FACULDADE INTERAMERICANA DE PORTO VELHO/RO

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FACULDADE INTERAMERICANA DE PORTO VELHO/RO – UNIRON
MATEUS SODRÉ RIBEIRO
A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMÓVEL E A APLICAÇÃO DOS
PROGRAMAS HABITACIONAIS DENTRO DO SFH
PORTO VELHO – RO
2014
MATEUS SODRÉ RIBEIRO
A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMÓVEL E A APLICAÇÃO DOS
PROGRAMAS HABITACIONAIS DENTRO DO SFH
Monografia apresentada ao Curso
de
Direito
da
Faculdade
Interamericana de Porto Velho/RO UNIRON, como requisito avaliativo
para obtenção do título de Bacharel
em Direito.
Orientador: Prof. Ms. Cezar Augusto
Wanderley Oliveira
PORTO VELHO – RO
2014
MATEUS SODRÉ RIBEIRO
A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMÓVEL E A APLICAÇÃO DOS
PROGRAMAS HABITACIONAIS DENTRO DO SFH
Monografia apresentada ao Curso
de
Direito
da
Faculdade
Interamericana de Porto Velho/RO UNIRON, como requisito avaliativo
para obtenção do título de Bacharel
em Direito.
Porto Velho/RO,_____ de_____de_____.
Banca Examinadora
__________________________________________________
Orientador (a) Prof.(a). Ms. Cezar Augusto Wanderley Oliveira
__________________________________________________
Arguidor I
__________________________________________________
Arguidor II
__________________________________________________
Coordenador (a) Prof.(a). de TCC-Direito
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho à minha esposa e filhos, Katia, Bernardo e Leônidas, os quais
foram fonte de credibilidade e que tanto me proporcionaram apoio no preparo deste.
Ofereço ainda à memória de meu avô, Lamberto Rômulo Magalhães, que acreditou
em meu potencial até seu último dia neste plano terreno.
AGRADECIMENTOS
Agradeço, com a maior sinceridade possível que possa expressar, aos meus
orientadores e mestres, Prof.º Ms. Rildo Augusto Braga Araújo (in memorian),
Domingos Sávio Figueiredo de Arruda e Cezar Augusto Wanderley Oliveira, por toda
sabedoria a mim catedraticamente repassada, bem como pela materialização deste
trabalho.
Agradeço aos meus pais, Francisco Ribeiro e Rosângela Sodré, por toda educação
que me foi dada, com muita luta e carinho, desejando que sempre trilhasse o
caminho da sabedoria para que conquistasse os meus sonhos.
“Talvez não tenhamos conseguido fazer o melhor, mas lutamos para que o melhor
fosse feito. Não somos o que deveríamos ser, não somos o que iremos ser. Mas,
Graças a Deus, não somos o que éramos.”
Martin Luther King
RESUMO
O direito à moradia digna é um assunto tema de debates que vem se perdurando
por gerações e, a cada dia que passa, ganha mais visibilidade, inclusive no meio
jurídico, que visa elaborar e tutelar as regras que condicionam este direito tão
inerente aos cidadãos, previsto, em sua plenitude, pelo nosso ordenamento jurídico
maior. É perceptível que o direito à moradia decorre de políticas públicas e de suas
boas práticas, pois há o entendimento de que todo e qualquer bem imóvel deverá
atender o seu objetivo social em prol de uma comunidade, e apesar de não ser uma
concepção antiga, exala o desejo social há muito impregnado neste direito, o que
nos remete às épocas dos grandes latifúndios, que atendiam, a contento, uma
injustificável minoria. Sofrendo adequações durante a evolução do pensamento
jurídico, aliado à necessidade do povo e do aumento intelectual da massa, que já
vinha sendo instruída sobre este direito, o poder público enxergou a viabilidade na
criação de instrumentos que pudessem organizar, sistemática e demograficamente,
as condições de acessibilidade da população à morada digna, seja pela fundação do
Sistema Financeiro Habitacional (SFH), seja pela criação de bancos de
desenvolvimento (BNH e CAIXA), ou seja pela criação de programas habitacionais
específicos (Programa MCMV, PNHR), ou até mesmo pela otimização do Plano
Diretor advindo do Estatuto das Cidades. Sendo assim, todos estes itens passam
por fim a comungar um bem maior. De um ponto de vista objetivo, é sobre este viés
que decorre o estudo em face, elencando os participantes que foram ou ainda são
essenciais para que haja a moradia justa à população como um todo, determinando
a real função social da propriedade imóvel, sob a ótica da Constituição Federal de
1988, e sobre o alcance dos programas governamentais no âmbito do SFH. Desde
os tempos coloniais, o presente trabalho contempla uma análise catalogadora, de
exclusivo cunho literário, utilizando-se ainda das leis que compunham o nosso
ordenamento jurídico, bem como do corpo normativo vigente, objetivando determinar
como o ordenamento jurídico, através da história, influenciou as políticas voltadas à
função social da propriedade imóvel, bem como sobre a atuação dos agentes
públicos na consecução destas.
Palavras-chave: Imóvel. Social. Propriedade. Programas.
ABSTRACT
The right to worthy housing is a subject matter of debate that has been lasting for
generations, and with each passing day, get more visibility, even in the legal
environment, which aims to develop and safeguard the rules that constrain this
inherent right as citizens, provided, in its entirety, for our greatest legal system. It is
noticeable that the right to worthy housing due to public policies and their best
practices, as there is understanding that any immovable property must meet their
social objective on behalf of a community, and despite not being an old design,
exhales the social desirability has long pervaded this right, which brings us back to
times of great estates, which met to the satisfaction an unjustifiable minority.
Suffering adaptations during the evolution of legal thought, together with the need of
the people and the intellectual mass increase, which had already been educated
about this law, the government saw the feasibility to develop tools that could
organize, systematic and demographically, the conditions accessibility of decent
housing to the population, with the foundation of the Housing Finance System (SFH),
the creation of development banks (BNH and CAIXA), or the creation of specific
housing programs (MCMV Program, PNHR), or even by the optimization Master Plan
arising from the Statute of Cities. Thus, all these items are ultimately communing
greater fortune. From an objective point of view, is this bias that arises the present
study, listing participants who were or still are essential for there to fair housing to the
population as a whole, determining the real social function of property ownership
under the optics of the Federal Constitution of 1988 and the scope of government
programs under the SFH. Since colonial times, the present work offers a cataloging
analysis, only literary material as source, still using the laws that made our legal
system as well as the existing regulatory body, aiming to determine how the law
throughout history influenced the policies aimed at the social function of property
ownership, as well as on the actions of public officials in achieving these.
Keywords: Habitation. Social. Property. Programs.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC
Apelação Civil
BNH
Banco Nacional de Habitação
CC
Código Civil
CEF
Caixa Econômica Federal
CF
Constituição Federal
COHAB
Conjunto Habitacional
COOPHAB Cooperativa Habitacional
DL
Decreto Lei
FCVS
Fundo de Compensação de Variação Salarial
FDS
Fundo de Desenvolvimento Social
FGTS
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
PAC
Programa de Aceleração do Crescimento
PAR
Programa de Arrendamento Residencial
PES
Plano de Equivalência Salarial
PMCMV
Programa Minha Casa Minha Vida
PNHR
Programa Nacional de Habitação Rural
SBPE
Sistema Brasileiro de Poupanças e Empréstimos
SFH
Sistema Financeiro Habitacional
SFI
Sistema Financeiro Imobiliário
SFS
Sistema Financeiro de Saneamento
STJ
Superior Tribunal de Justiça
TJ
Tribunal de Justiça
TRF
Tribunal Regional Federal
SUMÁRIO
1.
Introdução
10
2.
Função social da propriedade
12
2.1.
Conceitualidade histórica
12
2.2.
Função social da propriedade urbana: evolução histórica brasileira
15
2.3.
A função social da propriedade imóvel: caracterização e natureza
jurídica
2.4.
2.5.
20
Previsão legal: A função social da propriedade sob a égide
constitucional
24
A conjuntura das modalidades da aquisição da propriedade imóvel
27
2.5.1. Conceitos
27
2.5.2. Meios Formais
27
2.5.3. Meios Informais
30
3.
3.1.
A função Social da Propriedade e os Programas Habitacionais
no SFH
31
Sistema Financeiro Habitacional – SFH
31
3.1.1. Conselho Curador do FGTS
37
3.2.
Banco Nacional de Habitação – BNH
39
3.3.
Dos programas habitacionais vigentes: análise jurídica
41
3.4.
Programa Minha Casa Minha Vida
44
4.
Estatuto das Cidades: A propriedade atingindo a sua função
social
45
4.1.
Regulamentação das disposições constitucionais
52
4.2.
Diretrizes Gerais
55
4.3.
Plano Diretor
57
5.
Considerações Finais
60
6.
Referências Bibliográficas
63
10
1.
Introdução
A qualidade de vida das pessoas, quando em sociedade, é intimamente
ligada à condição do meio onde estão insertas, e pode ser afetada negativamente
pela falta de infra-estrutura e de planejamento das cidades. No caso do nosso país,
o êxodo rural foi (e ainda o é, porém, com menor intensidade) um dos principais
vetores que ocasionaram o crescimento desorganizado das cidades ao ponto em
que o Estado vislumbrou a qualificação da recepção desta população como método
para evitar o desenvolvimento de áreas impróprias a existência de comunidades. E
para isto, teve de elaborar regras e diretrizes que transformaram, principalmente as
grandes cidades, em um ambiente adequada à ocupação humana.
Sob este prisma, extinguiu-se então, em primeiro lugar, o conceito de
propriedade absoluta, na qual o proprietário poderia fazer o que lhe fosse
conveniente, e tão somente, para condicionar o uso da “terra” almejando algo de
maior influência sobre a sociedade, em que o resultado da função deste bem fosse
prazeroso ao máximo de indivíduos o possível, guardadas as devidas proporções.
Daí, partiu-se para adequação do direito positivado, momento no qual foram
redigidas as normas que fazem parte do escopo do direito à morada digna e sua
função perante a sociedade, servindo de manancial para a originação dos demais
instrumentos que permeiam as políticas direcionadas à questão da habitação de um
modo genérico.
Portanto, identifica-se a criação de programas habitacionais, de banco de
fomento à habitação (BNH), do Estatuto da Cidade, do Plano Diretor e dos fundos
orçamentários.
O presente trabalho tem fulcro no levantamento histórico de dados
relacionados à contextualização da função social da propriedade imóvel, e como o
pensamento jurídico vem adequando as normas, gerais e específicas, que definem
as diretrizes das políticas habitacionais como objeto de suma importância para a
sociedade, bem como um estudo sobre os programas habitacionais que vêm sido
desenvolvidos desde meados do século passado, dada a recorrente necessidade de
consolidação de projetos de moradia que pode ser constatada com um simples olhar
para o passado, para o presente e ainda, com a perspectiva do que teremos para o
futuro no que tange às políticas habitacionais praticadas.
11
Neste entendimento, abordamos os conceitos históricos nacionais e as
influências externas que refletiram no modo de pensar dos juristas brasileiros, dada
a abrangência e a coesão das matérias discutidas no campo dos direitos naturais e
do ímpeto de liberdade que vinha sendo infringido no âmbito social, cada vez mais
de maneira incisiva e persistente, o que de fato, vem ocorrendo até os dias atuais.
Ainda que seja direito legalmente previsto, tido como cláusula pétrea pela
nossa Constituição Federal de 1988 e até mesmo antes disso, é certo que o direito à
moradia deve, acima de tudo, andar ao passo de sua função social, em que pese ser
preciso uma rede de regras para implantação das estratégias de atendimento da
sociedade ao acesso deste bem jurídico, desde a forma de aquisição da propriedade
imóvel até a fixação ordenada de um meio de convivência social, como os grandes
bairros e cidades.
12
2.
Função social da propriedade
2.1.
Conceitualidade histórica
Historicamente, o conceito de propriedade é resultado da associação dos
homens, ainda nos primórdios de nossa civilização, a qual tinha a principal função
de determinar o espaço e as posses de cada indivíduo dentro desta primitiva
sociedade. Através do tempo, as especificações e requisitos da propriedade,
principalmente quando falamos da propriedade imóvel, foram aperfeiçoados dada a
capacidade evolutiva do pensamento humano, que determinou uma sequência de
alterações e reservas legais para garantir ao máximo a inatingibilidade desta
propriedade.
Apesar de não conter uma sistematização especifica sobre as regras que
regem o conceito de propriedade imóvel, o Direito Romano teve, como ponto de
partida dos princípios que revestem a propriedade imóvel, as primeiras
considerações sobre o assunto, assim como em diversos outros campos jurídicos.
Naqueles idos, eram ofertados aos chefes de família os “heredium”, uma área de
terra de aproximadamente meio hectare de extensão. Para os romanos, a
propriedade era concebida como um direito completamente absoluto, pois não
restringia o uso da propriedade, bem como não comportava limites sobre esta, já
que o proprietário tinha o direito de usar, dispor e fruir do bem. Para os operadores
da época, o direito de propriedade é tido em três facetas: usus, fructus e abusus,
que respectivamente significavam o poder de utilizar a coisa, a possibilidade
irrestrita de perceber os frutos advindos desta coisa, e o poder de dar, vender ou
alienar este bem. Colabora o mestre Antônio Riccitelli:
“Os patrícios, primeiros habitantes da região central da Península
Itálica, consideravam a propriedade coletiva uma forma de relação
entre homens e “bens”, até tornarem-se senhores de suas áreas de
exploração pastoril. No ocaso do Império Romano, ao final da Época
Clássica quatro formas distintas de apropriação imobiliária eram
identificadas. A dominium ex iure quirintum, subjetivamente restrita
aos civitas (cidadãos romanos) e objetivamente restrita aos fundos
itálicos, representavam o conceito mais próximo da propriedade
plena atual. A bonis esse e possessio, restrita objetivamente aos
fundos do Estado.”1
1
RICCITELLI,
Antônio.
Função
Social
da
Propriedade.
Disponível
<http://www.lopespinto.com.br/adv/publier4.0/texto.asp?id=373>. Acesso em 22/09/2011.
em
13
Todavia, como já era lógico, foi necessária a criação de regras que
determinassem os limites, formas de aquisição do bem e instrumentos que inibam a
fabricação de atos depredatórios contra a propriedade, prevendo inclusive o
pagamento indenizatório se estes atos acontecessem. Deste ponto em diante, foi
tracejada uma concepção mais burilada do conceito “propriedade”, inclusive tratada
no período de formação clássica do direito romano como propriedade quiritária, que
seria aquela que decorria da constituição da capital italiana.
Deste modo, o direito romano transpõe a propriedade individual e passa a
estabelecer leis que concernem o direito de vizinhança e servidão predial. Conforme
Caio, a propriedade seria o “jus utendi et abutendi, quatemus juris ratio patitur”, ou
seja, a propriedade deveria ser usada dentro de padrões admitidos pelo Direito,
tanto em sua abordagem filosófica, como lógica.
Entretanto, a concepção da propriedade moderna, historicamente, tem bases
fundadas nos trabalhos realizados por São Tomás de Aquino, e tendo esta origem, é
intrinsicamente ligada à doutrina cristã, apesar de termos a convicção de que a
análise liberal da propriedade foi resultado da Revolução Francesa, ratificada pelo
Código Napoleônico, que vinha a atender os anseios da burguesia, fortificada com o
movimento social revolucionário.
Não restam dúvidas de que a visão católica foi fonte de recursos para
sedimentar o entendimento de que a propriedade deveria ter uma finalidade social, a
qual seria abarcada por conceitos de solidariedade e pró-coletividade. Desde a
época de São Tomás de Aquino, a Igreja Católica aborda esta temática social para
tratar da propriedade. Alguns dos exemplos que deixam a intenção católica visível
são encíclicas Mater et Magistra, do Papa João XXIII, emitida em 1961 e a
Centesimus Cennus, do Papa João Paulo II, expedida em 1991. Ambas reforçam a
idéia de que a propriedade privada é inerente à sua função social e esta ela deve
atender, ao invés do benefício de um único indivíduo ou de um minúsculo grupo
social, como uma família por exemplo.
Já a ideologia francesa marca a teoria de que a propriedade é um direito
natural, sendo este mais forte do que qualquer intervenção estatal. Com a
ascendência da burguesia e da constante queda da classe nobre feudal, o que
favoreceu a ampliação e desenvolvimento – principalmente comercial – das cidades
(já que os burgueses eram uma classe predominante formada por comerciantes), as
14
terras, à pedido da enfraquecida mas politicamente influenciadora nobreza feudal,
todas foram transferidas para a realeza, o que resultou em um aumento descomunal
dos tributos para que fossem utilizadas. Tal situação, em estado cataclísmico, findou
na Revolução Francesa, quando o povo mostrou o seu clamor perante o Estado e
houve a confecção da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão. Tal carta
confirmava que a propriedade era um direito natural e que além disse, possuía um
caráter individualista, mesmo com certas limitações à esta direito. A ministra Eliana
Calmon diz o seguinte acerca da contribuição cabal dos franceses à caracterização
do direito de propriedade:
“Historicamente, é interessante observar, que da França originaramse as teorias opostas e extremadas sobre o direito de propriedade.
Se o francês foi capaz de pensar a propriedade como o mais
absoluto dos direitos e influenciar, com este pensamento, o mundo
jurídico da época, voltou ele a repensar o conceito de propriedade e,
em posição inteiramente oposta, também consagrou a idéia de que a
propriedade só poderá ser garantida juridicamente pelo Estado,
quando tiver função social.”2
No nosso direito, a primeira aparição do conceito de propriedade é tratada na
Constituição Federal de 1934 – apesar de termos vestígios de “propriedade” em
todas as Cartas Magnas do país, porém de modo esparso e com pouca clareza,
sendo a Carta de 1988 a primeira a trazer um avanço consistente sobre o assunto. E
tão logo publicada a Emenda Constitucional n.º 01, de 1969, a propriedade imóvel
deu-se como uma condição de caráter estritamente econômico, o que era basilar
para todo o cidadão dada a sua função social, pois em conjunto com a conceituação
da propriedade privada, deveríamos nos ater à destinação social do bem e
esquecer, a de eterno, a concepção romana, uma vez que esta já não se aplica a
nossa realidade e por isto não teria mais sua razão de existir.
Todavia, somente com a vinda da Constituição Federal de 1988, as normas
anteriores foram de fato superadas, posto que este instrumento normativo definia
com maior zelo a preocupação de assegurar o direito de propriedade como o uso da
coisa em consonância com os ditames clamados pelo bem comum, afastando-se do
plena in res potestas, ou seja, propriedade somente é plena quando esta
propriedade não apresenta restrições de conteúdo . Tal consideração por ser
2
CALMON, Eliana. Aspectos Constitucionais do Direito da Propriedade Urbana. Disponível em
<www.stj.gov.br/internet_docs/ministros/Discursos/0001114/>. Acesso em 21/09/2011.
15
corroborada pelo nosso último Código Civil, que sedimentam os parâmetros
definidos na Carta Magna de 1988.
2.2.
Função Social da propriedade urbana: evolução histórica brasileira
O princípio da propriedade urbana foi contemplado em todas as Constituições
Brasileiras, diante deste fato, podemos concernir que tal instituto é basilar numa
visão macro da formação social brasileira. É de salutar relevância dizer que o códex
pátrio é inspirado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, fruto da
Revolução Francesa, a qual prevê a inerência do direito ao homem, mediante
organização estatal. Bem aventurado foi o jurista Rudolf Von Ihering quando
formulou a tese de que o direito existe em função da sociedade e não a sociedade
em razão do direito, equalizando a condição de que a norma positivada deveria
atender as necessidades reais da sociedade.
O Brasil não passou pelo modelo feudal de propriedade privada, como a
França e Inglaterra. Desde a data do descobrimento do Brasil até a sua
independência, todas as terras brasileiras, conhecidas ou não, pertenciam à coroa
portuguesa, e durante este lapso temporal, a única alteração que o Rei realizou,
investido do poder que lhe era conferido, foi a criação das capitanias hereditárias,
num total de quinze unidades, que serviam tão somente para facilitar o controle do
vasto território que as formavam. Estas capitanias foram doadas logo após a sua
criação, para somente doze donatários; um número incomensuravelmente pequeno
em face da quantidade de pessoas que aqui habitavam, sendo assim, os primeiros
relatos de aquisição da propriedade imóvel ocorriam através da posse sem a
existência ou emissão de qualquer título que lhe concedesse a real propriedade do
espaço, ou ainda pela usucapião ou pelas chamadas cartas de sesmarias, que
consistiam em concessões de curtos espaços de terra em troca de algumas
obrigações, como o cultivo de certo artefato agrário ou a criação de determinada
espécie de animal3.
3
Sua origem remonta à lei de D. Fernando de Borgonha, de 1375, quando posta jurídica à crise de
abastecimento e à queda demográfica vivenciada pelo reino luso, no período que se segue à Grade
Peder. Nessa célebre lei, ordenava o soberano que as terras, que se encontram incultas ou
abandonadas deveriam ser distribuídas a quem quisesse aproveitar. Essa tarefa competia aos
“sesmeiros”, homens direitos, encarregados pela Coroa, tanto da distribuição quanto da fiscalização
do uso feito pelos beneficiados.
16
No final do século XVIII, a distribuição das terras do Brasil estava
desorganizada, com muitas sesmarias sem demarcação ou registro. Em julho de
1822, através de uma Resolução, extinguem-se as doações de sesmaria, dando-se
início ao debate da necessidade da regulamentação da propriedade privada, posto
que a referida extinção ocorreu em plena expansão da economia cafeeira. Esta
situação perpetuou-se até a metade do século XIX, quando o Estado criou o primeiro
conjunto de normas pertinentes à propriedade imóvel, conhecida como a Lei de
Terras. Diz a professora Lígia Osório Silva:
"Em meados do século XIX, o Estado imperial elaborou a primeira
legislação agrária de longo alcance da nossa história, que ficou
conhecida com a Lei de Terras de 1.850. Essa intervenção do Estado
na "questão da terra", veio no bojo das grandes transformações que
nesse período começaram a propelir a sociedade brasileira, ainda
escravista e arcaica, nos rumos da modernidade. A Lei das Terras
visava promover o ordenamento jurídico da propriedade da terra que
a situação confusa herdada do período colonial tornava
indispensável.”4
O objetivo da lei era a regulamentação da propriedade fundiária no país, ou
seja, regimentar a aquisição de terras pelos sesmeiros e pelos posseiros, definindo
ainda os critérios para a compra de terras estatais e criando empecilhos para a
aquisição de terras devolutas. Colabora Judith Martins:
“A Lei de Terras veio como uma disciplina jurídica do direito de
propriedade nos moldes liberais, ou seja, um direito absoluto,
exclusivo, perpétuo, exercido sobre limites precisos, não
condicionados pela gama de deveres que caracterizava o domínio
sesmarial”.5
Não obstante, até a Constituição de 1934, a propriedade imóvel era tida como
direito absoluto, inviolável por terceiro, exceto pelo Estado, sendo devido por este o
pagamento de indenização compatível com a desapropriação causada. Segundo
Grace Virginia Ribeiro (2000, pág. 14), a Constituição de 1934 já trazia timidamente
o conceito social que a propriedade deveria exercer, assim como a Constituição
4
SILVA, Lígia Osório, Terras Devolutas e Latifúndios - Efeitos da Lei de 1.850. São Paulo: Editora
da Unicamp, 1996, p. 121.
5
MARTINS-COSTA, Judith. A Reconstrução do Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, pág. 758.
17
alemã elaborada por Weimar. Contemplava em seus artigos 113 (nº 17) e 118 6, que
as minas e demais riquezas do solo, incluindo neste rol os cursos e quedas d’água,
como propriedade distinta do solo para fins de uso e exploração, pois considerava
que o bem devia servir em uso da coletividade. Sobre esse utilidade coletiva
instituída naqueles idos, pronuncia Seabra Fagundes:
“Essa utilidade diz com todos, ultrapassando o plano egoístico do
poder total reconhecido remotamente ao dono, exprime-se no
condicionamento ao bem comum, do que ele pode fazer, do que
pode não fazer e do que deve fazer”.7
Nas demais Constituições, como as de 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988,
também vemos fortes indícios de conceituação da função social da propriedade,
com destaque como dito alhures, para Carta Magna promulgada em 1988.
A Magna Carta de 1937 não alterou em teor o texto de sua antecessora,
porém no que concerne ao direito de propriedade, foi nebulosa, e timidamente
versou sobre o referido instituto. Diz o artigo 122, em seu inciso 14:
“Art 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros
residentes no País o direito à liberdade, à segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes:
14) o direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade
ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e
os seus limites serão os definidos nas leis que lhe regularem o
exercício;”
A Constituição de 1946 traz um ar mais redemocratizado, emitindo a
necessidade da função social da bem imóvel, tendo-a como um dos princípios que
regiam a ordem econômica e social da Brasil; defendia inclusive que a propriedade
deveria ser justamente dividida, para que todos pudessem usufruir desta com as
6
Constituição Federal de 1934: Artigo 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (18) É garantido o direito de propriedade,
que não poderá ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A
desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e
justa indenização. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, poderão as
autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o
direito à indenização ulterior. E artigo 118 - As minas e demais riquezas do subsolo, bem como as
quedas d'água, constituem propriedade distinta da do solo para o efeito de exploração ou
aproveitamento industrial.
7
FAGUNDES, M. Seabra. Da ordem econômica na Nova Constituição. In CAVALCANTI,
Themistocles et al. Estudos sobre a Constituição de 1967, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1968, p.159.
18
mesmas oportunidades. Os artigos 141, § 16 e 1478 eram os portadores desta
condição. Corrobora a professora Lilian Regina:
“Há uma conciliação das prerrogativas individuais com as exigências
sociais, visando uma justiça distributiva. Nesse passo, os dispositivos
constitucionais citados concederam um traço social à propriedade”.9
Por sua vez, a Carta de 1967, gerada num ano marcada por um golpe militar,
foi feita mediante um corpo congressista que não tinha legitimidade jurídica de
representação popular. Apesar de manter a função social e aplicar substancialmente
a conceituação de propriedade imóvel, seu escopo real era a marca de um Estado
altamente ávido ao controle social. Prescreve Celso Ribeiro Bastos:
“A Constituição de 1967 foi uma tentativa de agasalhar princípios de
uma constituição democrática, conferindo um rol de direitos
individuais, liberdade de iniciativa, mas onde à todo instante se sente
a mão do Estado autoritário que a editou”.10
Assim se perpetuou pela Constituição de 1969, porém sem alterações que
cabem menção neste estudo, além da possibilidade de pagamento ao expropriado –
sendo o imóvel exclusivamente urbano – em títulos da dívida pública (norma contida
no artigo 153, § 2º da CF/67), já que na anterior tal pagamento somente era possível
em dinheiro.
Em 1988, a Constituição avança muita nesta questão. Segundo Grace
Tanajura, a Carta qualifica ainda mais os requisitos da função social da propriedade
imóvel, inclusive caracterizando substancialmente o direito à propriedade como
8
Constituição Federal de 1946: Artigo 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, a
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (§ 16) É garantido o direito de
propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou
comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o
exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior. E artigo 147 - O
uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do
disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para
todos.
9
PIRES, Lilian Regina Gabriel Moreira. Função social da propriedade urbana e o plano diretor.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 36.
10
PIRES, Lilian Regina Gabriel Moreira. Função social da propriedade urbana e o plano diretor.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 37 apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional, p.135.
19
cláusula pétrea11. Esta carta foi o resultado de um intenso movimento social, que
clamava por um governo representativo e com ideais voltados para o
desenvolvimento social. Nos ditames de Lilian Regina Pires (2007, p. 41), o conceito
de propriedade manteve-se nos mesmos padrões, entretanto, na Constituição de
1988, ela foi claramente juntada a sua função social. Diz o artigo 5º, XXIII, da
Constituição Federal de 1988:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;”
O artigo constitucional neste momento declara, ipsis litteris, qual a
característica definitiva que o imóvel deve ter, bem como o seu caput que trata a
propriedade como direito inviolável e absoluto.
É possível falar ainda que na Lex Regimentalis de 1988, foi introduzido ainda
outro instituto de grande importância para a atual conjuntura das políticas
habitacionais: O Direito Urbanístico. Tratava-se de um grupo de medidas
governamentais que tinham por objetivo a organização de espaços habitáveis
visando a melhor qualidade possível de vida para a comunidade. Nesta ótica, os
espaços tidos como habitáveis eram onde o indivíduo praticava as quatro principais
atividades sociais: habitação, trabalho, circulação e recreação (MEIRELLES, 1990
apud PIRES, 2007, p. 43).
Segundo o artigo 182 da Carta Magna de 1988, era de responsabilidade da
12
União , o planejamento de políticas públicas que objetivassem o sadio
desenvolvimento das cidades e principalmente que propiciassem conforto à
sociedade ali inserida. Tais demandas teriam que ser realizadas pelos municípios
através de diretrizes genéricas de origem federal – daí a figura da União no modelar
destas práticas. Exemplos como o Plano Diretor e o Estatuto das Cidades são
dignos do que foi laborado pelo Estado Federal, os quais serão abordados com
maiores minúcias nos próximos capítulos. Diz-nos Lígia Melo:
11
TANAJURA, Grace Virginia Ribeiro de Magalhães. Função Social da Propriedade Rural. São
Paulo: LTR, 2000, p. 98.
12
Instrução tida no artigo 21, XX, da Constituição Federal de 1988.
20
“Com a positivação dos direitos e garantias fundamentais em uma
estrutura de texto que reforça a proteção dos direitos do indivíduo,
definindo objetivamente o papel do Estado e sua finalidade, é que
pela primeira vez na história nacional vê-se a determinação
constitucional de diretrizes jurídicas e políticas para a condução de
políticas públicas de desenvolvimento urbano voltadas à promoção e
proteção do indivíduo.”13
O direito brasileiro acompanhou o caminhar de diversas outras constituições
de outros países, haja vista o direito à propriedade ser um bem jurídico tutelado
pelas mais diversas nações, independentemente das ideologias políticas, religiosas
ou filosóficas, pois como tratamos desde o início, é um direito natural, e todo homem
necessita ter o direito de propriedade resguardado assim como meios que possa
utilizar para defender seu bem jurídico sem ferir o bem jurídico de outrem.
2.3.
A função social da propriedade imóvel: caracterização e natureza
jurídica
Em outros idos, o Código Napoleônico entendeu que o direito de propriedade
era processado como o direito de gozar e de dispor das coisas (bens móveis e
imóveis) da maneira mais absoluta, tendo limitações tão somente para aqueles
objetos imorais ou não permitidos pela lei vigente. Tal formatação atravessou o
tempo e mereceu algumas alterações de modo a atender a essência do conceito de
propriedade, eis que em primeiro lugar não há como definirmos o que seria o
absoluto (o absoluto é tido, neste plano, como uma situação plausível para as
situações reais) e em segundo lugar, porque a propriedade é poder absoluto, ao
tempo que concomitantemente não é, visto as restrições criadas pelas leis e pelos
regulamentos administrativos. A propriedade é a centro da partícula que atrai e
mantêm os demais direitos reais, que pressupõem, necessariamente, o direito de
propriedade, do qual são modificações ou limitações, ao passo que o direito de
propriedade pode existir independentemente de outro direito real em particular.
Não obstante ao dito acima, é de fundamental importância a diferenciação
entre propriedade e direito de propriedade, na qual a última é a configuração
13
MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por meio da Regularização
Fundiária. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 44-45.
21
normativa da primeira. Para melhor assentamento da idéia, nos traz o Celso Antônio
Bandeira de Melo:
“Direito de propriedade é a expressão juridicamente reconhecida à
propriedade. É o perfil jurídico da propriedade. É a propriedade, tal
como configurada em dada ordenação normativa. É, em suma. A
dimensão ou o âmbito de expressão legítima da propriedade: aquilo
que direito considera como tal... Na Constituição - e nas leis que lhe
ensejam conformadas – reside o traçado da compostura daquilo que
chamamos direitos de propriedade em tal ou qual país, na época tal
ou qual”.14
Pode-se, pois, ao direito de propriedade, atribuir caráter absoluto, pois o
proprietário poderá dispor da coisa ao seu próprio interesse, sujeito apenas a
algumas limitações impostas seja interesse público ou pela coexistência do direito
de propriedade dos demais indivíduos.
Neste viés, podemos ofertar-lhe ainda um caráter exclusivo e irrevogável, vez
que há a impossibilidade da mesma coisa não poder pertencer com exclusividade a
duas ou mais pessoas ao mesmo tempo. Porém, tão logo que o atributo da
exclusividade comporta modificações, é possível o desdobramento de determinadas
parcelas da propriedade e sua constituição em direitos separados, a favor de
terceiros. É claro que há a exigência da participação de todos os “proprietários” para
a prática dos atos anteriormente citados.
Já que o poder do dono sobre a coisa imóvel é absoluto, este tem todo e
qualquer direito, referente a disposição do bem, e ninguém poderá fazer cessar o
intento deste, mediante esta condição, salvo em casos em que este estiver
legalmente impedido. Em suma, temos a máxima de que a propriedade não poderá
ser perdida senão pela vontade do proprietário. Podemos assim declarar que
propriedade, neste sentido, é perpétua e irrevogável, podendo ser transmitida aos
seus descendentes e subsiste inclusive pelo exercício ou não da propriedade, já que
o mesmo tem a liberdade de dispor da bem em face de condição normativa e válida.
Podemos ainda distinguir diversos direitos de propriedade, entretanto cada
qual com a sua específica subordinação. Temos, dentro de tantas outras
possiblidades, os bens móveis, imóveis, urbanos, rurais ou ainda os materiais e
imateriais. O grande diferencial da propriedade imóvel está no seu substrato, oriundo
14
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Novos Aspectos da função Social no Direito Público. São
Paulo: Revista de Direito Público, 1987, p.40.
22
das regras e costumes atinentes às mais diversas sociedades, em face da
importância da propriedade imobiliária em garantir na maior parte do todo, que
tenhamos a completa aferição e desfrute dos outros “pétreos” direitos que nos são
garantidos, ou seja, é questionável se saúde, educação e bem-estar social, por
exemplo, podem ser usufruídos sem termos onde o fazê-los.
A função social neste contexto tem interpretação que transcende apenas as
suas limitações físicas; mas sim como uma possibilidade de promovermos a
existência digna e justiça social do membro e de seus entes familiares. Portanto, é
imperiosos traçar esta distinção e revestir o direito de propriedade com o formato
abrangente que tem, tornando mais fácil estabelecer adequadamente sua vital
posição, quanto à natureza e finalidade e quão essencial é para os direitos
individuais – e coletivos – arrolados em nossos valores, costumes e regras
normatizadas. Corroborando o texto constitucional sobre a propriedade e sua
função, o Código Civil ainda apresenta a seguinte conceituação no artigo 1.228, §1º:
“Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da
coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que
injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com
as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a
flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o
patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e
das águas”.
Tem-se por direito de usar aquele em que o proprietário pode usufruir de
todos os serviços que ela pode prestar. O direito de gozar consiste em auferir os
produtos – ou frutos – que esta propriedade possa gerar. E o direito de dispor, o
mais notável da trindade, é o poder de dar, alienar, gravar com qualquer tipo de
ônus legal e de submetê-la ao serviço de terceiro.
O direito de propriedade é geral, no sentido de que o proprietário pode tudo
sobre a coisa, salvo algumas exceções. Os outros direitos reais são limitados, não
são completos tão somente. Essas barreiras significam que elas abrangem apenas
alguns serviços ou utilidades da coisa, permanecendo os demais com o proprietário.
É possível distinguir tais critérios na norma e no próprio histórico jurisprudencial, no
que segue:
23
“Solo criado é o solo artificialmente criado pelo homem (sobre ou
sob o solo natural), resultado da construção praticada em volume
superior ao permitido nos limites de um coeficiente único de
aproveitamento. (...) Não há, na hipótese, obrigação. Não se trata de
tributo. Não se trata de imposto. Faculdade atribuível ao proprietário
de imóvel, mercê da qual se lhe permite o exercício do direito de
construir acima do coeficiente único de aproveitamento adotado em
determinada área, desde que satisfeita prestação de dar que
consubstancia ônus. Onde não há obrigação não pode haver tributo.
Distinção entre ônus, dever e obrigação e entre ato devido e ato
necessário. (...) Instrumento próprio à política de desenvolvimento
urbano, cuja execução incumbe ao Poder Público municipal, nos
termos do disposto no art. 182 da Constituição do Brasil.
Instrumento voltado à correção de distorções que o crescimento
urbano
desordenado acarreta,
à
promoção
do
pleno
desenvolvimento das funções da cidade e a dar concreção ao
princípio da função social da propriedade (...).” (RE 387.047, Rel.
Min. Eros Grau, julgamento em 6-3-2008, Plenário, DJE de 2-52008.) No mesmo sentido: RE 226.942, Rel. Min. Menezes Direito,
julgamento em 21-10-2008, Primeira Turma, DJE de 15-5-2009.”15
Tido o fenômeno da propriedade na própria natureza do homem e orientada
hoje à um sentido predominantemente social, torna-se secundária a busca pela
fixação de sua natureza jurídica, haja vista o caráter indelével na qual se encontra.
Na realidade, o curso da história encarrega-se de modificar, sem alterar na
substância, essa natureza. Da época em que o homem primitivo se apropria de bens
e utensílios para a caça e a pesca, passando por sua fixação permanente no solo,
até a concepção individual e social, cada momento histórico teve sua própria
axiologia a respeito da propriedade. A teoria da ocupação poderia justificar a
propriedade primitiva, antes do ordenamento do Estado. Com o advento da figura do
Estado, é este quem determina e organiza a propriedade. Unicamente, o direito
protege os direitos subjetivos. Desse modo, não só a propriedade, como qualquer
outro instituto jurídico, têm como denominador a lei.
Entretanto, não é apenas a lei que cria a propriedade. Esta decorre da própria
natureza humana, sendo que sua utilidade social deve ser mensurada em conjunto
com a proteção do direito garantidor da propriedade privada. Neste entendimento,
negar que a propriedade individual é absoluta e como recusar a própria natureza
humana.
15
Recurso Extraordinário n.º 387.047-5/SC. Disponível em http://jus.com.br/artigos/. Acesso em
29/07/2014.
24
Assim como em outros fenômenos sociais, como a família, o casamento e a
filiação, por exemplo, o conceito de propriedade altera-se no tempo e no espaço. O
passado ensina que todos esses fenômenos pendem ao caminhar das necessidades
sociais, uma após a outra. Como principio então, operador do direito deverá
descrever apropriadamente os fenômenos no presente, tendo a história como fonte.
Averba a professora Ligia Melo:
“Como organismo vivo a cidade passa pela história marcada por
fatos históricos, políticos, religiosos, culturais e econômicos que
produzem características em seu espaço transformando o ambiente
e definindo sua configuração sempre afeita à uma função social.”16
Com esta consideração, podemos presumir que a evolução das cidades, e de
consequentemente sua malha urbana habitável, é fruto de uma série de
modificações adaptativas ao meio social.
Avançar ao passo da história, tendo a sensibilidade de perceber as mudanças
sociais de seu tempo, é a chave. Contudo, do complexo jurídico ligado pelo
legislativo e pela jurisprudência, deve ser extraída a caracterização mais justa.
2.4.
Previsão
legal:
A
função
social
da
propriedade
sob
a
égide
constitucional.
Uma vez tida como exercício obrigatório da União, a politica urbanística, como
não poderia ser diferente, transfere subsidiariamente a responsabilidade do
cumprimento das diretrizes públicas para o poder público municipal e para o próprio
proprietário do bem imóvel, como instrumento de controle e efetivação das políticas
tracejadas na esfera superior estatal. A existência da tal obrigação jurídica de fazer,
consequentemente, acarreta em sanções para descumprimento deste ordenamento.
Declara o artigo 182, § 4º, I e III da CF/1988:
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo
Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
16
MELO, op. cit. p. 27.
25
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica
para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal,
do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida
pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com
prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros
legais”.
Desta maneira vemos a plataforma jurídica criada para atender os preceitos
constitucionais reservados ao cidadão, e à primeira vista, compreendemos que o
plano, em seu teor, foi habilmente montado pelo legislador. Ora, o Estado por si só
não poderia manter a ordem diante da inércia do povo em aguardar a solução
advinda do poder público.
As metas somente seriam alcançadas com a participação obrigatória do povo
neste processo e a medida sancionatória clarificada nos textos legais se tornou
indispensável para o processo de desenvolvimento urbanístico no país.
Diante dos critérios que qualificam aquele que pode ser penalizado pelo não
cumprimento dos preceitos legais da CF/88, podemos adir a subutilização àquele
imóvel do qual se tem aproveitamento inferior ao mínimo definido no plano diretor ou
em legislação dele decorrente, hipótese em que o proprietário será notificado pelo
Município, para cumprir com a obrigação imposta, sendo que esta notificação deve
ser averbada, à título de validade jurídica, junto ao Cartório de Registro de Imóveis
pertinente ao bem.
O parcelamento, utilização ou edificação compulsórios significam que o
proprietário deve dar uma adequada utilização do imóvel, principalmente, coibir a
especulação imobiliária, minimizar a expansão urbana, parcelar glebas ociosas,
diminuir custo do processo de urbanização, ampliar a oferta dos imóveis, revitalizar
os espaços degradados e fazer cumprir com a função social da propriedade urbana;
ou seja, usar devidamente o espaço ou efetuar o desmembramento oficial do bem
para o implemento das políticas de regularização fundiária ou realizar obras de
manutenção do prédio, evitar as construções clandestinas, primar pelo cumprimento
da servidão predial – como previsto no Código Civil vigente - e de priorizar obras de
saneamento junto ao bem, visando o bem da coletividade e como dito noutro lugar,
corroborando o cenário em busca da função social dos bens formadores da
26
comunidade congênere. Descreve o grande Nelson Saule Júnior sobre a origem do
dever dos proprietários de imóveis subutilizados:
“[...] proprietários de solo urbano não utilizado, não edificado ou
subutilizado, de compatibilizar o uso de seus imóveis com as
necessidades e demanda de moradias nas cidades, em especial, das
populações sem moradia digna, que vivem em nossas metrópoles.”17
É certo dizer que, apesar do caráter inviolável dado pela Constituição de 1988
ao direito de propriedade, este anda em conjunto com a sua função social. Foram
editados dispositivos legais que invadem, em um bom sentido, o direito do
proprietário para a concretização de sua finalidade. Reza, por exemplo, o artigo 5º,
XXV da CF/88:
“Art. 5º: No caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar a propriedade particular, assegurada ao proprietário
indenização ulterior, se houver dano”.
Na ocasião de risco público, o imóvel pode ser requisitado pelo governo
regente à fim de propiciar a segurança dos demais além a do patrono do bem. A
requisição pode ser caracterizada pela suspensão temporária do direito absoluto em
face de um bem maior, retirando-lhe neste ínterim tão somente a posse, com direito
inclusive, de indenização certa se houver alguma perda material durante este
período. Cabe frisar que não é necessário a caracterização do perigo, bastando a
suspeita que algo, imperiosamente, irá trazer risco ou dano à uma parcela da
população junta as área limítrofes do imóvel.
Configura-se inclusive, como forma de limitação ao direito de propriedade, a
ocupação temporária (a ocupação de um imóvel para guarda dos equipamentos que
estão realizando uma obra de interesse público), a limitação administrativa (a
imposição de limites para a altura dos muros que rodeiam o bem ou o recuo de
calçada para passagem pública) e o tombamento (restrições quanto ao uso do
imóvel para preservação do patrimônio histórico, artístico, cultural, científico e de
coisas ou locais que devam ser preservados) como alguns exemplos, que, mesmo
sendo meios de intervenção diferenciados, não implicam diretamente na perda da
posse, criando, uma menos e outra mais, o direito de propriedade. Todas estas
17
SAULE JUNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto
Alegre: Sergio Antônio Fabris Editor, 2004, p. 216.
27
atitudes devem ser encharcadas por extrema necessidade e sempre são, na quase
totalidade das situações, as últimas das demandas a serem invocadas pelo poder
estatal.
De certo, cremos que a intenção da Magna Carta não foi camuflar um controle
ao direito de propriedade, mas sim, criar maneiras de que a sua função seja em prol
de um conjunto e não de um único particular.
2.5.
A conjuntura das modalidades da aquisição da propriedade imóvel
2.5.1. Conceito
O direito brasileiro não compreende a aquisição da propriedade senão pela
tradição ou pelo registro, que nada mais representa a formalização da tradição. O
simples acerto de vontade entre as partes não satisfaz os requisitos mínimos
exigidos pela ordem normativa. Há de se falar ainda, conforme ascendente corrente
doutrinária, na aquisição por meio informal, que se sedimenta na condição da
ocupação de terra na qual há a existência de assentamentos informais, em latente
processo de regularização. Sobre este tema, completa Lígia Melo:
“Sua existência não é nem conjuntural e nem eventual, mas
consequências do descompasso entre condições sociais e
econômicas e os padrões urbanísticos estabelecidos em lei
agregados à falta de organização e planejamento das esferas
públicas competentes.”18
As formas de aquisição da propriedade classificam-se em originárias e
derivadas e dentre estas, podem ser à título universal ou título singular, que
correspondem a aquisição por sub-rogação no direito na esfera universitas juris e
pela compra de bem individualizada como num contrato de compra e venda ou na
aquisição de um legado, por exemplo.
2.5.2. Meios Formais
Pela formalidade do processo, adquire-se, como dito no tópico anterior, a
propriedade de modo originário ou derivado, sendo que respectivamente, quando
ocorre na inexistência de relação jurídica e quando ocorre mediante à contrato ou
18
MELO, op. cit., p. 175
28
relação jurídica junto ao seu proprietário antecessor, tendo como regra fundamental
a impossibilidade da transmissão de direitos além dos que detêm. Estão abaixo
arrolados os tipos de aquisição por meios formais.
I. Da Aquisição por Registro do Título: Elencada nos artigos 1.245,
1.246 e 1.247 do Código Civil, a aquisição da propriedade imóvel pelo
registro do título é a transferência entre vivos da propriedade mediante
o registro do título translativo no Registro de Imóveis competente. Se
não houver o registro público, não se torna eficaz a transferência. O
artigo 1.247 traz ainda a possibilidade do exercício do Direito de
Sequela, o qual cancela o registro no caso em que não esteja impressa
a verdade.
II. Da Aquisição por Acessão: configura-se no aumento do volume ou
do valor da coisa principal, em virtude de um acontecimento externo. A
Acessão é pode ser dividida em cinco espécies: Acessão por formação
de ilhas (Artigo 1.249 CC/02), Acessão por aluvião (Art. 1.250 CC/02),
Acessão por avulsão (Artigo 1251 CC/02), Acessão por álveo
abandonado (Artigo 1.252 CC/02), Construções e plantações (Artigos
1.253 à 1.259 do CC/02)Construção em imóvel alheio (Artigo 1.258 do
CC/02) ;
III. Da Aquisição por Usucapião: é o modo originário de aquisição de
propriedade, através da posse mansa e pacífica, com ânimo de
habitação, por substancial espaço de tempo, e mediante requisitos
previstos em lei. É considerada como forma originária de aquisição de
propriedade, haja vista o adquirente não ter relação alguma com o
antigo proprietário do bem. Para a concretização da usucapião, como
em qualquer outro instituto jurídico, é requerida a presença de alguns
pré-supostos, os quais seguem: Res habilis – deve tratar-se de coisa
hábil, já que não poderá ser coisa tida fora do comércio assim como
não pode ser bem público; Bona Fides – A presença de boa-fé se
materializa pela ausência do vício em ocupar o imóvel, crendo assim o
ocupante na impossibilidade do imóvel ter proprietário em face do
abandono; Titulus – A lei condiciona o usucapião ao fato do possuidor
29
possuir justo título capaz de transferir-lhe a propriedade se proviesse
do verdadeiro dono. Possessio – É a posse mansa e pacífica, sem
oposição e não clandestina; Tempus – é o tempo que a posse contínua
e ininterrupta deverá perdurar de acordo com o disposto em lei, neste
caso, presente no artigo 1.242, par. Único, do CC/02. Existe ainda a
corrente, defendida principalmente por Silvio Rodrigues, que afirma a
figura da sentença judicial como requisito da usucapião, já que este
somente estará completa mediante a determinação judicial. Segue
decisão (ementa) do TJ/PR, sobre a obrigatoriedade dos requisitos
mínimos para a concessão do usucapião:
“AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DE DESPEJO.
AÇÃO INCIDENTAL DE ATENTADO. PROCESSOS REUNIDOS.
JULGAMENTO CONJUNTO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA
AÇÃO DE DESPEJO E IMPROCEDÊNCIA DAS AÇÕES DE
USUCAPIÃO E DE ATENTADO. RECONHECIMENTO DA
EXISTÊNCIA DE CONTRATO VERBAL DE LOCAÇÃO RELATIVO
AO BEM EM LITÍGIO. AUTORES DA AÇÃO DE USUCAPIÃO QUE
RECORREM DO DECISUM. NÃO PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS NECESSÁRIOS À AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE.
POSSE DECORRENTE DE CONTRATO DE LOCAÇÃO VERBAL
OU MERA PERMISSÃO DE USO QUE NÃO CONDUZ AO
DOMÍNIO. AUSÊNCIA DE ANIMUS DOMINI. RETENÇÃO POR
BENFEITORIAS. IMPOSSIBILIDADE. ADEQUAÇÃO DO IMÓVEL À
FINALIDADE
COMERCIAL.
BENFEITORIAS
NÃO
INDIVIDUALIZADAS OU COMPROVADAS. ACESSÕES QUE NÃO
INDUZEM AO EXERCÍCIO DE DIREITO DE RETENÇÃO.
SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO DESPROVIDO. Restando
evidenciada a existência de contrato de locação do imóvel objeto do
litígio, ausenta-se o "animus domini" dos autores da ação de
usucapião, requisito este indispensável para o reconhecimento da
prescrição aquisitiva.”19
A usucapião pode ser dividida nas seguintes formas: Usucapião
Extraordinária (Artigo 1.238 CC/02), que consiste na moradia
ininterrupta e sem oposição de imóvel pelo prazo de 15 anos, mesmo
que sem justo título ou boa-fé sendo que tal prazo pode ser reduzido
para 10 anos caso sejam feitas obras de caráter produtivo, a
Usucapião Ordinária, que se difere da modalidade extraordinária
somente pela presença de justo título e boa-fé, sendo que o prazo
desta é de 10 anos e se o título for registrado em cartório, o mesmo
19
Disponível em http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/. Acesso em 18/05/2014.
30
cairá para 05 anos. Temos ainda a Usucapião Constitucional Rural,
que é prevista nos artigos 190 e 191 da CF/88 e 1.239 do CC/02,
consiste na ocupação, por pelo menos 05 anos, de área rural com
limites que não ultrapassem 50 hectares e que a área seja tornada
produtiva
pelo
ocupante;
a
Usucapião
Constitucional
Urbana,
administrada pelos artigos 183 da CF/88, 1.240 do CC/02 e pelo artigo
09 da Lei 10.257/2001, prevê que a ocupação mansa de imóvel
urbano, com ânimo de habitação do grupo familiar, por 05 anos, sendo
que este não ultrapasse 250,00m.². Por fim, temos o Usucapião
Especial Urbano Coletivo que consiste em áreas urbanas com mais de
duzentos e cinquenta metros quadrados, ocupadas por população de
baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem
oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por
cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente,
desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel
urbano ou rural. Tal condição é tutelada pelos artigos 10 ao 14 da Lei
10.257/2001.
2.5.3. Meios Informais
Criado por uma jovem corrente de juristas nacionais, a informalidade da
aquisição dos bens imóveis dar-se à pela invasão de áreas não habitadas, que
tornam-se assentamentos irregulares, nas quais não houve o reclame da posse por
outrem. Não confunde-se com usucapião especial urbano coletivo pois neste caso,
as áreas estão desnudas de benefícios legais e não estão aptas a regularização,
mediante a impossibilidade legal (área pertencentes ao Estado, por exemplo) ou
pela oposição injusta de terceiro não beneficiado. Fruto de uma expansão
demográfica que atinge limites inconcebíveis para a regularização fundiária de
responsabilidade estatal, os grandes centros populacionais são atingidos por esta
forma de aquisição na qual o direito de quem ocupa estes locais, ainda que não bem
definido, deverá ser observado através de um olhar jurídico, que contemple a
existência de um bem à ser tutelado.
A dualidade entre a inexistência da formalidade do processo de aquisição da
moradia e da garantia constitucional que declara a propriedade como bem atinente
31
ao cidadão, oferta ao legislador o campo de arguições que deverá ser ponderando
perante pela real necessidade dos membros ocupantes destes locais. É claro que o
crescente aumento no número destas invasões, indubitavelmente, iriam gerar as
conhecidas favelas.
Para que seja iniciado o processo de regularização destas áreas, o poder
público não pode estar refém da ausência de serviços básicos que mantém
estabilizada a vivência da comunidade neste local. É requerido um planejamento
estratégico que preveja a construção de escolas, hospitais, centros comunitários,
áreas de lazer e esportes, saneamento e segurança – sendo que todos devem
atender, mesmo que moderadamente, os habitantes desta região.
A explosão demográfica, oriunda das sociedades de cultura exclusivamente
praticantes da agricultura de subsistência e que foi iniciada ainda na década de 60,
trouxe muitos problemas além da questão fundiária. Os indivíduos emigrantes, certos
de uma vida mais confortável, incharam o sistema de serviços sociais que era
preparado para um quantitativo menor de clientes, formaram um sociedade à
margem do envolvimento, seja por falta de oportunidade ou seja por falta de
educação, germinando uma geração que vemos na atualidade; criminalizada e sem
perspectivas de envolvimento social. De acordo com Almeida e Abiko (2000, p. 28),
a impotência do Estado em resolver a questão das favelas prejudica não só uma
parte da sociedade -- os moradores dessas favelas --, mas ela como um todo, pois,
ao ocuparem as diferentes áreas urbanas, acabam provocando alterações em
relação ao uso pretendido, penalizando tanto o meio ambiente quanto à população
moradora da cidade em geral.
3. A função social da propriedade e os programas habitacionais no SFH
3.1.
Sistema Financeiro Habitacional – SFH
Ao tratarmos dos princípios sociais da propriedade imóvel, e principalmente
de sua destinação como instrumento de organização social sustentável, não
podemos distanciar-nos das políticas habitacionais disponíveis em nosso Estado.
Para isso, foi criado em uma primeira tentativa, o Sistema Financeiro Habitacional
(SFH), que dita, desde então, os parâmetros de concessão de financiamentos
habitacionais ou projetos de assentamentos populares pautados nas concessões de
crédito, dentro ou fora da malha urbana municipal, a qual abarca as diretrizes do
32
Governo
Federal,
que
fluem
através
de
instituições
de
cunho
também
governamental, bem como as de iniciativa privada ou das sociedades de economia
mista, como as autarquias federais. Ou seja, funciona como órgão normatizador das
atividades ligadas ao crédito imobiliário em si.
O SFH foi de grande valia para o crescimento do setor habitacional no país. O
cenário antes de sua convenção era impropício, burocrático e principalmente
escasso, como observamos nos dizeres do mestre Cláudio Marques:
“A alternativa natural de obtenção de um financiamento para a
aquisição da casa própria era, antes do advento da lei,
extremamente dificultada pela falta de segurança da operação, em
razão da inexistência de regras claras e duradouras que pudessem
atrair o investidor, detentor do dinheiro necessário para lastrear os
empréstimos habitacionais e, sobretudo, pela constância de um
regime inflacionário que impactava na rápida deterioração do capital
mutuado, que retornaria em delongados períodos de amortização,
sem qualquer instrumento legal de recomposição monetária do
capital originalmente emprestado.”20
Complementa Olindo Menezes:
“É que se trata induvidosamente de matéria de forte apelo social,
pela tormentosa questão que é a moradia hoje no País e no mundo,
onde milhares de pessoas, sobretudo nas grandes metrópoles,
simplesmente não têm um teto para abrigar a cabeça. Já se fala
mesmo que o direito à moradia deve ser incluído entre os direitos
fundamentais do homem.”21
Com a instauração da Lei n.º 4.380/64, o SFH trouxe, ao cenário daqueles
idos, uma nova roupagem quanto às modalidades e métodos de expansão
imobiliária, com ênfase especial na aplicabilidade do crédito, que sempre foi o
principal vetor do assunto abordado. Como dito por Sérgio Souza22, a Lei 4.380/64
foi uma das mais importantes medidas governamentais em termos de política
habitacional, tendo em vista que, com a implantação desse novo sistema, procurou-
20
MARQUES, Cláudio Gonçalves; Evolução Histórica do SFH. Disponível em
<http://bdjur.stj.gov.br/>. Acesso em 05/11/2011.
21
MENEZES, Olindo Herculano de; Observação sobre o Sistema Financeiro da Habitação.
Disponível em < http://bdjur.stj.gov.br/>. Acesso em 05/11/2011.
22
SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação: Análise Comparativa e
suas Implicações Teóricas e Práticas com os Direitos da Personalidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 37.
33
se solucionar a histórica problemática existente nesse setor, com a atuação conjunta
do Estado, dos agentes financeiros e da sociedade civil com um todo.
De modo à complementar o SFH, foram criados ainda o BNH (Banco Nacional
de Habitação) destinado à ser braço fomentador e o SBPE (Sistema Brasileiro de
Poupanças e Empréstimos) que é, até os dias de hoje, fundo de dotação
orçamentária para as operações imobiliárias. Logo após, em 1967, nascia o FCVS
(Fundo de Compensação de Variações Salariais), para que subsidiariamente,
mantivesse a harmonia do SFH.
Como era esperado, dado o seu bojo social, é necessária a análise de duas
vertentes cabais ao êxito do plano, a da boa-fé subjetiva e da boa-fé objetiva, uma
vez que em conjunto demonstram a intencionalidade do operador estatal em
promover tais mudanças através do recém-criado sistema, integrando a sociedade
como parte no desenvolvimento do projeto. Assim sendo, as condições abordadas
pelo SFH eram, assim como o princípio social, diretamente ligadas ao pacto
contratual, uma vez que tratamos ainda de relação legal, de negócio jurídico. O
princípio da boa-fé, originada muito após o Direito Romano, e sim advinda do Direito
Canônico, mais como uma idéia e não como uma orientação normativa, foi inovador
e essencial ao processo de sedimentação do sistema. Ora, era necessária a
coobrigação das partes envolvidas, mediante o comprometimento formal e
ideológico destas, para que fosse implementada a nova política social no nosso
sistema jurídico. Sobre a importância da boa-fé nos contratos, relata-nos Fernando
Noronha:
“...a primeira diz respeito a dados internos, fundamentalmente
psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito, a segunda a
elementos externos, a normas de conduta, que determinam como ele
deve agir.
(...) A distinção é pertinente, porque a boa-fé contratual é a objetiva –
e, aliás, os contratos são o principal campo de aplicação da boa-fé
objetiva.23
Temos então a intenção do indivíduo, em efetivar as cláusulas contratuais,
como termo subjetivo e a conduta objetiva como parâmetro de comportamento social
para cumpri-las. Seria preciso a integração dos ideais do Governo, da sociedade e
dos mediadores para que as engrenagens do SFH ficassem alinhadas e eficazes.
23
NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e Seus Princípios Fundamentais: Autonomia
Privada, Boa-Fé, Justiça Contratual. São Paulo: Saraiva, 1994.p. 131.
34
Diante destas colocações, podemos conceber, fazendo nossas as palavras de
Antônio Carlos Efing, que o contrato de financiamento imobiliário nos molde do SFH
“são aqueles ajustados por meio de contrato de mútuo para a aquisição da casa
própria ou de abertura de crédito para a construção de unidades habitacionais. (...)
Os contratos de financiamento imobiliário, a exemplo dos demais contratos
bancários, apresentam cláusulas uniformes, impossibilitando o exercício do princípio
da autonomia da vontade, quer o que respeita à determinação de seu conteúdo,
quer no que respeita à escolha do outro contratante, tratando-se de típico contrato
de adesão.”24
A implantação desse novo sistema habitacional tinha como finalidade
precípua a disponibilização e proteção de um benefício a longo prazo, que facilitaria
a aquisição da casa própria por milhares de pessoas das camadas sociais de baixo
poder econômico.25
Fato é que, a origem desta sistemática governamental é fruto, mesmo que
tardio, da época em que foi abolida a escravatura. Segundo o descrito por José
Maria Aragão26, a liberdade dos negros aliada à falta de condições mínimas para
aquisição de bem imóvel em área urbanizada, mesmo que parcialmente estruturada,
contribuiu para a expansão de vilas e povoados com qualidades rústicas e
intrinsecamente ligados à falta de higiene e habitabilidade. De modo a sanar estas
deficiências, foi necessária a intervenção governamental no setor urbano, durante a
presidência de Rodrigues Alves (1910-1914), quando se procurou condições de
saneamento mais propícias para a Capital da República, com a construção das
redes de esgoto e água potável. Nessa época, começaram a serem esboçados as
favelas e os cortiços e foi neste momento que se obteve a consciência de que o
problema da saúde pública estava vinculado ao crescimento descontrolado desses
aglomerados populacionais.27
Porém, o grande abalo causado no âmbito imobiliário só ocorreu no segundo
governo de Getúlio Vargas, quando houve o intermédio dos institutos de previdência
e da então prefeitura do Distrito Federal, sendo que os primeiros reorientaram suas
atividades, deslocando-as, de forma progressiva, dos financiamentos individuais à
24
EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do
Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 138 e ss.
25
Ibid.
26
ARAGÃO, José Maria. Sistema Financeiro da Habitação: Uma Análise Sócio-Jurídica da
Gênese, Desenvolvimento e Crise do Sistema. Curitiba: Juruá, 1999. p. 56.
27
ARAGÃO, op. cit., p. 59.
35
construção de conjuntos de grande porte e a segunda promovia ações no sentido da
erradicação de algumas favelas, buscando a remoção de seus moradores para
conjuntos habitacionais localizados em áreas já urbanizadas. Estas ações foram
baseadas em um plano elaborado pela Comissão de Estudos dos Problemas de
Higienização das Favelas, criado pela Prefeitura do Distrito Federal em 1942, o que
culminou nas décadas seguintes, a criação do SFH.
É mister salientar os demais pontos decisivos deste sistema, que já passou
por diversas alterações ao passar do tempo, os quais se conjugam pela definição da
origem dos recursos que seriam destinados ao fomento habitacional, tornando-se o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e o Sistema Brasileiro de
Poupanças e Empréstimos (SBPE), os mais importantes entre os fundos que dariam
o lastro financeiro para sustentar o grande quantitativo de operações pleiteadas; a
criação das condições de correção dos contratos sob a égide do sistema, com
interesse em evitar a cobrança abusiva de juros em face dos longos prazos dos
financiamentos imobiliários – o que se mostrou falível como veremos – e a
padronização das prestações em acordo com o salário mínimo e suas alterações,
feitas uma vez ao ano, chamado de Plano de Equivalências Salariais (PES).
Naqueles idos, o SFH agia com imponência, mas logo passou a sofrer com a
crise econômica internacional na década de 80 e os fortes impactos que causavam
internamente, conforme orienta-nos Cláudio Marques:
“A fórmula funcionou bem até o início da década de 80, atendendo parte da
demanda até então reprimida. Mas, a crise econômica internacional e seus
reflexos internos já se faziam sentir no sistema... para que houvesse
equilíbrio entre os recursos captados e aqueles aplicados no SFH, foi
introduzida a correção monetária nos financiamentos, criando-se a Unidade
Padrão de Capital (UPC). Porém, o sistema já nascia com um descompasso
entre a periodicidade de correção do saldo devedor e o reajuste das
prestações, que somente ocorria sessenta dias após a data de vigência da
alteração do salário mínimo. Esse descasamento gerava saldo devedor
residual no final do contrato, pois o valor das prestações, ao longo do prazo
de financiamento, tornavam-se insuficientes para uma amortização real e
28
positiva.”
Posiciona-se Cláudio Hamilton Santos:
“É fácil perceber que, em um contexto de inflação moderada, esse
descasamento entre os reajustes das prestações e dos saldos devedores
não é particularmente grave (no caso limite de inflação zero, obviamente, é
28
Ibid.
36
nenhum). Com efeito, até 1979, quando a taxa anual de inflação não passou
de 45%, o SFH não teve maiores problemas. A aceleração da inflação para
os patamares de 100%, em 1980, e de 200%, a partir de 1983, em virtude
dos sucessivos choques externos adversos que abalaram a economia
29
brasileira, entretanto, mudou radicalmente o quadro.”
Não obstante, em decorrência da desorganização institucional gerada ao final
da década de 80, logo após a áurea época do SFH, quando tínhamos altos índices
de emprego, bastante consumismo e o investimento massivo no setor habitacional,
foram gerados índices inflacionários elevadíssimos, bem como pelas formas distintas
de reajuste do saldo devedor e das prestações, associadas aos sub-reajustes
concedidos pelo Governo e de seus tão discutidos “planos econômicos”, foram
gerados imensos saldos devedores, os quais resultaram, aos contratos de
financiamentos habitacionais, saldos residuais mesmo após a finalização do prazo
de amortização destes, cujo pagamento, logo após foi assumido pelo Fundo de
Compensação de Variação Salarial (FCVS), que se responsabilizava pelo
pagamento destes resíduos por ocasião da última prestação paga pelo mutuário ao
término do contrato, ou seja, a garantia de quitação de saldo remanescente.
Deste modo, o resultado não poderia ser outro senão a superinflação do
fundo compensador e a desestabilização do BNH.
É de salutar friso que a época de transição entre o governo militar e o civil foi
o golpe final para a decadência do Sistema. O fim do Banco Nacional da Habitação
(BNH), a destituição do Fundo de Compensação da Variação Salarial (FCVS) dos
contratos de financiamento em face dos prejuízos causados à economia nacional, e
principalmente a recessão econômica por conta da inflação inquietante, foram molas
mestras para a escassez de recursos para o SFH, e a moldagem de contratos
desequilibrados quando da busca e utilização de empréstimos.
Em tempo, cabe frisar, que tais valores eram deveras superiores ao montante
contribuído pelos mutuários, ocasionando uma incomensurável dívida ao cito fundo,
na qual, visando a pacificação entra a relação dos mutuários e a economia
exacerbada, foi absorvida pelo Tesouro Nacional, conforme informado por Carneiro
e Valpassos30.
29
SANTOS, C. H. M. Políticas Federais de Habitação no Brasil: 1964/1998. Texto para
Discussões n.º 654. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 1999, p. 14.
30
CARNEIRO, Dionísio Dias; VALPASSOS, Marcus Vinicius Ferrero; Financiamento à Habitação e
Instabilidade Econômica: Experiências Passadas, Desafios e Propostas para a Ação Futura.
Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 42.
37
As atividades atinentes ao BNH foram, de fato, assumidas pela Caixa
Econômica Federal, enquanto o “depredado” FCVS deixou de existir a partir da Lei
8.692/93, dada a insustentabilidade do programa.
De modo à sanar o cenário falido, no período de gestão do presidente
Fernando Henrique Cardoso, que vai de 1995 até 2002, a principal medida para
impulsionar o setor habitacional, e certamente a medida de maior impacto dos
últimos 20 anos, foi a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), por
meio da Lei no 9.514/97. A lei de criação do novo sistema teve como base as
diversas experiências desenvolvidas no setor habitacional ao redor do mundo,
possuindo, ao seu termo, características mais próximas do modelo norte-americano,
sendo que os recursos provêm da securitização dos créditos imobiliários, não
possuindo qualquer idealização para o público de baixa renda e, portanto, evitando a
contaminação entre as operações livres com as operações sociais, dotadas
majoritariamente de recursos orçamentários.
Outra novidade foi a criação da Alienação Fiduciária, uma ficção jurídica que
dava mais autonomia à garantia da operação, por ter o processo de execução mais
tempestivo, tendo sido acrescentada ao Código Civil em sua última reformulação.
3.1.1. Conselho Curador do FGTS
Atualmente a Caixa Econômica Federal é a operadora do FGTS 31, de modo
que é de sua exclusiva responsabilidade o recolhimento dos depósitos efetuados
aos empregados pelos empregadores da iniciativa privada, que trabalham sob o
regime da CLT. Como sabido, o FGTS, hoje em dia, a principal fonte de recursos
para as operações de financiamento à pessoa física, e dada a sua natureza, é
possível a aplicação de taxas de juros mais acessíveis, prazos flexíveis e ainda a
31
São as atribuições do Agente Operador do FGTS:
I) definir e divulgar os procedimentos operacionais necessários à execução do Programa;
II) controlar e acompanhar a execução orçamentária do programa;
III) cadastrar e credenciar entidades não financeiras e habilitar os agentes financeiros para atuar nos
Programas de Aplicação dos Recursos do FGTS;
IV) analisar as propostas de operações de crédito, pronunciando-se quanto a sua viabilidade e
enquadramento nos objetivos do Programa;
V) contratar operações de crédito previamente hierarquizadas e selecionadas, desde que
consideradas viáveis, acompanhando a sua execução e zelando pela correta aplicação dos recursos;
VI) acompanhar e orientar a atuação dos Agentes Financeiros, com vistas à correta aplicação dos
recursos do FGTS;
VII) acompanhar, por intermédio dos Agentes Financeiros, a atuação dos Agentes Promotores e/ou
Mutuários Finais, identificando eventuais irregularidades na sua atuação;
38
concessão de subsídios como bônus e incentivo à prática do financiamento, como
nos casos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).32
Para o direcionamento estratégico destes recursos, além de ser inerente à
sua posição, o Conselho Curador do FGTS representa o órgão que define as
condições básicas para que a CEF atue nesse nicho operando com o fundo. O
Conselho Curador do FGTS é atualmente administrado de forma tríplice, pois
apresenta dirigentes que representam o poder governamental, do empresariado e
dos trabalhadores (art. 3º da Lei. n.º 8.036), que buscam o consenso na aplicação
dos recursos, que montam aproximadamente R$ 207 bilhões de reais, em especial
na política habitacional.
O FGTS foi instituído pela Lei n.º 5.107 de 13/09/1966, porém, em 11/05/1990
passou à ser regido pela Lei n.º 8.036, que, de acordo com seu Artigo 5º, diz:
Art. 5º - Ao Conselho Curador do FGTS compete:
I - estabelecer as diretrizes e os programas de alocação de todos os
recursos do FGTS, de acordo com os critérios definidos nesta lei, em
consonância com a política nacional de desenvolvimento urbano e as
políticas setoriais de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana estabelecidas pelo Governo Federal;
O FGTS é usado como fonte de recursos financeiros nas políticas voltadas
para habitação social desde 1998, com a publicação da Resolução n.º 289/90 do
Conselho Curador de FGTS, que neste interim já investiu R$ 42,2 bilhões de reais
em financiamentos habitacionais.
De modo à seguir as orientações quanto a função social do imóvel, o
Conselho Curador do FGTS estipulou regras de concessão que eliminam as
possibilidades de utilização do recurso quando há a intenção de adquirir bem imóvel
sem fins de moradia, ou seja, com objetivos de aferir renda ou enriquecimento
pessoal com o aumento do patrimônio. Por tratar-se de dotação orçamentária
oriunda de recurso comum ao trabalhador, o enquadramento das operações ocorre
de forma linear e igualitária à todos, independentemente se o trabalhador possui ou
32
A distribuição dos recursos do Orçamento Operacional do FGTS para 2010, bem como as diretrizes
e os procedimentos gerais no que se refere à distribuição, aplicação e ao controle dos recursos do
FGTS, foram divulgados por meio da IN do MCIDADES 68/2009, suas alterações e aditamentos e por
meio das Circulares CAIXA 501/09 e 541/11, suas alterações e aditamentos, respectivamente. Trecho
retirado
do
Manual
de
Fomento
de
Pessoa
Física.
Disponível
em
<www.caixa.gov.br/downloads/MFOM_CCI_versao_3_21_08.09.2011.pdf>. Acesso em 08/11/2011.
39
não saldo de FGTS em sua conta vinculada, bastando tão somente que haja a
apresentação dos requisitos necessários.
Há ainda a Resolução n.º 380/02, que rege a utilização dos recursos de FGTS
na compra de bem imóvel na modalidade de consórcio, a qual contém regras
congêneres à Resolução 289/90.
3.2.
Banco Nacional de Habitação – BNH
Outra grande ferramenta criada foi o Banco Nacional de Habitação (BNH),
órgão orientador e fiscalizador das operações efetivadas através dos agentes
financeiros previstos no artigo 2º da Lei n.º 4380/6433, porém extinto em 1986,
através do DL 2.291, sendo suas atividades, a partir deste momento, de
responsabilidade da Caixa Econômica Federal, considerado o maior agente de
politicas públicas do país. O BNH tem sua importância na formação da atual
conjuntura mercadológica quando nos referimos à propriedade imóvel. Temos a
concepção de Adauto Cardoso sobre o BNH:
“O modelo de política habitacional implementado a partir de 1967
pelo Banco Nacional de Habitação baseava-se em um conjunto de
características que deixaram marcas importantes na estrutura
institucional e na concepção dominante de política habitacional nos
anos que se seguiram.”34
Assim, a magistratura, principalmente nas ações correntes na Justiça Federal,
vem, vez a vez, sedimentando o entendimento de que a CAIXA é parte legal para
figurar em qualquer polo das ações, por representar o sucessor legal do BNH,
conforme podemos ver nos anais jurisprudenciais:
“...quando da análise dos autos, que a CEF é parte ilegítima para
figurar no pólo passivo da presente demanda. É induvidoso que a
CEF sucedeu o extinto Banco Nacional da Habitação - BNH em
todos os seus direitos e obrigações conforme estipulou o Decreto-Lei
33
Art. 2º O Governo Federal intervirá no setor habitacional por intermédio:
I - do Banco Nacional da Habitação;
II - do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo;
III - das Caixas Econômicas Federais, IPASE, das Caixas Militares, dos órgãos federais de
desenvolvimento regional e das sociedades de economia mista.
34
CARDOSO, Adauto Lúcio. Política Habitacional no Brasil: Balanço e Perspectivas. Disponível
em <http://www.observatoriodasmetropoles.ufrj.br/download/adauto_polhab_brasil.pdf>. Acesso em
07/11/2011.
40
nº 2291 /86. Contudo, o seu interesse nas causas relativas aos
financiamentos pelo SFH só se faz presente quando houver
comprometimento do Fundo de Compensação de Variações Salariais
(FCVS). Naqueles contratos em que não se fez a previsão de
cobertura de eventual saldo devedor existente ao fim da avença pelo
FCVS, está ausente qualquer interesse federal, sendo de natureza
estritamente privada. Desta forma, não se justifica a presença da
CEF como litisconsorte do agente financeiro e, conseqüentemente,
resta afastada a competência da Justiça Federal, nestas hipóteses.
Ratificando esse entendimento, decidiu o STJ por diversas vezes,
verbis: "CONFLITO DE COMPETÊNCIA - SISTEMA FINANCEIRO
DA HABITAÇÃO A Caixa Econômica Federal é litisconsorte
necessária apenas nas causas que possam comprometer o Fundo
de Compensação de Variações Salariais - F. C. V. S. Conflito de
competência conhecido para declarar competente o Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul."(STJ, CC 22288/RS, Rel.
Min. Ari Pargendler, 2ª Seção, unânime, julgamento em 12/05/99).
"PROCESSUAL CIVIL - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
- SFH - CONSTITUIÇÃO FEDERAL , ART. 109 , I . 1. Em litígio
originado de contrato de financiamento de casa própria, regrado por
normas gerais do SFH, verificado que será afetado o Fundo de
Compensação de Variações Salariais - FCVS, descortina-se o
interesse da Caixa Econômica Federal, ficando configurado o
litisconsórcio necessário e avivada a compet6encia da Justiça
Federal. 2. Conflito conhecido, declarando-se a competência da
Justiça Federal."(STJ, CC 20603/RS, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, 1ª
Seção, unânime, julgamento em 29/02/2000)."SFH - AÇÃO
CONSIGNATÓRIA - REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES - INTERESSE
DA CEF - FCVS - COMPETÊNCIA...”35
Apesar de ter sido criado pelo SFH, quando de seu concomitante início, o
Banco Nacional de Habitação (BNH), foi o principal administrador das premissas do
SFH, pois era substancializado como entidade e não como regra, além de agir
diretamente nos bancos que eram capazes de serem agentes operadores das
políticas habitacionais, não tendo a incumbência de atender o consumidor final.
De qualquer forma, era responsável pelo estabelecimento das condições
gerais dos financiamentos do SFH, suas taxas de juros, condições de pagamento e
enquadramento do proponente, além, de, ao final de tudo, propiciar o retorno correto
dos recursos investidos aos cofres públicos de modo à não esvaziar as reservas
para os novos mutuários. Tinha ainda como responsabilidade subsidiária a
assistência ao SFS (Sistema Financeiro de Saneamento). As principais rotinas do
BNH eram:
35
Tribunal Regional Federal 2ª Região - APELAÇÃO CIVEL: AC 133649 97.02.07511-4. Disponível
em <http://www.jusbrasil.com.br>. Acesso em 10/02/2014.
41
I) Criação de um sistema de financiamento que permitiu a captação
de recursos específicos e subsidiados (apoiado no Fundo de
Garantia de Tempo de Serviço e no Sistema Brasileiro de
Poupança e Empréstimo), chegando a atingir um montante
bastante significativo para o investimento habitacional;
II) Criação e operacionalização de um conjunto de programas que
estabeleceram, a nível central, as diretrizes gerais a serem
seguidas, em nível descentralizado, pelos órgãos executivos;
III) Criação de uma agenda de redistribuição dos recursos, que
funcionou principalmente a nível regional, a partir de critérios
definidos centralmente; e
IV) Criação de uma rede de agências em nível local (principalmente
estadual), responsáveis pela operação direta das políticas.
3.3.
Dos programas habitacionais vigentes: análise jurídica
Partindo do ponto em que a política habitacional, em grande parte, foi
esculpida para a pulverização de oportunidades aos mais necessitados, que
representam o viés de maior volume em nossa composição social, temos de remeter
nossa análise à segregação da realidade histórica com a virtualidade esboçada pelo
SFH. Desde o início do Sistema, foi perceptível que a participação da camada social
menos provida foi igualmente a menos beneficiada com os financiamentos oriundos
do SFH. É destacável o dizer de Cláudio Hamilton Santos, sobre a disparidade das
primordiais concessões, datadas da década de 60:
“Com efeito, somente 33,5% das unidades habitacionais financiadas
pelo SFH ao longo da existência do BNH foram destinadas à
habitação de interesse social e, dado que o valor médio dos
financiamentos de interesse social é inferior ao valor médio dos
financiamentos para as classes de renda mais elevada, é lícito supor
que uma parcela ainda menor do valor total dos financiamentos foi
direcionada para os primeiros.”36
36
SANTOS, C. H. M. Políticas Federais de Habitação no Brasil: 1964/1998. Texto para
Discussão n.º 654. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 1999, p. 73.
42
Mesmo com as dificuldades enfrentadas pelo SFH, após duas décadas de
vigência, o respeito às diretrizes foram conturbados por uma história marcada de
atropelos administrativos e episódios de desprezo ao apelo social. Exemplos como a
instauração do governo militar, cerceando todo e qualquer “grito de liberdade” em
busca de completa subordinação social e o advento dos planos econômicos que
tentavam há muito custo manter estável o plano cruzado (Cruzadinho, Cruzado II,
Planos Verão e Bresser) foram semeando a vontade de renovação no interior do
sentimento nacional, pois foram agressivos com a sociedade e não contribuíram
para a melhoria da economia interna. Os grandes atos públicos de reinvindicação
serviram de estopim para que a política fosse deveras democrática e que acolhesse
os interesses de uma nação antes oprimida.
Mediante o quadro impulsivo em que se encontra a sociedade brasileira, o
governo, reformado, tomou iniciativas claras em busca do atendimento ao povo.
Atualmente, temos várias frentes que contemplam a camada pobre do Brasil,
como a criação de fundos diversos para o atendimento dos mais diferenciados
grupos sociais que compõe a base da pirâmide social.
Programas como o Crédito Solidário (FDS), o Programa de Arrendamento
Residencial (PAR), o Plano Nacional de Habitação Rural (PNHR), o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e principalmente o Programa Minha Casa Minha
Vida (PMCMV), demonstram a evolução e concretização da ideologia implantada
nos anos 60. Apesar de vivenciarmos um novo panorama do setor habitacional, com
o crescente aumento da demanda, deixando a relação oferta e procura mais
dinamizada – o mercado habitacional e o SFH ainda atendem satisfatoriamente a
camada mais provida da sociedade – não podemos de creditar os méritos às novas
medidas habitacionais do Governo Federal.
Voltados para grupos familiares de baixa renda37, em empreendimentos e
conjuntos habitacionais nos moldes das antigas COOPHAB e COHAB, nas quais as
parcelas do empréstimo são condizentes com a capacidade de pagamento da
família e estão situadas em locais estruturados, com acesso, mesmo que razoável,
aos demais serviços públicos essenciais, e com seleção dos moradores efetuada
por órgãos governamentais de assistência social, os programas habitacionais de
cunho inteiramente social têm demonstrado, até então, eficácia em sua destinação.
37
Em média, são aqueles que recebem a quantia de 03 (três) salários mínimos mensalmente.
43
Todavia, a amplitude destes programas podem acarretar defeitos em seu processo
de desenvolvimento, pois em algum momento, o controle orçamentário ou o
direcionamento quando de sua execução podem ser perdidos. Sobre essa
consideração, palestra Sérgio de Azevedo:
“A experiência histórica brasileira mostra que sempre que um
programa habitacional altamente subsidiado permite um grau muito
alto de liberdade na alocação dos recursos, as regiões menos
desenvolvidas e os estados com dificuldades políticas junto ao
governo central terminam altamente prejudicados (...).”38
A manutenção destes empreendimentos, já que fica à cargo dos próprios
beneficiários poderá, no futuro, deixar alguma mácula quanto à função social do
imóvel integrante destes programas.
Um defeito visível que temos nestas moradias é a falta de fiscalização por
parte do setor público em evitar que seja desvirtuada destinação deste disputado
bem. Foi necessária a criação de regras para que fossem mantidas as condições da
finalidade social, todavia, tal regulamentação é desobedecida por muitos mutuários e
arrendatários. Pode-se verificar que o movimento jurídico para se tecer uma decisão
é muito rebuscado, pois envolve um rito decisório atípico para os contratos que
possuem o teor de operações de arrendamento, como prolata a decisão,
comprimida, do TRF da 4ª região à seguir:
ADMINISTRATIVO. IMÓVEL ARRENDADO NO ÂMBITO DO PAR.
REINTEGRAÇÃO DE POSSE. INADIMPLÊNCIA. FUNÇÃO SOCIAL
DA PROPRIEDADE. 1. O Programa de Arrendamento Residencial,
instituído pela Lei n.º 10.188 /01, visa a atender a necessidade de
moradia da população de baixa renda, sendo que a sustentabilidade
do referido programa depende do pagamento, pelos arrendatários,
dos encargos mensais, e, assim, dos reduzidos níveis de
inadimplência. 2. A função social da propriedade é desviada quando
se mantém no Programa arrendatário inadimplente, em detrimento
de outros cidadãos que almejam participar do Programa de
Arrendamento Residencial. 3. A inadimplência do arrendatário é
causa suficiente a rescindir o contrato, nos termos da previsão legal
e contratual.39
38
AZEVEDO, Sérgio de. A crise da política habitacional: dilemas e perspectivas para o final dos
anos 90. A crise da moradia nas grandes cidades: da questão da habitação à reforma urbana.
Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1996, p. 83.
39
Tribunal Regional Federal 4ª Região - APELAÇÃO CIVEL AC 50668814220124047100 RS
5066881-42.2012.404.7100. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia>. Acesso em
25/08/2013.
44
3.4.
Programa Minha Casa Minha Vida
Instituído pela Lei 11.977/2009 e acobertado pela intenção do atendimento
massivo à população de baixa renda, o Programa Minha Casa Minha Vida, tem se
mostrado como um dos principais, senão o principal programa governamental
direcionado à moradia popular de todos os tempos, dada sua abrangência e
organização.
O PMCMV, atualmente, aborda famílias com até 10 (dez) salários mínimos de
renda mensal, divididas em duas vertentes: aquelas que recebem até 03 (três)
salários e as que aferem de 03 (três) à 10 (dez) salários mínimos mensais. Estas
últimas são atendidas pelo financiamento habitacional sustentado pelo FGTS, de
modo que recebem subsídios e descontos nas taxas de juro caso atendam as regras
desta parte do programa40. Os grupos que se enquadram na primeira faixa são
beneficiados com imóveis prontos, novos, resultados da criação de novo
assentamento legal, com direitos e deveres previstos na Lei que rege o programa.
Geralmente são imóveis condominiais, de pequenas medidas para alcance de maior
número de pessoas.
Além de instrumento de organização social, a PMCMV tornou-se um
incentivador da regularização fundiária por interesse social, pois prevê, no tocante a
40
São as condições do PMCMV (03 à 10 Salários/Família):
I) Não ser detentor de financiamento ativo nas condições do Sistema Financeiro da Habitação – SFH,
em qualquer parte do país.
II) Não ter recebido a partir de 1º de maio de 2005, desconto concedido pelo FGTS na concessão de
financiamento habitacional.
III) Não ser proprietário, cessionário ou promitente comprador de outro imóvel residencial urbano ou
rural, situado no atual local de domicílio, nem onde pretende fixá-lo.
IV) Não ser titular de direito de aquisição de imóvel residencial urbano ou rural, situado no atual local
de domicílio, nem onde pretende fixá-lo.
V) Tabela PRICE ou SAC.
VI) Juros nominais:
– Renda de 3 a 5 salários mínimos – 5% a.a. + TR.
– Renda de 5 a 6 salários mínimos – 6% a.a. + TR.
– Renda de 6 a 10 salários mínimos – 8,16% a.a + TR.
VII) Prazo para pagamento: até 30 anos.
VIII) Financiamento: até 100%.
IX) Entrada opcional.
X) Pagamento mínimo durante a obra, em função da renda.
XI) Cobrança de seguro com valor reduzido.
XII) Fundo Garantidor – cobertura em caso de perda de capacidade de pagamento, proporcional à
renda familiar.
XIII) Subsídio para famílias com renda de até 6 salários mínimos.
XIV) Valor de avaliação limitado ao teto do FGTS para a região.
45
destinação do espaço, o beneficiamento da população de baixa renda. Comenta
Lígia Melo:
“Embora a Lei 11.977/2009 autoriza a regularização por etapas, o
conceito de regularização fundiária está descrito no art. 46 como
conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que
visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de
seus ocupantes, de modo à garantir o direito social à moradia, o
pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e
o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado... que visam
permitir o exercício justo e adequado do direito de morar para
aquelas pessoas que buscaram sua realização na informalidade.”41
4.
Estatuto das Cidades: A propriedade atingindo a sua função social
A lei 10.257 de Julho de 2001, popularmente conhecida como Estatuto das Cidades,
representou o avanço da organização política e estrutural das cidades, pois representa o
ponto máximo da inclusão de sentido e função social que a propriedade imóvel deve ter,
pois negrita a necessidade de se estabelecer condições e parâmetros que alocam as
diretrizes, principalmente do expansionismo urbano, sem que haja violação de direito ou
gere qualquer prejuízo para a comunidade que contorna as áreas que estão em
desenvolvimento, ou seja, há uma onda intencional que deseja varrer do Estado a figura da
exclusão social que vem se arrastando por décadas, principalmente nas cidades situadas na
América do Sul.
Não nos é novidade que há uma crescente massa migratória de pessoas das área
rurais para as áreas urbanas, em busca de novas oportunidades que a já avançada
produção rural vem diminuindo constantemente, e tal situação teve que ser observada com
olhar diferente pelos legisladores em geral, pois o reflexo desta vinda de pessoas para a
cidade de modo desorganizado tende, em quase todos os casos, ser de modo negativo.
De acordo com a Doutora Janaína Santin42, “constata-se a atual degradação do
cenário urbano brasileiro, em especial ao longo das últimas décadas. A intensa imigração de
pessoas do meio rural para o espaço urbanizado procurando condições mais dignas de
sobrevivência, os graves problemas econômicos que assolam o país e que se refletem com
maior intensidade nas grandes cidades, como a carência de empregos, de moradias, de
transportes públicos adequados, bem como a falta de saneamento básico para a população,
41
MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por meio da Regularização
Fundiária. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, p. 182-183.
42
SANTIN, J. R. A. Gestão Democrática Municipal No Estatuto Da Cidade E A Teoria Do
Discurso Habermasiana, 2004. Disponível em < http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/direito/article/>
Acesso em 15/07/2014.
46
causam um doloroso desequilíbrio social, prejudicando o crescimento ordenado e
sustentável das cidades”.
Outrossim, temos o problema de que as cidades não foram projetadas para as
classes menos providas, mas sim para as classes mais altas, que tinham condições de
adquirir os imóveis nos melhores lugares, deixando que fosse criada, à margem dessas
colocações, os bairros para o restante da população, já causando uma espécie de pseudo
segregação, já que é notável o distanciamento criado. Diz Isabel Cristina E. Oliveira 43:
“A destruição dos benefícios decorrentes do processo de
urbanização é historicamente injusta e resultante de décadas
descaso, de incompreensão, de preconceito, e de atuação
privilegiada voltada apenas para alguns setores da cidade.”
A partir destas análises, de que há uma necessidade de se reformar as condições,
de modo geral, de implementação e desenvolvimento do espaço urbano, o direito brasileiro,
por seus operadores, passa por mudança atrelada aos preceitos antes não respeitados,
todavia, previstos constitucionalmente.
Nesta concepção, o já chamado Direito Urbanístico, tema há séculos tratado na
Europa, passa à ter maior importância nos círculos jurídicos e marca o início daquilo que se
esperava ser uma solução cabal para o desenfreado e desqualificado crescimento urbano
pelo que passava o país. Completa o raciocínio a catedrática Professora Liana Portilho
Mattos44:
“A questão da propriedade urbana é o tema central do Direito
Urbanístico, e em virtude disso a função social da propriedade é o
princípio jurídico-constitucional vetor dessa disciplina. É que de
maneira geral, praticamente qualquer intervenção urbanística que se
pretenda operar no espaço urbano acaba por esbarrar na questão do
direito de propriedade imobiliária, tradicionalmente vinculado, no
Brasil, à normas civilistas. Direito Urbanístico tem como objeto a
ordenação do solo urbano e por conseguinte da propriedade
imobiliária urbana, por meio da sua conformação a uma função social
que garanta o pleno exercício do direito à cidade por todos os seus
habitantes.”
Não obstante, temos Séguin45, que ratifica o apontamento acima:
43
OLIVEIRA, I. C. E. Estatuto da Cidade: para compreender... Rio de Janeiro: IBAM/DUMA, 2001,
Pg. 20.
44
MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade Comentado (Lei n.º 10.257, de 10 de Julho
de 2001), Belo Horizonte: Ed. Mandamentos, 2002, p. 480.
45
SÉGUIN, Elida. Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.17.
47
“O Direito Urbanístico é o produto das transformações sociais,
técnicas e jurídicas que os assentamentos humanos vêm sofrendo
nos últimos tempos na busca de uma sustentabilidade. Ainda em
processo de afirmação, decorre da nova função do Direito no
enfrentamento de desafios e oferecimento de princípios,
instrumentos normativos políticos do Poder Público e da coletividade
para que possam atuar, em conjunto, no meio social e no domínio
privado, para ordenar a realidade no interesse da coletividade.”
Em sua íntegra, observamos que a lei veio à dar volume ao principio de
desenvolvimento urbano já previsto na Constituição Federal de 1988, conforme segue:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo
Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei,
tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções
sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório
para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento
básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende
às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com
prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica
para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal,
do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não
utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena,
sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
progressivo no tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida
pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com
prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e
sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros
legais.
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos
e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e
sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família,
adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro
imóvel urbano ou rural.
48
§ 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao
homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado
civil.
§ 2º - Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais
de uma vez.
§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
Diz o caput do 1º artigo do Estatuto das Cidades:
“Art. 1o Na execução da política urbana, de que tratam os arts. 182 e
183 da Constituição Federal, será aplicado o previsto nesta Lei.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada
Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse
social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem
coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do
equilíbrio ambiental”.
Originalmente, tratou-se de um projeto de Lei proposto pelo Senador Pompeu
de Sousa em 1988, porém sendo engavetado no plenário da Câmara Federal no ano
seguinte, só reaparecendo em voga no fim dos anos 90, quando o Senador Inácio
Arruda assumiu a Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior, tendo, por fim,
sua sanção em 2001. Comenta o Guia de Implementação pelos Municípios e
Cidadãos do Estatuto das Cidades46, que “o Estatuto abarca um conjunto de
princípios – no qual está expressa uma concepção de cidade e de planejamento e
gestão urbanos – e uma série de instrumentos que, como a própria denominação
define, são meios para atingir as finalidades desejadas. Entretanto, delega – como
não podia deixar de ser – para cada um dos municípios, a partir de um processo
público e democrático, a explicitação clara destas finalidades. Neste sentido, o
Estatuto funciona como uma espécie de “caixa de ferramentas” para uma política
urbana local. É a definição da “cidade que queremos”, nos Planos Diretores de cada
um dos municípios, que determinará a mobilização (ou não) dos instrumentos e sua
forma de aplicação. É, portanto, no processo político e no engajamento amplo (ou
não) da sociedade civil, que repousará a natureza e a direção de intervenção e uso
dos instrumentos propostos no Estatuto”.
46
ESTATUTO DA CIDADE: Guia Para Implementação Pelos Municípios E Cidadãos, Brasília
2001, pg. 21-22. Disponível em < http://planodiretor.saolourenco.sc.gov.br>. Acesso em 19/07/2012.
49
Todavia, o Direito Urbanístico já vinha se desenvolvendo, à passos lentos,
desde a década de 30, pois foi nessa época que foram esboçados os novos padrões
de expansionismo urbano, pois tinham como principal preocupação a necessidade
de manter as características de cada local sem alterar a sua essência, ou seja, a
vontade de se criar novas zonas habitacionais – principalmente – crescia ao mesmo
tempo em que se tinha certeza que os impactos ambientais deveriam ser minorados
para que fosse mantida as características primordiais daquele espaço. Disse Ari
Sundfeld47, à respeito do Direito Urbanístico Brasileiro em sua forma arcaica:
“Pode-se situar a infância do direito urbanístico brasileiro entre as
décadas de 30 a 70, período em que o direito positivo acena com o
princípio da função social da propriedade, os administrativistas e
civilistas passam a estudar alguns aspectos jurídicos do urbanismo,
surgem os Planos Nacionais de Desenvolvimento e leis de
zoneamento.”
Não obstante, é notória que a preocupação do Constituinte ao editar a CF/88
é o interesse social, pois como foi visto, o artigo 183 é claro quanto a possibilidade
de usucapião especial em áreas urbanas, uma modalidade nunca antes vista.
O Estatuto, valendo-se do usucapião implementado pela CF/88, incluiu a
possibilidade deste ser impetrado coletivamente. Tal instituto pode ser conferido no
artigo 10 da lei 10.257/01, in verbis:
“Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinquenta metros
quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua
moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde
não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor,
são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os
possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este
artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que
ambas sejam contínuas.
§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada
pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no
cartório de registro de imóveis.
47
SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais. In: DALLARI, Adilson
Abreu; FERRAZ, Sérgio. Estatuto da Cidade: comentários à Lei 10.257/2001. 2ª Ed. São Paulo:
Malheiros, 2006. p. 46-47.
50
§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada
possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um
ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos,
estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo
passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no
mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de
urbanização posterior à constituição do condomínio.
§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio
especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos
presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes”.
Atendo-se ao final dos anos 90, existia, mediante o projeto e posterior lei, uma
forma mais completa de política urbanista. Naqueles idos, um dos principais pontos
no que tange o desenvolvimento urbano de que trata o Estatuto é fixado no acesso,
pela população de baixa renda, à moradia com infraestrutura e mínimas condições
para que possa manter-se ali instalada, o que inclui, dentre outros fatores, a
presença de unidades de saúde, escola e segurança, por exemplo. Não obstante, o
advento do Lei 10.257/01, serviu ao ente público como um alerta ao não incentivo,
ou melhor, inércia deste para que não haja a ocupação em áreas verdes ou de risco
ou poluídas, objetivando a manutenção do habitat e a coexistência entre tais áreas,
como se atuasse como um recuperador do meio ambiente urbano, das áreas que o
circundam e também daquelas que o permeiam.
Conforme Cordeiro (2011, p.22), o Estatuto Brasileiro, em sua vertente
moderna “consolida, definitivamente, o novo regime jurídico da propriedade urbana,
haja vista que esse regime é encontrado em todos os cinco capítulos que o
integram: Diretrizes Gerais (Capitulo I); Instrumentos da Política Urbana (Capitulo II);
Plano Diretor (Capitulo III); Gestão Democrática da Cidade (Capitulo IV) e
Disposições Gerais (Capitulo V).”
Assim sendo, o Direito Urbanístico atrelado ao Estatuto das Cidades, já que
dele emana, veio pautado na regulamentação do crescimento das cidades, no
desenvolvimento social, econômico e ambiental destas cidades e paridade entre o
direito à propriedade privada e a função socioambiental da propriedade. Diante
dessa panorama, leciona Sundfeld48:
48
SUNDFELD, op. cit., p. 48-49.
51
“O direito urbanístico surge, então, como o direito da política de
desenvolvimento urbano, em três sentidos: a) como conjunto das normas
que disciplinam a fixação dos objetivos da política urbana (exemplo: normas
constitucionais); b) como conjunto de textos normativos em que estão
fixados os objetivos da política urbana (os planos urbanísticos, por
exemplo); c) como conjunto de normas em que estão previstos e regulados
os instrumentos de implementação da política urbana (o próprio Estatuto da
cidade, entre outros).”
A principal atribuição, então, trata-se de que o Estatuto das Cidades é tido
como meio de conceber a consecução de uma obra pública em prol dos cidadãos e
do meio ambiente.
Outro importante assunto tratado pelo Estatuto das Cidades refere-se à
importância do uso do solo, ou seja, do efetivo proveito do bem imóvel, uma vez que
aplica sanções para os terrenos ociosos, ou seja, que não tem real e imediata
utilização, bem como a sistemática de atenuantes e facilitadores aplicadas as
unidades imobiliárias que atuam dentro das condições definidas no dito Estatuto.
Temos, no que é atinente à inovações tragas pelo Estatuto das Cidades, o
Plano Diretor, que muitos doutrinadores consideram como principal instrumento para
o controle e regulamentação do desenvolvimento urbano e da função social da
propriedade imóvel. Sobre o Plano Diretor, complementa o Guia de Implementação
Pelos Municípios e Cidadãos do Estatuto das Cidades49, que “A Constituição de
1988 define como obrigatórios os Planos Diretores para cidades com população
acima de 20.000 habitantes. O Estatuto da Cidade reafirma essa diretriz,
estabelecendo o Plano Diretor como o instrumento básico da política de
desenvolvimento e expansão urbana (artigos 39 e 40). Conforme estabelece o
Estatuto, a partir de agora, o Plano Diretor é instrumento obrigatório para municípios
com população acima de 20.000 habitantes; para aqueles situados em regiões
metropolitanas ou aglomerações urbanas; em áreas de interesse turístico; ou em
áreas sob influência de empreendimentos de grande impacto ambiental. Municípios
que não se incluem em qualquer destas categorias precisam dispor obrigatoriamente
de um Plano Diretor, se o poder público pretender aplicar os instrumentos previstos
no capítulo de Reforma Urbana da Constituição de 1988”. Sobre este trataremos em
momento futuro.
49
ESTATUTO DA CIDADE: Guia Para Implementação Pelos Municípios E Cidadãos, Brasília
2001, pg. 38. Disponível em < http://planodiretor.saolourenco.sc.gov.br>. Acesso em 19/07/2012.
52
Atualmente, as ações políticas voltadas para o desenvolvimento urbano
seguem veemente as premissas de que as ações do passado, ou seja, dos idos em
que o Estatuto da Cidade estava sendo idealizado para que de forma ultimada fosse
promulgado, sejam vistas como necessárias e acima de tudo pertinentes a
população em geral, de modo que todos seriam contemplados com os avanços da
definidos pela lei, como o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana de
forma progressiva, a desapropriação por indenização através de títulos da dívida
pública, e a edificação e parcelamento compulsórios, todos sem norma legal que
instruísse deu devido processo e aplicação.
Além desta concepção, passou-se a reconhecer que o Brasil, em sua
extensão e densidade demográfica, possui a maior parte de sua atividade produtiva
dentro de áreas urbanas, considerando-se que ¾ de toda a produção seja
essencialmente feita dentro das cidades, o que ocasionou a necessidade de
regulamentação do espaço físico para a adequação desta força de produção, entre
tudo no que tange à parte comercial e a parte habitacional.
4.1.
Regulamentação das disposições constitucionais
É mister salientar que o Estatuto das Cidades não só veio como um meio de
chancelar os municípios que pudessem traçar as suas próprias leis, dentro de limites
e lógicas pré-dispostas, mas sim que o Estatuto fosse o arcabouço de uma gestão
democrática desta nova forma governar.
Os municípios, com seus problemas ocasionados pela gestão burocrática,
possuem demasiados gastos que nem sempre foram direcionados à toda a
sociedade e muito menos são adequados a realidade em que a população vive
inserta. Por isso, o Estatuto, como norteador, veio para alinhar essa forma de
governar, de modo que as benesses cheguem à todos.
Neste sentido, podemos conotar uma forte tendência, principalmente nos
últimos dez anos, pelos programas de habitação social, nas mais diversas
modalidades possíveis, como o Arrendamento Habitacional e Programas de
Assentamento Urbano, cujos têm como base de seu pilar a possibilidade prevista da
organização social, política e legal do espaço – digo, terra urbana – sugerido pelo
Estatuto das Cidades.
53
Temos, por exemplo, o Programa Minha Casa Minha Vida, que é praticado
em todo o território nacional, o qual somente é possível graças a política
implementada pelo Estatuto das Cidades, que dá ao poder público a possibilidade
de criar e estruturar espaços para que famílias tenham direito à moradia digna e em
condições financeiramente plausíveis.
A participação dos agentes de políticas públicas nacionais, devidamente
autorizadas pela Lei 10.257/0150, como a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, são de
fundamental importância para o Estatuto da Cidade, principalmente quando falamos
em criação de Plano Diretor, pois a experiência em gestão urbana em escala federal
pode ser escalonada para os municípios, tornando a feitura das intenções, outrora
burocráticas e menor efetividade – em termos de atendimento à população em geral
– de fácil implementação.
Inclusive, neste diapasão, podemos identificar no artigo 4º do Estatuto da
Cidade51 que o legislador determina quais são os instrumentos de execução desta
50
o
Art. 3 Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:
I – legislar sobre normas gerais de direito urbanístico;
II – legislar sobre normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios em relação à política urbana, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bemestar em âmbito nacional;
III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento
básico;
IV – instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e
transportes urbanos;
V – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento
econômico e social.
51
o
Art. 4 Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento
econômico e social;
II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;
III – planejamento municipal, em especial:
a) plano diretor;
b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;
c) zoneamento ambiental;
d) plano plurianual;
e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;
f) gestão orçamentária participativa;
g) planos, programas e projetos setoriais;
h) planos de desenvolvimento econômico e social;
IV – institutos tributários e financeiros:
a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana - IPTU;
b) contribuição de melhoria;
c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros;
V – institutos jurídicos e políticos:
a) desapropriação;
b) servidão administrativa;
c) limitações administrativas;
d) tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;
54
política urbana disposta no Estatuto da Cidade, desde os planos de ordenação
territorial voltados para o desenvolvimento econômico e social, passando pelos
institutos tributários, jurídicos e políticos, até as regras de de desapropriação e
impacto ambiental que venham a ocorrer em face da má aplicação da política
urbana.
Com o passar dos tempos, a população exige que sua voz seja ouvida, e pra
isso, faz valer as condições encontradas no Estatuto das Cidades. Podemos verificar
nas palavras da Douta Professora Liana Mattos52:
“A garantia da participação popular, a par de conferir legitimidade à
gestão das cidades, tem uma outra faceta, qual seja, a de funcionar
como o mais eficaz aparato de fiscalização dos atos da
administração e do legislativo municipal. Esse controle social é
importantíssimo para assegurar a efetiva aplicação dos instrumentos
de reforma urbana trazidos pelo Estatuto da Cidade, ainda mais
quando outras modalidades de controle, previstos na Constituição,
sobretudo a legislativa e a judiciária, têm-se
mostrado de duvidosa operacionalidade e eficiência. As normas
contidas no Capítulo IV do Estatuto prevêem, assim, diversas formas
de participação que dão concreção a essa dupla função social da
participação popular: a de aferir legitimidade às ações municipais e a
de exercer o controle dessas mesmas ações.”
e) instituição de unidades de conservação;
f) instituição de zonas especiais de interesse social;
g) concessão de direito real de uso;
h) concessão de uso especial para fins de moradia;
i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;
j) usucapião especial de imóvel urbano;
l) direito de superfície;
m) direito de preempção;
n) outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso;
o) transferência do direito de construir;
p) operações urbanas consorciadas;
q) regularização fundiária;
r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;
s) referendo popular e plebiscito;
t) demarcação urbanística para fins de regularização fundiária;
u) legitimação de posse.
VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).
o
§ 1 Os instrumentos mencionados neste artigo regem-se pela legislação que lhes é própria,
observado o disposto nesta Lei.
o
§ 2 Nos casos de programas e projetos habitacionais de interesse social, desenvolvidos por órgãos
ou entidades da Administração Pública com atuação específica nessa área, a concessão de direito
real de uso de imóveis públicos poderá ser contratada coletivamente.
o
§ 3 Os instrumentos previstos neste artigo que demandam dispêndio de recursos por parte do Poder
Público municipal devem ser objeto de controle social, garantida a participação de comunidades,
movimentos e entidades da sociedade civil.
52
MATTOS, L. P (Org.). Da Gestão Democrática da Cidade. In: MATTOS, L. P. Estatuto da Cidade
Comentado. Belo Horizonte: Ed. Mandamentos, 2002, Pg. 301.
55
4.2.
Diretrizes Gerais
É fato que o Estatuto da Cidade veio á dar luminosidade aos artigos 182 e
183 da Constituição Federal de 1988, pois é clara sua intenção de sedimentar as
diretrizes de política urbana expressadas na Carta Magna. Como previsto no artigo
1º da Lei 10.257/01, o Estatuto é um prisma do que ambos os artigos da CF/88
abordam, como se seus dizeres fossem esmiuçados e lapidados, objetivando a dar a
melhor forma possível a sua interpretação, trazendo de um contexto mais amplo
para a factibilidade do caso concreto, porém usando de forma genérica em seu
vocabulário. Revela o artigo 2º do referido Estatuto, em seu caput e incisos:
o
Art. 2 A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as
seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à
terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana,
ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as
presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de
associações representativas dos vários segmentos da comunidade na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos
de desenvolvimento urbano;
III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores
da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse
social;
IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial
da população e das atividades econômicas do Município e do território sob
sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do
crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;
V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços
públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às
características locais;
VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:
a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;
b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;
c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou
inadequados em relação à infraestrutura urbana;
d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar
como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura
correspondente;
e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua
subutilização ou não utilização;
f) a deterioração das áreas urbanizadas;
g) a poluição e a degradação ambiental;
56
h) a exposição da população a riscos de desastres.
VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais,
tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do
território sob sua área de influência;
VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de
expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental,
social e econômica do Município e do território sob sua área de influência;
IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de
urbanização;
X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e
financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano,
de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a
fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;
XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha
resultado a valorização de imóveis urbanos;
XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e
construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
arqueológico;
XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos
processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos
potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o
conforto ou a segurança da população;
XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por
população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais
de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a
situação socioeconômica da população e as normas ambientais;
XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e
das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o
aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais;
XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na
promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de
urbanização, atendido o interesse social.
XVII - estímulo à utilização, nos parcelamentos do solo e nas edificações
urbanas, de sistemas operacionais, padrões construtivos e aportes
tecnológicos que objetivem a redução de impactos ambientais e a economia
de recursos naturais.
Entretanto, se fez necessário a determinação de regras para a adequação
do Estatuto da Cidade á condição de cada municipal integrante da Federação, pois
as condições orçamentárias, e principalmente, físicas variam de um em ente
municipal para o outro.
Daí, vemos que o Estatuto da Cidade veio a estabelecer as diretrizes que
servem de fonte para a política de desenvolvimento urbano. No entendimento de
Régis Fernandes de Oliveira, fica a cargo, então, dos municípios de desenvolverem
57
e efetivarem as disposições contidas na Lei 10.257/01 na sua gestão de
desenvolvimento urbano. Complementa que “a especificidade, como não poderia
deixar de ser, compete ao Município, atendendo a suas necessidades locais e
decidindo de acordo com os superiores interesses da cidade53”.
4.3.
Plano Diretor
O Plano Diretor é visto pela maioria dos estudiosos no assunto como o
principal instrumento de aplicabilidade do Estatuto da Cidade, e tal condição é
inerente ao poder democrático da população, pois em tese, o plano diretor, por ser
realizado com participação da sociedade, expressa a vontade do todo, onde há a
materialização do que seria a cidade ideal para o povo. Trata-se de uma lei
específica, de cunho municipal, que define as regras do desenvolvimento urbano
deste local, ou seja, aborda os critérios de direito à morada digna, expansão
territorial, disposições gerais de construção e implantação de obras que
eventualmente venham a causar danos ambientais, tributos, etc. No magistério de
Denise Ferreira54:
“Partindo da análise dos problemas e das características de cada
cidade que se formula o plano diretor, que irá (re)organizar
espacialmente a cidade, regulando o ordenamento territorial, a
ocupação do espaço, o zoneamento e as construções do município.
Essa (re)organização, teoricamente, busca maior justiça social,
melhoria na qualidade de vida dos cidadãos e racionalização do uso
do espaço”.
Para Lilian Regina Gabriel55, além da importância inovadora que o Estatuto
da Cidade deu ao Plano Diretor, apesar de ser visto ainda na Constituição Federal, o
“comando constitucional careceu de algumas definições, tais como: conteúdo
mínimo do planejamento, sanções jurídicas para a não edição do plano e prazos
para sua implementação. Por evidente, os contornos jurídicos e os reflexos
concretos a respeito do planejamento urbano vieram com a edição do Estatuo da
53
OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais: 2002, p. 13.
54
FERREIRA, Denise Lábrea. Plano Diretor: Documento ou Instrumento. Um estudo de caso de
Tupaciguara/MG. Disponível em <http://www.dsr.inpe.br/geu/artigos_Livia/Simp_Regional.pdf>.
Acesso em 16/04/2014.
55
PIRES, Lilian Regina Gabriel Moreira. Função Social da Propriedade Urbana e o Plano Diretor.
Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, Pg. 135-136.
58
Cidade. Com ele emoldurou-se a abrangência do plano diretor, especificou-se a
quem está compelido editá-lo, os requisitos para sua edição e o seu conteúdo
mínimo”.
Para Lígia Melo56, o Plano Diretor “é parte de um processo de planejamento
municipal que deve ocorrer com a máxima participação dos cidadãos, atrelando as
diretrizes do Estatuto da Cidade à realidade do Município q que pertence”. Outro
sim, temos a posição de Daniela Libório Di Sarno, que sustenta:
“Ao poder público caberá o papel de educador para a cidadania,
dentro do qual não deverá contentar-se com a pouca receptividade
da comunidade em eventos públicos coletivos. Informar
adequadamente a população que possa ser afetada pela decisão
vindoura é de fundamental importância para o desenvolvimento da
democracia participativa. Em casos nos quais a população possui
baixa escolaridade, por exemplo, a simples liberação à consulta de
projetos a serem debatidos não é suficiente para informa-la. Caberá
ao Poder Público competente para a decisão em simplificar a
linguagem sem, entretanto, comprometer o conteúdo, de forma que a
população entenda o que se passa e possa proceder a uma análise
crítica compatível com seus direitos.”57
A inexistência do Plano Diretor acarreta uma série de defeitos sociais que
desaguam em problemas de maior gravidade, em decorrência do contínuo processo
de transformação das cidades. A inaptidão dos representantes governamentais,
quando da implementação do Plano Diretor, ou até mesmo na escolha em seguir um
plano perfilado à adaptação do meio natural para a criação de uma cidade, pode
causar sérios danos, inclusive os de caráter irreversível, como por exemplo a
degradação de habitat ou nicho ambiental que dependia de um espaço ocupado
indevidamente para se perpetuar. Fica claro, então, que o Plano Diretor deve
contemplar as características culturais, históricas, sociais e ambientais de uma
determinada comunidade, afim de criar alternativas de convivência entre o homem e
o meio, protegendo então aquilo que já existia e o que passará a existir, segundo os
critérios da coexistência. Segue decisão AC 2.383-M-QO, Rel. Min. Ayres Brito de
27/03/2012, que ratifica a importância do Plano Diretor para as cidades em que há a
obrigatoriedade do implementação do mesmo:
56
MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por Meio da Regularização
Fundiária. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, Pg. 78.
57
DI SARNO, Daniela Campos Libório. Direito Urbanístico e Ambiental. Editora Fórum, 2007, Pg.
52. In: MELO, Lígia. Direito à Moradia no Brasil: Política Urbana e Acesso por Meio da
Regularização Fundiária. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010, Pg. 79.
59
"A Carta Magna impôs a concretização da política de
desenvolvimento e de expansão urbana das cidades com mais de
vinte mil habitantes por meio de um instrumento específico: o plano
diretor (§ 1º do art. 182). Plausibilidade da alegação de que a Lei
Complementar distrital 710/2005, ao permitir a criação de projetos
urbanísticos “de forma isolada e desvinculada” do plano diretor,
violou diretamente a Constituição republicana. Perigo da demora na
prestação jurisdicional que reside na irreversibilidade dos danos que
decorrerão do registro de áreas, para fins de parcelamento, com
base na mencionada lei." (AC 2.383-M-QO, Rel. Min. Ayres Britto,
julgamento em 27-3-2012, Segunda Turma, DJE de 28-6-2012.)58
Importante também frisar a necessidade de que o Plano Diretor deve estar
interligado com o Plano Plurianual e as diretrizes orçamentárias (orçamento anual)
do município que faz parte para que ganhe escopo e se materialize. Todavia, os
planos diretores devem possuir prazo de execução, sob pena de sanções
especificadas no Estatuto da Cidade.
Outro ponto importante sobre a figura do Plano Diretor é quando há a
obrigatoriedade, por parte dos municípios, de elaboração deste (art. 182 da CF/88),
pois é perceptível forte conotação para que os planos diretores das cidades que
integram um conglomerado municipal ou área metropolitana sejam criados de forma
que se interliguem, oportunizando a integração destas cidades, já que me muitos
casos, a massa populacional de uma pode utilizar-se de outra cidade apenas como
cidade-morada ou como local de trabalho, e vice-versa. Segundo Nelson Saule
Júnior59, “pode-se verificar a transversalidade da questão urbana e ambiental em
regiões metropolitanas, contribuindo para a necessidade de se promover o
planejamento articulado com o objetivo de integras as cidades”.
58
Apelação Civil – Superior Tribuna de Justiça. Relator Min. Ayres Britto – AC 2.383-M-QO.
Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigoBd.asp?item=1730>. Acesso em
21/06/2014.
59
SAULE JUNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assentamentos Irregulares.
Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2004, p. 262.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde a antiguidade, quando os romanos instituíram o Direito à Moradia,
considera-se tal direito como item de caráter absoluto, suportado por um arcabouço
de leis que garantam este perfil ao mesmo, já que representa o bem – o primeiro –
que unifica a identidade familiar e acima de tudo, o direito natural do homem.
Passamos, durante séculos, por vários movimentos sociais que influenciaram
diretamente o direito à propriedade e à identificação de sua função social. Neste
caso, podemos citar, por exemplo, a Revolução Francesa ou a Revolução Industrial
na Inglaterra, as quais foram mananciais de direitos subjetivos e direitos de
liberdade, intrinsicamente conectados ao direito à moradia.
A história da propriedade imóvel no Brasil é marcada por ações pautadas de
acordo com cada momento histórico vivido pelo País, e sua evolução mostra que os
rumos tomados transigem para aquilo que aceitamos como o ideal quando se trata
de propriedade imóvel e sua função como um dos princípios basilares da família, e
por consequência, para uma estrutura social equilibrada. As transformações políticas
são, quase que em sua totalidade, resultantes de clamor social em busca de um
direito que outrora não se tinha conhecimento ou ainda que não estava sob o
holofote como deveria, e, consoante à importância deste bem à sociedade, mais
aperfeiçoados devem ser os seus requisitos. A Constituição Federal de 1988, por si,
garante com maestria este direito, porém, apesar de sua aplicação automática,
necessita de instrumentos complementares para que se alcance sua devida eficácia.
Por isso, identifica-se um conjunto de normas abrangente, além de sistemas
norteadores secundários, que abraçam vários aspectos que são vinculados
firmemente entre si, e que quando bem administrados, se completam para formar
comunidades, cidades e estados como se tem a melhor expectativa.
O planejamento geográfico, a seleção ideal de programas habitacionais, a
consecução inequívoca da construção das moradias, o estudo técnico-social, a
responsabilidade ambiental, o fornecimento mínimo de infra-estrutura e o
alinhamento ao Estatuo das Cidades e ao Plano Diretor, são exemplos de fatores
que integram a propriedade imóvel e dão o devido valor a sua função social.
Os programas habitacionais criados nas últimas décadas se mostraram como
os exponentes do desenvolvimento habitacional em nosso país, uma vez que
estavam aprimorados pelos intentos tidos no passado. Isso ocorreu, pois, uma vez
61
que os programas habitacionais mais antigos tiveram seus cronogramas forçados
pela alteração do panorama econômico rural para o ambiente das cidades, já que
passávamos por uma explosão industrial e a necessidade de trabalhadores era
insaciável, o que atraia grandes massas para as cidades. Por isso, a modelagem de
condições para a recepção desta massa foi cabal para que o crescimento
desenfreado de áreas de habitação irregulares fosse evitado. Em que pese não
terem sido de forma alguma evitadas, os programas habitacionais de ontem
serviram de exemplo para que o vemos atualmente.
Temos, como maior representante desta nova geração, o Programa Minha
Casa Minha Vida, anunciado em março de 2009, que utiliza recursos da União e do
particular (FGTS), possui duas modalidades distintas de aquisição, uma por seleção
e outra opor financiamento60, compreende diversas faixas salariais e atualmente
apresenta em seu histórico mais de um milhão de casas construídas em todo o
território nacional. Além do resultado apresentado, deve-se levar em consideração a
quantidade de empregos gerados e empresas beneficiados com o plano. Ou seja,
trata-se de uma plataforma de ação na qual os setores produtivos da construção e
grande fatia da população brasileira, que justamente é a que representa aquela que
se enquadra nos requisitos do programa, está sendo beneficiada de maneira justa e
que atenda aos preceitos constitucionais e infraconstitucionais.
Não obstante, percebemos que ainda temos muitos passos à caminhar, com
fito na melhora ininterrupta da customização do que julgamos do conceito de
“propriedade imóvel digna para o cidadão brasileiro”, uma vez que sempre deverá
ser entregue uma política de habitação voltada para a sociedade de hoje, e não um
modelo inerte e ultrapassado, que não atenderá o chamado de uma sociedade maior
e mais madura.
O bem imóvel e sua função, ainda como item essencial a sociedade, tal qual
pregam todos os doutrinadores consultados, bem como ratifica o entendimento geral
do povo brasileiro, também é evidente quando identificamos a possibilidade do
indivíduo em poder adquirir bem imóvel, sendo tal alternativa garantida pelo governo
vigente, já que é dever deste prover os meios que venham a viabilizar tal aquisição.
60
Faixa 01: Aquisição de empreendimentos na planta, para famílias com renda bruta de até 3 salários
mínimos, pelo fundo do programa habitacional.
Faixa 02: Financiamento às empresas do mercado imobiliário para produção de habitação popular
visando ao atendimento de famílias com renda acima de 3 e até 10 salários mínimos, priorizando a
faixa acima de 3 e até 6 salários mínimos.
62
Seja este meio pelo simples cumprimento de obrigações salariais, por exemplo – e
quando falamos, incluímos as relações particulares, todavia, devidamente instruída
por lei pública – ou pela acessibilidade da sociedade aos programas habitacionais
totalmente gratuitos ou aqueles subsidiados.
Entende-se ainda que a correta e devida utilização da propriedade imóvel é
que lhe assegura a sua condição social, já que o bem, que certamente irá
proporcionar algum tipo de riqueza ou privilégio deverá atender, no que tange à
condição geral deste, ao indivíduo e à coletividade como um todo, no sentido de
criar a devida harmonia entre o direito privado e os princípios constitucionais.
A função social da propriedade imóvel deve, como vem sendo, ser atributo de
eterna fiscalização do Estado, pois o uso indevido deste bem gera prejuízos à
comunidade, pois o legislador atribui, ao direito à propriedade, não o direito
individual, mas sim, um direito que transcende a individualidade, sendo que é de
fundamental importância que as providências cabíveis para que a função social da
propriedade imóvel vigore sejam rigorosamente cumpridas.
63
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