perguntas relevantes que efetivamente contribuíssem para o alcance dos objetivos da presente pesquisa. O questionário está no APÊNDICE B do presente trabalho. Para a construção da amostra optou-se pelos CMDCAs participantes do ―Programa de Destinação de Recursos para Conselhos‖ da CEMIG e os representantes dos CMDCAs ocupantes das posições de presidente e conselheiros, governamentais e não governamentais, que ocupavam o cargo no final de 2010 com poder de decisão para deliberar sobre as diretrizes para formulação de políticas públicas para a área da criança e do adolescente. Os questionários (APÊNDICES B, D) foram enviados aos CMDCAs em março de 2009 e maio de 2011, respectivamente, e solicitado o seu repasse aos membros do conselho. Foram elaboradas 17 perguntas semelhantes para todas as posições e a análise é apresentada ao longo do capítulo cinco e sintetizada nas considerações finais como resultado das respostas dos presidentes e conselheiros. Foram distribuídos 1.040 questionários, que foram respondidos por 45 presidentes, 230 conselheiros representantes de 54 CMDCAs. As respostas dos outros membros (secretária executiva, representante das instituições e visitante) não foram consideradas na amostra, por não possuírem o poder de deliberação. Dessa forma, a amostra de pesquisa tem o total de 275 questionários e os sujeitos da pesquisa, conforme apresentado na TAB. 2, são os representantes dos 54 conselhos respondentes do questionário, sendo 45 presidentes e 230 conselheiros que possuem assento nos CMDCAs e que, consequentemente, fazem parte da gestão social dos CMDCAs, tendo o poder de deliberação de diretrizes de políticas públicas. A TAB. 2 apresenta a relação de CMDCAs convidados a responder o questionário, o número de questionários distribuídos e os CMDCAs respondentes da pesquisa com a respectiva quantidade de questionários respondidos por posição ocupada no conselho. 96 TABELA 2 CMDCAs convidados e respondentes do questionário Conselhos convidados Alfenas Almenara Alvinópolis Andradas Antonio Carlos Araçuaí Araguari Barão de Cocais Barbacena Belo Horizonte Betim Bocaiúva Bom Despacho Bom Sucesso Braúnas Brazópolis Capitólio Carmo do Cajuru Carmo Rio Claro Cássia Caxambu Cláudio Conc. Alagoas Conceição do Mato Dentro Conselheiro Lafaiete Cons. Pena Contagem Coqueiral Corinto Coromandel Coronel Fabriciano Cruzília Curvelo Divinópolis Formiga Frutal Guanhães Ibirité Igarapava Itabirito Itacarambi Itajubá Itaobim Ituiutaba Itutinga Jaboticatubas Jacutinga Janaúba Jequitinhonha Joanésia João Monlevade Juatuba Questionários Distribuídos 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 Questionários respondidos Presidente Conselheiros Total 01 01 05 04 05 06 05 05 01 01 07 02 08 02 01 04 05 01 06 07 01 01 01 05 01 06 01 01 07 08 01 01 01 01 01 01 01 02 01 01 01 08 09 01 04 05 01 04 05 01 02 05 03 05 01 08 09 07 07 97 Continua TAB. 2 Conselhos convidados Lagamar Questionários respondidos Questionários Distribuídos Presidente Conselheiros Total 10 01 01 02 06 05 01 06 04 05 04 06 03 07 03 01 07 01 01 08 01 09 05 05 04 04 05 01 04 01 01 02 01 01 01 01 02 04 05 01 05 06 01 01 08 06 02 09 07 Lagoa da Prata 10 Lagoa Santa 10 Lavras 10 Liberdade 10 Lima Duarte 10 Mateus Leme 10 Matozinhos 10 Medina 10 Minduri 10 Monte Carmelo 10 Montes Claros 10 Nazareno 10 Nova Ponte 10 Ouro Branco 10 Paracatu 10 Paraguaçu 10 Passos 10 Patos de Minas 10 Pedralva 10 Pimenta 10 Pirapora 10 Piumhi 10 Ponte Nova 10 Pouso Alegre 10 Pres. Olegário 10 Rib. Das Neves 10 Sacramento 10 Salinas 10 Santa Maria do Suaçuí 10 Sta. Rita Caldas 10 Santana Vargem 10 Santos Dumont 10 São Domingos Prata 10 São Gonçalo Abaeté 10 S. João Del Rey 10 São Sebastião do Paraíso 10 São Simão 10 Serro 10 Sete Lagoas 10 Teófilo Otoni 10 Três Corações 10 Três Marias 10 Três Pontas 10 Ubá 10 Uberlândia 10 Unaí 10 Varginha 10 Várzea da Palma 10 Virginópolis 10 S/ identificação Total 1.040 Fonte: Elaborado pelo autor a partir do questionário. 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 45 01 01 09 09 09 23 230 05 06 04 08 04 01 08 01 02 02 10 10 10 275 98 Assim, para o alcance dos objetivos desta dissertação, a análise está delineada em três dimensões: valores da política nacional, instrumentos de gestão social e valores do espaço público (CABRAL, 2007; RAICHELIS, 2006a; 2008; WANDERLEY, 1998; 2000; WANDERLEY; RAICHELIS, 2006). Para a investigação dos instrumentos de gestão social, considera-se como variáveis: diagnóstico da situação, plano de trabalho, orçamento, acompanhamento de metas e resultados, impactos esperados, monitoramento das ações, critérios para liberação de recursos, parceria Conselho Estadual, parceria Prefeitura, outras parcerias, meios de comunicação e capacitação dos conselheiros. Nesse sentido, o respondente deveria escolher nota de um a sete, sendo sete o valor máximo e um o mínimo. No QUADRO 3 apresentam-se a variável de investigação, a pergunta correspondente e a forma de verificação da variável. 99 Dimensões da análise Variável Diagnóstico da Situação Critérios para liberação de recursos Acompanhamento de metas e resultados Meios de Comunicação Plano de Trabalho Impactos esperados Instrumentos Orçamento de Gestão Social Monitoramento das ações e programas Parceria Prefeitura Parceria com o Conselho Estadual Outras parcerias Capacitação dos conselheiros Questões de pesquisa Questão 10: As ações e programas são priorizados de acordo com o diagnóstico da situação ou plano de ação estabelecido para atendimento da criança e do adolescente Questão 12: Em relação aos critérios adotados para liberação dos recursos você considera que estão estruturados e planejados. Questão 15: Em relação ao acompanhamento de metas e avaliação de resultados você considera que atendem ao propósito estabelecido pelo conselho Questão 14: Em relação às ações e programas, você considera que o meio de comunicação utilizado para dar visibilidade para a população local está adequado Questão 4: Em relação à elaboração do plano de trabalho você considera que seu conhecimento está adequado Questão 5: Você tem expectativas de que resultados positivos sejam alcançados por meio de ações e programas voltados para o atendimento de crianças e adolescentes Questão 11: Você considera que o diagnóstico da situação ou plano de ação contém atividades que integram a proposta orçamentária do Executivo Questão 13: Você tem disposição para acompanhar o resultado das atividades relacionadas às ações e programas estabelecidos pelo Conselho Questão 7: Você tem disposição para apoiar, contribuir ou participar de ações e programas em parceria com a Prefeitura local Questão 8: Você tem disposição para apoiar, contribuir ou participar de ações e programas em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA) Questão 9: Você tem disposição para apoiar, contribuir ou participar de ações e programas em parceria com entidades locais Questão 16: Você considera que a capacitação dos conselheiros para o planejamento e avaliação de políticas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente atendem ao propósito estabelecido pelo Conselho Formas de verificação Frequência de notas, média e desvio-padrão. QUADRO 3 - Construção do questionário para investigação das variáveis instrumentos de gestão social. 100 Para a investigação dos valores da política nacional, considera-se como variáveis os princípios relatados no artigo 227 da CF: universalidade - os direitos de crianças e adolescentes são universais; indivisibilidade - nenhum grupo de direitos (políticos, civis, econômicos, sociais e culturais) é mais importante que o outro; responsabilidade - os estados são responsáveis por todos os cidadãos e devem prestar contas dessa obrigação; participação - o indivíduo tem a prerrogativa de participar da vida política e cabe ao Estado incentivar a participação dos seus cidadãos em todas as esferas. A análise do Regimentos Interno e Resoluções dos CMDCAs foi utilizada como fonte de dado secundária de cruzamento de informações, com o objetivo de conduzir a análise. Na questão 1: ―As ações e programas de atendimento a crianças e adolescentes foram aprovados de acordo com a política nacional de atendimento à criança e ao adolescente‖, o respondente deveria escolher nota de um a sete, sendo sete o valor máximo e um o mínimo. A forma de verificação se dá por meio da frequência de notas, média e desvio-padrão. Para a investigação dos valores do espaço público, na questão 17 do consideram-se os valores: controle social; visibilidade social; democratização; representação de interesses coletivos; sustentabilidade; cultura pública; autonomia; universalidade; qualidade e efetividade. Esses valores foram expostos em uma estrutura circular, juntamente com a definição e o entendimento do conceito, e solicitou-se nota de um a 10, sendo 10 o valor máximo e um o mínimo. O QUADRO 4 mostra o valor do espaço público, a definição e a forma de verificação do valor. 101 Dimensões da análise Variável Questões de Pesquisa Garantia de atribuição de responsabilidades e acompanhamento das atividades aos públicos constituintes (instituidores, funcionários, voluntários, doadores e públicoalvo) Visibilidade social Garantia da publicidade e fidedignidade das informações, processos, objetivos e recursos do projeto em sua comunicação com públicos constituintes e sociedade Democratização Garantia de participação dos públicos constituintes nas instâncias de acompanhamento e decisão do projeto Representação de Garantia de que as expectativas, interesses necessidades, capacidades, interesses e coletivos representações dos públicos constituintes são incorporadas nas atividades do projeto. Valor do Sustentabilidade Garantia da capacidade econômica de espaço manutenção do projeto e da capacidade social público de contribuição dos públicos constituintes (Questão 17) Cultura pública Garantia de que os direitos de cidadania e da legalidade são contemplados nas atividades Autonomia Garantia de que as atividades não têm vínculos forçados com interesses de organizações governamentais, políticas ou privadas Universalidade Garantia de que as atividades atingem, indistintamente, a demanda expressa na missão Qualidade Garantia de que as atividades seguem padrões específicos de excelência e melhoria nas ações, programas do projeto Efetividade Garantia de impacto (resultado) positivo a partir das atividades do projeto, mudando condições estruturais mensuráveis e perceptíveis na vida das pessoas Formas de verificação Controle social Frequência de notas, média e desviopadrão. QUADRO 4 - Construção do questionário para investigação dos valores do espaço público. Com base no material recolhido a partir do questionário, seguiram-se as fases de tabulação e análise de dados. Foram feitas análises das diversas situações apresentadas à luz das referências bibliográficas, do Regimento Interno e Resoluções e dos estudos iniciais realizados (subitem 4.2). No tratamento de dados utilizaram-se o software Microsoft Excel 2007 para a elaboração de estatísticas descritivas, examinando-se a frequência, a média e o desviopadrão, e o software Minitab 16 na construção de histogramas. A frequência é o número de 102 vezes que o valor de determinada variável é observado; a média é o valor médio de todas as notas dadas pelos presidentes e conselheiros respondentes; o desvio-padrão é uma medida de variabilidade, ou seja, de dispersão existente em relação à média das notas de cada uma das variáveis. Nesse sentido, o desvio-padrão compreendido como a dispersão existente em relação à média nos indica como os valores se comportam quando distantes da média, ou seja, serve para dizer o quanto os valores dos quais se extraiu a média são próximos ou distantes da própria média e oferece a quantificação da discordância ou das tensões existentes entre as percepções dos respondentes acerca dos aspectos pesquisados. Portanto, a avaliação estatística dos resultados é efetuada com base nas notas atribuídas usando-se a frequência, a média, o desvio-padrão, desconsiderando-se os casos de NR (não respondeu) seguido de gráficos (histogramas). Justifica-se a opção pelo uso de apresentação dos histogramas pelos seguintes motivos: ressalta as médias e os desvios padrões observados; essa forma de apresentação é mais ilustrativa, sem repetição de dados; reforça o aspecto estrutural dos parâmetros estatísticos; permite a exposição comparativa dos resultados sob o ponto de vista dos atores pesquisados. Ainda vale ressaltar que, em cada gráfico destaca a média e as linhas que delimitam o valor de um desvio-padrão em torno da média, para facilitar a visualização dos resultados. A construção do questionário teve por base os seguintes pressupostos: instrumentos de gestão social são meios que orientam a gestão dos conselhos; valores da Política Nacional e valores do espaço público são percebidos pelos presidentes e conselheiros e orientam a deliberação de programas e ações que asseguram os direitos das crianças e dos adolescentes. Quanto ao corte temporal, a parte empírica começou com os estudos iniciais realizados com a finalidade conhecer o objeto de estudo. O estudo de casos múltiplos com conselhos realizado em março de 2009 teve o intuito de traçar o perfil de atuação dos conselhos. O estudo de caso sobre a gestão social das organizações e o Fundo da Infância e Adolescência (FIA) foi realizado em setembro de 2009 tendo como finalidade conhecer a atuação comunitária e a aplicação dos recursos do FIA. O estudo da parceria públicoprivada realizado em outubro de 2009 buscou conhecer uma das formas de se implementar o investimento social privado22. Os contatos pessoais com o CMDCA de Belo Horizonte 22 Uso planejado, monitorado e voluntário de recursos privados em ações sociais e projetos de interesse público realizados por empresas, fundações e institutos de origem empresarial ou instituídos por famílias ou indivíduos (GIFE, 2008). 103 aconteceram em setembro de 2010 e a aplicação dos questionários em maio de 2011, num total de 27 meses de convivência com o campo de análise. O subitem a seguir será dedicado aos estudos iniciais realizados. 4.2 Os estudos iniciais realizados A partir da teoria analisada, fica reforçada a necessidade de se construir uma trajetória de possíveis alternativas para demonstrar quais os valores e instrumentos de gestão estão presentes no processo de tomada de decisão dos CMDCAs. Eles se constituem em fundamentos necessários para possibilitar o diálogo com os atores sociais integrantes do processo de elaboração de diretrizes na formulação de políticas para a proteção da criança e do adolescente. Esta é a base em que esta pesquisa está sendo realizada, pois a política pública é concebida com base em princípios valorativos da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente, considerando que valores e ideias são importantes dimensões para sua formulação. É interessante mencionar que os estudos realizados para as contribuições iniciais desta dissertação foram apresentados em eventos acadêmicos. Primeiro, foi o estudo de casos múltiplos com conselhos que participam de um Programa de Destinação de Recursos, apresentado e publicado em 2009, pelo CIAGS, no XI Colóquio Internacional de Desenvolvimento Local (Salvador). Em seguida (2009), foi realizado o estudo de caso sobre a gestão social das organizações e o FIA, apresentado e publicado em 2010 pelo II Encontro Mineiro de Administração Pública, Economia Solidária e Gestão Social (Universidade Federal de Viçosa/ Minas Gerais). Por último, ainda em 2009, foi realizado o estudo da parceria público-privada a partir de CMDCAs que participam do programa de destinação de recursos para o FIA, também apresentado e publicado em 2010 pelo II Encontro Mineiro de Administração Pública, Economia Solidária e Gestão Social (Universidade Federal de Viçosa/ Minas Gerais). A seguir os estudos iniciais realizados. O estudo de casos múltiplos com conselhos que participam do Programa de Destinação de Recursos buscou traçar o ―Perfil de Atuação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente que participam de um Programa de Destinação de Recursos‖, estimulando os entrevistados a descreverem suas realidades múltiplas. A técnica de coleta de dados utilizada foi a aplicação de questionários com perguntas abertas 104 e fechadas, por meio dos quais foram respondidas, pelos presidentes dos CMDCAs, questões formuladas pela pesquisadora e das quais foram feitas análises das informações considerando os preceitos contidos no ECA. O questionário utilizado para este estudo encontra-se no APÊNDICE B. Responderam ao questionário 79 presidentes dos CMDCAs - 77 do estado de Minas Gerais, um do estado de Goiás e um do estado de São Paulo (QUADRO 5). Nome Alfenas -MG Almenara -MG Alvinópolis-MG Andradas-MG Araçuaí -MG Araguari-MG Barão de Cocais -MG Barbacena-MG Barroso-MG Belo Horizonte -MG Betim-MG Bocaiúva-MG Bom Despacho-MG Braúnas- MG Brazópolis -MG Campo Belo-MG Capitólio - MG Carmo do Cajuru - MG Caxambu - MG Cláudio-MG Conceição das Alagoas-MG Conceição do Mato Dentro - MG Conselheiro Lafaiete-MG Contagem-MG Coqueiral - MG Coromandel-MG Cruzília-MG Nome Curvelo-MG Formiga -MG Guanhães -MG Ibirité -MG Igarapava-SP Ijaci -MG Indianópolis-MG Itacarambi -MG Itaobim -MG Jaboticatubas -MG Janaúba -MG Januária -MG Jequitinhonha-MG João Monlevade - MG Juatuba -MG Lagamar -MG Lagoa Santa -MG Lambari -MG Lavras -MG Liberdade -MG Lima Duarte-MG Medina-MG Minduri -MG Monte Carmelo-MG Montes Claros -MG Paraguaçu-MG Passos-MG Nome Patrocínio-MG Pedralva -MG Pimenta -MG Pirapora-MG Piumhi -MG Ponte Nova -MG Pouso Alegre-MG Presidente Olegário-MG Ribeirão das Neves -MG Ritápolis -MG Sacramento-MG Santa Luzia-MG São Domingos do Prata -MG São Gonçalo Rio Abaixo -MG São Simão-GO Teófilo Otoni-MG Três Corações -MG Três Marias -MG Três Pontas -MG Ubá-MG Uberlândia-MG Unaí -MG Varginha -MG Várzea da Palma -MG Virginópolis -MG QUADRO 5 - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente por Município. Fonte: Elaborado pelo autor a partir do questionário estudo de casos múltiplos com conselhos – ano 2009. A indagação vislumbrou conhecer o perfil de atuação dos CMDCAs, respondendo a duas questões básicas: a) Os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente têm clara compreensão das suas atribuições? b) A estrutura dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente que recebem destinações para serem 105 aplicadas em projetos sociais tem influência no modelo de captação, avaliação, aprovação e transferência do recurso? O objetivo foi conhecer os fatores que poderiam contribuir para que a responsabilidade social empresarial estivesse mais associada a uma parceria de sucesso. Além disso, foram analisadas as seguintes questões secundárias: critérios utilizados para a liberação dos recursos do FIA; as principais prioridades dos CMDCAs; mecanismos adotados para prestação de contas e transparência com seus públicos relacionados; principais iniciativas positivas ou experiências bem-sucedidas; fatores que poderiam contribuir para o aprimoramento dos CMDCAs. A principal contribuição dessa etapa de levantamento de dados da pesquisa foi a possibilidade de conhecer, avaliar e demonstrar o perfil de atuação dos CMDCAs, em que se constatou que em muitos municípios os CMDCAs atuam com adequada estrutura e recursos humanos, possuem estrutura material para cumprimento das suas funções e muitos já possuem programas específicos de atendimento capazes de subsidiar a sua atuação. O estudo mostrou que os CMDCAs exercem o papel deliberativo e delimitador dos programas implementados em suas comunidades. A constatação desse fato veio da pergunta referente à competência para deliberação sobre a destinação dos recursos do FIA (GRÁF. 1), que revela que 96% dos CMDCAs responderam que é do CMDCA, 3% responderam que é do Executivo municipal ou prefeitura por intermédio de um dos seus órgãos. CMDCA 1% 3% CMDCA e Executivo Municipal ou Prefeitura Municipal através de um dos seus órgãos ou Secretaria 96% CMDCA e Executivo Municipal GRÁFICO 1 – Competência para deliberação sobre a destinação dos recursos do Fundo da Infância e da Adolescência. Fonte: Elaborado pelo autor - ano 2009. 106 Quando questionados sobre os critérios utilizados para a liberação dos recursos (QUADRO 6), percebe-se que 86,1% afirmaram que fazem a liberação para entidades cadastradas ou conhecidas e que 26,6% priorizam as áreas temáticas ou faixas etárias. Além disso, razoável percentual de conselhos (10,1%) sente a necessidade de empregar os recursos do fundo para atendimento à necessidade interna. Estes dados permitem avaliar até que ponto os mecanismos adotados pelos CMDCAs para prestação de contas e transparência com seus públicos relacionados (Ministério Público, sociedade, etc.) estão sendo consistentes. Entidades cadastradas ou conhecidas 86,1% Priorizam as áreas temáticas ou faixas etárias 26,6% A liberação de recursos é para atendimento à necessidade interna dos conselhos 10,1% (infraestrutura, capacitação, remuneração dos conselheiros) Avaliação de projetos sociais 3,9% Apresentação do plano de trabalho 1,3% Chamamento público 1,3% QUADRO 6 - Critérios para a liberação dos recursos do Fundo da Infância e da Adolescência. Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. Quando indagados se contam com plano de trabalho, obteve-se como resposta que 53% dos conselhos respondentes afirmaram que sim e 47% dos conselhos responderam que não; 5% dos conselhos respondentes não informaram (GRÁF. 2). O resultado da pesquisa revelou que a maior parte dos conselhos dispõe de plano de trabalho estruturado (53% dos conselhos têm). 107 GRÁFICO 2 – Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente com Plano de Ação Estruturado e Forma de Avaliação dos Resultados das Atividades. Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. Outro aspecto abordado pelo estudo está relacionado aos procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados. Apenas 27,8% dos conselhos pesquisados possuem procedimento para acompanhamento de metas e avaliação de resultados e essas práticas não estão totalmente implementadas em 47% dos conselhos pesquisados. Entende-se que os CMDCAs, para terem meta de suas atividades, devem entender e alinhar os critérios que deveriam pautar seu plano de ação e aplicação de recurso para a garantia da prioridade absoluta. Quando questionados sobre as ferramentas básicas para a organização e o direcionamento das atividades dos conselhos, apurou-se, conforme TAB. 3, que 45,6% possuem diagnóstico local sobre a situação das crianças e dos adolescentes. Da mesma forma, 43% possuem comissões temáticas e 11,4% dos conselhos não têm instrumento de planejamento e ação. Entre outros instrumentos de planejamento e ação citados por quatro conselhos, relacionam-se: avaliações parciais (1,3%); de acordo com a demanda (1,3%); parceria com entidades (1,3%); parcerias com o Conselho Tutelar (1,3%). 108 TABELA 3 Instrumentos de planejamento e ação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente Instrumentos de Planejamento e Ação Nº de Conselhos % Diagnóstico local sobre a situação das crianças e adolescentes 36 45,6% Comissões temáticas 34 43,0% Não possui 4 11,4% Outros 4 5,1% Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. Os conselhos pesquisados informaram que as principais fontes de recursos dos conselhos estão relacionadas a destinação de pessoas físicas por meio de incentivo fiscal do imposto de renda (98,70%), destinação de pessoas jurídicas (93,70%), repasses do Poder Executivo (48,10%), repasses do Poder Judiciário (31,60%) e repasses do Conselho Estadual dos Direitos da Criança (CEDCA) (5,10%), como mostra a TAB. 4. TABELA 4 Fonte dos recursos que ingressam na conta do Fundo da Infância e da Adolescência Fontes de Recursos % Sim % Não Destinação de Pessoas Físicas 98,70% 1,30% Destinação de Pessoas Jurídicas 93,70% 6,30% Repasses do Poder Judiciário (multas, etc.) 31,60% 68,40% Repasses do CEDCA 5,10% 94,90% Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. O prazo médio de repasse dos recursos pelos conselhos para os programas e ações aprovados pelos conselhos é de 60 dias após a apresentação do projeto pela entidade. Com base nisso, 31 conselhos responderam prazo médio de 30 dias (40%), 27 repassam com prazo médio de 60 dias (34%), sete usam prazo médio de 90 dias (9%), cinco com prazo médio superior a 180 dias (6%) e nove (11%) responderam outro prazo: após o trâmite legal; cotação orçamentária do Poder Executivo; de acordo com o plano de trabalho; de acordo com o trâmite da documentação. Como instrumentos adotados pelos CMDCAs para prestação de contas e transparência com seus públicos relacionados (Ministério Público e sociedade civil), a 109 TAB. 5 demonstra que 30,3% dos conselhos pesquisados utilizam como mecanismos para prestação de contas e transparência de suas ações a apresentação em plenária das demonstrações de balancetes, autorização de captação de recursos. Na TAB. 3 registraramse os principais mecanismos usados pelos conselhos. TABELA 5 Instrumentos de prestação de contas Mecanismos Apresentação em plenárias e demonstração de balancetes, balanços Nº de Conselhos 24 % 30,3 17 21,52 Prestação de contas para o Ministério Público e empresas 13 16,46 Publicação do balanço na imprensa e ofícios aos órgãos competentes 12 15,19 Relatórios, demonstrativos, fotos e exposições para promotoria 10 12,69 Em branco 3 3,80 Reuniões, conferências, tribunal de contas, audiências públicas e Ministério Público Fonte: Elaborado pelo autor a partir do questionário estudo de casos múltiplos com conselhos – ano 2009. A situação dos conselhos quanto à infraestrutura e equipamentos de apoio pode ser considerada satisfatória. Assim, equipamentos básicos, como o telefone fixo, estão disponíveis em 62% dos conselhos. Outros equipamentos como computador, fax, veículo, internet e celular também aparecem em percentual semelhante. Quanto à sede própria, 69,60% funcionam na prefeitura. Em relação às articulações e parcerias (TAB. 6), a pesquisa revelou que 98,7% dos CMDCAs têm relacionamentos com diversos públicos locais ligados à área da criança e do adolescente e encontram mais facilidade de relacionamento com os representantes do Executivo municipal. Percebe-se que os parceiros mais comuns dos CMDCAs têm sido aqueles órgãos de caráter público os quais deveriam naturalmente estabelecer interfaces com a ação dos conselhos: de assistência social, educação, saúde. Os conselhos também estabelecem parcerias com empresas privadas e este fato está vinculado ao recebimento de destinações do imposto de renda de pessoa jurídica, porém 38% consideraram que não têm parceria com empresas privadas. Outros atores (fundações e institutos empresariais, universidades e entidades de atendimento) aparecem também com percentuais mais reduzidos, a sugerir dificuldade dos conselhos para estabelecer articulações e parcerias fora da esfera estatal. 110 TABELA 6 Articulações e parcerias Articulações e Parcerias % Sim % Não 98,7% 1,3,% saúde, etc.) 91,1% 8,9% Empresas privadas 62,0% 38,0% Fundações/Institutos empresariais 39,2% 60,8% Universidades 24,1% 75,9% Entidades de atendimento 16,5% 83,5% 6,3% - Executivo Municipal Outros conselhos municipais (assistência social, educação, Outros (Ministério Público, Poder Judiciário, Promotoria da Infância e Juventude, Fóruns de Defesa de Direitos) Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. A pesquisa demonstra que os conselhos atuam em diversas áreas (TAB. 7), sendo que o apoio a portadores de necessidades especiais aparece em 86,1% das respostas. Entre as outras áreas de atuação dos conselhos, foram relacionados: apoio socioeducativo, associações de bairros; educação e assistência social; educação, esporte, lazer e cultura; inserção social. TABELA 7 Áreas de atuação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente Áreas Temáticas Nº de Conselhos % Creches 54 68,4 Apoio às famílias 53 67,1 Defesa de direitos 47 59,5 Capacitação para o trabalho/ Geração de renda 41 51,9 Apoio a portadores de necessidades especiais 68 86,1 Abrigos 44 55,7 Casa-lar 22 27,8 Programas de internação 20 25,3 Outras 5 6,3 Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. 111 Quando questionados sobre a quantidade de visitas às entidades e projetos aprovados, os resultados evidenciam que 39 conselhos responderam que realizam duas visitas; 13 fazem três visitas; 11 não fazem visitas; seis não responderam e 10 conselhos não têm uma prática sistêmica. Os dados confirmam o item destacado como uma das principais prioridades para os conselhos: ―apoiar, acompanhar, controlar e fiscalizar as ações do Conselho Tutelar, das entidades cadastradas, projetos, para garantir o atendimento à criança e ao adolescente para melhor desempenho do trabalho‖ (QUADRO 7). Os resultados informam que os conselhos possuem pessoal administrativo, técnicos e conselheiros para o desempenho das funções. Quando questionados se possuem pessoal de apoio técnico, verificou-se que 26 conselhos (33%) responderam que não possuem pessoal técnico e 41 responderam que têm pessoal técnico (53%) e 12 não responderam (15%). Entre os que qualificaram o pessoal técnico - 33 (42% dos 41) -, 23 contam com pelo menos um assistente social. Mais da metade dos conselhos pesquisados dispõe de pessoal administrativo (51% dos conselhos) e possui (94% dos conselhos) mais de seis pessoas atuando como conselheiros. Quando questionados sobre a quantidade de pessoas atuando como conselheiro, obteve-se como resposta: com até seis pessoas têm-se 42 conselhos (53%); com 12 a 14 pessoas, qualificaram-se 25 conselhos (32%); com 15 a 30 pessoas, verificaram-se 12 conselhos (15%). Procurou-se, ainda, analisar quais seriam, na visão dos CMDCAs, as principais prioridades indicadas para o seu aprimoramento. As categorizações das respostas dos conselhos a uma pergunta aberta relatando as principais prioridades para o seu aprimoramento estão sintetizadas no QUADRO 7. 112 Capacitação dos conselheiros para controlar, apoiar e acompanhar, as ações do 46,72% Conselho Tutelar, entidades cadastradas, projetos; garantir o atendimento à criança e adolescente para melhor desempenho do trabalho e cumprimento do ECA Desenvolver ações socioeducativas com as famílias sobre o cuidado e a educação dos 12,41% filhos com fortalecimento da família e da rede de proteção à criança e ao adolescente, de combate à prostituição infantil, uso de drogas e trabalho infantil Realizar diagnóstico da situação das crianças, com previsão orçamentária na LOA, 10,22% ampliação de projetos sociais para atender crianças e adolescentes, funcionamento do CMDCA com comissões temáticas Arrecadar recursos financeiros para o FIA de pessoas físicas e empresas privadas 3,65% Estruturação da Casas-Lar, abrigos, internações, Casa de Passagem, Família Solidária, 3,65% Centro de Educação e geração de trabalho e renda Estruturar o plano de ação e plano de trabalho do CMDCA 3,65% Estabelecer parcerias (incluindo escolas) para divulgar o ECA 2,92% Combate à desnutrição infantil, combate à prostituição infantil, conscientização do ato 4,38% infracional e suas implicações, atendimento a crianças em situação de risco, vulnerabilidade pessoal e social Fiscalizar o bom uso dos recursos do FIA pelas comunidades 1,46% Outros 5,11% Não informou 5,84% FIA= Fundo da Infância e da Adolescência. ECA= Estatuto da Criança e do Adolescente. CMDCA= Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. QUADRO 7 – Principais prioridades para o aprimoramento dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. Constata-se que ―capacitação dos conselheiros‖, ―desenvolver ações socioeducativas‖ e ―realização do diagnóstico local sobre a situação das crianças e dos adolescentes‖ são as principais prioridades percebidas pelos presidentes dos conselhos como fatores que poderiam contribuir para o fortalecimento do trabalho do CMDCA. Quando perguntados sobre os fatores que poderiam contribuir para o seu aprimoramento, foram citados: capacitação dos conselheiros para o planejamento e avaliação de políticas de atendimento aos direitos da criança e adolescente, citada por 73 conselhos (92%); mais divulgação das ações e do papel do conselho para a sociedade, citada por 53 conselhos (72,15%); melhor relacionamento do CMDCA com o Poder 113 Executivo, citado por 31 conselhos (39,2%); capacitação dos conselheiros em liderança e relacionamento humano, 24 conselhos (30,4%); capacitação dos conselheiros para acompanhamento do orçamento público, 23 conselhos (23,1%); mais conhecimento dos conselheiros sobre o ECA, nove conselhos (11,4%); capacitação dos conselheiros na área jurídica, dois conselhos (2,5%); mais interação e troca de experiência com outros CMDCAs, cinco conselhos (6,3%). As principais iniciativas positivas ou ações bem-sucedidas reportadas pelos CMDCAs se referem principalmente às questões ligadas à criação e implantação do Conselho Tutelar, busca por recursos do FIA, estabelecimento de parcerias, capacitação para os conselheiros, participação em conferências, interação com as entidades de atendimento, elaboração do diagnóstico da realidade da infância e da adolescência e avaliação da política pública do município. Aparentemente, entre as iniciativas relatadas predominam os envolvimentos pontuais dos CMDCAs em questões diversas (campanhas, seminários, palestras). Percebe-se que o ideal é ter o foco no resultado da iniciativa, contribuindo, assim, para uma ação eficaz, uma vez que os próprios conselhos sinalizam que a capacitação dos conselheiros para o planejamento e avaliação de políticas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente é o principal fator que poderia contribuir para o seu aprimoramento. De acordo com os dados levantados, tem-se como indicação que os CMDCAs compreendem suas atribuições e a sua estrutura de funcionamento tem influência no modelo de captação, avaliação, aprovação e transferência do recurso. A justificativa para essa indicação tem como embasamento as respostas às perguntas 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14 e 15 do questionário (APÊNDICE B) com os respectivos critérios listados a seguir: Pergunta 5: quanto a articulações e parcerias, foi considerado que o conselho deve estabelecer parcerias com entidades de atendimento e Executivo municipal; Pergunta 6: as principais fontes dos recursos que ingressam na conta FIA são oriundas de repasses do Poder Executivo, pessoas físicas, pessoas jurídicas, poder judiciário (multas, etc.), repasses do CEDCA; Pergunta 7: como principal critério utilizado pelo conselho para a liberação dos recursos do fundo, considerou-se como priorização de áreas temáticas ou faixas etárias e liberação para entidades cadastradas ou conhecidas pelo CMDCA; Pergunta 8: o prazo médio de repasse dos recursos para uma instituição devidamente cadastrada e regularizada é de 30, 60 ou 90 dias; 114 Pergunta 11: o número de conselheiros no CMDCA é em quantidade igual superior a seis pessoas; Pergunta 12: a média de visitas realizadas pelo conselho aos projetos aprovados é igual ou superior a duas visitas; Pergunta 13: quanto à infraestrutura, o conselho deve possuir pelo menos telefone fixo, computador, internet, sede própria ou funcionar na prefeitura; Pergunta14: quanto a pessoal de apoio administrativo, deve possuir pelo menos uma pessoa; Pergunta 15: quanto a pessoal de apoio técnico, deve possuir pelo menos uma pessoa; Dessa maneira, o cruzamento das respostas permitiu indicar, conforme TAB. 8, que a estrutura dos CMDCAs tem influência no modelo de captação, avaliação, aprovação e transferência do recurso, pois apenas 5,1% dos conselhos (quatro) atenderam adequadamente a oito perguntas; 48,1% (38 conselhos) estão classificados entre atender quatro e cinco perguntas, 36,7% (29 conselhos) possuem seis e sete adequações às perguntas apresentadas e 10,12% (8 conselhos) estão classificados entre uma, duas e três adequações às perguntas. O resultado da pesquisa mostra que em muitos municípios os Conselhos atuam com adequada estruturação humana, possuem estrutura material para cumprimento das suas funções, muitos contam com programas específicos de atendimento capazes de subsidiar a sua atuação e praticamente todos os CMDCAs enfrentam sérias dificuldades no exercício do papel deliberativo e delimitador dos programas que carecem de implementação junto às suas comunidades. 115 TABELA 8 Número de Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente x número de adequações: influência no modelo de captação, avaliação, aprovação e transferência do recurso Número de Adequações Nº de Conselhos % % válido % acumulado 1 1 1,3 1,3 1,3 2 4 5,1 5,1 6,3 3 3 3,8 3,8 10,1 4 17 21,5 21,5 31,6 5 21 26,6 26,6 58,2 6 15 19,0 19,0 77,2 7 14 17,7 17,7 94,9 8 4 5,1 5,1 100,0 Total 79 100,0 100,0 Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. Assim, essa primeira etapa começou a despertar o olhar para a elaboração de um estudo de valores e instrumentos de gestão social que permitisse proposta de intervenção social caracterizada pelos valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente, instrumentos de gestão social e valores do espaço público. Nesse estudo, objetivou-se identificar e analisar os valores e instrumentos de gestão social percebidos pelos presidentes e conselheiros na gestão social para a área da criança e do adolescente. Dando sequência aos estudos para esta dissertação, foi elaborado, em setembro de 2009, o estudo de caso sobre a gestão social das organizações e o FIA. O estudo foi concentrado no atuar comunitário de entidades cadastradas em CMDCAs que recebem recursos do FIA e que participam do Programa de Destinação de Recursos 23. Para o desenvolvimento do trabalho foi usada a análise documental, que incluiu materiais escritos, relatório de aplicação de recursos24 produzidos por essas organizações e disponibilizados à 23 O Programa de Destinação de Recursos para conselhos é realizado pela CEMIG e acontece no segundo semestre de cada ano e o CMDCA recebe o dinheiro da empresa conforme um termo de parceria assinado entre as partes, que, por sua vez, repassa para a instituição indicada pelo empregado participante da campanha. O dinheiro é gerido pelos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente. Percebe-se que diversas empresas têm procedimentos semelhantes, usando a prática da responsabilidade social por meio do uso de Leis de Incentivo Fiscal do Imposto de Renda, fazendo chamadas e convite para apoio de projetos sociais com aporte de recursos na conta FIA. 24 As instituições que recebem recursos dos CMDCAs apresentam para os conselhos e a CEMIG relatório de aplicação do recurso informando valor, aplicação do recurso e número de crianças beneficiadas. 116 discente. Os relatórios contêm informações sobre o montante recebido do CMDCA por meio do FIA, a descrição do uso do recurso, nome do programa social, quantidade de crianças atendidas e foto de antes e depois da aplicação do recurso. A análise foi construída a partir de relatórios de 141 entidades cadastradas em 87 CMDCAs, sendo que 85 conselhos ficam no estado de Minas Gerais, um fica em Goiás e um em São Paulo. A questão central foi a atuação das entidades e a compreensão da relação entre a aplicabilidade do recurso do FIA que se destina a garantir o financiamento de políticas públicas, programas e ações de atendimento a crianças e adolescentes, conforme estabelece o artigo 90 do ECA. Os resultados demonstraram que as organizações atuam em diversas áreas e fazem uso do recurso, na maioria, para construção, reforma ou ampliação da sede da organização. Foram analisadas 141 organizações e, destas, 69 (46,9%) aplicam o dinheiro em construção, reforma ou ampliação da sede. Em seguida, ficam as organizações que aplicam na aquisição de materiais didáticos, perfazendo 22 organizações, sendo estas 15%; e vêm as organizações que fazem uso em práticas de atividades socioeducacionais, que são 18 e equivalem a 12,2%. As organizações restantes (38) aplicam em aquisições diversificadas, conforme mostra o QUADRO 8. Construção/Reforma/Ampliação Aquisição de material didático Prática de atividades socioeducacionais Aquisição de equipamentos Aquisição de equipamentos de informática Aquisição de mobiliário Aquisição de equipamentos musicais Aquisição de brinquedoteca Aquisição de material de construção Aquisição de terreno Aquisição de veículos Não recebeu o recurso do Conselho Reforma da instalação elétrica Aquisição de mamadeiras Aquisição de maquinário Aquisição de uniformes Aquisição do consultório odontológico Reintegração social e familiar Construção/Reforma/Ampliação e aquisição de veículo QUADRO 8 – Como as organizações aplicam os recursos recebidos do Fundo da Infância e da Adolescência (FIA). Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. 46,9% 15,0% 12,2% 4,1% 4,1% 2,7% 2,0% 2,0% 1,4% 1,4% 1,4% 1,4% 1,4% 0,7% 0,7% 0,7% 0,7% 0,7% 0,7% 117 O dado recolhido das organizações sobre a aplicação dos recursos em construção/reforma/ampliação da sede permite uma consideração quanto à necessidade de planejamento sistemático e de diagnóstico das necessidades do público-alvo objeto central de atuação dessas organizações. Se, por um lado, releva-se a escassez de recursos públicos nos municípios em que essas organizações se localizam, por outro chama a atenção para a necessidade de uma sistemática de trabalho planejada que permita relacionar as finalidades da aplicação com os meios necessários para a realização dessas finalidades, considerando as demandas e necessidades diretamente relacionadas ao público-alvo, crianças e adolescentes. Olhando a área de atuação das 141 organizações (TAB. 9), observa-se que elas atuam em diversas áreas, sendo que apoio a portadores de necessidades especiais aparece em 36,2% das respostas e estão atuando com a inclusão social. Entre as outras áreas de atuação foram relacionadas: educação, capacitação para o trabalho/geração de renda, inclusão social, abrigos e casa-lar. TABELA 9 Áreas de atuação das organizações Linhas de atuação Nº de Organizações % Apoio a portadores de necessidades especiais 51 36,2 Educação 46 32,6 Capacitação para o trabalho/ Geração de renda 17 12,1 Inclusão social 14 9,9 Abrigos 9 6,4 Casa-lar 4 2,7 Fonte: Elaborado pelo autor – ano 2009. Os resultados demonstraram que as organizações atuam em diversas áreas: educação, capacitação para o trabalho/geração de renda, inclusão social, abrigos e casa-lar. O estudo ressalta que as organizações fazem uso do recurso, na sua maioria, para construção, reforma ou ampliação da sede da organização, permitindo inicialmente o questionamento quanto às necessidades do público-alvo e indagações sobre a relevância dos princípios da Política Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente nas decisões deliberativas dos CMDCAs sobre programas e ações para crianças e adolescentes e o conhecimento da realidade local. 118 Prosseguindo com os estudos para as contribuições desta dissertação, o estudo de caso da parceria público-privada aconteceu em outubro de 2009 e a finalidade foi conhecer uma das formas de implementar o investimento social privado. O objeto de estudo foram os CMDCAs, considerados possibilidades de efetivação de espaços públicos que reforcem cada vez mais a participação dos envolvidos via atuação, democratização, desconcentração do poder e integração de políticas públicas e políticas sociais básicas de educação, saúde, assistência. Na FIG. 2 foram sistematizados os CMDCAs como objeto de estudo para a implementação da descentralização e intersetorialidade, permitindo a participação da sociedade civil e do Estado nas políticas públicas. Dessa forma, os CMDCAs devem estar articulados com sujeitos de setores sociais diversos, pois a integração das políticas é uma necessidade, uma vez que na maioria dos municípios a política de atendimento aos direitos da criança e do adolescente é assumida pelo órgão gestor da política de assistência social integrado com o SUAS. FIGURA 2 - Descentralização, intersetorialidade e interdisciplinaridade nos CMDCAs. Fonte: Elaborado pelo autor a partir do Programa de Destinação de Recursos para Conselhos – ano 2009. Na literatura, a intersetorialidade implica articular ações que envolvam outros conselhos, as organizações e a sociedade civil (COMERLATO et al., 2007, p. 270). Então, os conselhos devem estabelecer a criação de espaços comunicativos, capacidade de negociação em rede, gerenciamento de conflitos e articular ações com outros conselhos como, por exemplo, o Conselho Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2006) e o 119 Conselho Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente (MINAS GERAIS, 2009). Nessa direção, os estudos sinalizaram para a hipótese da intersetorialidade envolvendo CMDCAs e a parceria público-privada. Considerando a diminuição das funções do Estado e da sua assunção ao papel de regulador e financiador de programas sociais, que nem sempre tem respondido com a necessária eficiência na execução de seu papel, reduzindo recursos orçamentários em áreas vitais para o desenvolvimento social, muitas vezes os CMDCAs procuram parcerias com empresas privadas na busca das destinações de recursos vindos do imposto de renda de pessoas jurídicas, conforme Lei Federal 8.069/90 (BRASIL, 1990). A legislação brasileira prevê alguns incentivos fiscais que estabelecem teto de dedução dos impostos devidos em percentual que não afeta os cofres públicos. O uso de incentivo fiscal é estabelecido pela Lei 8.069/90, que permite às pessoas físicas e jurídicas destinarem parte do seu imposto de renda ao FIA, por meio dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. Do ponto de vista legal, os incentivos fiscais para o exercício das práticas de ações sociais merecem destaque especial. No Brasil, constata-se que as empresas podem usufruir de incentivos fiscais a partir de cálculo feito com base no lucro real, no caso de efetuarem doações a entidades sem fins lucrativos e reconhecidas como de utilidade pública, definidas conforme a legislação. Dessa forma, as empresas, na busca por ambiente estratégico para fazer valer seu princípio natural de existência, passam a identificar e implantar formas de manterem-se competitivas, tornam-se parceiras das organizações para implementar o investimento social privado e contribuir para a melhoria das condições socioeconômicas das comunidades onde estão inseridas. Aqui se cita o investimento social privado como o uso planejado, monitorado e voluntário de recursos privados, provenientes de pessoas físicas ou jurídicas, em projetos de interesse público (GRUPO DE INSTITUTOS, FUNDAÇÕES E EMPRESAS - GIFE, 2008). Como os fundos são constituídos por recursos públicos (providos, em parte, diretamente pelo Estado e em parte por doação dos contribuintes), suas receitas devem ser geridas conforme os princípios constitucionais que regem os orçamentos públicos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37 da Constituição Federal). O controle sobre esse processo é exercido por instâncias internas (o próprio conselho e o Poder Executivo) e externas (o Poder Legislativo e os Tribunais de Contas). 120 Podem-se citar inúmeros motivos que impulsionam o investimento social privado: ética, cobrança da sociedade, melhoria da imagem da empresa, complementação das ações do governo, satisfação pessoal, incentivos fiscais. As empresas podem atuar destinando e doando recursos financeiros e participando, com maior ou menor grau de envolvimento, das decisões e execução das ações, possibilitando a construção de uma cidadania deliberativa. Assim, não desviam o foco de sua atividade principal. Dessa forma, o estudo demonstrou que, mesmo que a empresa faça investimento por meio das leis de incentivo para as práticas de responsabilidade social, ainda assim elas poderão obter benefícios fiscais oriundos de tais práticas, como uma verdadeira contrapartida concedida pelo Estado, visando recompensar o investimento no âmbito social e tornando essas práticas mais atrativas para as próprias empresas, sob o ponto de vista financeiro. No entanto, esse incentivo fiscal ainda é pouco utilizado. Dados da Receita Federal mostram que em 2004 foram destinados aos FIA R$17,1 milhões e R61,3 milhões, pessoa física e pessoa jurídica, respectivamente. O estudo também sugeriu que a parceria público-privada deve ser uma relação que busque alternativa para lidar com a realidade a partir da concepção de estabelecimento de acordos de cooperação, de parcerias, de alianças e de reciprocidade, favorecendo a intersetorialidade. Essa parceria conduz a novas formas de gerenciar a política social, permite a construção de alianças e pode constituir uma das formas de convergir recursos e esforços do governo para atender às demandas sociais existentes e, ao mesmo tempo, realizar o investimento social privado, além de propiciar a cidadania deliberativa por meio da participação nos conselhos. A construção da instersetorialidade impõe a articulação da empresa com os demais atores sociais, estabelecendo um conjunto de relações e construindo uma rede. Foram também ressaltadas no estudo ações advindas da VIII Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2009a), na perspectiva da intersetorialidade: fortalecer os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente [...] com dotações orçamentárias específicas e suficientes, nas três esferas; promover campanhas de incremento de destinações e estabelecimento de mecanismo legal de repasse fundo a fundo, com promoção e simplificação dos mecanismos de incentivos fiscais para contribuição de pessoas físicas e jurídicas; repasse obrigatório de multas e penalidades; disseminar o ECA nos meios de comunicação e produzir materiais educativos, especialmente direcionados à família, à escola e às instituições públicas e privadas. 121 Assim, de posse dos dados preliminares obtidos por meio de três momentos determinados (estudo de casos múltiplos com conselhos, estudo de caso sobre a gestão social das organizações e o FIA e o estudo da parceria público-privada), o foco da dissertação pode ser estabelecido: Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente e a investigação por parte dos presidentes e conselheiros quanto aos princípios e valores da Política Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e a consideração desses princípios e valores no planejamento e ação desses conselhos, destacando-se a presença dos instrumentos de gestão social na tomada de decisão. É importante destacar a preocupação em amparar o processo de elaboração de uma proposta de intervenção social caracterizada pelos valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente, instrumentos de gestão social e valores do espaço público que embasam o processo de tomada de decisão dos CMDCAs, instrumento esse que busca contribuir para a qualificação dos processos de tomada de decisão. 122 5 ANÁLISE DOS RESULTADOS E COMENTÁRIOS No Brasil, os conselhos foram institucionalizados pela CF de 1988, sendo considerados como espaço público de participação da sociedade civil nas decisões sobre os rumos das políticas sociais (GOHN, 2007; RAICHELIS, 2008; TEIXEIRA, 2001). Tiveram origem nos conselhos comunitários a partir de uma política de populismo nos anos de 1960 (GOHN, 2007) e em experiências de caráter informal sustentadas por movimentos sociais, no formato de conselho popular ou como estratégias de luta operária na fábrica, superando a exigência de filiação sindical e expressando poder efetivo dos operários como produtores com ação econômica e política (TEIXEIRA, 2000). Nesse sentido, Teixeira (2000) e Gohn (2007) consideram a institucionalização dos conselhos como resultado do cruzamento dos conselhos comunitários e conselhos populares. Ainda de acordo com Teixeira (2001, p. 137), ―a implantação dessa nova institucionalidade, que cria espaços de interlocução e decisão entre Estado e sociedade, tem se constituído numa experiência complexa, cheia de conflitos, confrontos e negociações entre os atores‖, em que se ―atribuem a cidadãos oriundos de associações voluntárias alguns papéis próprios de agentes do poder administrativo‖ (TEIXEIRA, 2001, p. 138). Assim, o desafio a ser enfrentado pelos conselhos diz respeito à representatividade dos conselheiros, às deliberações, às relações de conflito e à transparência de atos políticos. Elementos de resposta a essas questões foram buscados nos CMDCAs, órgãos gestores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente. Os CMDCAs são paritários, têm igual número de membros governamentais e não governamentais. Isto quer dizer que as decisões emanadas do colegiado foram tomadas por pessoas do governo e da sociedade civil capazes de construir consenso sobre determinado item da política de atendimento ao público infanto-juvenil. Nenhum dos lados do conselho, o governamental e o não governamental, pode impor sua vontade. Isto implica a exigência do diálogo e da disposição para a identificação de pontos comuns sobre os quais se possa avançar (COSTA, 1993, p. 71). Dessa forma, os CMDCAs participam do processo de formulação, implementação e avaliação da política (policy cycle), pois são identificadores de problemas, formuladores, defensores de direitos, promotores de políticas, controladores das ações públicas governamentais e não governamentais, controladores das ações públicas governamentais e 123 não governamentais, normatizadores de parâmetros e definidores de diretrizes das políticas na perspectiva da garantia dos direitos humanos, sociais e políticas públicas (VEET, 2005). Define-se que a missão do conselho é a formulação de diretrizes para a política de garantia dos direitos da criança e do adolescente. O funcionamento regular dos CMDCAs depende de várias atividades e as iniciativas importantes que servem de base para o cumprimento das atribuições dos conselheiros são entendidas como planejamento das atividades, conhecimento da realidade local e orçamento público. Os CMDCAs devem buscar parcerias com várias organizações que possibilitem ampliar o atendimento às suas finalidades, especialmente com os CMDCAs das localidades vizinhas e com o CEDCA, inclusive para a celebração de convênios intermunicipais que permitam o compartilhamento de estruturas e programas. Cabem aos municípios a coordenação local e a execução direta das políticas, programas e serviços destinados à criança e adolescência, em parceria com as entidades não governamentais. Nesse aspecto, a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente dispõe sobre o ECA. O ECA está embasado na doutrina jurídica da proteção integral e foi criado para regulamentar as conquistas em favor da criança e do adolescente, obtidas na CF de 1988, contendo os princípios que estabelecem a criança e o adolescente como prioridade absoluta para a família, a sociedade e o Estado. Diante do exposto, o foco da análise desta dissertação está na análise dos valores e princípios da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente, dos instrumentos de gestão social e valores do espaço público, presentes no processo de tomada de decisão dos CMDCAs, entendidos como poder decisório (NOBRE, 2004). Utilizaram-se como base de dados as respostas do questionário (APÊNDICE B), aferindo o resultado com os estudos inciais realizados (subitem 4.2), além de usar como base de dados secundária para confirmação dos valores da política nacional o Regimentos Interno e as Resoluções dos conselhos. A análise dos resultados está delineada em três dimensões: instrumentos de gestão social, valores da política nacional e valores do espaço público. Para analisar os instrumentos de gestão social, destacaram-se as variáveis: diagnóstico da situação, plano de trabalho, impactos esperados, monitoramento das ações, orçamento, critérios para liberação dos recursos, meio de comunicação, acompanhamento de metas e resultados, parceria com prefeituras, parceria com o conselho estadual, outras parcerias e capacitação dos conselheiros. As variáveis estão assim indicadas no questionário: diagnóstico da situação (questão 10), plano de trabalho (questão 4), impactos 124 esperados (questão 5), monitoramento das ações (questão 13), orçamento (questão 11), critérios para liberação dos recursos (questão 12), meio de comunicação (questão 15), acompanhamento de metas e avaliação de resultados (questão 14), parceria com prefeituras (questão 7), parceria com o Conselho Estadual (questão 8), outras parcerias (questão 9) e capacitação dos conselheiros (questão 16). Para as perguntas do questionário (APÊNDICE D) foi solicitada aos respondentes nota de um a sete para cada questão de pesquisa, sendo sete o valor máximo e um o mínimo para as questões de pesquisa. A análise considerou a frequência de notas atribuídas, a estatística das notas (média e desvio-padrão) e desconsiderou os casos de ―NR‖. Para analisar os valores da política nacional (participação, universalidade, responsabilidade e indivisibilidade), foi elaborada a questão 1 do questionário (APÊNDICE D). Como fonte de dados secundários utilizaram-se o Regimento Interno e as Resoluções dos Conselhos (a síntese completa encontra-se no APÊNDICE F). Para analisar os valores do espaço público, foi elaborada a questão 17 e consideraram-se os valores: controle social; visibilidade social; democratização; representação de interesses coletivos; sustentabilidade; cultura pública; autonomia; universalidade; qualidade e efetividade. Para a hierarquização dos valores pelos presidentes e conselheiros, foi apresentado no questionário (APÊNDICE D) o significado dos valores para o entendimento do conceito e solicitado que atribuíssem nota de um a 10 para cada valor, sendo 10 o valor máximo e um o mínimo. A análise considerou a frequência de notas atribuídas e a estatística das notas (média e desvio-padrão) e desconsiderou os casos de ―NR‖. Para facilitar a leitura das tabelas, esses itens acima foram sistematizados na matriz de análise, conforme QUADRO 9. 125 Dimensões de análise Variáveis/Valor Instrumentos de Gestão Social Valores da política nacional Valor do espaço público Diagnóstico da situação Plano de Trabalho Orçamento Critérios para liberação de recursos Acompanhamento de metas e resultados Impactos esperados Monitoramento das ações e programas Meios de comunicação Parceria com o Conselho Estadual Parceria Prefeitura Outras parcerias Capacitação dos conselheiros Universalidade Indivisibilidade Responsabilidade Participação Controle Social Visibilidade Social Democratização Representação de interesses coletivos Sustentabilidade Cultura pública Autonomia Universalidade Qualidade Efetividade Número Formas de da questão verificação 10 04 11 12 13 Questionário 05 e estudos 14 iniciais 15 08 07 09 16 Questionário, 01 Regimento Interno e Resoluções 17 Classificação das notas De 1 a 7, sendo 7 o valor máximo e 1 o mínimo. A hierarquização desses valores foi de 1 a 10, Questionário sendo 10 o valor máximo e 1 o mínimo. QUADRO 9 - Matriz de análise. 5.1 Análise dos instrumentos de gestão social O tema gestão social vem sendo discutido e analisado na academia (CARRION; CALOU, 2008 apud PINHO, 2010; GONDIM; FISCHER; MELO, 2006 apud PINHO, 2010; DOWBOR, 2007; FISCHER et al., 2006; PINHO, 2010; RAICHELIS, 2000; SCHOMMER; FRANÇA FILHO, 2008 apud PINHO, 2010; SILVA JR. et al., 2008 apud PINHO, 2010; 2007; 2010) e os paradigmas ainda estão por ser definidos ou construídos (DOWBOR, 2007). No entanto, Pinho (2010) ressalta que se deve continuar com o termo por enquanto, pois não se vislumbrou algo mais concreto, mas mantendo a atenção para outras possibilidades, pois, como afirma Tenório (2010), o tema ainda carece de debates. De acordo com RAICHELIS (2000), o papel de gestão social de políticas públicas assumido pelos conselhos não pode ficar restrita apenas à investigação da deliberação, 126 representação e participação da sociedade civil. É preciso ter claro o que é gestão social de políticas públicas de modo a permitir mais envolvimento dos atores na gestão de atendimento das demandas sociais. Dessa forma, como acentua Brasil (2004), a compreensão das ações está relacionada com as possibilidades de inovações institucionais delineadas a partir das práticas e valores. Nesse sentido, um dos aspectos necessários para a prática dos princípios contidos no ECA são os CMDCAs, instrumentos de gestão e espaços de compartilhamento e articulação do processo decisório, capazes de fazer com que a cidadania deliberativa tenha relação com a gestão social. Nesta concepção, a missão do CMDCA deve ser a formulação de diretrizes para a política de garantia dos direitos da criança e do adolescente, sendo importante apreender como presidentes e conselheiros dos CMDCAs percebem os instrumentos que orientam a tomada de decisão. Por isso, foram elaboradas questões para os presidentes e conselheiros referentes às seguintes variáveis: diagnóstico (questão 10), plano de trabalho (questão 4), orçamento (questão 11), critérios para liberação de recursos (questão 12), acompanhamento de metas e resultados (questão 13), impacto esperado (questão 5), monitoramento das ações (questão 13), meio de comunicação (questão 15), parceria com o Conselho Estadual (questão 8), parceria com prefeituras (questão 7), outras parcerias (questão 9) e capacitação dos conselheiros (questão 16). O diagnóstico da situação foi analisado com a questão: ―as ações e programas são priorizados de acordo com o diagnóstico da situação ou plano de ação estabelecido para atendimento à criança e ao adolescente‖. O respondente deveria atribuir nota de um a sete, sendo sete o valor máximo e um o mínimo. O resultado das respostas para a questão apresenta que, para o universo de 45 presidentes e 230 conselheiros respondentes da questão de pesquisa, tem-se que as deliberações acontecem sem o diagnóstico da situação. Isso porque, de acordo com a frequência de notas atribuídas, apenas 17 presidentes (40,5%) e 71 conselheiros (31,3%) registraram a nota sete (valor máximo) para esta variável. A nota 1 (valor mínimo) foi dada por um presidente (2,4%) e três conselheiros (1,3%). Importante observar que a média das notas atribuídas pelos presidentes ficou em 5,6, enquanto a média das notas emitidas pelos conselheiros foi de 5,4. Nesse caso, o desvio-padrão 1,6 para presidentes e 1,5 para conselheiros sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. 127 GRÁFICO 3 – Diagnóstico da situação: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Este resultado mostra que presidentes e conselheiros ainda demandam implementar a prática do diagnóstico local, o que vem ao encontro do resultado encontrado no estudo de casos múltiplos com conselhos. Neste último, apenas 45,6% dos conselhos pesquisados declararam possuir diagnóstico local sobre a situação das crianças e dos adolescentes. Dessa maneira, percebe-se que presidentes e conselheiros constroem o seu campo de atuação, deliberando, muitas vezes, sobre ações e programas para a área da criança e do adolescente sem o diagnóstico da situação. Essa informação encontra respaldo na afirmação de Castro (2006), que relata que um dos problemas enfrentados pelos conselhos advém da falta de visão integrada sobre a realidade local, pois a integração unificaria a definição de funções, facilitaria a aproximação das questões sociais locais, desde sua problemática estrutural, que está e muito relacionada com o processo histórico de cada município e de cada comunidade. No entanto, é interessante notar que presidentes e conselheiros podem ser classificados como componentes de uma esfera pública (GOHN, 2007; RAICHELIS, 2008; TEIXEIRA, 2001) geradora de decisões coletivas e suas deliberações afetam a tomada de decisão. A tomada de decisão nessa situação implica muitas vezes liberações de recursos para ações e programas cujo público-alvo principal não é a criança nem o adolescente. Essa situação é esclarecida no estudo de caso sobre a gestão social das organizações e o FIA, que abordou o atuar das entidades cadastradas nesses CMDCAs e que deles recebem recursos para a aplicação em programas e ações em que o público-alvo deveria ser a criança e o adolescente. O estudo analisou 141 organizações e os resultados 128 demonstraram que as organizações atuam em diversas áreas e fazem uso do recurso, a maioria, para construção, reforma ou ampliação da sede da organização, ou seja, 69 organizações (46,9%) aplicam o dinheiro em construção, reforma ou ampliação da sede. Em seguida, ficam as organizações que aplicam na aquisição de materiais didáticos, perfazendo 22 organizações, sendo estas 15%; seguem-se as organizações que fazem o uso em práticas de atividades socioeducacionais, que são 18, e equivalem a 12,2%. As 38 organizações restantes aplicam em aquisições diversificadas. Percebe-se que, se por um lado releva-se escassez de recursos públicos nos municípios em que essas organizações se localizam, por outro chama a atenção a necessidade de participação cidadã com planejamento sistematizado do trabalho que permita relacionar as finalidades da aplicação com os meios necessários para a realização dessas finalidades, considerando as demandas e necessidades diretamente relacionadas ao público-alvo, crianças e adolescentes, para não gerar comprometimento da efetividade da participação. Nessa vertente, o diagnóstico da situação deverá ser a base para a elaboração do Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente que, por sua vez, deverá estar alinhado com o Plano de Aplicação do Recurso, ou seja, com os critérios para liberação de recursos. A elaboração do plano de trabalho, também conhecido como plano de ação, permitirá que as demandas identificadas sejam contempladas em um modelo de gestão que contenha foco de atuação, objetivos, metas, resultados, impactos esperados e formas de monitoramento. E que leve em consideração as relações de cooperação, parceria e intercâmbio com entidades municipais e com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Além do mais, é fundamental que cada conselheiro tenha habilidades para construir a Política Municipal de Proteção Integral para Crianças e Adolescente (BELO HORIZONTE, 2007). O plano de trabalho ou plano de ação foi analisado com a seguinte questão: em relação à elaboração do plano de trabalho, você considera que seu conhecimento está adequado? Analisando a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros para esta questão (não considerando os casos de NR), os dados informam que 14 dos 45 presidentes (32,6%) e 45 dos 230 conselheiros (19,7%) atribuíram a nota sete (valor máximo) para esta variável. A nota um (valor mínimo) foi dada por um presidente (2,3%) e por oito conselheiros (3,5%). A média de notas escolhidas pelos presidentes e conselheiros foi de 5,6 e de 5,1, respectivamente. Nesse caso, o desvio-padrão sinaliza para presidentes 1,4 e para conselheiros 1,5, significando a dispersão em torno da média e, portanto, o nível 129 da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Pode-se ressaltar, neste caso, que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas quanto às questões (GRÁF. 4). GRÁFICO 4 – Plano de trabalho: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Os resultados dessa questão sugerem que os conselhos ainda demandam implementar a prática de elaboração do plano de trabalho, o que é comprovado no estudo de casos múltiplos com conselhos. O estudo de casos com conselhos demonstrou que 53% dos conselhos possuem plano de trabalho estruturado e 47% não possuem a prática implementada. Um ponto observado é que, em decorrência natural da ausência de diagnóstico da situação (45,6% dos conselhos possuem diagnóstico da situação das crianças e dos adolescentes) está o número de conselhos que não possuem plano de trabalho (47%). Nessa perspectiva, Menicucci (2010) entende que os conselheiros devem ter formação e consciência crítica para terem como meta o entendimento do processo no qual se inserem e os critérios que deveriam pautar seu uso para a eliminação da pobreza e das desigualdades sociais. Assim, devem deliberar sobre as questões para as quais os conselhos foram criados, agindo no sentido de obter consenso ou minorar conflitos em pontos estratégicos para atingir os impactos esperados. Os resultados comprovam o perfil e a atuação dos conselheiros que, de acordo com Gohn (2007), devem ter cursos de formação e atualização como sujeitos políticos, que vislumbrem mudanças na sociedade a médio e longo prazos. E o exercício dos conselhos deve ser passível de fiscalização e avaliação. Então, é relevante observar que os próprios 130 conselhos citam, no estudo de casos múltiplos com conselhos, que entre os fatores que poderiam contribuir para o seu aprimoramento estão: a capacitação dos conselheiros para o planejamento e avaliação de políticas de atendimento aos direitos da criança e adolescente foi citada por 73 conselhos (92%); mais conhecimento dos conselheiros sobre o ECA foi mencionado por nove conselhos (11,4%); e capacitação dos conselheiros na área jurídica foi lembrado por dois conselhos (2,5%). Confirma-se, dessa maneira, que os conselhos têm formação e consciência crítica para o entendimento do processo em que se inserem (GOHN, 2004). O orçamento é outra questão fundamental na atribuição dos conselhos e deve compreender um Plano de Aplicação de Recursos contendo a previsão da destinação, pelo município, nas diversas leis orçamentárias, de verbas específicas para atender aos custos dos programas e ações outras que venham a ser criados. E que este plano de aplicação deve ter identificados os temas de mais carência no município (COSTA, 1993, p. 56), constituindo-se a proposta orçamentária do município. No entanto, se há ausência de diagnóstico da situação e plano de trabalho, ficou a preocupação de como presidentes e conselheiros constroem o orçamento. Para aferir as expectativas dos presidentes e conselheiros sobre o orçamento, foi elaborada a questão: você considera que o diagnóstico da situação ou plano de ação contém atividades que integram a proposta orçamentária do Executivo? O resultado das respostas dos presidentes e conselheiros indica a frequência de notas atribuídas pelos presidentes (não considerando os casos de NR): cinco dos 45 presidentes pesquisados (11,6%) atribuíram a nota sete (valor máximo) para esta variável e 41 dos 230 conselheiros pesquisados (18%) escolheram a nota sete. A nota um (valor mínimo) veio de dois 2 presidentes (4,7%) e oito (3,5%) conselheiros. A média das notas (4,8) mostra o universo de 45 presidentes; e para o universo de 230 conselheiros, a média foi de 5,0. Nesse caso, o desvio-padrão de 1,6 para ambos os atores, presidentes e conselheiros sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Pode-se realçar, neste caso, que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 5). 131 GRÁFICO 5 – Orçamento: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Nota-se, pelos resultados, que presidentes e conselheiros têm percepções diferentes sobre as atividades que integram a proposta orçamentária do Executivo. Nesse sentido, o estudo de casos múltiplos com conselhos salienta que 48,10% dos conselhos recebem recursos do Poder Executivo, 98,70% de pessoas físicas e jurídicas, 31,60% do Poder Judiciário e 5,10% recebem recursos do Conselho Estadual. Esse resultado permite observar que as principais fontes de recursos dos conselhos são externas e não do Poder Executivo. Dessa forma, a proposta orçamentária do município não contempla a destinação preferencial de recursos públicos vindos do Executivo Municipal. Assim, o Poder Executivo não está cumprindo os princípios da prioridade absoluta que estabelece a destinação preferencial de recursos para a criança e o adolescente. Esse resultado confirma o estudo de Veet (2005), para quem os CMDCAs alegam que muitos prefeitos reclamam que os municípios estão sobrecarregados com uma série de responsabilidades na implementação de políticas públicas, inclusive a criação e manutenção dos conselhos, sem que houvesse equivalência na transferência de recursos. Vale ressaltar que quando inquiridos sobre os fatores que poderiam contribuir para o aprimoramento dos conselhos, 23 conselhos (23,1%) fizeram referência à capacitação dos conselheiros para acompanhamento do orçamento público. Considerando a diminuição das funções do Estado e da sua assunção ao papel de regulador e financiador de programas sociais e que nem sempre tem respondido com a necessária eficiência na execução de seu papel reduzindo recursos orçamentários em áreas 132 vitais para o desenvolvimento social, muitas vezes os CMDCAs vão à procura de parcerias com empresas privadas na busca das destinações de recursos vindos do imposto de renda de pessoas jurídicas, conforme Lei Federal 8.069/90. O estudo de caso da parceria público-privada sublinha que essa relação públicoprivada evidencia alternativa para a falta do recurso que deveria vir do Executivo municipal a partir da concepção de estabelecimento de acordos de cooperação, de alianças e de reciprocidade, favorecendo a intersetorialidade. Essa parceria conduz a novas formas de gerenciar a política social, trazendo oportunidades que dão bons resultados e que podem constituir uma das formas de convergir recursos e esforços do governo para atender às demandas sociais existentes. Ao mesmo tempo, realiza o investimento social privado e propicia a cidadania deliberativa por meio da participação nos conselhos. A universalidade da política impõe a articulação com empresas privadas e pessoas físicas, estabelecendo a construção de uma rede em prol da garantia dos direitos da criança e do adolescente. A busca por incremento de destinações para o fundo municipal, conforme mostra o estudo da parceria público-privada, é relatado pelos conselhos em suas conferências. Citase como exemplo uma ação extraída da súmula da VIII Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente: fortalecer os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, em consonância com os planos de proteção integral deliberados pelos conselhos dos direitos, com dotações orçamentárias específicas e suficientes, nas três esferas, além de promover campanhas de incremento de destinações, estabelecimento de mecanismo legal de repasse fundo a fundo, com promoção e simplificação dos mecanismos de incentivos fiscais para contribuição de pessoas físicas e jurídicas e repasse obrigatório de multas e penalidades (BRASIL, 2009b). O critério para liberação de recursos foi analisado pela questão: em relação aos critérios adotados para liberação dos recursos, você considera que estão estruturados e planejados? O resultado das respostas informa que, para o universo de 45 presidentes e 230 conselheiros respondentes, tem-se que 10 presidentes dos 45 respondentes (23,8%) e 62 conselheiros (27,3%) dos 230 respondentes atribuíram a nota sete (valor máximo) para esta variável, tendo a nota um (valor mínimo) vinda de dois presidentes (4,8%) e nove conselheiros (4%). A média das notas dadas dos presidentes e conselheiros corresponde a 5,2, para ambos os atores. Nesse caso, o desvio-padrão, para ambos os casos, 1,6, sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. 133 GRÁFICO 6 - Critério para liberação de recursos: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Esses resultados revelam que presidentes e conselheiros percebem que os critérios adotados para liberação dos recursos estão estruturados e planejados, o que é confirmado nas Resoluções dos conselhos. Entretanto, o estudo de casos múltiplos com conselhos demonstra que 86,1% dos conselhos disseram que fazem a liberação de recursos para entidades cadastradas ou conhecidas e que 26,6% priorizam as áreas temáticas ou faixas etárias. Além disso, razoável percentual (10,1%) sente a necessidade de empregar os recursos do fundo para atendimento a necessidades internas. Essa situação permite uma relação com os estudos de Fuks e Perissionoto (2006), que analisaram os conselhos diante da relação recurso, decisão e poder. De acordo com os autores, os conselhos afirmaram que as relações sociais institucionalizadas e interiorizadas nos valores e nas percepções dos atores sociais afetam o processo decisório. É interessante notar que, quando questinados sobre as principais prioridades, 3,65% dos conselhos respondentes citaram: ―estruturar plano de ação e plano de trabalho‖. Dessa maneira, entende-se que os conselhos têm formação e consciência crítica para o entendimento do processo no qual se inserem (GOHN, 2004) e percebem a necessidade de estabelecerem critérios para liberação de recursos. Esses dados também reportam aos estudos de Veet (2005), segundo o qual, como espaço de negociação entre governo e sociedade civil, os conselhos de direito lidam muitas vezes com interesses divergentes, ou seja, a deliberação para uma entidade cadastrada ou conhecida no conselho pode não atender a todos os representantes. Dessa forma, é preciso 134 que a participação esteja envolvida de fato na realidade local e sejam conhecidos e respeitados os direitos e os deveres da cidadania (TOTORA; CHAIA, 2002). Assim, a função controle permite deter-se sobre a realização da missão, as deliberações, o cumprimento das metas estabelecidas, o atendimento à demanda e a qualidade dos serviços. Em cada situação podem os presidentes e conselheiros valer-se dessa diversidade para inferir uma avaliação de seu desempenho. O controle assim concebido deve referir-se aos valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente como o instrumento que permite considerar o que Teixeira (2001) cita como sendo uma questão fundamental para a teoria política: saber quem participa e como são tomadas as decisões, tendo-se tanto a figura do sujeito quanto do processo decisório em foco. Saber quem participa significa atentar para a participação, que garante direitos quando as decisões são tomadas na igualdade política e decisória e na indivisibilidade do bem comum; considerar como são tomadas as decisões sugere que a participação deve ser livre e depende de regras que podem constituir uma democracia de mecanismos próprios e supõe decisões com responsabilidade, visando à universalidade das políticas sociais. Espera-se, com isso, que os resultados possam oportunizar a sistematização de informações sobre os objetivos dos conselhos, visando ao avanço de conhecimento nos meios que orientam a gestão dos conselhos, a aplicação de mudanças nas práticas de trabalho e nas políticas públicas de atenção para a área da criança e do adolescente. Então, os resultados esperados são a forma concreta em que se espera alcançar os objetivos estabelecidos no plano de trabalho e devem ser mensuráveis, passíveis de demonstração e reproduzíveis, de forma a revelar possíveis falhas ocorridas e a introdução de medidas corretivas. Entretanto, para que o resultado seja alcançado são necessários meios de acompanhamento de metas e avaliação de resultados que se traduzam numa maneira para obter as informações sobre o planejamento dos objetivos e metas. Para analisar o acompanhamento de metas e avaliação de resultados, a questão relacionada foi: em relação ao acompanhamento de metas e avaliação de resultados, você considera que atendem ao propósito estabelecido pelo conselho? Diante do resultado da questão, nota-se que a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) salienta que cinco dos 45 presidentes pesquisados (11,9%) e 31 dos 230 conselheiros (13,7%) atribuíram a nota sete (valor máximo) para esta variável. A nota um (valor mínimo) foi escolhida por três conselheiros (1,3%). Desse jeito, a média das notas atribuídas mostra que, para um universo de 45 presidentes e 230 conselheiros, 135 existe percepção de importância do valor e a média das notas foi a mesma para presidentes e conselheiros, ou seja, 5,3, e existe espaço para melhorias (11,9% presidentes e 13,7% conselheiros atribuíram a nota sete para esta variável). Nesse caso, o desvio-padrão 1,0 para presidentes e 1,2 para conselheiros sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. GRÁFICO 7 - Acompanhamento de metas e resultados: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Esse resultado exibe que, para os conselheiros, o acompanhamento de metas e avaliação de resultados não atende ao propósito estabelecido pelo conselho, o que é diferente no entendimento dos presidentes. Confirmando esse dado, o estudo de casos múltiplos com conselhos demonstra que apenas 27,8% dos conselhos pesquisados possuem procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados. Esse achado permite inferir que os conselhos precisam implementar os meios de acompanhamento de metas e avaliação de resultados. Diante desse dado, nota-se que a ausência de meios de acompanhamento de metas e resultados tem influência no impacto esperado, pois deve existir estreita correspondência entre os resultados e o impacto esperado, incluindo sua forma de expressão. O impacto esperado das deliberações deve ser objeto de constante controle por parte do conselho e o CMDCA deverá avaliar continuamente os planos e programas, visando aferir o controle social e a execução dos objetivos e metas (COSTA, 1993), constantes do Plano Municipal de Atendimento à Criança e ao Adolescente. Para analisar a percepção de presidentes e conselheiros sobre os resultados advindos das deliberações dos 136 programas e ações envolvendo crianças e adolescentes, o impacto esperado, foi elaborada a questão de pesquisa: você tem expectativas de que resultados positivos sejam alcançados a partir de ações e programas voltados para o atendimento de crianças e adolescentes? A indagação teve como base averiguar se os presidentes e conselheiros têm a mesma percepção de que suas deliberações devem estar alinhadas com o ―Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente‖ e aos presidentes e conselheiros cabe aferir o mérito, a relevância e o impacto das ações realizadas. Os resultados da questão revelam que a frequência de notas atribuídas pelos presidentes (não considerando os casos de NR) mostra que 32 presidentes (74,4%) dos 45 pesquisados atribuíram a nota sete (valor máximo) para esta variável, enquanto 123 conselheiros (53,9%) dos 230 pesquisados deram nota sete à variável. A nota um (valor mínimo) não foi atribuída nem por presidente nem por conselheiros. A média das notas para um universo de 45 presidentes foi 6,6 e para os 230 conselheiros foi 6,3. Nesse caso, o desvio-padrão 0,7 para presidentes e 0,9 para conselheiros significa a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Salienta-se, neste caso, que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 8). GRÁFICO 8 - Impacto esperado: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Esse dado permite observar que existe expectativa de alcance de impactos esperados com as deliberações e, assim, garantia dos direitos da criança e do adolescente. No entanto, constata-se que os procedimentos para se obter o impacto esperado não estão 137 estruturados para aferir o controle social e os objetivos e metas, pois só 27,8% dos conselhos pesquisados possuem esse procedimento implementado. Esse resultado conduz a comprovação do que diz a cartilha do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (MINAS GERAIS, 2008). Esta explicita o acompanhamento/ avaliação/ monitoramento de ações e programas como importante para o asseguramento da eficiência, eficácia e efetividade da máquina estatal, mas, na verdade, estão sendo pouco explorados pela maior parte dos órgãos governamentais, das entidades sociais e dos CMDCAs. É interessante ressaltar que os conselhos deliberam recursos para diversas áreas, sem procedimentos de averiguação de resultados e metas e esse dado é confirmado no estudo de casos múltiplos com conselhos. O estudo demonstra que o apoio a portadores de necessidades especiais aparece em 86,1% das respostas, creches (68,4%), apoio às famílias (67,1%), defesa de direitos (59,5%), geração de renda (51,9%), abrigos (55,7%), casa-lar (27,%), programas de internação (25,3%) e outras (6,3%). Entre as outras áreas de atuação dos conselhos foram relacionados: apoio socioeducativo; associações de bairros; educação e assistência social; educação, esporte, lazer e cultura; inserção social. Enfatiza-se a Resolução 105/05 do CONANDA, que estabelece que o plano de trabalho ou plano de ação do CMDCA preveja o acompanhamento e monitoramento dos programas e ações. Percebe-se, assim, que a prática da responsabilidade, controle e prestação de contas demanda avaliação e monitoramento de programas e ações. O monitoramento das ações e programas foi investigado com a seguinte questão: você tem disposição para acompanhar o resultado das atividades relacionadas às ações e programas estabelecidos pelo conselho? O resultado revela a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR): 26 presidentes (60,5%) dos 45 pesquisados atribuíram a nota sete (valor máximo) para esta variável e 69 conselheiros (30,3%), dos 230 pesquisados, atribuíram nota sete. A nota um (valor mínimo) não foi detectada entre presidentes e para seis conselheiros esta variável obteve a nota 1 (2,6%). A média das notas foi de 6,3 para os presidentes e de 5,5 para os conselheiros. Nesse caso, o desvio-padrão 1,0 para presidentes e 1,4 para conselheiros sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Pode-se ressaltar, neste caso, que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 9). 138 GRÁFICO 9 - Monitoramento das ações: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. O monitoramento só tem viabilidade se os programas e ações foram desenhados segundo um plano de trabalho ou plano de ação que componha o planejamento das atividades do conselho. O produto mais efetivo do monitoramento são as informações em tempo hábil capaz de gerar como resultado a qualificação do processo decisório dos presidentes e conselheiros na condução da gestão social. Nessa direção, o controle permitiria atender à necessidade de submeter os resultados ao crivo da avaliação externa, que é um paradigma enfrentado por inúmeros conselhos. O Portal da Transparência (CGU, 2010), relata que, por meio da participação, os cidadãos podem intervir na tomada da decisão administrativa, orientando a administração para que adote medidas que realmente atendam ao interesse público e, ao mesmo tempo, exercer o controle sobre a ação do Estado, exigindo que o gestor público preste contas de sua atuação. Controlar os resultados é estabelecer relações com o exterior, aferindo interesses e expectativas dos públicos relacionados (criança e adolescente, entidades cadastradas e Estado), conforme tendências, dos programas e ações deliberados pelos conselhos, à publicização. A publicização significa que as ações, os discursos e os critérios que orientam as deliberações devem expressar com fidedignidade e publicidade para todos os que serão implicados pelas decisões assumidas (RAICHELIS, 2008; TEIXEIRA, 2000). A publicização permitirá a incorporação de novos mecanismos e formas de atuação, dentro e fora do Estado, para dinamizar a participação, de modo que ela seja cada vez mais representativa dos segmentos organizados da sociedade (RAICHELIS, 2008). 139 Diante disso, foi formulada para os presidentes e conselheiros uma questão de pesquisa envolvendo os meios de comunicação para dar visibilidade para a população sobre os programas e ações deliberados pelos conselhos. Esses meios foram analisados com a seguinte questão de pesquisa: em relação às ações e programas, você considera que o meio de comunicação utilizado para dar visibilidade para a população local está adequado? As respostas evidenciaram que 45 presidentes e 230 conselheiros exibiram a frequência de notas atribuídas (não considerando os casos de NR) da seguinte maneira: nenhum presidente dos 45 respondentes considerou a nota sete (máxima) e 27 conselheiros (11,9%) dos 230 pesquisados atribuíram a nota sete (valor máximo) para esta variável. A nota um (valor mínimo) foi dada por três presidentes (7,1%) e 13 conselheiros (5,7%). A média das notas foi de 4,3 para presidentes e 4,5 para conselheiros. Nesse caso, o desviopadrão 1,4 para presidentes e 1,6, conselheiros sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. GRÁFICO 10 – Meio de comunicação: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Esse resultado informa que presidentes e conselheiros percebem que os meios de comunicação utilizados pelos conselhos para dar visibilidade ainda não são considerados adequados. Nessa direção, o estudo de casos múltiplos com conselhos demonstra que 30,3% dos conselhos participantes do estudo utilizam como meios para prestação de contas e transparência das ações: fazer apresentação em plenária das demonstrações de balancetes, autorização de captação de recursos; 21,52% dos conselhos respondentes afirmaram que 140 fazem apresentações em reuniões, conferências, tribunal de contas, audiências públicas e Ministério Público; 15,19% dos conselhos fazem relatórios, demonstrativos com fotos e exposições para promotoria e poder público. Nota-se que a divulgação das ações realizadas pelos CMDCAs é feita por meio de encontros, palestras, eventos de divulgação do CMDCA e mídia local. Não há referências a ações de caráter sistêmico e claramente articuladas a políticas públicas abrangentes. Além disso, os relatos enfatizam mais as atividades executadas do que os resultados delas decorrentes, confirmando a afirmação de Veet (2005) de que existe falta de relacionamento dos conselheiros com os meios de comunicação. Uma explicação para essa argumentação pode vir de Faria e Ribeiro (2010). Para os autores, uma explicação para o caráter menos formalizado do CMDCA pode ser encontrada nas suas próprias características setoriais, ou seja, o fato de não possuir, por exemplo, um ministério ou secretaria de governo próprio, com dotação orçamentária própria e não estar organizado como um sistema único, por ser uma política que depende da ação de um conjunto mais amplo de outras políticas. Para esses autores, todas essas características da política de direitos da criança e do adolescente impactam a capacidade dos conselhos de se organizarem formalmente. O estudo de casos múltiplos com conselhos também demonstra que, entre os fatores citados pelos conselhos que poderiam contribuir para o aprimoramento, ―a necessidade de maior divulgação das ações e do papel do conselho para a sociedade‖ foi citada por 53 conselhos (72,15%). Esses resultados conduzem a Habermas quando o autor se refere à esfera pública como ―uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posições e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas, em temas específicos‖ (HABERMAS, 2003, p. 92). A transparência e a circulação das informações precisam ser intensificadas para que seu acesso seja cada vez mais amplo e contribua para uma visão de totalidade da política social que está sendo implementada (RAICHELIS, 2006b). Como afirma Teixeira (2001), a participação cidadã deve articular os mecanismos institucionais disponíveis ou a serem criados a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo social, exigindo a responsabilidade política e jurídica dos mandatários, o controle social e a transparência das decisões. O controle social assim concebido deve referir-se aos atributos do conceito de público não estatal (CABRAL, 2007; RAICHELIS, 2006b; 2008; WANDERLEY, 1998; 141 2000; WANDERLEY; RAICHELIS, 2006) como o instrumento que permite avaliar a forma concreta da missão nas condições objetivas dos conselhos. A participação, para que seja efetiva, requer que se estabeleçam, além de relações entre profissionais e lideranças, relações de cooperação com todos os órgãos e entidades municipais envolvidos direta ou indiretamente com a proteção integral de crianças e adolescentes, buscando intercâmbio fora do seu município, especialmente com os CMDCAs das localidades vizinhas e com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, atuando no agir comunicativo. No agir comunicativo, os atores constituem a fonte das interpretações para resolução dos conflitos vigentes por meio de consenso dos atores envolvidos, reproduzindo somente ações comunicativas (HABERMAS, 2010, p. 41). Para perceber a disposição dos presidentes e conselheiros no estabelecimento dessas parcerias, foram elaboradas perguntas envolvendo a parceria com o Conselho Estadual, prefeitura e entidades locais. A parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente foi avaliada com a questão: você tem disposição para apoiar, contribuir ou participar de ações e programas em parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA)? A frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) para esta questão permitiu observar que 20 presidentes dos 45 pesquisados (46,5%) atribuíram a nota sete (valor máximo) para esta variável e que 74 conselheiros dos 230 pesquisados (32,6%) atribuíram a nota sete. A nota 1 (valor mínimo) não foi atribuída por presidente, mas o foi por 10 conselheiros (4,4%). A média das notas atribuídas foi de 5,9 para universo de 45 presidentes e de 5,4 para os 230 conselheiros pesquisados. Nesse caso, o desvio-padrão 1,1 para presidentes e 1,6 para conselheiros sugere a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Ressalta-se, neste caso, que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 11). 142 GRÁFICO 11 – Parceria Conselho Estadual: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. A parceria com prefeituras foi pesquisada com a seguinte questão: você tem disposição para apoiar, contribuir ou participar de ações e programas em parceria com a prefeitura local? A frequência de notas dadas pelos presidentes (não considerando os casos de NR) foi: para 28 presidentes dos 45 pesquisados a nota foi sete (valor máximo) para esta variável, ou seja, 65,1% dos presidentes; e para 106 conselheiros dos 230 pesquisados a nota foi sete, o que corresponde a 46,5% dos conselheiros. A nota um (valor mínimo) não foi atribuída por presidente, mas foi a escolha de três conselheiros (1,3%). A média das notas mostra que, para universo de 45 presidentes, foi 6,5 e para os 230 conselheiros pesquisados foi 5,9. O desvio-padrão 0,7 para presidentes e 1,3 para conselheiros significa a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Vê-se que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 12). 143 GRÁFICO 12 – Parceria Prefeituras: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. A variável referente a Outras parcerias foi analisada com a questão: você tem disposição para apoiar, contribuir ou participar de ações e programas em parceria com entidades locais? As respostas a esta questão (não considerando os casos de NR) sugeriram a frequência de 29 presidentes dos 45 pesquisados (67,4%) com escolha da nota sete (valor máximo) para esta variável e de 102 conselheiros dos 230 pesquisados (44,7%) optando pela nota sete. A nota um (valor mínimo) foi detectada entre quatro conselheiros (1,8%) e por nenhum presidente. A média das notas foi de 6,5 para 45 presidentes e de 5,8 para os 230 conselheiros pesquisados. O desvio-padrão 1,0 para presidentes e 1,4 para conselheiros sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Põe-se em relevo que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 13). 144 GRÁFICO 13 – Parceria entidades locais: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. De acordo com esses resultados, presidentes e conselheiros têm percepções diferentes sobre a disposição em estabelecer parcerias com o Conselho Estadual, prefeituras e entidades locais. O estudo de casos múltiplos com conselhos realça que, em relação às articulações, os conselhos têm relacionamentos com públicos variados, porém encontram mais facilidade com os representantes do Executivo municipal (98,7% das parcerias estabelecidas), outros conselhos municipais (assistência social, educação, saúde - 91,1%), empresas privadas (62%), fundações/institutos empresariais (39,2%), universidades (24,1%), entidades de atendimento (24,1%) e outros parceiros (Ministério Público, Poder Judiciário, Promotoria da Infância e Juventude, fóruns de defesa de direitos, no total de 6,3%). Os percentuais mais reduzidos sugerem dificuldade dos conselhos para estabelecer articulações e parcerias fora da esfera estatal, além de terem como parceiros mais comuns os órgãos de caráter público os quais deveriam naturalmente estabelecer interfaces com a ação dos conselhos: de assistência social, educação, saúde. De acordo com Veet (2005), a falta de capacitação dos conselheiros é responsável, em muitos casos, pela não realização do diagnóstico da situação da criança e do adolescente, pela inexistência de um plano de trabalho e por problemas na gestão do Fundo municipal. Nessa direção, Gohn (2007) acentua que, para o exercício da função de deliberação e fiscalização é preciso participar de cursos, seminários, trocas de experiências, fóruns, espaços culturais e eventos e ter conhecimento sobre o funcionamento das 145 estruturas estatais. Dessa forma, foi elaborada uma questão de pesquisa para confirmar se os presidentes e conselheiros compartilham do mesmo entendimento sobre a capacitação para o planejamento e avaliação de políticas de direitos da criança e do adolescente. A capacitação foi investigada com a seguinte pergunta: você considera que a capacitação dos conselheiros para o planejamento e avaliação de políticas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente atendem ao propósito estabelecido pelo conselho? A frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) para essa questão salientou a nota sete (valor máximo) para esta variável entre sete dos 45 presidentes pesquisados (16,7%) e entre 45 dos 230 conselheiros (19,7%). A nota 1 (valor mínimo) foi dada por dois presidentes (4,7%) e 13 conselheiros (5,7%). A média das notas atribuídas foi de 4,9 entre os presidentes e de 5,0 entre os conselheiros. Nesse caso, o desvio-padrão preconiza para presidentes 1,6 e para conselheiros 1,7 e sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos (GRÁF. 14). GRÁFICO 14 – Capacitação: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Esse dado significa que a capacitação, na percepção dos presidentes e conselheiros, pode melhorar. O estudo de casos múltiplos com conselhos apresenta a capacitação como uma das principais prioridades dos conselhos, sendo citado por 46,72% dos conselhos o aprimoramento de conselheiros para controlar, apoiar e acompanhar as ações do Conselho Tutelar, das entidades cadastradas, programas e ações, para garantir o atendimento à 146 criança e ao adolescente buscando melhor desempenho do trabalho e cumprimento do ECA. A capacitação também foi citada pelos conselhos entre os fatores que poderiam contribuir para o aprimoramento das ações, destacando-se: capacitação dos conselheiros para o planejamento e avaliação de políticas de atendimento aos direitos da criança e adolescente, citada por 73 conselhos (92%); capacitação dos conselheiros em liderança e relacionamento humano, 24 conselhos (30,4%); capacitação dos conselheiros para acompanhamento do orçamento público, 23 conselhos (23,1%); mais conhecimento dos conselheiros sobre o ECA, nove conselhos (11,4%); capacitação dos conselheiros na área jurídica, dois conselhos (2,5%). Como demonstra a TAB. 10, pela frequência de notas atribuídas, presidentes e conselheiros percebem a importância dos instrumentos de gestão social e esses atores, ―com os recursos disponíveis nos espaços públicos, fazem valer seus interesses, aspirações e valores, construindo suas identidades, afirmando-se como sujeitos de direitos e obrigações‖, podendo ser classificados como componentes de uma esfera pública (GOHN, 2007; RAICHELIS, 2008; TEIXEIRA, 2001), porém, como recomendam Strek e Adams (2006, p. 111), devem dar atenção ao complexo cruzamento de canais de participação para não se tornarem mais uma vez estruturas vazias e meras cumpridoras de formalidades. Apurou-se que os instrumentos de gestão social são reconhecidamente importantes para presidentes e conselheiros, existindo ponto de tensão entre algumas percepções, cujas práticas não estão implementadas em todos os conselhos. 147 TABELA 10 Frequência de notas para os instrumentos de gestão social: percepção de presidentes e conselheiros Presidentes Nota Diagnóstico da situação Plano de Trabalho Critérios para Liberação de Recursos Orçamento Acompanhamento de Metas e Impactos esperados Resultados Meios de Comunicação Monitoramento Parceria CEDCA Parceria Prefeitura Outras parcerias Capacitação 1 1 1 2 2 0 0 0 3 0 0 0 2 2 1 0 1 0 0 0 0 2 0 0 1 2 3 3 2 8 4 2 0 1 6 0 0 0 2 4 4 6 4 7 7 1 2 8 6 1 1 9 5 6 9 12 9 15 2 4 15 13 3 1 13 6 10 11 11 11 14 9 11 9 5 11 11 8 7 17 14 5 10 5 32 26 0 20 28 29 7 NR 3 2 2 2 2 1 1 2 1 2 2 2 Total 45 45 45 45 45 45 45 45 45 45 45 45 Conselheiros Nota Diagnóstico da situação Plano de Trabalho 1 3 2 3 Critérios para Liberação de Recursos Orçamento Acompanhamento de Metas e Impactos esperados Resultados 8 8 9 12 8 14 13 12 12 4 30 30 5 56 71 6 43 7 71 NR Total 3 0 10 4 17 14 28 22 72 54 54 52 55 45 41 62 Meios de Comunicação Monitoramento Parceria CEDCA 6 13 10 0 2 13 3 14 35 28 6 23 71 26 47 78 70 31 123 Parceria Prefeitura Outras parcerias Capacitação 3 4 13 7 2 5 7 7 10 6 21 41 26 16 19 29 73 53 36 42 53 67 27 50 56 51 60 69 27 74 106 102 45 2 2 3 1 1 2 2 1 2 1 1 2 230 230 230 230 230 230 230 230 229 230 230 230 148 O desvio-padrão, na percepção dos presidentes, determina que as variações mais significativas estão associadas a: diagnóstico da situação (1,6), critérios para liberação de recursos (1,6), orçamento (1,6), capacitação (1,6), meios de comunicação (1,4) e plano de trabalho (1,4) e parceria com o Conselho Estadual (1,1); e as variações menos expressivas estão ligadas a: monitoramento (1,0), acompanhamento de metas e resultados (1,0), outras parcerias (1,0), impactos esperados (0,7) e parceria prefeitura (0,7). Para os conselheiros, o desvio-padrão indica que as acentuadas variações estão associadas a capacitação (1,7), orçamento (1,6), parceria com Conselho Estadual (1,6), critérios para liberação de recursos (1,6), meios de comunicação (1,6), diagnóstico da situação (1,5), plano de trabalho (1,5), monitoramento (1,4), outras parcerias (1,4), parceria com prefeitura (1,3) e acompanhamento de metas e resultados (1,2), enquanto a reduzida variação está relacionada a impactos esperados (0,9) (TAB. 11). Diante dos dados apresentados, apreendeu-se que os CMDCAs devem instituir os meios para direcionar a ação dos presidentes e conselheiros que concretize a proteção integral das crianças e adolescentes, pois apenas 45,6% dos conselhos pesquisados responderam possuir diagnóstico local sobre a situação das crianças e dos adolescentes; somente 53% têm plano de trabalho - as principais fontes de recursos do orçamento estão relacionadas à destinação de pessoas físicas (98,70%) e jurídicas (93,70%) e a proposta orçamentária não contempla os princípios da prioridade absoluta; 27,8% possuem procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados - os procedimentos para medir o impacto esperado e monitoramento das ações não foram observados nos conselhos pesquisados; 30,3% dos conselhos utilizam meios de comunicação para prestação de contas e transparência das ações; os CMDCAS têm relacionamentos com públicos variados e manifestam dificuldade para estabelecer articulações e parcerias fora da esfera estatal. Os próprios conselhos reconhecem a necessidade de capacitação entre as suas principais prioridades e entre os fatores que poderiam contribuir para o seu aprimoramento. A busca por incremento de destinações para o fundo municipal encontra uma saída na relação público-privada para lidar com a realidade a partir da concepção de estabelecimento de alianças e de reciprocidade, que podem constituir uma das formas de convergir recursos e esforços do governo para atender às demandas sociais existentes. Outro dado importante é que presidentes e conselheiros reconhecem que os critérios adotados para liberação dos recursos estão estruturados e planejados, o que é confirmado nas Resoluções dos conselhos. Entretanto, 86,1% dos conselhos fazem a liberação de 149 recursos para entidades cadastradas ou conhecidas e os CMDCAs liberam recursos para entidades realizarem construção, reforma ou ampliação da sede da organização. Confirma-se, assim, o entendimento de Teixeira (2001, p. 137): ―a implantação dessa nova institucionalidade, que cria espaços de interlocução e decisão entre Estado e sociedade, tem se constituído numa experiência complexa, cheia de conflitos, confrontos e negociações entre os atores‖. Diante dessa análise, apresenta-se a percepção dos presidentes e conselheiros (FIG. 3) para os instrumentos de gestão social tendo como referência a média das notas atribuídas. Presidente Conselheiro 6,9 6,8 6,7 Impactos Esperados 6,6 Parceria Prefeitura/Outras Parcerias 6,5 6,4 Monitoramento de Ações 6,3 Impactos Esperados 6,2 6,1 6 Parceria Conselho Estadual 5,9 Parceria Prefeitura 5,8 Outras Parcerias 5,7 Plano de Trabalho/Diagnóstico da Situação Acompanhamento Metas e resultados Critério Liberação de Recursos 5,6 5,5 Monitoramento de Ações 5,4 Parceria Conselho Estadual/Diagnóstico da Situação 5,3 Acompanhamento Metas e resultados 5,2 Critério Liberação de Recursos 5,1 Plano de Trabalho 5 Capacitação 4,9 Orçamento 4,8 Capacitação/Orçamento 4,7 4,6 4,5 Meios de Comunicação 4,4 Meios de Comunicação 4,3 4,2 FIGURA 3 - Instrumentos de gestão social: presidentes e conselheiros. Fonte: Adaptado de Tamayo, A. (2007, p. 11). 150 Decorre dessas análises a propositura de um desafio à gestão social dos conselhos, que consiste em incorporar os instrumentos de gestão para garantia do controle social baseado no monitoramento do acompanhamento da missão dos conselhos e os valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente (participação, indivisibilidade, responsabilidade e universalidade). TABELA 11 Estatística de notas atribuídas para instrumentos de gestão social: percepção de presidentes e conselheiros Variável Diagnóstico da Situação Orçamento Critério liberação de Recursos Capacitação Meio de Comunicação Plano de Trabalho Parceria CEDCA Acompanhamento de Metas e Resultados Monitoramento das ações Outras parcerias Impactos esperados Parceria Prefeitura Variável Capacitação Critério liberação de Recursos Meio de Comunicação Orçamento Diagnóstico da Situação Parceria CEDCA Plano de Trabalho Outras parcerias Monitoramento Parceria Prefeitura Acompanhamento de Metas e Resultados Impactos esperados Presidentes Moda Mediana 7,0 6,0 5,0 5,0 6,0 5,0 5,0 5,0 5,0 5,0 7,0 6,0 7,0 6,0 5,0 5,0 7,0 7,0 7,0 7,0 7,0 7,0 7,0 7,0 Conselheiros Moda Mediana 6,0 5,0 7,0 6,0 5,0 5,0 5,0 5,0 7,0 5,5 7,0 6,0 5,0 5,0 7,0 6,0 7,0 6,0 7,0 6,0 6,0 5,0 7,0 7,0 Média 5,6 4,8 5,2 4,9 4,3 5,6 5,9 5,3 6,3 6,5 6,6 6,5 Desvio Padrão 1,6 1,6 1,6 1,6 1,4 1,4 1,1 1,0 1,0 1,0 0,7 0,7 5,0 5,2 4,5 5,0 5,4 5,4 5,1 5,8 5,5 5,9 5,3 6,3 Desvio Padrão 1,7 1,6 1,6 1,6 1,5 1,6 1,5 1,4 1,4 1,3 1,2 0,9 Média 151 5.2 Análise dos valores e princípios da política nacional A década de 1990 foi propulsora para a formulação de uma política nacional que culminou na aprovação, pelo Congresso Nacional, e na sanção, pelo Presidente da República, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), contendo os princípios que colocam a criança e o adolescente como prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado. Parte-se aqui da concepção de que a Política Nacional de Direitos das Crianças e dos Adolescentes deve se orientar a partir de princípios, entendidos como valores, valorizados e incorporados pela sociedade. Estes princípios refletem as premissas dos Direitos da Criança e dos acordos internacionais das Nações Unidas na área, da CF e do Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA. Dessa forma, os princípios estabelecidos no ECA advêm do artigo 227 da CF, a saber: universalidade - os direitos de crianças e adolescentes são universais; indivisibilidade - os direitos são interdependentes e correlacionados - nenhum grupo de direitos (políticos, civis, econômicos, sociais e culturais) é mais importante que o outro; responsabilidade - os estados são responsáveis por todos os cidadãos, sem exceção, e como tal devem prestar contas dessa obrigação e responsabilidade; participação - o indivíduo tem a prerrogativa de participar da vida política e cultural e de contribuir para o desenvolvimento e dele desfrutar. Esses princípios funcionam como uma peça-chave que articula as várias pontas do conjunto e traça diretrizes para suas ações. A ordem constitucional desses princípios está expressa no artigo 227 da CF, em que se dizem quais são os deveres da família, da sociedade e do Estado para com as crianças e os adolescentes. Então, o que a Constituição faz é garantir que a sociedade se organize na busca dos fins sociais e dos deveres relativos à criança e ao adolescente; e o que o ECA faz é detalhar que direitos constitucionais serão exigíveis pelos cidadãos. Portanto, para efeito dessa pesquisa considera-se como valores da política nacional: universalidade, indivisibilidade, responsabilidade e participação. Sendo assim, os CMDCAs, são entendidos como instrumentos de controle social que visam a indicar caminhos e propor ideias para a proteção integral da criança e do adolescente, priorizando programas e ações de acordo com o diagnóstico do município. Entretanto, algumas iniciativas importantes que servem de base para o cumprimento das atribuições são o conhecimento da realidade local, o planejamento das atividades e o orçamento público (BELO HORIZONTE, 2007). Nessa direção, no planejamento das 152 atividades é necessário: foco de atuação, estabelecimento de metas, cumprimento dos objetivos estabelecidos e resultados, indicação do impacto gerado a partir dos resultados alcançados, formas de monitoramento das ações e indicadores de avaliação das ações previstas. Dessa maneira, várias atividades são necessárias ao desempenho dos CMDCAs: apresentação, diagnóstico das demandas e dos programas/ações existentes (mencionando os indicadores sociais disponíveis, objetivos, prioridades e estratégias, recursos humanos, materiais e financeiros, avaliação (MINAS GERAIS, 2006); definição de planos de trabalho, plano de ação ou Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente (COSTA, 1993, p. 53); conhecimento de estruturas burocráticas e de mecanismos legais do setor; plano de aplicação de recursos (COSTA, 1993, p. 56); cadastramento de entidades governamentais e não governamentais; discussão e análise de leis orçamentárias e elaboração de proposições; acompanhamento de ações; cronogramas de reunião; visitas de campo e entrevistas com os dirigentes e usuários dos serviços e publicização dos atos políticos (RAICHELIS, 2008; TEIXEIRA, 2000; 2001). Nesse sentido, os CMDCAs direcionam as políticas da área elaborando resoluções e têm a atribuição de acompanhar a atuação dos órgãos públicos e das organizações não governamentais na aplicação das políticas (VEET, 2005). A resolução é uma forma de expressar as decisões e deliberações tomadas pelos conselheiros e deve ser aprovada pelo chefe do poder legalmente constituído. Portanto, recorre-se à analise do Regimento Interno e Resoluções dos CMDCAs, junto com as informações dos questionários (APÊNDICES B, D), com o objetivo de conduzir a análise dos valores da política nacional. Assim, a universalidade das políticas para a população infanto-juvenil expressa-se nos limites da deliberação de programas e ações e mantém-se presente na ampliação que essas deliberações desencadeiam na garantia da proteção integral a esse público de forma que a política irá de encontro ao impacto esperado. Ou seja, crianças e adolescentes terão seus direitos defendidos contra qualquer tipo de violência, ameaça, agressão ou violação, seja pela família, sociedade ou até mesmo pelo Estado. Nessa vertente, o dado recolhido da análise do Regimento Interno e Resoluções dos CMDCAs indica: registro de entidades são citados por 44 conselhos (81,5%); 13 conselhos (24,1%) possuem critérios para as instituições cadastradas apresentarem projetos; planos de trabalho são relacionados por 11 conselhos (20,4%); emissão de certificado para captação de recursos são práticas presentes em 11 conselhos (20,4%); seis conselhos (11,1%) citam os critérios para advertência, suspensão, cassação de registro de entidades e 153 estabelecem práticas para visitas às entidades; os critérios para chamamento público de apresentação de projetos estão estabelecidos em 11 conselhos (20,4%); dois conselhos (3,7%) discorrem sobre as práticas para análises dos projetos apresentados; (TAB. 12). TABELA 12 Sistematização da análise documental: Regimento Interno e Resoluções dos Conselhos Nº de conselhos com o item observado 47 87,0 Critérios de competências e funcionamento do conselho (G) 44 81,5 Critérios para registro das entidades (N) 44 81,5 Critérios para liberação de recursos e fundo municipal 43 79,6 Critérios para estabelecimento das comissões temáticas (I) 32 59,3 Critérios de composição, organização do CMDCA (F) 30 55,6 Critérios para apresentação de projetos (A) 13 24,1 Critérios para chamamento público (M) 11 20,4 Critérios apresentação planos de trabalho instituições cadastradas (B) 11 20,4 Emite certificado para captação de recursos – CAC (C ) 11 20,4 Critérios para visitas às entidades (J) 6 11,1 Critérios p/ advertência, suspensão/cassação registro de entidades (L) 6 11,1 Critérios para análise dos projetos apresentados (O) 2 3,7 Critérios para prestação de contas pelas instituições (E) - - Critérios Atribuições dos conselheiros, da mesa diretora (H) % Fonte: Elaborado pelo autor. Neste contexto teórico, a compreensão da indivisibilidade diz respeito às decisões que devem ser tomadas na igualdade política e decisória, tendo origem em processos de discussão orientados pelos princípios da inclusão, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum (TENÓRIO, 1999), assegurando que algumas medidas de proteção deverão ser observadas, pois a proteção integral lhes garante defesa ampla e irrestrita. Portanto, nenhum grupo de direitos deve ser considerado mais importante que outro. Dessa forma, em sua Resolução 105/05, o CONANDA recomenda que o plano de trabalho do CMDCA preveja e priorize temas específicos relacionados à realidade local (MINAS GERAIS, 2008), o acompanhamento e o monitoramento dos programas e projetos, assim como o controle do orçamento direcionado à infância e à adolescência (BELO HORIZONTE, 2007, p. 38-39). 154 Dessa maneira, o Regimento Interno e Resoluções referem que 44 conselhos (81,5%) estabelecem critérios de competências e funcionamento, enquanto 43 (79,6%) estabelecem os critérios para liberação de recursos e fundo municipal (TAB. 12). Nessa perspectiva, o estudo de casos múltiplos com conselhos realça que, entre os instrumentos de planejamento e ação, eles utilizam: avaliações parciais (1,3%); de acordo com a demanda (1,3%); parceria com entidades (1,3%); parcerias com o Conselho Tutelar (1,3%) e 11,4% não têm instrumento de planejamento e ação. Como já demonstrado na análise dos instrumentos de gestão social (subitem 5.1), 45,6% dos conselhos pesquisados possuem diagnóstico local; 53% têm plano de trabalho; 27,8% têm procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados; 26,6% priorizam as áreas temáticas ou faixas etárias; 86,1% fazem a liberação de recursos para entidades cadastradas ou conhecidas; a proposta orçamentária não contempla os princípios da prioridade absoluta; os recursos liberados são aplicados em construção, reforma ou ampliação da sede das instituições; os procedimentos para medir o impacto esperado e monitoramento das ações não são observados nos conselhos pesquisados. Além disso, razoável percentual (10,1%) sente a necessidade de empregar os recursos do fundo para atendimento às necessidades internas. Destaca-se que o gasto social público, os cronogramas de execução fisico-financeira dos programas e o mérito, a relevância e o impacto junto à população infanto-juvenil devem ser objeto de severo controle por parte do conselho, sob pena de, por omissão, os conselheiros tornarem-se corresponsáveis pelas distorções e abusos cometidos pelos órgãos do governo e pelas entidades não governamentais. Percebe-se que os CMDCAs precisam estabelecer os processos que viabilizam o controle social. O controle social não visa apenas a analisar documentos, mas a verificar como os recursos são aplicados e quais são os beneficiados (COSTA, 1993, p. 72), não deixando de considerar que ―a eficácia de um conselho é medida pelo conhecimento da máquina administrativa, a regularidade das reuniões, a participação no orçamento e a formulação de propostas‖ (TEIXEIRA, 2000, p. 93-94). O controle social é feito a partir do orçamento público, no qual se evidencia a responsabilidade de presidentes e conselheiros com a prioridade absoluta. Em meio a essa discussão, é possível considerar que a participação está atrelada ao que vem a ser a qualidade da participação, de forma a se apreender como tomam decisões, como se envolvem no processo decisório, se há eficácia deliberativa e como acontece a responsabilidade pelos atos. A responsabilidade é uma questão fundamental na atribuição 155 dos conselhos e deve compreender os meios de comunicação e visibilidade da tomada de decisão para a sociedade. Nessa direção, os CMDCAs devem utilizar meios de comunicação e representação quando sua deliberação tiver caráter fiscalizador, ou seja, discutir sobre a transferência e movimentação de recursos financeiros e execução da política da instância correspondente, acompanhando e controlando o fundo municipal. As reuniões dos CMDCAs devem ser abertas ao público, com manifestação de todos, sendo que o direito de voto é exclusivo dos conselheiros. O trabalho dos CMDCAs deve ser estruturado em comissões temáticas paritárias. As comissões temáticas se encarregam de preparar e analisar previamente as matérias a serem apreciadas e deliberadas nas reuniões plenárias (BELO HORIZONTE, 2007). Nessa vertente, a Comissão de Comunicação e Divulgação é responsável pela divulgação dos trabalhos dos conselhos de direitos e tutelares e do processo de construção de uma Política Municipal de Proteção Integral para Crianças e Adolescentes, bem como da mobilização social para essa tarefa coletiva. Todavia, o Regimento Interno e Resoluções dos CMDCAs demonstram que os critérios para estabelecimento das comissões temáticas estão firmados em 32 conselhos (59,3%), enquanto os critérios para prestação de contas pelas instituições não foram percebidos nesses conselhos. É interessante ressaltar que o estudo de casos múltiplos com conselhos mostra que 30,3% dos conselhos utilizam meios para prestação de contas e transparência das ações, entre eles: 21,52% fazem apresentações em reuniões, conferências, tribunal de contas, audiências públicas e Ministério Público; 15,19% fazem relatórios e demonstrativos com fotos e exposições para promotoria e poder público. Entretanto, para que a participação seja efetiva, requer o envolvimento com a política de forma que a efetividade deliberativa, conforme discorre Cunha (2007), seja compreendida como a capacidade de controlar e decidir sobre determinada política pública e expressa na institucionalização dos procedimentos. Nessa direção, o Regimento Interno e Resoluções dos CMDCAs revelam: 30 conselhos (55,6%) têm critérios de composição e organização e as atribuições dos conselheiros e da mesa diretora estão firmados em 47 conselhos (87%) (TAB. 12). Percebe-se que os conselhos estão institucionalizados, há coerência entre regras mais ou menos democráticas para definição da presidência do conselho, sinalizando que qualquer conselheiro eleito pode ser presidente e que existem diferenças no estabelecimento das regras de funcionamento. Não possuem regras relativas à previsão de categorias de entidades representativas da sociedade civil e à definição dos 156 representantes da sociedade civil, ou seja, são menos formalizados. No que se refere ao processo decisório, muitos conselhos encontram-se na fase de formalização de critérios (TAB. 12) É interessante notar que o estudo de casos múltiplos com conselhos comprova que existe grande variação no número de membros atuando como conselheiros, ou seja, atuando com até seis pessoas, têm-se 42 conselhos (53%); com 12 a 14 pessoas, têm-se 25 conselhos (32%); com 15 a 30 pessoas, 12 conselhos (15%). Essa informação, concordando com Menicucci (2010), pode sugerir a hipótese de reduzido número de segmentos representados. Quanto às estruturas burocráticas como mesa diretora, secretaria executiva e comissões temáticas, é possível afirmar que os conselhos precisam se organizar. Dessa maneira, o estudo de casos múltiplos com conselhos registrou que 43% dos conselhos possuem comissões temáticas. Além disso, chama a atenção a falta de critérios para estabelecimento de câmaras técnicas. Esse resultado corrobora o achado de Faria e Ribeiro (2010), que estudam os conselhos a partir da pesquisa ―Democracia, desigualdade e políticas públicas no Brasil‖ e concluem que a inexistência de câmaras técnicas pode ser um indício do pouco compromisso dos conselhos com a capacitação dos seus conselheiros e, assim, da qualidade das deliberações. Enfatiza-se que o estudo de casos múltiplos com conselhos apresenta o tema ―capacitação dos conselheiros para o planejamento e avaliação de políticas de atendimento aos direitos da criança e adolescente‖, como necessidade percebida por 73 conselhos (92%). Diante disso, foi elaborada para presidentes e conselheiros uma questão de pesquisa no sentido de perceber o entendimento desses atores sobre as deliberações de programas e ações e se essas deliberações são compreendidas como aprovadas de acordo com a política nacional. Nessa direção, a questão de pesquisa número 1 do questionário (APÊNDICE D) fez a seguinte inquirição: ―as ações e programas de atendimento a crianças e adolescentes foram aprovados de acordo com a Política Nacional de Atendimento à Criança e ao Adolescente‖? A frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) para essa questão obteve que 19 presidentes dos 45 pesquisados (51,3%) e 28 dos 230 conselheiros (12,4%) destinaram a nota sete (valor máximo) para esta variável. A nota um (valor mínimo) foi registrada por dois presidentes (4,7%) e nenhum conselheiro. A média das notas dadas dos presidentes e conselheiros corresponde a 5,9, para ambos os atores, e nesse caso, o desvio-padrão sinaliza 1,5 para 157 presidentes e 1,4 para conselheiros, significando a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Pode-se ressaltar, neste caso, que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões e concordando com Teixeira (2001), essa institucionalidade, tem se constituído numa experiência complexa, cheia de conflitos, confrontos e negociações entre os atores. . GRÁFICO 15 – Programas e ações deliberados pela Política Nacional: presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Dessa forma, conclui-se: o desempenho dos conselhos é afetado por fatores deliberativos relacionados a: foco de atuação; objetivos; prioridades e estratégias; estabelecimento de metas; indicação do impacto esperado; formas de monitoramento das ações; indicadores de avaliação das ações previstas; definição de planos de trabalho; plano de aplicação de recursos; cadastramento de entidades; discussão e análise de orçamento; elaboração de proposições, visitas de campo e entrevistas com instituições; publicização dos atos políticos; capacidade de gasto do Executivo municipal, relacionado aos recursos disponíveis; variação no número de membros atuando como conselheiros. Nota-se que os valores da política nacional estão diretamente relacionados com os instrumentos de gestão social. Então, o baixo nível de instrumentos de gestão social compromete o grau de democratização dos conselhos e as deliberações de presidentes e conselheiros, impactando, assim, a efetividade da participação. Portanto, os potenciais de 158 desempenho dos conselhos depende: da capacidade de mobilização social dos presidentes e conselheiros e das relações entre o desenho institucional e a realidade política, social e administrativa na qual ele está inserido. 5.3 Análise dos valores do espaço público O conceito de espaço público nesta dissertação expressa a natureza participativa nas instâncias deliberativas na figura dos conselhos gestores, considerados componentes de uma esfera pública (RAICHELIS, 2008; TEIXEIRA, 2001), constituídos de representantes do Estado e sociedade civil, em que há uma vinculação institucional ao aparelho de Estado. De acordo com Teixeira (2000), os conselhos são espaços orientados a partir de valores como solidariedade, equidade, respeito a diferenças e sustentabilidade. No que concerne à participação, os conselhos se justificam como instrumentos de gestão, visando principalmente ao controle social, à alocação de recursos e à descentralização. Eles assinalam que a questão social é um marco decisivo nas relações entre Estado e sociedade civil, supondo, como ressaltam Wanderley e Raichelis (2006), um movimento de publicização das ações públicas, no qual os atos públicos devem ser orientados pelos valores do espaço público (CABRAL, 2007; RAICHELIS, 2006a; 2008; WANDERLEY, 1998; 2000; WANDERLEY; RAICHELIS, 2006). Sobre isso, a questão 17 do questionário (APÊNDICE D) exibe para presidentes e conselheiros os conceitos dos valores do espaço público, como: universalidade: garantia de que as atividades atingem, indistintamente, a demanda expressa na missão; qualidade: garantia de que as atividades seguem padrões específicos de excelência e melhoria nas ações, programas do projeto; autonomia: garantia de que as atividades não tenham vínculos forçados com interesses de organizações governamentais, políticas ou privadas; efetividade: garantia de impacto (resultado) positivo a partir das atividades do projeto, mudando condições estruturais mensuráveis e perceptíveis na vida das pessoas; cultura pública: garantia de que os direitos de cidadania e da legalidade são contemplados nas atividades; sustentabilidade: garantia da capacidade econômica de manutenção do projeto e da capacidade social de contribuição dos públicos constituintes; visibilidade social: garantia de publicidade e fidedignidade das informações, processos, objetivos e recursos do projeto em sua comunicação com públicos constituintes e sociedade; representação de interesses coletivos: garantia de que as expectativas, necessidades, capacidades, interesses 159 e representações dos públicos constituintes são incorporadas nas atividades do projeto; controle social: garantia de atribuição de responsabilidades e acompanhamento das atividades aos públicos constituintes; democratização: garantia de participação dos públicos constituintes nas instâncias de acompanhamento e decisão do projeto. Os valores foram expostos em uma estrutura circular, modelo de referência utilizado por Schwartz (2005), considerando que valores podem ser medidos e hierarquizados e estão associados a variáveis externas. As variáveis externas, neste estudo, são os valores da Política Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente dialogando com os instrumentos de gestão social. Em primeiro plano, é preciso considerar que a missão do conselho é a formulação de diretrizes para a política de garantia dos direitos da criança e do adolescente, o que relativiza a universalidade, pois o próprio entendimento da missão assume determinada ampliação. Isso porque, para gerar impacto das ações, essa política precisa integrar várias políticas públicas (MENICUCCI, 2010), com aproximação das questões sociais locais (CASTRO, 2006). Dessa maneira, os conselhos expressam os valores que serão perseguidos nas suas ações e estes farão convergir em resultados as metas estabelecidas no plano de trabalho pelos presidentes e conselheiros. Com base nas notas atribuídas por presidentes e conselheiros, analisam-se os modos de expressão dos valores do espaço público no processo desencadeado pela missão dialogando com os instrumentos de gestão social (diagnóstico da situação, plano de trabalho, orçamento, metas e resultados, impactos esperados, monitoramento, critérios para liberação de recursos, parcerias, capacitação dos conselheiros e meio de comunicação) e valores da política nacional (participação, indivisibilidade, responsabilidade e universalidade). O valor universalidade (garantia de que as atividades atingem, indistintamente, a demanda expressa na missão) apresenta, na frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR), que seis presidentes dos 45 pesquisados (13,3%) atribuíram a nota dez (valor máximo) para este conceito e 26 dos 230 conselheiros (11,3%) escolheram a nota dez. A nota um (valor mínimo) foi detectada por três presidentes (6,7%), e foi registrada entre dezoito conselheiros (7,8%). A média das notas para os presidentes foi de 5,6 e para os conselheiros, 5,8. Nesse caso, o desviopadrão sinaliza 2,9 para presidentes e 2,9 para conselheiros e a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos (GRÁF. 16). 160 GRÁFICO 16 – Universalidade: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Corroborando esse argumento, os conselheiros têm a responsabilidade de construir uma política municipal de proteção integral para crianças e adolescente, tarefa que requer conhecimento da realidade vivida pela população infanto-juvenil da cidade. Nesse sentido, o estudo de casos múltiplos com conselhos evidenciou que os próprios conselhos reconhecem a necessidade de capacitação entre as suas principais prioridades e entre os fatores que poderiam contribuir para o seu aprimoramento. E entendem que essa capacitação, consequentemente, possibilita aos conselheiros terem cursos de formação e atualização como sujeitos políticos que precisam ter como referência um modelo de participação respaldado por um projeto emancipatório que vislumbre mudanças na sociedade a médio e longo prazos (GOHN, 2007) para, desse jeito, cumprir sua missão. Para a percepção do valor qualidade, requisitado pela garantia de que as atividades seguem padrões específicos de excelência e melhoria nas ações e programas do projeto, considera-se que a meta do conselho é atuar na formulação e no controle da execução das políticas sociais que asseguram os direitos das crianças e adolescentes. Nesse sentido, os conselhos são os instrumentos de controle social que visam a indicar caminhos e propor ideias para a proteção integral à criança e ao adolescente, priorizando programas e ações de acordo com o plano de ação/diagnóstico do município. Entretanto, os CMDCAs devem instituir os meios para direcionar a ação dos presidentes e conselheiros, que concretizem a proteção integral das crianças e adolescentes, pois apenas 45,6% dos conselhos possuem 161 diagnóstico local e apenas 27,8% possuem procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados. Os procedimentos para medir o impacto esperado e monitoramento das ações não foram observados nos conselhos pesquisados. A frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) revelou que oito presidentes dos 45 pesquisados (17,8%) e 22 dos 230 conselheiros entrevistados (9,6%) atribuíram a nota dez (valor máximo) para esta variável. A nota um (valor mínimo) foi escolhida por quatro presidentes (8,9%), mas foi atribuída por sete conselheiros (3,0%). A média das notas para os presidentes foi de 4,7 e para os conselheiros, 5,8. Nesse caso, o desvio-padrão 2,9 para presidentes e 2,8 para conselheiros significa a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Infere-se que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 17). GRÁFICO 17 – Qualidade: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. A autonomia assume, algumas vezes, a conotação de autossustentação, sem a presença do Estado referendando os dados que mostram os recursos para uso nos programas e ações deliberados pelos conselhos. Conforme o estudo de casos múltiplos com conselhos, as principais fontes de recursos desses CMDCAs estão relacionadas à destinação de pessoas físicas (98,70%) e jurídicas (93,70%), repasses do Poder Executivo (48,10%), repasses do Poder Judiciário (31,60%) e repasses do Conselho Estadual dos Direitos da Criança (CEDCA) (5,10%). Nota-se que os conselhos têm necessidade de 162 melhorias no controle orçamentário e precisam compreender que o controle social é feito a partir do orçamento público, no qual se evidencia a prioridade absoluta. Dessa forma, a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) mostrou que oito presidentes dos 45 pesquisados (17,8%) atribuíram a nota dez (valor máximo) para esta variável e 29 dos 230 conselheiros (12,7%) atribuíram a nota dez. A nota um (valor mínimo) foi atribuída por seis presidentes (13,3%) e 22 conselheiros a pontuaram (9,6%). A média das notas atribuídas refere, para os presidentes, 6,1 e para os conselheiros, 5,8. O desvio-padrão 3,1 para presidentes e 2,9 para conselheiros sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos (GRÁF. 18). GRÁFICO 18 – Autonomia: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. O valor efetividade é requisitado pelo conceito de garantia de impacto (resultado) positivo a partir das atividades do projeto, mudando condições estruturais mensuráveis e perceptíveis na vida das pessoas. Infere-se, pela frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR), que dois presidentes dos 45 pesquisados (4,4%) atribuíram a nota dez (valor máximo) para esta variável, bem como 36 conselheiros dos 230 pesquisados (15,7%). A nota um (valor mínimo) foi atribuída por três presidentes (6,7%), e por 15 conselheiros (6,5%). A média das notas atribuídas revela 5,8 para os presidentes e 5,9 para os conselheiros. Nesse caso, o desvio-padrão 2,7 para presidentes e 2,8 para conselheiros sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos (GRÁF. 19). 163 GRÁFICO 19 – Efetividade: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Existe expectativa de alcance de impactos esperados com as deliberações dos conselhos e, assim, de a garantia dos direitos da criança e do adolescente (ver o subitem 5.1). O estudo de casos com conselhos demonstrou que os procedimentos de acompanhamento de metas e resultados não estão estruturados e os conselhos deliberam recursos para diversas áreas, sem aferir resultados e metas (só 27,8% dos conselhos possuem esse procedimento), comprometendo o controle social da execução das políticas sociais. A questão do controle público supõe a criação de uma cultura política democrática. O reconhecimento do valor cultura pública permite avançar na análise considerando a missão do conselho, pois relaciona a demanda social que o conselho deve atender e o compromisso público com a garantia dos direitos da criança e do adolescente. A frequência de notas dadas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) enfatizou que a nota dez (valor máximo) foi atribuída por quatro dos 45 presidentes pesquisados (8,9%) e por nove dos 230 conselheiros (3,9%). A nota um (valor mínimo) foi atribuída por seis presidentes (13,3%) e por 23 conselheiros (10,0%). A média das notas destaca 4,4 para os presidentes e 5,1 para os conselheiros. O desvio-padrão 2,7 para presidentes e 2,7 para conselheiros significa a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Sublinha-se que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 20). 164 GRÁFICO 20 – Cultura pública: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Esse valor é referenciado pelo compromisso com o trabalho garantido pela missão e, de um lado, expressa os movimentos em direção à constituição de uma democracia deliberativa e indica a socialização dos problemas e a busca de soluções, contribuindo para a cidadania deliberativa. Entretanto, 86,1% dos conselhos fazem a liberação de recursos para entidades cadastradas ou conhecidas e os CMDCAs liberam recursos para entidades realizarem construção, reforma ou ampliação da sede da organização. Esse resultado corrobora que os conselhos precisam estabelecer os critérios para acompanhamento de resultados e metas, pois liberam recursos para reforma e melhoria da sede da organização e, desse jeito, pode comprometer o reconhecimento do exercício da participação cidadã. A garantia de deliberação de recursos para programas e ações que vão em direção ao cumprimento da missão produz efeito em toda a sociedade e resultados sociais e públicos, na acepção da publicidade. Concordando com Gohn (2007), deve-se ter uma forma de acompanhar as ações dos conselheiros e o exercício dos conselhos deve ser passível de fiscalização e avaliação. Em relação ao valor sustentabilidade, entendido como garantia da capacidade econômica de manutenção do projeto e da capacidade social dos conselhos para deliberar sobre os programas e ações, a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) apurou nota dez (valor máximo) dada por dois dos 45 presidentes pesquisados (4,4%) e por 14 dos 230 conselheiros pesquisados (6,1%). A nota 1 (valor mínimo), foi atribuída por seis presidentes (13,3%), foi obtida de 19 conselheiros (8,3%). A média das notas atribuídas mostra para os presidentes 4,7 e para 165 os conselheiros, 5,1. Assim, o desvio-padrão 2,4 para presidentes e 2,6 para conselheiros significa a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Ressalta-se que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 21). GRÁFICO 21 – Sustentabilidade: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Esse resultado vem ao encontro do dado recolhido das organizações sobre a aplicação dos recursos em construção/reforma/ampliação da sede que remete a uma consideração quanto à necessidade de planejamento sistemático e de diagnóstico das necessidades do público-alvo objeto central de atuação dessas organizações. Pois somente 53% dos conselhos têm plano de trabalho, as principais fontes de recursos do orçamento estão relacionadas à destinação de pessoas físicas (98,70%) e jurídicas (93,70%) e a proposta orçamentária não contempla os princípios da prioridade absoluta. Se, por um lado, releva-se a escassez de recursos públicos nos municípios em que essas organizações se localizam, por outro chama a atenção a necessidade de uma sistemática de trabalho planejada que permita relacionar as finalidades da aplicação com os meios necessários para a realização dessas finalidades, considerando as demandas e necessidades diretamente relacionadas ao público-alvo, crianças e adolescentes e a missão do conselho. A visibilidade social, compreendida como garantia da publicidade e fidedignidade das informações, processos, objetivos e liberação de recursos para programas e ações em sua comunicação com a sociedade, deve manifestar-se nos conselhos por meio da publicização dos atos políticos. Raichelis (2008) compartilha da afirmação de Teixeira (2000) e acentua que uma das exigências para a consolidação dos conselhos como espaços 166 públicos democráticos é a ampliação da visibilidade pública, que significa que as ações, os discursos e os critérios que orientam as deliberações devem se expressar com fidedignidade e publicidade para todos os que serão implicados pelas decisões assumidas. Desse modo, Raichelis (2008) compreende a publicização como a visão ampliada de democracia e incorporada por novos mecanismos e formas de atuação, dentro e fora do Estado, que dinamizam a participação social de modo que ela seja cada vez mais representativa dos segmentos organizados da sociedade, especialmente das classes dominadas (RAICHELIS, 2008, p. 42-43). Portanto, é interessante notar que nem todos os conselhos têm práticas implementadas para publicizar seus atos públicos. Essa informação é confirmada pelo estudo de casos múltiplos com conselhos, que realça que apenas 30,3% dos conselhos afirmaram possuir práticas de publicização dos atos políticos. Dessa forma, a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) referiu que dois presidentes dos 45 pesquisados (4,4%) atribuíram a nota dez (valor máximo) para esta variável, nota que também foi escolhida por 11 conselheiros dos 230 pesquisados (4,8%). A nota 1 (valor mínimo) foi atribuída por cinco presidentes (11,1%) e por dezesseis conselheiros (7,0%). A média das notas informa, para os presidentes, 4,5; e para os conselheiros, 4,4. O desvio-padrão 2,5 para presidentes e 2,7 para conselheiros preconiza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Vê-se que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 22). 167 GRÁFICO 22 – Visibilidade social: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. A consideração dos interesses e das expectativas dos públicos constituintes sugere que o conselho se manifeste com a representatividade dos interesses coletivos que indica a socialização dos problemas e a busca de soluções coletivas, gerando a garantia de que as expectativas, necessidades, capacidades, interesses e representações sejam incorporadas nas atividades do projeto. Essa situação contribui internamente para o envolvimento de todos e externamente para a busca de parcerias que apoiem e viabilizem formas de atingir a missão. Como nem todos os conselhos possuem práticas implementadas para acompanhamento de metas e avaliação de resultados, não é possível garantir a representatividade dos interesses coletivos. Nessa direção, os próprios conselhos reconhecem a necessidade de capacitação entre as suas principais prioridades e entre os fatores que poderiam contribuir para o seu aprimoramento. Dessa forma, a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR) para o valor representatividade dos interesses coletivos salientou que dois presidentes dos 45 pesquisados (4,4%) e cinco conselheiros dos 230 avaliados (2,2%) deram nota dez (valor máximo) para esta variável. A nota 1 (valor mínimo) foi atribuída por cinco presidentes (11,1%) e 44 conselheiros (19,1%) escolheram essa nota. A média das notas atribuídas para os presidentes foi 5,7 e para os conselheiros, 5,4. O desvio-padrão de 3,2 para presidentes e 2,8 para conselheiros significa a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses 168 grupos. Conclui-se, então, que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 22). GRÁFICO 23 – Representatividade de interesses coletivos: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Quando questionados se ―as ações e programas são priorizados de acordo com o diagnóstico da situação ou plano de ação estabelecido para atendimento à criança e ao adolescente‖, o resultado dessa questão sugere que os conselhos deliberam sem o diagnóstico local e, portanto, sem a socialização dos problemas. Isso quer dizer que presidentes e conselheiros constroem o seu campo de atuação deliberando muitas vezes sem a garantia de que as expectativas sejam alcançadas. Em relação ao valor controle social, entendido como garantia de atribuição de responsabilidades e acompanhamento das atividades, é importante anotar as iniciativas dos conselhos que contribuem para o estabelecimento de mecanismos de controle. Exemplo disso são as parcerias com empresas privadas, que fazem referência ao modo participativo e democrático da gestão do conselho, que contribui para o estabelecimento de prestação de contas de recursos recebidos e de mecanismos de controle (CABRAL, 2007). Analisando a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR), constatou-se que dois dos 45 presidentes pesquisados (4,4%) e 11 dos 230 (4,8%) conselheiros entrevistados atribuíram a nota dez (valor máximo) para esta variável. A nota 1 (valor mínimo) foi dada por seis presidentes (13,3%) e 25 conselheiros (10,9%). A média das notas atribuídas para os presidentes foi de 6,9 e 169 para os conselheiros, 6,6. Nesse caso, o desvio-padrão 2,4 para presidentes e 2,6 para conselheiros sinaliza a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 23). GRÁFICO 24 – Controle social: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Exemplo disso são as parcerias e articulações estabelecidas para a busca por incremento de destinações para o fundo municipal, que podem constituir uma das formas de convergir recursos e esforços do governo para atender às demandas sociais existentes. Assim concebido, o controle social deve referir-se aos atributos do conceito de público não estatal como o instrumento que permite avaliar a forma concreta da missão do conselho e como espaço participativo que integra presidentes e conselheiros. O valor democratização é entendido como a ampliação de espaços referentes às decisões políticas com garantia de participação da sociedade civil nas instâncias de acompanhamento e decisão dos programas e ações. Nos conselhos a ampliação desses espaços é fundamental e se processa nas plenárias públicas e nas conferências. Essa participação em plenárias e conferências contempla interesses diversos e contraditórios, momento em que, por meio de diálogo, esses interesses serão qualificados e confrontados, derivando daí o embate público capaz de contribuir no fortalecimento da sociedade civil e na construção do espaço público (STRECK; ADAMS, 2006). No entanto, será necessário enfrentar os desafios, tensões e até mesmo contradições e esses desafios podem estar 170 ligados às características identificadas como elementos centrais aos seus papéis. Como propõe Brasil (2004), no caráter dialógico pautado na lógica de interação comunicativa no que se refere não apenas à negociação de conflitos, mas às possibilidades de inovações institucionais delineadas a partir das práticas e valores, supõe-se a compreensão das ações na ótica da construção de direitos sociais, políticos e civis, construindo-se, assim, a cidadania. Analisando a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros (não considerando os casos de NR), seis presidentes dos 45 pesquisados (13,3%) e 42 dos 230 conselheiros (18,3%) atribuíram a nota dez (valor máximo) para esta variável. A nota 1 (valor mínimo) não foi atribuída pelos presidentes e foi escolhida por três conselheiros (1,3%). A média das notas atribuídas foi de 6,4 para os presidentes e de 6,3 para os conselheiros. O desvio-padrão 3,0 para presidentes e 2,5 para conselheiros significa a dispersão em torno da média e, portanto, o nível da divergência ou das tensões internas para esses grupos. Pode-se apurar que os desvios são singularmente diferentes entre os grupos, indicando, possivelmente, percepções diferenciadas das questões (GRÁF. 24). GRÁFICO 25 - Democratização: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Elaborado pelo autor. Como demonstra a TAB. 13, a frequência de notas atribuídas pelos presidentes e conselheiros sinaliza variações em relação às percepções desses atores. 171 TABELA 13 Frequência de notas para os valores do espaço público: percepção de presidentes e conselheiros Presidentes Nota Controle Social Visibilidade Social Democratização 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 NR Total 6 7 4 8 4 2 5 2 2 2 3 5 3 5 6 9 6 2 2 2 2 3 0 3 1 4 3 6 7 3 9 6 3 Representação de Interesse Coletivo 5 7 5 3 7 5 3 4 0 2 4 45 45 45 45 Sustentabilidade Cultura Pública Autonomia Universalidade Qualidade Efetividade 6 6 6 4 5 3 2 4 4 2 3 6 4 4 2 3 4 3 4 8 4 3 6 1 1 5 5 3 5 4 4 8 3 3 4 6 3 6 3 4 6 1 6 3 4 3 4 0 1 5 7 6 4 8 3 3 3 5 4 0 5 10 5 5 2 3 45 45 45 45 45 45 Sustentabilidade Cultura Pública Autonomia Universalidade Qualidade Efetividade 19 19 17 16 17 22 31 26 32 14 17 23 20 23 19 17 18 29 25 25 9 22 22 18 15 21 15 23 28 19 23 29 16 18 18 18 19 28 16 17 23 27 26 20 7 16 14 19 18 23 34 37 23 22 17 15 12 24 26 23 24 20 17 14 36 19 230 230 229 230 230 230 Conselheiros Nota Controle Social Visibilidade Social Democratização 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 NR Total 25 24 17 34 20 21 24 14 22 11 18 16 33 27 11 36 18 24 23 13 11 18 3 13 17 20 21 23 32 21 20 42 18 Representação de Interesse Coletivo 44 24 24 11 17 42 20 14 10 5 19 230 230 230 230 172 Dessa forma, o desvio-padrão (TAB. 14), mostra que as variações mais expressivas em relação às percepções dos presidentes estão associadas aos valores: representação de interesses coletivos (3,2), autonomia (3,1), democratização (3,0), qualidade (2,9), universalidade (2,9), efetividade (2,7) e cultura pública (2,7); e as menos expressivas estão relacionadas a: visibilidade social (2,5), controle social (2,4) e sustentabilidade (2,4). Essa mesma análise, na percepção dos conselheiros, permite inferir que as maiores variações estão relacionadas a: autonomia (2,9), universalidade (2,9), representação de interesses coletivos (2,8), efetividade (2,8), qualidade (2,8), cultura pública (2,7), visibilidade social (2,7); e as menores variações estão relacionadas a: controle social (2,6), sustentabilidade (2,6) e democratização (2,5). TABELA 14 Estatísticas valores do espaço público: percepção de presidentes e conselheiros Cultura pública Média 4,4 Mediana 4,0 Moda 4,0 Desvio padrão 2,7 Representatividade de Média 5,7 Mediana 6,0 Moda 9,0 Desvio padrão 3,2 Sustentabilidade Média 4,7 Mediana 5,0 Moda 5,0 Desvio padrão 2,4 Autonomia Média 6,1 Mediana 6,5 Moda 10,0 Desvio padrão 3,1 PRESIDENTES Controle social Média Mediana Moda Desvio padrão Universalidade Média Mediana Moda Desvio padrão Cultura pública Média 5,1 Mediana 5,0 Moda 4,0 Desvio padrão 2,7 Representatividade de Média 5,4 Mediana 6,0 Moda 7,0 Desvio padrão 2,8 Sustentabilidade Média 5,1 Mediana 5,0 Moda 5,0 Desvio padrão 2,6 Autonomia Média 5,8 Mediana 6,0 Moda 10,0 Desvio padrão 2,9 5,6 5,0 8,0 2,9 Visibilidade Social Média 4,5 Mediana 5,0 Moda 2,0 Desvio padrão 2,5 Democratização Média 6,4 Mediana 7,0 Moda 10,0 Desvio padrão 3,0 Média Mediana Moda Desvio padrão Efetividade Média Mediana Moda Desvio padrão CONSELHEIROS Controle social Média 6,6 Mediana 7,0 Moda 10,0 Desvio padrão 2,6 Universalidade Média 5,8 Mediana 6,0 Moda 5,0 Desvio padrão 2,9 Visibilidade Social Média 4,4 Mediana 5,0 Moda 1,0 Desvio padrão 2,7 Democratização Média 6,3 Mediana 7,0 Moda 8,0 Desvio padrão 2,5 Qualidade Média 5,8 Mediana 6,0 Moda 9,0 Desvio padrão 2,8 Efetividade Média 5,9 Mediana 6,0 Moda 10,0 Desvio padrão 2,8 6,9 7,0 9,0 2,4 Qualidade 4,7 4,0 1,0 2,9 5,8 7,0 7,0 2,7 Fonte: Dados do autor. Dessa maneira, apresenta-se a percepção dos presidentes e conselheiros para os valores do espaço público não estatal. A FIG. 4 apresenta os valores percebidos de acordo com a média de notas atribuídas. 173 FIGURA 4 - Estrutura circular da percepção dos valores: presidentes e conselheiros. Dessa forma, a análise dos valores do espaço público (FIG. 5) permite hierarquizar os valores, tendo como referência a média das notas atribuídas, sob a percepção dos presidentes: controle social (6,9), democratização (6,4), autonomia (6,1), efetividade (5,8), representação de interesses coletivos (5,7), universalidade (5,6), qualidade (4,7), sustentabilidade (4,7), visibilidade social (4,5) e cultura pública (4,4). E sob a percepção dos conselheiros: controle social (6,6), democratização (6,3), autonomia (5,9), efetividade (5,9), qualidade (5,8), universalidade (5,8), representação de interesses coletivos (5,4), sustentabilidade (5,1), cultura pública (5,1) e visibilidade social (4,4). Percebe-se que esse resultado coincide com a afirmação de Teixeira (2001), segundo o qual esses espaços de interlocução e decisão entre Estado e sociedade são constituídos de conflitos, confrontos e negociações entre os atores. 174 Presidente Controle Social Conselheiro 6,9 6,8 6,7 6,6 Controle Social 6,5 Democratização 6,4 6,3 Democratização 6,2 Autonomia 6,1 6 5,9 Autonomia/Efetividade Efetividade 5,8 Qualidade/Universalidade Representação de Interesses Coletivos 5,7 Universalidade 5,6 5,5 5,4 Representação de Interesses coletivos 5,3 5,2 5,1 Sustentabilidade/Cultura Pública 5 4,9 4,8 Qualidade/Sustentabilidade 4,7 4,6 Visibilidade Social 4,5 Cultura Pública 4,4 Visibilidade Social FIGURA 5 - Hierarquia dos valores do espaço público: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Adaptado de Tamayo, A. (2007, p. 11). Diante da expositiva, pondera-se: em primeiro plano, é preciso considerar que a missão do conselho é a formulação de diretrizes para a política de garantia dos direitos da criança e do adolescente. Assim, a análise dos valores do espaço público revela que, na percepção de presidentes e conselheiros, existem pontos de tensões. As variações mais expressivas estão associadas aos valores: controle social, democratização, qualidade, cultura pública, sustentabilidade, visibilidade social e representatividade dos interesses coletivos. As menores variações estão relacionadas a: universalidade, autonomia e efetividade. Do ponto de vista 175 teórico, o que ocorre é que o conselho está contribuindo para a ampliação dos espaços de participação e ampliação do conceito de público como atributo. Diante dos dados apresentados, apreendeu-se que os valores do espaço público estão diretamente relacionados com os instrumentos de gestão social. Dessa forma, em relação ao valor controle social, entendido como garantia de atribuição de responsabilidades e acompanhamento das atividades, é o atributo hierarquizado em primeiro lugar por presidentes e conselheiros, sugerindo que esses atores o consideram valor relevante. É importante anotar as iniciativas dos conselhos que contribuem para o estabelecimento de mecanismos de controle. Exemplo disso são as parcerias e articulações estabelecidas para a busca por incremento de destinações para o fundo municipal, que podem constituir uma das formas de convergir recursos e esforços do governo para atender às demandas sociais existentes. Assim concebido, o controle social deve referir-se aos atributos do conceito de público não estatal como o instrumento que permite avaliar a forma concreta da missão do conselho e como espaço participativo que integra presidentes e conselheiros. Assim, o controle social é feito a partir do orçamento público, no qual se evidenciam a prioridade absoluta e o atributo autonomia e tem relação direta com o valor sustentabilidade. O valor democratização, entendido como a ampliação de espaços referentes às decisões políticas com garantia de participação da sociedade civil nas instâncias de acompanhamento e decisão dos programas e ações, é o segundo elemento mais pretendido na hierarquização dos presidentes e conselheiros. A democratização deve referir-se à participação cidadã, entendida como aquela que redefine laços entre o institucional e as práticas da sociedade civil organizada, porque o Estado reconhece a existência dos conflitos na sociedade e as divergências nas formas de equacionamento e resolução das questões sociais entre os diferentes grupos e participa da arena de negociação entre eles (GOHN, 2007). Dessa forma, a percepção do valor qualidade, requisitado pela garantia de que as atividades seguem padrões específicos de excelência e melhoria nas ações e programas do projeto, é afetada por fatores deliberativos relacionados ao diagnóstico local, procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados, impacto esperado e monitoramento das ações. O reconhecimento do valor cultura pública permite avançar na análise considerando a missão do conselho, pois relaciona a demanda social a que o conselho deve atender e o 176 compromisso público com a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Dessa maneira, o valor cultura pública expressa os movimentos em direção à constituição de uma democracia deliberativa e indica a socialização dos problemas e a busca por soluções, contribuindo para a cidadania deliberativa. Dessa forma, a liberação de recursos para entidades cadastradas ou conhecidas aplicarem em construção, reforma ou ampliação da sede da organização sugere que os conselhos precisam estabelecer um plano de aplicação de recursos. Assim, o valor cultura pública fornece ao controle social um parâmetro para identificar uma condição formal que supere as injunções sociais, pois relaciona a demanda social a que o conselho deve atender e o compromisso público com a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Em relação ao valor sustentabilidade, entendido como garantia da capacidade econômica de manutenção do projeto e da capacidade social dos conselhos para deliberar sobre os programas e ações, sugere-se que os conselhos estabeleçam um planejamento sistemático e de diagnóstico das necessidades do público-alvo objeto central de atuação das instituições cadastradas. Assim, os critérios para acompanhamento de resultados e metas, com garantia de destinação de recursos, irão na direção do cumprimento da missão. Esse fato produzirá efeito em toda a sociedade e resultados sociais e públicos, na acepção da publicidade. A visibilidade social, compreendida como garantia da publicidade e fidedignidade das informações, processos, objetivos e liberação de recursos para programas e ações em sua comunicação com a sociedade, deve manifestar-se nos conselhos por meio da publicização dos atos políticos. Portanto, é interessante notar que nem todos os conselhos têm práticas implementadas para publicizar seus atos públicos. Dessa forma, é imperioso estabelecer práticas para a publicização dos atos. No tocante à visibilidade social, o controle social deve permitir que todos os atos políticos dos conselhos garantam fidedignidade dos processos e das práticas. A consideração dos interesses e das expectativas de garantia dos direitos da criança e do adolescente sugere que o conselho se manifeste com a representatividade dos interesses coletivos, que indica a socialização dos problemas e a busca por soluções coletivas, gerando a garantia de que as expectativas, necessidades, capacidades, interesses e representações sejam incorporadas nas atividades do projeto. Essa situação contribui internamente para o envolvimento de todos e externamente para a busca por parcerias que apoiem e viabilizem formas de atingir a missão. Essa condição guarda relação com o valor universalidade, que deve ser abordado pela 177 missão do conselho, além de estar ligada à condição de o controle social fornecer medidas que garantam a participação cidadã nesses espaços públicos. Nessa direção, a percepção do valor representatividade dos interesses coletivos demonstra que presidentes e conselheiros constroem o seu campo de atuação deliberando muitas vezes sem a garantia de que as expectativas sejam alcançadas. Intimamente ligada a essa capacidade está a condição de o controle social fornecer medidas que garantam a participação cidadã nesses espaços públicos. Dessa forma, a percepção do valor universalidade (garantia de que as atividades atingem, indistintamente, a demanda expressa na missão) é impactada pelos processos de discussão política dos conselhos e requer que os conselheiros tenham conhecimento da realidade vivida pela população infanto-juvenil da cidade de forma a garantir a efetividade da participação. Quanto ao valor autonomia, assume, algumas vezes, a conotação de autossustentação, sem a presença do Estado referendando os dados que mostram os recursos para uso nos programas e ações deliberados pelos conselhos. E a proposta orçamentária do município não contempla a destinação preferencial de recursos públicos vindos do Executivo Municipal. Notase que o Poder Executivo não está cumprindo os princípios da prioridade absoluta que estabelece a destinação preferencial de recursos para a criança e o adolescente e, então, não existe a garantia da universalização da política. O valor efetividade é requisitado pelo conceito de garantia de impacto (resultado) positivo a partir das atividades do projeto, mudando condições estruturais mensuráveis e perceptíveis na vida das pessoas. Constata-se que existe expectativa de alcance de impactos esperados com as deliberações dos conselhos e, assim, da garantia dos direitos da criança e do adolescente (ver o subitem 5.1). Entretanto, os procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados, impacto esperado e monitoramento das ações não são práticas implementadas nos conselhos. O valor qualidade e efetividade deve ser mensurado quantitativa e qualitativamente pelo controle social. Essas medidas visam a garantir o uso eficiente, eficaz e efetivo dos recursos, ensejando que os interesses representados e o modo democrático de concebê-los se reflitam na deliberação de diretrizes de políticas públicas capazes de infundir perspectiva de valor e melhoria para as crianças e adolescentes e suas expectativas de realização. 178 Dessa maneira, é imperioso que o CMDCA se enraíze nas práticas sociais para a garantia de direitos do público infanto-juvenil, implicando a criação de mecanismos que possam induzir novas modalidades de ação coletiva ativadoras da participação cidadã e, assim, reforçar a sintonia com os grupos que lhes dão suporte. Cabe aqui ressaltar que, para que possam consolidar a esfera pública democrática, é mister que o público infanto-juvenil esteja representado. Esta é a revolução da participação a incidir nas modalidades de efetivação das estratégias de enfrentamento de direitos violados desse público. 179 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Refletir de onde vem a participação da sociedade civil nas políticas públicas é uma das premissas para entender a relação entre os diversos atores que lidam com a realidade social do Brasil. Dessa maneira, conhecer a conjuntura histórica do país se faz necessária para o entendimento das formas de participação. A participação surge em um período marcado pelo autoritarismo instaurado no país, tendo como um dos objetivos o controle sobre os recursos e a conquista dos direitos dos trabalhadores na luta operária na fábrica, no formato de conselhos populares. Essas experiências e outras desenvolvidas na década de 1970 e 1980 (Osasco, Campinas, e Piracicaba – SP, Boa Esperança – ES, Porto Alegre do Norte – MT) são incorporadas pela CF de 1988 e geram, posteriormente, várias leis que institucionalizam os conselhos de políticas públicas (TEIXEIRA, 2000, p. 101). A partir do início dos anos de 1990, a participação ganhou novos contornos em virtude do processo de modernização econômica vivido pelo país. No cenário de modernização ganhou força o conceito de descentralização, com o Estado concedendo às organizações competências para realizar direitos. Daí decorrem discussões importantes sobre a participação, os mecanismos e canais de participação, de que tratou o capítulo 2. Esse capítulo visou a compreender os princípios participativos no contexto brasileiro instituídos com a Constituição Federal de 1988, que fizeram suscitar o encontro de diversos atores em movimentos sociais, organizações sindicais e profissionais e representantes do Estado em fóruns, plenárias e encontros temáticos. Assim, desenvolveu-se um quadro que se desencadeou em instâncias deliberativas, a exemplo dos conselhos gestores da coisa pública. Esses conselhos contam com representantes da sociedade civil e Estado, lastreados em relações sociais que se colocam entre o público e o privado, originando o público não estatal. Diante dos estudos realizados, a presente dissertação define a participação como um conjunto de elementos, entendida no interior dos conselhos gestores cujo processo decisório se confirma orientado a partir de valores e práticas de gestão social. Como analisado no capítulo 3, a compreensão dos CMDCAs foi importante no entendimento do objeto de estudo e da formulação da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente. Pode-se salientar que a década de 1990 foi propulsora de uma 180 política nacional que culminou na aprovação, pelo Congresso Nacional, e na sanção, pelo Presidente da República, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, contendo os princípios que colocam a criança e o adolescente como prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado. Para o funcionamento regular de um conselho, o modelo de gestão deve permitir mais envolvimento no que diz respeito ao atendimento das demandas sociais. Dessa forma, foi fundamental conhecer a gestão dos CMDCAs e quais instrumentos de gestão social orientam a tomada de decisão. A gestão nos CMDCAs depende de vários fatores, entre os quais se destacam questões relacionadas às condições econômicas e sociais, aos interesses pelas causas coletivas, à saúde, à educação. Assim, a importância dos CMDCAs como instrumentos de controle social, quando bem organizados e atuantes, se configuram como instâncias privilegiadas no debate acerca das políticas públicas, pois articulam diversos segmentos para propor soluções para as questões e limitações apresentadas na realidade do município. Dessa maneira, o instrumento de investigação, o questionário (APÊNDICE D), foi construído dialogando os valores do espaço público, valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente e instrumentos de gestão social. Assim, a análise de dados foi delineada em três dimensões: instrumentos de gestão social, valores da política nacional e valor do espaço público. Por meio deste estudo pôde-se testar os pressupostos considerados, a saber: Valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente (universalidade, indivisibilidade, responsabilidade e participação) são percebidos por presidentes e conselheiros na deliberação de programas e ações que asseguram os direitos das crianças e adolescentes; valores do espaço público (efetividade, qualidade, controle social, cultura pública, visibilidade social, representação de interesses coletivos, universalização, autonomia e democratização) são atributos percebidos por presidentes e conselheiros e orientam a função deliberativa; instrumentos de gestão social (diagnóstico da situação, plano de trabalho, orçamento, metas e resultados, impactos esperados, monitoramento, critérios para liberação de recursos, parcerias, capacitação dos conselheiros e meio de comunicação) são meios que orientam a gestão social dos conselhos. 181 Assim, o objetivo geral da presente pesquisa, de identificar e analisar os valores e instrumentos de gestão social percebidos pelos presidentes e conselheiros na gestão social para a área da criança e do adolescente, foi alcançado e o reconhecimento da temática existe, o que se faz necessário, inclusive, para o aprofundamento das reflexões estabelecidas. Diante dos objetivos específicos de analisar a percepção dos presidentes e conselheiros sobre os instrumentos de gestão social, valores da política nacional e valores do espaço público, nota-se que são percebidos por esses atores, porém, não seguem a mesma ordem de importância, o que sinaliza uma relação de conflito. Neste contexto, a análise dos instrumentos de gestão social demonstra que apenas 45,6% dos conselhos pesquisados responderam possuir diagnóstico local sobre a situação das crianças e dos adolescentes, 53% dos conselhos têm plano de trabalho, 27,8% possuem procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados e, como consequência, só 27,8% dos conselhos deliberam recursos aferindo resultados e metas. Os procedimentos para medir o impacto esperado e monitoramento das ações não foram observados, sendo que 30,3% dos conselhos respondentes utilizam meios para prestação de contas e transparência das ações. As principais fontes de recursos do orçamento estão relacionadas à destinação de pessoas físicas (98,70%) e pessoas jurídicas (93,70%) e, dessa forma, a proposta orçamentária não contempla os princípios da prioridade absoluta. Os estudos sinalizam que os CMDCAS têm relacionamentos com públicos variados e revelam dificuldade para estabelecer articulações e parcerias fora da esfera estatal. Os critérios adotados para liberação dos recursos estão estruturados e planejados, na percepção dos presidentes e conselheiros, e estabelecidos nas Resoluções; 86,1% dos conselhos fazem a liberação de recursos para entidades cadastradas ou conhecidas e essas liberações são aplicadas em construção, reforma ou ampliação da sede da organização. Os próprios conselhos reconhecem a necessidade de capacitação entre as suas principais prioridades e entre os fatores que poderiam contribuir para o seu aprimoramento. Entretanto, nota-se que presidentes e conselheiros reconhecem a importância dos instrumentos de gestão social, têm pontos de tensões nas percepções e essas práticas não estão implementadas em todos os conselhos. Isso confirma as hipóteses: instrumentos de gestão social não são práticas implementadas nos conselhos, no entanto, eles deliberam sobre programas e ações para a garantia da prioridade absoluta da população infanto-juvenil; a existência dos conselhos não implica a efetividade da participação. 182 Decorre dessa análise a propositura de um desafio à gestão social dos conselhos, que consiste em incorporar os instrumentos de gestão para garantia do controle social da gestão baseado no monitoramento e acompanhamento da missão e implementação dos princípios para garantia dos direitos da criança e do adolescente. A análise do Regimento Interno e das Resoluções informa: atribuições dos conselheiros e da mesa diretora estão presentes em 47 conselhos (87%); critérios de competências, funcionamento e registro de entidades são citados por 44 conselhos (81,5%); 43 conselhos (79,6%) estabelecem os critérios para liberação de recursos e fundo municipal; critérios de comissões temáticas estão firmados em 32 conselhos (59,3%); 30 conselhos (55,6%) firmam critérios para composição e organização; 13 conselhos (24,1%) possuem critérios para apresentação de projetos; chamamento público estão relacionados em 11 conselhos (20,4%); apresentação de plano de trabalho são relacionados por 11 conselhos (20,4%); emissão de certificado para captação de recursos são elaborados por 11 conselhos (20,4%); seis conselhos (11,1%) possuem práticas para advertência, suspensão, cassação de registro de entidades e visitas às entidades; dois conselhos (3,7%) discorrem sobre os critérios para análises dos projetos apresentados; enquanto isso, os critérios para prestação de contas pelas instituições não foram percebidos nesses conselhos. Apreende-se que: no que se refere ao processo decisório, muitos conselhos encontram-se na fase de formalização de critérios; os conselhos estão institucionalizados; há coerência entre regras mais ou menos democráticas para definição da presidência do conselho, sinalizando que qualquer conselheiro eleito pode ser presidente e que existem diferenças no estabelecimento das regras de funcionamento; os conselhos não possuem regras relativas à previsão de categorias de entidades representativas da sociedade civil e à definição dos representantes da sociedade civil, ou seja, são menos formalizados; quanto à mesa diretora, secretaria executiva e comissões temáticas, é possível afirmar que os conselhos estão organizados, entretanto, chama atenção a falta de critérios para estabelecimento de câmaras técnicas. É interessante notar, que quando inquiridos se ―as ações e programas de atendimento a crianças e adolescentes foram aprovados de acordo com a Política Nacional de Atendimento à Criança e ao Adolescente‖ a resposta à questão enfatiza que presidentes e conselheiros têm percepções diferentes. 183 Dessa forma, o desempenho dos conselhos é afetado por fatores deliberativos relacionados a: foco de atuação; objetivos; prioridades e estratégias; estabelecimento de metas; indicação do impacto esperado; formas de monitoramento das ações; indicadores de avaliação das ações previstas; definição de planos de trabalho; plano de aplicação de recursos; cadastramento de entidades; discussão e análise de orçamento; elaboração de proposições, visitas de campo e entrevistas com instituições; publicização dos atos políticos; capacidade de gasto do Executivo municipal, relacionado aos recursos disponíveis; variação no número de membros atuando como conselheiros. Nota-se que os valores da política nacional estão diretamente relacionados com os instrumentos de gestão social. Então, o baixo nível de instrumentos de gestão social compromete o grau de democratização dos conselhos e as deliberações de presidentes e conselheiros, impactando, assim, a efetividade da participação. Portanto, os potenciais de desempenho dos conselhos depende: da capacidade de mobilização social dos presidentes e conselheiros e das relações entre o desenho institucional e a realidade política, social e administrativa na qual ele está inserido. Essa informação revela que a participação está atrelada à qualidade das decisões e ao envolvimento no processo decisório, de forma a demonstrar a eficácia deliberativa. Como já demonstrado, os CMDCAs precisam se organizar quanto às estruturas burocráticas como mesa diretora, secretaria executiva e comissões temáticas; firmar critérios para estabelecimento de câmaras técnicas e estabelecer os processos que viabilizam o controle social e, então, incidir nas modalidades de efetivação das estratégias de enfrentamento de direitos violados do público infanto-juvenil. No entanto, concordando com Menicucci (2010), em termos médios, os conselhos estão deliberando sobre as questões para as quais foram criados com a participação da sociedade no processo. Nesta direção, confirmam-se as hipóteses: os instrumentos de gestão social são importantes para averiguar o poder de influência no processo de definição de políticas públicas e a eficácia deliberativa; os valores da Política Nacional guiam presidentes e conselheiros no exercício da atribuição. Na avaliação dos valores do espaço público, pondera-se: em primeiro plano, é preciso considerar que a missão do conselho é a formulação de diretrizes para a política de garantia dos direitos da criança e do adolescente. 184 Assim, a análise dos valores do espaço público revelou que estão diretamente relacionados aos instrumentos de gestão social e que, na percepção de presidentes e conselheiros, existem pontos de tensões. Nessa direção, as variações mais expressivas estão associadas aos valores: controle social, democratização, qualidade, cultura pública, sustentabilidade, visibilidade social e representatividade dos interesses coletivos. As menores variações estão relacionadas a: universalidade, autonomia e efetividade. Do ponto de vista teórico, o que ocorre é que o conselho está contribuindo para a ampliação dos espaços de participação e ampliação do conceito de público como atributo. Dessa forma, em relação ao valor controle social, entendido como garantia de atribuição de responsabilidades e acompanhamento das atividades, é o atributo hierarquizado em primeiro lugar por presidentes e conselheiros, sugerindo que esses atores o consideram valor relevante. É importante anotar as iniciativas dos conselhos que contribuem para o estabelecimento de mecanismos de controle. Exemplo disso são as parcerias e articulações estabelecidas para a busca por incremento de destinações para o fundo municipal. Assim concebido, o controle social deve referir-se aos atributos do conceito de público não estatal como o instrumento que permite avaliar a forma concreta da missão do conselho e como espaço participativo que integra presidentes e conselheiros. O valor democratização, entendido como a ampliação de espaços referentes às decisões políticas com garantia de participação da sociedade civil nas instâncias de acompanhamento e decisão dos programas e ações, é o segundo elemento mais pretendido na hierarquização dos presidentes e conselheiros. Do ponto de vista teórico, o que ocorre é que esses atores, no exercício da participação cidadã, contribuem para a ampliação desses espaços públicos. Destacase que a ampliação desses espaços é fundamental e uma das maneiras de participação se processa nas plenárias públicas. O valor qualidade, requisitado pela garantia de que as atividades seguem padrões específicos de excelência e melhoria nas ações e programas do projeto, é afetado por fatores deliberativos relacionados ao diagnóstico local, procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados, impacto esperado e monitoramento das ações. O valor cultura pública expressa os movimentos em direção à constituição de uma democracia deliberativa e indica a socialização dos problemas e a busca por soluções, contribuindo para a cidadania deliberativa. Dessa forma, a liberação de recursos para entidades 185 cadastradas ou conhecidas aplicarem em construção, reforma ou ampliação da sede da organização sugere que os conselhos precisam estabelecer um plano de aplicação de recursos. Em relação ao valor sustentabilidade, entendido como garantia da capacidade econômica de manutenção do projeto e da capacidade social dos conselhos para deliberar sobre os programas e ações, sugere-se que os conselhos estabeleçam planejamento sistemático e de diagnóstico das necessidades do público-alvo objeto central de atuação das instituições cadastradas. Assim, os critérios para acompanhamento de resultados e metas, com garantia de destinação de recursos, irão na direção do cumprimento da missão. Esse fato produzirá efeito em toda a sociedade e resultados sociais e públicos, na acepção da publicidade. A visibilidade social, compreendida como garantia da publicidade e fidedignidade das informações, processos, objetivos e liberação de recursos para programas e ações em sua comunicação com a sociedade, deve manifestar-se nos conselhos por meio da publicização dos atos políticos. Dessa forma, é imperioso estabelecer práticas para a publicização dos atos. No tocante à visibilidade social, o controle social deve permitir que todos os atos políticos dos conselhos garantam fidedignidade dos processos e das práticas. A consideração dos interesses e das expectativas de garantia dos direitos da criança e do adolescente sugere que o conselho se manifeste com a representatividade dos interesses coletivos, que indica a socialização dos problemas e a busca por soluções coletivas, gerando a garantia de que as expectativas, necessidades, capacidades, interesses e representações sejam incorporadas nas atividades do projeto. Essa situação contribui internamente para o envolvimento de todos e externamente para a busca por parcerias que apoiem e viabilizem formas de atingir a missão. Essa condição guarda relação com o valor universalidade, que deve ser abordado pela missão do conselho, além de estar ligado à condição de o controle social fornecer medidas que garantam a participação cidadã nesses espaços públicos. Nessa vertente, a percepção do valor representatividade dos interesses coletivos demonstra que presidentes e conselheiros constroem o seu campo de atuação deliberando muitas vezes sem a garantia de que as expectativas sejam alcançadas. Intimamente ligada a essa capacidade está a condição de o controle social fornecer medidas que garantam a participação cidadã nesses espaços públicos. Assim, a percepção do valor universalidade (garantia de que as atividades atingem, indistintamente, a demanda expressa na missão) é impactada pelos processos de discussão 186 política dos conselhos e requer que os conselheiros tenham conhecimento da realidade vivida pela população infanto-juvenil da cidade de forma a garantir a efetividade da participação. É interessante notar que os processos de discussão política dos conselhos muitas vezes acontecem sem os indicadores sociais, objetivos, prioridades, estratégias estabelecidas, recursos humanos, materiais, financeiros, avaliação planos de trabalho, plano de ação ou Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente e plano de aplicação de recursos (ver subitem 5.2). Dessa maneira, a universalização da política não vai ao encontro do impacto esperado, ou seja, não é possível garantir que crianças e adolescentes terão seus direitos defendidos. O valor autonomia assume, algumas vezes, a conotação de autossustentação, sem a presença do Estado referendando os dados que mostram os recursos para uso nos programas e ações deliberados pelos conselhos. E a proposta orçamentária do município não contempla a destinação preferencial de recursos públicos vindos do Executivo municipal. Nota-se que o Poder Executivo não está cumprindo os princípios da prioridade absoluta que estabelece a destinação preferencial de recursos para a criança e o adolescente e, por isso, não existe a garantia da universalização da política. O valor efetividade é requisitado pelo conceito de garantia de impacto (resultado) positivo a partir das atividades do projeto, mudando condições estruturais mensuráveis e perceptíveis na vida das pessoas. Percebe-se que existe expectativa de alcance de impactos esperados com as deliberações dos conselhos e, assim, de a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Entretanto, os procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados, impacto esperado e monitoramento das ações não são práticas implementadas nos conselhos. Nesse sentido, o valor qualidade e efetividade deve ser mensurado quantitativa e qualitativamente pelo controle social. Essas medidas visam a garantir o uso eficiente, eficaz e efetivo dos recursos, ensejando que os interesses representados e o modo democrático de concebê-los se reflitam na deliberação de diretrizes de políticas públicas capazes de infundir perspectiva de valor e melhoria para as crianças e adolescentes e suas expectativas de realização. É imperioso que o CMDCA se enraíze nas práticas sociais para a garantia de direitos do público infanto-juvenil, implicando a criação de mecanismos que possam induzir novas modalidades de ação coletiva ativadoras da participação cidadã e, assim, reforçar a sintonia com 187 os grupos que lhes dão suporte. Cabe aqui ressaltar que, para que possam consolidar a esfera pública democrática, é mister que o público infanto-juvenil esteja representado. Esta é a revolução da participação a incidir nas modalidades de efetivação das estratégias de enfrentamento de direitos violados desse público. Diante do objetivo de identificar a efetividade deliberativa da participação nos CMDCAs, conclui-se que ainda é preliminar o caráter desse exercício, uma vez que os instrumentos de gestão social para controlar e decidir a política pública não estão implementados em todos os conselhos. Assim, confirma-se a hipótese de que os valores do espaço público guiam a seleção e avaliação de programas e ações para a garantia da prioridade absoluta. Então, foi respondido o problema de pesquisa: qual a percepção dos valores e quais instrumentos de gestão social permeiam o processo de tomada de decisão dos CMDCAs? Controle social, democratização, qualidade, autonomia, efetividade, cultura pública, universalidade, sustentabilidade, representação de interesses coletivos, valores do espaço público, são percebidos por presidentes e conselheiros dos CMDCAs; participação, responsabilidade, universalidade e indivisibilidade, valores da política nacional, também são percebidos e estão presentes no processo decisório. Os instrumentos de gestão social, reconhecidos nesta pesquisa como diagnóstico da situação, plano de trabalho, orçamento, metas e resultados, impactos esperados, monitoramento, critérios para liberação de recursos, parcerias, capacitação dos conselheiros e meio de comunicação, ainda são práticas a serem implementadas nos conselhos. Dessa forma, tem-se a necessidade de problematização, em outros estudos do modelo de avaliação de programas e ações utilizados para deliberação de recursos; correlação entre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Exclusão Social (IES); implicações das deliberações dos CMDCAs na transformação social do público infanto-juvenil. A conclusão desta pesquisa leva à validação dos pressupostos, à confirmação do cumprimento dos objetivos propostos inicialmente e ao desenvolvimento da cartilha ―Fundamentos para disseminação dos valores e instrumentos de gestão social nos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente‖ (APÊNDICE H). Ressalta-se que esta pesquisa não tem a pretensão de generalizar os resultados obtidos e espera-se que contribua para influenciar ações, inovações sociais e propostas de metodologias para o desenvolvimento local. 188 REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, R. Conselhos além dos limites. São Paulo: Estudos avançados, v. 15, n. 43, set./dez. 2001. 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Acesso em: 11 fev. 2011. 198 APÊNDICES APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO INVESTIGAÇÃO DE VALORES Prezado (a) Integrante do CMDCA, Queremos analisar os princípios e valores da política nacional que embasam o processo de tomada de decisão dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e Adolescente (CMDCAs) que participam do Programa AI6% e com os quais temos uma parceria para a promoção, desenvolvimento e a proteção das crianças e adolescentes. Nossa intenção é saber quais valores são reconhecidos como mais relevantes e quais possibilitam o diálogo com os atores sociais integrantes da gestão social dos CMDCAs para a área da criança e adolescente. A partir desse levantamento e de discussões internas, pretendemos interagir e convergir opiniões, buscando o desenvolvimento de nossa parceria. Este levantamento também servirá de base para um estudo de dissertação junto ao Centro Universitário Una, Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local. Com este objetivo, convidamos esse Conselho a responder o questionário atribuindo nota para as questões apresentadas. Após o preenchimento, favor devolver junto com o envelope resposta. Qualquer dúvida no preenchimento do questionário, fazer contato com Elizabeth A. Costa Almeida pelo telefone (31) 9202-6421. Agradecemos pela colaboração. Elizabeth Aparecida da Costa Mestranda em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pelo Centro Universitário UNA. 199 APÊNDICE B – Primeiro questionário CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local Pesquisa de Boas Práticas com os Conselhos Parceiros do Programa de Destinação de Recursos da Empresa “X” Atribuições do Conselho 1) O Conselho Municipal conta com plano de ação estruturado e forma de avaliação dos resultados de suas atividades? ( ) SIM ( ) NÃO 2) A deliberação sobre a destinação dos recursos do Fundo da Infância e da Adolescência (FIA) é de competência de quem: ( ) Conselho Municipal da Criança e Adolescente ( ) Executivo Municipal ou Prefeitura por intermédio de um dos seus órgãos ou Secretaria 3) O Conselho Municipal possui instrumentos de planejamento e ação, a saber: ( ) Diagnóstico local sobre a situação das crianças e dos adolescentes ( ) Comissões temáticas ( ) Plano de trabalho documentado ( ) Procedimento para acompanhamento de metas e avaliação de resultados ( ) Não possui ( ) outros – relacionar: ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ Operação do Programa de Direcionamento de Recursos aos Fundos e de Apoio aos Conselhos de Direitos 4) Marque as áreas de atuação das entidades registradas neste Conselho (artigo 90 do ECA): ( ) Creches ( ) Apoio às famílias ( ) Defesa de Direitos ( ) Capacitação para o trabalho/ Geração de renda ( ) Apoio a portadores de necessidades especiais ( ) Abrigos ( ) Casa-lar ( ) Programas de internação ( ) Outras – Citar:_________________________________________________________ 200 5) Quanto a articulações e parcerias, o Conselho estabelece parcerias com: ( ) Entidades de atendimento ( ) Empresas privadas ( ) Fundações/Institutos empresariais ( ) Universidades ( ) Outros conselhos municipais (Assistência social, Educação, Saúde, etc.) ( ) Executivo municipal ( ) Outros – relacionar: ___________________________________________________ 6) As principais fontes dos recursos que ingressam na conta FIA são oriundas de: ( ) Repasses do Poder Executivo ( ) Destinação de Pessoas Físicas ( ) Destinação de Pessoas Jurídicas ( ) Repasses do Poder Judiciário (multas, etc.) ( ) Repasses do CEDCA ( ) Outra – citar qual____________________________________________________ 7) Qual é o principal critério utilizado pelo Conselho para a liberação dos recursos do Fundo: ( ) Critérios são pouco claros ou inexistentes ( ) Atendimento à necessidade interna dos conselhos (infraestrutura, capacitação, remuneração dos conselheiros ) ( ) Priorização de área temáticas ou faixas etárias ( ) Liberação para entidades cadastradas ou conhecidas pelo CMDCA ( ) Outros – relacionar: _________________________________________________ 8) Qual é o prazo médio de repasse dos recursos para uma instituição devidamente cadastrada e regularizada? ( ) Prazo médio de 30 dias ( ) Prazo médio de 60 dias ( ) Prazo médio de 90 dias ( ) Prazo médio de 180 dias ( ) Outro prazo. Citar: ______________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ 9) Relacione as principais prioridades do CMDCA: ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ 10) Quais são os mecanismos adotados pelo Conselho para prestação de contas e transparência com seus públicos relacionados (Ministério Público, sociedade, etc.)? ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ 201 Estrutura dos Conselhos Municipais 11) Quantas pessoas atuam como conselheiros no CMDCA? ( ) 6 pessoas ( ) mais de 6 pessoas ( ) outros – informar quantos: _________ 12) Qual é a média de visitas realizadas pelo Conselho aos projetos aprovados? ( ) 2 visitas ( ) 3 visitas ( ) Não fazem visitas ( ) Outros. Citar quantas: ______________________ 13) Quanto à infraestrutura, este Conselho possui: ( ) Telefone fixo ( ) Computador ( ) Fax ( ) Veículo ( ) Internet ( ) Celular ( ) Sede própria ( ) Funciona na Prefeitura 14) Para seu funcionamento, o CMDCA possui pessoal de apoio administrativo? ( ) SIM – Quantos? ____________ ( ) NÃO 15) Para seu funcionamento, o CMDCA possui pessoal de apoio técnico? ( ) SIM – Quantos? Qual a qualificação que possuem? ______________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ( ) NÃO 16) Relacione 5 das principais iniciativas positivas ou experiências bem-sucedidas deste CMDCA: ______________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ 17) Na opinião deste Conselho, assinale os fatores que poderiam contribuir para o seu aprimoramento: ( ) Capacitação dos conselheiros para o planejamento e avaliação de políticas de atendimento aos direitos da criança e adolescente ( ) Mais divulgação das ações e do papel do Conselho para a sociedade ( ) Melhor relacionamento do CMDCA com o Poder Executivo ( ) Capacitação dos conselheiros em liderança e relacionamento humano ( ) Capacitação dos conselheiros para acompanhamento do orçamento público ( ) Mais conhecimento dos conselheiros sobre o ECA 202 ( ) Capacitação dos conselheiros na área jurídica ( ) Mais interação e troca de experiência com outros CMDCAs ( ) Outras – Relacionar:_____________________________________________________ 203 APÊNDICE C – Amostra do primeiro questionário Responderam ao questionário 79 presidentes dos CMDCAs, sendo 77 do estado de Minas Gerais, um do estado de Goiás e um do estado de São Paulo, distribuídos conforme QUADRO 5 no capítulo 4. 204 APÊNDICE D - Segundo Questionário Nome: Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município de _________________ Caracterização do Entrevistado (anote uma alternativa): [___] Presidente do Conselho [___] Conselheiro [___] Membro de comissões temáticas [___] Outros Os Conselhos Municipais têm sido tratados pela literatura como espaço de participação na administração pública (CORTES, 1998), correspondendo a um dos mecanismos de ampliação da democracia e da participação política. São considerados canais de comunicação entre a ―sociedade civil‖ e o poder político local e instrumento fundamental da gestão pública, ou seja, uma conquista da ―sociedade civil‖, por viabilizarem a democratização às políticas públicas e ao estado. QUESTÕES ESTRUTURADAS Solicitamos que você dê uma nota para as questões a seguir, numa escala de um a sete, sendo sete o valor máximo e um o mínimo. 1. As ações e programas de atendimento de crianças e adolescentes foram aprovados de acordo com a política nacional de atendimento da criança e do adolescente. [___] 2. Realizar ações e programas voltados para o atendimento de crianças e adolescentes por meio do Fundo da Infância e da Adolescência (FIA) colabora para o sucesso da sociedade e promove o bem-estar. [___] 205 3. A realização de ações e programas voltados para o atendimento de crianças e adolescentes por meio do Fundo da Infância e da Adolescência (FIA) facilita a entrada das crianças e jovens no mercado de trabalho. [___] 4. Em relação à elaboração do plano de trabalho, você considera que seu conhecimento está adequado. [___] 5. Você tem expectativas de que resultados positivos sejam alcançados a partir de ações e programas voltados para o atendimento a crianças e adolescentes. [___] 6. A sua participação nas atividades do Conselho proporciona a você realização pessoal. [___] 7. Você tem disposição para apoiar, contribuir ou participar de ações e programas em parceria com a Prefeitura local. [___] 8. Você tem disposição para apoiar, contribuir ou participar de ações e programas em parceria com o Conselho estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDCA). [___] 9. Você tem disposição para apoiar, contribuir ou participar de ações e programas em parceria com entidades locais. [___] 10. As ações e programas são priorizados de acordo com o diagnóstico da situação ou plano de ação estabelecido para atendimento da criança e do adolescente. [___] 11. Você considera que o diagnóstico da situação ou plano de ação contém atividades que integram a proposta orçamentária do Executivo. [___] 12. Em relação aos critérios adotados para liberação dos recursos, você considera que estão estruturados e planejados. [___] 13. Você tem disposição para acompanhar o resultado das atividades relacionadas às ações e programas estabelecidos pelo Conselho. [___] 14. Em relação às ações e programas, você considera que o meio de comunicação utilizado para dar visibilidade para a população local está adequado. [___] 206 15. Em relação ao acompanhamento de metas e avaliação de resultados, você considera que atendem ao propósito estabelecido pelo Conselho. [___] 16. Você considera que a capacitação dos conselheiros para o planejamento e avaliação de políticas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente atende ao propósito estabelecido pelo Conselho [___] 17. A seguir você encontra as definições dos VALORES que orientam as ações sociais. Leia, por favor, atentamente as definições dos VALORES: Controle social: garantia de atribuição de responsabilidades e acompanhamento das atividades aos públicos constituintes (instituidores, funcionários, voluntários, doadores e públicoalvo). Visibilidade Social: garantia da publicidade e fidedignidade das informações, processos, objetivos e recursos do projeto em sua comunicação com públicos constituintes e sociedade. Democratização: garantia de participação dos públicos constituintes nas instâncias de acompanhamento e decisão do projeto. Representação de interesses coletivos: garantia de que as expectativas, necessidades, capacidades, interesses e representações dos públicos constituintes são incorporadas às atividades do projeto. Sustentabilidade: garantia da capacidade econômica de manutenção do projeto e da capacidade social de contribuição dos públicos constituintes. Cultura pública: garantia de que os direitos de cidadania e da legalidade são contemplados nas atividades. Autonomia: garantia de que as atividades não tenham vínculos forçados com interesses de organizações governamentais, políticas ou privadas. Universalidade: garantia de que as atividades atingem, indistintamente, a demanda expressa na missão. Qualidade: garantia de que as atividades seguem padrões específicos de excelência e melhoria nas ações, programas do projeto. Efetividade: garantia de impacto (resultado) positivo a partir das atividades do projeto mudando condições estruturais mensuráveis e perceptíveis na vida das pessoas. 207 Solicitamos que você ORDENE esses VALORES de acordo com a sua concepção da IMPORTÂNCIA deles para o CMDCA, atribuindo ao VALOR que você considera mais importante a nota 10, e assim sucessivamente, em ordem decrescente, atribuindo as notas de 9 a 1, SEM REPETIÇÃO DA MESMA NOTA PARA VALORES DIFERENTES. 208 APÊNDICE E – Amostra do segundo questionário Ver TAB. 2 no capítulo 4. 209 APÊNDICE F – Síntese da análise documental do Regimento Interno dos conselhos respondentes ao questionário A = Critérios para liberação de recursos e fundo municipal B = Critérios para apresentação de projetos C= Critérios para apresentação dos planos de trabalho das instituições cadastradas D = Emite certificado para captação de recursos (CAC) E = Menciona os critérios para pagamento dos membros do Conselho Tutelar F = Critérios para prestação de contas pelas instituições G = Critérios de composição, organização do CMDCA H = Critérios de competências e funcionamento do conselho I = Atribuições dos conselheiros, da mesa diretora J = Critérios para estabelecimento das comissões temáticas L = Critérios para visitas às entidades M = Critérios para advertência, suspensão e cassação do registro de entidades N = Critérios para chamamento público O = Critérios para registro das entidades P = Critérios para análise dos projetos apresentados Conselhos que responderam ao questionário Almenara Alvinópolis Andradas Antônio Carlos Araguari Barão de Cocais Belo Horizonte Betim Bocaiúva Carmo do Cajuru Carmo do Rio Claro Cássia Cláudio Conceição M.Dentro Conselheiro Lafaiete Contagem A B C D E F G H I x x x x x x x x x x x x x x x X X X X X X X X X X Não concordou em disponibilizar o regimento interno x x x x X x x x X x x x x X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X J L M N O P x x x x x X X x x x X X X X X x X X X X X X X 210 Curvelo Frutal Itabirito Ituiutaba Itutinga Janaúba João Monlevade Lagamar Lagoa da Prata Lagoa Santa Lavras Liberdade Lima Duarte Mateus Leme Matozinhos Medina Minduri Monte Carmelo Paracatu Paraguaçu Pimenta Piumhi Ponte Nova Pouso Alegre S. G. Abaeté S. Rita de Caldas S. S. Paraíso S. M. Suaçuí Santa Rita Caldas S. G.Abaeté S. S. Paraíso Serro Teófilo Otoni Três Corações Três Marias Três Pontas Ubá Unaí Varginha Várzea da Palma Virginópolis Total do item X X X X X X X X X X X X X X X X x X X X X x X X X X X X X X x x x x X X X X x x x x x x x x x X X X X X X X X x X x x X X X X X X 43 X x X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X x X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X x x x X X X X X X X X X X X x X X X X X X X X x x X X X X X X X X X X X X X X X X 13 X X 11 X X 11 X X x x x x x X X X X x X X X X x X X X X x X X X X X x x x x x X X X X X X x X X X X X X X X X 13 X X x x x x x X X X X x X X X X X X - X X X X X X X X 30 X X 44 X X 47 X X 32 X X 6 X X 44 A = Critérios para liberação de recursos e fundo municipal (43 conselhos) B = Critérios para apresentação de projetos (13 conselhos) C= Critérios para apresentação dos planos de trabalho das instituições cadastradas (11 conselhos) 6 11 2 211 APÊNDICE G - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Título da Pesquisa: Valores Relevantes para Tomada de Decisão: Um Estudo de Casos com Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente Nome do Pesquisador Principal ou Orientadora: Eloisa Helena de Souza Cabral Nome do Pesquisador assistente/aluno: Elizabeth Aparecida da Costa Almeida As informações contidas nesta folha, fornecidas por Eloisa Helena de Souza Cabral e Elizabeth Aparecida da Costa Almeida, têm por objetivo firmar acordo escrito com o voluntário para participação da pesquisa acima referida, autorizando sua participação com pleno conhecimento da natureza dos procedimentos a que ele será submetido. Natureza da pesquisa: o(a) senhor(a) está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa que tem como finalidade analisar os princípios e valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente que embasam o processo de tomada de decisão dos Conselhos para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. Participantes da pesquisa: para a realização deste trabalho serão realizadas entrevistas com 40 presidentes e 230 conselheiros de Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente localizados no estado de Minas Gerais, que participam do Programa de Destinação de Recursos para Conselhos patrocinados pela Cemig Geração e Transmissão S.A. Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo o sr.(a) permitirá que as pesquisadoras Eloisa Elena de Souza Cabral e Elizabeth Aparecida da Costa Almeida conheçam os valores considerados relevantes no processo de tomada de decisão dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. O sr. (a) tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para sua pessoa. Sempre que quiser poderá pedir mais informações sobre a pesquisa pelo telefone das pesquisadoras do projeto e, se necessário, pelo telefone do Comitê de Ética em Pesquisa. Sobre as entrevistas: será realizada por meio de questionário estruturado. Riscos e desconforto: a participação não traz complicações legais. A pesquisa pode apresentar desconforto quanto a compreensão, clareza de entendimento e confiança e redibilidade do usuário nos seus resultados. Os procedimentos aqui adotados obedecem aos Critérios da Ética 212 em Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são estritamente confidenciais. Somente a pesquisadora e a orientadora terão conhecimento dos dados. Os dados serão analisados e disponibilizados de forma que o nome dos Conselhos e conselheiros não seja identificado. Benefícios: ao participar desta pesquisa o sr. (a) não terá qualquer benefício direto. Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre os valores da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente, sob a ótica dos presidentes e conselheiros dos CMDCAs que embasam o processo de tomada de decisão. Dessa forma, o conhecimento que será construído a partir desta pesquisa poderá contribuir para a garantia dos direitos da criança e do adolescente, cuja pesquisadora se compromete a divulgar os resultados obtidos. Pagamento: o senhor não terá tipo algum de despesa para participar desta pesquisa, bem como nada será pago por sua participação. Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem. Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvidas a respeito. Consentimento Livre e Esclarecido Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi cópia deste termo de consentimento e autorizo a realização da pesquisa e a divulgação dos dados obtidos neste estudo. Nome do Participante da Pesquisa – Presidente/Conselheiro do Conselho Assinatura do Participante da Pesquisa - Presidente/Conselheiro do Conselho Assinatura do Pesquisador Assinatura do Orientador Data Pesquisador Principal: Eloisa Elena de Souza Cabral – Telefone (11) 32555262 Demais pesquisadores: Elizabeth Aparecida da Costa Almeida – Fone (31) 3506-4109 Comitê de Ética em Pesquisa: Rua Guajajaras, 175, 4º andar – Belo Horizonte/MG Telefone do Comitê: 35089110 213 APÊNDICE H - Proposta de intervenção Cartilha Fundamentos para disseminação dos valores e instrumentos de gestão social nos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente Elizabeth Aparecida da Costa Almeida Esta publicação é produto da dissertação de Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, Belo Horizonte/Minas Gerais. Orientadora: Eloisa Elena de Souza Cabral. Projeto Gráfico Elizabeth Aparecida da Costa Almeida Diagramação e Finalização Renato Marçal Menezes Revisão Magda Barbosa Roquete Imagens Renato Marçal Menezes Julho, 2011 Estão autorizadas a reprodução e a divulgação total ou parcial deste trabalho por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte. 214 Apresentação O Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe sobre o Sistema de Garantia de Direitos da Infância e da Juventude, baseia-se na doutrina da proteção integral, passando a considerar a criança e o adolescente como sujeitos de direito, pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e prioridade absoluta, definidos em lei. Fazem parte do Sistema de Garantia dos Direitos da Infância e da Juventude: a família, as organizações da sociedade civil (instituições sociais, associações comunitárias, sindicatos, escolas, empresas), os conselhos de direitos, conselhos tutelares e as diferentes instâncias do poder público (Ministério Público, Juizado da Infância e da Juventude, Defensoria Pública, Secretaria de Segurança Pública). A nova concepção abordada pela lei 8.069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), trata os casos específicos de crianças com direitos violados por meio dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. A implantação desses conselhos em todo o Brasil apresenta-se como um forte instrumento de proteção e como a mais eficaz maneira de implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente de forma descentralizada. A descentralização é extremamente importante, pois trata cada caso de acordo com a sua realidade. Considerando-se que não basta apenas dar a conhecer o número e a localização desses conselhos, buscou-se, na interpretação dos dados coletados dos conselhos, contextualizá-los, compreendê-los na realidade em que se encontram inseridos e que, evidentemente, influencia suas condições de funcionamento, os desafios a serem enfrentados, os recursos disponíveis (ou não) para enfrentá-los e os valores utilizados na tomada de decisão. São objetivos desta cartilha: disseminar os valores e instrumentos de gestão social que orientam a tomada de decisão de presidente e conselheiros dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente na gestão de programas e ações pelos direitos da Infância e da Juventude; propiciar tomada de consciência sobre a atual situação dos conselhos, fortalecer a participação e indicar caminhos para a ação. 215 Como a pesquisa foi realizada A pesquisa foi desenvolvida entre março de 2009 e maio de 2011. Foram elaborados dois questionários (combinando perguntas fechadas e abertas). Os questionários foram enviados para todos os CMDCAs participantes do Programa de Destinação de Recursos da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG). Cada conselho recebeu o questionário junto com as instruções para resposta, o pedido de envio de cópia do Regulamento Interno e Resoluções dos Conselhos, explicação do uso do material e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, dando concordância para uso das informações na pesquisa (APÊNDICE G). Os questionários foram distribuídos via correio, tomando-se por base o cadastro do Programa de Destinação de Recursos. A devolução dos questionários, Regimento Interno, Resoluções e Termo de Consentimento pelos CMDCAs foi feita via correio. O Regimento Interno e Resoluções dos CMDCAs foram utilizadas como fonte de dados secundária. Os questionários utilizados estão nos APÊNDICES B, D. Os dados apresentados e analisados na presente publicação referem-se aos respondidos pelos CMDCAs. Foram considerados válidos como resposta: a) do primeiro questionário as respostas de 79 conselhos (APÊNDICE B); do segundo questionário: 45 respondidos pelos presidentes e 230 respondidos pelos conselheiros (APÊNDICE D). Baseado em informações fornecidas pelos presidentes e conselheiros, esta sistematização dos resultados sintetiza o estágio de desenvolvimento de cada conselho (recursos humanos, infraestrutura, organização e capacidade de ação na defesa de direitos da criança e do adolescente) e funciona como elemento fundamental (ao lado dos demais dados) para a identificação de valores considerados relevantes na tomada de decisão para o estabelecimento de prioridades, proposição de ações, tendo em vista o seu fortalecimento. Conselhos: espaços institucionalizados de participação cidadã em políticas públicas No Brasil, com a abertura por meio da Constituição Federal de 1988, instrumentos de controle e gestão social foram criados com vistas a promover a participação do cidadão em políticas públicas na figura dos conselhos. 216 Para Teixeira (2001), os conselhos foram institucionalizados como estruturas formalizadas de participação entre Estado e sociedade civil, com normas estabelecidas por seus membros e relativa autonomia, não sendo propriamente órgãos estatais, desde que presentes em sua lógica de funcionamento e em sua composição elementos oriundos da sociedade civil. Podem ser considerados como esfera pública (TEIXEIRA, 2001, p. 138), em que há a vinculação institucional ao aparelho de Estado. Dessa forma, Teixeira considera os conselhos como um dos integrantes do espaço público, orientados a partir de valores. De acordo com Raichelis (2006), os conselhos foram institucionalizados como espaços públicos criados com as mudanças que se processaram no caráter dos movimentos populares nos anos de 1980 e que redefiniram suas estratégias e práticas nos anos de 1990. Entretanto, diversos elementos colocam em xeque a efetividade deliberativa e eficácia das políticas públicas e seus impactos na melhoria das condições de vida da população. E muitos desafios são enfrentados pelos conselhos, os quais estão relacionados às responsabilidades públicas do Estado, fragmentação do espaço público, despolitização da política, estruturação das políticas públicas na sociedade capitalista e da natureza da intervenção estatal nesse campo (RAICHELIS, 2008). Sobre a efetividade deliberativa, Cunha (2007) a define como a capacidade de controlar e decidir sobre determinada política pública, expressa na institucionalização dos procedimentos, na deliberação pública e inclusiva, na proposição de novos temas e no controle sobre essas ações. Para Raichelis (2008), a efetividade depende da associação com outras formas e forças políticas capazes de potencializar-lhes a ação; e a autora pressupõe que o espaço público é dotado de atributos (valores). A partir das funções deliberativas, Gohn (2007) discorre que este fato não garante a implementação efetiva das decisões, pois não há estruturas jurídicas que dêem amparo legal e obriguem o executivo a acatá-las. Teixeira (2001) também comunga dessa opinião e acredita que é de extrema importância averiguar como os atores se inserem na deliberação. Para falar de eficácia, segundo Teixeira (2000, p. 94), é preciso ―pensar o funcionamento dos conselhos: o conhecimento que eles têm da máquina administrativa, a regularidade das reuniões, a participação no orçamento e o seu acompanhamento e a formulação de propostas‖. E, do ponto de vista dos resultados, não há informações e dados seguros para dizer que os conselhos são eficazes. 217 Raichelis (2000, p. 44) defende que ―o conselho só melhora a eficácia da política implementada se colocar em discussão o seu conteúdo ou seus objetivos, as suas estratégias e prioridades e principalmente o público ao qual se destina‖. Então, o modelo de gestão para a efetivação do papel dos conselhos nesses espaços deve permitir mais envolvimento dos atores na gestão social da ―coisa pública‖ que diz respeito ao atendimento das demandas sociais (RAICHELIS, 2000). Para o atendimento das demandas sociais é preciso considerar as iniciativas sociais, o que, de acordo com Cabral (2009), obedece à designação de terceiro setor. Nesse sentido, a autora afirma que as iniciativas sociais apresentam desafios para a gestão social e a sociabilidade se apresenta como um local público equipado dos seguintes valores: representação de interesses coletivos; democratização; qualidade; efetividade; visibilidade; cultura pública; universalidade; autonomia; controle e defesa social; e sustentabilidade. Nesse sentido, a autora sugere alguns desafios para a gestão social: reconhecer a natureza pública e intermediária do espaço de atuação; reconhecer o conjunto de atributos que se constitui em um referencial do cumprimento da missão institucional nesse espaço; beneficiar-se do diálogo com técnicas e métodos oriundos das áreas públicas e privada. Dessa forma, Raichelis (2008) pressupõe que o espaço público é dotado de atributos valorativos. Decorre dessa análise a possibilidade de a esfera pública assumir um processo que considere na sua constituição os atributos do espaço público não estatal (CABRAL, 2007; RAICHELIS, 2006b; 2008; WANDERLEY, 1998; 2000; WANDERLEY; RAICHELIS, 2006). Dessa forma, como acentua Brasil (2004), a compreensão das ações está relacionada com as possibilidades de inovações institucionais delineadas a partir das práticas e valores. Alinhamento de conceitos em torno dos instrumentos de gestão social do CMDCA Os CMDCAs são entendidos como instrumentos de gestão e controle social que visam indicar caminhos e propor ideias para a proteção integral da criança e do adolescente, priorizando programas e ações, tendo como missão a formulação de diretrizes para a política de garantia dos direitos da criança e do adolescente. Devem atuar na formulação e no controle da execução das políticas; e o seu funcionamento regular depende de várias atividades. Algumas iniciativas 218 importantes que servem de base para o cumprimento das atribuições dos CMDCAs é o conhecimento da realidade local, o planejamento das atividades e o orçamento público. O primeiro passo do CMDCA no cumprimento de seu mandato de formular a política de atendimento aos direitos da população infanto-juvenil é promover o diagnóstico da situação (COSTA, 1993, p. 53). Delineada a coleta das informações, a ordenação e comentário analítico do material obtido no diagnóstico da situação e a elaboração e divulgação do relatório final da análise da situação, o passo seguinte é a elaboração do ―plano de ação‖ ou ―Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente‖, que deve conter, no mínimo, os seguintes componentes: apresentação, diagnóstico das demandas e dos programas/ações existentes (mencionando os indicadores sociais disponíveis, objetivos, prioridades e estratégias, recursos humanos, materiais e financeiros, avaliação (MINAS GERAIS, 2006). Para a execução do ―plano de ação‖ ou ―Plano Municipal de Atendimento à Criança e ao Adolescente‖, é necessário um plano de aplicação de recursos contendo a previsão da destinação pelo município, nas diversas leis orçamentárias, de verbas específicas para atender aos custos dos projetos e programas outros que venham a ser criados (COSTA, 1993, p. 56). Em sua Resolução 105/05, o CONANDA destaca as principais questões que precisam ser enfrentadas pelo planejamento do conselho: Focos de atuação - definição dos problemas para os quais a ação é direcionada. Objetivos - definição do que se espera atingir em relação ao foco de atuação. Metas - indicação dos passos necessários para o cumprimento de cada um dos objetivos estabelecidos. Resultados - detalhamento do que se espera alcançar com a ação. Impactos esperados - indicação do impacto gerado a partir dos resultados alcançados. Formas de monitoramento das ações - estabelecimento dos mecanismos e indicadores de avaliação das ações previstas. Outras atribuições como: orçamento público, os cronogramas de execução fisicofinanceira dos programas e o mérito, a relevância e o impacto esperado junto à população infanto-juvenil devem ser objeto de controle severo por parte do conselho. Os CMDCAs devem buscar parcerias fora do seu município, especialmente com os CMDCAs das localidades vizinhas 219 e com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. Compete ainda aos CMDCAs registrar as organizações da sociedade civil sediadas em sua base territorial que prestam atendimento a crianças, adolescentes e suas respectivas famílias e a inscrição dos programas de atendimento em execução por entidades governamentais e das organizações da sociedade civil. Portanto, para o funcionamento regular de um conselho, é preciso ter claro o que é gestão social de políticas públicas. O modelo de gestão, segundo Raichelis (2000), para a efetivação do papel dos conselhos nesses espaços deve permitir mais envolvimento no que diz respeito ao atendimento das demandas sociais. Diante desse estudo, apresenta-se, adaptado a partir de Sayago (2007), o Ciclo de Gestão Social dos CMDCAS: Ciclo da Gestão Social dos CMDCAs. Fonte: Adaptado de Brasil (2005 apud SAYAGO, 2007, p. 12). Dessa maneira, compreendem-se os instrumentos de gestão social como: diagnóstico da situação, plano de trabalho, orçamento, critérios para liberação de recursos, acompanhamento de metas e resultados, impactos esperados, monitoramento das ações e programas, meios de comunicação, capacitação, parcerias com o Conselho Estadual, Prefeituras e outras. 220 A percepção dos instrumentos de gestão social nos CMDCAs A análise dos instrumentos de gestão social demonstra: Apenas 45,6% dos conselhos pesquisados responderam possuir diagnóstico local sobre a situação das crianças e dos adolescentes; somente 53% têm plano de trabalho - as principais fontes de recursos do orçamento estão relacionadas à destinação de pessoas físicas (98,70%) e jurídicas (93,70%) e a proposta orçamentária não contempla os princípios da prioridade absoluta; 27,8% possuem procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados - os procedimentos para medir o impacto esperado e monitoramento das ações não foram observados nos conselhos pesquisados; 30,3% dos conselhos utilizam meios de comunicação para prestação de contas e transparência das ações; os CMDCAS têm relacionamentos com públicos variados e manifestam dificuldade para estabelecer articulações e parcerias fora da esfera estatal. Os próprios conselhos reconhecem a necessidade de capacitação entre as suas principais prioridades e entre os fatores que poderiam contribuir para o seu aprimoramento. A busca por incremento de destinações para o fundo municipal encontra uma saída na relação público-privada para lidar com a realidade a partir da concepção de estabelecimento de alianças e de reciprocidade, que podem constituir uma das formas de convergir recursos e esforços do governo para atender às demandas sociais existentes. Outro dado importante é que presidentes e conselheiros reconhecem que os critérios adotados para liberação dos recursos estão estruturados e planejados, o que é confirmado nas Resoluções dos conselhos. Entretanto, 86,1% dos conselhos fazem a liberação de recursos para entidades cadastradas ou conhecidas e os CMDCAs liberam recursos para entidades realizarem construção, reforma ou ampliação da sede da organização. Confirma-se, assim, o entendimento de Teixeira (2001, p. 137): ―a implantação dessa nova institucionalidade, que cria espaços de interlocução e decisão entre Estado e sociedade, tem se constituído numa experiência complexa, cheia de conflitos, confrontos e negociações entre os atores‖. Diante dessa conclusão, apresenta-se a percepção de presidentes e conselheiros para os instrumentos de gestão social: 221 Presidente Conselheiro 6,9 6,8 6,7 Impacto Esperado 6,6 Parceria Prefeitura/Outras Parcerias 6,5 6,4 Monitoramento de Ações 6,3 Impactos Esperados 6,2 6,1 6 Parceria Conselho Estadual 5,9 Parceria Prefeitura 5,8 Outras Parcerias 5,7 Plano de Trabalho Diagnóstico 5,6 5,5 5,4 Monitoramento de Ações Parceria Conselho Estadual Diagnóstico Acompanhamento de metas e resultados 5,3 Acompanhamento Metas e resultados Critério Liberação de Recursos 5,2 Critério de liberação de recursos 5,1 Plano de Trabalho 5 Capacitação 4,9 Orçamento 4,8 Capacitação/ Orçamento 4,7 4,6 4,5 4,4 Meios de Comunicação 4,3 4,2 Instrumentos de gestão social: presidentes e conselheiros. Fonte: Adaptado de Tamayo (2007, p. 11). Meios de Comunicação 222 Alinhamento de conceitos em torno de valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente O ECA estabelece uma série de princípios (valores) que representam a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente e que advém do artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Os princípios estabelecidos no artigo 227 da CF são: ―1. Universalidade: os direitos de crianças e adolescentes são universais. Porém, sua aplicação deve considerar a diversidade cultural de meninos e meninas com deficiência, indígenas, afro-descendentes, quilombolas e com necessidades educativas especiais. 1. Indivisibilidade: os direitos são interdependentes e correlacionados – nenhum grupo de direitos (políticos, civis, econômicos, sociais e culturais) é mais importante que o outro. 2. Responsabilidade: os estados são responsáveis por todos os cidadãos, sem exceção, e como tal devem prestar contas dessa obrigação e responsabilidade. 3. Participação: o indivíduo tem a prerrogativa de participar da vida política e cultural e de contribuir para o desenvolvimento e dele desfrutar. Cabe ao Estado incentivar a participação dos seus cidadãos em todas as esferas‖. Dessa maneira, compreendem-se os valores da Política Nacional de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente como: universalidade, indivisibilidade, responsabilidade e participação. A percepção dos valores da Política Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente A universalidade das políticas para a população infanto-juvenil expressa-se, nos limites da deliberação de programas e ações e mantém-se presente na ampliação que essas deliberações desencadeiam na garantia da proteção integral a esse público de forma que a política irá de encontro ao impacto esperado. Neste contexto, a compreensão da indivisibilidade diz respeito às decisões que devem ser tomadas na igualdade política e decisória, e nenhum grupo de direitos é mais importante que o outro. Dessa forma, o controle social é feito a partir do orçamento público, no qual se evidencia a responsabilidade de presidentes e conselheiros com a prioridade absoluta. A responsabilidade é uma questão fundamental na atribuição dos conselhos e deve compreender os meios de comunicação e visibilidade da tomada de decisão para a sociedade. Entretanto, para que a participação seja efetiva, requer o envolvimento com a política. 223 Nessa direção, a análise do Regimento Interno e das Resoluções informa: atribuições dos conselheiros e da mesa diretora estão presentes em 47 conselhos (87%); critérios de competências, funcionamento e registro de entidades são citados por 44 conselhos (81,5%); 43 conselhos (79,6%) estabelecem os critérios para liberação de recursos e fundo municipal; critérios de comissões temáticas estão firmados em 32 conselhos (59,3%); 30 conselhos (55,6%) firmam critérios para composição e organização; 13 conselhos (24,1%) possuem critérios para apresentação de projetos; chamamento público estão relacionados em 11 conselhos (20,4%); apresentação de plano de trabalho são relacionados por 11 conselhos (20,4%); emissão de certificado para captação de recursos são elaborados por 11 conselhos (20,4%); 06 conselhos (11,1%) possuem práticas para advertência, suspensão, cassação de registro de entidades e visitas às entidades; 2 conselhos (3,7%) discorrem sobre os critérios para análises dos projetos apresentados; enquanto, os critérios para prestação de contas pelas instituições não foram percebidos nestes conselhos. Nesse sentido, percebe-se: no que se refere ao processo decisório muitos conselhos encontram-se na fase de formalização de critérios; os conselhos estão institucionalizados, há coerência entre regras mais ou menos democráticas para definição da presidência do conselho, sinalizando que qualquer conselheiro eleito pode ser presidente e que existem diferenças no estabelecimento das regras de funcionamento; os conselhos não possuem regras relativas à previsão de categorias de entidades representativas da sociedade civil e à definição dos representantes da sociedade civil, ou seja, são menos formalizado; quanto à mesa diretora, secretaria executiva e comissões temáticas, é possível afirmar que os conselhos estão organizados, entretanto, chama atenção a falta de critérios para estabelecimento de câmaras técnicas. É interessante notar, que quando inquiridos se ―as ações e programas de atendimento a crianças e adolescentes foram aprovados de acordo com a Política Nacional de Atendimento à Criança e ao Adolescente‖ a resposta à questão enfatiza que presidentes e conselheiros têm percepções diferentes. Dessa forma, o desempenho dos conselhos é afetado por fatores deliberativos relacionados à: foco de atuação; objetivos; prioridades e estratégias; estabelecimento de metas; indicação do impacto esperado; formas de monitoramento das ações; indicadores de avaliação das ações previstas; definição de planos de trabalho; plano de aplicação de recursos; cadastramento de entidades; discussão e análise de orçamento; elaboração de 224 proposições, visitas de campo e entrevistas com instituições; publicização dos atos políticos; capacidade de gasto do executivo municipal, relacionado aos recursos disponíveis; variação no número de membros atuando como conselheiros. Dessa maneira, nota-se que os valores da política nacional estão diretamente relacionados com os instrumentos de gestão social. Então, o baixo nível de presença dos instrumentos de gestão social, compromete o grau de democratização dos conselhos e as deliberações de presidentes e conselheiros, impactando assim, a efetividade da participação. Portanto, os potenciais de desempenho dos conselhos depende: da capacidade de mobilização social dos presidentes e conselheiros e das relações entre o desenho institucional e a realidade política, social e administrativa na qual ele está inserido. Essa informação revela que a participação está atrelada à qualidade das decisões e ao envolvimento no processo decisório, de forma a demonstrar a eficácia deliberativa. Nesse sentido, como já demonstrado, os CMDCAs precisam estabelecer os processos que viabilizam o controle social e, então, incidir nas modalidades de efetivação das estratégias de enfrentamento de direitos violados do público infanto-juvenil. No entanto, concordando com Menicucci (2010), em termos médios, os conselhos estão deliberando sobre as questões para as quais foram criados com a participação da sociedade no processo. Alinhamento de conceitos em torno de valores do espaço público Os valores do espaço público não estatal são: Representatividade de interesses coletivos envolve a constituição de sujeitos políticos ativos, que se apresentam na cena pública a partir da qualificação de demandas coletivas, em relação às quais exercem papel de mediadores; democratização remete à ampliação dos fóruns de decisão política que, alargando os condutos tradicionais de representação, permita incorporar novos sujeitos sociais como portadores de direitos legítimos; qualidade e efetividade dos serviços: garantia de que as atividades seguem padrões específicos de excelência e melhoria nas ações e programas do projeto, o que implica a 225 garantia de impacto (resultado) positivo a partir das atividades do projeto, mudando condições estruturais mensuráveis e perceptíveis na vida das pessoas; visibilidade social é o valor usado no sentido de que as ações dos sujeitos devem expressar-se com transparência, não apenas para os diretamente envolvidos, mas também para todos os implicados nas decisões políticas; universalidade é garantia de que as atividades atingem, indistintamente, a demanda expressa na missão; cultura pública supõe o enfrentamento do autoritarismo social e da cultura privatista de apropriação do público pelo privado, remetendo à construção de mediações sociopolíticas dos interesses a serem reconhecidos, representados e negociados na cena visível da esfera pública; autonomia caracteriza-se pela independência em relação à representatividade pública do governo, ou seja, é a garantia de que as atividades não tenham vínculos forçados com interesses de organizações governamentais, políticas ou privadas; controle social é o elemento que faz a conexão com a sociedade civil e permite o acesso aos processos que informam decisões da sociedade política, viabilizando a participação da sociedade civil organizada na formulação e na revisão das regras que conduzem as negociações e arbitragens sobre os interesses em jogo, além da fiscalização daquelas decisões, segundo critérios pactuados. Defendendo a ideia de que a esfera pública considera na sua constituição os atributos do espaço público não estatal, a realização desse espaço pertinente e necessário ao desenvolvimento implica a superação de alguns desafios. Esses desafios, segundo Wanderley (2000), podem ser de: Representatividade – em que se encontram os atributos de visibilidade, representatividade e democratização; sustentabilidade – apresenta-se com o objetivo de construir uma cultura pública; efetividade – encontram-se aqui os atributos de autonomia e controle social. 226 A percepção dos valores do espaço público nos CMDCAs Na análise dos valores do espaço público apreendeu-se que estão diretamente relacionados com os instrumentos de gestão social e que, na percepção de presidentes e conselheiros, existem pontos de tensões. Nessa direção, as variações mais expressivas estão associadas aos valores: controle social, democratização, qualidade, cultura pública, sustentabilidade, visibilidade social, e representatividade dos interesses coletivos. As menores variações estão relacionadas a: universalidade, autonomia e efetividade. Do ponto de vista teórico, o que ocorre é que o conselho está contribuindo para a ampliação dos espaços de participação e ampliação do conceito de público como atributo. Dessa forma, em relação ao valor controle social, entendido como garantia de atribuição de responsabilidades e acompanhamento das atividades, é o atributo hierarquizado em primeiro lugar por presidentes e conselheiros, sugerindo que esses atores o consideram valor relevante. É importante anotar as iniciativas dos conselhos que contribuem para o estabelecimento de mecanismos de controle. Exemplo disso são as parcerias e articulações estabelecidas para a busca por incremento de destinações para o fundo municipal. Assim concebido, o controle social deve referir-se aos atributos do conceito de público não estatal como o instrumento que permite avaliar a forma concreta da missão do conselho e como espaço participativo que integra presidentes e conselheiros. O valor democratização, entendido como a ampliação de espaços referentes às decisões políticas com garantia de participação da sociedade civil nas instâncias de acompanhamento e decisão dos programas e ações, é o segundo elemento mais pretendido na hierarquização dos presidentes e conselheiros. Do ponto de vista teórico, o que ocorre é que esses atores, no exercício da participação cidadã, contribuiem para a ampliação desses espaços públicos. Ressaltase que a ampliação desses espaços é fundamental e uma das maneiras de participação se processa nas plenárias públicas. O valor qualidade, requisitado pela garantia de que as atividades seguem padrões específicos de excelência e melhoria nas ações e programas do projeto, é afetado por fatores deliberativos relacionados ao diagnóstico local, procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados, impacto esperado e monitoramento das ações. 227 Dessa maneira, o valor cultura pública, expressa os movimentos em direção à constituição de uma democracia deliberativa e indica a socialização dos problemas e a busca de soluções, contribuindo para a cidadania deliberativa. Dessa forma, a liberação de recursos para entidades cadastradas ou conhecidas aplicarem em construção, reforma ou ampliação da sede da organização, sugere que os conselhos precisam estabelecer um plano de aplicação de recursos. Em relação ao valor sustentabilidade, entendido como garantia da capacidade econômica de manutenção do projeto e da capacidade social dos conselhos para deliberar sobre os programas e ações, sugere que os conselhos estabeleçam um planejamento sistemático e de diagnóstico das necessidades do público-alvo objeto central de atuação das instituições cadastradas. Assim, os critérios para acompanhamento de resultados e metas, com garantia de destinação de recursos irão na direção ao cumprimento da missão. Este fato produzirá efeito em toda a sociedade e resultados sociais e públicos, na acepção da publicidade. A visibilidade social, compreendida como garantia da publicidade e fidedignidade das informações, processos, objetivos e liberação de recursos para programas e ações em sua comunicação com a sociedade, deve manifestar-se nos conselhos por meio da publicização dos atos políticos. Dessa forma, é imperioso estabelecer práticas para a publicização dos atos. No tocante à visibilidade social, o controle social deve permitir que todos os atos políticos dos conselhos garantam fidedignidade dos processos e das práticas. A consideração dos interesses e das expectativas de garantia dos direitos da criança e do adolescente sugere que o conselho se manifeste com a representatividade dos interesses coletivos que indica a socialização dos problemas e a busca de soluções coletivas, gerando a garantia de que as expectativas, necessidades, capacidades, interesses e representações sejam incorporadas nas atividades do projeto. Essa situação contribui internamente para o envolvimento de todos e externamente para a busca de parcerias que apoiem e viabilizem formas de atingir a missão. Essa condição guarda relação com o valor universalidade que deve ser abordado pela missão do conselho, além de estar ligada à condição de o controle social fornecer medidas que garantam a participação cidadã nesses espaços públicos. Nessa vertente, a percepção do valor representatividade dos interesses coletivos, demonstra que presidentes e conselheiros constroem o seu campo de atuação deliberando muitas vezes sem a garantia de que as expectativas sejam alcançadas. Intimamente ligada a essa 228 capacidade está a condição de o controle social fornecer medidas que garantam a participação cidadã nesses espaços públicos. Assim, a percepção do valor universalidade (garantia de que as atividades atingem, indistintamente, a demanda expressa na missão) é impactada pelos processos de discussão política dos conselhos e requer que os conselheiros tenham conhecimento da realidade vivida pela população infanto-juvenil da cidade de forma a garantir a efetividade da participação. É interessante notar, que os processos de discussão política dos conselhos muitas vezes acontecem sem os indicadores sociais, objetivos, prioridades, estratégias estabelecidas, recursos humanos, materiais, financeiros, avaliação planos de trabalho, plano de ação ou Plano Municipal de Promoção, Proteção e Defesa do Direito da Criança e do Adolescente e plano de aplicação de recursos. Dessa maneira, a universalização da política não vai ao encontro ao impacto esperado, ou seja, não é possível garantir que crianças e adolescentes terão seus direitos defendidos. Quanto ao valor autonomia, assume, algumas vezes, a conotação de autossustentação, sem a presença do Estado referendando os dados que mostram os recursos para uso nos programas e ações deliberados pelos conselhos e a proposta orçamentária do município não contempla a destinação preferencial de recursos públicos vindos do Executivo Municipal. Notase que o Poder Executivo não está cumprindo os princípios da prioridade absoluta que estabelece a destinação preferencial de recursos para a criança e o adolescente e dessa forma, não existe a garantia da universalização da política. O valor efetividade é requisitado pelo conceito de garantia de impacto (resultado) positivo a partir das atividades do projeto, mudando condições estruturais mensuráveis e perceptíveis na vida das pessoas. Percebe-se que existe expectativa de alcance de impactos esperados com as deliberações dos conselhos e, assim, de a garantia dos direitos da criança e do adolescente, entretanto, os procedimentos para acompanhamento de metas e avaliação de resultados, impacto esperado e monitoramento das ações não são práticas implementadas nos conselhos. Nesse sentido, o valor qualidade e efetividade deve ser mensurado quantitativa e qualitativamente pelo controle social. Essas medidas visam a garantir o uso eficiente, eficaz e efetivo dos recursos, ensejando que os interesses representados e o modo democrático de concebê-los se reflitam na deliberação de diretrizes de políticas públicas capazes de infundir perspectiva de valor e melhoria para as crianças e adolescentes e suas expectativas de realização. 229 Dessa maneira, é imperioso que o CMDCA se enraíze nas práticas sociais para a garantia de direitos do público infanto-juvenil, implicando a criação de mecanismos que possam induzir novas modalidades de ação coletiva ativadoras da participação cidadã e, assim, reforçar a sintonia com os grupos que lhes dão suporte. Cabe aqui ressaltar, para que possam consolidar a esfera pública democrática, é mister que o público infanto-juvenil esteja representado. Esta é a revolução da participação a incidir nas modalidades de efetivação das estratégias de enfrentamento de direitos violados desse público. Dessa forma, apresenta-se a hierarquização dos valores do espaço público na percepção dos presidentes e conselheiros: Presidente Controle Social Conselheiro 6,9 6,8 6,7 6,6 Controle Social 6,5 Democratização 6,4 6,3 Democratização 6,2 Autonomia 6,1 6 5,9 Autonomia/Efetividade Efetividade 5,8 Qualidade/Universalidade Representação de Interesses Coletivos 5,7 Universalidade 5,6 5,5 5,4 Representação de Interesses coletivos 5,3 5,2 5,1 Sustentabilidade/Cultura Pública 5 4,9 4,8 Qualidade/Sustentabilidade 4,7 4,6 Visibilidade Social 4,5 Cultura Pública 4,4 Hierarquia dos valores do espaço público: percepção de presidentes e conselheiros. Fonte: Adaptado de Tamayo (2007, p. 11). Visibilidade Social 230 Sugestões de vídeos Garotas do ABC. You Tube, 30 ago. 2009. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=sS5y3Oncqts Filme dirigido por Carlos Reichenbach. O filme se passa no ABC paulista, região operária, território de fábricas têxteis e metalúrgicas, de gente trabalhadora e de desempregados. E também de jovens (carecas, neonazistas, racistas) reunidos em gangues que odeiam negros, nordestinos e homossexuais. Ilha das Flores. Vídeo Google, 29 jan. 2011. Disponível em:< http://video.google.com/videoplay?docid=5310352391555601366#/> Documentário de 13 minutos: fala sobre a pobreza do povo brasileiro de forma única, onde um tomate é plantado, colhido, vendido e termina no lixo da Ilha das Flores entre porcos, mulheres e crianças. Juízo: os jovens infratores do Brasil. You Tube, 28 de jan. 2011. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=kgxaFLfImcI> Documentário de 06 minutos que retrata a justiça da infância e juventude no Rio de Janeiro. Foram filmadas várias audiências e acompanhada a rotina dos menores no Instituto Padre Severino, onde eles cumprem medidas socioeducativas. O filme retrata a realidade da trajetória de jovens com menos de 18 anos diante da lei. Meninas e meninos pobres entre o instante da prisão e do julgamento. O desafio das desigualdades. Vídeo Google, 28 fev. 2011. Disponível em: < http://video.google.com/videoplay?docid=-809724830496934908#> Documentário composto de 6 filmes. A desigualdade é de longe o grande problema do país, herança do passado, mas também impacto indireto das políticas atuais que a reproduzem. Neste primeiro vídeo (de um conjunto de 6), o professor Ladislau Dowbor analisa os dados básicos da desigualdade, confrontando dados estatísticos com as formas curiosas da sua apresentação na imprensa. Para falar de Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente BELO HORIZONTE. Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e do Conselho Tutelar: orientações para criação e funcionamento, 2007. BRASIL. 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