ARTIGO EXERCíCIO AERÓBIO E O NíVEL DE DEPRESSÃO: ESTUDO DE CASOS EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE Tatiana Pagliarin1 Alexandre Ramos Lazzarotto2 Resumo A depressão é uma doença associada ao sistema nervoso central. O exercício pode ser uma estratégia de tratamento, porém é necessário o desenvolvimento de pesquisas que possibilitem a sua inserção nesse contexto. A partir das premissas anteriores, desenvolveu-se uma pesquisa com o objetivo principal de avaliar um programa de exercícios aeróbios no nível de depressão dos pacientes de uma unidade básica de saúde do Vale dos Sinos. Os objetivos específicos foram comparar os níveis de depressão antes e após o programa, verificar a diminuição ou substituição de fármacos e compreender a concepção das participantes do programa. As participantes, via consentimento informado, foram cinco mulheres na faixa etária entre 34 e 49 anos, com diagnóstico depressivo, em condições clínicas de realizar exercício físico. Na coleta dos dados foram utilizados: o inventário de Beck, que tem por finalidade avaliar o nível de depressão através de escores; e a ficha de coleta dos dados, contendo registros de medicação de cada participante, datas de consultas com respectiva avaliação e registro das freqüências cardíacas durante as sessões - esta ficha foi de avaliação constante durante o programa. No término do programa, realizou-se entrevista semi-estruturada, com a finalidade de demonstrar a concepção das participantes em relação a: percepção corporal, relações interpessoais e continuidade do exercício. O inventário de Beck foi usado em dois momentos: ao se iniciar o estudo e ao fim deste, para comparação dos resultados. Após a avaliação inicial, as participantes vivenciaram o programa na forma de ginástica aeróbica, durante 10 semanas, numa freqüência de duas sessões por semana, Recebido para publicação em 10/2006 e aprovvado em 11/2006 1 Graduada em Educação Fisica pelo Centro Universitário Feevale 2 Centro Universitário Feevale 130 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 com duração de 60 minutos, começando com 45% e finalizando com 70% da freqüência cardíaca máxima. Os resultados evidenciaram diminuição do nível de depressão das participantes A, B, C e E, que tiveram seus escores diminuídos em 78,57%, 86,66%, 72,77% e 6,6%, respectivamente, enquanto a paciente D não apresentou diminuição. A concepção das participantes foi relatada como positiva; o convívio do grupo, segundo as participantes, proporcionou troca de experiências e crescimento de aprendizagem, auto-imagem, auto-estima, coordenação motora, flexibilidade, condicionamento físico e sociabilização. Considerando o período de realização da pesquisa, não foi possível verificar a diminuição ou substituição dos fármacos. A partir dos resultados, é possível afirmar que, no contexto estudado, o exercício pôde ser utilizado como tratamento complementar à depressão. Palavras-chave: exercício físico, depressão. INTRODUÇÃO No mundo, aproximadamente 121 milhões de pessoas sofrem de depressão. As estatísticas apresentadas pela Organização Mundial da Saúde (2004) apontam para um crescimento considerável nesse número. Segundo Guariente (2000) e Terra (1999), a depressão é uma desordem mental, um desequilíbrio químico, na qual os níveis de neurotransmissores são insuficientes na fenda sináptica. Esse desequilíbrio pode desencadear sintomas neurológicos e também psiquiátricos (NERO, 2004). É pelo agrupamento e duração dos sintomas que se diagnostica o tipo de transtorno de humor apresentado pelos pacientes depressivos (FIRST, 2000). O tratamento-padrão para a depressão constitui-se de fármacos antidepressivos, que têm por finalidade inibir a recaptação dos neurotransmissores, mantendo os níveis destes elevados por mais tempo na fenda sináptica. Os fármacos apresentam particularidades, por isso é importante levar em consideração alguns fatores, como: idade do paciente, características clínicas individuais e específicas (existência de doenças clínicas ou psiquiátricas) e as características do transtorno depressivo em questão (ANDRADE, 2003; MORIHISA, 2003). O exercício físico, por sua vez, pode ser uma via complementar para o tratamento da depressão, já que pode influenciar o metabolismo e a quantidade de hormônios. A regulação destes é feita pelo sistema R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 131 endócrino. Os hormônios exercem efeito sobre todos os tecidos do corpo, mas a maioria deles desempenha seu efeito sobre um órgãoalvo específico (SHARKEY, 1998; MCARDLE, 1998; FOSS, 2000). Fisiopatologia da Depressão Durante as sinapses químicas, as informações são medidas por moléculas químicas neurotransmissoras liberadas pela terminação nervosa (LENT, 2004). O potencial de ação estimula a entrada de Ca², o qual, por sua vez, induz a exocitose das vesículas sinápticas; os neurotransmissores se difundem na fenda sináptica e interagem com seu receptor. Após um período, ele se dissocia do receptor e a resposta é terminada. Para impedir nova associação entre transmissor e receptor, o neurotransmissor é destruído pela ação catabólica de uma enzima ou absorvido novamente pela terminação pré-sináptica (SILVERTHORN, 2003; CARDOSO, 2000). Qualquer desequilíbrio na quantidade de neurotransmissores ou receptores pode desencadear sintomas neurológicos e também psiquiátricos. O mecanismo da sinapse apresentado por Nero (2004) requer que a ligação do neurônio “A” com o neurônio “B” possibilite a passagem de uma informação; para que isso ocorra, é necessário que a quantidade de neurotransmissores na fenda sináptica, bem como seus receptores, estejam disponíveis em quantidade suficiente. Fármacos Antidepressivos As principais teorias que buscam elucidar a fisiopatologia da regulação do humor surgiram a partir dos estudos sobre os efeitos terapêuticos dos fármacos antidepressivos e o seu mecanismo de ação, como afirmam Kapczinski et al. (2004). Essas descobertas sobre as drogas antidepressivas vêm auxiliando no entendimento da própria doença; na depressão, os níveis de neurotransmissores são insuficientes na fenda sináptica. Segundo Andrade et al. (2003), os antidepressivos têm por objetivo inibir a recaptação dos neurotransmissores e manter um nível elevado destes na fenda sináptica. Esse aumento de neurotransmissores na fenda se dá através do bloqueio da recaptação da NE e da 5HT no neurônio pré-sináptico, 132 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 ou, ainda, através da inibição da monoaminaoxidase (MAO), que é a enzima responsável pela inativação desses neurotransmissores. Conforme Moreno et al. (1999), os antidepressivos são atualmente classificados pela sua ação farmacológica em: - Antidepressivos Tricíclicos (ADTs) – seu mecanismo de ação é bloquear na fenda pré-sináptica a recapturação de monoaminas, principalmente norepinefrina (NE) e serotonina (5-HT), e em menor proporção a dopamina (DA), permitindo que estas fiquem mais tempo disponíveis na fenda sináptica. - Inibidores da monoaminaoxidase (IMAOs) – o mecanismo de ação desses fármacos está associado à enzima monoaminaoxidase (MAO). O uso dessa droga reduz a atividade da MAO. O resultado é um aumento na concentração dos neurotransmissores nos locais de armazenamento no sistema nervoso central (SNC) e no sistema nervoso simpático. - Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) – inibem de forma potente e seletiva a recaptação de serotonina, resultando em potencialização da neurotransmissão serotonérgica. Os ISRSs são rapidamente absorvidos, ligam-se fortemente a proteínas plasmáticas e são primeiramente metabolizados pelo fígado. Os ISRSs citalopram, fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina são o resultado de pesquisa com finalidade de encontrar medicamentos tão eficazes quanto os ADTs, mas com poucos problemas de tolerabilidade e segurança. - Há diversidade de outros fármacos, como: inibidor seletivo de recaptura de dopamina (ISRD), inibidor seletivo de recaptação de norepinefrina (ISRN) – cabe citar a Trazodona, que envolve a inibição da recaptação de serotonina e noradrenalina; e os inibidores de recaptura de serotonina e antagonista alfa 2 (IRSAs) Nefazodona se dá por meio da inibição da captação neuronal de serotonina e noradrenalina. É antagonista de receptores 5-HT2 e de receptores alfa1 adrenérgicos. Exercício Físico no Contexto da Depressão As pesquisas envolvendo exercício físico e depressão apresentam problemas metodológicos, como nos mostram Silveira e Duarte (2004): populações heterogêneas, diferentes instrumentos de R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 133 avaliação e intervenções terapêuticas, o que dificulta correlação entre os estudos. No presente estudo, o emprego dos termos atividade física e exercício físico segue a contextualização segundo ACSM (2003). Atividade física é qualquer movimento corporal produzido pelos músculos esqueléticos e que apresenta gasto de energia. Já o exercício físico é apresentado como uma subclasse da atividade física, sendo definido como movimento corporal planejado e estruturado, que tem por finalidade manter um ou mais componentes da aptidão física. O exercício moderado (55% do VO2max) pode diminuir a ansiedade e a depressão, principalmente pelo aumento da concentração dos opióides endógenos, os quais produzem efeitos imunorregulatórios, destacando-se dentre eles o peptídeo opióide denominado B-endorfina (GARRETT; KIRKENDALL, 2003). O aumento da produção das catecolaminas (epinefrina e noradrenalina) contribui para a estimulação neuropsíquica. As catecolaminas atuam de maneira conjunta, e seus efeitos incluem aumento da taxa de metabolismo e da força de contração do coração, liberação de glicose e ácidos graxos livres, entre outros benefícios (FERRETTI, 1997; MCARDLE, 1998; BERNE; LEVY, 1996). Os benefícios fisiológicos relacionados ao exercício ocorrem quando o hormônio é lançado na corrente sanguínea e alcança sua célula-alvo, interagindo com seu receptor localizado dentro da membrana desta célula. Essa interação ativa a enzima adenil ciclase, também localizada dentro da membrana celular; por sua vez, a enzima adenil ciclase ativada induz a formação de AMP cíclico (adenosina monofosfato) a partir do ATP (adenosina trifosfato). Depois do AMP cíclico formado, as respostas fisiológicas podem começar a ocorrer, como ativação das enzimas, alteração da permeabilidade celular, indução da contração ou relaxamento muscular, síntese protéica e secreção (FOSS, 2000). No que se refere à área psicológica, segundo Samulski (2002), o exercício físico induz aumento da auto-estima, redução do estado de estresse, ansiedade e produção de efeitos emocionais positivos, possivelmente por manter os níveis de endorfina elevados na fenda sináptica. De acordo com Silveira e Duarte (2004), as endorfinas encontram seus receptores em áreas do cérebro que estão associadas a emoções, dor, prazer; com o estímulo do exercício, a produção aumenta, ajudando as pessoas a sentirem-se melhor. 134 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 METODOLOGIA O delineamento desta pesquisa caracterizou-se por um estudo de casos. O campo de estudo foi uma Unidade Básica de Saúde de Vale dos Sinos, tendo como participantes, via consentimento informado, pacientes com diagnóstico de depressão com condições clínicas de realizar exercícios físicos. Determinaram-se como critério de perda duas faltas consecutivas ou cinco alternadas durante o programa, bem como alguma interferência clínica. Instrumentos de Pesquisa Para realização do presente estudo, foram utilizados: a) Ficha de coleta de dados: registro de dados como: nome, idade, endereço, telefone, profissão, medicação, data e observação das consultas junto ao psicólogo ou psiquiatra e freqüência cardíaca durante as sessões de exercício, com objetivo de acompanhar a zonaalvo de cada participante. b) Inventário de Beck: instrumento de medida para avaliar o estado de depressão. A versão utilizada foi validada por Cunha (1998) e publicada pela Casa do Psicólogo em 2001. Segundo Gorenstein et al. (1998), o inventário de Beck consiste em uma auto-avaliação com 21 itens, incluindo sintomas e atitudes, com intensidade que varia de 0 a 3 pontos. Os itens referem-se a sensação de tristeza, culpa, fracasso, pessimismo, relações sociais, distúrbios do sono e de apetite, distorção da auto-imagem, entre outros aspectos. As respostas devem ser pontuadas de acordo com a vivência das duas últimas semanas. O somatório dos escores indica o nível de depressão (GORENSTEIN; ANDRADE, 1998; CHEICK, 2003). -Menos de 10 pontos: mínima -De 10 a 18 pontos: leve a moderada -De 19 a 29 pontos: moderada a grave -De 30 a 63 pontos: grave c) Entrevista semi-estruturada estratificada em três dimensões: participação no programa, bem como continuidade do exercício, percepção corporal e relações interpessoais. R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 135 Característica da Amostra As participantes eram mulheres com idade entre 34 e 49 anos, todas com diagnóstico depressivo realizado pela equipe de saúde mental, com condições clínicas aptas a realizar exercício físico. Todas as participantes eram atendidas pela equipe de saúde mental, porém uma havia interrompido o uso de medicação e para uma outra não havia necessidade. No início do programa, todas as participantes dedicavam seu tempo às atividades do lar; duas delas eram costureiras e uma cabeleireira, mas nenhuma exercia função. Dentre os possíveis motivos que desencadearam o quadro de depressão das participantes, observa-se perda de entes queridos, depressão pós-parto, conflitos familiares. Tabela 1 - Desenho da Amostra Participantes Idade Ocupação A 39 Costureira B 49 Do Lar C 34 Cabeleireira D 44 Do Lar E 44 Costureira de Calçados Motivos registrados para presente estado de depressão Perda de entes queridos, mudanças constantes de endereço e doença do marido. Separação do casal Marido alcoólatra e suicídio do primo a levaram a sentir-se sem vontade de viver. Crise no relacionamento. Pós-parto (nascimento de uma criança com limitações físicas, expressava sentimento de culpa) Programa de Exercícios As aulas eram realizadas duas vezes por semana, com duração total de 60 minutos, distribuídas em aquecimento, exercícios aeróbios, com predomínio de 25 a 30 minutos, exercícios de resistência localizada e alongamento e relaxamento; o programa apresentou variações nos exercícios, com o objetivo de motivar o grupo. Segundo a ACMS (2003), as adaptações cardiovasculares significativas têm sido obtidas com sessões de exercícios de 5 a 10 minutos de duração e intensidade superior a 90% da capacidade funcional. Para os pacientes sedentários, são recomendadas sessões moderadas, com duração de 20 a 30 minutos e intensidade entre 40 e 136 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 60% da capacidade funcional. Considerando que, pelo contexto estudado, não seria possível a determinação do VO 2máx por ergoespirômetro, optou-se pela fórmula de Karvone e, a partir dela, foi calculado o percentual de treinamento pela freqüência cardíaca. As primeiras aulas iniciaram-se com intensidade moderada de 40%, para adaptação das participantes, e posteriormente passaram a ter intensidade de 50 a 60% da freqüência cardíaca máxima, culminando com 70%, mantido num período entre cinco e oito minutos. ResultadosDiscussão O inventário de Beck foi aplicado em dois momentos: no início do programa e no término; a interpretação dele foi realizada e fornecida pela equipe de Saúde Mental da Unidade, composta por psicólogos e psiquiatras, que acompanhavam as pacientes. Escores 25 Aval. Inicial 15 10 Aval. Final 20 20 16 15 14 16 13 10 6 7 5 1 0 A B C D E Participantes Figura 1 - Escores obtidos pelo inventário de Beck. Os resultados evidenciaram que as participantes A, B, C e E tiveram seus escores diminuídos em 78,57%, 86,66%, 72,77% e 6,6%, enquanto a participante D não apresentou diminuição. Na interpretação dos escores da participante D, salientou-se uma discussão familiar recente, o que deve ser levado em consideração, uma vez que o inventário de Beck sugere uma análise das duas últimas semanas (GORENSTEIN; ANDRADE, 1998). Os itens que sofreram alteração na pontuação estão relacionados a auto-imagem e estado emocional: diminuição do estado de tristeza, fracasso, desânimo, irritabilidade e culpa, além de melhora R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 137 da qualidade do sono, apetite e interesses interpessoais – embora ainda limitado para alguns casos. No que se refere à medicação, os estudos com antidepressivos têm demonstrado uma determinada eficácia. A equipe de saúde mental preconiza procedimentos na Unidade, correspondentes à adaptação, manutenção e acompanhamento do medicamento, reavaliação e retirada gradativa deste (MORIHISA, 2003; DEF, 2002/03). Considerando o quadro clínico das participantes e os procedimentos preconizados pela equipe de saúde mental da Unidade, não foi possível verificar a diminuição ou substituição dos fármacos usados no seu tratamento. A participante B teve a dose de fluoxetina aumentada de 20 para 40 mg/dia; ressalta-se que a paciente estava em fase de adaptação ao fármaco. A participante D, por sua vez, não conseguiu disciplinar-se e utilizar a medicação de acordo com o solicitado, mantendo o uso interrompido. As participantes A, C e E não tiveram nenhuma mudança no que se refere a este item. Tabela 2 - Medicação utilizada pelas participantes Participantes A B C D E Medicação Inicial Carbonato de lítio 900 mg/dia Clorpomazina 25 mg/dia necessário) Tempo de Uso 6 meses Medicação Final Idem à medicação inicial (se Fluoxetina 20 mg/dia 1mês Fluoxetina 40 mg/dia Fluoxetina 20 mg/dia 7 meses Fluoxetina 20 mg/dia XXXXX Manteve interrompido o uso Não havia necessidade Fluoxetina 20 mg/dia - havia interrompido o uso Não havia necessidade XXXXX Nos relatos da entrevista semi-estruturada referente ao item relacionado à participação no programa e à continuidade do exercício, o depoimento da participante E expressou a falta de vontade ao iniciar, mas relata que a motivação das aulas substituiu esse sentimento pela vontade de melhorar sem precisar voltar a tomar algum fármaco. As demais participantes expressaram otimismo e aumento da auto-estima. Como afirma Samulski (2002), o exercício físico atua na área psicológica como fator para aumento da auto-estima, produzindo efeitos emocionais positivos. Todas demonstraram interesse em continuar um programa de exercícios. 138 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 Quanto à percepção corporal, ocorreu melhora na auto-imagem, pois foi relatada a facilidade em realizar tarefas domésticas antes executadas com dificuldade. A participante E relembrou o desconforto das primeiras sessões e que só depois de um mês percebeu que havia mudado. As participantes B e D emagreceram e receberam elogios dos seus familiares; a participante D recebeu elogio inclusive do médico, que enviou um atestado, relatando melhora da sua paciente. A participante B também relatou aumento de disposição física; ao iniciar o programa, tinha apenas vontade de dormir – agora ela realizava as atividades da casa e ainda começou a cuidar do jardim. Segundo o ACSM (2003), os efeitos do exercício físico aparecem a partir da quarta semana. As últimas sessões do programa apresentavam clima descontraído entre as participantes. Quando questionadas sobre as relações interpessoais, obteve-se resposta unânime e surpreendente, pois as participantes viam o grupo como uma nova família. Relataram que já conseguiam dialogar com os filhos e até com alguns vizinhos, mas que o gostoso era poder estar com o grupo. Cleick et al. (2003) afirmam que o exercício físico proporciona ao indivíduo maior participação social, resultando no seu bem-estar biopsicofísico, melhorando a qualidade de vida. As participantes A e E retomaram as suas atividades profissionais. A participação no programa dessas cinco participantes foi total. Embora o estudo tenha apresentado limitações, como, por exemplo, reunir participantes e motivá-los, duas pessoas convidadas iniciaram o estudo realizando as avaliações clínicas e inventário de Beck, porém nunca participaram de nenhuma sessão do programa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Vários estudos estão sendo realizados sobre efeitos do exercício físico em pacientes depressivos, porém as conclusões são prematuras devido à padronização das medidas e aos problemas metodológicos. O objetivo principal da pesquisa foi avaliar se o programa de exercícios aeróbios seria capaz de interferir no nível de depressão. Ao finalizar o estudo e as devidas avaliações, verificou-se que, no contexto estudado, o programa auxiliou na diminuição dos escores na maioria das participantes, tendo como melhora significativa aspectos R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 139 relacionados a auto-imagem, estado emocional e interesses interpessoais. Já a verificação da variável fármacos não foi possível. Esta variável está interligada ao quadro clínico das participantes e aos procedimentos preconizados pela equipe de saúde mental da Unidade. Segundo a equipe, se o programa pudesse ter continuidade, respeitando o ambiente em que estava, a hipótese de diminuição farmacológica seria repensada. A concepção das participantes no programa foi positiva, embora exista perda na amostra neste estudo, a qual não está presente nos resultados obtidos. A dificuldade encontrada foi motivar um paciente depressivo a sair de casa. Em vista dos resultados obtidos, propõem-se novas investigações, viabilizando grupos maiores, de ambos os sexos e de faixa etária diferenciada, uma vez que no presente estudo verificou-se melhora dos participantes, proporcionada pelo exercício físico. ABSTRACT AEROBIC EXERCISE AND THE LEVEL OF DEPRESSION: STUDY OF CASES IN A HEALTH BASIC UNIT. Depression is an illness associated to the central nervous system. The exercise can be a treatment strategy; however the development of researches is necessary to make possible its insertion in this context. From the previous premises, a research with the main objective was developed to evaluate a program of aerobic exercises in the level of depression of the patients from a health basic unit of the Bells Valley. The specific objectives had been to compare the depression levels before and after the program, to verify the reduction or substitution of pharmacos and to understand the conception of the participants of the program. The participants, with informed assent, were five women in the age band between 34 and 49 years, with depressive diagnosis, in clinical conditions to carry through physical exercise. In the data collection were used: the Beck inventory, which has the purpose to evaluate the level of depression through props up; and the report of data collection, containing medication registers of each participant, dates of consultations with respective evaluation and register of the cardiac 140 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 frequencies during the sessions - this report was used as constant evaluation during the program. At the end of the program, a halfstructuralized interview was fulfilled, with the purpose to demonstrate the conception of the participants in relation to: corporal perception, interpersonal relations and continuity of the exercise. The Beck inventory was used on two moments: at the beginning of the study and at the end of it, for comparison of the results. After the initial evaluation, the participants had lived deeply the program in the form of aerobic gymnastics, during 10 weeks, with frequency of two sessions per week, with duration of 60 minutes, starting with 45% and finishing with 70% of the maximum cardiac frequency. The results had evidenced reduction of the depression level of the participants, A, B, C and E, whom had had its prop up diminished in 78,57%, 86.66%, 72.77% and 6.6%, respectively, while patient D did not present reduction. The conception of the participants was told as positive; the conviviality of the group, according to participant, provided exchange of experiences and growth of learning, auto-image, auto-esteem, motor coordination, flexibility, physical conditioning and socialization. Considering the period of research accomplishment, it was not possible to verify the reduction or substitution of the pharmacos. From the results, it is possible to affirm that, in the studied context, the exercise could be used as complementary treatment to the depression. Keywords: physical exercise, depression. REFERÊNCIAS AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. Manual de pesquisa das diretrizes do ACSM para os testes de esforço e sua prescrição. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 2003. ANDRADE, Rosângela Vieira; SILVA, Aderbal Ferreira; MOREIRA, Frederico Neiva et al. Atuação dos neurotransmissores na depressão. Rev. de Ciências Farmacêuticas, v.1, n.1, jan-mar. 2003. BERNE, R.M.; LEVY, M.N. Fisiologia 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. CARDOSO, Silvia Helena. Comunicação entre as células nervosas. Disponível em: <www.cerebromente.org.br> Acesso: em 02/06/2006. R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 2, p. 130-143, 2007 141 CHEIK Nadia Carla; REIS Ismair Teodoro; HEREDIA, Rímmel Armador Guzman et al. Efeitos do exercício físico e da atividade física na depressão e ansiedade em indivíduos idosos. 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