A MÚSICA E A SUA INFLUÊNCIA NA VIDA DE JOVENS E

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – MESTRADO
BETSEMENS BARBOSA DE SOUZA MARCELINO
A MÚSICA E A SUA INFLUÊNCIA NA VIDA DE
JOVENS E ADOLESCENTES ENVOLVIDOS NO
PROJETO SUPERHAÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO
DISCURSO
Cuiabá- MT
Outubro/ 2015
2
BETSEMENS BARBOSA DE SOUZA MARCELINO
A MÚSICA E A SUA INFLUÊNCIA NA VIDA DE
JOVENS E ADOLESCENTES ENVOLVIDOS NO
PROJETO SUPERHAÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO
DISCURSO
Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Estudos de Linguagem da
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Estudos de Linguagem.
Área de Concentração: Estudos Linguísticos
Linha de Pesquisa: Paradigmas de Ensino de
Línguas
Orientadora: Profª Drª Solange Maria de Barros.
Cuiabá- MT
Outubro/ 2015
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4
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DEDICATÓRIA
À minha família, o maior presente que Deus me deu.
Ao meu pai, Moisés Azevedo de Souza, grande guerreiro, que em sua
trajetória nunca poupou esforços para que eu alcançasse os sonhos e os
objetivos traçados.
À minha mãe, Luzineide Barboza de Sousa, mulher valorosa, que me
ensinou os princípios da vida e me transmitiu os preceitos da sabedoria.
Ao meu esposo, David Guizi Marcelino, por seu apoio e amor
incondicional nos momentos de alegria e de tristeza também.
Às minhas irmãs, Betina Barboza de Sousa e Bianca Barboza de Souza,
partes de mim, que me completam com seu amor imensurável e inexplicável.
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AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus criador, soberano e protetor, meu refúgio e socorro, que em
nenhum momento me abandonou.
À minha família, que nunca me abandonou e sempre foi meu porto seguro.
À professora orientadora, Drª. Solange Maria de Barros, que assumiu o
desafio de me conduzir no decorrer deste processo, sendo uma mão amiga em
todos os momentos, incentivando e apoiando. Agradeço especialmente por ter
acreditado em mim a ponto de me deixar livre na escolha de meus interesses de
pesquisa, este será um exemplo de orientador no qual me espelharei no decorrer
da minha carreira. Obrigada pela confiança e paciência, nada paga as lições de
vida e o conhecimento adquirido.
Ao Programa Pós-graduação em Estudos de Linguagem (MeEL), na
pessoa da ex-coordenadora Drª. Divanize Carboniere, da atual coordenadora
Profª. Drª. Claudia Graziano Paes de Barros.
Aos funcionários do Programa pela atenção e bom atendimento em todos
os momentos necessários.
À minha banca, professora Dra. Veralucia Guimarães de Souza e
professor Dr. Sergio Flores Pedroso, por aceitarem nos oferecer suas
valiosíssimas contribuições para a efetiva conclusão de minha pesquisa. Seus
apontamentos e orientações só vieram a somar, e melhorar o resultado final
deste trabalho.
À professora Delaide Colombo, coordenadora do projeto SUPERHAÇÃO
pela disponibilidade, atenção e sempre pronta disposição em auxiliar com dados
e mesmo conversas informais que em muitos momentos foram meu suporte.
Mas, acima de tudo, pela belíssima missão humanitária que tem assumido no
regaste a tantas vidas.
À professora, alunos e direção da Escola Estadual Mário Spinelli pela
colaboração no decorrer da pesquisa.
Aos meus novos amigos, Terezinha, Rosangela, Márcio, Patrícia e
Rochelle, tesouros encontrados nesta nova fase de minha vida. Os momentos
compartilhados, o apoio, as risadas, as lágrimas, jamais serão esquecidos, estão
gravados em letras especiais nas tábuas de meu coração.
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À coordenação do Curso de Letras da UAB/UFMT, na pessoa da
professora Doutora Maria de Jesus Patatas, pelo apoio e incentivo ofertados no
decorrer do processo de mestrado. Em especial, à Mirma Barcelos de
Albuquerque Tomaz, a quem palavras não seriam suficientes para expressar
minha gratidão.
8
EPÍGRAFE
“As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo
melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem...
O ato de ver não é coisa natural.
Precisa ser aprendido!”
Rubem Alves
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MARCELINO, Betsemens B. De Souza. A música e a sua influência na vida
de jovens e adolescentes envolvidos no Projeto SUPERHAÇÃO: uma
Análise Crítica do Discurso. Dissertação de Mestrado em Estudos de
Linguagem. Orientadora: Solange Maria de Barros. Cuiabá, MT: Universidade
Federal de Mato Grosso, 2015.
RESUMO
Esta dissertação apresenta o resultado de um estudo sobre a música e a sua
influência na vida de jovens e adolescentes envolvidos no Projeto
SUPERHAÇÃO que visa à prevenção do uso de drogas, e está em
funcionamento na Escola Estadual Mário Spinelli, em Sorriso-Mato Grosso. A
pesquisa buscou compreender o significado identificacional por meio das
categorias de modalidade e avaliação presentes nos enunciados dos jovens e
adolescentes em contexto de violências, alcoolismo e uso de drogas. A
metodologia pautou-se numa pesquisa de cunho qualitativo e quantitativo, com
a aplicação de questionário e realização de entrevistas. A fundamentação teórica
baseia-se na perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ACD), defendida por
Norman Fairclough (2001; 2003a), e na linguística sistêmica-funcional de
Halliday (1994), que, sob a perspectiva identitária na pós- modernidade,
discutida em Stuart Hall (2006), Manuel Castells (1999), Moita Lopes (2003) e
Zygmunt Bauman (2001), serviram como suporte embasador às análises aqui
efetuadas. Os resultados enaltecem a relevância do Projeto SUPERHAÇÃO
para os adolescentes, e evidenciam uma grande conexão entre estes e a música.
Tais resultados mostram ainda que a música em língua inglesa tem assumido
espaço cada vez mais significativo em suas vidas, o que justifica a evidente
relação afetiva e a forte vontade de que a mesma esteja presente nas aulas de
inglês. Assim, numa visão crítica e emancipatória1, a prática musical na vida dos
jovens e adolescentes se torna uma ferramenta para se trabalhar a prevenção
do uso de drogas, pois pode ser um espaço de debates reflexivos que atingem
aspectos mais profundos do caráter humano de cada sujeito, agindo diretamente
em elementos de sua identidade2, bem como é indicada como um mecanismo
potencial de enfretamento das adversidades sociais.
PALAVRA-CHAVES: Prática Musical; Análise Crítica do Discurso;
Linguística Sistêmico-Funcional; Escola Pública; transformação social
1
Crítica por conta do caráter transformacional da ACD, que como define Fairclough ( 2001, p.
230), “é crítica, primeiramente, no sentido de que busca discernir conexões entre a língua e
outros elementos da vida social que estão normalmente encobertos. (...)Em segundo lugar, ela
é crítica no sentido de que está comprometida com mudanças sociais contínuas”. E
emancipatória porque coaduna com os ideais de Bhaskar (1998) sobre libertação e
autoemancipação, possibilitada pela ação dos agentes críticos, que interfere na raiz dos
problemas sociais, provocando, assim, transformações sociais.
2 Quando fala em identidade, este trabalho refere-se à identificação, retomando a perspectiva de
Fairclough (2003a), precursor dos ideais da Análise Crítica do Discurso (ACD), que opta pelo
uso do termo “identificação”, por ser o que melhor define este processo, pois enfatiza a maneira
como as pessoas identificam a si mesmas e como são identificadas pelos outros,
discursivamente.
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MARCELINO, Betsemens B. De Souza. Music and its influence in the life of
youth and adolescents involved on the SUPERHAÇÃO Project: A Critical
Discourse Analysis. Master Degree on Language Studies Dissertation. Mentor:
Solange Maria de Barros. Cuiabá, MT: Federal University of Mato Grosso, 2015.
ABSTRACT
This dissertation presents the result of a study about music and its influence in
the life of youth and adolescents who are involved on the SUPERHAÇÃO Project,
which aims preventing drug use and has been running at the public school Mario
Spinelli in Sorriso, Mato Grosso State. The research sought to comprehend the
identificacional meaning through the modality and evaluation categories that are
present in the statements of youth and adolescents within a context of violence,
alcoholism and drug use. The methodology was based on a qualitative and
quantitative nature of research and used the application of questionnaires and
interviews. The theoretical framework is based on the perspective of Critical
Discourse Analysis (CDA), defended by Norman Fairclough (2001, 2003a); and
on the Systemic-Functional Linguistic from Halliday (1994), that, under an identity
perspective in postmodernity, discussed in Stuart Hall (2006), Manuel Castells
(1999), Moita Lopes (2003) and Zygmunt Bauman (2001), served to support the
analysis made here. The results extol the importance of SUPERHAÇÃO Project
to the adolescents and evidence a great connection between them and the music.
The results also show that music in English has taken on increasingly significant
place in their lives, which explains the obvious emotional relationship and
students’ strong will that music be present in English class. Thus, in a critical and
emancipatory view, the musical practice on youth and adolescents lives become
a tool to work drug use prevention, for it may be a place for reflective discussions
that reach deeper aspects of the human character of each individual, acting
directly on elements of their identity, and is indicated as a potential mechanism
to face social adversity.
Keywords: Musical Practice; Critical Discourse Analysis; SystemicFunctional Linguistic; Public school; Social Transformation.
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LISTA DE FIGURAS E DE QUADROS
Figura 1
- Os tipos de processos de Halliday.
57
Figura 2
-Levantamento da quantidade de respostas
obtidas em cada questão no questionário aplicado.
80
Quadro 1
- Os 5 passos do enquadre da análise em ACD.
68
Quadro 2
-Exemplificação da regra de 3 simples, utilizada no
tratamento dos dados.
-Exemplificação das respostas subjetivas obtidas
nos questionários.
-Resposta dos Questionários – “Sensações que a
música provoca”.
-Resposta dos Questionários – “Justificativa das
escolhas musicais”.
-Levantamento das ocorrências das categorias de
modalidade e avaliação.
75
Quadro 3
Quadro 4
Quadro 5
Quadro 6
79
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90
119
12
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1
Gráfico 2
Gráfico 3
Gráfico 4
Gráfico 5
Gráfico 6
Gráfico 7
Gráfico 8
- exemplificação. Respostas da pergunta “são feitas
atividades com uso de música na disciplina de LI?”.
- Resposta dos Questionários – “Quanto tempo por dia
você ouve música?”.
- Resposta dos Questionários – “Você prefere ouvir
música nacional, estrangeira, ou ambas?”.
- Resposta dos Questionários – “Em qual idioma
estrangeiro você mais ouve músicas?”.
- Resposta dos Questionários – “Quanto você entende
das letras que ouve?”.
- Resposta dos Questionários – “Qual seu estilo de
música predileto?”.
- Resposta dos Questionários – “São feitas atividades
com uso de músicas nas aulas de inglês?”.
- Resposta dos Questionários – “Você gostaria que as
músicas fossem utilizadas nas aulas de inglês?”.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................ 14
CAPÍTULO 1 .................................................................................................................................................................... 21
PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DE JOVENS E ADOLESCENTES .............................................. 21
1.1. Identidade: alguns conceitos ...................................................................................................................... 22
1.2. Deslocamento das identidades .................................................................................................................. 26
1.3. A identidade enquanto práticas discursivas ......................................................................................... 28
1.4. Identidades de jovens e adolescentes na pós-modernidade ........................................................ 33
CAPÍTULO 2 .................................................................................................................................................................... 37
A MÚSICA E OS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DE JOVENS E ADOLESCENTES
2.1. O papel da música na aprendizagem ..................................................................................................... 37
2.2. A música como ferramenta de aprendizagem de LI: pesquisas e resultados ....................... 42
2.3 A música e o processo de identificação de jovens e adolescentes ............................................ 44
CAPÍTULO 3 .................................................................................................................................................................... 52
APONTAMENTOS TEÓRICOS: LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL E ANÁLISE CRÍTICA
DO DISCURSO .............................................................................................................................................................. 52
3.1 A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday ..................................................................................... 52
3.2 A relação dialética da linguagem na perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ACD)... 58
3.3 A identidade sob o viés do significado identificacional e estilo de Fairclough ........................ 62
3.3.1. Modalidade e Avaliação ....................................................................................................................... 65
CAPÍTULO 4 .................................................................................................................................................................... 67
METODOLOGIA ............................................................................................................................................................. 67
4.1 ACD como método de pesquisa ................................................................................................................ 67
4.2 Do caráter qualitativo e quantitativo da pesquisa ............................................................................... 70
4.3 Do contexto da pesquisa: Projeto SUPERHAÇÃO ............................................................................ 72
4.4. Da coleta de dados ......................................................................................................................................... 75
4.4.1 Questionários ............................................................................................................................................. 75
4.4.2 Entrevistas .................................................................................................................................................. 76
4.5 Sujeitos da pesquisa ........................................................................................................................................ 77
4.6 Da análise dos dados ...................................................................................................................................... 78
CAPÍTULO 5 .................................................................................................................................................................... 82
ANÁLISE DOS DADOS............................................................................................................................................... 82
5.1 “O que a música representa em minha vida?” ..................................................................................... 83
5.1.1 “Nacional ou estrangeira?” ................................................................................................................... 88
5.1.2 “E as músicas em inglês?” ................................................................................................................... 91
5.2 A música na aula de inglês ......................................................................................................................... 100
5.3 “Músicas em inglês podem ser uma ferramenta de debates reflexivos e transformacionais”
........................................................................................................................................................................................ 107
5.4 “Importância do projeto SUPERHAÇÃO” ............................................................................................ 112
5.5 As Categorias de Modalidade e a Avaliação ...................................................................................... 118
5.6 Processos de identificação dos jovens e adolescentes do projeto SUPERHAÇÃO: algumas
reflexões ..................................................................................................................................................................... 120
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................................... 136
ANEXOS .......................................................................................................................................................................... 143
14
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa surgiu a partir do interesse em conhecer a relação dos
jovens e adolescentes com a música. Não que ela não esteja presente em outras
etapas da vida, mas, nesta faixa etária, aparenta ser um elemento fundamental
para os processos de identificação. Optei por investigar se a música em Língua
Inglesa (doravante LI) exerce alguma influência na vida dos jovens e
adolescentes, considerando que a mesma se faz muito presente no cotidiano
destes indivíduos, em virtude dos próprios rumos do mundo globalizado em que
vivemos.
No meu trabalho de conclusão de curso, nível de graduação, investiguei
a relação de alunos de escolas públicas estaduais com o ensino de língua
inglesa, sendo esta uma área de investigação que sempre me despertou
interesse. Que o inglês é uma ferramenta indispensável para a vida de qualquer
cidadão é algo mais do que provado (LE BRETON, 2005; CRYSTAL, 1997;
RAJAGOPALAN, 2010) e que os alunos de escola pública estão cientes da
importância e da necessidade de se aprender esta língua, foi o resultado da
minha pesquisa. No entanto, a atitude destes alunos em sala de aula frente à
aprendizagem de LI não condiz com a ação de alguém interessado em aprender.
Minha própria experiência como professora, no Ensino Fundamental, mostrou
que não é tarefa fácil manter o interesse dos alunos no decorrer das aulas,
devido a diversos fatores, como a própria formação dos professores que é frágil,
conforme retomado em vários estudos do ramo (BARROS, 2005; COX & ASSISPETERSON, 2008; LEFFA, 2005; PAIVA, 2005).
As inquietações me levaram à leitura de diversos textos em que são
apresentadas possíveis razões para o desinteresse do aluno e algumas
sugestões para o melhor aproveitamento das aulas. No entanto, algo que sempre
me chamou a atenção, desde minha passagem no ensino fundamental e médio,
foi a forte conexão que estes adolescentes mantinham com as músicas em
inglês. Não importava o grupo ou “tribo” ao qual pertenciam, todos tinham um
artista americano favorito representante do estilo que defendiam. Lembro-me
claramente de colegas da 8ª série que tinham comportamento um tanto quanto
15
machista e rebelde, diziam-se roqueiros, vestindo-se e agindo a caráter e só
usavam camisetas com fotos da cantora Avril Lavigne. Intrigava-me o fato de
que, por mais que exibissem um estilo todo rebelde, as letras das músicas da
referida artista, em sua grande maioria, falam de amor juvenil, de desejos e
outros assuntos um tanto quanto femininos, portanto, cheguei à conclusão de
que os colegas podiam não ter ideia do que diziam as letras das músicas que
tanto curtiam.
Atuando como professora na área de L I, pude perceber que a música era
o assunto predileto dos alunos, eles queriam conversar e saber mais sobre seus
artistas favoritos e os significados das canções que gostavam, e, nestes
momentos, mesmo os alunos mais desinteressados participavam ativamente.
Enquanto professora de um curso de letras percebi também o mesmo
entusiasmo dos alunos com relação a atividades onde a música em inglês se
fazia presente.
Estas experiências, juntamente com minhas observações do meio em
que vivo, levaram-me a perceber que em meio a crises pessoais e sociais, em
grandes momentos históricos, nas conquistas empreendidas pelos homens, em
celebrações, na vida cotidiana, a todo o momento e a qualquer instante, a música
se faz presente na vida das pessoas como meio legítimo de expressão e
compreensão do homem sobre si mesmo (MAHEIRIE, 2003). E, muito mais, as
músicas em inglês estão sempre presentes, sejam nas emissoras de rádios, na
TV, nas lojas, supermercados, a qualquer lugar que se vá é possível depararnos com um dos mais recentes hits de algum astro americano sendo tocado.
Por esta razão, no contexto brasileiro, a música em LI exerce forte
influência na vida das pessoas, principalmente nos mais jovens. Curiosamente,
grande parte das vezes, os adolescentes parecem não fazer ideia do que esteja
sendo dito em determinada música, mas isso não os impede de “curtirem” tais
canções quase que 24 horas por dia. Eles as têm gravadas, acessam na internet,
compartilham com os amigos e se reúnem para ouvi-las.
Obviamente, este fato não tem passado despercebido aos olhos de professores
e pesquisadores interessados no assunto, prova disto são pesquisas como a de
Gobbi (2001), Carvalho, Andrade e Eustáquio (2013), Oxford (1990), Ferraz e
Audi (2013), Lima e Basso (2009), Silva Pereira (2006), Lima (2008) e Souza
(2014), todos da área de linguagem, que versam sobre as possibilidades e a
16
eficácia do uso de canções como instrumento para o processo de aprendizagem
de LI. Majoritariamente, estas pesquisas tomam como base estudo de teóricos
de mais destaque na área, tais como Tim Murphy (1992), Rebeca Oxford (1990)
e Dwayne Engh (2012).
Contudo, estes trabalhos estão focados nos aspectos cognitivos entre a
música e o ensino de inglês, já sobre a influência da música nos processos de
identificação de jovens e adolescentes encontramos mais na área de Psicologia
Social e de Psicopedagogia. Maheirie (2003), Júlia Maria Hummes (2004), David
Hargreaves (2005), Nogueira (2009), Felipe Figueras Dables (2012), Colle
(2004) e Vilmar Pereira de Oliveira (2012) são pesquisadores que se baseiam
principalmente nos escritos de Vygotsky (1990) e Allan Merriam (1964) para
elaboração de pesquisas que visam compreender o papel da música nos
processos de identificação, especialmente dos sujeitos do mundo globalizado.
Como afirma Zygmund Bauman (2001), uma das características da
sociedade pós- moderna é exatamente seu aspecto consumista, o desejo de
posse. Pode-se dizer que a identidade dos jovens da modernidade está
estritamente relacionada a uma sensação de empoderamento por meio do
consumo, e podemos perceber isso quando os vemos “consumir” as músicas
destes artistas com os quais eles têm contato nos filmes que assistem, nos
videogames que jogam, que estão estampados nas roupas que usam, e assim
por diante. Embora este comportamento possa ter lados positivos ou não, ser
inocente ou intencional, não analisarei aqui esses aspectos, não é nossa
intenção entrar nesse mérito, mas o que se pode afirmar é que,
indubitavelmente, a língua inglesa é o carro chefe usado na comunicação de
todos estes desejos e sentimentos.
Ao se pensarmos nas formas de organização dos adolescentes na
atualidade, percebemos que estes buscam identificações, refugiando-se sob a
sombra de diversos elementos que possibilitam atribuir significação às suas
realidades, e, dentre eles, destaca-se, fortemente, a música. Fato é, há muito
tempo, que a música exerce um papel fundamental na vida de qualquer ser
humano, como já afirmava o grande estudioso Vigotsky (1998, p.315), música é
a “técnica social do sentimento, um instrumento da sociedade através do qual se
incorpora ao ciclo da vida social os aspectos mais íntimos e pessoais do nosso
ser”.
17
Quando iniciei meus estudos no Mestrado em Estudos de Linguagem da
UFMT, em março de 2014, trazia comigo todas estas conjecturas sobre a relação
dos jovens estudantes e a música, questionando-me sempre se haveria uma
forma de utilizar este fenômeno como ferramenta nas aulas de LI. Em contato
com a filosofia do realismo crítico, postulada por Roy Bhaskar, entendi que por
trás de ações aparentemente normais e comuns, estão em funcionamento
mecanismos que não são diretamente observáveis, mas que são compostos de
elementos causais, de poderes e tendências, tornando-se, portanto, o espaço
ideal de investigações.
Com a abordagem da Análise Crítica do Discurso3 (ACD), defendida por
Norman Fairclough (1985; 1993; 2001; 2003a), compreendi que a linguagem é
atravessada por forças ideológicas, e que a luta pelo poder é operacionalizada
no nível linguístico, o que parece contribuir para a perpetuação de discursos de
dominação social, que permanecem ocultos em atendimento a interesses
políticos. Compreendi também a relação dialética do discurso definido enquanto
prática de representação (plano ideológico), mas também como um meio de
ação (plano político) pelo qual transformações são estabelecidas.
Como toda pesquisa que se paute nos pressupostos teóricos da ACD
precisa estar comprometida com a transformação social, o ponto de partida em
relação à perspectiva metodológica consiste em se debruçar sobre um problema
social. Neste ínterim, tomei conhecimento de um projeto em funcionamento em
uma escola de Sorriso que se tornaria o espaço ideal para o desenvolvimento
desta pesquisa.
Há quatro anos, um grupo de professores da Escola Estadual Mário
Spinelli do município de Sorriso- MT, preocupado com os problemas sociais
enfrentados no contexto escolar, implantou o Projeto SUPERHAÇÃO4, com o
objetivo de se trabalhar a prevenção e a intervenção no uso de drogas através
de trabalhos envolvendo toda a comunidade familiar e escolar, por meio de
O termo discurso é usado abstratamente (como um substantivo abstrato) para o ‘domínio dos
enunciados’, e concretamente como um substantivo contável (‘um discurso’, ‘vários discursos’)
para grupos de enunciados ou para ‘prática regulada’ (as regras) que governa um determinado
grupo de enunciados. Eu vejo o discurso com forma de representação de aspectos do mundoos processos, relações e estruturas do mundo material, o ‘mundo mental’ de pensamentos,
sentimentos crenças e assim por diante, além do mundo social. (FAIRCLOUGH, 2003 a, p124)
TRADUÇÃO DA AUTORA
4 RH: destaque da logomarca do projeto que remete ao uso de Recursos Humanos para salvar
vidas.
3
18
ações como: formações, palestras, conversas em sala, atuação dos próprios
alunos e, também, de cada professor dentro de sua área. O projeto tem como
filosofia de funcionamento o aluno como alvo das ações, mas também como
agente. Assim, há grupos de voluntários que trabalham dentro da escola
auxiliando na disseminação das ideias do projeto e também na identificação e
no relato de alunos, possivelmente, envolvidos com uso de substâncias
químicas. Nesse sentido, surgiu a oportunidade de investigar como os jovens
envolvidos neste projeto (tantos os agentes voluntários, quanto os usuários) se
relacionariam com a música e com o projeto.
Vale ressaltar que este estudo não busca a compreensão de estratégias
cognitivas de memorização de vocabulários e regras gramaticais da LI. O meu
interesse é compreender se a música exerce algum tipo de influência nos
processos de identificação dos jovens e adolescentes envolvidos ou que estão
próximos a pessoas inseridas em contexto de violências, alcoolismo, uso de
drogas, dentre outros problemas sociais, voltando um olhar ontológico para os
mecanismos em funcionamento na formação destes alunos enquanto sujeitos.
Acredito que, somente a partir de então, baseado em resultados, será possível
a indicação de estratégias significativas do ensino da LI que abarquem
diretamente as questões emotivas envolvidas neste processo e indiquem
mecanismos potenciais de enfretamento das adversidades sociais, numa visão
crítica e emancipatória.
Trata-se de uma pesquisa de cunho majoritariamente qualitativo, mas
utilizei também a abordagem quantitativa como auxílio para análise dos dados.
Foram aplicados questionários a 174 alunos e mais entrevistas semiestruturadas
com a coordenadora do projeto, uma professora de LI, dois alunos agentes
voluntários do projeto e cinco alunos relatados como tendo possível
envolvimento com uso de substâncias ilícitas (drogas e afins).
A pesquisa está alicerçada nos seguintes objetivos:
Objetivo Geral: Investigar o papel que a música em Língua Inglesa exerce
nos processos de identificação de jovens e adolescentes envolvidos no Projeto
SUPERHAÇÃO em uma Escola Pública de Sorriso/MT,
Objetivos específicos:
19

Averiguar se existe ou não preferência por parte dos alunos pela
música em língua inglesa, qual o gênero musical escolhido e qual o
entendimento destes acerca do significado dos itens lexicais
apresentados nas canções;

Identificar se os professores de Língua Inglesa propõem utilizar o
gênero musical na escola;

Pesquisar se a música em inglês suscita algum tipo de debate ou
reflexões
que
objetivem
um
posicionamento
crítico
e
de
transformação por parte dos alunos;

Apontar percepção dos alunos sobre a existência de um projeto na
escola que trabalhe com a prevenção ao uso de drogas;

Investigar os elementos do significado identificacional presentes
nos enunciados dos jovens e adolescentes envolvidos com a
música em língua inglesa;

Constatar o papel da música nos processos de identificação dos
alunos.
A partir desses objetivos, inferiram-se as perguntas que balizaram este
estudo, a saber:
(1) Existe ou não preferência por parte dos alunos pela música em língua
inglesa? Qual o gênero musical escolhido e qual o entendimento destes acerca
do significado dos itens lexicais apresentados nas canções?
(2) Os professores de Língua Inglesa propõe utilizar o gênero musical na
escola?
(3) A música em inglês suscita algum tipo de debate, ou reflexões, que
objetivem um posicionamento crítico e de transformação por parte dos alunos?
(4) Qual a percepção dos alunos sobre a existência de um projeto na
escola que trabalhe com a prevenção ao uso de drogas?
(5) Quais os elementos do significado identificacional presentes nos
enunciados dos jovens e adolescentes envolvidos com a música em língua
inglesa?
(6) Qual é o papel da música nos processos de identificação dos alunos?
O trabalho então está divido em cinco capítulos. No capítulo 1, serão
apresentadas considerações sobre identidade, principalmente em um contexto
de mundo globalizado, buscando contextualizar tais assertivas ao próprio espaço
20
escolar, no sentido de se compreender as características que dão sustento à
vida dos sujeitos alvos da pesquisa. Destacam-se pesquisadores como Bauman
(2001), Hall (2006), Moita Lopes (2003) e Castells (1999).
No capítulo 2, são apresentados os elementos intrinsicamente
relacionados à música, bem como seu papel enquanto fonte de expressão e
como forma de linguagem reflexivo-afetiva. Pretendo evidenciar seu poder
simbólico-afetivo no processo identitário, bem como a possibilidade de seu uso
enquanto ferramenta de transformação social. Destacam-se autores como Gobbi
(2001), Carvalho, Andrade e Eustáquio (2013), Oxford (1990), Ferraz e Audi
(2013), Lima e Basso (2009), Silva Pereira (2006), Lima (2008), Souza (2014),
Vygostsky (1930/1990), Maheirie (2003), Sartre (1965), Engh (2012), Candlin
(1992), Dables (2012), Hargreaves (2005), Oliveira (2012) Mello (2001), Pelaez
(2005), Colley (2008) e Machado (2012).
No capítulo 3, são explanados os preceitos teóricos que embasam este
trabalho, a começar com a Gramatica Sistêmico-Funcional de Halliday (1973),
inserida no contexto de uma teoria funcionalista da linguagem. Também serão
percorridas as assunções da ACD com Fairclough (2003a) e ainda autores como
Resende e Ramalho (2006), Papa (2008) e Magalhães (2001), que dão suporte
a esta linha teórica. Dentre as possibilidades de perspectiva analítica da ACD,
nesta seção serão explanados os conceitos de significado identificacional,
principalmente no que concerne ao estilo, porque diz respeito ao aspecto
discursivo da identidade, atendendo diretamente ao propósito desta pesquisa.
O capítulo 4 apresenta os procedimentos metodológicos que deram
sustentação à coleta dos dados para este estudo, bem como a abordagem na
lida com o corpus. Serão identificados os sujeitos de pesquisa, bem como o
espaço do projeto em que estão inseridos.
No capítulo 5, apresenta-se uma análise aprimorada dos dados oriundos
das entrevistas e questionários aplicados. Mantém-se o foco nas evidenciações
das categorias de modalidade e avaliação e nos elementos referentes ao
significado identificacional advindos dos enunciados dos sujeitos da pesquisa. E,
nas considerações finais, são apontadas possíveis utilizações dos resultados
aqui demonstrados na construção de estratégias para o ensino de LI por meio
de músicas, objetivando ações emancipatórias e transformacionais.
21
CAPÍTULO 1
PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DE JOVENS E ADOLESCENTES
A globalização e seus efeitos sobre os modos de funcionamento da
sociedade têm sido tema de destaque entre estudiosos das mais diversas áreas.
Pensar nas grandes transformações econômicas e políticas significa pensar
também nas transformações que o próprio homem tem atravessado. O processo
de formação do sujeito em sua relação com os elementos desta nova realidade,
portanto, passa a despertar grande interesse investigativo.
Nesta
perspectiva,
no
presente
capítulo,
serão
apresentadas
considerações acerca dos processos identitários de jovens e adolescentes. Na
primeira seção, retratarei, primeiramente, a evolução histórica dos significados
atribuídos ao termo identidade, tomando como base os estudos de Stuart Hall
(2006); na segunda, serão abordados os contextos de deslocamento das
identidades, ainda sob a visão de Hall, mas, também de Zygmunt Bauman
(2001); na terceira, discutiremos o processo identitário sob o viés das teorias de
Manuel Castells (1999) e Luiz Paulo da Moita Lopes (2003) em um contexto de
globalização ou modernidade líquida (BAUMAN, 2001). Finalmente, na quarta e
última seção, são tecidas algumas considerações a respeito do perfil deste
adolescente
pós-moderno,
envolvido
em
um
contexto
da
sociedade
contemporânea, com suas características coercitivas e fluídas.
Contudo, antes de nos determos, em específico, na discussão que aqui
se propõe, é de extrema relevância nos remetermos à máxima de Paul Henry
(1992) referente à circularidade da linguagem, pois, para este autor, “do humano,
tudo aquilo que não é de ordem do psicológico, é social e reciprocamente”
(HENRY, p.114, 1992). Esta citação nos vale no sentido de que, no presente
trabalho, serão abordadas estas duas ordens: o social e o psicológico, ambas
servindo como base de sustentação para a hipótese aqui discutida. Tal assertiva
justifica-se pelo fato de estarmos investigando a música enquanto provável
ferramenta didático-metodológica para enfrentamento de problemáticas sociais
(ordem do social). Isso se tornará possível a partir das evidências de sua
influência na vida dos sujeitos investigados, no caso os adolescentes, fato este
22
que requer que sejam considerados também os aspectos psicológicos, pois
precisaremos de uma análise dos comportamentos deste público (ordem do
psicológico), ou seja, o aspecto emotivo, para se chegar a um resultado.
1.1. Identidade: alguns conceitos
Identidade, identidades, formação identitária, identificações. São todos
termos comumente utilizados nos recentes trabalhos que tratam de compreender
a formação humana e todas suas implicaturas. Diversos são os autores e
estudiosos que se debruçam sobre o assunto (HALL, 2006; BAUMAN, 2001;
MOITA LOPES, 2003; CASTELLS, 1999.), e cada qual opta por defini-lo em uma
terminologia de acordo com suas convicções.
Stuart Hall afirma que:
As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o
mundo social estão em declínio, fazendo surgir novas
identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto
como sujeito unificado. A assim chamada “crise da identidade” é
vista como parte de um processo mais amplo de mudanças, que
está deslocando as estruturas e processos centrais das
sociedades modernas, abalando os quadros de referências que
davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.
(HALL, 2006, p 7 ).
Hall argumenta que esta noção de um sujeito individual, e de sua
identidade, nasceu juntamente com as transformações instauradas pela
modernidade, sendo esta nova visão considerada como o motor que pôs em
funcionamento o sistema social moderno. Não que antes deste período as
pessoas não fossem indivíduos, mas essa individualidade era concebida e
vivenciada de forma distinta. Engendrado no contexto histórico e social do início
das transformações modernas, temos então o sujeito soberano do iluminismo,
senhor da razão, centrado em si mesmo, unificado, contínuo, indivisível,
autônomo e autossuficiente.
O autor chama atenção para o fato de que as teorias clássicas e liberais
do governo, baseadas em consentimentos individuais, não estavam dando conta
das complexas relações que estavam sendo desenvolvidas na modernidade, já
que se apresentavam sob um viés mais coletivo e social. Ali já se pensava que
o sujeito não nasce com um núcleo interior autônomo e autossuficiente; sua
23
identidade seria formada a partir de suas relações com as pessoas que
apresentassem papéis importantes em sua vida, bem como com as estruturas
sustentadoras da modernidade. Ou seja, a identidade era tomada como um
processo de “costura” entre o interior e o exterior, onde o sujeito se projetava no
mundo e ao mesmo tempo internalizava os significados culturais da sociedade
em que vivia, criando, aparentemente, uma identidade harmônica estabilizada.
Neste sentido, Hall (2006) chama atenção para o fato de que, já nesta
época, a vasta literatura produzida se preocupava em retratar a situação de
indivíduos que viviam em estado de isolamento, mesmo tendo como pano de
fundo de suas histórias o constante movimento das multidões ou metrópoles
modernas, como no caso da obra o pintor da vida moderna de Baudelaire.
Segundo o autor, este seria um pré-anúncio do movimento descentralizador da
identidade que se seguiria na pós-modernidade. Esta pós-modernidade, ou
modernidade tardia, está basicamente atrelada ao processo de globalização e
apresenta como característica mudanças constantes, rápidas, abrangentes e
contínuas.
Zygmunt Bauman (2001) chama de modernidade líquida esta nova
configuração mundial na qual estamos submetidos. De acordo com este, a
liquefação sempre foi projeto da modernidade, já que a intenção era derreter as
sólidas estruturas sociais, velhas e enferrujadas, que tolhiam a liberdade de ação
e movimento. O plano era substituí-las por novos sólidos perfeitos e
incontestáveis, mas a liberdade conquistada no estágio sólido da modernidade
se mostrou apenas como uma possibilidade ao sujeito de escolher um nicho
apropriado para se desenvolver e, por fim, seguir as regras e orientações ali já
postas.
Este processo de liquefação prosseguiu, atribuindo à modernidade
características mais leves e fluídas, tornando a inconstância marca primordial
deste novo estágio de modernidade. Neste estágio o indivíduo passa a sentir
diretamente sobre seus ombros a responsabilidade da autoconstrução, não mais
pautada em grupos de referência. O sujeito torna-se responsável, portanto, por
constante vigilância e esforço para manter ao máximo possível os padrões de
interação e dependência em um contexto de fluidez.
24
Stuart Hall (2006) afirma que, basicamente, cinco mudanças culturais
ocorridas no século XX colaboraram efetivamente no processo de descentração
do sujeito.
Primeira: reformulação da teoria de Marx feita por Althusser, em que
passa a ser negada a ação individual do homem nos processos históricos, posto
que se entende que o indivíduo só age sob condições históricas criadas por
outros, estando prontas quando ele nasce. Desconstrói-se, assim, a noção de
uma essência universal de homem atribuída a cada indivíduo.
Segunda: há a descoberta de Freud sobre o inconsciente, deslocando a
noção de centralidade da razão. Leituras deste estudo, feitas por Lacan (1997),
mostram, por exemplo, que a universalidade da identidade é uma fantasia
almejada e que todos nós, enquanto crianças, aprendemos a ser na relação com
o outro, numa espécie de espelho, mas, interiormente, somos todos formados
por contradições e sentimentos não resolvidos. Assim,
a identidade é sempre algo formado, ao longo do tempo, através
de processos inconscientes, e não algo inato, existente na
consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo
“imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece
sempre incompleta, sempre “em processo”, sempre “sendo
formada”. ( HALL, 2006, p 39).
Terceira: diz respeito à linguística estruturalista de Saussure que destitui
do sujeito o papel de autoria daquilo que diz, pois os sentidos das palavras estão
alocados entre si, nas relações que estabelecem no funcionamento interno de
um sistema que pré- existe ao homem. O significado de cada signo é resultado
da diferença, sol apenas o é porque não é lua, assim, o “eu” da identidade é
definido na assunção de um “não-eu”, um outro o qual não sou.
Quarta: foi o estudo do poder disciplinar de Foucault que consiste em uma
nova forma de disciplina na vida das pessoas por meio do controle de poder nos
regimes administrativos (conhecimento, professores, etc.). Paradoxalmente, a
técnica de vigilância coletiva individualiza o sujeito ao atribuir-lhe papel e função
específica.
Quinta: o feminismo, o movimento que traz à tona a discussão de
conceitos cristalizados em relação à família, à sexualidade, ao trabalho
25
profissional e doméstico, abrangendo aspectos políticos e sociais da
organização da sociedade.
Stuart Hall se preocupa ainda em avaliar também a questão da identidade
cultural, ou nacional, deste sujeito descentrado. Para o mesmo, é impossível
conceber a ideia de um homem sem nação, pois esta se constitui a forma
primária de identificação que possibilita os demais processos indetificatórios.
Mas nação é, sobretudo, um sistema de representações, que só ganha sentido
na relação opositiva às demais nações. O conceito de nação e culturas nacionais
é fruto da modernidade; a lealdade a esta atribuída estava antes atrelada a
instituições mais limitadas, como tribo, religião e região, que gradualmente,
foram sendo unificadas sob um único “teto”, a chamada nação. Este fator
contribuiu para o nascimento da noção de uma cultura e de instituições culturais
homogêneas, como a língua nacional e o sistema educacional nacional.
Hall (2006) apresenta uma crítica em relação ao equívoco de se pensar
que houve alguma vez, na prática, nação e cultura nacional em sentido
homogêneo, pois esta seria uma tentativa proposital de suprimir as diferenças,
sendo assim,
Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas,
deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo
discursivo que representa a diferença como unidade ou
identidade. Elas são atravessadas por profundas divisões e
diferenças internas, sendo “unificadas” apenas através do
exercício de diferentes formas de poder cultural. (HALL, 2006, p
61/62).
Esta afirmação considera fatores essenciais, como a história da maioria
das nações, pois apesar de serem constituídas de diversas culturas, em algum
ponto foram unificadas por meio de um processo forçado e violento. As
diferenças de classe, etnias e gênero passaram pela mesma situação e, na
maioria dos casos, a cultura do colonizador se fixou em detrimento da do
colonizado. Assim, para se discutir o deslocamento das identidades nacionais,
deve se levar em consideração que as nações modernas são todas formações
híbridas que tentam ao longo dos anos “costurar” as diferenças numa única
identidade.
Estas reflexões de Hall sobre identidade cultural somam-se àquelas
referentes ao conceito de identidade individual, ambas atravessadas por
26
processos históricos que evidenciam tentativas de homogeneização, mas que
são conceitos que não condizem com a realidade fragmentada do sujeito.
1.2. Deslocamento das identidades
Hall (2006) vai atribuir à globalização o papel de deslocamento das
identidades culturais e nacionais, mas, lembra que este não é um fenômeno
recente, pois a modernidade já era inerentemente globalizante, a exemplo do
capitalismo que nunca se pautou em fronteiras nacionais. Uma das principais
características da globalização é a compressão espaço-tempo que tem causado
efeitos profundos na representação de identidades, já que o senso de localização
em um lugar e espaço, presentes e fixos, são influenciados por elementos
distantes e “ausentes” e, ainda, este espaço pode hoje ser cruzado em um piscar
de olhos. Assim, “à medida que as culturas nacionais tornam-se mais expostas
a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou
impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da
infiltração cultural.” (HALL, 2006, p 74).
O consumismo transformou o mundo em um supermercado cultural no
qual somos confrontados por identidades ligadas a estilos, lugares e imagens.
São identidades despidas de ligações históricas, de tempo-lugar e tradição, que
fazem apelo a diferentes partes nossas.
Para Bauman (2001), tornam-se características deste novo tempo, a alta
do sentimento hedonístico e do “eu primeiro”, a falta de desejo por reformas
sociais, falta de engajamento político, e deixa de existir o interesse pelo bem
comum e pela manutenção da imagem de uma boa sociedade.
“...a possibilidade de o que se sente como liberdade não seja de
fato liberdade; que as pessoas podem estar satisfeitas com que
lhes cabe mesmo que o que lhes cabe esteja longe de ser
“objetivamente” satisfatório; que, vivendo na escravidão, se
sintam livres e, portanto, não experimentam a necessidade de
se libertar, e assim percam a chance de se tornar genuinamente
livres. (BAUMAN, 2001, p. 25)
Em se tratando da liberdade apregoada pelas manifestações modernista,
Bauman aponta que a maioria dos pensadores se viam atormentados pela
27
dúvida entre ser este fato uma benção ou uma maldição para sociedade. E o que
se percebe é que a resposta tange mais para esta última, pois as investigações
apontam que a liberdade conquistada “aburguesou” os despossuídos,
deslocando para o “ter” a essência inerente ao “ser”. Pois, estar submetido às
leis da sociedade, poderia ser considerada uma dependência libertadora que,
além de oferecer normas para as ações do homem, o protegia de sua própria
natureza asocial, animalesca, rodeada de incertezas e dúvidas causadas pela
anomia.
Em um tom um tanto quanto pessimista, Bauman (2001) anuncia que, de
fato, foi o que realmente aconteceu e que nada mais pode ser feito para se voltar
atrás, que “de agora em diante as comunidades – mais postuladas que
imaginadas – podem ser apenas artefatos efêmeros da peça da individualidade
em curso, e não mais as forças determinantes e definidoras das identidades.”
(BAUMAN, 2001, p.30)
De acordo com o autor, uma das grandes mudanças que caracteriza a
modernidade líquida é a privatização das tarefas e deveres modernizantes. A
esperança de aperfeiçoamento não deve ser depositada em um movimento de
cima para baixo (políticas governamentais), cada indivíduo deve procurar dentro
de si as ferramentas necessárias ao aperfeiçoamento. Quando muito, pode
observar exemplos para imitar e lidar, individualmente, com seus problemas,
sendo responsável pelas consequências advindas da confiança depositada em
tal modelo.
Hall (2006) acredita que as interações em escala global permitem novas
possibilidades entre o global e local, ou seja, ao invés de substituição em massa,
há, na verdade, o processo de novas identificações globais e novas
identificações locais, nesse sentido, pode-se afirmar que há tanto um movimento
de fortalecimento de identidades locais quanto o surgimento de novas formas.
As assertivas de ambos os autores, - o desaparecimento de estruturas
fixas, ou referenciais obrigatórios de comportamentos, apregoados por Bauman,
e a possibilidade de novas identificações, locais e globais, despidas de ligações
geográficas específicas, defendidos por Hall-, mostram-se realidades palpáveis.
Olhando, mais atentamente, perceberemos ainda que ambas as conclusões
remetem à necessidade de ações individuais para que sejam feitas escolhas em
meio às diversas facetas da identidade fragmentada da pós-modernidade.
28
A relação dos adolescentes com a música estrangeira é um exemplo claro
desta constatação, pois, ao consumirem este produto global, eles podem inserir,
ou não, em suas próprias identidades, elementos que estão ‘embutidos’ nessa
embalagem, como ideais, opiniões, visão de mundo, modos de comportamentos,
etc. Assim, esse movimento permite, ao mesmo tempo, o fortalecimento de sua
identidade local, por meio da não aceitação, e também o estabelecimento de
novos formatos globais de filiações identitárias, por meio da inserção destes
novos elementos. Sendo esta uma escolha individual, mesmo que recebendo
influências do meio social, caberá, então, apenas ao próprio sujeito a
responsabilidade pelo resultado de tais atos.
1.3. A identidade enquanto práticas discursivas
Luiz Paulo da Moita Lopes (1996) ressalta o papel fundamental da mídia
na disseminação dos ideais do novo mundo que vivemos, pois, por meio desta,
temas até pouco tempo considerados tabus são repetidamente exibidos,
explorados e reconstruídos sob a ótica de uma nova organização social. No
entanto, as mudanças na configuração política, cultural e econômica da estrutura
social têm desenvolvido também um número preocupante de ações
fundamentalistas, que podem ser entendidas como a tentativa de se manter
tradições, por vezes a custo de violências e até mortes, como é o caso dos
movimentos homofóbicos.
Esta nova realidade exige um constante pensar reflexivo sobre conceitos
até pouco tempo subentendidos como fixos e claros, como a ideia de identidade
e comunidade, que já têm apresentado sua face opaca e controversa. Estes dois,
de acordo com Moita Lopes, estão ainda atravessados por outros temas como
gênero, raça, sexualidade e vida profissional. O autor afirma, ainda, que estudos
referentes aos conceitos de identidade têm assumido papel central em eventos
acadêmicos por serem entendidos como fundamentais para a compreensão das
mudanças ocorridas.
O autor faz questão de esclarecer que, ao se referir ao processo de
construção de identidade, não o faz do ponto de vista de identidade pessoal ou
a natureza da pessoa, e sim que se trata de uma construção social por meio de
discursos, fator que leva em consideração dois aspectos essenciais no uso da
29
linguagem: a alteridade e a situcionalidade, ou seja, a relação com as outras
pessoas do discurso e o contexto em que ocorre a interação. Discurso aqui se
refere àquele que Fairclough (2003a) define como sendo concreto e diz respeito
a maneiras particulares de se fazer referência a determinadas áreas do
conhecimento. Sendo assim, a identidade, para ele é definida como resultado
das práticas discursivas nas quais o sujeito está inserido.
Por esta razão, Moita Lopes (1996) filia-se ao pensamento de que seja
possível reconhecer na ação de qualquer ser humano um certo “tipo de pessoa”,
justamente pelo fato de se poder identificar a origem dos discursos dos sujeitos.
A possibilidade de filiação a diferentes discursos, de acordo com o momento da
interação, permite afirmar também que as identidades são fragmentadas,
múltiplas e contraditórias, mas que traços identitários ainda são passíveis de
identificação por meio das marcas sócio-históricas encontradas no discurso. Ou
seja, mesmo em meio a essa fragmentação, é possível perceber alguns
elementos que se repetem, sendo parte constante de determinadas identidades,
por exemplo, quando um discurso religioso é sempre retomado na fala de
alguém, é uma marca, um traço identitário, que nos aponta um ‘tipo de pessoa’
que defende determinada visão de mundo.
Neste contexto, Manuel Castells (1999) entende por identidade “o
processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou
ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual (ais)
prevalece(m) sobre outras fontes de significado.” (1999, p.22). Identidade se
constitui, portanto, fonte de significado para o próprio ator, originada e construída
por um processo de individuação (autoconstrução). Castells afirma, ainda, que
na sociedade em redes, o significado baseia-se em uma identidade primária,
autossustentável, que estrutura as demais, assim pode haver identidades
múltiplas para um ator coletivo. Ou seja, quanto mais o sujeito esteja envolvido
em distintas práticas sociais, mais multifacetada será sua identidade.
O autor chama a atenção para o fato de que se deve ter bem clara a
distinção entre identidade e papéis, sendo que a primeira funciona na
organização de significados, que podem ser definidos como a identificação
simbólica de um ator da finalidade de uma ação praticada. Já os papéis
organizam funções definidas por normas que estão estruturadas pelas
30
instituições e organizações sociais, como exemplo o que é ser trabalhador ou o
que é ser mãe.
Assim, para Castells, existe a identidade legitimadora, aquela que legitima
as fontes de dominação estrutural, tais como: igreja, partidos, entidades cívicas,
etc; há, também, a identidade de resistência, aquela que nega as idealizações
da primeira, e tenta reconstruir significados em uma forma de defesa de seus
ideais, é geralmente encontrada em comunas religiosas, culturais e nacionais; e,
por último, a identidade de projeto, que é aquela identidade de resistência que,
quando bem projetada e articulada, pode vir a tomar posição de identidade
legitimadora.
Castells (1999) afirma que a identidade legitimadora, constituída pela
sociedade civil (identidades que legitimam as fontes de dominação estrutural,
tais como: igreja, partidos, entidades cívicas) entrou em crise por conta do
desaparecimento do Estado-nação e da desintegração da sociedade civil. Assim,
as novas comunidades culturais que surgiram a partir destas organizações
legitimadoras, mas que passaram a negar sua forma de organização, tornam-se
o lugar idealizado para a reconstrução de significados, o que implica na formação
de uma nova identidade baseada no princípio da resistência. Ou seja,
Para atores sociais excluídos ou que tenham oferecido
resistências à individualização da identidade relacionada à vida
nas redes globais de riqueza e poder, as comunas culturais, de
cunho religioso, nacional e territorial, parecem ser a principal
alternativa para a construção de significados em nossa
sociedade. (...) Desde o principio, constituem identidades
defensivas que servem de refúgio e são fontes de solidariedade,
como forma de proteção contra um mundo externo hostil
(CASTELLS, 1999, p.85)
Na sociedade em rede, pertencer a uma dessas comunas culturais
significa encontrar proteção, abrigo, isolamento e certeza. A formação de tais
associações não se dá ao acaso, pelo contrário, se utiliza da materialidade
histórica e geográfica para recriar códigos culturais, em forma de resistência, e
que atendam às suas necessidades. Basicamente, se posicionam contra três
fatores detectados como ameaças: a globalização, a formação de redes e a crise
da sociedade patriarcal. Como arma, se fiam na crença de códigos eternos e
inquebráveis que se sobrepõem à verdade virtualizada.
31
Dentre as ditas ameaças, a crise do patriarcalismo se sobressai, posto
que representa a estrutura que deu base a todas as sociedades
contemporâneas, pois, por mais que signifique a autoridade institucionalmente
imposta do homem sobre a mulher e seus filhos, permeia toda organização
societal. O avanço nas pesquisas medicinais foi um dos principais fatores que
colaborou
com
a
desintegração
do
patriarcalismo,
pois
dissociou
a
heterossexualidade da reprodução de espécies.
Este será, então, desbancado pelo feminismo que, enquanto identidade
autoconstruída, reúne elementos étnicos, nacionais e culturais, embasado no
ideal de que “reivindicar uma identidade é construir poder”. (CASTELLS, 1999,
p. 235). Tanto que, atualmente, a expressão que melhor define o movimento
seria a multiplicidade de identidades feministas, no sentido de que se tenta fugir
de uma nova forma de dominação cultural por meio de padronizações.
Com a crise da família patriarcal e o ainda obscuro processo de formação
de novos modelos familiares, os filhos são os que mais têm sofrido as
consequências, já que, ao optarem por não conviverem com um parceiro, as
mulheres ainda não alcançam sozinhas as condições materiais suficientes para
criar seus filhos, e algumas, no afã da autonomia e da sobrevivência, os
negligenciam como faziam os homens.
Por um lado, pode-se dizer que as novas gerações que estão sendo
socializadas fora do padrão tradicional de família estão mais aptas a se
adaptarem a novos ambientes e à diversidade de papeis a serem exercidos. Por
outro lado, apresentam, também, novas personalidades, mais complexas e
menos seguras de si.
Em conclusão a trabalhos realizados no final dos anos 70 e início dos
anos 80, Castells (1999) afirmava que, mediante a constatação do fracasso de
movimentos e políticas pró-ativas (trabalhistas), as pessoas buscavam apoio em
movimentos mais próximos a sua realidade, unindo-se a organizações referentes
a seu próprio território: a comunidade local. Assim, a luta contra uma opressão
cultural e política de aspectos predominantemente globais, pautava-se em forças
locais: a escola, o bairro, a igreja local, etc.
Movidos por um sentimento de “indefesos”, estar unido ao seu próximo,
tornou-se fonte simbólica de processos significativos de uma nova identidade.
Seguindo esta linha de pensamento, o autor explica, por exemplo, o sentimento
32
ambíguo dos moradores de áreas menos privilegiados em relação à formação
de gangues, pelo fato de estas representarem uma forma de resistência às
instituições oficiais que simbolizam a opressão, mas também serem fonte de
associação, trabalho e identidade para milhares de jovens deixados à margem
do sistema.
Essas associações concebidas em um nível mais local não perderam
totalmente suas características, mas, percebemos que a internet tem
possibilitado novas configurações aos movimentos de reivindicação que
permitem tornar globais problemas locais, bem como o inverso. É comum vermos
pessoas desconhecidas se unindo virtualmente em prol de causas pessoais ou
se manifestando em relação a problemas comuns.
Reivindicar sempre foi uma característica do público juvenil e cada qual
procura se aliar a instrumentos que acredita ser a melhor forma de manifestar
suas inquietações, mas, por vezes, acabam se perdendo por falta de sabedoria
e orientação em relação a como proceder com os problemas enfrentados. Assim,
às vezes, fazem parte de uma identidade de resistência, mas não possuem
habilidades para torná-la em uma identidade de projeto, de acordo com os
conceitos de Manuel Castells.
Em relação à temática aqui discutida, Fairclough (2003a), precursor dos
ideais teóricos defendidos na presente pesquisa (ACD), opta pelo uso do termo
“identificação” em relação à identidade, por ser o que melhor define este
processo, pois enfatiza a maneira como as pessoas identificam a si mesmas e
como são identificadas pelos outros.
Identificação é um processo complexo, em grande parte devido à
necessidade de se estabelecer uma separação entre os aspectos pessoais e
sociais da identidade, que Fairclough divide em identidade social e
personalidade. O autor ressalta, ainda, que não se deve reduzir tudo ao aspecto
social, já que identificação não é puramente um processo textual, muito menos
apenas uma questão de linguagem.
Em relação às teorias pós-estruturalistas que definem identidade como
efeito de discursos, ou como sendo construída no discurso, Fairclough concorda
em parte e apresenta suas ressalvas: primeiramente, no sentido de que as
pessoas não são apenas pré-posicionadas em relação às maneiras como
participam em eventos sociais e textos; elas também são agentes sociais que
33
agem, criam e mudam as coisas. Além do mais, nosso engajamento com o
mundo tem início muito antes da aquisição da linguagem e continua no decorrer
das nossas vidas por meio de processos de identificação, principalmente no que
tange à formação da autoconsciência, que é uma condição fundamental para o
processo social de identificação e para construção de identidades sociais nos
discursos.
No âmbito da identidade social, o autor acredita que algumas distinções
também devam ser feitas. Em primeiro lugar, as pessoas são involuntariamente
posicionadas enquanto agentes primários no contexto em que nascem, mas,
dependendo de seu engajamento e capacidade de reflexão, podem se tornar
agentes operacionais, capazes de ações coletivas a fim de transformação social.
Nos moldes atuais, poucas pessoas permanecem dentro dos limites de seu
posicionamento inicial, mas sua capacidade de transformação depende de sua
capacidade de reflexibilidade e vontade de se tonarem agentes engajados com
o projeto de mudança social.
A realização da identidade social, em um sentido completo, é uma questão
de ser capaz de assumir papéis sociais, mas personificando-os, investindo-os
com sua própria personalidade (ou identidade pessoal). O complexo
desenvolvimento das pessoas, enquanto agentes sociais, está dialeticamente
interconectado com seu amplo desenvolvimento enquanto personalidades.
Assim, para efeito de definição, quando se fala em identidade, ou
processo de identificação, este trabalho filia-se à perspectiva de Fairclough, que,
de certa maneira, envolve as assunções dos autores supracitados. A identidade,
ou identificação, é o resultado da maneira como as pessoas são identificadas
pelos demais e como elas mesmas se identificam por meio de processos
discursivos, ou seja, envolve tanto uma autoconstrução da personalidade
(identidade primária de Castells), quanto uma reformulação das identificações
na interação com o outro (momentos de interação discursiva de Moita Lopes, e
as várias fragmentações da identidade na pós-modernidade de Bauman e Hall).
1.4. Identidades de jovens e adolescentes na pós-modernidade
34
Inconstância é a palavra de ordem no mundo juvenil, considerando que
os valores da contemporaneidade são maleáveis, o que é moda hoje, amanhã
estará ultrapassado, e o jovem está constantemente se “repaginando” para
acompanhar o fluxo. Consequentemente, os adolescentes estão cada vez mais
propensos a ações que buscam a aprovação do outro sobre si (Dolto 1992), e
podemos, claramente, perceber isso, seja no seu modo de vestir, no seu corte
de cabelo, no gosto musical, ou mesmo, nas atitudes mais transgressoras.
Marina Rodarte Couto Martins (2011) referindo-se à questão do culto ao
corpo na adolescência, afirma que este processo sintetiza exatamente a
característica norteadora da contemporaneidade: um sistema consumista que
impõe aos indivíduos os modelos de beleza desejáveis e aceitáveis. Sendo
assim, para fazer parte, ser aceito, o sujeito deve se adequar aos ditames
difundidos, procurar encaixar-se no modelo, deixando de lado qualquer
particularidade, ou ideia própria, para se juntar à massa, que tem como
parâmetro de inclusão a aceitação de si pelo outro.
De acordo com a autora, alguns estudos sociológicos caracterizam esta
cultura do corpo como expressão da crise dos valores referenciais e ideais
tradicionais que provocaram a formação de um sujeito vazio, que procura
preencher estas lacunas canalizando suas energias na construção da imagem
corporal. A juventude eterna é o ideal perseguido, e o adolescente é eleito como
representante do perfil almejado:
A quantidade excessiva de reportagens veiculadas abordando a
beleza, a estética e o rejuvenescimento denuncia o interesse
midiático pelo corpo jovem. Na ressacralização do corpo, como
um objeto a ser consumido, encontramos um vetor de suporte
econômico e controle social, onde o adolescente representa
uma grande parte de seu mercado. A imagem do adolescente
tomada como paradigma da perfeição e completude vende o
lazer, o saber, a moda e o próprio corpo. Constatamos na
atualidade uma cultura predominantemente narcísica, onde a
imagem da beleza e perfeição são instauradas juntamente com
a precariedade simbólica que atinge a todos. (GARRITANO;
SALADA, 2009)
Para Martins (2011), esta realidade tem causado um efeito devastador na
vida dos adolescentes, que além de terem que encontrar uma maneira de lidar
com as transformações corporais que estão vivenciando, e para as quais não
35
estão preparados, ainda precisam lidar com a pressão social de se encaixarem
no perfil de corpo desejado, não só entre seus companheiros de idade, mas para
os próprios adultos que anseiam tal perfeição. O resultado disso são jovens cada
vez mais alienados, consumistas, investidores ativos da sociedade do “ter”. O
conflito entre a rigidez de um ideal exigente e o desejo individual de uma
identidade própria acaba gerando conflitos que levam à exclusão social, ou
mesmo à autoexclusão, e está diretamente relacionado a fatores agravantes
como depressão e distúrbios alimentares.
A pesquisa de Lima, Castro e Melo (2011) sobre a identificação dos
adolescentes, em um contexto de redes sociais, corrobora a presente discussão
no sentido de que aponta o facebook como um espaço de relacionamento online,
onde tudo é estrategicamente selecionado para causar boa impressão; as fotos,
as frases, o perfil, tudo colabora na construção de uma imagem aceitável. Em
um espaço não tão utilizado por estes usuários, os chamados grupos, os
pesquisadores se depararam com um contexto preocupante, em que
adolescentes, por exemplo, fazem defesa à anorexia como um estilo de vida
aceitável e normal. No entanto, como exposto anteriormente, este não é nada
mais que um reflexo de um processo conflituoso de identificação com os ditames
que regem a atual sociedade.
Em meio a crises e desestabilidade, as pessoas tendem a se unir para se
sentirem protegidas, e esta realidade é perceptível nos próprios pátios escolares.
Mais do que preferência musical e estilos de roupas, é característica própria dos
grupos juvenis, cada qual à sua maneira, compartilhar sonhos e desejos de
mudança, idealização de uma realidade menos esmagadora, como provam os
resultados desta pesquisa. Mas é, exatamente, nestes momentos de busca por
identificações que mora o perigo de os jovens se enveredarem por caminhos não
tão certos assim, e, na busca por soluções, acabem se envolvendo em um
emaranhado de problemas, a exemplo do mundo das drogas e afins.
Moita Lopes (1996), baseado em uma abordagem socioconstrucionista,
chama a atenção para fato de que não deve haver uma visão “essencialista” de
identidades, pois as pessoas constroem significados, ou seja, atribuem sentidos
aos elementos sociais a partir da relação de troca com seus semelhantes, no
contínuo processo de tentativa de compreensão da vida a sua volta, tendo o
discurso como espaço mediador deste processo sociointeracional. Esta
36
característica apresenta exatamente a possibilidade de mudanças, já que, desde
que não faça mais sentido, a pessoa pode optar por um novo estilo de vida, uma
nova identidade.
Neste sentido, a escola precisa estar envolvida em projetos e ações que
possibilitem ao aluno este espaço para manifestação, para livre expressão
daquilo que sente e deseja. Nada melhor para se alcançar este resultado do que
projetos voltados para o combate de certos agravantes sociais, e também a
utilização da música como ferramenta em sala de aula, considerando toda a sua
influência, bem como a predileção do público juvenil que a vê como meio de
extravasar, ou, de se expressar.
37
CAPÍTULO 2
A MÚSICA E OS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DE JOVENS E
ADOLESCENTES
Neste capítulo, apresento considerações acerca da música5 e seu papel
na aprendizagem6 de LI, bem como nos processos identitários de jovens e
adolescentes. Na primeira seção, são apresentados autores de variados campos
de estudo que abordam a questão de música, relatando bases empíricas e
teóricas de sua influência no processo de aprendizagem.
Em 2.2, são
apresentados trabalhos realizados no Brasil que versam sobre a utilização da
música no processo de aprendizagem de LI e que nos mostram quais
perspectivas didático-metodológicas têm sido adotadas nesse contexto.
Finalmente, na terceira e última seção, está retratado o papel sócioafetivo da
música bem como sua capacidade de instigar a reflexão e sua possível influência
no processo de identificação de jovens e adolescentes.
2.1. O papel da música na aprendizagem
Alguns estudos revelam a influência da música na aprendizagem em sala
de aula (ENGH, 2012; CANDLIN, 1992; MURPHEY, 1990; OXFORD,1990).
Trabalhos encontrados em uma pesquisa online (entre artigos, monografias e
teses) mostram mais os aspectos formais entre a música e o ensino de inglês. O
presente estudo não busca a compreensão de estratégias formais de
memorização de vocabulários e de regras gramaticais da língua inglesa, mas é
de suma importância que se mostre aqui os resultados que estão sendo
encontrados neste campo de estudo, no sentido de oferecer uma visão
complementar destes com a presente pesquisa.
5
Mantém-se no presente trabalho a utilização do termo música tanto ao se referir à formação letra/ canção,
quanto instrumental, por se entender que comporta de forma mais completa os sentidos e significados que
a mesma assume nas várias situações abordadas, além de se aproximar mais daquilo que os próprios sujeitos
de pesquisa adotam como definição do objeto de estudo.
6 Vale ressaltar ainda que neste trabalho não se estabelece diferença entre aquisição e aprendizagem, nem
entre segunda língua e língua estrangeira.
38
Dwayne Engh (2012) afirma que o uso de música nas aulas de LI, bem
como a argumentação de seus benefícios, além de não ser um fenômeno
recente, tem sido também objeto de estudo das mais diversas áreas de
conhecimento, como a ciência cognitiva, a antropologia, a sociolinguística, a
psicolinguística e os estudos de aquisição de primeira e segunda língua.
No entanto, como afirma o próprio autor, apesar de muitos professores
ouvirem dizer e, intuitivamente, acreditarem nos resultados benéficos que a
música poderia trazer para o processo de aprendizagem, sentiam falta de bases
empíricas, teóricas e pedagógicas para justificarem tal escolha metodológica.
Por esta razão, este tem sido então o enfoque das recentes pesquisas neste
campo, principalmente depois de 2010, no sentido de responder tais
questionamentos.
Neste sentido, em seu trabalho intitulado “Why Use Music in English
Language Learning? A Survey of the Literature”, Engh (2012) apresenta uma
revisão teórica no intuito de mostrar como a relação entre música e linguagem
são estabelecidas em cada campo de conhecimento. A começar com a
antropologia, o autor mostra que estudos desta área indicam que o
desenvolvimento da linguagem humana está, de alguma forma, conectada com
a música e canções, ao considerar, por exemplo, o papel das canções na
manutenção da literatura e das tradições em uma época que antecede a escrita
humana.
Em um contexto sociológico, estudos mostram que o sentimento de
pertencimento, bem como a disposição para atividades cooperativas no
processo de aprendizagem dentro de uma comunidade, podem ser despertados
por meio da música, já que, desde tempos primórdios, atividades coletivas eram
embaladas por canções que contribuíam para uma harmonia social.
Candlin, (1992 apud Engh 2012) chama a atenção para o fato de que,
além de ajudar a criar um ambiente agradável e cooperativo em sala de aula, a
música pode também servir como ponte para a compreensão de aspectos
históricos, culturais e sociais de comunidades que utilizam a língua que se está
aprendendo. Engh (2012) complementa ao afirmar que, na verdade, considerar
o papel global das músicas populares pode ser um caminho para a construção
de significados também em relação à cultura dos próprios aprendizes. Neste
contexto, linguistas como Huy Le e Pennycook são apontados como guardiões
39
de um pensamento mais crítico-reflexivo por apontarem a necessidade de se
avaliar, cuidadosamente, que ideologias podem estar sendo mantidas ao se
trabalhar cultura, linguagem e identidade por meio da música em sala de aula.
De fato, como assevera Camargos (2009), esta é uma verdade que não
pode passar despercebida àqueles que se propõem a lidar com esta ferramenta
que apresenta uma face de lazer e de prazer estético, pois, além de possibilitar
a veiculação de informações e a aquisição de novos conhecimentos, é um canal
promissor para disseminação de discursos que valorizam as ideias da política
dominante e que possibilitam a continuidade de discursos que encobrem
desigualdades sociais. Igualmente, pode, também, tornar-se um espaço propício
para se instigar posicionamentos críticos e de resistência a certas ideologias.
Em relação à ciência cognitiva, Engh (2012) afirma que não há dúvidas
da conexão inata entre a música e a língua, mas o que tem gerado debates é a
contradição entre os estudos da neuropsicologia (que apontam que os
elementos linguísticos e os elementos musicais são processados em diferentes
hemisférios do cérebro, coordenados por processos neurais independentes, mas
que podem funcionar colaborativamente), e os recentes dados da neuroimagem
(que indicam que os elementos musicais são processados na área de linguagem
do cérebro e por isso aspectos de sequências musicais e linguísticas são
reconhecidos de maneira semelhante). O autor cita ainda os estudos que
sugerem uma convergência entre tais teorias: a sintaxe, na língua e na música,
compartilha um conjunto de processos (instanciados nas áreas frontais do
cérebro) que operam em diferentes representações estruturais (nas áreas
posteriores do cérebro).
Engh (2012) apresenta os estudos no campo de aquisição da primeira
língua que corroboram com os conceitos da neurociência cognitiva em relação à
condição inatista da conexão entre linguagem e música no cérebro humano. De
acordo com tais pesquisas, a linguagem melodiosa das mães, e as próprias
canções efetuadas pelos cuidadores da criança, contribuem significativamente
para o desenvolvimento de aspectos da linguagem, desde ritmo, entonação, até
a memorização de elementos linguísticos.
Ao transportar o conceito para a aquisição de segunda língua, o autor leva
em consideração alguns fatores relacionados ao uso de música em sala: o filtro
afetivo, que transpõe barreiras afetivas, provocando ambiente mais relaxado e
40
tranquilo, portanto, mais propenso à aprendizagem; a motivação, que é causada
pelo caráter autêntico da música que reporta a eventos do mundo real.
A música, como estratégia de aprendizagem, pode atingir aspectos
afetivos e também estratégias cognitivas e metacognitivas, e os estudos
empíricos sobre a música na aquisição de segunda língua, mostram que esta
auxilia, e muito, na memorização de vocabulário e estruturas da língua, além de
ser a maneira mais eficiente de se trabalhar aspectos fonéticos.
Dentre os estudiosos dedicados a pesquisar a relação música e ensino,
com certeza Tim Murphey (1990) é destaque, citado em praticamente todos os
trabalhos que versam sobre o assunto. Sua tese de pós-doutorado de 1990
(“Song and music in Langague learning: An Analysis of pop song lyrics and the
use of song and music in teaching English to speaker of other languages”),
evidencia a efetividade das pop songs (músicas pops) enquanto ferramenta de
ensino de inglês por conta de sua linguagem simplificada e repetitiva, mas
principalmente por seu tom impessoal, que permite a qualquer pessoa, de
qualquer época, identificar-se com o conteúdo da música. Murphey explica que
as pop songs geralmente não especificam em suas letras os sujeitos, os lugares
e o tempo em que ocorrem, e quando há a presença de alguns destes elementos
é de forma genérica (uma noite, uma manhã, em uma praia, etc), fator este que
permite a associação a lembranças pessoais de acordo com a experiência de
cada ouvinte.
As conjecturas de Brown (1977) caracterizavam a motherese (fala da mãe
com o bebê ou baby talk) enquanto uma linguagem simplificada para bebês,
cheia de significados afetivos, servindo como comunicação entre a criança e o
mundo adulto. Geralmente, esta é uma fala repetitiva, mais preocupada em
estabelecer um elo do que ensinar algo. A partir desta assertiva, Murphey
transporta o conceito para as pop songs e as reconhece enquanto motherese of
adolescence, no sentido de que seriam substitutas deste tipo de comunicação
pelo fato de produzirem nos adultos o mesmo efeito das babies talks,
especialmente, a conexão afetiva. Para o autor, apesar da presença de
estruturas verbais, as canções populares não exigem do ouvinte uma análise ou
compreensão explícita de seu conteúdo, e é exatamente seu caráter displicente
que lhe concede a capacidade de promover uma grande quantidade de input,
que servirá diretamente ao propósito de aprendizagem de uma língua.
41
Salcedo (2010) retoma o fenômeno din ou involuntary mental rehearsal
(ensaio mental involuntário) que se refere ao fato de que, após algum tempo em
contato com a língua estrangeira, o falante consegue repetir informações novas
sem esforço intencional. Para que isto aconteça dois fatores são essenciais: o
din deve consistir em input compreensível, e o falante deve compreender alguns
pedaços da informação. A partir desta constatação, Murphey assevera que a
melhor maneira de ocorrência do din é através da música, devido a seu grande
poder de fixação na mente das pessoas, assim, por meio de pesquisas, postulou
seu próprio fenômeno chamado SSMHP (Song Stuck In My Head Phenomenonmúsica gruda na minha cabeça). A base textual deve então ser utilizada para
reforçar e preencher os espaços das informações adquiridas através da audição.
Já para a autora Oxford (1990), existem as estratégias de aprendizagens:
as diretas, que se referem às estratégias de memória cognitiva e de
compensação;
e
as
estratégias
indiretas,
que
tratam
de
aspectos
metacognitivos, afetivos e sociais. A música constitui-se uma estratégia afetiva
de aprendizagem por sua capacidade de reduzir a ansiedade do aprendiz. Mas
ainda, de acordo com os estudos de Gobbi (2001) sobre a autora, podemos
incluí-la também nas estratégias de conhecimento, por conta de seu caráter
repetitivo, nas estratégias de memória através da utilização dos sons; estratégias
metacognitivas, por sua característica de centralizadora do aprendizado; no
âmbito das estratégias sociais por possibilitar interações; e também nas
estratégias de compensação, por permitir que o aprendiz faça inferências a partir
do contexto.
Um aspecto interessante a ser pontuado é que, devido à grande
circularidade das músicas em inglês nos dias atuais, os alunos acabam
realmente decorando pedaços e refrãos das músicas, o que torna muito
interessante conhecer a forma escrita das estruturas decoradas, bem como seus
significados, além de poupar ao professor o trabalho de ter que ensinar uma
melodia desconhecida. Por isso, percebemos então que torna-se indispensável
que o professor interessado em trabalhar música em sala de aula procure antes
conhecer os gostos e os repertórios de seus alunos, de modo a elaborar
atividades significativas e que aproveitem este input que os alunos já trazem de
casa.
42
2.2. A música como ferramenta de aprendizagem de LI: pesquisas e
resultados
Gobbi (2001) afirma que a escassez de literatura que comprove a eficácia
do uso da música como ferramenta em sala de aula parece provocar nos
professores a sensação de que esta seria apenas um tapa-buraco, uma forma
de matar o tempo. Por esta razão, em sua pesquisa, além de evidenciar o papel
significativo da música na própria história da humanidade, seja como forma de
expressão ou mesmo técnica de aprendizagem, a autora apresenta também as
várias estratégias de aprendizagem que a música pode assumir de acordo com
o levantamento teórico de Oxford (1990), um dos grandes nomes nesta área de
investigação.
Carvalho, Andrade e Eustáquio (2013) abordam o potencial do gênero
canção no ensino de LI em seu aspecto de ludicidade, complementando
questões culturais e ideológicas, mas atestam a falta desta materialidade textual
em livros didáticos da referida disciplina. De acordo com os autores, a utilização
deste gênero em sala de aula possibilita uma quebra na rotina, muitas vezes
considerada maçante pelos alunos. A canção abre espaço para se trabalhar as
quatro habilidades requeridas de maneira mais eficiente, pois o efeito da música
pode ser mais prolongado e prazeroso.
Ferraz e Audi (2013) também relatam uma experiência de aula com a
utilização de música para ensino médio, e constataram que a utilização de um
recurso popular entre o público alvo fez com que houvesse maior interesse e
participação da aula, considerando que era uma turma que funcionava em
horário noturno e o rendimento era comprometido por conta do aparente cansaço
dos alunos trabalhadores.
Lima e Basso (2009), por sua vez, apresentam o tema sob o viés da zona
de desenvolvimento proximal teorizada por Vygotsky. Os autores aplicaram a
pesquisa em um grupo de adolescentes que estuda inglês como língua
estrangeira em uma escola de idiomas. Ao desenvolverem atividades que foram
desde questionários aplicados, entrevistas feitas entre os próprios estudantes
(find someone who), até compreensão e debate sobre uma música, perceberam
que, além de favorecer a aquisição de vocabulários, a atividade com músicas
possibilitou a utilização de diversas ferramentas para o desenvolvimento de
43
novos conhecimentos de forma mais descontraída e motivadora, a exemplo do
auxílio do professor e ainda dos próprios colegas.
Gomes e Chaves (Portal Dia a Dia educação, acesso em 20/06/2014)
relatam o projeto “Cantando e Aprendendo” desenvolvido em turmas de 7ª e 8ª
séries, em atendimento às necessidades de formação continuada dos
professores da rede pública do Estado do Paraná no âmbito do Programa de
Desenvolvimento Educacional (PDE). Através das atividades realizadas, as
autoras perceberam resultados positivos nas aulas de inglês, principalmente em
se tratando do desenvolvimento da oralidade. Para cada música utilizada, foram
elaborados exercícios de gramática, listening, writing e também discussões
sobre os tópicos abordados nas letras.
Essa foi uma estratégia adotada propositalmente, pois, de acordo com as
autoras, muitas vezes as canções são utilizadas apenas para fins recreativos,
mas para que haja real aprendizagem faz-se necessário um planejamento que
estabeleça metas em relação aos conteúdos linguísticos presentes na música
escolhida, de forma que o aluno esteja consciente das habilidades comunicativas
a serem desenvolvidas.
Silva Pereira (2006) se propôs a comparar os efeitos da utilização de
canções e textos em prosa na aquisição de léxico em LI e percebeu que, além
de sua função afetiva que promove aproximação entre os envolvidos, a música
mostrou-se uma ferramenta mais efetiva para aquisição de vocabulário. Os
sujeitos de sua pesquisa afirmaram que, por mais que as palavras de textos
possam ser mais fáceis em relação à pronúncia e significado, não são tão
facilmente lembradas quanto aquelas que aprenderam por meio de canções, por
vezes mais complexas.
Já Lima (2008) realizou uma atividade com a utilização de músicas para
trabalhar o próprio gênero textual, apresentando aos alunos técnicas de leitura,
reconhecimento de estrutura textual e exercícios focados em aspectos
gramaticais. De acordo com a autora, trabalhos deste tipo são essenciais para
que os alunos não entendam a utilização de música em sala como passatempo,
e além de servir para apurar a percepção dos mesmos a respeito do gênero
textual e sobre as possibilidades de debates de cunho crítico em relação ao
conteúdo da canção, embasados na perspectiva do letramento.
44
Souza (2014), em sua pesquisa com dezessete professores de escolas
públicas, particulares e de idiomas em João Pessoa (PB), percebeu que estes
utilizam música em sala de aula com o objetivo de trabalhar vocabulário,
gramática e também proporcionar relaxamento. Sobressaem-se as atividades de
preenchimento de lacunas nas letras e atividades de listening. Para estes
professores, as dificuldades em trazer esta ferramenta para sala de aula referemse ao fato de as músicas escolhidas não serem do agrado dos alunos, falta de
recursos, também falta apoio da direção para utilização da música, bem como a
própria carga horária da disciplina que não oferece tal mobilidade.
A autora chama a atenção para a falta de inserção de outros aspectos no
planejamento da aula, tais como: o tema da música; sua intertextualidade; a
profundidade de discussão que sua letra pode possibilitar; e seus próprios
elementos artísticos, num viés que se preocupe com o desenvolvimento de uma
percepção mais reflexiva dos alunos.
De forma abrangente, a partir dos resultados aqui apresentados, percebese que, para a maioria dos professores e para alguns pesquisadores, trabalhar
com música no contexto de ensino-aprendizagem significa ater-se aos
elementos intrinsicamente linguísticos, mais especificamente, gramaticais.
Alguns até mesmo chegam afirmar que esta seja uma abordagem necessária,
no sentido de que o aluno não venha confundir tais momentos como forma de o
professor “matar o tempo”, então, disseca-se a letra da música de forma a
encaixá-la nos objetivos da aula a ser ministrada.
Infelizmente, na maioria das vezes, não há espaço para uma reflexão mais
aprofundada, tanto por parte do professor quanto dos alunos, das mais diversas
funções que a música pode exercer na vida de um indivíduo, principalmente no
âmbito afetivo. Por esta razão, é uma tarefa difícil encontrar trabalhos que
versem sobre a temática mais afetiva na área de ensino de línguas, como
veremos no tópico seguinte.
2.3 A música e o processo de identificação de jovens e adolescentes
É de conhecimento do senso comum que a música propicia, de alguma
maneira, a vazão de nossas emoções, como também o desenvolvimento de
nossa capacidade de reflexão. E, cada vez mais, estudos de diversas áreas têm
45
comprovado essa estreita conexão, como é o caso da musicoterapia utilizada
como componente de tratamento de diversas doenças, principalmente as mais
críticas; bem como a educação física, que tem comprovado a eficácia da música
no estado de ânimo e disposição física dos indivíduos.
Muitos pesquisadores deste campo têm tomado como base os estudos de
Alan Merriam (1964), que categorizou em dez as funções da música na vida
social das pessoas. Contudo, primeiramente, o autor lembra que deve haver uma
distinção entre uso e função, assim: “o ‘uso’, então, se refere à situação na qual
a música é aplicada em ações humanas; a ‘função’ diz respeito às razões para
o seu emprego e, particularmente, os propósitos maiores de sua utilização”
(MERRIAM, 1964, p. 209). Resumidamente, constam assim as 10 funções da
música:
Expressão emotiva: é a função da música relacionada ao ‘descargo’ das
emoções e sentimentos pessoais, uma liberação das ideias, uma maneira de
desabafo e mesmo uma oportunidade de alívio e resolução de conflitos.
Prazer estético: refere-se ao processo de criação e admiração da música
enquanto uma obra de arte, revelando aspectos significativos de cada cultura.
Divertimento, entretenimento: pode se referir ao entretenimento puro de
se cantar ou tocar por simples divertimento e passatempo, ou pode estar
combinado com outras funções, como a de comunicação, por exemplo.
Comunicação: esta função refere-se à compreensão; a música pode
transmitir informações e ideias diretamente para aqueles que compreendem o
que está sendo dito.
Representação simbólica: os elementos de uma música podem ser
representações de outras coisas, ideia e comportamentos, e tendem a ser
disseminados em meios àqueles que estão ouvindo, ou seja, as letras e demais
aspectos podem ‘sugerir’ determinados comportamentos e ações.
Reação física: a música tem o poder de provocar reações físicas, excitar,
mudar o comportamento de alguns grupos, encorajar reações físicas de ousadia,
dentre outros.
Impor conformidade às normas sociais: nas mais diversas culturas, a
música é usada como instrumento para manutenção das normas sociais, por
meio de mensagem que refutam comportamentos e pensamentos considerados
socialmente inadequados.
46
Validação das instituições sociais e dos rituais religiosos: semelhante a
anterior, esta função diz respeito à manutenção dos ideais de certas entidades
sociais e religiosas por meio de suas repetições em forma de músicas.
Contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura: considerando
que todas as funções acima estão moldadas de acordo com as características
de cada cultura, seria óbvio concluir, então, que a música serve ao propósito de
manutenção e de estabilidade da cultura.
Contribuição para a integração da sociedade: relacionada ao item
anterior, a música pode servir ao propósito de promover a solidariedade e união
das pessoas, impelindo-as a se reunirem e participarem de atividades que exijam
cooperação.
Júlia Maria Hummes (2004) complementa, ainda, que para o autor, a
música é uma atividade cultural não tão exposta aos mecanismos protetores que
rodeiam as demais atividades sociais, daí a razão de atingir um maior número
de pessoas e de forma mais livre propagar os mitos, lendas, educação e ideais
de uma sociedade.
Já David Hargreaves (2005), da Universidade de Roehampton (UK), para
ilustrar o enorme poder que música tem sobre a vida das pessoas, em especial
dos jovens, citou uma pesquisa onde foi revelado que a maioria dos membros
da geração do Beatles, mesmo depois de anos passados, consegue reproduzir
cada som, nuance, ou mesmo expressão, dos artistas que os acompanhou em
sua juventude. O autor cita ainda que estudos realizados em conjunto com
Adrian North revelam que, além de estar presente em quase todos os momentos
da vida diária, a música preenche muitas funções cognitivas, sociais e
emocionais, pois tem o poder de influenciar comportamentos diversos, desde
eficiência no trabalho, velocidade de ingestão da comida, humor, disponibilidade
para compras e desempenho nas tarefas cognitivas.
Kátia Maheirie afirma que:
Compreendendo o sujeito como constituído e constituinte do
contexto social no qual está inserido, é possível qualificar a música
como uma forma de comunicação, de linguagem, pois por meio do
significado que ela carrega e da relação com o contexto social no
qual está inserida, ela possibilita aos sujeitos a construção de
múltiplos sentidos singulares e coletivos. (MAHEIRIE, p. 148, 2003)
47
A autora diz que a música constitui-se um tipo de linguagem reflexivoafetiva, pois, em primeiro contato, somos atingidos em nossa afetividade, onde
são despertados sentimentos e emoções. E, quando o sujeito está “mergulhado”
na música, a materialidade, a realidade física a sua volta, passa a ser imbuída
de emoções, ganhando sentidos que estão carregados de subjetividade, regidos
por consciências afetivas.
Baseada em seus próprios estudos e nos de Sartre (1939/1965), Maheirie
observa que a emoção é a parte afetiva da consciência, e esta última, por sua
vez, só pode existir em relação a algo. O mundo, portanto, se constitui objeto
direto da consciência afetiva e suas dimensões passam a ser apreendidas de
acordo com as emoções despertadas.
Os eventos cotidianos fazem com que esta apreensão aconteça de forma
determinista, ou seja, o sujeito enxerga um mundo amável, ou odiável,
apaixonante ou aterrorizante, e, consequentemente, suas possibilidades de ação
também serão vistas de forma deterministas. Porém, no âmbito da música “o que
sucede, simplesmente, é que, sendo a apreensão de um objeto impossível ou
criando uma tensão insustentável, a consciência o apreende ou o tenta
apreender de outra maneira, ou seja, a consciência transforma-se justamente
para transformar o objeto” (Sartre, 1939/1965, p. 55).
Isso significa dizer que, a emoção está estruturada em relações
imaginárias que, por sua vez, só existem porque estão validadas em um sistema
de crenças. E, “este mágico, que nada mais é que a característica básica do
imaginário, pode vir a reger a percepção de um sujeito sobre outro, pode vir a
reger as relações interpsíquicas dos sujeitos, fazendo-se presente e muito forte
no contexto social.” (MAHEIRIE, p. 150, 2003).
Vygotsky (1930/1990) aponta quatro razões pelas quais esta relação
realidade/ imaginação não se pauta em utopias: os elementos da imaginação
são advindos da realidade vivenciada; é a fusão de produtos da fantasia e
fenômenos da realidade que permitem a compreensão de experiências sociais
diversas, a exemplo, quando se ouve uma história contada através de uma
música ou quando se descreve um lugar que não conhecemos, e isso, ao invés
de tolir nossa compreensão, ao contrário, amplia nossos horizontes de
experiências; a emoção provoca reações corpóreas, impressões, ideias e
imagens que agem diretamente no mundo real, se alguém está triste, em
48
resposta “seu mundo ficará triste”, e por último, objetos criados na fantasia
podem passar por um processo de objetivação e transformar a realidade
fechando o círculo do processo de criação humana.
A exemplo, Nogueira, em 2009, empreendeu uma pesquisa a respeito da
influência da emissora MTV7 sobre o público jovem brasileiro, e como o elemento
chave da MTV é a música, a autora tece algumas considerações a seu respeito
apontando-a como eficiente instrumento de compreensão de nós mesmos e do
mundo que nos rodeia, sendo duplamente valorizada pelos adolescentes por
conta de sua ânsia em crescer e serem livres, característica desta fase. Por esta
razão, a música esta ligada à formação da identidade, auxiliando no
desenvolvimento mental, emocional, moral e social destes indivíduos.
A autora enfatiza amplamente o aspecto emocional da música, que acaba
por influenciar também o comportamento, o funcionamento corporal e o estado
psicológico do adolescente, o que permite classificá-la em uma espécie de via
de duas mãos: dependendo das razões e formas como for utilizada, a música
pode tanto agir de forma positiva desenvolvendo a sensibilidade e a inteligência,
ou conduzir a distúrbios psicológicos e condutas antissociais e mesmo suicidas.
Desta forma, acentua-se mais ainda a preocupação que se deve ter sobre
as possíveis influências que determinadas músicas podem ocasionar na vida
destes jovens. Assim, é imprescindível que um professor que se proponha a
trabalhar com este gênero em sala de aula atente-se não só à materialidade
formal da canção, mas esteja ciente de estar lidando com uma ferramenta que
tem ação direta no aspectos psicológico, social e emocional de seus alunos.
Desta forma, em uma perspectiva transformacional, apresenta-se também como
espaço ideal para se empreender ações reflexivas que visem mudanças mais
profundas, que refletirão no próprio processo identitário destes sujeitos.
Maheirie (2003) encontra respaldos para tais assertivas em um estudo
que fiz sobre o papel da música na construção de uma identidade coletiva dentro
de um movimento social, mais especificamente, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) em Santa Catarina. As autoras perceberam que, ao
7
MTV (Music Television) é um canal de televisão pago estadunidense que está sediado em Nova Iorque.
Originalmente, a programação da MTV era dedicada completamente a videoclipes, especialmente de rock.
Depois, a MTV tornou-se um canal com diferentes materiais destinados a adolescentes e jovens.
Fonte: http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/mtv/1335/ - 17/09/2015
49
passo que a música estabelece alianças afetivas e emocionais que levam a um
processo de identificação coletiva, também funciona como mediadora da
ativação de uma memória de lutas e conquistas. Assim, a música pode mediar
as relações cotidianas destes sujeitos, possibilitando um processo individual de
produção de sentidos, mas que se refere a elementos simbólicos do coletivo, o
que resultará no fortalecimento das raízes dentro do movimento.
Levando em conta o caráter reflexivo da música, as pesquisadoras
apontam que esta se torna também um elemento ideológico e político. Ao estar
frente a este elemento artístico, e com a sensibilização que sofrem em seu
aspectos afetivos ao vivenciarem as histórias contadas, os componentes do
movimento podem ser impulsionados à reflexão e, assim, a desejarem ações
que possam modificar esta realidade para um futuro melhor.
Neste interim, Felipe Figueras Dables (2012) faz um levantamento dos
gostos musicais de adolescentes em uma unidade de detenção, no sentido de
averiguar a veracidade de pesquisas que relacionam o gosto por determinados
gêneros musicais (como Heavy metal e Rap) a ações agressivas e a atitudes
transgressivas, como o uso de drogas, apelo ao sexo e à violência.
A preocupação do autor concerne ao fato de que diversas escolas do
conhecimento (Música, Psicologia, Antropologia, Sociologia) dedicam-se a
possíveis aproximações entre os temas música, violência e o universo
adolescente. Mas, como o mesmo aponta em seu trabalho, são temas que em
si mesmos apresentam certa complexidade, o próprio termo adolescência não é
passível de uma classificação específica entre os estudiosos, recebendo
classificações que vão desde um momento atravessado por mudanças
cronológicas, fisiológicas, psicológicas e sociais até uma total invenção social.
No entanto, a instabilidade se apresenta como elemento característico desta
fase em grande parte dos estudos.
Dables (2012) afirma em seu trabalho que as pesquisas tendem a
apresentar um quadro de influência negativa da música sobre a vida dos
adolescentes, mas que pouquíssimas se interessaram por sujeitos envolvidos
em conflito com a lei. O autor entende que a preocupação da influência negativa
de estilos musicais violentos, principalmente do rap e do heavy metal, foi o tema
de diversas pesquisas bibliográficas. Mas, de maneira interessante, os dados
recolhidos por Dables mostraram que a preferência dos adolescentes em conflito
50
com a lei tendem mais para gêneros nacionais, sendo encabeçado pelo pagode,
seguido do Hip hop brasileiro, funk carioca, reggae e sertanejo universitário.
Aliás, em um dos quesitos que avaliava o nível de gosto para cada gênero, rock,
música clássica, punk e rock brasileiro estão entre os mais detestados.
Em defesa ao hip hop, que figura entre preferência destes jovens, o autor
vai dizer que a versão brasileira se atém sim a temas de violência e de problemas
sociais, mas, a maioria apresenta letras motivadoras e que clamam por
mudanças.
Colle (2004) chega a um resultado parecido com sua pesquisa sobre a
influência da música na vida de adolescentes pertencentes à classe social
inferior e que participam do projeto Balakubatuki em uma cidade do sul brasileiro.
O projeto oferece aulas de música (instrumentos, principalmente percussão) e,
para os entrevistados, os estilos preferidos são o reggae e hip hop que, como
explica a autora, são movimentos musicais que se preocupam com questões
sociais, numa forma de protesto e apelo à melhoria de vida. Ainda neste trabalho,
os alunos foram enfáticos ao afirmarem que o contato com a música provocou
mudanças visíveis em suas vidas, principalmente no que tange a auto-estima e
na lida com situações constrangedoras como a discriminação.
Vilmar Pereira de Oliveira (2012) percebe, em sua pesquisa, uma espécie
de “naturalização” da música na vida dos seus entrevistados. De acordo com
este, os jovens disseram ouvir em média 4 horas de música por dia, mas isso
porque se esqueceram de mencionar aqueles momentos onde se utilizam de
mídias portáteis (mp3, celular), como no caminho para escola ou para o trabalho.
Outra resposta interessante foi que a música funciona também como rota de
escape, como escudo em momentos tensos, situações sociais desconfortáveis
ou para fugir da realidade, como em um ônibus lotado.
O autor entende que, ao responderem que não assumem 100% das
características atribuídas a fãs de seus estilos preferidos, estes jovens ressaltam
aquilo que os psicólogos sociais franceses, Deschamps e Moliner, identificam
como identidade: “um fenômeno subjetivo e dinâmico resultante de uma dupla
constatação de semelhanças e diferenças entre si mesmo, os outros e alguns
grupos” (DESCHAMPS E MOLINER, 2009, p. 14).
Percebemos então que, independente da idade, seja em um contexto de
pesquisa ou em eventos cotidianos, é quase impossível encontrarmos alguém
51
que não simpatize com música. Existem, é lógico, preferências por estilos, e
estes vão se modificando e se aprimorando no decorrer da existência de cada
um. Como já discutido acima, a música constitui-se uma maneira de identificação
e expressão daquilo que se acredita, sendo de vital importância, principalmente
na vida dos jovens e adolescentes que estão em busca de afirmação de suas
identidades.
Por esta razão, é comum presenciarmos divisões de grupos de acordo
com estilos, como forma de distanciamento daquilo que não querem ser nem
parecer. Mas, como este é um momento atravessado por turbulentas mudanças,
não é difícil depararmo-nos com situações onde adolescentes estão
constantemente mudando, também, suas opções musicais, como uma forma de
representação daquilo que estão vivenciando em suas próprias experiências
conflituosas. Entender esta fase da vida e a relação estabelecida com a música
nos auxilia então no sentido de que possamos compreender mais claramente os
enunciados e a maneira como se portam os sujeitos desta pesquisa.
52
CAPÍTULO 3
APONTAMENTOS TEÓRICOS: LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL E
ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
Neste capítulo são explanados os preceitos teóricos que embasam este
trabalho. Na primeira seção, aborda-se a Gramática Sistêmico-Funcional de
Halliday (1974) inserida no contexto de uma teoria funcionalista da linguagem,
levando em consideração sua contribuição para ACD, e evidenciando-se a
relação da linguagem com os demais aspectos sociais. Na seção 3.2, serão
percorridas as assunções da ACD com Fairclough (2003a) e ainda autores como
Resende e Ramalho (2006), Papa (2008) e Magalhães (2001), que dão suporte
a esta linha teórica. Dentre as possibilidades de perspectiva analítica da ACD,
na seção 3.3, serão explanados mais a fundo os conceitos de significado
identificacional, principalmente no que concerne ao estilo, porque diz respeito ao
aspecto discursivo da identidade, e serão relatados os significados do conceito
de modalidade e avaliação, atendendo diretamente ao propósito desta pesquisa.
3.1 A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday
Maria Helena de Moura Neves (1994) aponta que a preocupação
primordial de uma abordagem funcionalista da linguagem diz respeito à
verificação de como os usuários de uma língua natural obtêm eficiente
comunicação por meio desta língua. Para melhor definição, a autora distingue
dois polos opostos no pensamento linguístico: o formalismo, que prioriza a
análise da forma linguística e o funcionalismo, que se atém à função de tais
formas. Resumidamente, no paradigma formal, a linguagem natural é um
sistema abstrato e autônomo em relação ao uso, já na perspectiva funcional, não
há arbitrariedade das expressões linguísticas, estas são sensíveis e
codeterminadas por elementos da interação verbal humana.
Nesta perspectiva, Carlos A. M. Gouveia (2009) afirma que a
caracterização da língua e dos sistemas semióticos é determinada pelo uso, pela
necessidade suscitada na vivência humana. Uma teoria funcionalista da
linguagem, portanto, é um modelo socialmente orientado, em que a aquisição da
53
linguagem é concretizada nas situações discursivas de práticas sociais, ao
contrário da visão inatista que prega uma herança genética sob uma perspectiva
biológica.
Neves (1994) ressalva que o funcionalismo, dentro de sua categorização,
apresenta três faces distintas: o conservador, que aponta a inadequação do
sistema formalista, mas sem propor uma análise da estrutura; o extremista, que
nega a realidade da estrutura enquanto estrutura e apregoa que as regras se
baseiam internamente na função, sem restrição sintática, e o funcionalismo
moderado que aponta a inadequação, mas vai além, propondo uma análise
funcionalista da estrutura. Esta última corrente reconhece a noção central de
estrutura, enfatiza a importância da semântica e da pragmática para análise da
estrutura, mas propõe uma análise distinta daquela proposta pelos formalistas.
Nestes quesitos, encaixa-se a Gramática sistêmica-funcional (GSF) de Halliday
(1994), que será utilizada como modelo de análise textual no presente trabalho.
Em seu livro An introduction to functional Grammar, Halliday (1994)
aponta que sua teoria é funcional em três sentidos distintos:
1- É designada para avaliar como a linguagem é usada, pois, já que esta se
desenvolveu para satisfazer a necessidade humana, uma gramática
funcional é, essencialmente, uma gramática natural, no sentido de que, em
última análise, tudo pode ser explicado por meio da referência de “como”
está sendo usada.
2-
Os componentes significativos da linguagem são funcionais. Todas as
línguas são organizadas em torno de dois significados principais: o
ideacional, (ou reflexivo) e o interpessoal (ou ativo). Estes componentes são
chamados de “metafunções”, e, no sistema linguístico, é a manifestação de
dois propósitos gerais que subjazem a toda e qualquer língua: entender o
ambiente
(ideacional) e
interagir com os outros deste ambiente
(interpessoal). Somados a estes dois há uma terceira metafunção, a “textual”
que confere relevância aos outros dois.
3- Cada elemento de uma língua é explicado pela referência à sua função no
sistema linguístico global, ou seja, a gramática funcional constrói todas as
unidades da língua (orações, frases, etc.) como configurações orgânicas de
funções, assim cada parte é interpretada como funcional em relação ao total.
54
O autor explica ainda o uso do termo “gramática”, no sentido de que, na
terminologia linguística, sintaxe seria apenas uma parte da gramática.
Considerando que sintaxe e vocabulário são partes do mesmo nível no código,
seria mais apropriado o termo “lexicogramática”, que se torna muito extenso, daí
sua redução em “gramática”. Halliday ressalva que a utilização do termo sintaxe
sugere uma análise que partiria do estudo morfológico em direção ao estudo
sintático para então responder a questão de “o que estas formas significam?”.
Para a gramática funcional, a direção é inversa, a linguagem é interpretada como
um sistema de significados, acompanhados de formas através das quais estes
sentidos são realizados, a pergunta então seria “como estes significados são
expressos?”.
Neves (1994) explica que, na gramática funcional, a língua é um sistema
semântico, mas não se referindo apenas ao significado de uma palavra e sim a
todo sistema de significados da língua por meio do qual o homem “pensa sobre”,
“interpreta” e “expressa” sua experiência, porque as estruturas semânticas são
plausíveis e o homem pode agir sobre elas. Assim:
Os sistemas de significados, por sua vez, geraram estruturas
lexicogramaticais que são igualmente plausíveis: há, então,
verbos e substantivos para enquadrar a análise da experiência
em processos e participantes. É assim que as crianças são
capazes de construir uma gramática: elas podem fazer uma
ligação entre as categorias da gramática e a realidade que está
em seu redor e dentro de sua cabeça, conseguindo ver o sentido
por trás do código. (NEVES, p. 118, 1994)
A dispensação de uma gramatica é inviável no sentido de que estes
significados se realizam por meio de enunciados, que serão interpretados por
meio da análise de suas formas linguísticas.
Reitera ainda Halliday (1994) que “sistêmica” se refere à teoria de
significado enquanto escolhas em uma rede sistêmica, na qual a língua e outros
sistemas
semióticos
são
interpretados
enquanto
redes
de
opções
interconectadas. Aplicando-se a descrição de linguagem, isto significa começar
pelas características mais gerais e, passo a passo, torná-las mais específicas:
uma mensagem ou se refere ao “fazer”, ou ao “pensar” ou ao “ser” algo.
55
Na análise de qualquer discurso, há dois níveis possíveis de serem
alcançados: primeiro, a compreensão do texto, onde a análise linguística
mostrará como e porque o texto tem determinado significado, além de evidenciar
múltiplos significados, alternativas, ambiguidades, metáforas, etc.; segundo,
superior ao primeiro, está a avaliação que permitirá dizer se um texto é ou não
efetivo dentro de seus propósitos, em quais aspectos é bem sucedido, em quais
fracassa. Este é um objetivo difícil de atingir, exigindo assim, não apenas análise
do texto em si, mas também de seu contexto e da relação estabelecida entre
contexto e texto.
Halliday (1994 Apud Papa 2008) explicita que os falantes não usam a
língua apenas como troca de som, palavras ou sentenças, mas como uma forma
de se significar e dar significado ao mundo. Assim as três metafunções
postuladas por Halliday permitem identificar a maneira como o discurso está
organizado, fornecendo explicações do uso da língua partindo da necessidade,
da intenção e do contexto do falante.
As três metafunções funcionam simultaneamente no discurso, e são
assim definidas por Resende e Ramalho (2006, p 57):
Função ideacional da linguagem é sua função de representação
da experiência, um modo refletir a “realidade” na língua: os
enunciados remetem a eventos, ações, estados e outros
processos da atividade humana através de relação simbólica.
(...) A função interpessoal refere-se ao significado do ponto de
vista de sua função no processo de interação social da língua
como ação. (...) trata dos usos da língua para expressar
relações sociais e pessoais. (...) A terceira função apresentada
por Halliday é a textual: aspectos semânticos, gramaticais e
estruturais que devem ser analisados no texto com vistas ao
fator funcional.
Para a presente investigação, serão de extrema valia as especificações
das metafunções interpessoal e ideacional. A primeira porque retrata a
maneira como são estabelecidas as relações de interação comunicativa, onde o
falante procura posicionar-se e posicionar os demais, assumindo papeis sociais
e realizando significados interpessoais. Assim, ficam em evidência valores,
julgamentos e argumentos, validação, aceitação ou negação, elementos estes,
presentes nas trocas de informação e de conhecimento, sendo percebidos
56
quando da visualização do sistema de modo (modulação e modalidade) e do
resíduo.
Conforme Halliday (1994 Apud PAPA 2008 p. 43), “a metafunção
ideacional se relaciona à variável de registro (Campo), sendo realizada pelo
sistema de transitividade”. Assim, cada proposição oracional consiste em três
elementos:
(i) o processo;
(ii) os participantes;
(iii) as circunstâncias associadas ao processo.
O processo e os participantes são obrigatórios, sendo o primeiro
tipicamente representado por um grupo verbal e o segundo por grupos nominais
que podem tanto praticar quanto receber a ação. As circunstâncias trazem
informações adicionais e, geralmente, são representadas por grupos adverbiais
ou frases preposicionais.
Estes elementos de transitividade nos ajudam a compreender a maneira
como o falante expressa sua experiência com relação a situações do mundo
externo, e também seu próprio mundo interno, seus pensamentos, sentimentos,
etc. E, neste ínterim, sob a perspectiva da metafunção ideacional, utilizamo-nos
então do conhecimento sobre as especificações de cada processo para
compreendermos a maneira como essas experiências são retomadas na
materialidade textual.
A autora reitera que há seis tipos de processos, sendo três principais
(Material, Mental e Relacional) e três intermediários (Comportamental, Verbal e
Existencial), conforme explicitados na figura abaixo:
57
8
De acordo com Halliday (1994 Apud PAPA 2008), os processos podem
assim serem resumidos:
Processos Materiais: referem-se a nossa experiência no mundo físico,
ações, ato de “fazer”, como em trazer, buscar, etc. Configuram-se em torno de
dois participantes principais: Ator e meta, o primeiro realiza a ação (sendo
obrigatória sua presença, mesmo que não seja mencionado na proposição); e a
meta, aquilo que é modificado pela ação (objeto direto da gramática tradicional).
Um exemplo de processo material de ação pode ser encontrado em “os
professores de inglês trazem músicas para a aula”.
Processos Mentais: Referem-se ao processo de sentir/experenciar algo,
e relacionam-se com a cognição (saber), a percepção (sentir) e a afeição
(gostar). É composto de um ser consciente que vivencia o processo
(Experenciador) e aquilo que é sentido (Fenômeno). Um processo mental de
cognição está em “Eu entendo que os alunos gostem de música”.
Processos Relacionais: São processos de ser ,e envolvem dois papéis:
de Portador ou de Atributo nos processos de atribuição, como em “Maria(P) é
linda (A)”; outro papel é de Identificador, como “eu sou uma professor de inglês.”
8
Fonte: PAPA, Solange Maria de Barros. Prática pedagógica emancipatória: o professor reflexivo em
processo de mudança- Um exercício em Análise Crítica do Discurso. São Carlos: Pedro e João editores,
2008.
58
Os processos intermediários são: os comportamentais que abarcam
comportamentos físicos e psicológicos; os verbais que são processos de dizer e
os processos existenciais que contêm apenas um participante, o existente,
expresso tipicamente pelos processos de haver, existir e ter.
Neste estudo, serão focados os processos mentais e relacionais, pois se
espera compreender a maneira como os sujeitos da pesquisa representam suas
experiências individuais e sociais, especialmente, no que tange em suas
relações com a música, de modo a aferir o papel desempenhado pela mesma
em seus processos identitários. Assim, principalmente pelos processos
relacionais, poderemos compreender quais são os atributos relegados à música,
para então sabermos sua função dentro do complexo processo identificação
destes indivíduos.
3.2 A relação dialética da linguagem na perspectiva da Análise Crítica do
Discurso (ACD)
A teoria transformacional da Análise Crítica do Discurso (ACD) defendida
por Norman Fairclough (2003a) compreende que a linguagem é atravessada por
forças ideológicas, ou seja, a luta pelo poder é operacionalizada no nível
linguístico, contribuindo na perpetuação de discursos de dominação social, que
permanecem ocultos em atendimento a interesses políticos.
Procura-se,
portanto, compreender a forma como o uso da linguagem está submetido a
forças da estrutura social, mas o diferencial teórico está exatamente na relação
dialética que se estabelece: o discurso aqui é definido enquanto prática de
representação, mas também como um meio de ação pelo qual transformações
são estabelecidas. A criticidade é assim definida:
Ela [a Análise Crítica do Discurso] é crítica, primeiramente, no
sentido de que busca discernir conexões entre a língua e outros
elementos da vida social que estão normalmente encobertos.
Entre eles: como a língua aparece em relações de poder e
dominação; como a língua opera ideologicamente; a negociação
de identidades pessoais (sic) e sociais (continuamente
problematizadas através de mudanças na vida social) em seu
aspecto lingüístico e semiótico. Em segundo lugar, ela é crítica
no sentido de que está comprometida com mudanças sociais
contínuas (Fairclough, 2001, p. 230).
59
Convencionalmente, considera-se que a ACD como uma ciência crítica de
linguagem, sendo uma Teoria e exercendo, em concomitância, a função de
método de análise. Por esta razão, é considerada transdisciplinar, pois
operacionaliza conceitos tanto da Linguística quanto das Ciências Sociais.
Ressalta-se ainda a forte influência que a ACD recebe das concepções do
Realismo Crítico, que tem sua máxima representação em Roy Bhaskhar,
concebendo as concepções e o funcionamento de estrutura social, mecanismos
e eventos, bem como ressaltando a profundidade ontológica das ações
humanas.
A ACD consolidou-se como disciplina a partir de um simpósio realizado
em Amsterdã em 1991, onde vários estudiosos da linguagem se reuniram para
discutir o viés crítico de tais formas de estudo. Ramalho e Resende (2006)
ressaltam os trabalhos de Bakhtin e Foucault que exerceram grande influência
nos postulados da ACD. Do primeiro, adere-se a noção de dialogismo, pensando
a linguagem não como sistema abstrato, e sim como resultado de interações,
sendo o signo constituído ideologicamente e a partir das relações sociais. Cai
por terra então a ideia de alternância entre dois parceiros na comunicação, pois
a linguagem apresenta um caráter polifônico, ou seja, retoma e é retomada por
diversas vozes que formam uma cadeia dialógica.
Esta concepção é crucial para a ACD quando se pensa na linguagem
como espaço de luta hegemônica, possibilitando a análise das escolhas
linguísticas de um determinado sujeito e relacionando-as a determinadas vozes
- e não outras- no intuito de se compreender as lutas pelo poder e as
contradições sociais. Bakhtin (1977) contribui ainda com a noção de gêneros que
têm a função de relativamente estabilizar a linguagem de acordo com condições
específicas e que também refletem as esferas sociais em que são gerados.
A concepção de linguagem como espaço de luta hegemônica advém da
produção de Foucault (1977) que definiu linguagem enquanto prática que
constitui o social, os objetos e os sujeitos sociais. Pensando nesta face
constitutiva do discurso, analisá-lo significa especificar sócio-historicamente o
contexto de sua produção, ou seja, os elementos que possibilitam, ou não,
determinadas formações discursivas em determinado ambiente e em um tempo
específico. Ainda de acordo com o estudioso, o poder é uma força exercida por
60
meio de práticas discursivas institucionalizadas que "adestram" os indivíduos e
os adéqua de acordo com as adaptações necessárias.
Ramalho e Resende (2006) trazem ainda algumas noções preliminares
com vistas a oferecer um amplo background dos fundamentos dos postulados
da Análise de Discurso Crítica. A exemplo, temos a concepção de "discurso"
que remete à visão funcionalista , sendo definido enquanto linguagem em uso,
contrário ao formalismo que o vê apenas como unidade acima da sentença.
O próprio Fairclough (2003, p. 124) faz questão de enfatizar que:
The term ‘discourse’ is used abstractly (as an abstract noun) for
the domain of statements, and concretely as a ‘count’ noun (a
‘discourse’, ‘several discourses’) for groups of statements or for
the ‘regulated practice’ (the rules) which governs such a group of
statements. (…) I see discourse as a way of representing aspects
of the world – the processes, relations and structures of the
material world, the ‘mental world’ of thoughts, feelings, beliefs
and so forth, and the social world9.
Prossegue o autor afirmando que aspectos particulares do mundo serão
representados de formas diferentes, assim, diferentes discursos filiam-se a
diferentes perspectivas do mundo, que por sua vez estão associadas às
diferentes relações que as pessoas mantêm com o mundo, assim como as suas
identidades sociais e pessoais. O discurso, portanto, não só representa o mundo
como ele é visto, mas é também projetivo, imaginário, representando possíveis
mundos que são diferentes do atual, e entrelaçados a projetos de
transformações que tomam direções particulares.
Célia Maria de Magalhães (2001) especifica que Discurso na ACD é,
portanto, uma forma de representação e também de ação no contexto da prática
social, principalmente, no que tange à construção de identidades sociais, às
relações sociais e a sistemas de crenças e conhecimentos.
A autora apresenta ainda a definição de alguns conceitos chaves para a
ACD como a Prática discursiva que se refere ao processo de produção,
O termo discurso é usado abstratamente (como um substantivo abstrato) para o ‘domínio dos
enunciados’, e concretamente como um substantivo contável (‘um discurso’, ‘vários discursos’)
para grupos de enunciados ou para ‘prática regulada’ (as regras) que governa um determinado
grupo de enunciados. Eu vejo o discurso com forma de representação de aspectos do mundoos processos, relações e estruturas do mundo material, o ‘mundo mental’ de pensamentos,
sentimentos crenças e assim por diante, além do mundo social. TRADUÇÃO DA AUTORA.
9
61
distribuição e consumo de textos (elementos semióticos), variando de acordo
com diferentes tipos de discurso e fatores sociais. Ordens de discurso, conjunto
de práticas discursivas dentro de uma instituição, bem como as relações
estabelecidas entre tais práticas. Gênero, estilo e discurso são elementos
constitutivos das ordens de discurso. E ainda Prática social, este conceito, de
acordo com Ramalho e Resende (2006), tem origem no materialismo históricogeográfico de Harvey , ou seja, referem-se a maneiras habituais pelas quais as
pessoas, localizadas em espaço e tempo identificado, aplicam recursos
materiais ou simbólicos sempre de maneira interconectada. Por isso, o discurso
torna-se um dos momentos da prática social que envolve domínios da economia,
política, cultura e vida cotidiana. Para Magalhães (2001), é a dimensão que
pensa o discurso em relação à ideologia e ao poder.
Dentro da perspectiva da ACD, o conceito de poder e hegemonia advêm
dos estudos de Gramsci (1978), sendo a hegemonia, portanto, o contínuo foco
de luta das classes dominantes sobre os pontos instáveis, no sentido de se
reafirmar o poder e as ideologias, estas últimas, implicitamente, estruturam os
modos de ação dos sujeitos sob a forma do senso comum que as legitima por
meio do processo de naturalização.
Para Fairclough (2003a), hegemonia trata-se de convenções discursivas
atreladas a práticas que contribuem na manutenção do poder de um grupo por
meio de interações verbais. Mas esta dominação é instável, temporária,
disputando com forças sociais e outras classes, por isso a noção de luta
hegemônica. E é justamente esta instabilidade que permite a rearticulação de
elementos sociais com vistas à mudança por meio de agentes engajados,
utilizando como ferramenta os eventos discursivos e embasados em processos
reflexivos. A ideologia para a ACD é sempre vista como algo negativo por se
tratar de significações, ou modos de simbolizar a realidade, que se utilizam da
linguagem para estabelecer e sustentar as relações de dominação.
Do Realismo Crítico (BHASKAR, 1975), a ACD utiliza a ideia de que a
vida (social e natural) é um sistema aberto, composto de várias dimensões em
que mecanismos (visíveis ou não) funcionam de forma interconectada. Assim, a
análise deve buscar compreender os níveis mais profundos da realidade, já que
esta se apresenta de forma estratificada.
62
Neste sentido, a inovação dos estudos de ACD reside no foco em
mudanças sociais e discursivas, utilizando-se de um modelo proposto por
Fairclough que contempla o texto, a prática discursiva e a prática social,
descentralizando o foco no discurso durante o processo de análise e o definindo
como um dos momentos sociais. Esta mudança no objeto de análise reitera
exatamente o caráter dialético da ACD que procura abarcar todas as dimensões
possíveis e situar o discurso como um dos elementos da vida social, que
funciona interligado com os demais.
Neste ínterim, Resende e Ramalho (2006) apresentam o enquadre de
análise da ACD, composto por 5 passos: O primeiro passo seria a identificação
de um problema, geralmente relacionado à distribuição assimétrica de recursos
materiais e simbólicos, resultando na manutenção de poder. O segundo passo
seria identificar os obstáculos para que o problema seja superado por meio da
análise de conjuntura, da prática particular e do discurso, verificando os conflitos
de poder na instância discursiva através da análise linguística e dos demais
elementos da prática social. O terceiro passo consiste em identificar a função do
problema na prática, de que forma colabora para a manutenção do poder. O
quarto passo seria os possíveis modos de superação do problema, e o quinto
seria reflexão sobre a análise, pois toda pesquisa em ACD deve ser reflexiva.
Pensando que a ACD opera no sentido de articulação, desarticulação e
rearticulação de elementos relativamente estabilizados na relação entre
estrutura e eventos discursivos, torna-se imprescindível compreender como
funciona este processo articulatório nos textos por meio da intertextualidade.
A intertextualidade dá conta da articulação de transformações agenciadas
pelo sujeito, que é visto como interpretante dos elementos textuais dos diferentes
textos, portanto, interpretantes diferentes fazem leituras diferenciadas. A
coerência, sendo um fator externo aos textos, possibilita tanto adequação a
posições pré-estabelecidas textualmente, ou total resistência às mesmas.
3.3 A identidade sob o viés do significado identificacional e estilo de
Fairclough
A Linguística Sistêmica Funcional, postulada por Halliday (1994), é o
arcabouço linguístico que ofereceu à ACD uma percepção geral de linguagem
ao conceber as três metafunções da linguagem. A partir destas identificações,
63
Fairclough recontextualiza os conceitos, preferindo referir-se às funções
enquanto “significado”, postulando assim:
Significado Representacional (Metafunção Ideacional): dentro de um
texto funcionam diversos discursos que, por sua vez, expressam diferentes
visões, diferentes formas de se portar no mundo e de encarar a realidade, e a
esta heterogeneidade de vozes dá se o nome de interdiscursividade. A partir
desta constatação, a ACD teoriza algumas categorias de análise que procuram
identificar estes diferentes discursos e compreender a maneira como se
articulam no texto. A maneira como os atores sociais são representados aponta
a posição ideológica que se assume em relação aos mesmos, presentes nos
textos e nas interações sociais. Outra categoria de análise diz respeito à escolha
de determinadas palavras em detrimento de outras, evidenciando o conflito
ideológico que a variação semântica pode apresentar.
Significado acional e gênero (Metafunção Textual): para além de
considerar apenas os elementos textuais, Fairclough inclui nesta categoria as
representações e negociações das relações sociais. Utilizando-se do conceito
de Baktin sobre gêneros, o autor associa cada prática social a determinado
gênero, com suas particularidades e elementos regulatórios de discursos, e
devido a sua mobilidade, há um forte apelo de hibridismo dentro dos gêneros. A
maneira como se reporta a esta ou a outra voz, direta ou indireta, aferida através
de mudanças verbais, pronominais, etc., também reflete o uso do poder na
linguagem, com consequências valorativas ou depreciativas.
Significado identificacional e estilo (Metafunção Interpessoal): diz
respeito ao aspecto discursivo da identidade, ou seja, o estilo aponta a
identidade dos atores sociais. Nesta categoria, analisa-se a avaliação, que inclui
sentenças que exprimem um juízo de valor e relação afetiva, podendo se
apresentar de maneira explícita ou mais subjetiva; a modalidade, que envolve o
entendimento que o falante tem sobre as probabilidades e obrigatoriedade
daquilo que diz, principalmente, pelo uso de verbos, advérbios modais e
adjetivos dentro da polaridade negativo/positivo; e a metáfora, defendida como
base estruturante do pensamento, indica a maneira como o falante se identifica,
ou seja, o uso de determinada metáfora representa filiação a uma determinada
forma de se significar no mundo e não outra.
64
Este último significado, especificamente a noção de estilo, é de
fundamental importância para o presente trabalho, pois nos permitirá analisar os
aspectos discursivos da identidade dos atores sociais envolvidos na pesquisa.
Neste sentido, entende-se que:
Styles are the discoursal aspect of ways of being, identities. Who
you are is partly a matter of how you speak, how you write, as
well as a matter of embodiment- how you look, how you hold
yourself, how you move and so forth. Styles as linked to
identification. (FAIRCLOUGH, p159, 2003)10
Fairclough opta pelo uso do termo “identificação” em relação à identidade,
por ser o que melhor define este processo, pois enfatiza a maneira como as
pessoas identificam a si mesmas e como são identificadas pelos outros.
Discursos são inculcados em identidades, ou seja, a visão dialética
pressupõe que os significados identificacionais nos textos podem ser vistos
como significados representacionais pressupostos, assunções nas quais as
pessoas identificam a si mesmas da forma que o fazem.
Estilos são realizados por meio de características linguísticas no nível
fonológico (pronúncia, entonação, acentuação, ritmo), no vocabulário (esta
variação pode ser identificada por meio da intensificação de advérbios) e nas
metáforas. Mensagens sobre a identidade social (classe social, por exemplo) e
sobre a personificação são transmitidas por meio da variada seleção que as
pessoas fazem no uso das palavras. Fairclough (2003) aponta ainda que o estilo
tem a ver com um jogo entre língua e linguagem corporal, a identidade política
de uma pessoa, por exemplo, está relacionada à sua expressão facial, seus
gestos, sua postura, corte de cabelo, modo de se vestir, etc.
Utilizando os conceitos da Linguística Sistêmica, Fairclough elenca três
parâmetros para estilos: o teor, que trata do tipo de relação estabelecida (formal,
informal, etc.); o modo, que se refere à modalidade de textos (falado, escrito ou
ambos) e o modo retórico que trata da classificação (argumentativa, descritiva
ou expositiva).
10
Estilos são os aspectos discursivos das formas de ser, ou seja, identidade. Quem você é implica, em parte,
em como fala, como escreve, tanto quanto uma questão de personificação: sua aparência, como se move,
como se comporta, assim por diante. Estilos estão ligados à identificação. TRADUÇÃO DA AUTORA.
65
3.3.1. Modalidade e Avaliação
De acordo com Fairclough (2003a), a maneira de se entender claramente
como as pessoas identificam a si mesmas é por meio das categorias de
modalidade e avaliação, que o autor chama de textualidade das identidades, pois
apontam o nível de comprometimento com aquilo que se diz. O modo pela qual
as pessoas se comprometem em um texto, indica duas possibilidades de se
analisar tal quesito: por meio da modalidade, que seria o julgamento do falante
sobre a obrigatoriedade e possibilidade daquilo que se diz, ou seja, o que é
verdadeiro e necessário; e por meio da avaliação (ou modalização) que se refere
aos valores do falante em relação ao que diz, se é desejável (bom), ou não
(ruim), etc.
Fairclough reinterpreta o conceito de modalidade a partir das postulações
de Halliday e a categoriza em: modalidade epistêmica, quando se trata de um
contexto de troca de conhecimento e está relacionada ao nível do
comprometimento com a verdade daquilo que se diz; e modalidade deôntica que
se insere na situação de trocas de atividades e refere-se ao nível de
obrigatoriedade/necessidade. (RESENDE E RAMALHO, 2006, p. 82).
Basicamente, a modalidade ocorre por meio do uso dos verbos modais
(deve, deveria, pode, poderia, etc.), mas, como Fairclough aponta, também pode
ocorrer de forma implícita no enunciado, ou ainda através de outros recursos
linguísticos como interjeição, adjetivos e entonação. O que deve se manter é a
ideia de que há níveis de comprometimento com a verdade, bem como de
necessidade, e estes podem ser mensurados, no contexto do enunciado, em
graus que variam entre alto, médio ou baixo. A exemplo, na sentença, “ele
certamente virá” há um alto nível de comprometimento, enquanto que em “ é
possível que ele venha” o nível é baixo. Quanto à obrigatoriedade, o mesmo se
aplica nas seguintes sentenças: “ você precisa abrir a porta” e “ você tem
permissão para abrir a porta.”
Ainda no quesito modalidade, Fairclough (2003a) faz distinção entre as
categorias subjetiva e objetiva, a primeira ocorrendo quando se está claro,
explicitamente, que o julgamento é algo que parte do próprio falante, é uma
afinidade pessoal; quanto à última já não temos claro esta distinção, o
66
julgamento aparece em forma implícita, não se sabe se “o falante projeta seu
ponto de vista como universal ou age como veículo para o ponto de vista de um
outro indivíduo ou grupo.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 200)
Quanto à avaliação, trata-se de enunciados que reiteram a ideia de que
algo seja desejável ou não, inclui “avaliações afirmativas (que apresentam juízo
de valor), afirmações com verbos de processo mental afetivo (tais como
“detestar”, “gostar”, “amar”) e presunções valorativas (sobre o que é bom ou
desejável). (RESENDE E RAMALHO, 2006, p. 79). Para a avalição, pode-se
utilizar um atributo, um verbo, um advérbio ou um sinal de exclamação.
Faircough (2003a) chama atenção para o fato de que sentenças que
tratam da importância, ou utilidade de algo, também podem ser avaliativas, posto
que, por exemplo, se algo é “importante” é porque, talvez, seja bom. Aqui
também há a ocorrência implícita, onde a avaliação sobre algo não está
claramente marcada, mas pode ser apreendida quando da análise aprofundada
daquilo que está presumido.
Para esta categoria de análise o autor propõe uma medida que avalia o
nível de intensidade que vai de alta, passando por média, até baixa intensidade
como em “eu adoro/amo/gosto disso.”
67
CAPÍTULO 4
METODOLOGIA
Neste capítulo serão descritos os procedimentos utilizados na pesquisa.
Na primeira seção, discorro sobre a abordagem da ACD enquanto método de
análise. Na segunda, explano sobre a abordagem qualitativa e quantitativa de
pesquisa, sendo esta última utilizada apenas para dar suporte à análise dos
dados. Na terceira, descrevo o contexto do ambiente da pesquisa - a Escola
Estadual Mário Spinelli onde está implantado o projeto SUPERHAÇÃO. Na
quarta seção, apresento os procedimentos de coleta de dados, dando enfoque
à aplicação dos questionários e entrevistas. Na quinta, delineio os sujeitos da
pesquisa. Na sexta e última seção, discorro sobre as categorias de análise que
compõem o quadro analítico desta pesquisa.
4.1 ACD como método de pesquisa
Convencionalmente, considera-se a ACD uma ciência crítica da linguagem,
sendo uma teoria e exercendo, em concomitância, a função de método de
análise.
Neste sentido, Magalhães (2001) afirma que, no contexto da análise
textual propriamente dita, devemos voltar a atenção para o vocabulário, a
gramática, a coesão e a estrutura textual. Para a prática discursiva, deve ser
levada em consideração a força dos enunciados, a coerência e a
intertextualidade. Para a análise da prática social, deve-se pensar o conceito de
hegemonia e poder, percebendo como o discurso retoma as hegemonias
existentes.
A autora aponta, ainda, que as pesquisas em análise crítica têm
apresentado três tendências de transformação que afetam a ordem do discurso
societal: a democratização, a comodificação e a tecnologização do discurso.
Reitera, também, o caráter transdisciplinar da ACD, pensando o discurso como
recurso semiótico, inserindo sua análise no contexto da sociedade na
modernidade tardia, identificando a possibilidade de mudanças pelo aspecto
instável desta última.
68
Para se utilizar a ACD como método de pesquisa, Ramalho e Resende
(2006), com base em Chouliaraki e Fairclough (1999) apresentam o enquadre
de análise de Fairclough, composto por 5 passos11:
1) Identificação do problema;
2) Obstáculos a serem enfrentados;
3) Função do problema na prática;
4) Possíveis maneiras de superar os
obstáculos;
5) Reflexão da análise.
No que se refere a esta pesquisa, pode-se afirmar que o primeiro
momento se realizou quando da identificação da necessidade de buscar meios
para lidar com agravantes sociais, como o uso de drogas e a violência, dentro
do espaço da escola. Além de lidar com aspectos pedagógicos, a escola precisa
estar preparada para enfrentar toda sorte de problemas sociais que possam
aflorar no cotidiano escolar, ainda mais em um tempo de constantes mudanças
e adaptações conflituosas, como é o caso dos jovens e adolescentes
participantes das grandes transformações sociais pós-contemporânea.
No contexto aqui retratado, o Projeto SUPERHAÇÃO (que será mais
detalhado a seguir) ofereceu um amplo campo de pesquisa por conta de seu
caráter transformacional que lida diretamente com o supracitado problema, posto
que tenha como objetivo ações que visem a prevenção e a intervenção do uso
indevido de drogas na escola Estadual Mário Spinelli, localizada no município de
Sorriso, norte do estado de Mato-Grosso.
O segundo momento, obstáculos a serem enfrentados, a análise dos
enunciados dos sujeitos da pesquisa, disposta no próximo capítulo, poderá
informar, ao menos no contexto do aspecto discursivo, quais seriam alguns dos
entraves para que seja superado o problema na vida dos adolescentes,
principalmente, em um contexto escolar. Estes entraves, por suas vez, estarão
ligados a questões de processos de identificação, razão pela qual se priorizou
um viés teórico que estivesse relacionado a esta temática, pois, levando em
11
Quadro formulado pela autora a partir das concepções dos supracitados autores.
69
conta as considerações teóricas apresentadas, pode-se afirmar, por exemplo,
que o jovem busca em ações transgressoras uma forma de aceitação pelo grupo.
Procuram-se, também, os pontos de conexão entre o aspecto linguístico
do discurso e demais elementos da prática social, bem como compreender a
maneira como estão em funcionamento as ideologias no contexto desta prática.
O terceiro momento, função do problema na prática, refere-se à
identificação do papel que este problema desempenha no contexto social, por
meio da análise dos elementos linguísticos a partir das categorias de análise
escolhida, como, também, através da compreensão da maneira como os sujeitos
investigados se posicionam é possível entender se existem razões para que o
problema não seja enfrentado. A exemplo, temos na fala da coordenadora a
constatação do não envolvimento efetivo dos professores com as ações do
projeto, cabe aqui se pensar então quais seriam as justificativas para tal ação.
O quarto momento diz respeito às maneiras de superação do problema
em questão, e pode-se afirmar que a própria razão de ser desta pesquisa
responda a este quesito. Compreender como a música influencia os processos
de identificação destes jovens, voltando um olhar ontológico para os
mecanismos em funcionamento na estruturação dos alunos enquanto sujeito, é
uma maneira de se propor uma forma de superação. Para haver transformação
em uma sociedade, é preciso penetrar nas raízes dos problemas sociais, com
suas estruturas, mecanismos e poderes, o mesmo se aplica no que tange à
transformação de indivíduos. Precisamos compreender os elementos mais
profundos, que intervém em sua estrutura emocional, resultando em seus
problemas. Busca-se, portanto, apontar estratégias significativas do ensino da LI
que indiquem mecanismos potenciais de enfretamento das adversidades sociais
mediante o uso de músicas dentro do contexto do Projeto SUPERHAÇÃO.
O quinto e último momento será em forma de uma autoanálise reflexiva
retratando os aspectos transformacionais, deste presente trabalho, no intuito de
se encerrar o estágio de uma análise de discurso majoritariamente crítica.
70
4.2 Do caráter qualitativo e quantitativo da pesquisa
No âmbito da linguagem, a pesquisa de cunho qualitativo tem sido uma
das formas de pesquisa mais utilizadas no campo dos estudos humanísticos.
Chueke e Lima (2012) apontam as mudanças que sofreu o conceito de
pesquisa qualitativa, que tem sido influenciado, principalmente, por duas
vertentes: positivismo-lógico e o interpretativismo.
De acordo com os referidos autores, resumidamente, a pesquisa
qualitativa iniciou-se com a fase etnográfica, período do surgimento dos
trabalhos de campo; em seguida, houve a chamada “era dourada” com a
tentativa de, rigorosamente, formalizar métodos quase estatísticos para os
estudos qualitativos; logo depois, o foco recai sobre a interpretação dos
resultados encontrados, procurando-se por generalizações de interpretação; e,
por último, percebe-se que o contexto influencia em muito nos significados, e
que as generalizações já não abarcam tal complexidade.
Assim, com o questionamento dos critérios e métodos tradicionais,
surgem várias estratégias e métodos de pesquisa em uma tentativa de diálogo,
razão pela qual Flick ( Apud Godoi, 2006) atribui à pesquisa qualitativa o termo
“guarda-chuva” por abrigar várias formas de investigação, como o estudo de
caso, narrativa de vida e etnografia, que dão auxilio aos investigadores na
compreensão dos acontecimentos. Vale ressaltar que “a pesquisa qualitativa não
procura enumerar ou medir eventos estudados, nem prega referencial estatístico
na análise de dados, os interesses vão se definindo à medida que o estudo se
desenvolve” (CHUELE E LIMA, 2012, p. 65 ).
Para Denzin e Lincoln (2006), trata-se de uma atividade que permite a
localização do observador no mundo, e lhe dá a possibilidade de participar do
processo de pesquisa de forma criativa e interativa. É um conjunto de ações
interpretativistas que busca compreender o fenômeno pesquisado por meio das
significações atribuídas pelos sujeitos da pesquisa. Assim, a pesquisa qualitativa
pauta-se no mundo das experiências vivenciadas, em que há o encontro e a
confluência das crenças individuais, culturais e da ação humana.
Jaime Jr. (2002) compara o pesquisador qualitativo a um interprete que
traduz os significados construídos socialmente e ressignificados pelo sujeito da
pesquisa, sendo sua própria interpretação, ou os elementos sociais e culturais
71
da sua biografia, partes do processo. Chueke e Lima (2012) corroboram esta
assertiva ao definirem como característica da pesquisa qualitativa entender a
realidade enquanto múltipla e subjetiva, sendo, portanto, construída de maneira
diferente por sujeitos diferentes, sendo estes não objetos, mas agentes que
participam ativamente do processo transformacional.
Portanto, para apreender esta multiplicidade de vozes, o pesquisador
precisa atuar empaticamente com seu sujeito de pesquisa, em um processo
dialético, onde seus próprios valores farão parte da construção dos resultados.
Os pesquisadores assim dão “ênfase às qualidades das entidades e aos
processos
e
significados
que
não
são
examinados
ou
medidos
experimentalmente” (DENZIL & LINCOLN, 2006, p. 23).
A escolha desta abordagem como parâmetro para a realização da
pesquisa aponta exatamente para seu caráter social, no sentido de que procura
abarcar os elementos constitutivos de cada contexto explorado e a maneira
como os sujeitos se localizam no interior de cada prática.
Creswell (1998) aponta ainda que cinco são os modelos de pesquisa
qualitativa: a biografia (ou estudo biográfico), o estudo fenomenológico, a
“grounded theory” ou teoria fundamentada, a etnografia e o estudo de caso.
Seguindo as explicitações de Holanda (2006) sobre os cincos modelos, pode-se
dizer que este trabalho se encaixa nos moldes de um trabalho fenomenológico,
posto que:
constitui-se numa abordagem descritiva, partindo da idéia de
que se pode deixar o fenômeno falar por si, com o objetivo de
alcançar o sentido da experiência, ou seja, o que a experiência
significa para as pessoas que tiveram a experiência em questão
e que estão, portanto, aptas a dar uma descrição compreensiva
desta. Destas descrições individuais, significados gerais ou
universais são derivados: as “essências” ou estruturas das
experiências. (HOLANDA, 2006, p. 371)
Ou seja, procura-se compreender determinado fenômeno a partir das
falas de sujeitos que o vivenciam, e então faz-se uma análise, explicação ou
interpretação dos dados obtidos. Assim, percebeu-se a grande influência da
música, principalmente em inglês, na vida dos adolescentes (fenômeno), e com
o intento de se descobrir a função que esta tem exercido nos processos de
72
identificação dos mesmos, escolheu-se os sujeitos específicos (no contexto do
projeto SUPERHAÇÃO) que vivenciam esta experiência e relataram suas
impressões, possibilitando, portanto, a presente análise.
Algumas pesquisas têm utilizado as duas abordagens (qualitativa e
quantitativa) no âmbito de um mesmo estudo, uma vez que os dados
matemáticos quantificados oferecem suporte à análise da pesquisa qualitativa.
De acordo com Falcão e Régnier (2000), a quantificação dos dados
permite uma observação mais pontuada e específica de uma informação, que, a
priori, não seria diretamente visualizada em uma massa de dados. Assim, “a
quantificação abrange um conjunto de procedimentos, técnicas e algoritmos
destinados a auxiliar o pesquisador a extrair de seus dados subsídios para
responder à(s) pergunta(s) que o mesmo estabeleceu como objetivo(s) de seu
trabalho”. (FALCÃO & RÉGNIER, 2000, p. 232).
Gatti (2004) ressalta a importância de se fugir ao uso mecânico de
técnicas de análises quantitativas, pois as mesmas devem servir com referência
que nos oferecem indícios e plausibilidades, mas não verdades absolutas.
Assim, o tratamento dos dados quantitativos firma-se no domínio de
conhecimento do contexto de produção, da área de estudos, da teorização e
seus contornos epistêmicos.
No presente trabalho, optou-se também pela aplicação da abordagem
quantitativo, no sentido de se mensurar as repostas encontradas nos
questionários aplicados, pensando-se exatamente em seu caráter embasador,
servindo-nos como pano de fundo para uma análise que contemple todo o
contexto social em que estão inseridos os sujeitos de pesquisa.
4.3 Do contexto da pesquisa: Projeto SUPERHAÇÃO
A escola Estadual Mário Spinelli está localizada na Av. Blumenau, 1831Bairro Morada do Sol em Sorriso-MT, fundada em 02 de Junho de 1982 sob a
portaria de número 1887, oferece o Ensino Médio como Modalidade de Ensino
Regular (3 anos) e também o EMIEP-Ensino Médio Integrado à Educação
Profissional de Técnico em Informática.
Conta com 46 turmas ao todo,
aproximadamente 1304 alunos, 100 profissionais da educação incluindo
professores habilitados nas áreas específicas e servidores administrativos.
73
Funciona em três turnos: matutino, vespertino e noturno. A formação de turmas
obedece à ordem de matrículas. A escola tem salas anexas nos distritos de
Primaverinha e Caravágio, na modalidade Educação do Campo, para atender os
alunos que não têm condições de se deslocar até o município para estudar.
Atualmente
na
escola
estão
em
funcionamentos
dois
projetos,
o
Educomunicação e o SUPERHAÇÃO, sendo este último nosso foco de
interesse.
O projeto SUPERHAÇÃO é uma idealização de três professoras que
realizaram, em 2009, uma especialização à distância para professores da escola
pública, com o tema de prevenção ao uso de drogas. O curso fora ofertado pela
Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) do Ministério da Justiça
(MJ). Como aplicabilidade ao trabalho final do curso, resolveram desenvolver o
projeto na escola. Isso em 2010, pois das três, apenas uma permanece até hoje
coordenando e incentivando as atividades no espaço escolar.
As referidas professoras perceberam que a escola recebia um fluxo
constante de alunos oriundos das mais diversas localidades do Brasil, pelo
próprio contexto da cidade que é alvo de muitas migrações. Assim, uma mistura
de realidades aflorava na escola, trazendo à tona diversas problemáticas, como
insegurança, violência, marginalização, a exclusão, a falta de ética, a carência
de uma reflexão crítica, a crise de valores e o próprio envolvimento de alguns
estudantes com o uso de substâncias ilegais. Perceberam que, principalmente
no turno noturno, era grande a evasão de alunos por conta destes e outros
fatores, e assim elas concluíram que se fazia necessária uma intervenção, por
entender que as atividades propostas pela escola devem vir ao encontro dos
interesses dos alunos, das suas necessidades e de seus anseios perante as
problemáticas enfrentadas por eles e pela sociedade.
A justificativa para o projeto encontra-se na constatação de que, apesar
de conclamarem necessárias ações deste tipo, os professores da educação
básica e a própria gestão escolar não se manifestavam de forma ativa para
tratarem do assunto em suas próprias disciplinas, na maioria das vezes, por falta
de conhecimento mesmo. Tanto que uma das primeiras ações foi ofertar uma
formação para estes professores com profissionais da área da saúde e da
justiça. Um dos principais objetivos do projeto é o planejamento anual de
conteúdo sistematizado em uma Proposta Pedagógica inter e multidisciplinar,
74
que contextualize a problemática do uso indevido de drogas em cada conteúdo
aplicado.
O projeto segue os três tipos de prevenção estabelecidos pelas literaturas
da área, quais sejam: primária, o trabalho com aqueles que ainda não se
envolveram, no sentido de se prevenir que isso venha a acontecer; secundária,
se refere àqueles que estão em situação de risco ou que já experimentaram, e
para evitar que o uso se torne nocivo pode-se fazer encaminhamento a
especialistas que poderão auxiliar no tratamento; e a terciária, aqueles já
envolvidos em uso nocivo e precisam de encaminhamentos para o tratamento
da dependência.
Todos os alunos regularmente matriculados e a comunidade são alvos do
projeto. A agenda inclui palestras com profissionais de diversas áreas, oficinas,
debates, visitas de campo (casa de recuperação, instituições parceiras, etc.),
publicações, campanhas de prevenção e muito mais. Após o primeiro contato,
se houver interesse, aqueles alunos inseridos no público da prevenção primária
têm chance de se tornarem agentes efetivos dentro do projeto, são os chamados
agentes multiplicadores. Estes alunos, assim como os professores, recebem
uma formação e são capacitados para agir juntamente com os coordenadores,
seja na disseminação dos ideais, seja na identificação de colegas em situação
de risco ou já na fase terciária. Sendo este último, um trabalho totalmente
sigiloso. Com essas ações, o projeto já encaminhou vários alunos para
tratamento específicos, e também já conseguiu, junto ao poder público, a
liberação para internação de alunos usuários.
Atualmente o projeto tem concentrado suas ações em torno da
necessidade de um acompanhamento mais eficaz dos alunos encaminhados,
bem como da efetivação das propostas na sala de aula através de todas as
disciplinas. Inclusive, este trabalho volta-se especificamente para a inserção de
debates deste cunho nas aulas de LI. Assim, procurou-se primeiro saber se as
ações estão ocorrendo no contexto da referida disciplina, e pretende-se, ao final
do trabalho e com os resultados obtidos, apontar possíveis caminhos para que
se efetive este processo transformacional em sala, ao utilizar-se de uma
poderosa ferramenta sócioafetiva que é a música.
75
4.4. Da coleta de dados
4.4.1 Questionários
Neste trabalho, além do caráter qualitativo de pesquisa, utilizei a
abordagem quantitativa aplicando um questionário (ANEXO I) a 174 alunos de
duas turmas de 1º ano, duas turmas de 2º ano e duas turmas de 3º ano do
período matutino da Escola Estadual Mário Spinelli, com faixa-etária entre 13 a
21 anos. A escolha por esta forma de coleta de dados justifica-se em sua
capacidade de atingir um número maior de pesquisados e, neste caso, em
especifico, teve como objetivo saber se os alunos tinham conhecimento do
projeto em vigor na escola e sua opinião sobre o mesmo, bem como sua relação
com a música. A abordagem quantitativa serviu, também, para complementar a
análise dos dados.
Seguindo os conceitos de Gil (1989), as perguntas se constituíram em
abertas (respostas pessoais, sem restrição), fechadas (respostas específicas,
escolha de uma das opções) e duplas (uma fechada e uma aberta).
Em termos quantitativos, os dados obtidos foram submetidos a um
processo matemático denominado de “regra de três simples com grandezas
proporcionais” para descobrir a porcentagem a que equivalia o número de
respostas obtidas. Dessa forma, precisávamos de quatro valores dos quais três
apenas eram conhecidos e o quarto (x), neste caso a porcentagem. O resultado
foi encontrado por meio do cálculo assim configurado no exemplo a seguir de
respostas a
pergunta:
“são feitas atividades com uso de música na
disciplina de LI?”:
174 (alunos responderam)
=
100%
X
140 (disseram que nunca)
=
(multiplicação cruzada)
X%?
Assim: 174 x: 100.140
x: 14.000 / 174
x: 80. 4%
76
As respostas referentes à opção “nunca”, por exemplo, corresponderam
a 80% do total apresentado. Processando as outras respostas encontradas,
seguindo o mesmo esquema acima elucidado, elaboramos então o seguinte
gráfico, que sintetiza os resultados obtidos:
São feitas atividades com uso de músicas na
disciplina de Língua Inglesa?
100,0%
80,4%
80,0%
60,0%
40,0%
18,1%
20,0%
0,0%
1,5%
Nunca
Às vezes
Sempre
4.4.2 Entrevistas
De acordo com Gil (1989), a entrevista é uma das técnicas mais usada no
âmbito das ciências humanas, pois permite uma profunda coleta de dados
acerca do comportamento humano referente aos mais diversos aspectos da
vida: é flexível, e além de os dados poderem ser quantificados, pode-se também
apreender outros fatores como a expressão corporal e o próprio tom de voz.
Considerando a amplitude desta técnica, optei por entrevistar oito sujeitos
envolvidos no contexto do projeto SUPERHAÇÃO, sendo uma professora de
inglês, dois agentes multiplicadores e cinco alunos considerados envolvidos, ou
próximos, a um contexto de uso de drogas. As entrevistas com estes sujeitos
nos possibilitaram perceber mais claramente a maneira em que se
concretizavam os dados apontados nos questionários, por meio das marcas
linguísticas percebidas nos enunciados ficaram em evidência os sentimentos dos
mesmos com relação aos temas abordados.
Todos os alunos foram entrevistados na escola, em horário de aula, num
espaço cedido pela direção. A professora foi entrevistada em um ambiente fora
77
da escola. Em relação às condições da entrevista, dois dos alunos tiveram muita
dificuldade em responder às perguntas por sua própria condição psicológica já
afetada pelo uso nocivo das substâncias, era necessário repetir as perguntas
constantemente, e eles sempre se perdiam no meio das respostas, o que acabou
dificultado a transcrição. Mas todos se mostraram acessíveis e responderam de
bom grado.
A entrevista apresentava caráter semiestruturado, ou seja, as perguntas
seguiam uma estrutura, mas, dependendo das respostas, novos tópicos
poderiam ser inseridos, desde que não fugissem à temática. As perguntas iniciais
eram mais abrangentes sobre o projeto em si, e iam se afunilando, até chegar à
especificidade da relação dos alunos com a música.
As entrevistas duraram em média de 20 a 40 minutos dependendo da
prolongação das respostas e inserção de novos tópicos.
4.5 Sujeitos da pesquisa
Para melhor conhecer os sujeitos de pesquisa, serão relatados neste
tópico informações que foram possíveis obter referente a cada um. Por questão
de sigilo e ética, os nomes são fictícios.
A professora Pedrina é formada em biologia, mas por mais de 20 anos
morou nos Estados Unidos e por esta razão assume também algumas aulas de
inglês na escola onde atua. É uma professora muito envolvida com o projeto e
se preocupa em conversar com os alunos sobre as temáticas mais agravantes.
Devido ao conhecimento de sua área de formação, contribui muito na
identificação dos usuários e nas ações preventivas.
Pedro é um dos agentes multiplicadores, está no terceiro ano e participou
ativamente do projeto quando cursava o 1º ano. Sua decisão em participar
baseava-se na vontade de ajudar alguém muito próximo que estava envolvido e,
ao se inserir no contexto do projeto, aumentou sua vontade de ajudar outras
pessoas.
Mariana também participou como agente, no começo, apenas por
curiosidade, mas, sentiu-se incentivada pela palestra de um dos convidados e
78
decidiu agir junto de seus colegas envolvidos no contexto de uso de substância
e relata que percebeu um resultado positivo por parte destes.
Junior é aluno novo na escola, cursa o 2º ano do Ensino Médio, na época
da entrevista estava apenas há dois meses na cidade e ainda não conhecia o
projeto. Era um dos casos mais graves de envolvimento explicito e assumido
com substâncias químicas, inclusive revelou ter saído da cidade de origem por
conta de desavenças. Mostrava-se visivelmente alterado, apresentando grande
dificuldade em se concentrar nas perguntas, mas respondeu em conformidade
ao esperado.
Jonas é colega de Junior, também do 2º ano do Ensino Médio, possui um
histórico de envolvimento com situações problemáticas no contexto da escola e
também envolvimento com entorpecentes.
Paulo é aluno inserido na categoria de risco, também do 2º ano do Ensino
Médio. Já se envolveu em situações com a polícia por estar próximo a pessoas
relacionadas ao mundo do crime e uso de substâncias. Os pais já foram
chamados à escola, pois Pedro foi visto junto de um aluno armado na escola.
Mostrou-se bem consciente em relação à necessidade de mudança e afirmou
concordar com a importância de projetos deste teor no âmbito da escola.
Wellington, aluno do 2º ano, com quadro parecido ao de Paulo, mostrouse um tanto cético em relação ao efeito das substâncias, ao dizer que chegou a
usá-las várias vezes e não se viciou. Foi visto pela coordenação oferecendo
drogas dentro da escola.
Gustavo, aluno do 2º ano, não chegou a assumir envolvimento com uso
de substâncias químicas, mas seu histórico o faz ser inserido na categoria de
risco por estar próximo a alunos que estão envolvidos.
4.6 Da análise dos dados
A análise será feita como base no levantamento das categorias
identificadas nos questionários e nas entrevistas. Serão definidos alguns temas
que se sobressaíram no decorrer da verificação dos dados, e para cada tema
serão apresentados exemplos retirados dos questionários e das entrevistas.
O questionário nos oferece uma visão geral das impressões dos alunos
quanto ao projeto e mostra, também, da relação destes com a música no
79
contexto geral, e com música em Língua Inglesa, em específico. As respostas
das perguntas objetivas foram quantificadas e transformadas em gráficos
(conforme 4.4), e as perguntas subjetivas servem como pano de fundo para as
reflexões apresentadas, já que nos oferecem dados que permitem analisar as
percepções dos alunos pesquisados, como pode ser visualizado no quadro a
seguir, que mostra respostas a algumas perguntas mais incisivas:
Quadro III- Respostas do questionário
Pergunta
Aluno 1
Aluno 2
Aluna 1
Aluna 2
4Estes
temas
(drogas,
violência,
etc.) são trabalhados
nas aulas de inglês?
De
que
forma?
(Subjetiva)
5São
feitas
atividades com uso de
músicas na disciplina
de Língua Inglesa?
(Objetiva)
6- Você gosta (ria) que
as músicas sejam
(fossem)
utilizadas
como ferramentas de
aprendizagem
nas
aulas
de
inglês?
(Objetiva)
11Você acredita que o
gosto
musical
influencia na hora de
fazer
novas
amizades? (Objetiva)
12Em se tratando de
música
estrangeira,
em qual idioma você
ouve mais músicas?
(Subjetiva)
Não, falamos
de conteúdos
relacionados
ao ENEM
Não
Por
enquanto
ainda não vi
Não, pelo
menos aqui
no Mário
não.
Às vezes
Nunca
Nunca
Nunca
Sim
Sim
Sim
Sim
Depende
Depende
Nunca
Depende
Inglês
Inglês
Inglês
Inglês
Para auxiliar no cálculo matemático foi feita uma contabilização dos
questionários por meio de levantamento da quantidade das respostas mais
evidenciadas em cada questão, de acordo com a turma e o gênero sexual dos
alunos, como mostra a figura a seguir:
80
81
A título de contextualização, retomo aqui as perguntas da pesquisa como
forma de organizar e clarear os passos adotados neste trabalho, quais sejam:
(1) Existe ou não preferência por parte dos alunos pela música em língua
inglesa? Qual o gênero musical escolhido e qual o entendimento destes acerca
do significado dos itens lexicais apresentados nas canções?
(2) Os professores de Língua Inglesa propõem utilizar o gênero musical
na escola?
(3) A música em inglês suscita algum tipo de debate, ou reflexões, que
objetivem um posicionamento crítico e de transformação por parte dos alunos?
(4) Qual a percepção dos alunos sobre a existência de um projeto na
escola que trabalhe com a prevenção ao uso de drogas?
(5) Quais os elementos do significado identificacional presentes nos
enunciados dos jovens e adolescentes envolvidos com a música em língua
inglesa?
(6) Qual é o papel da música nos processos de identificação dos alunos?
A seguir, apresento então o capítulo de análise que intenciona responder
tais perguntas.
82
CAPÍTULO 5
ANÁLISE DOS DADOS
Neste capítulo apresento a análise de dados. Serão considerados os
temas de maior relevância, identificados tanto nos questionários quanto nas
entrevistas e que respondem diretamente às perguntas de pesquisa. E, como já
explicado
na
metodologia,
primeiramente
analisaremos
as
respostas
encontradas nos questionários e, em seguida, traremos a análise dos
enunciados das entrevistas que se referem ao mesmo tema em debate na
sessão. Ao considerar o interesse em compreender a influência da música na
vida dos entrevistados, na primeira seção, serão apresentados e analisados os
dados encontrados a este respeito, tanto nos questionários, quanto nas
entrevistas. Analiso os enunciados dos alunos que mostram se suas
preferências tendem mais para músicas nacionais ou estrangeiras, bem como,
também, as razões para tais escolhas. Na segunda, mostro qual o espaço que a
música em inglês ocupa na vida dos adolescentes e de que forma esta influência
tem contribuído nos processos identitários dos mesmos. Exponho as percepções
dos entrevistados sobre o uso que os professores efetivamente fazem das
músicas em inglês nas aulas, bem como seus posicionamentos a este respeito,
e se gostariam que esta ferramenta fosse utilizada em sala. Na terceira seção,
analiso os enunciados que dão conta da opinião dos entrevistados sobre a
possibilidade de se utilizar músicas em inglês como ferramenta para promover
debates e reflexões no âmbito do projeto SUPERHAÇÃO. Na quarta seção, faço
uma análise que mostra o nível de comprometimento dos pesquisados com o
projeto, se o consideram importante, ou não, e suas justificativas. Na quinta
seção, apresento, então, uma quantificação das categorias de modalidade e
avaliação para mostrar claramente o comprometimento dos sujeitos com o que
foi dito. Por último, serão apresentadas reflexões gerais que abarcam todo o
processo de análise e as conclusões que os dados apontam.
83
5.1 “O que a música representa em minha vida?”
A música apresenta-se como um elemento constante e influenciador na
vida das pessoas em geral e na dos adolescentes em específico. Pode ser vista
como ferramenta de aprendizagem; para superação de problemas de saúde;
como influenciadora de comportamentos e processos identitários; como forma
de convencimento no âmbito comercial e também como um tipo de linguagem
reflexivo-afetiva.
Fio condutor desta pesquisa, a música e sua significativa presença na vida
dos adolescentes será o tema agora abordado. Ao responder o questionário, os
alunos tinham 5 perguntas específicas sobre a presença e a influência da música
em suas vidas, sendo: o tempo diário que ouviam música; se preferiam música
estrangeira ou brasileira e por quê; a semelhança ou diferença dos gostos
musicais no círculo de amizade; e se este gosto influencia na escolhas de novos
amigos.
Neste sentido, os sujeitos envolvidos na pesquisa responderam de acordo
com o esperado no que tange ao relacionamento com a música em geral. Tanto
no questionário, quanto nas entrevistas, as respostas foram efusivas quando se
trata do envolvimento com a música. Mas, como explicitado no capítulo
metodológico, nesta primeira parte, trato apenas das respostas encontradas nos
questionários, em seguida analiso os enunciados encontrados nas entrevistas.
No quadro ilustrado a seguir, foram elencadas as respostas mais contundentes
no que se refere ao significado da música na vida dos adolescentes. As mesmas
compõem-se de respostas subjetivas e estão apresentadas de acordo com o
número de ocorrência, em ordem decrescente.
Quadro IV- Resposta dos Questionários – “Sensações que a música
provoca”
Pergunta:
Respostas mais evidenciadas:
Como você se sente quando ouve Bem
músicas?
Calmo/ Relaxado/ Tranquilo
Feliz
Disposto/Animado/Motivado
Leve /Livre
Longe/ Viajando/ Em outro
mundo/Desconectado
Triste/Deprimido
Reflexivo/ Pensativo
84
Aqui percebemos a evidencia de adjetivos e advérbios que corroboram as
ações previstas para a música e seus papéis. Ao apontarem seus estados
emocionais provocados pela música, dizendo que se sentem “motivados e
animados”, os alunos indicam disponibilidade para novas aprendizagens; o
relaxamento refere-se diretamente a melhora da saúde; já a disposição serve
direto ao propósito de comercialização, e ainda percebemos o aspecto reflexivo
causado pela música, o que abre caminhos para a fomentação e discussão de
problemáticas.
Percebemos que o efeito que a música pode provocar não é único nem
estável, está irrefutavelmente conectado a diferentes fatores de nosso contexto
de vida. Vários são os estudiosos que se debruçam sobre os mistérios desta
poderosa ferramenta em busca de compreender, afinal, qual sua função na vida
do ser humano. No entanto, sejam quais foram as novas descobertas, a grande
maioria destes pesquisadores parte dos estudos de Allan Merriam (1964), que
categorizou em dez as funções da música na vida social.
Resume-se assim, então, as funções da música para os alunos:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
Expressão emocional ;
Prazer estético;
Divertimento, entretenimento;
Comunicação;
Representação simbólica;
Reação física;
Imposição de conformidade em relação às normas sociais;
Validação das instituições sociais e dos rituais religiosos;
Contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura;
Contribuição para a integração da sociedade.
Apesar de não terem conhecimento aprofundado de tais funções
musicais, as respostas dos alunos entrevistados corroboram os estudos no
sentido de que nos permitem entender que as diferentes respostas suscitadas
encaixam-se, na verdade, nos diferentes propósitos da música. Por exemplo, ao
dizer que se sente triste, deprimido ou reflexivo, este indivíduo está apontando
que em sua vida há situações em que a música cumpre a função de expressão
emocional, ou seja, constitui-se de um momento onde há o descargo de
pensamentos e ideias, a oportunidade de alívio e, talvez, a resolução de
85
conflitos, bem como a manifestação da criatividade e a expressão das
hostilidades (MERRIAM, 1964, p. 219).
Ao responder que se sente animado, disposto ou motivado, podemos
pensar mais numa reação física ou em divertimento. Não é difícil encontrarmos
respostas do tipo que afirmam que a música é tudo na vida, e podemos entender
então que não importa a situação ou o contexto, sempre haverá um espaço para
a música nas ações humanas, seja qual for o propósito a ser cumprido.
Para melhor entendermos esta influência, o gráfico a seguir mostra o
tempo que os alunos afirmaram ouvir música cotidianamente:
Gráfico II - Resposta dos Questionários
60,0%
50,0%
55,7%
42,5%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
Mais de Menos
5h
de 5 h
Como podemos perceber, ainda em se tratando do questionário aplicado,
mais da metade dos alunos afirmou ouvir música por mais de 5 horas ao dia, o
que deixa claro a forte relação com este universo. Uma presença constante na
vida destes adolescentes, a música se torna uma porta de entrada, tanto para
resultados positivos, quanto para influências negativas. Pois, como asseverado
por Merriam (1964), através da função de representação simbólica, muitas
mensagens e incitações podem ser sugeridas por meio de ideias e
comportamentos, ou seja, apologias a uma vida regrada a sexo, dinheiro e
drogas, por exemplo, podem estar sendo impregnadas na mente de nossos
jovens.
No que tange às entrevistas, também foram feitas algumas perguntas
referentes ao que representa a música em suas vidas, elencamos algumas das
respostas mais reveladoras, vejamos a resposta de Pedro:
86
Exemplo 1
A música, na verdade, ela fala um pouco da realidade, (...) ela
dá dicas de como enfrentar, resolver, é na verdade um
incentivo, (...) é difícil ter esses incentivos, no caso a gente
recorre a musica que é um meio de conseguir isso. (...) Como
se os problemas tivessem desabado, como se não houvesse
caminho e não tivesse empecilhos que impedissem que a gente
conseguisse alcançar nossas metas.
(Entrevista em 06/11/2014)
Pelas respostas do aluno, nota-se a presença de processos relacionais
conforme sugere Halliday (1994). O processo relacional “é” presente na fala de
Pedro nos mostra o atributo, ou seja, o papel fundamental da música na vida de
um adolescente. Assim, ela é o “incentivo”, aquilo que não se encontra em outros
lugares, mas que está disponível ali para quem a ela “recorre”. Outra vez,
percebemos a relação quase que material que se estabelece com a música,
como se fosse um lugar, um porto seguro, uma fonte de inspiração. Entendemos
este “incentivo” como conselhos e lições de vidas nos quais os adolescentes
buscam se espelhar, de modo a conquistarem seus espaços no mundo, a música
mais uma vez influenciando comportamentos e atitudes.
Vejamos a reposta de Wellington:
Exemplo 2
quando escuto música fico calmo...tendeu? eu esqueço todos
problemas(...) me sinto tranquilo, (...) esqueço tudo as
coisas, fico imaginando ...pensando as coisas.
(Entrevista em 06/11/2014)
Os processos mentais (HALLIDAY, 1994) presentes na fala do
Experenciador Wellington são indicativos das ações despertas e desencadeadas
a partir de um evento mencionado no início da fala, qual seja, escutar música. O
processo “ficar”, embora pertencente ao contexto do mundo das ações, aqui é
um processo mental porque indica um estado de ânimo e não a ação contrária
de “ir” a algum lugar. Wellington “acalma-se”, e “imagina” / “pensa” as coisas, e
podemos entender estas últimas como sendo coisas boas, positivas, quem sabe
mudanças, pois o processo “esqueço” mostra aquilo do qual quer se afastar: os
“problemas”. Essa constatação reafirma o papel da música como uma rota de
escape, um porto seguro onde é possível se “sentir” tranquilo e calmo.
Paulo também se expressou. Vejamos sua reposta:
87
Exemplo 3
Ah, eu...feliz..pensando na letra da música..é uma
descontração né?(...) a...felicidade..
(Entrevista em 06/11/2014)
Neste enunciado podemos perceber a presença implícita do processo
mental “sentir”, em eu (me sinto) feliz, considerando que a pergunta consistia em
saber como Paulo se sente ao ouvir músicas. Mais uma vez, a sensação descrita
confirma o que tem sido dito até aqui sobre o poder afetivo e reflexivo que a
música possui. Feliz, é assim que Paulo se sente, as informações que estão
sendo filtradas terão efeitos posteriores em suas ações, pois ele não está apenas
ouvindo, ele “pensa” sobre aquilo que ouve.
“É uma descontração né? (...) a...felicidade.”: já aqui na fala de Paulo, o
processo relacional “ser” deixa em evidência outros dois atributos da música,
quais sejam, descontração e felicidade. Em um mundo onde as pessoas vivem
se perguntado como encontrar a felicidade, para Paulo, a resposta é muito mais
simples e descomplicada, basta parar e ouvir uma música. Mas, felicidade aqui
aparece como um estado passageiro, não uma condição permanente, é quando
se ouve música de forma descontraída que se alcança este estágio, talvez esteja
aí a razão pela qual o ser humano precise deste contato frequente.
A professora Pedrina, também se manifestou a este respeito:
Exemplo 4
Bom, eu penso que a música, ela é uma das formas né? De arte
que... mais apreciada, acho que no mundo todo, principalmente
pelos jovens. Os jovens, eles... eles são de certa forma
ah...inspirados pela música né? A música faz parte da vida
deles, a socialização deles, a identificação de grupos em que
eles vivem, o estilo que eles tem como pessoa e... Então a
música é importante eu penso.
(Entrevista em 06/11/2014)
O processo relacional ‘ser’ na fala da professora configura duas situações
distintas. Na primeira caracteriza a música como sendo a arte mais apreciada no
mundo todo, reforçando a impossibilidade de não se levar em consideração o
papel de uma ferramenta que abrange proporções globais. É simplesmente
impossível pensar na identidade de um povo sem relacionar a música como
elemento classificador. Já no segundo contexto, o processo “são” exerce papel
identificador, Pedrina identifica estes jovens, qualifica-os, caracteriza-os, como
88
sendo inspirados pela música. Neste sentido, seria impossível discutir a ação
deste grupo sem considerar este aspecto constitutivo de sua identidade.
Ao finalizar sua fala com o processo mental ‘pensar’, Pedrina expressa
uma categoria de avaliação quanto à presença da música na vida dos
adolescentes, ao dizer que ‘é importante’ ela deixa clara sua posição com
relação a função que tal elemento possa vir a desempenhar na formação destes
indivíduos.
Considerado o propósito da presente pesquisa, de se pensar os
elementos que permeiam o processo de identificação dos adolescentes no
contexto do Projeto SUPERHAÇÃO, seria impossível chegar-se a um resultado
sem antes passarmos por este processo de se compreender qual afinal é a
relação destes jovens com a música, pois “no mundo de hoje, decidir qual tipo
de música ouvir é uma parte significante da decisão e anúncio não somente do
que você “quer ser”… mas de quem você é” (COOK , 1998).
Filiando-se ao pensamento de Moita Lopes (1996) em que identidade
conste mais como “identificações”, definida como resultado das práticas
discursivas nas quais o sujeito está inserido, mas não tão escusa assim, já que
traços identitários são passíveis de identificação por meio de marcas sóciohistóricas encontradas no discurso. Afirmamos, então, que a análise dos
enunciados apresentados nesta seção nos permite perceber certa regularidade
na identidade juvenil, pois, independente de suas origens, e de suas relações
com o submundo ou não, para todos eles, a música tem grande
representatividade, serve como aliada, como fonte de divertimento e
propiciadora de reflexões mais profundas. Considerando esta abrangência,
entende-se que a música deva ser ferramenta presente em sala de aula, seja no
contexto do projeto ou não, pois bons resultados podem ser alcançados, e estes
poderão ser também os mais promissores possíveis.
5.1.1 “Nacional ou estrangeira?”
Que os adolescentes têm uma intensa proximidade com música em
Língua Inglesa é um fato de conhecimento geral. Na verdade, muitos são os
estudos que já comprovam a presença maciça deste idioma nos diversos
89
aspectos de nossa vida diária em um contexto de mundo globalizado. Assim, é
impossível escapar à propagação das melódicas canções em inglês que
embalam as telenovelas, que estão nas rádios, que são fundos musicais em
diversos eventos e estabelecimentos, e assim por diante.
Nesta perspectiva, uma das preocupações desta pesquisa é compreender
exatamente como se dá este relacionamento dos jovens com a música em
inglês: é por opção? Eles gostam? Entendem as letras? Se não, por que ouvem?
Têm interesse em compreendê-las? Estas músicas têm o mesmo efeito que uma
em português, onde é possível compreender de imediato o que está sendo dito?
Para chegar-se a esta compreensão, constava como pergunta no
questionário a preferência por músicas nacionais ou estrangeiras e a razão para
tal. Surpreendentemente, as respostas não penderam nem para um nem para
outro, conforme podemos observar no gráfico referente às respostas
encontradas:
Gráfico III - Resposta dos Questionários
Você prefere ouvir música:
70,1 %
80,0%
60,0%
14,9 %
40,0%
12,6%
20,0%
0,0%
Nacional
Estrangeira
Ambas
Poucos alunos se posicionaram no extremo de uma ou outra opção, a
grande maioria optou por dizer que ambas são do agrado deles. No entanto,
merece destaque o fator de que, entre aqueles que escolheram um dos lados,
existe uma vantagem numérica com relação aos ouvintes de música nacional, e,
mais interessante ainda, é que os dados apontaram que esta resposta teve maior
incidência no público feminino.
As justificativas para estas escolhas são parecidas, o que nos permite as
elencar aqui de forma resumida. Veremos então as razões de quem optou por
responder que prefere ambos os estilos, bem como quem escolheu estrangeira
ou nacional:
90
Quadro V - Resposta dos Questionários – “Justificativa das escolhas
musicais”
Ambas
-Ambas são boas;
-Depende do momento,
do humor e das letras;
-Variedade;
- Cada uma tem
significados diferentes;
- Ouve a que deixa pra
cima;
- Cada uma ajuda de um
jeito;
-uma tem estilo que outra
não tem.
Estrangeira
-
Ritmo melhor, mais
interessante, bonitas e
divertidas;
- melhor, muito melhor;
- Mais paixão;
- A melodia é legal;
- Batidas animadas;
- Letras que falam de
superação.
Nacional
-Tem significado;
- A gente entende;
-Se não escutarmos,
quem vai?
-Muito boa
Por meio dos dados apresentados, podemos perceber então que as
músicas nacionais e estrangeiras servem a diferentes propósitos na vida desses
adolescentes, além de conseguimos perceber uma relação mais estética e
expressiva no contexto da música estrangeira, enquanto que a nacional pautase mais no âmbito da reflexão, posto que tenha significado, ou seja, o fato de
entender as letras possibilita compreensões profundas em tempo real da
interação. A música estrangeira parece servir para despertar emoções e
sentimentos. Mais uma vez, ficam em evidência as diversas funções da música
na nossa vida, a própria resposta dos alunos mostra que o que define a escolha
na hora de ouvir música são diversos fatores como “humor”, o “momento” e
assim por diante.
Já dos sete alunos entrevistados, apenas dois disseram preferir músicas
estrangeiras, os outros afirmaram categoricamente que a música nacional
chama mais sua atenção. No entanto, mais a frente na conversa, todos eles
apontaram uma forte relação com música estrangeira, por exemplo, ao
afirmarem sobre suas músicas e bandas preferidas, sempre se referiam aos
artistas norte-americanos. Veremos então agora alguns enunciados encontrados
nas entrevistas que confirmam tais afirmativas, estes referem-se à pergunta
“você prefere música nacional ou estrangeria? Por quê?”
Assim afirmou Paulo:
Exemplo 5
91
Nacional. (...)Porque...como eu não compreendo a língua né?
Por mais que eu pesquise a letra e tal. Mas prefiro escutar o que
eu compreendo.
(Entrevista em 06/11/2014)
Wellington:
Exemplo 6
Prefiro musica nacional, sertanejo. (...) Ah, porque música
estrangeira num entendo nada..rsrs
(Entrevista em 06/11/2014)
Pedro:
Exemplo 7
Estrangeiras, apesar que tem algumas nacionais que tem umas
letras bem fortes que dá pra...(...) Na verdade a gente recorre a
tradução direta caso eu não consiga compreender.
(Entrevista em 06/11/2014)
Gustavo:
Exemplo 8
Estrangeira. (...)Ah , porque as musicas estrangeiras é... às
vezes, você é...escuta de um jeito ai você vai traduzir fala de
uma coisa boa que você não sabia que era uma coisa boa.
(Entrevista em 06/11/2014)
Percebemos na fala destes sujeitos, principalmente por meio dos
processos mentais compreender e entender, que o que vigora em relação à
opção entre músicas estrangeiras ou nacionais, é o nível de entendimento que
se tem daquilo que se está ouvindo. Para Paulo e Wellington, é preferível se ater
a produções que estejam inseridas em seu contexto de compreensão, sem que
seja necessário um esforço para se alcançar tal, enquanto que para Pedro e
Gustavo não é nenhum trabalho ir em busca das traduções se necessário, pois
o trabalho é compensatório, as temáticas valem a pena. O processo mental
‘saber’ na fala de Gustavo nos remete ao processo da descoberta, o caminho
percorrido que chega até a compreensão de que aquilo que se gosta é de fato
uma coisa boa; é como se o fato de saber que a letra é realmente sobre algo
bom, validasse a intuição dos mesmos.
5.1.2 “E as músicas em inglês?”
Uma das fortes hipóteses que prevaleciam no princípio deste trabalho era
a de que os jovens mantêm uma intensa proximidade com a música em inglês,
mesmo não tendo conhecimento dos significados daquilo que ouvem. De modo
92
a comprovar, ou não, tal hipótese, algumas perguntas neste sentido foram
inseridas, tanto no questionário quanto nas entrevistas.
No questionário, a 12ª segunda pergunta dizia: “Em se tratando de música
estrangeira, em qual idioma você ouve mais músicas?”. Era uma pergunta
subjetiva, aberta, e os alunos poderiam responder qualquer idioma, mas nossas
suspeitas iniciais foram comprovadas, conforme mostra o gráfico a seguir:
Gráfico IV- Respostas dos questionários
Em qual idioma (estrangeiro) você mais
ouve músicas ?
83,3 %
100,0%
80,0%
60,0%
40,0%
7,5 %
20,0%
0,0%
Inglês
Espanhol
Ainda obtivemos outras repostas como músicas árabes ou japonesas,
mas em números tão ínfimos que não compensaria quantificar. O que importa
ressaltar é que a música em LI tem grande abrangência na vida dos estudantes,
que apresentaram tal fato de livre e espontânea vontade. Na pergunta
subsequente questionávamos se, na compreensão dos mesmos, existiria uma
influência maior de músicas em inglês no nosso país, recebendo uma resposta
massivamente positiva.
Le Breton (2005) argumenta que é impossível a categoria humana fugir
da
influência
do
Inglês,
exceto
em
países
que
vivem
em
total
subdesenvolvimento, pois não faz sentido falar da LI às pessoas que não tenham
relações com a economia de mercado. Diz ainda o autor que mesmo países com
línguas amplamente solidificadas e difundidas não escapam a esta realidade:
Para alguns o fenômeno se explica pelo fato de ser uma língua
materna; para outros pela perenidade da influência colonial e
mais frequentemente ainda pelo peso político do mundo de
língua inglesa e por seu sucesso insolente em todos os âmbitos
da vida científica, econômica e industrial, que a torna atraente,
93
qualquer que seja o peso das tradições com as quais ela se
enfrente. (LE BRETON, 2005, p17)
O Brasil, com certeza, está também inserido neste contexto e esta relação
de nossos jovens com a música em inglês é apenas um dos resultados de
processos políticos, históricos e sociais. Mas, assim como neste processo
linguístico o inglês deixa de ser uma língua e passa a ser World English, “cuja
principal característica é não ter donos, não ter os famigerados ‘falantes nativos’.
Ele pertence a todos aqueles que o usam para alguma finalidade em seu dia-adia”. (RAJAGOPALAN 2008, p. 03). Desta forma, também a música em inglês
passa a fazer parte da constituição da identidade daqueles que entram em
contato com a mesma, ganhando sua própria significação e servindo a
propósitos específicos da necessidade deste usuário.
Como bem afirma Hall, a interação global permite a criação de novos tipos
de identificações locais, ou seja, o consumismo, grande mercado global, pode
até ser o caminho pelo qual o aluno entrará em contato com a música em inglês,
mas a partir daí ele começa a construir novos sentidos e novas significações
individuais, tudo possibilitado pelo processo globalizante da pós-modernidade.
Com a intenção de aprofundarmos neste contexto e entendermos como
exatamente estes sujeitos se relacionam com as canções neste idioma,
perguntamos ainda o quanto entendem das letras e se, e em qual situação, vão
em busca das traduções. Para a primeira pergunta demos as opções em
porcentagens nos questionários onde deveriam marcar um X naquela que
condizia com sua realidade, desta forma utilizamos o gráfico a seguir para
retratar as respostas evidenciadas:
94
Gráfico V - Respostas dos Questionários
Respostas obtidas
Quanto você entende das letras de músicas em inglês que ouve?
36,2%
40,0%
30,0%
20,0%
27,5%
14,3 %
13,2 %
10,0%
0,0%
5,1 %
Nenhum
de 10 a
30%
de 40 a
50%
de 60 a
80%
de 90 a
100%
Aqui percebemos que , ao contrário das suposições iniciais, é baixa a
porcentagem de alunos que não entendem nada daquilo que ouvem nas músicas
em inglês, apenas 14% do total. E ainda, uma grande porcentagem, 27,5%,
compreende quase que metade das músicas, isso sem precisar ir em busca da
tradução. Estes resultados apontam para o fato de que, cada vez mais, a música
em língua inglesa se entranha na vida dos nossos adolescentes, e tem
alcançado significados que antes não eram tão visíveis assim. Não sabemos se
este conhecimento das letras em inglês advém dos estudos recebidos em sala
ou das experiências individuais, mas o que vale é perceber o quanto sua
presença pode ser um fator influenciador no processo de identificação de nossos
jovens ao abrir esta possibilidade da “autodescoberta”, configurando-se como
um dos componentes da identidade. Os dados nos apontaram ainda que, no que
se refere ao estilo musical, as preferências são as seguintes:
95
70,0%
60,8 %
Gráfico VI- Respostas dos Questionários
Qual seu estilo de música predileto?
60,0%
45,6 %
50,0%
35,6 %
40,0%
30,0%
21,0 %
20,0%
10,0%
0,0%
Pop
Eletrônico
Rock
Rap
No questionário, procuramos saber em que situações os alunos vão em
busca da tradução da letra das músicas e a resposta massiva foi “ só quando a
música chama minha atenção”. Considerando o que foi exposto acima sobre as
preferências destes sujeitos, podemos entender ainda que a música estrangeira,
em específico no inglês, a princípio, chama atenção pela “batida”, ou seja, pela
emoção que desperta, a letra está em segundo plano. No entanto, se tocados
pela musicalidade, ficam inquietos e anseiam por descobrir mais sobre este
elemento, que de alguma forma é capaz de mexer com sua estrutura emotiva, e
daí provém a relação cada vez mais íntima de nossos jovens com a música em
inglês.
Vejamos que 60,8% dos alunos preferem “pop” e 45,6% escolheram
“eletrônico”. Rock figurou com 35,6 % e Rap ficou com apenas 21%, contrariando
nossas suspeitas iniciais de que este seria o estilo mais difundido por conta de
seu caráter um tanto quanto crítico e reflexivo. Com relação à música pop,
reafirmamos aquilo que Tim Murphey (1990) asseverou sobre o fato de as
pessoas se apegarem às músicas pop por conta da linguagem simplificada e
repetitiva, mas, principalmente, por seu tom impessoal, que permite a qualquer
pessoa de qualquer época se identificar com o conteúdo da música. Seria o
fenômeno SSMHP (Song Stuck In My Head Phenomenon, música gruda na
minha cabeça), que facilita a aprendizagem inconsciente da língua, além de
estabelecer um forte elo afetivo por lembrar a linguagem das mães com seus
96
filhos. Razão pela qual veremos mais a frente os sujeitos afirmarem que
“conhecem” algumas das músicas sem precisarem recorrer ao dicionário.
No entanto, este elo afetivo que imita a linguagem das mães fica mais
evidenciado ainda no estilo eletrônico que priorizada e promove a experiência
sonora, mais do que a letra. Geralmente é uma fala repetitiva, mais preocupada
em estabelecer um elo do que ensinar algo, daí que entendemos o porquê de
estar entre o preferido dos adolescentes, tanto que em festa juvenis sempre terá
predominância, pois tem o poder de fazer com que os indivíduos se sintam mais
próximos, unidos; parecem estar falando a mesma língua ao repetirem um
determinado refrão.
Ainda sobre a questão do entendimento e a procura pelos significados das
canções, perguntados sobre sua relação com a música em inglês, (se
procuravam a tradução ou não, e por que) os sujeitos entrevistados nos
ofereceram as seguintes reflexões:
Mariana nos diz:
Exemplo 9
Tem uma que eu procurei saber. (...) Eu não sabia que ela era
tão triste, ela é. (...) Porque eu gosto da música, é minha
preferida.
(Entrevista em 06/11/2014)
Vemos que o processo mental ‘saber’ aqui na fala de Mariana indica dois
estágios: antes e depois do descobrimento do sentido da música. Reforçando o
que já foi discutido acima, primeiramente a música chamou-lhe a atenção, como
bem mostra a frase ‘eu gosto’, que é, na verdade, uma avaliação com verbo de
processo mental afetivo, marcando explicitamente a origem subjetiva da
afirmação. Assim, Mariana mostra sua relação afetiva com a música que a
impulsionou para que buscasse seu sentido, descobrindo que se tratava de uma
melodia triste, o que parece tê-la surpreendido, mas não a fez romper a relação
estabelecida.
O processo relacional ‘ser’ aqui apresenta-se em dois tempos, passado e
presente. Ao buscar os sentidos da música, Mariana deparou-se com o adjetivo
‘triste’ que se tornou o atributo caracterizador da música. No entanto, este fato
não modificou a relação da mesma com a canção, pois esta ainda ‘é’ sua
97
predileta. Esta realidade pode ser melhor entendida se comparada a outra fala
da adolescente ao afirmar que escolhe as músicas de acordo com seu humor,
ou seja, música triste não é descartável, ao contrário, serve ao propósito dos
momentos mais melancólicos.
E ainda ocupa espaço essencial em seu
repertório, sendo a predileta.
Jonas:
Exemplo 10
Aí não, não, só...só curti mesmo, tipo aqueli...só aqueli
momento que você tá curtindo ali. .(...) Tem música (em inglês)
que chegou tipo... é de arrepiar as pessoas véio, tem uns rock
aí, um amigo meu, fui na casa dele ele colocava uns rock eu
ficava meio...
(Entrevista em 06/11/2014)
Aqui, na fala de Jonas, podemos perceber que, para ele, a música em
inglês tem a função de distração, sem compromisso , é só para ‘curtir’. Este
processo pode ser assim interpretado como processo mental, pois evoca a ideia
de ‘aproveitar’ ou mesmo ‘gostar’, sendo muito difundido hoje na era das redes
sociais, tornando-se uma expressão que indica satisfação com aquilo que se
está vendo ou ouvindo. Assim, mesmo sem interesse em se aprofundar nos
sentidos ali produzidos, Jonas deixa claro a relação subjetiva de sua afirmação,
mostrando mais uma vez a proporção dos efeitos que a música causa em sua
vida, longe do alcance de sua compreensão, tanto que não é capaz de encontrar
uma palavra que defina esta sensação, como mostra sua fala ‘ ele colocava uns
rock eu ficava meio... ’.
Pedro:
Exemplo 11
Na verdade a gente recorre a tradução direta caso eu não
consiga compreender a maioria, mas sempre é
compreensível fala de temas no caso que... eu gosto, temas
que chamam a atenção, na verdade.
(Entrevista em 06/11/2014)
A relação de Pedro com as música em inglês é mais acentuada
considerando seu auto nível de entendimento da língua em questão, assim o
processo mental ‘compreender’ revela algo rotineiro na vida deste sujeito, ele
sempre compreende, mas, caso isso não ocorra, então recorre à tradução. Este
processo mental (compreender) parece indicar uma base mais subjetiva que seu
98
sinônimo ‘entender’, pois dá a ideia de abarcar, abranger, como se o sujeito
estivesse profundamente envolvido com tal contexto, como bem mostra o
processo ‘gostar’ aqui presente, que segue as mesmas especificações da fala
de Mariana.
Aqui, na fala de Pedro, o processo relacional ‘é’ torna-se uma forma de
avaliação que atribui à música em LI a característica de compreensível, no
sentido de que os significados não estão encobertos, é possível estabelecer com
a mesma uma relação consciente, muito além do que simples passatempo
ilógico. O advérbio de tempo ‘sempre’ é um fenômeno linguístico relevante na
categoria de modalidade por indicar o alto nível de comprometimento de verdade
de Pedro com aquilo que diz, para ele, a qualquer momento é possível
estabelecer uma relação de compreensão com as canções.
Gustavo:
Exemplo 12
Quando eu gosto da música eu procuro. Tem algumas que eu
entendo. (...) tem uma música, um rock inglês, que fala sobre
uma tragédia que teve lá no Japão num tsunami e eles fala de
ajudar as pessoas que tava lá.
(Entrevista em 06/11/2014)
Gustavo reafirma a premissa de ser envolvido emocionalmente primeiro e
buscar sentido depois. Ao utilizar um advérbio de tempo ‘quando’ indica que com
a ocorrência do processo ‘gostar’ surge então a necessidade de procurar por
significados. O processo ‘entender’ mostra que neste interim alguns elos mais
profundos já foram estabelecidos, tanto que ‘algumas’ músicas ele já inseriu em
seu repertório de conhecimento pessoal, que agora ele tomou posse de seus
sentidos e as ‘entende’. Podemos apontar ainda, nesta fala de Gustavo, a
evidência da função da música como instrumento que marca fatos históricos e
ajuda humanitária. E ainda, como percebermos na fala de Junior abaixo, esta
pode ser uma forma de relato dos fatos cotidianos, marcando a história de vida
das pessoas. Vejamos:
Junior:
Exemplo 13
Nem todas. Agora Bob Marley já traduzi só pra escutar...só
pra ver o que...só que tipo assim, todo mundo fala, ah Bob
Marley canta música só de drogas, num tem nada vê, as músicas
dele...poucas, poucas, poucas, poucas das músicas dele que
99
falam de droga. As músicas mais falam mais sobre a vida, o que
acontece, sobre a violência da cidade, tipo....
(Entrevista em 06/11/2014)
Podemos então perceber uma explicação plausível que estabelece uma
linha de ação entre os fatores que sustentam a relação dos adolescentes com a
música em LI. Primeiro existe uma aproximação involuntária que consiste nos
momentos em que o adolescente ouve as músicas nos mais diversos ambientes,
geralmente por meio das mídias. A partir deste contato, no qual determinada
música vem a despertar algum tipo de emoção, surge então o interesse em
buscar a compreensão e os sentidos daquela letra. Este interesse é originado
dos mais diversos fatores, como bem podemos ver na última fala, de Junior, que
afirmou ter ido em busca das traduções da música de Bob Marley por conta do
que ouvia sobre seu repertório relacionado à temática das drogas.
Percebemos, ainda, que a comprovação dos sentidos evocados é ainda
parte essencial do processo, pois a constatação determina a relação que se
estabelece após a descoberta dos sentidos. Para alguns, a música agora terá
uma conotação triste, para outros será uma coisa boa, para outro será a
realidade da vida, mas em nenhum momento há indício de uma quebra do laço
estabelecido, sua essência pode até mudar, mas a forte proximidade com a
música permanece, sendo até mesmo fortalecida.
Nogueira (2009, p. 4) afirma que:
Quando nós escutamos uma música e damos significado,
importância ao que sentimos interiormente, iniciamos aí o
caminho da auto-descoberta e de alguma revelação acerca de
quem somos, do que somos, donde vimos e para onde vamos,
e, dessa forma, aos poucos começamos a entender o caminho
que queremos percorrer.
Esta afirmação ganha sentido quando nos debruçamos sobre os
enunciados aqui presentes e por meio da observação dos aspectos estilísticos
(ACD) podemos entender como os sujeitos enxergam o mundo e se posicionam
neste. Assim como afirmou Nogueira, vemos que estes sujeitos deixam claro em
suas falas o quanto a música em inglês tem se tornado realmente um caminho
de autodescoberta, como os mesmos têm encontrado neste elemento novo uma
maneira de repensarem suas próprias existências.
100
Logicamente, não há um abandono total da música nacional, mas esta
parece servir a propósitos diferenciados, ou ainda, a momentos de identificação
(MOITA LOPES, 1996) diferenciados, ambas parte dos fragmentos que ao final
moldam a “identidade” de nossos adolescentes. Tais considerações nos fazem
perceber a importância de nos atentarmos para a função que a música em inglês
exerce na vida dos jovens e assim aprendermos maneiras de utilizá-la ao nosso
propósito de transformação, principalmente em contextos delicados, como no
caso de jovens envolvidos com drogas. Nesta situação, ações mais ligadas ao
aspecto ontológico podem vir a surtir grandes efeitos, razão pela qual veremos
nas próximas sessões qual tem sido o espaço dedicado ao uso de música nas
aulas de inglês no projeto SUPERHAÇÃO e como os alunos se sentem a este
respeito.
5.2 A música na aula de inglês
Considerando todas estas informações levantadas sobre o perfil de
relação entre nossos alunos e a música em inglês, a sequência lógica seria então
sabermos se os professores têm usado este recurso em sala de aula e qual tem
sido a reação dos alunos a esta realidade presenciada. Neste sentido, abrimos
espaço para que os jovens nos apontassem, no questionário, o quanto tem sido
feito de atividades com músicas nas aulas de inglês, como de praxe, calculamos
os resultados encontrados e chegamos ao seguinte resultado:
101
Gráfico VII- Respostas dos Questionários
São feitas atividades com uso de músicas na
disciplina de Língua Inglesa?
100,0%
80,2%
80,0%
60,0%
40,0%
18,1%
20,0%
0,0%
1,5%
Nunca
Às vezes
Sempre
Este é, com certeza, um dado gritante, ainda mais se levarmos em
consideração todos os benefícios aqui apontados sobre o uso da música, bem
como a própria relação dos alunos com este instrumento. Se pensarmos apenas
no lado cognitivo já podemos dizer que é uma grande perda saber que os
professores têm deixado totalmente de lado tal ferramenta, pois, como bem
apontaram Tim Murphy (1992), Rebeca Oxford (1990) e Dwayne Engh (2012),
são inúmeras as razões pelas quais a música é uma eficiente estratégia de
aprendizagem. Mas, sintetizando, nos ancoramos no relato de Del Bem e
Hetschke ao apontarem que:
A música pode contribuir para a formação global do aluno,
desenvolvendo a capacidade de se expressar através de uma
linguagem não-verbal e os sentimentos e emoções, a
sensibilidade, o intelecto, o corpo e a personalidade [...] a música
se presta para favorecer uma série de áreas da criança. Essas
áreas incluem a “sensibilidade”, a “motricidade”, o “raciocínio”,
além da “transmissão e do resgate de uma série de elementos
da cultura”. (DEL BEN; HETSCHKE, 2002, p. 52-53).
O resultado aponta que 80% dos alunos disseram que nunca são feitas
atividades com música em sala de aula, percebe-se então que os professores
de inglês, inseridos no contexto da escola pesquisada, não estão a par de todas
essas informações sobre a mesma, já que a excluem de seus planejamentos
diários. Deixam assim de aproveitar uma grande oportunidade de contribuírem
102
mais efetivamente na formação global dos alunos, tanto no quesito de aquisição
linguística, quanto no nível mais reflexivo-emotivo, nas instâncias mais
profundas do ser humano, onde a transformação realmente se inicia. E os
alunos? Será que percebem essa situação? Como se sentem a este respeito?
Para sabermos, fizemos a pergunta necessária “Você gostaria que fossem feitas
atividades com música?”, estas foram as respostas:
Gráfico VIII Respostas dos Questionários
Você gostaria que as músicas fossem utilizadas
nas aulas de inglês?
80,0%
74,7 %
70,0%
60,0%
50,0%
40,0%
30,0%
20,0%
10,0%
0,0%
11, 4 %
Sim
Não
13,7 %
Indiferente
74,7 % dos estudantes disseram que gostariam que a música fosse
utilizada como ferramenta para aprendizagem de LI, o restante ou é indiferente
ou não quer que isto se realize. Novamente, uma maioria expressiva deixa
transparecer a real situação em sala de aula ao mostrar sua vontade de que
estivesse presente um elemento de grande importância em suas vidas.
Mas o que importa aqui é perceber que estes dados apontam a maneira
como os alunos têm visto o ensino e o espaço escolar, por assim dizer, pois
estando a música presente em praticamente todos os eventos cotidianos, e
sendo a escola uma exceção, pode haver um entendimento de diminuição de
importância desta instituição na concepção dos mesmos, já que não segue os
parâmetros daquilo que engloba sua percepção de sociedade. A escola assim,
em vez de se tornar o ambiente propiciador de mudanças positivas, passa a ser
o elemento contrário e ultrapassado. Sabemos que os adolescentes gostam de
‘curtir’ aquilo que é ‘legal’, e trazer elementos de seu cotidiano para sala de aula
é uma maneira de se aproximar mais de sua realidade, estabelecer um
103
relacionamento mais próximo e, consequentemente, deixar o caminho aberto
para diálogos que possam promover reflexões.
Como já dito, a música constitui-se como uma maneira de identificação e
expressão daquilo que se acredita, sendo de vital importância, principalmente na
vida dos jovens e adolescentes que ainda estão em busca de afirmação de suas
identidades. Assim, o primeiro passo de uma escola realmente preocupada com
a formação destes cidadãos seria utilizar, como passaporte para efetivação do
ensino, meios que lhes são afetivamente significativos, sendo a música um dos
principais.
Relataremos agora então algumas respostas encontradas sobre esta
questão nas entrevistas. Vejamos o que nos diz Wellington sobre o uso da
música em sala e sua perspectiva sobre tal:
Exemplo 14
“Já trabalhamos ano passado eu acho.
Sim, ano passado, mas esse ano não.
Porque , se começar fazer algum projeto com música dentro da
língua inglesa as pessoas poderia gostar mais de inglês,
porque muita gente se perguntasse se gosta de inglês a
pessoa ia falar que não, não tem interesse nenhum. Mas se
tivesse com música, alguma coisa, acho que ...
(Entrevista em 06/11/2014)
O processo mental ‘acho’ no início da fala de Wellington mostra que o
mesmo tem uma vaga lembrança de que a música já foi utilizada em sala de
aula, mas isso no passado, agora não mais acontece. Mas este sujeito aponta
uma possível solução: projetos com música na LI. Assim, por meio da ocorrência
da categoria de modalidade /modulação ‘poderia’ percebemos no enunciado o
nível de probabilidade de que com tal iniciativa se resolve a situação, assim,
possivelmente as pessoas viessem a gostar de inglês. O processo mental
‘gostar’ aparece em duas situações: uma como a realidade negativa, as pessoas
não gostam de inglês, e outra como a possiblidade de mudanças, elas ‘poderiam
gostar’ se viessem a ser estimuladas pela música. O processo relacional ‘ter’
mostra bem este distanciamento ao apontar como atributo destas pessoas a total
falta de interesse em ‘elas não tem interesse nenhum’, sendo que o uso do
pronome indefinido só reforça esta caracterização: o interesse é nulo, mas pode
ser mudado quando da utilização da música como forma de despertamento, por
assim dizer.
104
Sobre o uso da música pelos professores, Pedro já afirma:
Exemplo 15
“Trabalham. Alguns trabalham.
Utilizam meios como músicas que falam sobre isso, mas...que
na verdade... , apesar que é um meio que os jovens param
muito para olhar, a música na verdade é uma inspiração, é
um meio de viver, uma ideia de como agir no cotidiano na
verdade.”
(Entrevista em 06/11/2014)
No discurso de Pedro podemos ver que, na verdade, alguns professores
fazem uso da música como instrumento para debates mais reflexivos. ‘Sobre
isso’ se refere a gama de assuntos retomados no decorrer da entrevista, como
drogas, bebidas e violências. O processo relacional ‘é’ explicita atribuição, ou
seja, atribui à música alguns elementos que a classificam, quais sejam: ‘meio
que os jovens param pra olhar, uma inspiração, um meio de viver e uma ideia de
como agir’. São todas razões pelas quais o entrevistado sustenta a validade do
uso de música em sala. A expressão ‘param pra olhar’ pode ser entendida com
o processo mental ‘olham’ no sentido de que não se refere a uma ação física, e
sim um ato em nível da consciência, ou seja, os jovens dedicam um tempo para
‘olharem’ as músicas, buscando por possíveis direções que lhes digam como
viver e como agir.
Vejamos o que pensa Gustavo:
Exemplo 16
Bastante.
Eu gosto bastante de música inglesa, ai a professora tá
explicando um conteúdo e traz a mesma música que eu gosto
e explica a matéria, é interessante, dá pra aprender.
(Entrevista em 06/11/2014)
Gustavo utiliza um advérbio de qualidade com indicação altíssima, como
que para indicar satisfação com relação ao uso que os professores têm feito das
músicas em da sala. Percebemos a base subjetiva desta afirmação por meio da
avaliação com verbo de processo mental em ‘gosto bastante’, onde o advérbio
de intensidade indica o alto grau de afinidade do sujeito com o que diz, posto
que ‘gostar bastante’ pode ser entendido como ‘adorar’. A afinidade também é
um fator percebido na formulação avaliativa ‘é interessante’, que expressa a
avaliação de Gustavo sobre a ação da professora em trazer uma música que ele
goste para o contexto de sala de aula. Esta avaliação está diretamente
105
relacionada ao resultado desta ação, expresso pelo processo mental ‘aprender’,
pois quando da união entre estes dois elementos (matéria e música) a
aprendizagem se torna possível.
Jonas também se expressou a este respeito:
Exemplo 17
Na verdade não, mas tipo no ano passado, não retrasado, na
oitava série era o que mais tinha.
Eu gostava, tipo....quem canta o mal espanta né (rindo)
Ficaria legal porque anima mais a turma, porque a turma é
mei... paradona, um conversa no canto, outro conversa com o
outro, meio... aberto assim a turma.
(Entrevista em 06/11/2014)
Para Jonas o uso da música em sala de aula também é uma ação
localizada no passado, como bem mostra o processo relacional ‘era’,
classificando a música como um elemento sempre presente, pois ‘era o que mais
tinha’. Ainda em termos de tempo passado o experienciador se posiciona em
relação a esta ação por meio da avaliação afetiva ‘gostava’, dando a ideia de
agrado, algo que era bom. O provérbio utilizado evidencia a relação de Jonas
com a música, mostrando-a como uma forma de se fugir daquilo que é negativo,
ou seja, ‘espantar o mal’. Esta ideia é facilmente retomada no processo
comportamental ‘animar’, que surge como resultado da presença da música em
sala, sendo, na opinião de Jonas, um elemento conectivo, que poderia
estabelecer um laço afetivo na turma que é ‘paradona’.
Júnior, nosso último entrevistado, sobre o fato de os professores fazerem
uso da música em inglês nas aulas, afirma:
Exemplo 18
Trabalham bastante.
Eu gosto porque...música tipo, você escutar uma música em
inglês e ver o vídeos você aprende bastante coisa em inglês
, agora cê ficar só lendo, lendo, num...num aprende muito, o
povo fica tudo desinteressado. Agora música...
(Entrevista em 06/11/2014)
Júnior inicia seu enunciado dizendo que os professores trabalham sim as
músicas em sala de aula, aliás, reforça sua afirmativa usando o advérbio
‘bastante’, que neste caso parece indicar quantidade de vezes em que isso
ocorre. Ao ser indagado sobre sua opinião a estas ações, responde com uma
afirmativa usando o verbo de processo mental afetivo ‘gostar’, indicando sua
106
afinidade com tais iniciativas. A justificativa de Jonas para esta afirmativa
embasa-se na premissa do uso do processo mental ‘aprender’, que está
diretamente ligado ao uso de músicas e vídeos em inglês, ou seja, para Jonas,
esta seria uma forma efetiva de aprendizagem da língua. E ainda mais, por meio
destas ferramentas, o aluno não só aprende, como aprende ‘bastante’, o
advérbio de intensidade dando a ideia de efetiva validação em face de outras
possibilidade de instrumentos metodológicos.
Da mesma forma, o entrevistado ainda aponta a ação que causaria efeito
oposto a este, qual seja, ficar só lendo, que não ajuda a ‘aprender muito’. Não
que atividades de leitura não tenham efeitos, mas elas não são tão efetivas
quanto o uso de músicas e vídeos em inglês. Usando o processo relacional
‘ficar’, Jonas indica o atributo das pessoas que só fazem atividades com leitura,
eles ‘ficam’ desinteressados, o que nos leva a entender que a presença da
música em sala de aula despertaria, portanto, o interesse dos alunos.
Para fins de aprendizagem, estreitamento de laços afetivos, como guia de
ações, estímulo. Todas estas são possibilidades evidenciadas nas falas dos
entrevistados como resultados da utilização da música em inglês nas aulas.
Independente de se posicionarem negativamente ou afirmativamente sobre o
fato dos professores usarem tal ferramenta em sala, todos conseguem apontar
benefícios desta ação.
Um fato interessante a ser observado é como as aulas em que as canções
em inglês estavam presentes podem ficar marcadas na memória dos alunos,
pois conseguem mesmo lembrar em qual série determinado professor fez uso
de tal metodologia. Esta assertiva nos remete aos estudos de Kátia Maheirie
(2003) que afirma que quando o sujeito está “mergulhado” na música, a
materialidade, a realidade física a sua volta passa a ser imbuída de emoções,
ganhando sentidos que estão carregados de subjetividade, regidos por
consciências afetivas. Assim, o aluno pode até não se lembrar em termos
conceituais o conteúdo gramatical apresentado, mas a música fica registrada, e
muito mais os sentidos apreendidos naquele momento.
107
5.3 “Músicas em inglês podem ser uma ferramenta de debates reflexivos e
transformacionais”
Esta seção, em específico, refere-se a um tema que apareceu apenas nas
entrevistas, consistindo em uma das últimas perguntas para saber então do
entrevistado se o mesmo considerava possível trabalhar com música em inglês
na sala de aula para debates e discussões sobre temáticas sociais, - sobre o uso
de drogas, no caso do projeto SUPERHAÇÃO - e como isso poderia ser
efetivado.
Analisaremos agora então a fala da professora Pedrina sobre este
assunto:
Exemplo 19
Então, alguns sabem mesmo o que a banda já passou, já
viveu e também pelo fato deles...como eu disse anteriormente
eles se identificam muito com os personagens da.. né? da
banda, ou do cantor da música. E algumas músicas traz
diversos temas né? Que dá pra gente parar e analisar e trazer
também pra realidade deles. Eles também podem fazer
paródias né ? com as próprias letras, é..., com as músicas que
eles curtem muito, então eu penso que sim, é possível
trabalhar sim. (Entrevista em 06/11/2014)
Aqui a professora inicia sua fala retomando mais uma vez o
relacionamento íntimo dos alunos com as músicas em inglês, por meio do
processo mental ‘sabem’, ela mostra que o interesse é tanto que extrapola o
momento de curtição, levando-os a se aprofundarem nos acontecimentos da
vida dos artistas. Assim, os alunos ‘sabem’ tudo que já aconteceu com suas
bandas e cantores, o que nos leva ao processo mental ‘identificar’ que aqui está
posto como um resultado desta busca; ao gostarem da música os adolescentes
procuram saber mais sobre os cantores e acabam criando um laço afetivo
imaginário com tais componentes, desta forma, ‘identificam-se com os
personagens’ musicais.
Identificar-se com algo presume a ideia de semelhanças, o que significa
dizer que tais cantores se tornam então modelos de comportamento para os
jovens. Porém, se percebermos atentamente a fala da professora, veremos que
ela diz ‘personagens’ e não pessoas, como se para ela, os artistas, na verdade,
não fossem o que aparentam ser, estivessem apenas representando um papel
108
que, por conseguinte será incorporado por seus admiradores. Neste sentido,
entende-se que nem tudo que está posto na mídia é real, por isso a razão do
cuidado na escolha do material a ser trazido para sala, antes é preciso um
processo minucioso de escolha, como diz Pedrina, algumas músicas realmente
trazem estas temáticas e, portanto, dá para ‘trazer’ para os alunos, mas, antes,
é preciso ‘parar’ e ‘analisar’ este conteúdo.
O processo mental ‘penso’ finaliza a fala da docente indicando que a
mesma assume a posição favorável ao uso das músicas em inglês para o
contexto do Projeto, mas não de forma aleatória, e sim, como já dito,
cuidadosamente planejada, por isso ela ‘pensa’ que sim, e não ‘acha’. Pensar
presume uma atitude mais centrada, exige esforço e conhecimento por parte do
professor, para escolher, dentre ‘as músicas que eles curtem muito’, àquelas que
possam servir ao propósito.
Pedro, um dos agentes engajado no projeto, mantém também uma
posição favorável e positiva:
Exemplo 20
Utilizar música que tenha letra marcante, explicar porque
aquela letra foi desenvolvida daquela forma através do que o
artista colocou, no caso trabalhar bastante também cada
ponto especificado por ela as várias partes da música... as
entrelinhas na verdade e mostrar que na verdade que existe
sim, um meio de conseguir reverter todos problemas que as
pessoas enfrentam, até mesmo o uso das drogas, na
verdade é um incentivo, pode até não ser só a música, como as
pessoas, elas estão de acordo a ajudar a buscar melhorar a
vida deles. (Entrevista em 06/11/2015)
Para este sujeito, requisito primeiro é a letra da música escolhida que tem
que ser ‘marcante’, este adjetivo qualificador nos indica que para ser trabalhada
em sala a música deve servir a uma função mais profunda do que divertimento
e curtição, a letra precisa ser forte o bastante para ‘marcar’ a vida das pessoas.
Esta assertiva nos remete à fala anterior, da professora Pedrina, pois,
considerando o que já sabemos da forte influência da música em inglês na vida
dos jovens, a escola serviria então ao papel de mostrar-lhes quais destas podem
ajudá-los no enfrentamento das situações vivenciadas, funcionando como um
norte de ações.
Pedro prossegue indicando qual a melhor abordagem, que consiste em
‘trabalhar bastante cada ponto da música’, o advérbio ‘bastante’ tanto pode dar
109
ideia de quantidade quanto de intensidade, pode-se abordar cada ponto várias
vezes, ou cada um de maneira intensa e profunda. Mas o que importa mesmo
são as ‘entrelinhas’, ou seja, para este sujeito, a mensagem em si não está dada,
é preciso todo um processo analítico, propiciado pelo professor, para que os
alunos cheguem à compreensão dos sentidos ali implícitos. Só assim, de posse
destes sentidos, o sujeito perceberá então a possibilidade de reversão de
problemas, ‘até mesmo o uso das drogas’. Esta última sentença de Pedro
mostra-nos que seu entendimento é que as drogas constituem um problema em
proporções mais abrangentes, ele não a cita com os demais problemas, é ‘um’
problema a parte, mas, mesmo este, a música pode reverter.
Pedro , no entanto, termina sua fala com uma ressalva: ‘pode até não ser
só a música, como as pessoas’, ou seja, a música tem sim sua função e seu
‘poder’, digamos assim, mas depende também das pessoas buscarem por
melhorias. Assim, entendemos que para que haja de fato mudanças, este sujeito
precisa querer, como bem afirma Fairclough (2003a), a mudança na vida das
pessoas depende inteiramente da reflexibilidade e capacidade de cada um em
se tornar um agente de mudanças, pessoais e sociais. E bem como já afirmou
Freire (1970, p. 37), “a realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas
como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. (...)
transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens.”
Ressalva-se, assim, que o processo emancipatório ocorre em contexto
individual, num movimento de dentro para fora.
Jonas, ao ser indagado se a música seria um caminho para se trabalhar
a conscientização dos jovens, afirma:
Exemplo 21
Seria também, por que aqui o pessoal... tem bastante Raps que
fala bastante a realidade. Aquele goleiro o...goleiro macaco,
se não me engano é do grêmio, ele tava falando numa entrevista
que conseguiu superar os preconceito, bullyng, por causa do
Rap né, tipo ajuda bastante essas músicas aí.
(Entrevista em 06/11/2014)
De acordo com Papa (2008) processos existenciais são processos que se
encontram entre os processos relacionais e materiais, e por estarem muito
próximos a um dos processos abordados neste trabalho (relacional), e ser
essencial para esta análise, retomamos aqui o processo existencial ‘tem’, na fala
110
de Jonas, que indica a existência de um tipo de música que ‘fala bastante a
realidade’: o Rap. Jonas considera este estilo de música propício ao propósito
conscientizador e cita mesmo um exemplo de alguém conhecido pela mídia que,
com auxílio da música, alcançou êxito em seu enfrentamento às adversidades.
Acreditamos que o entrevistado aqui se refira ao caso do goleiro Aranha,
dos Santos, que foi vítima de preconceito racista na Arena Grêmio, durante a
partida em 28 de Agosto de 2014, foi chamado de macaco pelos torcedores
gremistas. Tempos depois, em algumas entrevistas, o goleiro realmente afirmou
que o Rap tem sido seu aliado na luta contra o preconceito. Este fato leva Jonas
a concluir que realmente então ‘ajuda bastante essas músicas aí’, novamente o
advérbio de intensidade ‘bastante’ demonstrando o nível de comprometimento
de verdade do indivíduo com aquilo que diz, Jonas tem certeza daquilo que fala,
pois já pode constatar por meio de fatos esta verdade.
Seguindo esta linha de pensamento, Júnior nos diz:
Exemplo 22
Seria bom, porque tipo..é..agora num tem mais ensino
religioso e... é muito bom..., porque tipo a professora leva
música que é da realidade, não que..tipo...de amor essas coisas
assim...também é da realidade também acontece..só qui...hoje
mesmo o Brasil num tem, num é tudo maravilha, é tudo
horrível...Por isso que eu já curto mais Rap que fala da
verdade da vida não fica...
(Entrevista em 06/11/2014)
Júnior inicia sua resposta usando a categoria de modalidade na indicação
de uma probabilidade e ao mesmo tempo uma avaliação em ‘seria bom’, ou seja,
é possível que seja uma boa ação trabalhar com músicas em sala para combater
os problemas sociais. Em seguida, em ‘agora num tem mais ensino religioso’,
ele utiliza o processo existencial ‘ter’ em sua forma negativada para indicar algo
que já existiu e que servia ao propósito de levar os alunos a reflexões destas
temáticas e que ‘agora’ foi lhes tirado, ou seja, não existe mais na escola este
instrumento que possibilitava o debate sobre a realidade vivenciada
rotineiramente por estes indivíduos. Jonas se posiciona contrariamente a esta
supressão ao expressar seu juízo de valor sobre a disciplina de ensino religioso
em ‘é muito bom’, para ele as ações dentro da referida disciplina eram validadas
por seu caráter realístico. É um juízo de valor em forma de afirmação avaliativa
de baixa intensidade se considerado o continuum excelente/ ótimo/ bom, mas o
advérbio de intensidade ‘muito’ confere à afirmativa maior carga de intensidade.
111
Assim, Junior indica que há um espaço vazio no contexto escolar que
precisa ser preenchido, pois é muito bom que se trabalhe as questões da
realidade em sala de aula, podendo a música ocupar então esta função que pode
vir a ser decisiva na vida dos adolescentes. Ao se pensar o contexto de vida
deste sujeito, isto é algo que deve ser pensado seriamente. Junior tem um
histórico assumido de forte envolvimento com drogas, sendo claramente
perceptíveis os resultados do seu uso, como a falta de concentração e demais
efeitos previstos. Contrário à crença geral, de que ensino religioso seria uma
matéria desinteressante para sujeitos com tal histórico, Junior nos mostra aqui
que, na verdade, são estes os mais beneficiados com ações que reflitam as
questões existenciais, seja por qual for o viés.
Mais uma vez está disposto então o tipo de música que pode vir a servir
ao propósito transformacional, não de amor (romântico), mas da realidade. E
Junior vai justificar esta escolha, falando em termos de Brasil, ele usa o processo
relacional ‘é’ em contexto de oposição: primeiro diz um atributo que o país não
possui, ‘num é tudo maravilha’, e depois nos mostra então qual é a qualidade, o
atributo, do seu país, qual seja, ‘é tudo horrível’.
Percebemos como que um tom de revolta de Jonas com esta realidade
que lhe parece ‘horrível’, ele não chega a assumir, mas é como se deixasse
implícito que as drogas foram sua rota de escape, sua fuga, deste mundo sem
sentido. Parece tão desacreditado que não suporta a ideia de músicas mais
afetivas, pois elas são mentirosas, posto que não retratem a realidade tal como
é, assim, justifica sua preferência por músicas que falam desta realidade, como
é o caso do Rap.
Seja por experiência própria, seja por exemplos da mídia e/ou outras
fontes, concluímos então que para os sujeitos entrevistados a música pode sim
servir como ferramenta que venha a possibilitar um espaço de reflexões e,
possivelmente, mudanças por meio de sua presença efetiva em sala de aula.
Apresentaram-nos
também
algumas
ressalvas
a
este
respeito,
mais
especificamente, no que tange às escolhas textuais, que devem ter algumas
características. De forma unânime, a preocupação reside então naquilo que vai
ficar impregnado nas pessoas. Muito mais do que servir a função de
divertimento, a música escolhida deve penetrar na mente dos alunos e formar
raízes que, mais tarde, tragam bons resultados.
112
Fica subentendido então que estes alunos esperam do professor que se
proponha a realizar este trabalho um preparo no que tange ao universo de
interesse musical dos mesmos, para que a partir daí estabeleça um plano de
ação. Muito mais do que escolher músicas aleatoriamente, tal professor
necessita manter um contato próximo com seus estudantes, de modo a lhes
transparecer confiança. Como já asseverado, os adolescentes tendem a se
envolver com aqueles, ou aquilo, ao qual se ‘identificam’, e como já dito em
vários dos enunciados, para o aluno é maravilhoso quando o professor traz para
sala de aula elementos do cotidiano que são essenciais na construção do seu
‘eu’, a conexão é imediatamente estabelecida, abrindo caminho para diálogos
mais profundos e duradouros.
5.4 “Importância do projeto SUPERHAÇÃO”
Este trabalho surgiu da necessidade de se pensar ações que, no contexto
das aulas de LI, pudessem auxiliar a se alcançar os objetivos propostos pelo
projeto SUPERHAÇÃO. Assim, após discorrermos sobre a importância da
música na vida dos alunos e sua relação com a música em inglês, abordaremos
então, neste tópico, as respostas evidenciadas no que tange ao envolvimento
dos sujeitos pesquisados com o projeto.
Em relação a este tema, havia nos questionários uma pergunta subjetiva,
onde o aluno poderia responder abertamente, que assim dizia: Na sua opinião ,
qual a importância de se ter um projeto na escola que trabalhe a prevenção do
uso de drogas e afins?
Desta forma, as repostas obtidas apresentam caráter amplo e
abrangente, no entanto, ainda nos é possível sistematizar as principais ideias
que subjazem a tais enunciações, em ordem decrescente de evidenciação. Para
estes alunos:

O projeto é uma forma de orientação, conscientização, auxílio, alerta,
conhecimento e explicação sobre os riscos que as drogas podem oferecer
para quem já usa, ou não;

O projeto mostra consequências, previne, evita que os adolescentes se
percam “mundo afora”, evita a destruição de famílias;
113

O projeto muda pensamentos, ajuda escolher um futuro melhor, incentiva a
fazer o bem, dá base aos jovens, é um recurso necessário;

É interessante, bom, empolgante;

É inútil, sem importância;
É possível perceber uma tendência à solidarização com os preceitos do
projeto. Os alunos em sua maioria parecem compreender os objetivos desta
prática no contexto escolar e reconhecem sua validação, apontam ainda os
vários quesitos sociais que o mesmo atende, estes vão desde a evidenciação de
um conhecimento até a promoção de momentos de reflexão e mudanças.
Já é comprovada a eficiência que o trabalho de prevenção trará, não só
para a escola, mas para a sociedade de uma maneira geral, pois, como afirma
Medeiros (2006, p.70), “para cada dólar investido em prevenção pode-se
observar uma economia de até 10 dólares no tratamento contra o consumo de
álcool ou de outras drogas”. A escola é, portanto, o espaço propiciador deste tipo
de ação devido ao tempo que os alunos ficam neste ambiente. Além do mais,
como afirma Soibelman (2003), tem sido na escola o primeiro contato dos alunos
com as drogas, ainda bem novos, na faixa dos onze anos de idade. Assim, cabe
a tal instituição o papel socializador das problemáticas e de empreender ações
envolvendo a comunidade, buscando meio de enfrentamento.
É interessante ainda salientar que em nenhuma das respostas foram
utilizadas construções verbais que remetessem a primeira pessoa do singular.
Há um certo distanciamento dos sujeitos por meio do uso de termos que
remetem a “outros” elementos, a terceiros, “os alunos”, “os jovens”, “os
adolescentes”, como se não estivessem inseridos neste contexto. Evidencia-se
ainda o uso de formas impessoais e no infinitivo, o que deixa indefinido a quem
se dirige a ação, mesmo que em alguns casos já fosse de conhecimento da
escola o envolvimento do aluno com uso de substâncias ilícitas.
Este fator nos chama atenção para a dificuldade que é trabalhar e discutir
temas que atinjam diretamente o emocional dos alunos, elementos estes que
compõem sua formação identitária. Mesmo escondendo-se sob o manto do
anonimato não se sentem confiantes a ponto de se exporem, pois tais assertivas
atingiriam diretamente a “imagem” que se tem de manter.
De acordo com Silva et al (2009), o primeiro envolvimento dos
adolescentes com substâncias ilícitas ocorre em um momento turbulento, cheio
114
de questionamentos e dúvidas, e assim os jovens se veem pressionados a
assumir uma posição, uma maneira de autoafirmação entre os demais. Mais
tarde o resultado é sofrimento, angústia, loucura e morte. O que só reforça a
importância e a necessidade de ações preventivas.
A pergunta referente ao projeto e sua importância também figurou entre
os primeiros lugares nas entrevistas. Assim, veremos agora algumas das
respostas mais contundentes, de modo a estabelecer um elo comparativo com
o que foi encontrado nos questionários. Serão aqui apresentadas as respostas
e em seguida uma análise que se pautará nos processos, modo e avaliação
encontrados em cada uma, seguindo a ordem de exposição.
Pedro assim se pronunciou com relação à importância do projeto:
Exemplo 23
Creio eu que sim, porque... É necessário, a pessoa sozinha, de
acordo com o que eles relataram, não é fácil, ele por si só,
dificilmente eles conseguem se reintegrar. Eles falaram que
cerca de 90 por cento dos que estão no mundo , usuário de
drogas , eles não conseguem sair por si só, ou seja 10 por cento,
ainda dos 10 por cento eles diz que raramente um consegue
está totalmente sã, futuramente, construir uma família voltar a
vida normal.
(Entrevista em 06/11/2014)
No processo mental ‘creio’ o Experienciador (Pedro) revela sua posição
em relação à importância do projeto na escola (“que sim”) baseado em suas
experiências pessoais que lhe permitiram perceber esta necessidade. A escolha
verbal indica convicção; ele não diz “eu acho” e sim “eu creio”, que envolve mais
que acreditar, em um sentido tanto quanto místico, indica altíssimo grau de
comprometimento com a mensagem. Aponta claramente a subjetividade da
afirmação, posto que uma crença esteja sempre atrelada a construções
pessoais.
‘É necessário’ se constitui modalidade deôntica presente na fala de Pedro,
isso indica alto nível de obrigatoriedade quanto à presença do projeto na escola.
E mais, não nos é possível concluir a base subjetiva do julgamento, seria esta
opinião de Pedro ou eco de um determinado grupo social? Estaria ele apenas
repetindo um discurso já ouvido?
Em ‘dificilmente eles conseguem / raramente um consegue’, temos um
advérbio de modo e um de tempo que indicam a posição de Pedro quanto à
possibilidade de que as pessoas envolvidas com drogas consigam se recuperar
115
por si só, para ele este é um processo complexo que requer a presença de mais
indivíduos envolvidos, pois a pessoa sozinha não dá conta, fato que mais uma
vez só reforça a importância e necessidade deste tipo de ação.
Gustavo diz:
Exemplo 24
É bom porque aqui, óh, é uma escola de ensino médio, os
alunos são tudo já quase maior de idade. A maioria pensa
nessas coisas, eles pensam em experimentar pra ver se a
sensação é boa ou não.
(Entrevista em 06/11/2014)
O processo mental ‘pensar’ encontrado na fala de Gustavo indica uma
constante na vida dos experienciadores “eles” (os alunos), que por sua vez têm
vontade de experimentar “essas coisas”, que podem se referir, em um âmbito
geral, a tudo aquilo que seja proibido, e, no contexto específico da pesquisa, às
substâncias ilegais. Esta é a justificativa de Gustavo para a importância do
projeto. É bom que haja essas ações na escola, pois os alunos ‘pensam’ sobre
isso, ou seja, são tentados pelas possibilidades de experimentação. O uso do
pronome “eles” indica distanciamento, Gustavo não se insere no contexto da
afirmativa, mas a sua própria assertiva de que isso acontece com a maioria,
permite-nos qualificá-lo como um dos participantes desta ação.
Este processo relacional “ser”, presente na fala de Gustavo, apresenta um
elemento identificador que explica a razão do interesse pelo uso das drogas. A
maioridade é o elemento definidor dos alunos que querem experimentar “essas
coisas”. Apesar da presença de um identificador, o enunciado não deixa clara a
relação entre esta definição e o problema em si: os alunos querem experimentar
porque logo serão maiores de idade e ninguém mais poderá intervir ou porque
querem fazer enquanto estão isentos da punição instituída legalmente.
‘É bom’, é a avaliação de Gustavo com relação à presença do projeto na
escola, é um juízo de valor em forma de afirmação avaliativa de baixa
intensidade se considerado o continuum excelente/ ótimo/ bom. Ou seja, para
Gustavo é interessante que se tenha o projeto, mas não há um envolvimento
muito intenso de sua parte.
Paulo:
116
Exemplo 25
Sim, eu acho muito importante né? Pra...essas pessoas que
tão com esses problemas pra ter uma ajuda, né?. Talvez elas
não tenha essa ajuda em casa ou na rua, mas na escola ela
tem.
(Entrevista em 06/11/2014)
Por meio do processo mental ‘acho’, o Experienciador Paulo se posiciona
favoravelmente com relação à necessidade do projeto em ‘acho muito
importante’. A opinião de Paulo é reforçada com uso do advérbio de intensidade
“muito”, em uma expressão avaliativa sobre a importância do projeto, o que
também é um indício de um alto grau de comprometimento com o que se diz.
O processo relacional “estar”, também, se faz presente na fala de Paulo
como indicativo do provável alvo das ações do projeto: pessoas que estão com
esses problemas. Aqui não há referência direta ao uso de drogas, mas a
sentença “esses problemas” deixa clara a referência, considerando o teor do
projeto e que a pergunta se refere ao mesmo. Assim, as pessoas que precisam
do projeto apresentam uma característica, elas estão “com esses problemas”.
Neste enunciado, o processo relacional “ter” refere-se a duas situações
distintas, numa relação opositiva suscitada pelo uso da conjunção mas. Na
primeira situação, estas pessoas são caracterizadas com a falta de algo, que
logo é identificado por meio do elemento classificador “ajuda”, ou seja, essas
pessoas têm problemas e precisam de ajuda. No entanto, o segundo contexto
relacional de “ter” indica uma possibilidade, “na escola ela tem” mostra uma
alternativa, a escola é apontada como o espaço onde estas pessoas
preencherão o vazio da afirmativa anterior implícita em “na escola ela tem ajuda.”
Mais uma vez reafirmado o valor e a necessidade de um projeto deste teor,
capaz de oferecer aquilo que essas pessoas (alunos, já que vão à escola)
precisam, mas não encontram em outro lugar
Pedrina:
Exemplo 26
A gente sabe que alguns alunos, é..., já estão na escola e já
experimentaram, usaram , ou, alguns ainda não, então a ideia
é prevenir né? Aqueles que ainda não começaram e tentar
resgatar alguns que já estão. Ah, nós sabemos que o uso de
qualquer substância química né? Drogas, é..., compromete
muito o ensino e aprendizado...
(Entrevista em 06/11/2014)
117
Pedrina utiliza o processo mental ‘saber’ para se referir a duas situações.
No início da fala, refere-se ao fato de que a comunidade escolar, retomada em
‘a gente’, tem conhecimento de que os alunos fazem uso de substâncias
químicas. A professora usa em sua fala o advérbio de tempo ainda para se referir
aos alunos que não fazem uso, é como se fosse apenas uma questão de tempo
até que isto aconteça, daí a importância do projeto, prevenir e resgatar enquanto
‘ainda’ há tempo. Percebemos aqui um aspecto no qual a ACD tem combatido
veemente, que é a naturalização de alguns discursos que mascaram a verdade
e usurpam a posição de legitimidade. Dizer que devemos salvar os adolescentes
que ‘ainda’ não entraram no mundo das drogas é naturalizar este processo, pois
indica que inevitavelmente isso irá ocorrer, se não agora, depois.
Esta não é uma fala consciente da professora, e sim a reprodução de um
discurso que circula no espaço social da escola, possivelmente sendo a razão
pela qual estes acontecimentos dentro de escolas públicas já não assustem, nem
surpreendam, os discursos têm naturalizado tais ações. Daí a importância desta
pesquisa, no sentido de que os resultados aqui apontados venham a questionar
tais discursos, de modo a cumprir o propósito da ACD, qual seja, promover a
transformação social por meio da própria linguagem.
A segunda situação em que o processo mental ‘saber’ aparece na fala de
Pedrina se refere ao conhecimento de que a substância química ‘compromete
muito o ensino e aprendizado’ destes alunos. Mais uma razão pela qual se torna
imprescindível a presença do projeto na escola, pois uma situação como esta,
que afeta diretamente o propósito maior de uma instituição, deve e precisa ser
combatida.
Aqui percebemos também que tanto os alunos ativos do projeto quanto
aqueles que são os alvos da ação do mesmo reconhecem sua necessidade e
importância. No entanto, por meio desta análise, percebemos que isso não se
dá na mesma intensidade, enquanto Paulo, por exemplo, demonstra claramente
seu envolvimento, os outros tentam se esquivar por meio de escolhas lexicais
que não os comprometam tanto. A exemplo, temos o uso constante do pronome
“eles”, como que para dizer que não fazem parte daquilo que estão afirmando.
Já a fala da professora Pedrina está imbuída de pronomes que nos
remetem a um coletivo como em ‘a gente’ e ‘nós’, o que revela a consciência de
que este deve ser um trabalho de todos os professores e agentes da comunidade
118
escolar, ela por si só não dá conta dos objetivos inerentes ao projeto. Fato este
que nos lembra que o presente trabalho não tem a pretensão de servir como
elemento miraculoso que solucionará as dificuldades no contexto do projeto,
nosso objetivo é contribuir apontando uma possível ferramenta para ser utilizada
nas aulas de inglês, de modo a auxiliar no alcance do propósito maior desta
ação.
5.5 As Categorias de Modalidade e a Avaliação
Fairclough (2003a) ressalta que, assim como por meio de estilos, a
identificação em materialidades textuais também ocorre por meio da
modalização – que se refere ao comprometimento do autor com aquilo que é
verdadeiro e/ou necessário- e pela avaliação – que se refere ao que é desejável
ou não, bom ou ruim, etc. Ainda de acordo com o autor, há diferentes tipos de
modalidades que estão associadas a diferentes trocas e funções da linguagem,
mas, resumidamente, existe a modalidade epistêmica que está inserida no
âmbito da troca de conhecimentos, e ressalta o compromisso do autor com a
verdade; e a modalidade deôntica que trata do compromisso com a obrigação,
necessidade e ações, e está presente em trocas de atividades, encontrada em
expressões como ‘é possível, ficaria bom’, etc.
Há ainda modalidade objetiva e subjetiva, a primeira ocorrendo quando a
base subjetiva do julgamento está implícita e na segunda opção não se sabe se
a afinidade expressa é do próprio falante. Fairclough (2003) nos aponta ainda
que a modalidade (ou modalização) ocorre por meio de verbos e advérbios
modais, processos mentais, alguns verbos de aparência (parece que), adjetivos
modalizadores e mesmo algumas expressões como ‘tipo’, etc.
Quanto à avaliação, Fairclough (2003a) diz que se refere ao que é
desejável ou não, seria um parecer sobre aquilo que se fala. A sua forma mais
obvia de realização seria por meio do processo relacional, como em ‘este livro é
bom’, mas pode ainda ocorrer em sentenças onde o próprio verbo seja o
elemento avaliativo como em ‘ele amarelou’, que seria o mesmo que ‘ele é
covarde’. Pode ser percebida ainda por meio de advérbios avaliativos e
exclamações.
119
Para o referido autor, enunciados avaliativos também aferem o grau de
importância, utilidade, e assim por diante. Quanto mais escusa uma avaliação,
mais discursivamente relativa se torna, posto que afira uma visão particular
relacionada a um discurso em particular. Assim, as categorias de modalidade
deôntica ou processo mental afetivo também podem ser formas de avaliação,
marcada subjetivamente, por exemplo, no processo mental afetivo ‘eu gosto de
música’, há implícita uma avaliação de que música é uma coisa boa. Em um
plano ainda mais profundo, há as presunções valorativas, que são aquelas
expressões que, aparentemente, não são avaliativas, mas estão presumidas,
não ditas, porém presentes. Dependerá então de alguns fatores, como a própria
proximidade
entre
interlocutores,
ou
mesmo
certa
familiaridade
com
determinados discursos para se perceber tais presunções.
Assim, o quadro a seguir serve ao propósito de evidenciar as aparições
da categoria de modalidade e a avaliação percebidas nos enunciados dos
entrevistados.
Quadro VI- Ocorrência das categorias modalidade e avaliação.
Categoria
Número de
Ocorrências
Fonte:
Modalidade Epistêmica
6
Modalidade Deôntica
4
Avaliação
26
Exemplos 4, 11,
16, 17 e 23.
Exemplos 14,
19, 21 e 22.
Exemplos 1, 3,
4, 9, 10, 11, 12,
15, 16, 17, 18,
19, 20, 21, 22,
24 e 25.
Por meio destes dados, percebemos então a massiva presença de
elementos da categoria avaliação nos enunciados avaliados, muito mais do que
modalização. Isso nos mostra que os sujeitos estavam constantemente emitindo
avaliações, implícitas ou explicitas, sobre os temas abordados, deixando clara a
subjetividade daquilo que diziam. As avaliações são, em sua maioria, positivas,
pois se referem à música e à necessidade de sua presença no ambiente escolar.
Os elementos avaliativos são em grade parte afirmações com processos mentais
afetivos, pois os alunos estavam constantemente retomando o fato de que
gostam muito de música e a querem por perto sempre que possível.
120
A categoria de avaliação é, por assim dizer, mais emotiva, pois expressa
o nível de tipo de relação estabelecida com determinado objeto. Considerando
que o tema abordado na atual pesquisa, qual seja a música, mantenha uma
conotação mais expressiva, ou seja, interfere em um plano mais emotivo na vida
dos adolescentes, por isso a presença constante de elementos avaliativos.
Ambas, modalidade e avaliação, nos permitem entender mais claramente então
como nossos jovens são afetados por este elementos simbólico, como será
discutido na seção que se segue.
5.6 Processos de identificação dos jovens e adolescentes do projeto
SUPERHAÇÃO: algumas reflexões
O caminho percorrido neste capítulo de análise nos faz compreender a
amplitude do papel que a música desempenha na vida de nossos jovens, por
meio de suas próprias narrativas, os elementos linguísticos dos seus enunciados
nos dão pistas de que, mesmo que não saibam expressar em palavras, ou de
forma mais categóricas, compreendem que são influenciados pelas canções que
ouvem. Alguns se preocupam em manter um relacionamento mais consciente
com esta forma de arte, enquanto outros preferem apenas ‘curtir’, sem se
importar muito em compreender os fenômenos envolvidos.
Os aspectos da Gramática Sistêmico-Funcional pautados na Metafunção
Ideacional (processos relacionais e mentais) nos foram de grande valia por conta
de seu caráter representativo, a realidade dos sujeitos desta pesquisa estava
representada em seus enunciados, e assim nos foi possível apreender os
sentidos daquilo que diziam por meio da conexão entre os aspectos linguísticos
e suas atividades sociais. Assim, por exemplo, podemos afirmar a forte influência
da música em inglês na vida dos alunos, já que os processos mentais e
relacionais encontrados nos mostraram isso, e, mais ainda, os dados coletados
que a cada momento reforçavam esta presença maciça em seus afazeres
cotidianos.
Corrobora ainda a perspectiva de Fairclough (2003a) sobre o significado
identificacional e o estilo que nos ajuda a compreender elementos da fala
juntamente com outros aspectos como modo de vestir, de andar e de falar, como
indícios de nossa posição perante o mundo, mostra a maneira como
enxergarmos a nós mesmos e os demais envolvidos. As categorias de
121
modalidade e avaliação são mais incisivas ainda ao deixar bem explícitos os
juízos de valores e os níveis de comprometimento dos falantes em relação àquilo
que se discute.
Estilos são realizados por meio de características linguísticas no nível
fonológico, no vocabulário e nas metáforas, razão pela qual a análise de
elementos como processos mentais e relacionais, advérbios e outras categorias
gramaticais nos apontam claramente o posicionamento dos sujeitos desta
pesquisa quanto ao papel da música em suas vidas. Podemos citar a grande
ocorrência de juízos de valor em forma de afirmação avaliativa nos enunciados
sobre as diversas facetas abordadas, mas principalmente, sobre seus
relacionamentos com a música em Língua Inglesa, que nos mostraram que a
mesma opera em um nível mais subjetivo e profundo de suas realidades, fator
que transparece em seus enunciados sob a forma de afirmações avaliativas
como ‘gosto’, ‘adoro’, ou com o uso de advérbios de intensidade, “muito”, etc.
Assim, além de confirmar algumas de nossas suspeitas, como a forte
presença da música em inglês na vida dos jovens, as análises aqui apresentadas
mostram-nos que os sujeitos investigados mantêm a característica de um sujeito
da modernidade líquida de Bauman (2001) e da pós-modernidade de Hall (2006),
com seus espaços comprimidos entre o local e o global, transitando neste local
de confluência de informações. Informações estas nem sempre “traduzidas”,
mas, ainda assim, parte essencial de sua constituição enquanto ser humano,
sendo as músicas um grande exemplo.
Assim, claramente, há uma relação muito íntima e aprofundada com as
músicas em LI, mesmo que inconsciente aos próprios sujeitos, é algo que fica
em evidência ao analisarmos seus enunciados. Mas, esta relação não é clara
aos indivíduos por diversas razões, sobressaindo-se o fato de que estes
vivenciam, como já dito, a chamada pós-modernidade (HALL, 2006) onde as
velhas estruturas que davam sustentação às identidades estão sendo
deslocados, deixando-os a mercê de suas escolhas em um mundo que se tornou
um supermercado cultural, no qual são confrontados por diferentes identidades
ligadas a diferentes estilos, lugares e imagens e que fazem apelo a diferentes
partes de sua constituição individual e, no qual, uma escolha parece viável.
Bauman (2001) reforça ainda que esta individualização se tornou marca
registrada da modernidade líquida, em que mesmo as mudanças sociais devem
122
ser empreitadas individuais, em um movimento de fora para dentro, buscandose no mundo exterior apenas modelos a serem imitados, pelo aperfeiçoamento
de suas características humanas.
Este fator nos lembra a fala de Castells (1999) sobre as identidades de
resistências, pois percebemos que há um elemento que impulsiona e unifica os
indivíduos desta geração, ou seja, este sujeito fragmentado precisa encontrar
alguma forma de se encaixar, e esta completude parece ter endereço certo para
acontecer. Guiados por um sentimento de ‘indefesos’, estarem unidos ao seu
próximo tornou-se fonte simbólica de processos significativos de uma nova
identidade, e tal conexão encontram por meio da música.
Se pensarmos na juventude dos dias atuais veremos que cada vez mais
são atraídos para eventos onde a música é o carro chefe, na maioria das vezes,
a música eletrônica porque passa imagem de felicidade, de distanciamento.
Nunca Djs foram tão festejados como agora, são venerados pelos seus poderes
de musicalidade, por saberem fazer músicas que despertem sensação de
distanciamento e de união ao mesmo tempo: distanciamento de um mundo
fragmentado e união com seus semelhantes. E isto, por um momento, representa
a felicidade. Assim, assistimos anualmente a ocorrência de eventos como o Rock
in Rio que une centenas de milhares de jovens das mais diversas partes do
mundo, mas que por um momento, parecem ser apenas um, unidos pelo mesmo
propósito, uma única identidade.
No entanto, não podemos esquecer o caráter socioconstrucionista (Moita
Lopes, 1996) das construções identitárias, pois as pessoas constroem
significados a partir da relação de troca com seus semelhantes, no contínuo
processo de tentativa de compreensão da vida a sua volta, sendo o discurso
mediador deste processo sóciointeracional. Desta forma, considera-se que a
crise estrutural da sociedade tem provocado mudanças desestabilizadoras,
especialmente, na vida daqueles que por natureza já estão passando por uma
fase de transição, como é o caso dos adolescentes. Dependendo de quem será
este “outro” nas relações sóciointeracionais, os resultados podem tender para
um lado não tão positivo. Isto porque o jovem está sempre sob constante pressão
por grupos, e pela sociedade em geral, para se encaixarem em um perfil
desejado, principalmente no que tange ao contexto consumista, para que se
tenha um corpo perfeito, use produtos da moda, sejam descolados, etc.
123
E este conflito entre a rigidez de um ideal exigente e o desejo individual
de uma identidade própria acaba gerando desajustes que levam à exclusão
social, ou mesmo a autoexclusão, e está diretamente relacionado a fatores
agravantes como depressão, distúrbios alimentares e busca por elementos mais
nocivos à saúde como é o caso do uso de substâncias químicas. Este último
pode ser resultado de vários fatores, desde uma maneira de se rebelar contra
este sistema, como também uma forma de se encaixar nos moldes e ditames,
provando ser ‘descolado’ o suficiente para fazer tal. Esta é uma realidade latente,
como bem nos foi informado por nossos sujeitos de pesquisa, todos foram
levados a este caminho por influências de um grupo, sempre na tentativa de
encontrar para si um espaço, uma identidade.
Como já asseverado, a escola então receberá o reflexo de todas estas
mudanças e se torna simplesmente impossível fingir que não afeta a própria
razão de ser de tal instituição, e pior ainda, seria a tentativa de manter em
funcionamento um modelo que já não atenda ao padrão estabelecido da atual
sociedade. Os preceitos da identidade de resistência e identidade de projeto
poderão ser amplamente identificados e trabalhados dentro da sala de aula a
partir do momento que a comunidade escolar assumir para si o desejo de auxiliar
na transformação social, possibilitando ações que auxiliem no processo de
formação identitária dos seus alunos, levando em consideração também a
realidade por estes vivenciadas além dos portões da escola.
Muito mais do que conteúdos e avaliações para validarem o seu
desempenho, a escola deveria servir para alcançar resultados que efetivamente
trarão frutos a longo prazo. Não se forma meio cidadão, mas é isto que se tenta
fazer quando são redobrados esforços na cobrança de conhecimentos
decorados e bom comportamento em sala, mas são ignorados os fatores sociais
que podem estar provocando o baixo rendimento dos estudantes. Aplicar
castigos àquilo que é consequência e não a causa de um problema, não o
resolve, pelo contrário, pode contribuir no agravamento da situação.
Neste sentido, o projeto SUPERHAÇÃO tem assumido a missão de tentar
minimizar um dos agravantes sociais que têm adentrado os portões escolares,
que é o caso do uso de substâncias químicas. É uma tentativa de despertamento
da comunidade escolar e, em geral, para a necessidade de se empreender ações
que visem à transformação desta realidade. E esta pesquisa traz sua
124
contribuição no sentido que se preocupa em oferecer um possível caminho para
se chegar a um resultado positivo por meio de ações com a música em aulas de
Língua Inglesa.
Como bem vimos no decorrer do percurso teórico, reside aí o caráter
crítico, inovador e transformacional da ACD, que não nega o poder dos discursos
em estabelecer e manter relações opressoras, mas que também vislumbra uma
possibilidade de transformação por meio dos mesmos. Assim, as análises que
aqui constam, muito mais do que evidenciarem a realidade sobre os alunos do
projeto e suas relações com a música, apontam possibilidades de mudanças a
serem debatidas e refletidas no próprio contexto do projeto e da escola.
Como já explicitado, a música como instrumento de aprendizagem nas
aulas de inglês já é um fator bastante explorado em pesquisa, por isso nossa
opção em abordar aqui o caráter mais emotivo e reflexivo desta, ao considerar
que nosso interesse refere-se ao processo de identificação dos adolescentes.
Assim como apontado nos estudos de Engh (2012), Tim Murphey (1990),
Brown (1977), Oxford (1990) e outros que tratam da eficiência da música na
aprendizagem da Língua Inglesa, as análises dos enunciados dos sujeitos da
pesquisa nos mostraram exatamente esta possibilidade de aquisição de material
linguístico, pois os alunos deixaram claro que, com o tempo, acabam
aprendendo as letras das músicas, e também se dispõem a ir em busca de seus
significados quando os mesmos não estão claros. E esta relação é tão forte que
os alunos não esquecem aquelas aulas em que os professores usaram tal
instrumento como recurso metodológico.
Neste sentido, os entrevistados mostraram nitidamente o desejo de que a
música em inglês se faça presente nas aulas de inglês, mas não de qualquer
forma, as canções escolhidas devem servir ao objetivo de mostrar alguns
modelos de ações, algumas formas de pensar e agir que promovam a mudança.
A escola então serve ao propósito de apresentar a este aluno as possíveis
ferramentas para o enfrentamento de suas realidades opressoras, cabe então
aos mesmos, a partir daí, empenharem-se na constante luta pela transformação
em todas suas facetas.
Os dados nos apontam que, música por música, os alunos ouvem em
casa ou em outros ambientes sociais, na escola, ela deve estar presente sob o
emblema do engajamento social, servindo a um propósito que por si só, talvez
125
não venha a ser efetivado. Isso nos remete diretamente ao papel do professor
como condutor deste processo, como é bem sabido, ninguém tem o poder de
emancipar a outrem, mas por meio de ações como estas, todos podem contribuir
para que a emancipação se efetive.
Como bem nos asseveram Maheirie ( 2003) e Vygotsky (1930/1990), a
música trabalha com a emoção, e esta por sua vez está estruturada em um
sistema de relações imaginárias, no entanto, tudo o que acontece neste espaço
refletirá na realidade, pois tem o poder de influenciar as percepções deste sujeito
sobre sua realidade. Daí a importância e o papel da música na formação da
identidade de nossos jovens, o sentimento desperto por determinada música
engloba fatos de uma realidade vivenciada e elementos de uma projeção
imaginária desta realidade, já transformados.
Por esta razão, como aponta Vygotsky (1930/1990), se alguém está triste
e ouve uma música triste, todo o mundo a sua volta passa a estar imbuído deste
sentimento, por isso a música serve a diferentes propósitos na vida do ser
humano. Assim, objetos criados na fantasia podem passar por um processo de
objetivação e transformar a realidade, fechando o círculo do processo de criação
humana. Se uma música for trabalhada em sala sob um viés transformacional e
de possibilidades reais de mudança, toda vez que este aluno ouvir esta música,
este tipo de sentimento será despertado, e possibilitará a efetivação da
mudança.
Desta forma, ter conhecimento destas preferências musicais dos alunos
é compreender como estes enxergam o mundo a sua volta e também como se
posicionam neste mundo. Como nos asseverou Fairclough (2003), foi por meio
dos estilos, ou seja, das escolhas linguísticas dos sujeitos entrevistados, que
pudemos compreender então que, apesar de estarem mais afetivamente ligados
a estilos dançantes e envolventes, estes sujeitos acreditam que para fins mais
reflexivos e críticos faz-se necessário tipos específicos de letras, ou estilos, que
propiciem estas ações, como é o caso do Rap que foi mais citado nas
entrevistas.
Estas
constatações
serão
considerações finais no capítulo que se segue.
amplamente
discutidas
nas
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa foi idealizada a partir de algumas inquietações de
que a música poderia vir a ser uma poderosa ferramenta em sala de aula.
Sempre me intrigara a maneira como uma canção, mesmo sendo em outra
língua, possuía o poder de transformar ideias, influenciar o comportamento e
despertar o interesse de meus alunos, desde os mais jovens até os de idade
mais avançada.
Por conta de minha aproximação com a Língua Inglesa, pude perceber
bem de perto essa realidade nas aulas em que ministrei a referida disciplina,
sempre que entrava em debate a temática musical o interesse dos alunos
simplesmente triplicava e eu me via cercada de perguntas sobre referidas
palavras, expressões, nomes de bandas e afins. Por esta razão, sempre procurei
fazer atividade com canções nas aulas de inglês, mas chegou um momento em
que me questionei se poderia ir além, se algo a mais poderia ser feito por esses
alunos por meio do uso de um elemento de constante presença em suas vidas.
Assim, quando aprovada no mestrado, comecei a frequentar as aulas de
minha orientadora e passei a conhecer os preceitos da Análise Crítica do
Discurso, defendida por Fairclough, que apregoa exatamente a transformação
social por meio da linguagem, e que incentiva o desmascaramento de ideologias
opressivas que se escondem sob discursos aparentemente neutros e naturais.
Esses
ideais,
aliados
ao
pensamento
de
Bhaskar
(1975)
de
que
autoemancipação é algo possibilitado pela agência de outros seres humanos, e
no de Paulo Freire (1970) de que transformar a realidade é tarefa do homem,
fizeram-me compreender que poderia buscar uma maneira de aliar estes
conhecimentos e o gosto musical dos alunos para inserir ações de viés
transformacional no próprio cotidiano escolar. No entanto, para que tal se
efetivasse, primeiramente era preciso compreender como exatamente esse
elemento, a música, influencia os processos de identificação dos jovens e
adolescentes, assim a justificativa para esta pesquisa.
Sabemos que o acesso à educação figura-se como um dos direitos
essenciais e indispensáveis à formação de qualquer cidadão. E, enquanto
127
espaço propiciador do cumprimento de tal premissa, a escola se torna o
ambiente onde se refletirá a forma de organização de determinada sociedade,
em que serão evidenciados os seus aspectos positivos e também serão
ressaltadas as mazelas sociais existentes em dado contexto.
Considerando as recentes discussões em torno da necessidade de uma
ação pedagógica que aborde as problemáticas sociais, entende-se que, para
obter ensino de qualidade e que vise um resultado efetivo de transformação, é
preciso levar em consideração todas as facetas constitutivas da vida do indivíduo
em sociedade. Sendo assim, para além de lidar com aspectos pedagógicos, a
escola precisa estar preparada para enfrentar toda sorte de problemas sociais
que possam aflorar no cotidiano escolar.
Isto se torna possível a partir do momento em que se estabeleça uma
ação colaborativa entre professores, alunos, colaboradores e a comunidade em
geral. Assim, partindo de um contexto mais amplo, chega-se à compreensão de
que cada professor precisa, também, buscar dentro de sua área de atuação,
ferramentas que possam fomentar discussões e indicar estratégias de ação para
se lidar com situações adversas.
Neste sentido, por meio dos pressupostos da Análise Crítica do Discurso,
esta pesquisa debruçou-se, especificamente, sobre as perspectivas do ensino
de LI mediante o uso de músicas dentro do contexto do Projeto SUPERHAÇÃO,
que visa à prevenção do uso indevido de drogas na escola onde se realizou a
pesquisa.
Para
melhor
visualização
do
caminho
percorrido,
serão
recontextualizadas agora as minhas perguntas de pesquisa e os resultados
encontrados:
(1) Existe ou não preferência por parte dos alunos pela música em língua
inglesa? Qual o gênero musical escolhido e qual o entendimento destes acerca
do significado dos itens lexicais apresentados nas canções?
Tanto as respostas dos questionários aplicados, quanto das entrevistas,
confirmaram a forte influência da música na vida dos jovens e adolescentes,
independente do perfil comportamental que apresentem. Ou seja, como esta
pesquisa procurava, também, descobrir se para os adolescentes envolvidos com
uso de substâncias ilícitas a música representava o mesmo que para aqueles
que não estavam inseridos neste contexto, chegamos à conclusão que a
128
resposta só pode ser positiva. Os processos relacionais que atribuem à música
papéis essenciais, os processos mentais e afirmações valorativas que
expressam sentimentos positivos, juntamente com o intenso uso de advérbios
avaliativos, são utilizados igualmente e se fazem presente na fala de ambos os
sujeitos da pesquisa, (envolvidos e não envolvidos com uso de drogas).
Quanto à opção pela música em inglês, a reposta é negativa, pois os
jovens mostraram que há um equilíbrio em suas preferências, mas que a música
nacional e a estrangeira exercem funções diferentes em suas vidas, estando esta
última mais ligada à esfera da emoção, da expressão de sentimentos, da beleza
estética; enquanto que a nacional está mais no nível da compreensão
consciente, pelo fato de ser possível entender de imediato o que está sendo dito.
Assim, a escolha entre uma e outra depende do estado de ânimo do ouvinte,
confirmando a premissa de Alan Merrian (1964) de que a música exerce
diferentes funções na vida das pessoas.
No entanto, como mostraram dados da entrevista, mesmo aqueles que
optaram em afirmar que gostam mais de músicas nacionais, demonstram uma
profunda relação afetiva com a música em inglês, pois, suas música e bandas
prediletas são, em sua maioria, de origem norte-americana. Aliás, dados
colhidos pelo questionário apontaram que, em se tratando de músicas
estrangeiras, o idioma mais ouvido é o inglês.
O pop e o eletrônico são os dois estilos favoritos dos jovens e
adolescentes que, conforme explicitado no capítulo de análise, justifica-se pelo
tom impessoal e pela linguagem simplificada e repetitiva presentes nestes tipos
de canções, que levam a uma identificação afetiva por parte dos ouvintes e
provoca uma proximidade entre pessoas de diferentes backgrounds. Além, é
claro, da experiência sonora, que foi apontada como o fator que motiva, ou não,
a busca pelos significados das letras.
E, com o aumento desta proximidade com as músicas em LI, percebemos
que maior tem sido o input que os jovens têm recebido, com resultados em seus
conhecimentos linguísticos do idioma. Como mostraram os dados, uma boa
parcela dos entrevistados consegue entender quase que metade das letras, sem
precisarem de auxílio. Essa é uma realidade que reforça o caráter movediço da
pós-modernidade, onde elementos de caráter global são ressignificadas nos
processos identitários locais, ganhando força expressiva na vida dos jovens e
129
adolescentes, não mais como um fator externo, mas como parte essencial da
construção da imagem que eles têm de si mesmos e das pessoas a sua volta.
(2) Os professores de LI propõem utilizar o gênero musical na escola?
Durante a coleta dos dados, ficou clara a forte relação dos adolescentes
com as canções em inglês, e mais ainda o desejo de que esta esteja presente
nas aulas de LI. Este foi um resultado claramente apontado, como mostra o
gráfico VII na página 100, bem como as repostas dos alunos entrevistados que
demonstraram a eficácia de se utilizar tal ferramenta em sala de aula. Ela é
apontada como possibilidade de despertamento do interesse dos alunos, como
uma maneira de consolidar os conteúdos apresentados como uma forma de
‘animar’ a turma, e assim por diante. Além do mais, fica em evidência o poder de
fixação de quando o conteúdo é trabalhado por meio da música, pois os alunos
foram capazes de dizer especificamente quando o professor utilizou tal
metodologia em sala.
Os professores de LI podem utilizar a disposição dos alunos para
trabalharem o gênero musical como aliado no processo de aprendizagem, no
entanto, como aponta o gráfico VI da página 99, isso não tem ocorrido. Os
professores parecem não estar conscientes dos resultados positivos que
poderiam ser obtidos, tanto no nível de aquisição linguística quanto para se
empreender ações mais reflexivas, que poderiam acarretar em mudanças e
transformações sociais.
(3) A música em inglês suscita algum tipo de debate, ou reflexões, que
objetivem um posicionamento crítico e de transformação por parte dos alunos?
De acordo com os enunciados da professora Pedrina e dos alunos
entrevistados é possível trabalhar com músicas em inglês na sala de aula para
fins de debates e discussões sobre algumas temáticas sociais, dentre elas, o uso
de drogas. Mas, tais respostas apresentam suas ressalvas, não é qualquer
música que deve ser levada para sala de aula. Para a professora, deve haver
um criterioso trabalho de seleção, de modo que a música escolhida, além de
figurar no repertório dos alunos, também ofereça elementos que sirvam ao
propósito de reflexão e análise crítica.
Ficou evidenciado, na fala dos alunos, que a música precisa ser marcante,
realista e incentivadora. Os entrevistados até mesmo estabelecem paralelos
comparativos com casos da vida real, onde a música foi aliada na superação de
130
algum obstáculo. Um deles, Jonas, aponta-a como substituta da função da
disciplina de Ensino Religioso que, de acordo com mesmo, servia para discussão
dos acontecimentos da realidade, auxiliando-os nas tomadas de decisões e
enfrentamento das adversidades.
A categoria de avaliação, os processos relacionais e os processos
existenciais são elementos que me permitiram perceber que, neste contexto, os
sujeitos da pesquisa estão conscientes de que devam ser levadas em
consideração músicas que estejam atreladas mais à função reflexiva do que ao
divertimento, por exemplo. E mais, estão atentos às escolhas dos professores,
de modo a perceber se eles colocam isso em prática.
(4) Qual a percepção dos alunos em se ter um projeto na escola que
trabalhe com a prevenção do uso de drogas?
O uso de processos mentais e, principalmente, a modalidade deôntica e
a avaliação nos apontaram exatamente a relação dos alunos com o projeto
SUPERHAÇÃO. A maioria apresentou em suas respostas expressões do tipo ‘é
necessário’, ‘é bom’, ‘é interessante’, ‘eu acho’, ‘eu creio’, demonstrando certa
afinidade e concordância com os objetivos do projeto e em reconhecimento de
sua importância no contexto da escola.
Porém, por meio das escolhas lexicais, eles procuravam não se inserirem
no contexto daqueles que precisariam das ações ofertadas pelo projeto, por meio
do uso do pronome pessoal ‘eles’, ou dos substantivos comuns ‘os alunos’, ‘os
jovens’, para indicar as pessoas que necessitam de auxílio deste tipo. Assim,
eles generalizavam e não se encaixavam no perfil descrito, tentavam se afastar,
ou encobrir suas próprias carências.
Este fato me mostra o quão difícil é lidar com questões que afetam
diretamente a identificação dos adolescentes, especialmente, a imagem que eles
têm de si mesmos. Daí a importância de se utilizar elementos, como a música,
que permitam essa aproximação, para que ações de cunho transformacionais
venham a ser instauradas.
(5) Quais elementos do significado identificacional estão presentes nos
enunciados dos jovens e adolescentes envolvidos com a música em língua
inglesa?
A modalidade epistêmica, que trata do compromisso com a verdade, se
fez presente nos enunciados dos entrevistados principalmente por meio dos
131
processos mentais ‘penso’, ‘acho’ e ‘acredito’; e a modalidade deôntica, que trata
do compromisso com a obrigação/necessidade, apareceu mais nas respostas às
perguntas sobre a importância do projeto e sobre a possibilidade de uso da
música em sala, através de expressões como ‘é possível’, ‘seria bom’, etc.
Quanto à avaliação, houve um uso expressivo, principalmente, por meio
dos processos relacionais, pois, os sujeitos estavam constantemente atribuindo
avaliações à música e seu papel. Mas, ela aparece também nos advérbios e nos
processos mentais afetivos, já que, durante todo o processo, os pesquisados
emitiam avaliações explícitas e implícitas quanto ao caráter da música, à ação
dos professores, ao projeto e as suas próprias relações com a música e a escola,
e assim por diante.
As escolhas lexicais dos sujeitos de pesquisa, somadas aos elementos do
nível fonológico e da linguagem corporal, por mim percebidos no ato da
entrevista, transparece o ‘estilo’ destes alunos, que por sua vez deixam claras
suas identificações, ou seja, a identidade social e a personalidade de cada um.
Dentre os alunos identificados como envolvidos com o uso de drogas, apenas
Jonas se encaixava no perfil difundido na sociedade do dito ‘malandro’; usava
boné, muitas correntes, shorts rasgados, tinha uma postura largada,
descompromissada. Atitudes estas contrariadas em suas falas, pois mostrou-se
muito consciente da seriedade da temática debatida.
Os
demais
entrevistados
apresentavam
ao
menos
uma
das
características descritas em Jonas, e, em comum, todos usando linguajar cheio
de gírias e postura de alguém que não se importa muito, fato também contrariado
no decorrer das conversas. Pedro, ao contrário, apresentava indumentária mais
próxima ao padronizado como ‘socialmente aceito’, e a utilização de uma
variação linguística que se aproximava mais da padrão. A professora Pedrina se
encaixava no perfil de ‘professor’, roupas sóbrias, postura séria e uso da
variedade padrão, mas sua escolha lexical mostrou muita proximidade com a
realidade destes alunos, configurando assim sua personificação de uma
‘professora diferente’.
Posso dizer então que essas características apontam uma maneira de
identificação entre o público adolescente masculino entrevistado, que por sua
vez está atrelada a uma condição social não tão privilegiada. O mesmo não pode
ser dito de Pedro, que, mesmo sendo aluno de escola pública, parece vir de uma
132
realidade social diferente, mas que lida com a mesma problemática em seu
contexto.
(6) Qual tem sido o papel da música nos processos de identificação dos
alunos?
Chego agora à pergunta que estruturou esta pesquisa, afinal, qual o papel
que a música tem desempenhado na vida destes adolescentes? A análise, aqui
estruturada nos preceitos da ACD e da Gramática Sistêmico-Funcional, ajudoume a confirmar a hipótese de que a música em inglês está muito presente na
vida dos jovens e adolescentes e que tem influenciado em seus processos de
identificação.
Como bem asseverado pelos autores que apresentam as características
do sujeito da pós-modernidade, percebo essas características nos indivíduos
que participaram desta pesquisa, pois em mais de uma ocasião deixaram clara
essa busca por identificação que não existe mais em estruturas fixas e
modelares (Bauman 2001). A individualidade também foi ressaltada neste
processo, pois, a todo o momento, eles se colocaram como autores e
responsáveis por aquilo que diziam, vendo a si mesmos como determinadores
de seus destinos.
E, a partir da constatação de que a realidade é um espaço fragmentado e
conflituoso, a música se torna o espaço idealizado como refúgio, como proteção,
como uma forma de se ‘encontrar’. A música faz uma ponte entre o mundo real
e o imaginário, servindo ao propósito de assimilação e ressignificação desta
realidade. Dependendo do que aconteça no mundo real, o jovem opta por ouvir
um determinado tipo de música, e, neste interim, os elementos musicais agem
sobre sua percepção reflexiva, fazendo com que ele aplique em sua vida as
conclusões aí alcançadas, como bem explicara Vygotsky (19930/1990). Além do
mais, o fator linguístico não interfere em nada neste processo de identificação,
porque, como já dito, as relações dessa geração com a música em inglês são
muito mais consciente do que se imagina, já se tornou elemento de uma
identidade ao mesmo tempo local e global, característica da pós-modernidade.
Percebo ainda que as preferências dos alunos por estilos mais dançantes
e envolventes é uma tentativa de fuga dessa realidade, pois, eles mesmos
apontaram que, para situações mais reflexivas, outros tipos devem ser
escolhidos. Por isso a presença de músicas pop ou eletrônica em seus encontros
133
juvenis, é uma tentativa de se sentir conectado aos demais, livres de
pensamentos e ações mais sérios.
Há algum tempo atrás, era moda entre jovens e adolescentes o uso de
um diário como confidente e amigo, havia diálogos sobre suas percepções sobre
a vida, seus medos, e seus mais íntimos anseios e sonhos eram compartilhados.
Hoje, posso dizer que a música assumiu esse papel, mas de uma forma
diferenciada, são diários já escritos, e os jovens simplesmente ‘leem’ e escolhem
com qual deles sua visão de mundo dialoga. Esta seria uma escolha íntima e
pessoal, mas que apresenta seu caráter mais social quando compartilhada com
os demais. Sempre percebi que os jovens amam quando descobrem outros que
compartilham o mesmo gosto musical, sendo um indicativo da possibilidade de
estabelecer laços afetivos.
Como asseverado pelos preceitos da ACD, o discurso, portanto, não só
representa o mundo como ele é visto, mas é também projetivo, imaginário,
representando possíveis mundos que são diferentes do atual, e entrelaçados a
projetos de transformações que tomam direções particulares. Assim, como
percebi a presença de discursos que mascaram e ‘naturalizam’ certas situações,
como o caso da fala da professora que dá a ideia de que é inevitável a relação
destes alunos com o uso de substância química por conta de seu contexto
histórico e social, percebi também um desejo de mudança nos enunciados dos
sujeitos ao se posicionarem favoravelmente à presença do projeto e ao uso da
música como ferramenta em sala.
Desta forma, em um contexto do projeto SUPERHAÇÃO é imprescindível
o uso da música como abordagem metodológica para se trabalhar a prevenção
do uso de drogas, pois este pode ser um espaço de debates reflexivos que
venham a atingir aspectos mais profundos do caráter humano de cada sujeito,
agindo diretamente em elementos de seus processos de identificação.
Como asseverado, a linguagem é um espaço que propicia a manutenção
do poder, mas é também o espaço onde ações transformacionais devem ser
instauradas, pois o discurso é constituído pela realidade, mas também pode ser
constituinte desta, razão pela qual este exemplo de semiose, que é a música,
representa uma possibilidade de mudança na vida destes jovens envolvidos com
tantas problemáticas sociais, e, em específico, o uso de substâncias químicas.
134
Para finalizar, esclareço as limitações de minha pesquisa. Primeiramente,
devido ao pouco espaço e tempo, não será possível, por exemplo, delinear ainda
no presente trabalho quais seriam então as estratégias que poderiam ser usadas
nas aulas de LI, a partir das constatações desta relação dos alunos com a
música.
Infelizmente, por conta do tempo, não foi possível aplicar uma aula de LI
no contexto do projeto, como havia pensado no início, para que houvesse dados
que me permitisse estabelecer um paralelo entre os resultados obtidos na
entrevista e a postura dos alunos no decorrer de uma aula com uso de músicas.
Ressalto ainda a impossibilidade de ter aplicado o questionário a todos os
alunos da escola por conta da dificuldade em se convencer todos os professores
a cederem alguns minutos de sua aula para que esse trabalho fosse feito. Além
do mais, as pessoas responsáveis pela coordenação de cada turno não são as
mesmas, assim, o que ficava acordado com um não se estendia aos demais.
Não coube aqui também a análise de partes de uma entrevista realizada
com a coordenadora do projeto que ofereceu dados importantíssimos sobre o
envolvimento que as pessoas mantêm com o mesmo. Mas, justamente por seu
caráter mais específico, optei por analisar estes dados em outro espaço,
utilizando a abordagem da representação de atores sociais, que me serve mais
a esse propósito.
Finalizo, afirmando que já estou comprometida a oferecer um retorno à
escola, e ao projeto, de acordo com os resultados a que cheguei. Inclusive, já fui
procurada por duas professoras da escola, uma de inglês e a outra de espanhol,
para que auxiliasse na elaboração de um projeto com música para a feira de
ciências da escola. Além do mais, me comprometi em participar, ainda este ano,
de uma das formações do projeto e repassar aos professores as informações
levantadas e as possíveis ações que podem ser traçada. Participarei da
elaboração de um livro, proposto pela coordenadora do projeto, onde serão
reunidos trabalhos que indicam ações que possam auxiliar professores de todas
as áreas, no sentido de se trabalhar a temática das drogas, bem como lidar com
os alunos já envolvidos, por meio de metodologias em que a própria linguagem
propicie a instauração de ações crítico-reflexivas, que levem à autoemancipação
destes alunos, e professores também.
135
Esta pesquisa é, pois, o início de novos horizontes emancipatórios na
escola.
136
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ANEXOS
Anexo I- Questionário aplicado
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Anexo II- Roteiro das perguntas da entrevista
1- O que você sabe sobre o projeto SUPERHAÇÃO? Pra que serve?
2- Você participou de alguma ação do projeto?
3- E pra você é importante ter um projeto deste tipo na escola? Por quê?
4- Esses temas assim, drogas, violência, alcoolismo, eles são trabalhados na
sala de aula? Tem algum professor que traz isso, que discute com vocês na
aula?
5- E na disciplina de inglês, você já viu alguma vez algum professor
trabalhando? Não apena sobres drogas, qualquer tema de problema social.
6- Nas suas aulas de inglês tem uso de música? Os professores trabalham?
7- Você acha que seria interessante os professores de língua inglesa trabalhar
música em sala de aula?
8- O que é musica pra você, o que ela representa em sua vida? Como você se
sente quando ouve musica?
9- Qual seu estilo preferido?
10- Você prefere nacional ou estrangeira? Por quê?
11- Mas em se tratando de música estrangeira, qual idioma que você tem mais
contato?
12- Você entende as letras? Procura saber?
13- Você diria que o gosto musical , o estilo, define ou influencia a amizade?
14- Seria possível trabalhar, dentro da Língua Inglesa com música, envolvendo
essas temáticas? Como você acha que um professor poderia fazer, qual seria
uma estratégia interessante?
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