FACULDADE INTERAMERICANA DE PORTO VELHO/RO – UNIRON MATEUS SODRÉ RIBEIRO A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMÓVEL E A APLICAÇÃO DOS PROGRAMAS HABITACIONAIS DENTRO DO SFH PORTO VELHO – RO 2014 MATEUS SODRÉ RIBEIRO A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMÓVEL E A APLICAÇÃO DOS PROGRAMAS HABITACIONAIS DENTRO DO SFH Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Interamericana de Porto Velho/RO UNIRON, como requisito avaliativo para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Ms. Cezar Augusto Wanderley Oliveira PORTO VELHO – RO 2014 MATEUS SODRÉ RIBEIRO A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMÓVEL E A APLICAÇÃO DOS PROGRAMAS HABITACIONAIS DENTRO DO SFH Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade Interamericana de Porto Velho/RO UNIRON, como requisito avaliativo para obtenção do título de Bacharel em Direito. Porto Velho/RO,_____ de_____de_____. Banca Examinadora __________________________________________________ Orientador (a) Prof.(a). Ms. Cezar Augusto Wanderley Oliveira __________________________________________________ Arguidor I __________________________________________________ Arguidor II __________________________________________________ Coordenador (a) Prof.(a). de TCC-Direito DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à minha esposa e filhos, Katia, Bernardo e Leônidas, os quais foram fonte de credibilidade e que tanto me proporcionaram apoio no preparo deste. Ofereço ainda à memória de meu avô, Lamberto Rômulo Magalhães, que acreditou em meu potencial até seu último dia neste plano terreno. AGRADECIMENTOS Agradeço, com a maior sinceridade possível que possa expressar, aos meus orientadores e mestres, Prof.º Ms. Rildo Augusto Braga Araújo (in memorian), Domingos Sávio Figueiredo de Arruda e Cezar Augusto Wanderley Oliveira, por toda sabedoria a mim catedraticamente repassada, bem como pela materialização deste trabalho. Agradeço aos meus pais, Francisco Ribeiro e Rosângela Sodré, por toda educação que me foi dada, com muita luta e carinho, desejando que sempre trilhasse o caminho da sabedoria para que conquistasse os meus sonhos. “Talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor, mas lutamos para que o melhor fosse feito. Não somos o que deveríamos ser, não somos o que iremos ser. Mas, Graças a Deus, não somos o que éramos.” Martin Luther King RESUMO O direito à moradia digna é um assunto tema de debates que vem se perdurando por gerações e, a cada dia que passa, ganha mais visibilidade, inclusive no meio jurídico, que visa elaborar e tutelar as regras que condicionam este direito tão inerente aos cidadãos, previsto, em sua plenitude, pelo nosso ordenamento jurídico maior. É perceptível que o direito à moradia decorre de políticas públicas e de suas boas práticas, pois há o entendimento de que todo e qualquer bem imóvel deverá atender o seu objetivo social em prol de uma comunidade, e apesar de não ser uma concepção antiga, exala o desejo social há muito impregnado neste direito, o que nos remete às épocas dos grandes latifúndios, que atendiam, a contento, uma injustificável minoria. Sofrendo adequações durante a evolução do pensamento jurídico, aliado à necessidade do povo e do aumento intelectual da massa, que já vinha sendo instruída sobre este direito, o poder público enxergou a viabilidade na criação de instrumentos que pudessem organizar, sistemática e demograficamente, as condições de acessibilidade da população à morada digna, seja pela fundação do Sistema Financeiro Habitacional (SFH), seja pela criação de bancos de desenvolvimento (BNH e CAIXA), ou seja pela criação de programas habitacionais específicos (Programa MCMV, PNHR), ou até mesmo pela otimização do Plano Diretor advindo do Estatuto das Cidades. Sendo assim, todos estes itens passam por fim a comungar um bem maior. De um ponto de vista objetivo, é sobre este viés que decorre o estudo em face, elencando os participantes que foram ou ainda são essenciais para que haja a moradia justa à população como um todo, determinando a real função social da propriedade imóvel, sob a ótica da Constituição Federal de 1988, e sobre o alcance dos programas governamentais no âmbito do SFH. Desde os tempos coloniais, o presente trabalho contempla uma análise catalogadora, de exclusivo cunho literário, utilizando-se ainda das leis que compunham o nosso ordenamento jurídico, bem como do corpo normativo vigente, objetivando determinar como o ordenamento jurídico, através da história, influenciou as políticas voltadas à função social da propriedade imóvel, bem como sobre a atuação dos agentes públicos na consecução destas. Palavras-chave: Imóvel. Social. Propriedade. Programas. ABSTRACT The right to worthy housing is a subject matter of debate that has been lasting for generations, and with each passing day, get more visibility, even in the legal environment, which aims to develop and safeguard the rules that constrain this inherent right as citizens, provided, in its entirety, for our greatest legal system. It is noticeable that the right to worthy housing due to public policies and their best practices, as there is understanding that any immovable property must meet their social objective on behalf of a community, and despite not being an old design, exhales the social desirability has long pervaded this right, which brings us back to times of great estates, which met to the satisfaction an unjustifiable minority. Suffering adaptations during the evolution of legal thought, together with the need of the people and the intellectual mass increase, which had already been educated about this law, the government saw the feasibility to develop tools that could organize, systematic and demographically, the conditions accessibility of decent housing to the population, with the foundation of the Housing Finance System (SFH), the creation of development banks (BNH and CAIXA), or the creation of specific housing programs (MCMV Program, PNHR), or even by the optimization Master Plan arising from the Statute of Cities. Thus, all these items are ultimately communing greater fortune. From an objective point of view, is this bias that arises the present study, listing participants who were or still are essential for there to fair housing to the population as a whole, determining the real social function of property ownership under the optics of the Federal Constitution of 1988 and the scope of government programs under the SFH. Since colonial times, the present work offers a cataloging analysis, only literary material as source, still using the laws that made our legal system as well as the existing regulatory body, aiming to determine how the law throughout history influenced the policies aimed at the social function of property ownership, as well as on the actions of public officials in achieving these. Keywords: Habitation. Social. Property. Programs. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AC Apelação Civil BNH Banco Nacional de Habitação CC Código Civil CEF Caixa Econômica Federal CF Constituição Federal COHAB Conjunto Habitacional COOPHAB Cooperativa Habitacional DL Decreto Lei FCVS Fundo de Compensação de Variação Salarial FDS Fundo de Desenvolvimento Social FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço PAC Programa de Aceleração do Crescimento PAR Programa de Arrendamento Residencial PES Plano de Equivalência Salarial PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida PNHR Programa Nacional de Habitação Rural SBPE Sistema Brasileiro de Poupanças e Empréstimos SFH Sistema Financeiro Habitacional SFI Sistema Financeiro Imobiliário SFS Sistema Financeiro de Saneamento STJ Superior Tribunal de Justiça TJ Tribunal de Justiça TRF Tribunal Regional Federal SUMÁRIO 1. Introdução 10 2. Função social da propriedade 12 2.1. Conceitualidade histórica 12 2.2. Função social da propriedade urbana: evolução histórica brasileira 15 2.3. A função social da propriedade imóvel: caracterização e natureza jurídica 2.4. 2.5. 20 Previsão legal: A função social da propriedade sob a égide constitucional 24 A conjuntura das modalidades da aquisição da propriedade imóvel 27 2.5.1. Conceitos 27 2.5.2. Meios Formais 27 2.5.3. Meios Informais 30 3. 3.1. A função Social da Propriedade e os Programas Habitacionais no SFH 31 Sistema Financeiro Habitacional – SFH 31 3.1.1. Conselho Curador do FGTS 37 3.2. Banco Nacional de Habitação – BNH 39 3.3. Dos programas habitacionais vigentes: análise jurídica 41 3.4. Programa Minha Casa Minha Vida 44 4. Estatuto das Cidades: A propriedade atingindo a sua função social 45 4.1. Regulamentação das disposições constitucionais 52 4.2. Diretrizes Gerais 55 4.3. Plano Diretor 57 5. Considerações Finais 60 6. Referências Bibliográficas 63 10 1. Introdução A qualidade de vida das pessoas, quando em sociedade, é intimamente ligada à condição do meio onde estão insertas, e pode ser afetada negativamente pela falta de infra-estrutura e de planejamento das cidades. No caso do nosso país, o êxodo rural foi (e ainda o é, porém, com menor intensidade) um dos principais vetores que ocasionaram o crescimento desorganizado das cidades ao ponto em que o Estado vislumbrou a qualificação da recepção desta população como método para evitar o desenvolvimento de áreas impróprias a existência de comunidades. E para isto, teve de elaborar regras e diretrizes que transformaram, principalmente as grandes cidades, em um ambiente adequada à ocupação humana. Sob este prisma, extinguiu-se então, em primeiro lugar, o conceito de propriedade absoluta, na qual o proprietário poderia fazer o que lhe fosse conveniente, e tão somente, para condicionar o uso da “terra” almejando algo de maior influência sobre a sociedade, em que o resultado da função deste bem fosse prazeroso ao máximo de indivíduos o possível, guardadas as devidas proporções. Daí, partiu-se para adequação do direito positivado, momento no qual foram redigidas as normas que fazem parte do escopo do direito à morada digna e sua função perante a sociedade, servindo de manancial para a originação dos demais instrumentos que permeiam as políticas direcionadas à questão da habitação de um modo genérico. Portanto, identifica-se a criação de programas habitacionais, de banco de fomento à habitação (BNH), do Estatuto da Cidade, do Plano Diretor e dos fundos orçamentários. O presente trabalho tem fulcro no levantamento histórico de dados relacionados à contextualização da função social da propriedade imóvel, e como o pensamento jurídico vem adequando as normas, gerais e específicas, que definem as diretrizes das políticas habitacionais como objeto de suma importância para a sociedade, bem como um estudo sobre os programas habitacionais que vêm sido desenvolvidos desde meados do século passado, dada a recorrente necessidade de consolidação de projetos de moradia que pode ser constatada com um simples olhar para o passado, para o presente e ainda, com a perspectiva do que teremos para o futuro no que tange às políticas habitacionais praticadas. 11 Neste entendimento, abordamos os conceitos históricos nacionais e as influências externas que refletiram no modo de pensar dos juristas brasileiros, dada a abrangência e a coesão das matérias discutidas no campo dos direitos naturais e do ímpeto de liberdade que vinha sendo infringido no âmbito social, cada vez mais de maneira incisiva e persistente, o que de fato, vem ocorrendo até os dias atuais. Ainda que seja direito legalmente previsto, tido como cláusula pétrea pela nossa Constituição Federal de 1988 e até mesmo antes disso, é certo que o direito à moradia deve, acima de tudo, andar ao passo de sua função social, em que pese ser preciso uma rede de regras para implantação das estratégias de atendimento da sociedade ao acesso deste bem jurídico, desde a forma de aquisição da propriedade imóvel até a fixação ordenada de um meio de convivência social, como os grandes bairros e cidades. 12 2. Função social da propriedade 2.1. Conceitualidade histórica Historicamente, o conceito de propriedade é resultado da associação dos homens, ainda nos primórdios de nossa civilização, a qual tinha a principal função de determinar o espaço e as posses de cada indivíduo dentro desta primitiva sociedade. Através do tempo, as especificações e requisitos da propriedade, principalmente quando falamos da propriedade imóvel, foram aperfeiçoados dada a capacidade evolutiva do pensamento humano, que determinou uma sequência de alterações e reservas legais para garantir ao máximo a inatingibilidade desta propriedade. Apesar de não conter uma sistematização especifica sobre as regras que regem o conceito de propriedade imóvel, o Direito Romano teve, como ponto de partida dos princípios que revestem a propriedade imóvel, as primeiras considerações sobre o assunto, assim como em diversos outros campos jurídicos. Naqueles idos, eram ofertados aos chefes de família os “heredium”, uma área de terra de aproximadamente meio hectare de extensão. Para os romanos, a propriedade era concebida como um direito completamente absoluto, pois não restringia o uso da propriedade, bem como não comportava limites sobre esta, já que o proprietário tinha o direito de usar, dispor e fruir do bem. Para os operadores da época, o direito de propriedade é tido em três facetas: usus, fructus e abusus, que respectivamente significavam o poder de utilizar a coisa, a possibilidade irrestrita de perceber os frutos advindos desta coisa, e o poder de dar, vender ou alienar este bem. Colabora o mestre Antônio Riccitelli: “Os patrícios, primeiros habitantes da região central da Península Itálica, consideravam a propriedade coletiva uma forma de relação entre homens e “bens”, até tornarem-se senhores de suas áreas de exploração pastoril. No ocaso do Império Romano, ao final da Época Clássica quatro formas distintas de apropriação imobiliária eram identificadas. A dominium ex iure quirintum, subjetivamente restrita aos civitas (cidadãos romanos) e objetivamente restrita aos fundos itálicos, representavam o conceito mais próximo da propriedade plena atual. A bonis esse e possessio, restrita objetivamente aos fundos do Estado.”1 1 RICCITELLI, Antônio. Função Social da Propriedade. Disponível <http://www.lopespinto.com.br/adv/publier4.0/texto.asp?id=373>. Acesso em 22/09/2011. em 13 Todavia, como já era lógico, foi necessária a criação de regras que determinassem os limites, formas de aquisição do bem e instrumentos que inibam a fabricação de atos depredatórios contra a propriedade, prevendo inclusive o pagamento indenizatório se estes atos acontecessem. Deste ponto em diante, foi tracejada uma concepção mais burilada do conceito “propriedade”, inclusive tratada no período de formação clássica do direito romano como propriedade quiritária, que seria aquela que decorria da constituição da capital italiana. Deste modo, o direito romano transpõe a propriedade individual e passa a estabelecer leis que concernem o direito de vizinhança e servidão predial. Conforme Caio, a propriedade seria o “jus utendi et abutendi, quatemus juris ratio patitur”, ou seja, a propriedade deveria ser usada dentro de padrões admitidos pelo Direito, tanto em sua abordagem filosófica, como lógica. Entretanto, a concepção da propriedade moderna, historicamente, tem bases fundadas nos trabalhos realizados por São Tomás de Aquino, e tendo esta origem, é intrinsicamente ligada à doutrina cristã, apesar de termos a convicção de que a análise liberal da propriedade foi resultado da Revolução Francesa, ratificada pelo Código Napoleônico, que vinha a atender os anseios da burguesia, fortificada com o movimento social revolucionário. Não restam dúvidas de que a visão católica foi fonte de recursos para sedimentar o entendimento de que a propriedade deveria ter uma finalidade social, a qual seria abarcada por conceitos de solidariedade e pró-coletividade. Desde a época de São Tomás de Aquino, a Igreja Católica aborda esta temática social para tratar da propriedade. Alguns dos exemplos que deixam a intenção católica visível são encíclicas Mater et Magistra, do Papa João XXIII, emitida em 1961 e a Centesimus Cennus, do Papa João Paulo II, expedida em 1991. Ambas reforçam a idéia de que a propriedade privada é inerente à sua função social e esta ela deve atender, ao invés do benefício de um único indivíduo ou de um minúsculo grupo social, como uma família por exemplo. Já a ideologia francesa marca a teoria de que a propriedade é um direito natural, sendo este mais forte do que qualquer intervenção estatal. Com a ascendência da burguesia e da constante queda da classe nobre feudal, o que favoreceu a ampliação e desenvolvimento – principalmente comercial – das cidades (já que os burgueses eram uma classe predominante formada por comerciantes), as 14 terras, à pedido da enfraquecida mas politicamente influenciadora nobreza feudal, todas foram transferidas para a realeza, o que resultou em um aumento descomunal dos tributos para que fossem utilizadas. Tal situação, em estado cataclísmico, findou na Revolução Francesa, quando o povo mostrou o seu clamor perante o Estado e houve a confecção da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão. Tal carta confirmava que a propriedade era um direito natural e que além disse, possuía um caráter individualista, mesmo com certas limitações à esta direito. A ministra Eliana Calmon diz o seguinte acerca da contribuição cabal dos franceses à caracterização do direito de propriedade: “Historicamente, é interessante observar, que da França originaramse as teorias opostas e extremadas sobre o direito de propriedade. Se o francês foi capaz de pensar a propriedade como o mais absoluto dos direitos e influenciar, com este pensamento, o mundo jurídico da época, voltou ele a repensar o conceito de propriedade e, em posição inteiramente oposta, também consagrou a idéia de que a propriedade só poderá ser garantida juridicamente pelo Estado, quando tiver função social.”2 No nosso direito, a primeira aparição do conceito de propriedade é tratada na Constituição Federal de 1934 – apesar de termos vestígios de “propriedade” em todas as Cartas Magnas do país, porém de modo esparso e com pouca clareza, sendo a Carta de 1988 a primeira a trazer um avanço consistente sobre o assunto. E tão logo publicada a Emenda Constitucional n.º 01, de 1969, a propriedade imóvel deu-se como uma condição de caráter estritamente econômico, o que era basilar para todo o cidadão dada a sua função social, pois em conjunto com a conceituação da propriedade privada, deveríamos nos ater à destinação social do bem e esquecer, a de eterno, a concepção romana, uma vez que esta já não se aplica a nossa realidade e por isto não teria mais sua razão de existir. Todavia, somente com a vinda da Constituição Federal de 1988, as normas anteriores foram de fato superadas, posto que este instrumento normativo definia com maior zelo a preocupação de assegurar o direito de propriedade como o uso da coisa em consonância com os ditames clamados pelo bem comum, afastando-se do plena in res potestas, ou seja, propriedade somente é plena quando esta propriedade não apresenta restrições de conteúdo . Tal consideração por ser 2 CALMON, Eliana. Aspectos Constitucionais do Direito da Propriedade Urbana. Disponível em <www.stj.gov.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001114/>. Acesso em 21/09/2011. 15 corroborada pelo nosso último Código Civil, que sedimentam os parâmetros definidos na Carta Magna de 1988. 2.2. Função Social da propriedade urbana: evolução histórica brasileira O princípio da propriedade urbana foi contemplado em todas as Constituições Brasileiras, diante deste fato, podemos concernir que tal instituto é basilar numa visão macro da formação social brasileira. É de salutar relevância dizer que o códex pátrio é inspirado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da Revolução Francesa, a qual prevê a inerência do direito ao homem, mediante organização estatal. Bem aventurado foi o jurista Rudolf Von Ihering quando formulou a tese de que o direito existe em função da sociedade e não a sociedade em razão do direito, equalizando a condição de que a norma positivada deveria atender as necessidades reais da sociedade. O Brasil não passou pelo modelo feudal de propriedade privada, como a França e Inglaterra. Desde a data do descobrimento do Brasil até a sua independência, todas as terras brasileiras, conhecidas ou não, pertenciam à coroa portuguesa, e durante este lapso temporal, a única alteração que o Rei realizou, investido do poder que lhe era conferido, foi a criação das capitanias hereditárias, num total de quinze unidades, que serviam tão somente para facilitar o controle do vasto território que as formavam. Estas capitanias foram doadas logo após a sua criação, para somente doze donatários; um número incomensuravelmente pequeno em face da quantidade de pessoas que aqui habitavam, sendo assim, os primeiros relatos de aquisição da propriedade imóvel ocorriam através da posse sem a existência ou emissão de qualquer título que lhe concedesse a real propriedade do espaço, ou ainda pela usucapião ou pelas chamadas cartas de sesmarias, que consistiam em concessões de curtos espaços de terra em troca de algumas obrigações, como o cultivo de certo artefato agrário ou a criação de determinada espécie de animal3. 3 Sua origem remonta à lei de D. Fernando de Borgonha, de 1375, quando posta jurídica à crise de abastecimento e à queda demográfica vivenciada pelo reino luso, no período que se segue à Grade Peder. Nessa célebre lei, ordenava o soberano que as terras, que se encontram incultas ou abandonadas deveriam ser distribuídas a quem quisesse aproveitar. Essa tarefa competia aos “sesmeiros”, homens direitos, encarregados pela Coroa, tanto da distribuição quanto da fiscalização do uso feito pelos beneficiados. 16 No final do século XVIII, a distribuição das terras do Brasil estava desorganizada, com muitas sesmarias sem demarcação ou registro. Em julho de 1822, através de uma Resolução, extinguem-se as doações de sesmaria, dando-se início ao debate da necessidade da regulamentação da propriedade privada, posto que a referida extinção ocorreu em plena expansão da economia cafeeira. Esta situação perpetuou-se até a metade do século XIX, quando o Estado criou o primeiro conjunto de normas pertinentes à propriedade imóvel, conhecida como a Lei de Terras. Diz a professora Lígia Osório Silva: "Em meados do século XIX, o Estado imperial elaborou a primeira legislação agrária de longo alcance da nossa história, que ficou conhecida com a Lei de Terras de 1.850. Essa intervenção do Estado na "questão da terra", veio no bojo das grandes transformações que nesse período começaram a propelir a sociedade brasileira, ainda escravista e arcaica, nos rumos da modernidade. A Lei das Terras visava promover o ordenamento jurídico da propriedade da terra que a situação confusa herdada do período colonial tornava indispensável.”4 O objetivo da lei era a regulamentação da propriedade fundiária no país, ou seja, regimentar a aquisição de terras pelos sesmeiros e pelos posseiros, definindo ainda os critérios para a compra de terras estatais e criando empecilhos para a aquisição de terras devolutas. Colabora Judith Martins: “A Lei de Terras veio como uma disciplina jurídica do direito de propriedade nos moldes liberais, ou seja, um direito absoluto, exclusivo, perpétuo, exercido sobre limites precisos, não condicionados pela gama de deveres que caracterizava o domínio sesmarial”.5 Não obstante, até a Constituição de 1934, a propriedade imóvel era tida como direito absoluto, inviolável por terceiro, exceto pelo Estado, sendo devido por este o pagamento de indenização compatível com a desapropriação causada. Segundo Grace Virginia Ribeiro (2000, pág. 14), a Constituição de 1934 já trazia timidamente o conceito social que a propriedade deveria exercer, assim como a Constituição 4 SILVA, Lígia Osório, Terras Devolutas e Latifúndios - Efeitos da Lei de 1.850. São Paulo: Editora da Unicamp, 1996, p. 121. 5 MARTINS-COSTA, Judith. A Reconstrução do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pág. 758. 17 alemã elaborada por Weimar. Contemplava em seus artigos 113 (nº 17) e 118 6, que as minas e demais riquezas do solo, incluindo neste rol os cursos e quedas d’água, como propriedade distinta do solo para fins de uso e exploração, pois considerava que o bem devia servir em uso da coletividade. Sobre esse utilidade coletiva instituída naqueles idos, pronuncia Seabra Fagundes: “Essa utilidade diz com todos, ultrapassando o plano egoístico do poder total reconhecido remotamente ao dono, exprime-se no condicionamento ao bem comum, do que ele pode fazer, do que pode não fazer e do que deve fazer”.7 Nas demais Constituições, como as de 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988, também vemos fortes indícios de conceituação da função social da propriedade, com destaque como dito alhures, para Carta Magna promulgada em 1988. A Magna Carta de 1937 não alterou em teor o texto de sua antecessora, porém no que concerne ao direito de propriedade, foi nebulosa, e timidamente versou sobre o referido instituto. Diz o artigo 122, em seu inciso 14: “Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 14) o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o exercício;” A Constituição de 1946 traz um ar mais redemocratizado, emitindo a necessidade da função social da bem imóvel, tendo-a como um dos princípios que regiam a ordem econômica e social da Brasil; defendia inclusive que a propriedade deveria ser justamente dividida, para que todos pudessem usufruir desta com as 6 Constituição Federal de 1934: Artigo 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (18) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à indenização ulterior. E artigo 118 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as quedas d'água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou aproveitamento industrial. 7 FAGUNDES, M. Seabra. Da ordem econômica na Nova Constituição. In CAVALCANTI, Themistocles et al. Estudos sobre a Constituição de 1967, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968, p.159. 18 mesmas oportunidades. Os artigos 141, § 16 e 1478 eram os portadores desta condição. Corrobora a professora Lilian Regina: “Há uma conciliação das prerrogativas individuais com as exigências sociais, visando uma justiça distributiva. Nesse passo, os dispositivos constitucionais citados concederam um traço social à propriedade”.9 Por sua vez, a Carta de 1967, gerada num ano marcada por um golpe militar, foi feita mediante um corpo congressista que não tinha legitimidade jurídica de representação popular. Apesar de manter a função social e aplicar substancialmente a conceituação de propriedade imóvel, seu escopo real era a marca de um Estado altamente ávido ao controle social. Prescreve Celso Ribeiro Bastos: “A Constituição de 1967 foi uma tentativa de agasalhar princípios de uma constituição democrática, conferindo um rol de direitos individuais, liberdade de iniciativa, mas onde à todo instante se sente a mão do Estado autoritário que a editou”.10 Assim se perpetuou pela Constituição de 1969, porém sem alterações que cabem menção neste estudo, além da possibilidade de pagamento ao expropriado – sendo o imóvel exclusivamente urbano – em títulos da dívida pública (norma contida no artigo 153, § 2º da CF/67), já que na anterior tal pagamento somente era possível em dinheiro. Em 1988, a Constituição avança muita nesta questão. Segundo Grace Tanajura, a Carta qualifica ainda mais os requisitos da função social da propriedade imóvel, inclusive caracterizando substancialmente o direito à propriedade como 8 Constituição Federal de 1946: Artigo 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (§ 16) É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior. E artigo 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos. 9 PIRES, Lilian Regina Gabriel Moreira. Função social da propriedade urbana e o plano diretor. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 36. 10 PIRES, Lilian Regina Gabriel Moreira. Função social da propriedade urbana e o plano diretor. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 37 apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, p.135. 19 cláusula pétrea11. Esta carta foi o resultado de um intenso movimento social, que clamava por um governo representativo e com ideais voltados para o desenvolvimento social. Nos ditames de Lilian Regina Pires (2007, p. 41), o conceito de propriedade manteve-se nos mesmos padrões, entretanto, na Constituição de 1988, ela foi claramente juntada a sua função social. Diz o artigo 5º, XXIII, da Constituição Federal de 1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;” O artigo constitucional neste momento declara, ipsis litteris, qual a característica definitiva que o imóvel deve ter, bem como o seu caput que trata a propriedade como direito inviolável e absoluto. É possível falar ainda que na Lex Regimentalis de 1988, foi introduzido ainda outro instituto de grande importância para a atual conjuntura das políticas habitacionais: O Direito Urbanístico. Tratava-se de um grupo de medidas governamentais que tinham por objetivo a organização de espaços habitáveis visando a melhor qualidade possível de vida para a comunidade. Nesta ótica, os espaços tidos como habitáveis eram onde o indivíduo praticava as quatro principais atividades sociais: habitação, trabalho, circulação e recreação (MEIRELLES, 1990 apud PIRES, 2007, p. 43). Segundo o artigo 182 da Carta Magna de 1988, era de responsabilidade da 12 União , o planejamento de políticas públicas que objetivassem o sadio desenvolvimento das cidades e principalmente que propiciassem conforto à sociedade ali inserida. Tais demandas teriam que ser realizadas pelos municípios através de diretrizes genéricas de origem federal – daí a figura da União no modelar destas práticas. Exemplos como o Plano Diretor e o Estatuto das Cidades são dignos do que foi laborado pelo Estado Federal, os quais serão abordados com maiores minúcias nos próximos capítulos. Diz-nos Lígia Melo: 11 TANAJURA, Grace Virginia Ribeiro de Magalhães. Função Social da Propriedade Rural. São Paulo: LTR, 2000, p. 98. 12 Instrução tida no artigo 21, XX, da Constituição Federal de 1988. 20 “Com a positivação dos direitos e garantias fundamentais em uma estrutura de texto que reforça a proteção dos direitos do indivíduo, definindo objetivamente o papel do Estado e sua finalidade, é que pela primeira vez na história nacional vê-se a determinação constitucional de diretrizes jurídicas e políticas para a condução de políticas públicas de desenvolvimento urbano voltadas à promoção e proteção do indivíduo.”13 O direito brasileiro acompanhou o caminhar de diversas outras constituições de outros países, haja vista o direito à propriedade ser um bem jurídico tutelado pelas mais diversas nações, independentemente das ideologias políticas, religiosas ou filosóficas, pois como tratamos desde o início, é um direito natural, e todo homem necessita ter o direito de propriedade resguardado assim como meios que possa utilizar para defender seu bem jurídico sem ferir o bem jurídico de outrem. 2.3. A função social da propriedade imóvel: caracterização e natureza jurídica Em outros idos, o Código Napoleônico entendeu que o direito de propriedade era processado como o direito de gozar e de dispor das coisas (bens móveis e imóveis) da maneira mais absoluta, tendo limitações tão somente para aqueles objetos imorais ou não permitidos pela lei vigente. Tal formatação atravessou o tempo e mereceu algumas alterações de modo a atender a essência do conceito de propriedade, eis que em primeiro lugar não há como definirmos o que seria o absoluto (o absoluto é tido, neste plano, como uma situação plausível para as situações reais) e em segundo lugar, porque a propriedade é poder absoluto, ao tempo que concomitantemente não é, visto as restrições criadas pelas leis e pelos regulamentos administrativos. A propriedade é a centro da partícula que atrai e mantêm os demais direitos reais, que pressupõem, necessariamente, o direito de propriedade, do qual são modificações ou limitações, ao passo que o direito de propriedade pode existir independentemente de outro direito real em particular. Não obstante ao dito acima, é de fundamental importância a diferenciação entre propriedade e direito de propriedade, na qual a última é a configuração 13 MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por meio da Regularização Fundiária. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 44-45. 21 normativa da primeira. Para melhor assentamento da idéia, nos traz o Celso Antônio Bandeira de Melo: “Direito de propriedade é a expressão juridicamente reconhecida à propriedade. É o perfil jurídico da propriedade. É a propriedade, tal como configurada em dada ordenação normativa. É, em suma. A dimensão ou o âmbito de expressão legítima da propriedade: aquilo que direito considera como tal... Na Constituição - e nas leis que lhe ensejam conformadas – reside o traçado da compostura daquilo que chamamos direitos de propriedade em tal ou qual país, na época tal ou qual”.14 Pode-se, pois, ao direito de propriedade, atribuir caráter absoluto, pois o proprietário poderá dispor da coisa ao seu próprio interesse, sujeito apenas a algumas limitações impostas seja interesse público ou pela coexistência do direito de propriedade dos demais indivíduos. Neste viés, podemos ofertar-lhe ainda um caráter exclusivo e irrevogável, vez que há a impossibilidade da mesma coisa não poder pertencer com exclusividade a duas ou mais pessoas ao mesmo tempo. Porém, tão logo que o atributo da exclusividade comporta modificações, é possível o desdobramento de determinadas parcelas da propriedade e sua constituição em direitos separados, a favor de terceiros. É claro que há a exigência da participação de todos os “proprietários” para a prática dos atos anteriormente citados. Já que o poder do dono sobre a coisa imóvel é absoluto, este tem todo e qualquer direito, referente a disposição do bem, e ninguém poderá fazer cessar o intento deste, mediante esta condição, salvo em casos em que este estiver legalmente impedido. Em suma, temos a máxima de que a propriedade não poderá ser perdida senão pela vontade do proprietário. Podemos assim declarar que propriedade, neste sentido, é perpétua e irrevogável, podendo ser transmitida aos seus descendentes e subsiste inclusive pelo exercício ou não da propriedade, já que o mesmo tem a liberdade de dispor da bem em face de condição normativa e válida. Podemos ainda distinguir diversos direitos de propriedade, entretanto cada qual com a sua específica subordinação. Temos, dentro de tantas outras possiblidades, os bens móveis, imóveis, urbanos, rurais ou ainda os materiais e imateriais. O grande diferencial da propriedade imóvel está no seu substrato, oriundo 14 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Novos Aspectos da função Social no Direito Público. São Paulo: Revista de Direito Público, 1987, p.40. 22 das regras e costumes atinentes às mais diversas sociedades, em face da importância da propriedade imobiliária em garantir na maior parte do todo, que tenhamos a completa aferição e desfrute dos outros “pétreos” direitos que nos são garantidos, ou seja, é questionável se saúde, educação e bem-estar social, por exemplo, podem ser usufruídos sem termos onde o fazê-los. A função social neste contexto tem interpretação que transcende apenas as suas limitações físicas; mas sim como uma possibilidade de promovermos a existência digna e justiça social do membro e de seus entes familiares. Portanto, é imperiosos traçar esta distinção e revestir o direito de propriedade com o formato abrangente que tem, tornando mais fácil estabelecer adequadamente sua vital posição, quanto à natureza e finalidade e quão essencial é para os direitos individuais – e coletivos – arrolados em nossos valores, costumes e regras normatizadas. Corroborando o texto constitucional sobre a propriedade e sua função, o Código Civil ainda apresenta a seguinte conceituação no artigo 1.228, §1º: “Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Tem-se por direito de usar aquele em que o proprietário pode usufruir de todos os serviços que ela pode prestar. O direito de gozar consiste em auferir os produtos – ou frutos – que esta propriedade possa gerar. E o direito de dispor, o mais notável da trindade, é o poder de dar, alienar, gravar com qualquer tipo de ônus legal e de submetê-la ao serviço de terceiro. O direito de propriedade é geral, no sentido de que o proprietário pode tudo sobre a coisa, salvo algumas exceções. Os outros direitos reais são limitados, não são completos tão somente. Essas barreiras significam que elas abrangem apenas alguns serviços ou utilidades da coisa, permanecendo os demais com o proprietário. É possível distinguir tais critérios na norma e no próprio histórico jurisprudencial, no que segue: 23 “Solo criado é o solo artificialmente criado pelo homem (sobre ou sob o solo natural), resultado da construção praticada em volume superior ao permitido nos limites de um coeficiente único de aproveitamento. (...) Não há, na hipótese, obrigação. Não se trata de tributo. Não se trata de imposto. Faculdade atribuível ao proprietário de imóvel, mercê da qual se lhe permite o exercício do direito de construir acima do coeficiente único de aproveitamento adotado em determinada área, desde que satisfeita prestação de dar que consubstancia ônus. Onde não há obrigação não pode haver tributo. Distinção entre ônus, dever e obrigação e entre ato devido e ato necessário. (...) Instrumento próprio à política de desenvolvimento urbano, cuja execução incumbe ao Poder Público municipal, nos termos do disposto no art. 182 da Constituição do Brasil. Instrumento voltado à correção de distorções que o crescimento urbano desordenado acarreta, à promoção do pleno desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao princípio da função social da propriedade (...).” (RE 387.047, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 6-3-2008, Plenário, DJE de 2-52008.) No mesmo sentido: RE 226.942, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 21-10-2008, Primeira Turma, DJE de 15-5-2009.”15 Tido o fenômeno da propriedade na própria natureza do homem e orientada hoje à um sentido predominantemente social, torna-se secundária a busca pela fixação de sua natureza jurídica, haja vista o caráter indelével na qual se encontra. Na realidade, o curso da história encarrega-se de modificar, sem alterar na substância, essa natureza. Da época em que o homem primitivo se apropria de bens e utensílios para a caça e a pesca, passando por sua fixação permanente no solo, até a concepção individual e social, cada momento histórico teve sua própria axiologia a respeito da propriedade. A teoria da ocupação poderia justificar a propriedade primitiva, antes do ordenamento do Estado. Com o advento da figura do Estado, é este quem determina e organiza a propriedade. Unicamente, o direito protege os direitos subjetivos. Desse modo, não só a propriedade, como qualquer outro instituto jurídico, têm como denominador a lei. Entretanto, não é apenas a lei que cria a propriedade. Esta decorre da própria natureza humana, sendo que sua utilidade social deve ser mensurada em conjunto com a proteção do direito garantidor da propriedade privada. Neste entendimento, negar que a propriedade individual é absoluta e como recusar a própria natureza humana. 15 Recurso Extraordinário n.º 387.047-5/SC. Disponível em http://jus.com.br/artigos/. Acesso em 29/07/2014. 24 Assim como em outros fenômenos sociais, como a família, o casamento e a filiação, por exemplo, o conceito de propriedade altera-se no tempo e no espaço. O passado ensina que todos esses fenômenos pendem ao caminhar das necessidades sociais, uma após a outra. Como principio então, operador do direito deverá descrever apropriadamente os fenômenos no presente, tendo a história como fonte. Averba a professora Ligia Melo: “Como organismo vivo a cidade passa pela história marcada por fatos históricos, políticos, religiosos, culturais e econômicos que produzem características em seu espaço transformando o ambiente e definindo sua configuração sempre afeita à uma função social.”16 Com esta consideração, podemos presumir que a evolução das cidades, e de consequentemente sua malha urbana habitável, é fruto de uma série de modificações adaptativas ao meio social. Avançar ao passo da história, tendo a sensibilidade de perceber as mudanças sociais de seu tempo, é a chave. Contudo, do complexo jurídico ligado pelo legislativo e pela jurisprudência, deve ser extraída a caracterização mais justa. 2.4. Previsão legal: A função social da propriedade sob a égide constitucional. Uma vez tida como exercício obrigatório da União, a politica urbanística, como não poderia ser diferente, transfere subsidiariamente a responsabilidade do cumprimento das diretrizes públicas para o poder público municipal e para o próprio proprietário do bem imóvel, como instrumento de controle e efetivação das políticas tracejadas na esfera superior estatal. A existência da tal obrigação jurídica de fazer, consequentemente, acarreta em sanções para descumprimento deste ordenamento. Declara o artigo 182, § 4º, I e III da CF/1988: “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. 16 MELO, op. cit. p. 27. 25 § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais”. Desta maneira vemos a plataforma jurídica criada para atender os preceitos constitucionais reservados ao cidadão, e à primeira vista, compreendemos que o plano, em seu teor, foi habilmente montado pelo legislador. Ora, o Estado por si só não poderia manter a ordem diante da inércia do povo em aguardar a solução advinda do poder público. As metas somente seriam alcançadas com a participação obrigatória do povo neste processo e a medida sancionatória clarificada nos textos legais se tornou indispensável para o processo de desenvolvimento urbanístico no país. Diante dos critérios que qualificam aquele que pode ser penalizado pelo não cumprimento dos preceitos legais da CF/88, podemos adir a subutilização àquele imóvel do qual se tem aproveitamento inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente, hipótese em que o proprietário será notificado pelo Município, para cumprir com a obrigação imposta, sendo que esta notificação deve ser averbada, à título de validade jurídica, junto ao Cartório de Registro de Imóveis pertinente ao bem. O parcelamento, utilização ou edificação compulsórios significam que o proprietário deve dar uma adequada utilização do imóvel, principalmente, coibir a especulação imobiliária, minimizar a expansão urbana, parcelar glebas ociosas, diminuir custo do processo de urbanização, ampliar a oferta dos imóveis, revitalizar os espaços degradados e fazer cumprir com a função social da propriedade urbana; ou seja, usar devidamente o espaço ou efetuar o desmembramento oficial do bem para o implemento das políticas de regularização fundiária ou realizar obras de manutenção do prédio, evitar as construções clandestinas, primar pelo cumprimento da servidão predial – como previsto no Código Civil vigente - e de priorizar obras de saneamento junto ao bem, visando o bem da coletividade e como dito noutro lugar, corroborando o cenário em busca da função social dos bens formadores da 26 comunidade congênere. Descreve o grande Nelson Saule Júnior sobre a origem do dever dos proprietários de imóveis subutilizados: “[...] proprietários de solo urbano não utilizado, não edificado ou subutilizado, de compatibilizar o uso de seus imóveis com as necessidades e demanda de moradias nas cidades, em especial, das populações sem moradia digna, que vivem em nossas metrópoles.”17 É certo dizer que, apesar do caráter inviolável dado pela Constituição de 1988 ao direito de propriedade, este anda em conjunto com a sua função social. Foram editados dispositivos legais que invadem, em um bom sentido, o direito do proprietário para a concretização de sua finalidade. Reza, por exemplo, o artigo 5º, XXV da CF/88: “Art. 5º: No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar a propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. Na ocasião de risco público, o imóvel pode ser requisitado pelo governo regente à fim de propiciar a segurança dos demais além a do patrono do bem. A requisição pode ser caracterizada pela suspensão temporária do direito absoluto em face de um bem maior, retirando-lhe neste ínterim tão somente a posse, com direito inclusive, de indenização certa se houver alguma perda material durante este período. Cabe frisar que não é necessário a caracterização do perigo, bastando a suspeita que algo, imperiosamente, irá trazer risco ou dano à uma parcela da população junta as área limítrofes do imóvel. Configura-se inclusive, como forma de limitação ao direito de propriedade, a ocupação temporária (a ocupação de um imóvel para guarda dos equipamentos que estão realizando uma obra de interesse público), a limitação administrativa (a imposição de limites para a altura dos muros que rodeiam o bem ou o recuo de calçada para passagem pública) e o tombamento (restrições quanto ao uso do imóvel para preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural, científico e de coisas ou locais que devam ser preservados) como alguns exemplos, que, mesmo sendo meios de intervenção diferenciados, não implicam diretamente na perda da posse, criando, uma menos e outra mais, o direito de propriedade. Todas estas 17 SAULE JUNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2004, p. 216. 27 atitudes devem ser encharcadas por extrema necessidade e sempre são, na quase totalidade das situações, as últimas das demandas a serem invocadas pelo poder estatal. De certo, cremos que a intenção da Magna Carta não foi camuflar um controle ao direito de propriedade, mas sim, criar maneiras de que a sua função seja em prol de um conjunto e não de um único particular. 2.5. A conjuntura das modalidades da aquisição da propriedade imóvel 2.5.1. Conceito O direito brasileiro não compreende a aquisição da propriedade senão pela tradição ou pelo registro, que nada mais representa a formalização da tradição. O simples acerto de vontade entre as partes não satisfaz os requisitos mínimos exigidos pela ordem normativa. Há de se falar ainda, conforme ascendente corrente doutrinária, na aquisição por meio informal, que se sedimenta na condição da ocupação de terra na qual há a existência de assentamentos informais, em latente processo de regularização. Sobre este tema, completa Lígia Melo: “Sua existência não é nem conjuntural e nem eventual, mas consequências do descompasso entre condições sociais e econômicas e os padrões urbanísticos estabelecidos em lei agregados à falta de organização e planejamento das esferas públicas competentes.”18 As formas de aquisição da propriedade classificam-se em originárias e derivadas e dentre estas, podem ser à título universal ou título singular, que correspondem a aquisição por sub-rogação no direito na esfera universitas juris e pela compra de bem individualizada como num contrato de compra e venda ou na aquisição de um legado, por exemplo. 2.5.2. Meios Formais Pela formalidade do processo, adquire-se, como dito no tópico anterior, a propriedade de modo originário ou derivado, sendo que respectivamente, quando ocorre na inexistência de relação jurídica e quando ocorre mediante à contrato ou 18 MELO, op. cit., p. 175 28 relação jurídica junto ao seu proprietário antecessor, tendo como regra fundamental a impossibilidade da transmissão de direitos além dos que detêm. Estão abaixo arrolados os tipos de aquisição por meios formais. I. Da Aquisição por Registro do Título: Elencada nos artigos 1.245, 1.246 e 1.247 do Código Civil, a aquisição da propriedade imóvel pelo registro do título é a transferência entre vivos da propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis competente. Se não houver o registro público, não se torna eficaz a transferência. O artigo 1.247 traz ainda a possibilidade do exercício do Direito de Sequela, o qual cancela o registro no caso em que não esteja impressa a verdade. II. Da Aquisição por Acessão: configura-se no aumento do volume ou do valor da coisa principal, em virtude de um acontecimento externo. A Acessão é pode ser dividida em cinco espécies: Acessão por formação de ilhas (Artigo 1.249 CC/02), Acessão por aluvião (Art. 1.250 CC/02), Acessão por avulsão (Artigo 1251 CC/02), Acessão por álveo abandonado (Artigo 1.252 CC/02), Construções e plantações (Artigos 1.253 à 1.259 do CC/02)Construção em imóvel alheio (Artigo 1.258 do CC/02) ; III. Da Aquisição por Usucapião: é o modo originário de aquisição de propriedade, através da posse mansa e pacífica, com ânimo de habitação, por substancial espaço de tempo, e mediante requisitos previstos em lei. É considerada como forma originária de aquisição de propriedade, haja vista o adquirente não ter relação alguma com o antigo proprietário do bem. Para a concretização da usucapião, como em qualquer outro instituto jurídico, é requerida a presença de alguns pré-supostos, os quais seguem: Res habilis – deve tratar-se de coisa hábil, já que não poderá ser coisa tida fora do comércio assim como não pode ser bem público; Bona Fides – A presença de boa-fé se materializa pela ausência do vício em ocupar o imóvel, crendo assim o ocupante na impossibilidade do imóvel ter proprietário em face do abandono; Titulus – A lei condiciona o usucapião ao fato do possuidor 29 possuir justo título capaz de transferir-lhe a propriedade se proviesse do verdadeiro dono. Possessio – É a posse mansa e pacífica, sem oposição e não clandestina; Tempus – é o tempo que a posse contínua e ininterrupta deverá perdurar de acordo com o disposto em lei, neste caso, presente no artigo 1.242, par. Único, do CC/02. Existe ainda a corrente, defendida principalmente por Silvio Rodrigues, que afirma a figura da sentença judicial como requisito da usucapião, já que este somente estará completa mediante a determinação judicial. Segue decisão (ementa) do TJ/PR, sobre a obrigatoriedade dos requisitos mínimos para a concessão do usucapião: “AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DE DESPEJO. AÇÃO INCIDENTAL DE ATENTADO. PROCESSOS REUNIDOS. JULGAMENTO CONJUNTO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE DESPEJO E IMPROCEDÊNCIA DAS AÇÕES DE USUCAPIÃO E DE ATENTADO. RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO VERBAL DE LOCAÇÃO RELATIVO AO BEM EM LITÍGIO. AUTORES DA AÇÃO DE USUCAPIÃO QUE RECORREM DO DECISUM. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE. POSSE DECORRENTE DE CONTRATO DE LOCAÇÃO VERBAL OU MERA PERMISSÃO DE USO QUE NÃO CONDUZ AO DOMÍNIO. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. IMPOSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO IMÓVEL À FINALIDADE COMERCIAL. BENFEITORIAS NÃO INDIVIDUALIZADAS OU COMPROVADAS. ACESSÕES QUE NÃO INDUZEM AO EXERCÍCIO DE DIREITO DE RETENÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO DESPROVIDO. Restando evidenciada a existência de contrato de locação do imóvel objeto do litígio, ausenta-se o "animus domini" dos autores da ação de usucapião, requisito este indispensável para o reconhecimento da prescrição aquisitiva.”19 A usucapião pode ser dividida nas seguintes formas: Usucapião Extraordinária (Artigo 1.238 CC/02), que consiste na moradia ininterrupta e sem oposição de imóvel pelo prazo de 15 anos, mesmo que sem justo título ou boa-fé sendo que tal prazo pode ser reduzido para 10 anos caso sejam feitas obras de caráter produtivo, a Usucapião Ordinária, que se difere da modalidade extraordinária somente pela presença de justo título e boa-fé, sendo que o prazo desta é de 10 anos e se o título for registrado em cartório, o mesmo 19 Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/. Acesso em 18/05/2014. 30 cairá para 05 anos. Temos ainda a Usucapião Constitucional Rural, que é prevista nos artigos 190 e 191 da CF/88 e 1.239 do CC/02, consiste na ocupação, por pelo menos 05 anos, de área rural com limites que não ultrapassem 50 hectares e que a área seja tornada produtiva pelo ocupante; a Usucapião Constitucional Urbana, administrada pelos artigos 183 da CF/88, 1.240 do CC/02 e pelo artigo 09 da Lei 10.257/2001, prevê que a ocupação mansa de imóvel urbano, com ânimo de habitação do grupo familiar, por 05 anos, sendo que este não ultrapasse 250,00m.². Por fim, temos o Usucapião Especial Urbano Coletivo que consiste em áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. Tal condição é tutelada pelos artigos 10 ao 14 da Lei 10.257/2001. 2.5.3. Meios Informais Criado por uma jovem corrente de juristas nacionais, a informalidade da aquisição dos bens imóveis dar-se à pela invasão de áreas não habitadas, que tornam-se assentamentos irregulares, nas quais não houve o reclame da posse por outrem. Não confunde-se com usucapião especial urbano coletivo pois neste caso, as áreas estão desnudas de benefícios legais e não estão aptas a regularização, mediante a impossibilidade legal (área pertencentes ao Estado, por exemplo) ou pela oposição injusta de terceiro não beneficiado. Fruto de uma expansão demográfica que atinge limites inconcebíveis para a regularização fundiária de responsabilidade estatal, os grandes centros populacionais são atingidos por esta forma de aquisição na qual o direito de quem ocupa estes locais, ainda que não bem definido, deverá ser observado através de um olhar jurídico, que contemple a existência de um bem à ser tutelado. A dualidade entre a inexistência da formalidade do processo de aquisição da moradia e da garantia constitucional que declara a propriedade como bem atinente 31 ao cidadão, oferta ao legislador o campo de arguições que deverá ser ponderando perante pela real necessidade dos membros ocupantes destes locais. É claro que o crescente aumento no número destas invasões, indubitavelmente, iriam gerar as conhecidas favelas. Para que seja iniciado o processo de regularização destas áreas, o poder público não pode estar refém da ausência de serviços básicos que mantém estabilizada a vivência da comunidade neste local. É requerido um planejamento estratégico que preveja a construção de escolas, hospitais, centros comunitários, áreas de lazer e esportes, saneamento e segurança – sendo que todos devem atender, mesmo que moderadamente, os habitantes desta região. A explosão demográfica, oriunda das sociedades de cultura exclusivamente praticantes da agricultura de subsistência e que foi iniciada ainda na década de 60, trouxe muitos problemas além da questão fundiária. Os indivíduos emigrantes, certos de uma vida mais confortável, incharam o sistema de serviços sociais que era preparado para um quantitativo menor de clientes, formaram um sociedade à margem do envolvimento, seja por falta de oportunidade ou seja por falta de educação, germinando uma geração que vemos na atualidade; criminalizada e sem perspectivas de envolvimento social. De acordo com Almeida e Abiko (2000, p. 28), a impotência do Estado em resolver a questão das favelas prejudica não só uma parte da sociedade -- os moradores dessas favelas --, mas ela como um todo, pois, ao ocuparem as diferentes áreas urbanas, acabam provocando alterações em relação ao uso pretendido, penalizando tanto o meio ambiente quanto à população moradora da cidade em geral. 3. A função social da propriedade e os programas habitacionais no SFH 3.1. Sistema Financeiro Habitacional – SFH Ao tratarmos dos princípios sociais da propriedade imóvel, e principalmente de sua destinação como instrumento de organização social sustentável, não podemos distanciar-nos das políticas habitacionais disponíveis em nosso Estado. Para isso, foi criado em uma primeira tentativa, o Sistema Financeiro Habitacional (SFH), que dita, desde então, os parâmetros de concessão de financiamentos habitacionais ou projetos de assentamentos populares pautados nas concessões de crédito, dentro ou fora da malha urbana municipal, a qual abarca as diretrizes do 32 Governo Federal, que fluem através de instituições de cunho também governamental, bem como as de iniciativa privada ou das sociedades de economia mista, como as autarquias federais. Ou seja, funciona como órgão normatizador das atividades ligadas ao crédito imobiliário em si. O SFH foi de grande valia para o crescimento do setor habitacional no país. O cenário antes de sua convenção era impropício, burocrático e principalmente escasso, como observamos nos dizeres do mestre Cláudio Marques: “A alternativa natural de obtenção de um financiamento para a aquisição da casa própria era, antes do advento da lei, extremamente dificultada pela falta de segurança da operação, em razão da inexistência de regras claras e duradouras que pudessem atrair o investidor, detentor do dinheiro necessário para lastrear os empréstimos habitacionais e, sobretudo, pela constância de um regime inflacionário que impactava na rápida deterioração do capital mutuado, que retornaria em delongados períodos de amortização, sem qualquer instrumento legal de recomposição monetária do capital originalmente emprestado.”20 Complementa Olindo Menezes: “É que se trata induvidosamente de matéria de forte apelo social, pela tormentosa questão que é a moradia hoje no País e no mundo, onde milhares de pessoas, sobretudo nas grandes metrópoles, simplesmente não têm um teto para abrigar a cabeça. Já se fala mesmo que o direito à moradia deve ser incluído entre os direitos fundamentais do homem.”21 Com a instauração da Lei n.º 4.380/64, o SFH trouxe, ao cenário daqueles idos, uma nova roupagem quanto às modalidades e métodos de expansão imobiliária, com ênfase especial na aplicabilidade do crédito, que sempre foi o principal vetor do assunto abordado. Como dito por Sérgio Souza22, a Lei 4.380/64 foi uma das mais importantes medidas governamentais em termos de política habitacional, tendo em vista que, com a implantação desse novo sistema, procurou- 20 MARQUES, Cláudio Gonçalves; Evolução Histórica do SFH. Disponível em <http://bdjur.stj.gov.br/>. Acesso em 05/11/2011. 21 MENEZES, Olindo Herculano de; Observação sobre o Sistema Financeiro da Habitação. Disponível em < http://bdjur.stj.gov.br/>. Acesso em 05/11/2011. 22 SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação: Análise Comparativa e suas Implicações Teóricas e Práticas com os Direitos da Personalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 37. 33 se solucionar a histórica problemática existente nesse setor, com a atuação conjunta do Estado, dos agentes financeiros e da sociedade civil com um todo. De modo à complementar o SFH, foram criados ainda o BNH (Banco Nacional de Habitação) destinado à ser braço fomentador e o SBPE (Sistema Brasileiro de Poupanças e Empréstimos) que é, até os dias de hoje, fundo de dotação orçamentária para as operações imobiliárias. Logo após, em 1967, nascia o FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais), para que subsidiariamente, mantivesse a harmonia do SFH. Como era esperado, dado o seu bojo social, é necessária a análise de duas vertentes cabais ao êxito do plano, a da boa-fé subjetiva e da boa-fé objetiva, uma vez que em conjunto demonstram a intencionalidade do operador estatal em promover tais mudanças através do recém-criado sistema, integrando a sociedade como parte no desenvolvimento do projeto. Assim sendo, as condições abordadas pelo SFH eram, assim como o princípio social, diretamente ligadas ao pacto contratual, uma vez que tratamos ainda de relação legal, de negócio jurídico. O princípio da boa-fé, originada muito após o Direito Romano, e sim advinda do Direito Canônico, mais como uma idéia e não como uma orientação normativa, foi inovador e essencial ao processo de sedimentação do sistema. Ora, era necessária a coobrigação das partes envolvidas, mediante o comprometimento formal e ideológico destas, para que fosse implementada a nova política social no nosso sistema jurídico. Sobre a importância da boa-fé nos contratos, relata-nos Fernando Noronha: “...a primeira diz respeito a dados internos, fundamentalmente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito, a segunda a elementos externos, a normas de conduta, que determinam como ele deve agir. (...) A distinção é pertinente, porque a boa-fé contratual é a objetiva – e, aliás, os contratos são o principal campo de aplicação da boa-fé objetiva.23 Temos então a intenção do indivíduo, em efetivar as cláusulas contratuais, como termo subjetivo e a conduta objetiva como parâmetro de comportamento social para cumpri-las. Seria preciso a integração dos ideais do Governo, da sociedade e dos mediadores para que as engrenagens do SFH ficassem alinhadas e eficazes. 23 NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e Seus Princípios Fundamentais: Autonomia Privada, Boa-Fé, Justiça Contratual. São Paulo: Saraiva, 1994.p. 131. 34 Diante destas colocações, podemos conceber, fazendo nossas as palavras de Antônio Carlos Efing, que o contrato de financiamento imobiliário nos molde do SFH “são aqueles ajustados por meio de contrato de mútuo para a aquisição da casa própria ou de abertura de crédito para a construção de unidades habitacionais. (...) Os contratos de financiamento imobiliário, a exemplo dos demais contratos bancários, apresentam cláusulas uniformes, impossibilitando o exercício do princípio da autonomia da vontade, quer o que respeita à determinação de seu conteúdo, quer no que respeita à escolha do outro contratante, tratando-se de típico contrato de adesão.”24 A implantação desse novo sistema habitacional tinha como finalidade precípua a disponibilização e proteção de um benefício a longo prazo, que facilitaria a aquisição da casa própria por milhares de pessoas das camadas sociais de baixo poder econômico.25 Fato é que, a origem desta sistemática governamental é fruto, mesmo que tardio, da época em que foi abolida a escravatura. Segundo o descrito por José Maria Aragão26, a liberdade dos negros aliada à falta de condições mínimas para aquisição de bem imóvel em área urbanizada, mesmo que parcialmente estruturada, contribuiu para a expansão de vilas e povoados com qualidades rústicas e intrinsecamente ligados à falta de higiene e habitabilidade. De modo a sanar estas deficiências, foi necessária a intervenção governamental no setor urbano, durante a presidência de Rodrigues Alves (1910-1914), quando se procurou condições de saneamento mais propícias para a Capital da República, com a construção das redes de esgoto e água potável. Nessa época, começaram a serem esboçados as favelas e os cortiços e foi neste momento que se obteve a consciência de que o problema da saúde pública estava vinculado ao crescimento descontrolado desses aglomerados populacionais.27 Porém, o grande abalo causado no âmbito imobiliário só ocorreu no segundo governo de Getúlio Vargas, quando houve o intermédio dos institutos de previdência e da então prefeitura do Distrito Federal, sendo que os primeiros reorientaram suas atividades, deslocando-as, de forma progressiva, dos financiamentos individuais à 24 EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 138 e ss. 25 Ibid. 26 ARAGÃO, José Maria. Sistema Financeiro da Habitação: Uma Análise Sócio-Jurídica da Gênese, Desenvolvimento e Crise do Sistema. Curitiba: Juruá, 1999. p. 56. 27 ARAGÃO, op. cit., p. 59. 35 construção de conjuntos de grande porte e a segunda promovia ações no sentido da erradicação de algumas favelas, buscando a remoção de seus moradores para conjuntos habitacionais localizados em áreas já urbanizadas. Estas ações foram baseadas em um plano elaborado pela Comissão de Estudos dos Problemas de Higienização das Favelas, criado pela Prefeitura do Distrito Federal em 1942, o que culminou nas décadas seguintes, a criação do SFH. É mister salientar os demais pontos decisivos deste sistema, que já passou por diversas alterações ao passar do tempo, os quais se conjugam pela definição da origem dos recursos que seriam destinados ao fomento habitacional, tornando-se o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Sistema Brasileiro de Poupanças e Empréstimos (SBPE), os mais importantes entre os fundos que dariam o lastro financeiro para sustentar o grande quantitativo de operações pleiteadas; a criação das condições de correção dos contratos sob a égide do sistema, com interesse em evitar a cobrança abusiva de juros em face dos longos prazos dos financiamentos imobiliários – o que se mostrou falível como veremos – e a padronização das prestações em acordo com o salário mínimo e suas alterações, feitas uma vez ao ano, chamado de Plano de Equivalências Salariais (PES). Naqueles idos, o SFH agia com imponência, mas logo passou a sofrer com a crise econômica internacional na década de 80 e os fortes impactos que causavam internamente, conforme orienta-nos Cláudio Marques: “A fórmula funcionou bem até o início da década de 80, atendendo parte da demanda até então reprimida. Mas, a crise econômica internacional e seus reflexos internos já se faziam sentir no sistema... para que houvesse equilíbrio entre os recursos captados e aqueles aplicados no SFH, foi introduzida a correção monetária nos financiamentos, criando-se a Unidade Padrão de Capital (UPC). Porém, o sistema já nascia com um descompasso entre a periodicidade de correção do saldo devedor e o reajuste das prestações, que somente ocorria sessenta dias após a data de vigência da alteração do salário mínimo. Esse descasamento gerava saldo devedor residual no final do contrato, pois o valor das prestações, ao longo do prazo de financiamento, tornavam-se insuficientes para uma amortização real e 28 positiva.” Posiciona-se Cláudio Hamilton Santos: “É fácil perceber que, em um contexto de inflação moderada, esse descasamento entre os reajustes das prestações e dos saldos devedores não é particularmente grave (no caso limite de inflação zero, obviamente, é 28 Ibid. 36 nenhum). Com efeito, até 1979, quando a taxa anual de inflação não passou de 45%, o SFH não teve maiores problemas. A aceleração da inflação para os patamares de 100%, em 1980, e de 200%, a partir de 1983, em virtude dos sucessivos choques externos adversos que abalaram a economia 29 brasileira, entretanto, mudou radicalmente o quadro.” Não obstante, em decorrência da desorganização institucional gerada ao final da década de 80, logo após a áurea época do SFH, quando tínhamos altos índices de emprego, bastante consumismo e o investimento massivo no setor habitacional, foram gerados índices inflacionários elevadíssimos, bem como pelas formas distintas de reajuste do saldo devedor e das prestações, associadas aos sub-reajustes concedidos pelo Governo e de seus tão discutidos “planos econômicos”, foram gerados imensos saldos devedores, os quais resultaram, aos contratos de financiamentos habitacionais, saldos residuais mesmo após a finalização do prazo de amortização destes, cujo pagamento, logo após foi assumido pelo Fundo de Compensação de Variação Salarial (FCVS), que se responsabilizava pelo pagamento destes resíduos por ocasião da última prestação paga pelo mutuário ao término do contrato, ou seja, a garantia de quitação de saldo remanescente. Deste modo, o resultado não poderia ser outro senão a superinflação do fundo compensador e a desestabilização do BNH. É de salutar friso que a época de transição entre o governo militar e o civil foi o golpe final para a decadência do Sistema. O fim do Banco Nacional da Habitação (BNH), a destituição do Fundo de Compensação da Variação Salarial (FCVS) dos contratos de financiamento em face dos prejuízos causados à economia nacional, e principalmente a recessão econômica por conta da inflação inquietante, foram molas mestras para a escassez de recursos para o SFH, e a moldagem de contratos desequilibrados quando da busca e utilização de empréstimos. Em tempo, cabe frisar, que tais valores eram deveras superiores ao montante contribuído pelos mutuários, ocasionando uma incomensurável dívida ao cito fundo, na qual, visando a pacificação entra a relação dos mutuários e a economia exacerbada, foi absorvida pelo Tesouro Nacional, conforme informado por Carneiro e Valpassos30. 29 SANTOS, C. H. M. Políticas Federais de Habitação no Brasil: 1964/1998. Texto para Discussões n.º 654. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 1999, p. 14. 30 CARNEIRO, Dionísio Dias; VALPASSOS, Marcus Vinicius Ferrero; Financiamento à Habitação e Instabilidade Econômica: Experiências Passadas, Desafios e Propostas para a Ação Futura. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 42. 37 As atividades atinentes ao BNH foram, de fato, assumidas pela Caixa Econômica Federal, enquanto o “depredado” FCVS deixou de existir a partir da Lei 8.692/93, dada a insustentabilidade do programa. De modo à sanar o cenário falido, no período de gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, que vai de 1995 até 2002, a principal medida para impulsionar o setor habitacional, e certamente a medida de maior impacto dos últimos 20 anos, foi a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), por meio da Lei no 9.514/97. A lei de criação do novo sistema teve como base as diversas experiências desenvolvidas no setor habitacional ao redor do mundo, possuindo, ao seu termo, características mais próximas do modelo norte-americano, sendo que os recursos provêm da securitização dos créditos imobiliários, não possuindo qualquer idealização para o público de baixa renda e, portanto, evitando a contaminação entre as operações livres com as operações sociais, dotadas majoritariamente de recursos orçamentários. Outra novidade foi a criação da Alienação Fiduciária, uma ficção jurídica que dava mais autonomia à garantia da operação, por ter o processo de execução mais tempestivo, tendo sido acrescentada ao Código Civil em sua última reformulação. 3.1.1. Conselho Curador do FGTS Atualmente a Caixa Econômica Federal é a operadora do FGTS 31, de modo que é de sua exclusiva responsabilidade o recolhimento dos depósitos efetuados aos empregados pelos empregadores da iniciativa privada, que trabalham sob o regime da CLT. Como sabido, o FGTS, hoje em dia, a principal fonte de recursos para as operações de financiamento à pessoa física, e dada a sua natureza, é possível a aplicação de taxas de juros mais acessíveis, prazos flexíveis e ainda a 31 São as atribuições do Agente Operador do FGTS: I) definir e divulgar os procedimentos operacionais necessários à execução do Programa; II) controlar e acompanhar a execução orçamentária do programa; III) cadastrar e credenciar entidades não financeiras e habilitar os agentes financeiros para atuar nos Programas de Aplicação dos Recursos do FGTS; IV) analisar as propostas de operações de crédito, pronunciando-se quanto a sua viabilidade e enquadramento nos objetivos do Programa; V) contratar operações de crédito previamente hierarquizadas e selecionadas, desde que consideradas viáveis, acompanhando a sua execução e zelando pela correta aplicação dos recursos; VI) acompanhar e orientar a atuação dos Agentes Financeiros, com vistas à correta aplicação dos recursos do FGTS; VII) acompanhar, por intermédio dos Agentes Financeiros, a atuação dos Agentes Promotores e/ou Mutuários Finais, identificando eventuais irregularidades na sua atuação; 38 concessão de subsídios como bônus e incentivo à prática do financiamento, como nos casos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).32 Para o direcionamento estratégico destes recursos, além de ser inerente à sua posição, o Conselho Curador do FGTS representa o órgão que define as condições básicas para que a CEF atue nesse nicho operando com o fundo. O Conselho Curador do FGTS é atualmente administrado de forma tríplice, pois apresenta dirigentes que representam o poder governamental, do empresariado e dos trabalhadores (art. 3º da Lei. n.º 8.036), que buscam o consenso na aplicação dos recursos, que montam aproximadamente R$ 207 bilhões de reais, em especial na política habitacional. O FGTS foi instituído pela Lei n.º 5.107 de 13/09/1966, porém, em 11/05/1990 passou à ser regido pela Lei n.º 8.036, que, de acordo com seu Artigo 5º, diz: Art. 5º - Ao Conselho Curador do FGTS compete: I - estabelecer as diretrizes e os programas de alocação de todos os recursos do FGTS, de acordo com os critérios definidos nesta lei, em consonância com a política nacional de desenvolvimento urbano e as políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana estabelecidas pelo Governo Federal; O FGTS é usado como fonte de recursos financeiros nas políticas voltadas para habitação social desde 1998, com a publicação da Resolução n.º 289/90 do Conselho Curador de FGTS, que neste interim já investiu R$ 42,2 bilhões de reais em financiamentos habitacionais. De modo à seguir as orientações quanto a função social do imóvel, o Conselho Curador do FGTS estipulou regras de concessão que eliminam as possibilidades de utilização do recurso quando há a intenção de adquirir bem imóvel sem fins de moradia, ou seja, com objetivos de aferir renda ou enriquecimento pessoal com o aumento do patrimônio. Por tratar-se de dotação orçamentária oriunda de recurso comum ao trabalhador, o enquadramento das operações ocorre de forma linear e igualitária à todos, independentemente se o trabalhador possui ou 32 A distribuição dos recursos do Orçamento Operacional do FGTS para 2010, bem como as diretrizes e os procedimentos gerais no que se refere à distribuição, aplicação e ao controle dos recursos do FGTS, foram divulgados por meio da IN do MCIDADES 68/2009, suas alterações e aditamentos e por meio das Circulares CAIXA 501/09 e 541/11, suas alterações e aditamentos, respectivamente. Trecho retirado do Manual de Fomento de Pessoa Física. Disponível em <www.caixa.gov.br/downloads/MFOM_CCI_versao_3_21_08.09.2011.pdf>. Acesso em 08/11/2011. 39 não saldo de FGTS em sua conta vinculada, bastando tão somente que haja a apresentação dos requisitos necessários. Há ainda a Resolução n.º 380/02, que rege a utilização dos recursos de FGTS na compra de bem imóvel na modalidade de consórcio, a qual contém regras congêneres à Resolução 289/90. 3.2. Banco Nacional de Habitação – BNH Outra grande ferramenta criada foi o Banco Nacional de Habitação (BNH), órgão orientador e fiscalizador das operações efetivadas através dos agentes financeiros previstos no artigo 2º da Lei n.º 4380/6433, porém extinto em 1986, através do DL 2.291, sendo suas atividades, a partir deste momento, de responsabilidade da Caixa Econômica Federal, considerado o maior agente de politicas públicas do país. O BNH tem sua importância na formação da atual conjuntura mercadológica quando nos referimos à propriedade imóvel. Temos a concepção de Adauto Cardoso sobre o BNH: “O modelo de política habitacional implementado a partir de 1967 pelo Banco Nacional de Habitação baseava-se em um conjunto de características que deixaram marcas importantes na estrutura institucional e na concepção dominante de política habitacional nos anos que se seguiram.”34 Assim, a magistratura, principalmente nas ações correntes na Justiça Federal, vem, vez a vez, sedimentando o entendimento de que a CAIXA é parte legal para figurar em qualquer polo das ações, por representar o sucessor legal do BNH, conforme podemos ver nos anais jurisprudenciais: “...quando da análise dos autos, que a CEF é parte ilegítima para figurar no pólo passivo da presente demanda. É induvidoso que a CEF sucedeu o extinto Banco Nacional da Habitação - BNH em todos os seus direitos e obrigações conforme estipulou o Decreto-Lei 33 Art. 2º O Governo Federal intervirá no setor habitacional por intermédio: I - do Banco Nacional da Habitação; II - do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo; III - das Caixas Econômicas Federais, IPASE, das Caixas Militares, dos órgãos federais de desenvolvimento regional e das sociedades de economia mista. 34 CARDOSO, Adauto Lúcio. Política Habitacional no Brasil: Balanço e Perspectivas. Disponível em <http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/download/adauto_polhab_brasil.pdf>. Acesso em 07/11/2011. 40 nº 2291 /86. Contudo, o seu interesse nas causas relativas aos financiamentos pelo SFH só se faz presente quando houver comprometimento do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS). Naqueles contratos em que não se fez a previsão de cobertura de eventual saldo devedor existente ao fim da avença pelo FCVS, está ausente qualquer interesse federal, sendo de natureza estritamente privada. Desta forma, não se justifica a presença da CEF como litisconsorte do agente financeiro e, conseqüentemente, resta afastada a competência da Justiça Federal, nestas hipóteses. Ratificando esse entendimento, decidiu o STJ por diversas vezes, verbis: "CONFLITO DE COMPETÊNCIA - SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO A Caixa Econômica Federal é litisconsorte necessária apenas nas causas que possam comprometer o Fundo de Compensação de Variações Salariais - F. C. V. S. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul."(STJ, CC 22288/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, 2ª Seção, unânime, julgamento em 12/05/99). "PROCESSUAL CIVIL - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - SFH - CONSTITUIÇÃO FEDERAL , ART. 109 , I . 1. Em litígio originado de contrato de financiamento de casa própria, regrado por normas gerais do SFH, verificado que será afetado o Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS, descortina-se o interesse da Caixa Econômica Federal, ficando configurado o litisconsórcio necessário e avivada a compet6encia da Justiça Federal. 2. Conflito conhecido, declarando-se a competência da Justiça Federal."(STJ, CC 20603/RS, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, 1ª Seção, unânime, julgamento em 29/02/2000)."SFH - AÇÃO CONSIGNATÓRIA - REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES - INTERESSE DA CEF - FCVS - COMPETÊNCIA...”35 Apesar de ter sido criado pelo SFH, quando de seu concomitante início, o Banco Nacional de Habitação (BNH), foi o principal administrador das premissas do SFH, pois era substancializado como entidade e não como regra, além de agir diretamente nos bancos que eram capazes de serem agentes operadores das políticas habitacionais, não tendo a incumbência de atender o consumidor final. De qualquer forma, era responsável pelo estabelecimento das condições gerais dos financiamentos do SFH, suas taxas de juros, condições de pagamento e enquadramento do proponente, além, de, ao final de tudo, propiciar o retorno correto dos recursos investidos aos cofres públicos de modo à não esvaziar as reservas para os novos mutuários. Tinha ainda como responsabilidade subsidiária a assistência ao SFS (Sistema Financeiro de Saneamento). As principais rotinas do BNH eram: 35 Tribunal Regional Federal 2ª Região - APELAÇÃO CIVEL: AC 133649 97.02.07511-4. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br>. Acesso em 10/02/2014. 41 I) Criação de um sistema de financiamento que permitiu a captação de recursos específicos e subsidiados (apoiado no Fundo de Garantia de Tempo de Serviço e no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), chegando a atingir um montante bastante significativo para o investimento habitacional; II) Criação e operacionalização de um conjunto de programas que estabeleceram, a nível central, as diretrizes gerais a serem seguidas, em nível descentralizado, pelos órgãos executivos; III) Criação de uma agenda de redistribuição dos recursos, que funcionou principalmente a nível regional, a partir de critérios definidos centralmente; e IV) Criação de uma rede de agências em nível local (principalmente estadual), responsáveis pela operação direta das políticas. 3.3. Dos programas habitacionais vigentes: análise jurídica Partindo do ponto em que a política habitacional, em grande parte, foi esculpida para a pulverização de oportunidades aos mais necessitados, que representam o viés de maior volume em nossa composição social, temos de remeter nossa análise à segregação da realidade histórica com a virtualidade esboçada pelo SFH. Desde o início do Sistema, foi perceptível que a participação da camada social menos provida foi igualmente a menos beneficiada com os financiamentos oriundos do SFH. É destacável o dizer de Cláudio Hamilton Santos, sobre a disparidade das primordiais concessões, datadas da década de 60: “Com efeito, somente 33,5% das unidades habitacionais financiadas pelo SFH ao longo da existência do BNH foram destinadas à habitação de interesse social e, dado que o valor médio dos financiamentos de interesse social é inferior ao valor médio dos financiamentos para as classes de renda mais elevada, é lícito supor que uma parcela ainda menor do valor total dos financiamentos foi direcionada para os primeiros.”36 36 SANTOS, C. H. M. Políticas Federais de Habitação no Brasil: 1964/1998. Texto para Discussão n.º 654. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 1999, p. 73. 42 Mesmo com as dificuldades enfrentadas pelo SFH, após duas décadas de vigência, o respeito às diretrizes foram conturbados por uma história marcada de atropelos administrativos e episódios de desprezo ao apelo social. Exemplos como a instauração do governo militar, cerceando todo e qualquer “grito de liberdade” em busca de completa subordinação social e o advento dos planos econômicos que tentavam há muito custo manter estável o plano cruzado (Cruzadinho, Cruzado II, Planos Verão e Bresser) foram semeando a vontade de renovação no interior do sentimento nacional, pois foram agressivos com a sociedade e não contribuíram para a melhoria da economia interna. Os grandes atos públicos de reinvindicação serviram de estopim para que a política fosse deveras democrática e que acolhesse os interesses de uma nação antes oprimida. Mediante o quadro impulsivo em que se encontra a sociedade brasileira, o governo, reformado, tomou iniciativas claras em busca do atendimento ao povo. Atualmente, temos várias frentes que contemplam a camada pobre do Brasil, como a criação de fundos diversos para o atendimento dos mais diferenciados grupos sociais que compõe a base da pirâmide social. Programas como o Crédito Solidário (FDS), o Programa de Arrendamento Residencial (PAR), o Plano Nacional de Habitação Rural (PNHR), o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e principalmente o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), demonstram a evolução e concretização da ideologia implantada nos anos 60. Apesar de vivenciarmos um novo panorama do setor habitacional, com o crescente aumento da demanda, deixando a relação oferta e procura mais dinamizada – o mercado habitacional e o SFH ainda atendem satisfatoriamente a camada mais provida da sociedade – não podemos de creditar os méritos às novas medidas habitacionais do Governo Federal. Voltados para grupos familiares de baixa renda37, em empreendimentos e conjuntos habitacionais nos moldes das antigas COOPHAB e COHAB, nas quais as parcelas do empréstimo são condizentes com a capacidade de pagamento da família e estão situadas em locais estruturados, com acesso, mesmo que razoável, aos demais serviços públicos essenciais, e com seleção dos moradores efetuada por órgãos governamentais de assistência social, os programas habitacionais de cunho inteiramente social têm demonstrado, até então, eficácia em sua destinação. 37 Em média, são aqueles que recebem a quantia de 03 (três) salários mínimos mensalmente. 43 Todavia, a amplitude destes programas podem acarretar defeitos em seu processo de desenvolvimento, pois em algum momento, o controle orçamentário ou o direcionamento quando de sua execução podem ser perdidos. Sobre essa consideração, palestra Sérgio de Azevedo: “A experiência histórica brasileira mostra que sempre que um programa habitacional altamente subsidiado permite um grau muito alto de liberdade na alocação dos recursos, as regiões menos desenvolvidas e os estados com dificuldades políticas junto ao governo central terminam altamente prejudicados (...).”38 A manutenção destes empreendimentos, já que fica à cargo dos próprios beneficiários poderá, no futuro, deixar alguma mácula quanto à função social do imóvel integrante destes programas. Um defeito visível que temos nestas moradias é a falta de fiscalização por parte do setor público em evitar que seja desvirtuada destinação deste disputado bem. Foi necessária a criação de regras para que fossem mantidas as condições da finalidade social, todavia, tal regulamentação é desobedecida por muitos mutuários e arrendatários. Pode-se verificar que o movimento jurídico para se tecer uma decisão é muito rebuscado, pois envolve um rito decisório atípico para os contratos que possuem o teor de operações de arrendamento, como prolata a decisão, comprimida, do TRF da 4ª região à seguir: ADMINISTRATIVO. IMÓVEL ARRENDADO NO ÂMBITO DO PAR. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INADIMPLÊNCIA. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. 1. O Programa de Arrendamento Residencial, instituído pela Lei n.º 10.188 /01, visa a atender a necessidade de moradia da população de baixa renda, sendo que a sustentabilidade do referido programa depende do pagamento, pelos arrendatários, dos encargos mensais, e, assim, dos reduzidos níveis de inadimplência. 2. A função social da propriedade é desviada quando se mantém no Programa arrendatário inadimplente, em detrimento de outros cidadãos que almejam participar do Programa de Arrendamento Residencial. 3. A inadimplência do arrendatário é causa suficiente a rescindir o contrato, nos termos da previsão legal e contratual.39 38 AZEVEDO, Sérgio de. A crise da política habitacional: dilemas e perspectivas para o final dos anos 90. A crise da moradia nas grandes cidades: da questão da habitação à reforma urbana. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1996, p. 83. 39 Tribunal Regional Federal 4ª Região - APELAÇÃO CIVEL AC 50668814220124047100 RS 5066881-42.2012.404.7100. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em 25/08/2013. 44 3.4. Programa Minha Casa Minha Vida Instituído pela Lei 11.977/2009 e acobertado pela intenção do atendimento massivo à população de baixa renda, o Programa Minha Casa Minha Vida, tem se mostrado como um dos principais, senão o principal programa governamental direcionado à moradia popular de todos os tempos, dada sua abrangência e organização. O PMCMV, atualmente, aborda famílias com até 10 (dez) salários mínimos de renda mensal, divididas em duas vertentes: aquelas que recebem até 03 (três) salários e as que aferem de 03 (três) à 10 (dez) salários mínimos mensais. Estas últimas são atendidas pelo financiamento habitacional sustentado pelo FGTS, de modo que recebem subsídios e descontos nas taxas de juro caso atendam as regras desta parte do programa40. Os grupos que se enquadram na primeira faixa são beneficiados com imóveis prontos, novos, resultados da criação de novo assentamento legal, com direitos e deveres previstos na Lei que rege o programa. Geralmente são imóveis condominiais, de pequenas medidas para alcance de maior número de pessoas. Além de instrumento de organização social, a PMCMV tornou-se um incentivador da regularização fundiária por interesse social, pois prevê, no tocante a 40 São as condições do PMCMV (03 à 10 Salários/Família): I) Não ser detentor de financiamento ativo nas condições do Sistema Financeiro da Habitação – SFH, em qualquer parte do país. II) Não ter recebido a partir de 1º de maio de 2005, desconto concedido pelo FGTS na concessão de financiamento habitacional. III) Não ser proprietário, cessionário ou promitente comprador de outro imóvel residencial urbano ou rural, situado no atual local de domicílio, nem onde pretende fixá-lo. IV) Não ser titular de direito de aquisição de imóvel residencial urbano ou rural, situado no atual local de domicílio, nem onde pretende fixá-lo. V) Tabela PRICE ou SAC. VI) Juros nominais: – Renda de 3 a 5 salários mínimos – 5% a.a. + TR. – Renda de 5 a 6 salários mínimos – 6% a.a. + TR. – Renda de 6 a 10 salários mínimos – 8,16% a.a + TR. VII) Prazo para pagamento: até 30 anos. VIII) Financiamento: até 100%. IX) Entrada opcional. X) Pagamento mínimo durante a obra, em função da renda. XI) Cobrança de seguro com valor reduzido. XII) Fundo Garantidor – cobertura em caso de perda de capacidade de pagamento, proporcional à renda familiar. XIII) Subsídio para famílias com renda de até 6 salários mínimos. XIV) Valor de avaliação limitado ao teto do FGTS para a região. 45 destinação do espaço, o beneficiamento da população de baixa renda. Comenta Lígia Melo: “Embora a Lei 11.977/2009 autoriza a regularização por etapas, o conceito de regularização fundiária está descrito no art. 46 como conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo à garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado... que visam permitir o exercício justo e adequado do direito de morar para aquelas pessoas que buscaram sua realização na informalidade.”41 4. Estatuto das Cidades: A propriedade atingindo a sua função social A lei 10.257 de Julho de 2001, popularmente conhecida como Estatuto das Cidades, representou o avanço da organização política e estrutural das cidades, pois representa o ponto máximo da inclusão de sentido e função social que a propriedade imóvel deve ter, pois negrita a necessidade de se estabelecer condições e parâmetros que alocam as diretrizes, principalmente do expansionismo urbano, sem que haja violação de direito ou gere qualquer prejuízo para a comunidade que contorna as áreas que estão em desenvolvimento, ou seja, há uma onda intencional que deseja varrer do Estado a figura da exclusão social que vem se arrastando por décadas, principalmente nas cidades situadas na América do Sul. Não nos é novidade que há uma crescente massa migratória de pessoas das área rurais para as áreas urbanas, em busca de novas oportunidades que a já avançada produção rural vem diminuindo constantemente, e tal situação teve que ser observada com olhar diferente pelos legisladores em geral, pois o reflexo desta vinda de pessoas para a cidade de modo desorganizado tende, em quase todos os casos, ser de modo negativo. De acordo com a Doutora Janaína Santin42, “constata-se a atual degradação do cenário urbano brasileiro, em especial ao longo das últimas décadas. A intensa imigração de pessoas do meio rural para o espaço urbanizado procurando condições mais dignas de sobrevivência, os graves problemas econômicos que assolam o país e que se refletem com maior intensidade nas grandes cidades, como a carência de empregos, de moradias, de transportes públicos adequados, bem como a falta de saneamento básico para a população, 41 MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por meio da Regularização Fundiária. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 182-183. 42 SANTIN, J. R. A. Gestão Democrática Municipal No Estatuto Da Cidade E A Teoria Do Discurso Habermasiana, 2004. Disponível em < http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/> Acesso em 15/07/2014. 46 causam um doloroso desequilíbrio social, prejudicando o crescimento ordenado e sustentável das cidades”. Outrossim, temos o problema de que as cidades não foram projetadas para as classes menos providas, mas sim para as classes mais altas, que tinham condições de adquirir os imóveis nos melhores lugares, deixando que fosse criada, à margem dessas colocações, os bairros para o restante da população, já causando uma espécie de pseudo segregação, já que é notável o distanciamento criado. Diz Isabel Cristina E. Oliveira 43: “A destruição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização é historicamente injusta e resultante de décadas descaso, de incompreensão, de preconceito, e de atuação privilegiada voltada apenas para alguns setores da cidade.” A partir destas análises, de que há uma necessidade de se reformar as condições, de modo geral, de implementação e desenvolvimento do espaço urbano, o direito brasileiro, por seus operadores, passa por mudança atrelada aos preceitos antes não respeitados, todavia, previstos constitucionalmente. Nesta concepção, o já chamado Direito Urbanístico, tema há séculos tratado na Europa, passa à ter maior importância nos círculos jurídicos e marca o início daquilo que se esperava ser uma solução cabal para o desenfreado e desqualificado crescimento urbano pelo que passava o país. Completa o raciocínio a catedrática Professora Liana Portilho Mattos44: “A questão da propriedade urbana é o tema central do Direito Urbanístico, e em virtude disso a função social da propriedade é o princípio jurídico-constitucional vetor dessa disciplina. É que de maneira geral, praticamente qualquer intervenção urbanística que se pretenda operar no espaço urbano acaba por esbarrar na questão do direito de propriedade imobiliária, tradicionalmente vinculado, no Brasil, à normas civilistas. Direito Urbanístico tem como objeto a ordenação do solo urbano e por conseguinte da propriedade imobiliária urbana, por meio da sua conformação a uma função social que garanta o pleno exercício do direito à cidade por todos os seus habitantes.” Não obstante, temos Séguin45, que ratifica o apontamento acima: 43 OLIVEIRA, I. C. E. Estatuto da Cidade: para compreender... Rio de Janeiro: IBAM/DUMA, 2001, Pg. 20. 44 MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade Comentado (Lei n.º 10.257, de 10 de Julho de 2001), Belo Horizonte: Ed. Mandamentos, 2002, p. 480. 45 SÉGUIN, Elida. Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.17. 47 “O Direito Urbanístico é o produto das transformações sociais, técnicas e jurídicas que os assentamentos humanos vêm sofrendo nos últimos tempos na busca de uma sustentabilidade. Ainda em processo de afirmação, decorre da nova função do Direito no enfrentamento de desafios e oferecimento de princípios, instrumentos normativos políticos do Poder Público e da coletividade para que possam atuar, em conjunto, no meio social e no domínio privado, para ordenar a realidade no interesse da coletividade.” Em sua íntegra, observamos que a lei veio à dar volume ao principio de desenvolvimento urbano já previsto na Constituição Federal de 1988, conforme segue: Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. § 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I - parcelamento ou edificação compulsórios; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 48 § 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. § 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. Diz o caput do 1º artigo do Estatuto das Cidades: “Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei. Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. Originalmente, tratou-se de um projeto de Lei proposto pelo Senador Pompeu de Sousa em 1988, porém sendo engavetado no plenário da Câmara Federal no ano seguinte, só reaparecendo em voga no fim dos anos 90, quando o Senador Inácio Arruda assumiu a Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, tendo, por fim, sua sanção em 2001. Comenta o Guia de Implementação pelos Municípios e Cidadãos do Estatuto das Cidades46, que “o Estatuto abarca um conjunto de princípios – no qual está expressa uma concepção de cidade e de planejamento e gestão urbanos – e uma série de instrumentos que, como a própria denominação define, são meios para atingir as finalidades desejadas. Entretanto, delega – como não podia deixar de ser – para cada um dos municípios, a partir de um processo público e democrático, a explicitação clara destas finalidades. Neste sentido, o Estatuto funciona como uma espécie de “caixa de ferramentas” para uma política urbana local. É a definição da “cidade que queremos”, nos Planos Diretores de cada um dos municípios, que determinará a mobilização (ou não) dos instrumentos e sua forma de aplicação. É, portanto, no processo político e no engajamento amplo (ou não) da sociedade civil, que repousará a natureza e a direção de intervenção e uso dos instrumentos propostos no Estatuto”. 46 ESTATUTO DA CIDADE: Guia Para Implementação Pelos Municípios E Cidadãos, Brasília 2001, pg. 21-22. Disponível em < http://planodiretor.saolourenco.sc.gov.br>. Acesso em 19/07/2012. 49 Todavia, o Direito Urbanístico já vinha se desenvolvendo, à passos lentos, desde a década de 30, pois foi nessa época que foram esboçados os novos padrões de expansionismo urbano, pois tinham como principal preocupação a necessidade de manter as características de cada local sem alterar a sua essência, ou seja, a vontade de se criar novas zonas habitacionais – principalmente – crescia ao mesmo tempo em que se tinha certeza que os impactos ambientais deveriam ser minorados para que fosse mantida as características primordiais daquele espaço. Disse Ari Sundfeld47, à respeito do Direito Urbanístico Brasileiro em sua forma arcaica: “Pode-se situar a infância do direito urbanístico brasileiro entre as décadas de 30 a 70, período em que o direito positivo acena com o princípio da função social da propriedade, os administrativistas e civilistas passam a estudar alguns aspectos jurídicos do urbanismo, surgem os Planos Nacionais de Desenvolvimento e leis de zoneamento.” Não obstante, é notória que a preocupação do Constituinte ao editar a CF/88 é o interesse social, pois como foi visto, o artigo 183 é claro quanto a possibilidade de usucapião especial em áreas urbanas, uma modalidade nunca antes vista. O Estatuto, valendo-se do usucapião implementado pela CF/88, incluiu a possibilidade deste ser impetrado coletivamente. Tal instituto pode ser conferido no artigo 10 da lei 10.257/01, in verbis: “Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. § 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas. § 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis. 47 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade: comentários à Lei 10.257/2001. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 46-47. 50 § 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas. § 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. § 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes”. Atendo-se ao final dos anos 90, existia, mediante o projeto e posterior lei, uma forma mais completa de política urbanista. Naqueles idos, um dos principais pontos no que tange o desenvolvimento urbano de que trata o Estatuto é fixado no acesso, pela população de baixa renda, à moradia com infraestrutura e mínimas condições para que possa manter-se ali instalada, o que inclui, dentre outros fatores, a presença de unidades de saúde, escola e segurança, por exemplo. Não obstante, o advento do Lei 10.257/01, serviu ao ente público como um alerta ao não incentivo, ou melhor, inércia deste para que não haja a ocupação em áreas verdes ou de risco ou poluídas, objetivando a manutenção do habitat e a coexistência entre tais áreas, como se atuasse como um recuperador do meio ambiente urbano, das áreas que o circundam e também daquelas que o permeiam. Conforme Cordeiro (2011, p.22), o Estatuto Brasileiro, em sua vertente moderna “consolida, definitivamente, o novo regime jurídico da propriedade urbana, haja vista que esse regime é encontrado em todos os cinco capítulos que o integram: Diretrizes Gerais (Capitulo I); Instrumentos da Política Urbana (Capitulo II); Plano Diretor (Capitulo III); Gestão Democrática da Cidade (Capitulo IV) e Disposições Gerais (Capitulo V).” Assim sendo, o Direito Urbanístico atrelado ao Estatuto das Cidades, já que dele emana, veio pautado na regulamentação do crescimento das cidades, no desenvolvimento social, econômico e ambiental destas cidades e paridade entre o direito à propriedade privada e a função socioambiental da propriedade. Diante dessa panorama, leciona Sundfeld48: 48 SUNDFELD, op. cit., p. 48-49. 51 “O direito urbanístico surge, então, como o direito da política de desenvolvimento urbano, em três sentidos: a) como conjunto das normas que disciplinam a fixação dos objetivos da política urbana (exemplo: normas constitucionais); b) como conjunto de textos normativos em que estão fixados os objetivos da política urbana (os planos urbanísticos, por exemplo); c) como conjunto de normas em que estão previstos e regulados os instrumentos de implementação da política urbana (o próprio Estatuto da cidade, entre outros).” A principal atribuição, então, trata-se de que o Estatuto das Cidades é tido como meio de conceber a consecução de uma obra pública em prol dos cidadãos e do meio ambiente. Outro importante assunto tratado pelo Estatuto das Cidades refere-se à importância do uso do solo, ou seja, do efetivo proveito do bem imóvel, uma vez que aplica sanções para os terrenos ociosos, ou seja, que não tem real e imediata utilização, bem como a sistemática de atenuantes e facilitadores aplicadas as unidades imobiliárias que atuam dentro das condições definidas no dito Estatuto. Temos, no que é atinente à inovações tragas pelo Estatuto das Cidades, o Plano Diretor, que muitos doutrinadores consideram como principal instrumento para o controle e regulamentação do desenvolvimento urbano e da função social da propriedade imóvel. Sobre o Plano Diretor, complementa o Guia de Implementação Pelos Municípios e Cidadãos do Estatuto das Cidades49, que “A Constituição de 1988 define como obrigatórios os Planos Diretores para cidades com população acima de 20.000 habitantes. O Estatuto da Cidade reafirma essa diretriz, estabelecendo o Plano Diretor como o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana (artigos 39 e 40). Conforme estabelece o Estatuto, a partir de agora, o Plano Diretor é instrumento obrigatório para municípios com população acima de 20.000 habitantes; para aqueles situados em regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas; em áreas de interesse turístico; ou em áreas sob influência de empreendimentos de grande impacto ambiental. Municípios que não se incluem em qualquer destas categorias precisam dispor obrigatoriamente de um Plano Diretor, se o poder público pretender aplicar os instrumentos previstos no capítulo de Reforma Urbana da Constituição de 1988”. Sobre este trataremos em momento futuro. 49 ESTATUTO DA CIDADE: Guia Para Implementação Pelos Municípios E Cidadãos, Brasília 2001, pg. 38. Disponível em < http://planodiretor.saolourenco.sc.gov.br>. Acesso em 19/07/2012. 52 Atualmente, as ações políticas voltadas para o desenvolvimento urbano seguem veemente as premissas de que as ações do passado, ou seja, dos idos em que o Estatuto da Cidade estava sendo idealizado para que de forma ultimada fosse promulgado, sejam vistas como necessárias e acima de tudo pertinentes a população em geral, de modo que todos seriam contemplados com os avanços da definidos pela lei, como o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana de forma progressiva, a desapropriação por indenização através de títulos da dívida pública, e a edificação e parcelamento compulsórios, todos sem norma legal que instruísse deu devido processo e aplicação. Além desta concepção, passou-se a reconhecer que o Brasil, em sua extensão e densidade demográfica, possui a maior parte de sua atividade produtiva dentro de áreas urbanas, considerando-se que ¾ de toda a produção seja essencialmente feita dentro das cidades, o que ocasionou a necessidade de regulamentação do espaço físico para a adequação desta força de produção, entre tudo no que tange à parte comercial e a parte habitacional. 4.1. Regulamentação das disposições constitucionais É mister salientar que o Estatuto das Cidades não só veio como um meio de chancelar os municípios que pudessem traçar as suas próprias leis, dentro de limites e lógicas pré-dispostas, mas sim que o Estatuto fosse o arcabouço de uma gestão democrática desta nova forma governar. Os municípios, com seus problemas ocasionados pela gestão burocrática, possuem demasiados gastos que nem sempre foram direcionados à toda a sociedade e muito menos são adequados a realidade em que a população vive inserta. Por isso, o Estatuto, como norteador, veio para alinhar essa forma de governar, de modo que as benesses cheguem à todos. Neste sentido, podemos conotar uma forte tendência, principalmente nos últimos dez anos, pelos programas de habitação social, nas mais diversas modalidades possíveis, como o Arrendamento Habitacional e Programas de Assentamento Urbano, cujos têm como base de seu pilar a possibilidade prevista da organização social, política e legal do espaço – digo, terra urbana – sugerido pelo Estatuto das Cidades. 53 Temos, por exemplo, o Programa Minha Casa Minha Vida, que é praticado em todo o território nacional, o qual somente é possível graças a política implementada pelo Estatuto das Cidades, que dá ao poder público a possibilidade de criar e estruturar espaços para que famílias tenham direito à moradia digna e em condições financeiramente plausíveis. A participação dos agentes de políticas públicas nacionais, devidamente autorizadas pela Lei 10.257/0150, como a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, são de fundamental importância para o Estatuto da Cidade, principalmente quando falamos em criação de Plano Diretor, pois a experiência em gestão urbana em escala federal pode ser escalonada para os municípios, tornando a feitura das intenções, outrora burocráticas e menor efetividade – em termos de atendimento à população em geral – de fácil implementação. Inclusive, neste diapasão, podemos identificar no artigo 4º do Estatuto da Cidade51 que o legislador determina quais são os instrumentos de execução desta 50 o Art. 3 Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana: I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico; II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bemestar em âmbito nacional; III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico; IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social. 51 o Art. 4 Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos: I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões; III – planejamento municipal, em especial: a) plano diretor; b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; c) zoneamento ambiental; d) plano plurianual; e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual; f) gestão orçamentária participativa; g) planos, programas e projetos setoriais; h) planos de desenvolvimento econômico e social; IV – institutos tributários e financeiros: a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU; b) contribuição de melhoria; c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros; V – institutos jurídicos e políticos: a) desapropriação; b) servidão administrativa; c) limitações administrativas; d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; 54 política urbana disposta no Estatuto da Cidade, desde os planos de ordenação territorial voltados para o desenvolvimento econômico e social, passando pelos institutos tributários, jurídicos e políticos, até as regras de de desapropriação e impacto ambiental que venham a ocorrer em face da má aplicação da política urbana. Com o passar dos tempos, a população exige que sua voz seja ouvida, e pra isso, faz valer as condições encontradas no Estatuto das Cidades. Podemos verificar nas palavras da Douta Professora Liana Mattos52: “A garantia da participação popular, a par de conferir legitimidade à gestão das cidades, tem uma outra faceta, qual seja, a de funcionar como o mais eficaz aparato de fiscalização dos atos da administração e do legislativo municipal. Esse controle social é importantíssimo para assegurar a efetiva aplicação dos instrumentos de reforma urbana trazidos pelo Estatuto da Cidade, ainda mais quando outras modalidades de controle, previstos na Constituição, sobretudo a legislativa e a judiciária, têm-se mostrado de duvidosa operacionalidade e eficiência. As normas contidas no Capítulo IV do Estatuto prevêem, assim, diversas formas de participação que dão concreção a essa dupla função social da participação popular: a de aferir legitimidade às ações municipais e a de exercer o controle dessas mesmas ações.” e) instituição de unidades de conservação; f) instituição de zonas especiais de interesse social; g) concessão de direito real de uso; h) concessão de uso especial para fins de moradia; i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; j) usucapião especial de imóvel urbano; l) direito de superfície; m) direito de preempção; n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; o) transferência do direito de construir; p) operações urbanas consorciadas; q) regularização fundiária; r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; s) referendo popular e plebiscito; t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária; u) legitimação de posse. VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV). o § 1 Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria, observado o disposto nesta Lei. o § 2 Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, a concessão de direito real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada coletivamente. o § 3 Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades, movimentos e entidades da sociedade civil. 52 MATTOS, L. P (Org.). Da Gestão Democrática da Cidade. In: MATTOS, L. P. Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Ed. Mandamentos, 2002, Pg. 301. 55 4.2. Diretrizes Gerais É fato que o Estatuto da Cidade veio á dar luminosidade aos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, pois é clara sua intenção de sedimentar as diretrizes de política urbana expressadas na Carta Magna. Como previsto no artigo 1º da Lei 10.257/01, o Estatuto é um prisma do que ambos os artigos da CF/88 abordam, como se seus dizeres fossem esmiuçados e lapidados, objetivando a dar a melhor forma possível a sua interpretação, trazendo de um contexto mais amplo para a factibilidade do caso concreto, porém usando de forma genérica em seu vocabulário. Revela o artigo 2º do referido Estatuto, em seu caput e incisos: o Art. 2 A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; 56 h) a exposição da população a riscos de desastres. VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência; VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais; XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social. XVII - estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações urbanas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a economia de recursos naturais. Entretanto, se fez necessário a determinação de regras para a adequação do Estatuto da Cidade á condição de cada municipal integrante da Federação, pois as condições orçamentárias, e principalmente, físicas variam de um em ente municipal para o outro. Daí, vemos que o Estatuto da Cidade veio a estabelecer as diretrizes que servem de fonte para a política de desenvolvimento urbano. No entendimento de Régis Fernandes de Oliveira, fica a cargo, então, dos municípios de desenvolverem 57 e efetivarem as disposições contidas na Lei 10.257/01 na sua gestão de desenvolvimento urbano. Complementa que “a especificidade, como não poderia deixar de ser, compete ao Município, atendendo a suas necessidades locais e decidindo de acordo com os superiores interesses da cidade53”. 4.3. Plano Diretor O Plano Diretor é visto pela maioria dos estudiosos no assunto como o principal instrumento de aplicabilidade do Estatuto da Cidade, e tal condição é inerente ao poder democrático da população, pois em tese, o plano diretor, por ser realizado com participação da sociedade, expressa a vontade do todo, onde há a materialização do que seria a cidade ideal para o povo. Trata-se de uma lei específica, de cunho municipal, que define as regras do desenvolvimento urbano deste local, ou seja, aborda os critérios de direito à morada digna, expansão territorial, disposições gerais de construção e implantação de obras que eventualmente venham a causar danos ambientais, tributos, etc. No magistério de Denise Ferreira54: “Partindo da análise dos problemas e das características de cada cidade que se formula o plano diretor, que irá (re)organizar espacialmente a cidade, regulando o ordenamento territorial, a ocupação do espaço, o zoneamento e as construções do município. Essa (re)organização, teoricamente, busca maior justiça social, melhoria na qualidade de vida dos cidadãos e racionalização do uso do espaço”. Para Lilian Regina Gabriel55, além da importância inovadora que o Estatuto da Cidade deu ao Plano Diretor, apesar de ser visto ainda na Constituição Federal, o “comando constitucional careceu de algumas definições, tais como: conteúdo mínimo do planejamento, sanções jurídicas para a não edição do plano e prazos para sua implementação. Por evidente, os contornos jurídicos e os reflexos concretos a respeito do planejamento urbano vieram com a edição do Estatuo da 53 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2002, p. 13. 54 FERREIRA, Denise Lábrea. Plano Diretor: Documento ou Instrumento. Um estudo de caso de Tupaciguara/MG. Disponível em <http://www.dsr.inpe.br/geu/artigos_Livia/Simp_Regional.pdf>. Acesso em 16/04/2014. 55 PIRES, Lilian Regina Gabriel Moreira. Função Social da Propriedade Urbana e o Plano Diretor. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, Pg. 135-136. 58 Cidade. Com ele emoldurou-se a abrangência do plano diretor, especificou-se a quem está compelido editá-lo, os requisitos para sua edição e o seu conteúdo mínimo”. Para Lígia Melo56, o Plano Diretor “é parte de um processo de planejamento municipal que deve ocorrer com a máxima participação dos cidadãos, atrelando as diretrizes do Estatuto da Cidade à realidade do Município q que pertence”. Outro sim, temos a posição de Daniela Libório Di Sarno, que sustenta: “Ao poder público caberá o papel de educador para a cidadania, dentro do qual não deverá contentar-se com a pouca receptividade da comunidade em eventos públicos coletivos. Informar adequadamente a população que possa ser afetada pela decisão vindoura é de fundamental importância para o desenvolvimento da democracia participativa. Em casos nos quais a população possui baixa escolaridade, por exemplo, a simples liberação à consulta de projetos a serem debatidos não é suficiente para informa-la. Caberá ao Poder Público competente para a decisão em simplificar a linguagem sem, entretanto, comprometer o conteúdo, de forma que a população entenda o que se passa e possa proceder a uma análise crítica compatível com seus direitos.”57 A inexistência do Plano Diretor acarreta uma série de defeitos sociais que desaguam em problemas de maior gravidade, em decorrência do contínuo processo de transformação das cidades. A inaptidão dos representantes governamentais, quando da implementação do Plano Diretor, ou até mesmo na escolha em seguir um plano perfilado à adaptação do meio natural para a criação de uma cidade, pode causar sérios danos, inclusive os de caráter irreversível, como por exemplo a degradação de habitat ou nicho ambiental que dependia de um espaço ocupado indevidamente para se perpetuar. Fica claro, então, que o Plano Diretor deve contemplar as características culturais, históricas, sociais e ambientais de uma determinada comunidade, afim de criar alternativas de convivência entre o homem e o meio, protegendo então aquilo que já existia e o que passará a existir, segundo os critérios da coexistência. Segue decisão AC 2.383-M-QO, Rel. Min. Ayres Brito de 27/03/2012, que ratifica a importância do Plano Diretor para as cidades em que há a obrigatoriedade do implementação do mesmo: 56 MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por Meio da Regularização Fundiária. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, Pg. 78. 57 DI SARNO, Daniela Campos Libório. Direito Urbanístico e Ambiental. Editora Fórum, 2007, Pg. 52. In: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por Meio da Regularização Fundiária. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, Pg. 79. 59 "A Carta Magna impôs a concretização da política de desenvolvimento e de expansão urbana das cidades com mais de vinte mil habitantes por meio de um instrumento específico: o plano diretor (§ 1º do art. 182). Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/2005, ao permitir a criação de projetos urbanísticos “de forma isolada e desvinculada” do plano diretor, violou diretamente a Constituição republicana. Perigo da demora na prestação jurisdicional que reside na irreversibilidade dos danos que decorrerão do registro de áreas, para fins de parcelamento, com base na mencionada lei." (AC 2.383-M-QO, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 27-3-2012, Segunda Turma, DJE de 28-6-2012.)58 Importante também frisar a necessidade de que o Plano Diretor deve estar interligado com o Plano Plurianual e as diretrizes orçamentárias (orçamento anual) do município que faz parte para que ganhe escopo e se materialize. Todavia, os planos diretores devem possuir prazo de execução, sob pena de sanções especificadas no Estatuto da Cidade. Outro ponto importante sobre a figura do Plano Diretor é quando há a obrigatoriedade, por parte dos municípios, de elaboração deste (art. 182 da CF/88), pois é perceptível forte conotação para que os planos diretores das cidades que integram um conglomerado municipal ou área metropolitana sejam criados de forma que se interliguem, oportunizando a integração destas cidades, já que me muitos casos, a massa populacional de uma pode utilizar-se de outra cidade apenas como cidade-morada ou como local de trabalho, e vice-versa. Segundo Nelson Saule Júnior59, “pode-se verificar a transversalidade da questão urbana e ambiental em regiões metropolitanas, contribuindo para a necessidade de se promover o planejamento articulado com o objetivo de integras as cidades”. 58 Apelação Civil – Superior Tribuna de Justiça. Relator Min. Ayres Britto – AC 2.383-M-QO. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=1730>. Acesso em 21/06/2014. 59 SAULE JUNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2004, p. 262. 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde a antiguidade, quando os romanos instituíram o Direito à Moradia, considera-se tal direito como item de caráter absoluto, suportado por um arcabouço de leis que garantam este perfil ao mesmo, já que representa o bem – o primeiro – que unifica a identidade familiar e acima de tudo, o direito natural do homem. Passamos, durante séculos, por vários movimentos sociais que influenciaram diretamente o direito à propriedade e à identificação de sua função social. Neste caso, podemos citar, por exemplo, a Revolução Francesa ou a Revolução Industrial na Inglaterra, as quais foram mananciais de direitos subjetivos e direitos de liberdade, intrinsicamente conectados ao direito à moradia. A história da propriedade imóvel no Brasil é marcada por ações pautadas de acordo com cada momento histórico vivido pelo País, e sua evolução mostra que os rumos tomados transigem para aquilo que aceitamos como o ideal quando se trata de propriedade imóvel e sua função como um dos princípios basilares da família, e por consequência, para uma estrutura social equilibrada. As transformações políticas são, quase que em sua totalidade, resultantes de clamor social em busca de um direito que outrora não se tinha conhecimento ou ainda que não estava sob o holofote como deveria, e, consoante à importância deste bem à sociedade, mais aperfeiçoados devem ser os seus requisitos. A Constituição Federal de 1988, por si, garante com maestria este direito, porém, apesar de sua aplicação automática, necessita de instrumentos complementares para que se alcance sua devida eficácia. Por isso, identifica-se um conjunto de normas abrangente, além de sistemas norteadores secundários, que abraçam vários aspectos que são vinculados firmemente entre si, e que quando bem administrados, se completam para formar comunidades, cidades e estados como se tem a melhor expectativa. O planejamento geográfico, a seleção ideal de programas habitacionais, a consecução inequívoca da construção das moradias, o estudo técnico-social, a responsabilidade ambiental, o fornecimento mínimo de infra-estrutura e o alinhamento ao Estatuo das Cidades e ao Plano Diretor, são exemplos de fatores que integram a propriedade imóvel e dão o devido valor a sua função social. Os programas habitacionais criados nas últimas décadas se mostraram como os exponentes do desenvolvimento habitacional em nosso país, uma vez que estavam aprimorados pelos intentos tidos no passado. Isso ocorreu, pois, uma vez 61 que os programas habitacionais mais antigos tiveram seus cronogramas forçados pela alteração do panorama econômico rural para o ambiente das cidades, já que passávamos por uma explosão industrial e a necessidade de trabalhadores era insaciável, o que atraia grandes massas para as cidades. Por isso, a modelagem de condições para a recepção desta massa foi cabal para que o crescimento desenfreado de áreas de habitação irregulares fosse evitado. Em que pese não terem sido de forma alguma evitadas, os programas habitacionais de ontem serviram de exemplo para que o vemos atualmente. Temos, como maior representante desta nova geração, o Programa Minha Casa Minha Vida, anunciado em março de 2009, que utiliza recursos da União e do particular (FGTS), possui duas modalidades distintas de aquisição, uma por seleção e outra opor financiamento60, compreende diversas faixas salariais e atualmente apresenta em seu histórico mais de um milhão de casas construídas em todo o território nacional. Além do resultado apresentado, deve-se levar em consideração a quantidade de empregos gerados e empresas beneficiados com o plano. Ou seja, trata-se de uma plataforma de ação na qual os setores produtivos da construção e grande fatia da população brasileira, que justamente é a que representa aquela que se enquadra nos requisitos do programa, está sendo beneficiada de maneira justa e que atenda aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais. Não obstante, percebemos que ainda temos muitos passos à caminhar, com fito na melhora ininterrupta da customização do que julgamos do conceito de “propriedade imóvel digna para o cidadão brasileiro”, uma vez que sempre deverá ser entregue uma política de habitação voltada para a sociedade de hoje, e não um modelo inerte e ultrapassado, que não atenderá o chamado de uma sociedade maior e mais madura. O bem imóvel e sua função, ainda como item essencial a sociedade, tal qual pregam todos os doutrinadores consultados, bem como ratifica o entendimento geral do povo brasileiro, também é evidente quando identificamos a possibilidade do indivíduo em poder adquirir bem imóvel, sendo tal alternativa garantida pelo governo vigente, já que é dever deste prover os meios que venham a viabilizar tal aquisição. 60 Faixa 01: Aquisição de empreendimentos na planta, para famílias com renda bruta de até 3 salários mínimos, pelo fundo do programa habitacional. Faixa 02: Financiamento às empresas do mercado imobiliário para produção de habitação popular visando ao atendimento de famílias com renda acima de 3 e até 10 salários mínimos, priorizando a faixa acima de 3 e até 6 salários mínimos. 62 Seja este meio pelo simples cumprimento de obrigações salariais, por exemplo – e quando falamos, incluímos as relações particulares, todavia, devidamente instruída por lei pública – ou pela acessibilidade da sociedade aos programas habitacionais totalmente gratuitos ou aqueles subsidiados. Entende-se ainda que a correta e devida utilização da propriedade imóvel é que lhe assegura a sua condição social, já que o bem, que certamente irá proporcionar algum tipo de riqueza ou privilégio deverá atender, no que tange à condição geral deste, ao indivíduo e à coletividade como um todo, no sentido de criar a devida harmonia entre o direito privado e os princípios constitucionais. A função social da propriedade imóvel deve, como vem sendo, ser atributo de eterna fiscalização do Estado, pois o uso indevido deste bem gera prejuízos à comunidade, pois o legislador atribui, ao direito à propriedade, não o direito individual, mas sim, um direito que transcende a individualidade, sendo que é de fundamental importância que as providências cabíveis para que a função social da propriedade imóvel vigore sejam rigorosamente cumpridas. 63 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, M. A. P. de; ABIKO, A. K. Indicadores de Salubridade Ambiental em favelas Localizadas em Áreas de Proteção aos Mananciais: O Caso da Favela Jardim Floresta. São Paulo: EPUSP, 2000. ARAGÃO, José Maria. Sistema Financeiro da Habitação: Uma Análise SócioJurídica da Gênese, Desenvolvimento e Crise do Sistema. Curitiba: Juruá, 1999. AZEVEDO, Sérgio de. A crise da política habitacional: dilemas e perspectivas para o final dos anos 90. A crise da moradia nas grandes cidades: da questão da habitação à reforma urbana. 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