Capı́tulo 9 Corrente elétrica e Resistência 9.1 Transporte de Carga e Densidade de Corrente As correntes elétricas são causadas pelo movimento de portadores de carga. A corrente elétrica num fio é a medida da quantidade de carga que passa por um ponto do fio por unidade de tempo. I= dq dt [I] = A (Ampere) 9.1.1 Conceito De Densidade De Corrente Consideremos uma área a. Perguntamos: Quantas partı́culas carregadas passam por unidade de tempo? Consideremos inicialmente que cada partı́cula possui carga q e velocidade �u e temos n partı́culas por m3 . 121 122 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA Figura 9.1 Para o intervalo de tempo ∆t temos que a resposta será: todas as partı́culas dentro de um volume de prisma. V olume = base × altura V olume =�a · �u∆t = au∆t cos θ Densidade de partı́culas = n, então o número de partı́culas,∆N , que passa pela área a no intervalo ∆t é: ∆N = n�a · �u∆t Considerando que cada partı́cula possui carga q: ∆Q = nq�a · �u∆t corrente = Caso geral: ∆Q = nq�a · �u = I (a) ∆t 9.1. TRANSPORTE DE CARGA E DENSIDADE DE CORRENTE 123 Consideremos que há partı́culas diferentes com cargas diferentes, velocidades diferentes em número diferente. Então a corrente será dada por: I (a) = n1 q1�a · �u1 + n2 q2�a · �u2 + ... + nN qN �a · �uN I (a) = N � ni qi�a · �ui = i=1 I (a) = �a · N � ni qi�ui i=1 Chamamos N � � ni qi�ui de densidade de corrente J. i=1 N � ni qi�ui = Densidade de corrente i=1 J� = N � ni qi�ui i=1 � � A J� = 2 m I (a) = �a · J� Examinemos agora a contribuição da densidade de corrente para o caso de elétrons que podem ter diferentes velocidades. qi = −e J� = −e N � ni�ui i=1 A velocidade média dos elétrons é dada por: 124 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA ��ue � = 1 � ni�ui Ne i Ne = N umero de eletrons por unidade de volume J�e = −eNe ��ue � A corrente de elétrons que passará através da área a dependerá somente da velocidade média dos portadores (lembrando que esta de trata de uma média vetorial). A corrente I que atravessa qualquer superfı́cie S é exatamente igual à integral de superfı́cie: I= � J� · d�s S I é o ”fluxo”associado ao vetor J� 9.2 Equação da Continuidade da Carga elétrica Figura 9.2 Consideremos uma superfı́cie fechada qualquer S, que delimita um volume V. Dentro do volume V temos uma quantidade de carga total igual a: 9.2. EQUAÇÃO DA CONTINUIDADE DA CARGA ELÉTRICA � 125 ρdv V Como � J� · d�s é igual à vazão instantânea de carga para fora do volume. S � d J� · d�s = − dt S � ρdv V Usando o Teorema de Gauss temos: � � · Jdv � =−d ∇ dt V � ρdv V Mas como ρ = ρ (x, y, z, t) e a superfı́cie que limita o volume permanece no mesmo lugar: d dt � ρdv = � ∂ρ dv ∂t Então: � � · Jdv � = ∇ V � � ∂ρ − ∂t V � dv Como a equação é válida para qualquer V : � · J� = − ∂ρ ∇ ∂t Equaç~ ao da Continuidade da carga Portanto, O Princı́pio da Conservação da Carga é traduzidos pelas equações: � S d J� · d�s = − dt � V ρdv (9.1) 126 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA e � · J� = − ∂ρ ∇ ∂t 9.2.1 (9.2) Caso De Corrente Estacionária Corrente não varia com o tempo!!! Figura 9.3 Suponha que temos um fio por onde passa uma corrente estacionária (não varia com o tempo). Se considerarmos o volume V, a quantidade de carga ∆Q que entra num intervalo de tempo ∆t deve ser igual à que sai no mesmo intervalo. ∆Q dentro do volume = 0 ⇒ ∂ρ =0 ∆t ∂t � · J� = 0 ∇ Esta equação nada mais é do que a 1a Lei de Kirchoff , também conhecida como Lei dos Nós, da teoria de circuitos elétricos. Figura 9.4 9.3. CONDUTIVIDADE ELÉTRICA E A LEI DE OHM 127 Figura 9.5 9.3 Condutividade Elétrica e a Lei de Ohm Consideremos que a corrente elétrica é produzida pela presença de um campo elétrico. � produz uma força no portador de carga → se movimenta ⇒ corrente E elétrica Se há corrente elétrica ou não, depende da natureza fı́sica do sistema em que o campo atua, ou seja, o meio. Uma das mais antigas descobertas experimentais sobre a corrente elétrica na matéria foi feita por G. S. Ohm, em um trabalho publicado em 1827 intitulado: ”Die Galvanische Ketle Mattematisch Bearbeitet”, e é expressa através da Lei de Ohm: V = RI Observação 9.1. ( OBSERVAÇÃO IMPORTANTE ) Esta equação provém da observação experimental do comportamento de muitas substâncias familiares, nós não a deduzimos das leis fundamentais do eletromagnetismo. 9.3.1 Um Modelo Para a Condução Elétrica ⇒ Modelo De Drude = Modelo Clássico Linha do tempo: 128 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA 1827 - Ohm 1897 - J.J. Thompson → descoberta do elétron. Impacto imediato nas teorias da estrutura da matéria e sugeriu um mecanismo para a condução em metais. 1900 - Drude construiu sua teoria para a condutividade elétrica utilizando a teoria cinética dos gases para um metal, considerando um gás de elétrons livres. (Annalen der Phynik 1, 566 (1900) e Annalen der Phynik 3, 369 (1900)) Suposições: Figura 9.6 Cada átomo contribui com z elétrons para a condução → carga = -ez Na ausência de campo elétrico os elétrons se movem em todas as direções, ao acaso, com velocidades que são determinadas pela temperatura. O elétron deverá se mover em linha reta até que sofra uma colisão. As colisões no modelo de Drude, como na teoria cinética, são eventos instantâneos que alteram abruptamente a velocidade do elétron. Não há relação (tanto em módulo quanto em direção e sentido) entre a velocidade �u do elétron em t = 0 e sua velocidade depois da passagem de um certo intervalo de tempo. Isto corresponde a dizer que após um tempo t o vetor velocidade do 9.3. CONDUTIVIDADE ELÉTRICA E A LEI DE OHM 129 elétron poderá ser encontrado apontando em qualquer direção independente da direção que tinha em t = 0. A probabilidade de um elétron sofrer uma colisão em um intervalo de tempo dt é dt , onde τ = tempo médio entre as colisões. τ � ao sistema. Agora vamos aplicar um campo elétrico uniforme E Com a presença de um campo elétrico, o elétron ficará sujeito a uma força elétrica. Figura 9.7 Seja: �u = velocidade imediatamente após a colisão. Após um determinado t, o elétron sofre um incremento de momento igual a: � p�t = −eEt Momento original logo após a colisão era: p�o = me�u me = massa do elétron Então, momento total após um determinado tempo t deve ser: 130 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA � p� = me�u − eEt Com isso, o momento total do sistema será: � p� = � me�ui + i �� i � � ti −eE O momento médio de todos os elétrons: ��p� = ��p� = ��p� = me Mas: � 1 Ne � 1 � p� Ne � 1 �� � i me�ui − eEt Ne i 1 � �ui Ne i � � − eE � 1 � ti Ne i � �ui = velocidade média dos elétrons imediatamente após a colisão i → deve ser igual a zero, pois �ui tem as direções distribuı́das totalmente ao acaso e, portanto, tem contribuição nula para a média. � 1 ti = tempo médio entre as colisões = τ Ne i � ��p� = −eEτ eτ � ��u� = − m E = velocidade média = velocidade de drift ou de ”arrasto”. e Já vimos que a densidade de corrente pode ser escrita como: J� = −Ne e ��u� Ne e 2 τ � J� = E me Seja: 9.3. CONDUTIVIDADE ELÉTRICA E A LEI DE OHM σ= Então: e 2 Ne τ me Lei de Ohm � J� = σ E onde σ = condutividade elétrica. � é equivalente a escrever V = RI. Vejamos que escrever J� = σ E Consideremos um fio de secção transversal A: Figura 9.8 V = El e I = JA J = σE = σ V l I V l =σ ⇒V = I A l σA ���� R Então: 131 132 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA V = Ri Definimos resistividade como sendo o inverso da condutividade: ρ= 1 σ R= ρl A Temos: ⇒ De fato a resistência deve ser diretamente proporcional a l e inversamente proporcional a A. R= comprimento × resistividade areadasecaotransversal Na realidade a resistividade de um material varia com a temperatura T. ρ = ρo [1 + α (T − To )] α = coeficiente de temperatura da resistividade α > 0 para metais α < 0 para semicondutores Figura 9.9 9.4. ASSOCIAÇÃO DE RESISTORES 9.4 9.4.1 Associação de Resistores Associação em Paralelo Figura 9.10 V = Req Ieq Req = V I1 + I2 + I3 1 I1 I2 I3 1 1 1 = + + = + + Req V V V R1 R2 R3 N � 1 1 = Req Ri i=1 9.4.2 Associação em Série V = V 1 + V 2 = R1 I + R2 I V = (R1 + R2 ) I Req = (R1 + R2 ) 133 134 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA Figura 9.11 Req = N � Ri i=1 Exercı́cio 9.1. Um material condutor possui condutividade dada por: σ(x) = σa + (σb − σa ) x l onde σa e σb são constantes. O condutor possui comprimento l e área de secção transversal constante. Determine a resistência entre as faces A e B do condutor. Figura 9.12 R= ρl l ⇒ R(x) = A σ(x)A 135 9.4. ASSOCIAÇÃO DE RESISTORES Figura 9.13 n Req = Σ Ri ⇒ R = i=1 �l dx 1 = σ(x)A A 0 �l 0 σa + � dx � σ −σa � b l x ⇒ � l σb R= ln A(σb − σa ) σa Exercı́cio 9.2. Um material condutor é moldado na forma de um tronco de cone. O raio da base menor é a e o raio da base maior é b. O comprimento é l e a resistividade é uniforme. Determine a resistência entre as bases. Figura 9.14 R= ρ R= π �l 0 � dR ⇒dR = ρdx πr2 (x) ⇒ r (x) = a + dx ρ � � b−a � �2 ⇒ R = π a+ l x R= ρl se πab � l b−a a=b ⇒R= b−a x l �� � 1 1 − + ⇒ b a ρl πa2 136 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA Exercı́cio 9.3. Um material é moldado na forma de uma cunha, como ilustra a figura abaixo. O material possui uma resistividade ρR . Determine a resistência entre as faces A e B Figura 9.15 R= ρ R= w �l 0 se b → a, � a+ dx � b−a � l ρdx a+ (b−a) x l � w ρ l ⇒R= ln w (b − a) x (b − a) → 0 ⇒ ln ⇒R= 9.5 dR = � dR �b� a = ln � b−a a � � b a � +1 ≈ b−a a ρl (b − a) ρl = w (b − a) a aw Força Eletromotriz É necessário se gastar energia elétrica para manter uma corrente constante em um circuito fechado. A fonte de energia é chamada de fonte de força eletromotriz (fem - sı́mbolo ε ). Exemplos: baterias, células solares, etc Matematicamente: ε ≡ dw dq Ou seja, o trabalho para mover uma unidade de carga na direção do potencial mais alto. 137 9.5. FORÇA ELETROMOTRIZ [ε] = V (volt) Considere o circuito: Figura 9.16 Assumindo que a bateria não possui resistência interna, então a diferença de potencial VA − VB = V = ε Corrente: I = ε R No entanto, uma bateria real sempre possui um resistência interna r. Neste caso, a diferença de potencial nos terminais da bateria é: Vc − Va = ∆V = ε − rI Figura 9.17 No circuito todo: ε − rI − RI = 0 ⇒ I = ε r+R 138 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA Figura 9.18 . Voltagem cai ao passar por cada resistor. . Nos fios é constante. 9.5.1 Potência A potência é dada por: dW dq =V dt dt Taxa de Transferência de Energia Como P = V I é sempre válido: Usando a Lei de Ohm: → P = I 2R A potência gasta pela bateria: P = Iε = I (IR + Ir) = I 2 R + I 2 r Potência da fonte é igual a Potência dissipada em R + Potência dissipada em r. 9.5.2 Potência Máxima Transmitida P = RI 2 139 9.6. LEIS DE KIRCHOFF Figura 9.19 I= P = ε R+r Rε2 (R + r)2 dP dP ε2 2Rε2 =0→ = − =0 dR dR (R + r)2 (R + r)3 ⇒ R + r = 2R R=r 9.6 Leis de Kirchoff As leis de Kirchoff: 1- Dos nós: ΣIentram = ΣIsaem 2- Das malhas: Σ circuito fechado ∆V = 0 Nos circuitos temos: Va > Vb ⇒ ∆V = Vb − Va = −RI 140 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA Figura 9.20 Figura 9.21 Va < Vb ⇒ ∆V = Vb − Va = +ε Exercı́cio 9.4. Qual o valor de I1 , I2 e I3 ? Figura 9.22 Consideremos que o sentido das correntes são como mostrados na figura. Pela lei das malhas: Começando em A: V 1 − R1 I 1 − R3 I 1 + R3 I 2 = 0 Começando em B: −R3 I2 + R3 I1 − R2 I2 + V2 = 0 141 9.7. CIRCUITO R-C Temos duas equações e duas incógnitas, I1 e I2 I3 = I1 − I2 Se I1 der negativo, então o sentido da corrente é oposto ao que supomos inicialmente, o mesmo para I2 . 9.7 9.7.1 Circuito R-C Carregando um capacitor Considere o circuito abaixo: Figura 9.23 Bateria com uma fem ε constante e resistência interna nula. Inicialmente o capacitor está completamente descarregado q( t=0 ) = 0 e a chave passa para a posição (1). A corrente começa a circular: I (0) = ε R A medida que o tempo passa ( t ¿ 0 ), o capacitor vai carregando até atingir a carga máxima ( t = tf ) Q = Cε Analisemos o que ocorre entre os dois instantes ( 0 ¡ t ¡ tf ). Pela Lei da Malhas: ε − I (t) R − q(t) C =0 Podemos resolver a equação em termos da corrente ou da carga. Escolhendo a carga: 142 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA Figura 9.24 ε − RI (t) − I (t) = ⇒ q (t) =0 C dq (t) dq q ⇒ε−R − =0 dt dt C dq 1� q� dq dt = ε− ⇒ = dt R C εC − q RC Integrando ambos os lados, temos: �q dq 1 =− q − εC RC 0 �t 0 dt ⇒ ln � q − εC −εC � =− t RC � � t t q − εC = −εC e−( RC ) ⇒ q (t) = εC 1 − e−( RC ) � � t q (t) = Q 1 − e− RC Onde Q é a carga máxima armazenada no capacitor. dq I (t) = dt I (t) = � q (t) = Q 1 − e Q −t εC −t e RC = e RC RC RC −t RC � 143 9.7. CIRCUITO R-C Figura 9.25 I (t) = ε −t e RC R Figura 9.26 τ = RC é uma medida do tempo de decaimento da função exponencial. Depois de t = τ a corrente cai de um fator de 1e = 0, 368. Tensão no Capacitor Vc (t) = � � � t t q (t) Q� = 1 − e− RC = ε 1 − e− RC C C q (t → ∞) = Cε = Q t→∞⇒ Vc (t → ∞) = ε I (t → ∞) = 0 144 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA Figura 9.27 Depois de um tempo t = τ a diferença de potencial entre os capacitores aumenta de um valor igual a (1 − e−1 ) = 0, 632 do seu valor final. Vc (τ ) = 0, 632ε 9.7.2 Descarregando um capacitor Considerando que a chave permaneceu por um longo tempo na posição (1), vamos mudar a chave para a posição (2). Figura 9.28 Podemos prever que a corrente terá o mesmo comportamento que o processo anterior, com a diferença que mudará de sentido. t ε Idescarga (t) = −Icarga (t) = − e− RC R Montando a equação: 145 9.7. CIRCUITO R-C q (t) − RI (t) = 0 C I (t) = − dq dt q (t) dq (t) −R =0 C dt dq (t) q (t) dq dt =− ⇒ =− ⇒ dt RC q RC �q dq =− q Q � � q t ln =− ⇒ Q RC t q (t) = Qe− RC Vc (t) = t t q (t) Q = e− RC = εe− RC C C I (t) = − t dq ε = e− RC dt R Figura 9.29 �t 0 dt RC 146 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA Figura 9.30 Figura 9.31 Figura 9.32 t < 0 ⇒ Req = R1 + R2 147 9.7. CIRCUITO R-C τ = Req C = (R1 + R2 ) C � q (t) = εC 1 − e −( τt ) � Figura 9.33 Figura 9.34 τ � = R2 C t q � (t) = εCe− τ � Corrente entre A e B como função do tempo depois que o circuito é fechado. 148 CAPÍTULO 9. CORRENTE ELÉTRICA E RESISTÊNCIA ε = R1 I 1 ⇒ I 1 = ε R1 q (t) − R2 I2 (t) = 0 C q (t) dq2 (t) + R2 =0 C dt Figura 9.35 dq2(t) dt − t =− ⇒ q2 (t) = εCe R2 C q2 R2 C I2 (t) = − I = I1 + I2 = ε − R tC e 2 R2 ε ε − R tC + e 2 R1 R2