RELATO DE CASO CLÍNICO DE HIPERPLASIA FIBROSA INFLAMATÓRIA REPORTOFCASEHYPERPLASIAFIBROUSINFLAMMATORY Rosana Mara Giordano de BARROS1 Kimberley dos Santos Moura CAMPOS2 Lais Maksoud CABRAL3 RESUMO Na clínica odontológica, as patologias representadas por aumentos de volume são extremamente importantes. Dentre as lesões mais predominantes enquadra-se a hiperplasia fibrosa inflamatória que apresenta-se como uma lesão proliferativa benigna decorrente de um traumatismo crônico de baixa intensidade, sendo o mais frequente o uso de próteses dentárias parciais ou totais mal adaptadas. Clinicamente, caracteriza-se como uma massa nodular, geralmente séssil e de coloração rósea a eritematosa. Por não possuir achado bibliográfico na literatura, o presente estudo tem por objetivo descrever um caso clínico de hiperplasia fibrosa inflamatória não originada por aparelho protético dentário, diagnosticado em uma paciente do sexo feminino, no complexo de clínicas da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. A terapêutica adotada foi a remoção cirúrgica completa da lesão. A proservação do caso, realizada duas semanas após a cirurgia, revelou um bom reparo tecidual. UNITERMOS: Patologia Bucal; Hiperplasia; Diagnóstico. INTRODUÇÃO A hiperplasia fibrosa inflamatória (HFI) é uma lesão proveniente de uma reação do tecido conjuntivo fibroso, decorrente de trauma crônico de baixa intensidade, representado geralmente pelo uso de prótese dentária parcial ou total mal adaptada. Entretanto, pode ainda ter como fatores etiológicos: dentes fraturados, raízes residuais, higiene bucal inadequada, restaurações mal adaptadas, diastemas e outros traumas.1,2 A HFI pode apresentar outras sinonímias como epúlide fissurada, tumor por lesão de dentadura, epúlide por dentadura, ou ainda hiperplasia fibrosa traumática.3,4 Contudo, ela é denominada melhor como hiperplasia fibrosa inflamatória.2 Essa lesão acomete preferencialmente o sexo feminino, adultos de meia idade ou mais velhos com prevalência pela sexta década de vida. 5,6 Sua localização pode acometer qualquer área da mucosa bucal, mas é frequentemente observada na região anterior da maxila e mandíbula e na região de fundo de sulco vestibular. Observando a variável raça, a concentração de ocorrências foi soberana em indivíduos leucodermas, em relação aos xantodermas.3,4 Em relação às características clínicas, a HFI pode se apresentar como um processo exofítico, ou como uma placa bem definida, de consistência firme ou flácida quando submetida à palpação. A base pode ser séssil ou pediculada, com coloração semelhante à mucosa ou eritematosa, de crescimento lento, sendo geralmente assintomática. A superfície caracteriza-se como lisa, podendo se apresentar como um molde negativo da câmara de sucção.2 Histologicamente tal patologia apresenta um epitélio pavimentoso estratificado freqüentemente hiperplásico, ceratinizado, alternando áreas de hiperceratose e paraceratose. O tecido conjuntivo caracteriza-se como denso e fibroso em lesões mais antigas, exibindo usualmente um infiltrado de células inflamatórias crônicas, ou pode se apresentar como um tecido de granulação em lesões jovens.7 Estudos demonstram a presença de sinais displásicos no epitélio das hiperplasias fibrosas inflamatórias.8,9 A displasia epitelial representa um conjunto de distúrbios na maturação celular com potencial de malignização. A observação e a interpretação da presença desses sinais displásicos podem mudar significativamente o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento da referida lesão.10,11 A realização da biópsia é importante para confirmar o diagnóstico de hiperplasia fibrosa inflamatória, visto que ela faz diagnóstico diferencial co m lipo fibroma , neurofi bro ma, rabdomioma, leiomioma, tumores de glândulas salivares menores e também com o granuloma piogênico e o fibroma ossificante periférico. 12,13O procedimento terapêutico mais indicado para o tratamento da HFI é a remoção cirúrgica da lesão.3 Outras terapêuticas, adotadas em determinados casos, são a microabrasão, o uso do laser ou a crioterapia.2 1 - Doutora pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 2 - Graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 3 - Graduada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Revista Odontológica de Araçatuba, v.35, n.2, p. 15-18, Julho/Dezembro, 2014 15 Por representar a lesão proliferativa não neoplásica mais prevalente encontrada na boca, de acordo com os levantamentos epidemiológicos achados na bibliografia, é importante que o cirurgião dentista se atente às características clínicas para estabelecer um correto diagnóstico e terapêutica para cada caso.5,14 Por não ser usualmente descrito na literatura, o presente artigo se propõe a relatar um caso clínico de HFI não originada por prótese dentária. RELATO DE CASO CLÍNICO Pacient e do gênero feminino, 28 anos, vendedora, natural de Campo Grande (MS), casada, compareceu ao complexo de clínicas da FAODO no dia 12 de junho de 2014, sendo atendida na disciplina de Estomatologia e Radiologia II. Os sinais vitais apresentados pela paciente foram: pressão arterial 120/80 mmHg e temperatura de 36,5° C. Na ana mnes e geral, f oi co ns t at ado sangramento ao escovar os dentes, com necessidade de tratamento periodontal, e presença de gastrite, apesar de não fazer uso de medicamentos. É considerada uma pessoa nervosa e apresenta problemas com o período de menstruação. Entretanto, não tem pressão alta, hemorragia, diabetes e não é alérgica a nenhum medicamento. Além disso, não é fumante, não faz uso de drogas e nem de bebida alcoólica com frequência. Na anamnese bucal, verificou-se mastigação apenas do lado esquerdo da boca e hábito de onicofagia. Em relação à higiene oral, faz uso do fio dental e escova os dentes duas vezes ao dia. Ao exame clínico extra bucal, não foi observada nenhuma pigmentação ou ulceração. A simetria facial, as cadeias ganglionares, assim como a articulação temporo-mandibular (ATM) aparentavam normalidade. No exame clínico intra-oral, os lábios estavam normais, a mucosa jugal apresentava linha alba e a língua edentada. O assoalho bucal, palato mole, orofaringe e glândulas salivares estavam aparentemente normais. Foi observada restaurações em alguns elementos dentários, assim como lesão cariosa. As gengivas possuíam pigmentações melânicas e recessão gengival nos elementos 44 e 45. Na região de palato duro, notou-se uma lesão nodular elevada de tecido mole, assintomática, bem de li mit ada, de fo rma to globoso , medindo aproximadamente 6,5 mm de diâmetro e 2 mm de altura, pediculada com coloração rosa pálido semelhante à cor da mucosa adjacente, com possível diagnóstico de lesão de glândulas salivares menores ou hiperplasia fibrosa inflamatória (Figura 1). Devido a isso, a paciente foi encaminhada à clínica de Estágio Obrigatório Integrado em Estomatologia, Radiologia e Patologia, onde foi atendida no dia 18 de junho de 2014. Segundo relato, a lesão do palato apareceu há aproximadamente 10 anos e gerava incômodo ao deglutir, não tendo nenhuma etiologia específica, sendo que nunca fez uso de aparelhos protéticos. Figura 1- Aspecto clínico da lesão. Para a remoção cirúrgica, optou-se pela biópsia do tipo excisional. Após bochecho com solução de digluconato de clorexidina 2% por 1 minuto, realizouse a assepsia do campo operatório com solução de digluconato de clorexidina 0,12%. Sob anestesia local, foi feita uma incisão em forma de cunha no pedículo da lesão, removendo esta com pequena margem de segurança. Devido à facilidade de estancamento do fluxo sanguíneo através da coaptação dos bordos com gaze, não houve necessidade de sutura. Por isso, a terapêutica medicamentosa instituída foi uso interno de dipirona sódica 500 mg frasco 30 gotas de 6 em 6 horas, durante 2 dias, ou enquanto houvesse dor. O fragmento removido foi imediatamente depositado em um tubo compatível com o tamanho da lesão contendo solução de formaldeído a 10% e enviado para estudo histopatológico. A análise microscópica demonstrou mucosa bucal revestida por tecido epitelial pavimentoso estratificado acantótico. Subjacente, o tecido é constituído de fibras de tecido conjuntivo fibroso e vasos sanguíneos congestos, com presença de células inflamatórias mononuleadas. Através do laudo, concluiu-se que a lesão se tratava de uma hiperplasia fibrosa inflamatória (Figura2). Revista Odontológica de Araçatuba, v.35, n.2, p. 15-18, Julho/Dezembro, 2014 Figura 2- Aspectos histológicos da lesão. 16 A proservação do caso, realizada quinze dias após a remoção cirúrgica da lesão, revelou um ótimo processo de reparo tecidual (Figura 3). A fim de auxiliar a escovação sem traumatizar o local, foi ainda receitado bochecho com solução de digluconato de clorexidina 2%, por um período de 7 dias. Não foi constatada displasia epitelial no caso clínico descrito, embora já tenham sido reportados casos no acervo literário disponível.8,9 O tecidoconjuntivo normalmente apresenta-se denso e fibroso, com presença de vasos congestos. Infiltrado inflamatório crônico pode ser observado.3,7No corte histológico do presente estudo, as células inflamatórias apresentaram-se escassas. Diversos autores consideram o prognóstico excelente - o que está de acordo com a paciente em acompanhamento - desde que seja removido o agente etiológico e orientações de higiene oral sejam transmitidas de forma clara ao paciente.17 CONCLUSÃO A hiperplasia fibrosa inflamatória acomete, em sua maioria, usuários de próteses dentárias mal adaptadas. Entretanto, outros agentes podem desencadear tal condição. Por isso, o cirurgiãodentista deve estar atento às particularidades de cada caso, para instituir umcorreto diagnóstico e tratamento adequado, a fim derestabelecer a saúde bucal do paciente. Se possível, é necessário, além da remoção cirúrgica, a eliminação do agente traumático. ABSTRACT Figura 3 - Proservação do caso após 15 dias. DISCUSSÃO As ca rac t erís t ic as clí ni ca s do c as o apresentado são compatíveis com quadros de hiperplasia fibrosa inflamatória descritos na literatura, onde apresentando-secomo um processo exofítico, bem delimitado, de cor semelhante à mucosa adjacente, pediculada, assintomática, de crescimento lentoe sem envolvimento ósseo.1,2,3 Além disso, esta patologia acomete com maior freqüência o gênero feminino3,4, assim como a paciente acompanhada no complexo de clínicas da FAODO na disciplina de Estomatologia e Radiologia II. Há um co nse ns o na lit e ra tura de que aetiopatogenia da hiperplasia fibrosa inflamatória possui estreita relação com trauma crônico de baixa intensidade, sendo o mais comum o uso de aparelhos pro té t ic os de nt á ri o s co m a da pta çã o insatisfatória.1,3,4,15Porém, o caso clínico em questão não apresentou etiologia aparente, já que a paciente não usava aparelhos protéticos. A terapêutica cirúrgica consagrada na literatura é a biópsia excisional, onde a lesão é removida completamente, com margem de segurança.3,12,16 Por isso, no presente caso clínico foi adotada esta conduta, seguido de estudo histopatológico. Os aspectos microscópicos condizem com a maioria dos achados bibliográficos. Ambos relatamum epitélio pavimentoso estratificadofreqüentemente hiperplásico eceratinizado, que pode exibir alterações inflamatórias, como exocitose, acantose e proliferação dos cones epiteliais.3,7 In the dental clinic, the conditions represented by volume increases are extremely important. Among the most prevalent injury fits inflammatory fibrous hyperplasia presents as a benign proliferative lesion arising from a chronic injury of low intensity, the most common being the use of partial dentures or poorly adapted totals. Clinically, it is characterized as a nodula r ma s s, us ua lly s es s ile a nd pi nkis h erythematous. Not having found literature in the literature, this study aims to describe a case of inflammatory fibrous hyperplasia not caused by dental prosthetic device, diagnosed in a female patient in the clinical complex of the Dental School of the Federal University of Mato Grosso do Sul. the adopted treatment was complete surgical removal of the lesion. Follow up of the case, held two weeks after surgery, showed a good tissue repair. U NITER MS: Ora l Pa tho lo gy, Hy perpla s ia , Diagnosis. REFERÊNCIAS 1.Bassi APF, Vieira EH,Gabrielli MAC. Hiperplasia Fibrosa Inflamatória. Rev Gaúcha Odontol 1998; 46(4):209-11. 2.Santos MESM, Costa W RM, Silva Neto JC. 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