1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM – MESTRADO BETSEMENS BARBOSA DE SOUZA MARCELINO A MÚSICA E A SUA INFLUÊNCIA NA VIDA DE JOVENS E ADOLESCENTES ENVOLVIDOS NO PROJETO SUPERHAÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO Cuiabá- MT Outubro/ 2015 2 BETSEMENS BARBOSA DE SOUZA MARCELINO A MÚSICA E A SUA INFLUÊNCIA NA VIDA DE JOVENS E ADOLESCENTES ENVOLVIDOS NO PROJETO SUPERHAÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO Dissertação apresentada ao Programa de Pósgraduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de Concentração: Estudos Linguísticos Linha de Pesquisa: Paradigmas de Ensino de Línguas Orientadora: Profª Drª Solange Maria de Barros. Cuiabá- MT Outubro/ 2015 3 4 5 DEDICATÓRIA À minha família, o maior presente que Deus me deu. Ao meu pai, Moisés Azevedo de Souza, grande guerreiro, que em sua trajetória nunca poupou esforços para que eu alcançasse os sonhos e os objetivos traçados. À minha mãe, Luzineide Barboza de Sousa, mulher valorosa, que me ensinou os princípios da vida e me transmitiu os preceitos da sabedoria. Ao meu esposo, David Guizi Marcelino, por seu apoio e amor incondicional nos momentos de alegria e de tristeza também. Às minhas irmãs, Betina Barboza de Sousa e Bianca Barboza de Souza, partes de mim, que me completam com seu amor imensurável e inexplicável. 6 AGRADECIMENTOS Ao meu Deus criador, soberano e protetor, meu refúgio e socorro, que em nenhum momento me abandonou. À minha família, que nunca me abandonou e sempre foi meu porto seguro. À professora orientadora, Drª. Solange Maria de Barros, que assumiu o desafio de me conduzir no decorrer deste processo, sendo uma mão amiga em todos os momentos, incentivando e apoiando. Agradeço especialmente por ter acreditado em mim a ponto de me deixar livre na escolha de meus interesses de pesquisa, este será um exemplo de orientador no qual me espelharei no decorrer da minha carreira. Obrigada pela confiança e paciência, nada paga as lições de vida e o conhecimento adquirido. Ao Programa Pós-graduação em Estudos de Linguagem (MeEL), na pessoa da ex-coordenadora Drª. Divanize Carboniere, da atual coordenadora Profª. Drª. Claudia Graziano Paes de Barros. Aos funcionários do Programa pela atenção e bom atendimento em todos os momentos necessários. À minha banca, professora Dra. Veralucia Guimarães de Souza e professor Dr. Sergio Flores Pedroso, por aceitarem nos oferecer suas valiosíssimas contribuições para a efetiva conclusão de minha pesquisa. Seus apontamentos e orientações só vieram a somar, e melhorar o resultado final deste trabalho. À professora Delaide Colombo, coordenadora do projeto SUPERHAÇÃO pela disponibilidade, atenção e sempre pronta disposição em auxiliar com dados e mesmo conversas informais que em muitos momentos foram meu suporte. Mas, acima de tudo, pela belíssima missão humanitária que tem assumido no regaste a tantas vidas. À professora, alunos e direção da Escola Estadual Mário Spinelli pela colaboração no decorrer da pesquisa. Aos meus novos amigos, Terezinha, Rosangela, Márcio, Patrícia e Rochelle, tesouros encontrados nesta nova fase de minha vida. Os momentos compartilhados, o apoio, as risadas, as lágrimas, jamais serão esquecidos, estão gravados em letras especiais nas tábuas de meu coração. 7 À coordenação do Curso de Letras da UAB/UFMT, na pessoa da professora Doutora Maria de Jesus Patatas, pelo apoio e incentivo ofertados no decorrer do processo de mestrado. Em especial, à Mirma Barcelos de Albuquerque Tomaz, a quem palavras não seriam suficientes para expressar minha gratidão. 8 EPÍGRAFE “As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor. Aprendemos palavras para melhorar os olhos. Há muitas pessoas de visão perfeita que nada veem... O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido!” Rubem Alves 9 MARCELINO, Betsemens B. De Souza. A música e a sua influência na vida de jovens e adolescentes envolvidos no Projeto SUPERHAÇÃO: uma Análise Crítica do Discurso. Dissertação de Mestrado em Estudos de Linguagem. Orientadora: Solange Maria de Barros. Cuiabá, MT: Universidade Federal de Mato Grosso, 2015. RESUMO Esta dissertação apresenta o resultado de um estudo sobre a música e a sua influência na vida de jovens e adolescentes envolvidos no Projeto SUPERHAÇÃO que visa à prevenção do uso de drogas, e está em funcionamento na Escola Estadual Mário Spinelli, em Sorriso-Mato Grosso. A pesquisa buscou compreender o significado identificacional por meio das categorias de modalidade e avaliação presentes nos enunciados dos jovens e adolescentes em contexto de violências, alcoolismo e uso de drogas. A metodologia pautou-se numa pesquisa de cunho qualitativo e quantitativo, com a aplicação de questionário e realização de entrevistas. A fundamentação teórica baseia-se na perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ACD), defendida por Norman Fairclough (2001; 2003a), e na linguística sistêmica-funcional de Halliday (1994), que, sob a perspectiva identitária na pós- modernidade, discutida em Stuart Hall (2006), Manuel Castells (1999), Moita Lopes (2003) e Zygmunt Bauman (2001), serviram como suporte embasador às análises aqui efetuadas. Os resultados enaltecem a relevância do Projeto SUPERHAÇÃO para os adolescentes, e evidenciam uma grande conexão entre estes e a música. Tais resultados mostram ainda que a música em língua inglesa tem assumido espaço cada vez mais significativo em suas vidas, o que justifica a evidente relação afetiva e a forte vontade de que a mesma esteja presente nas aulas de inglês. Assim, numa visão crítica e emancipatória1, a prática musical na vida dos jovens e adolescentes se torna uma ferramenta para se trabalhar a prevenção do uso de drogas, pois pode ser um espaço de debates reflexivos que atingem aspectos mais profundos do caráter humano de cada sujeito, agindo diretamente em elementos de sua identidade2, bem como é indicada como um mecanismo potencial de enfretamento das adversidades sociais. PALAVRA-CHAVES: Prática Musical; Análise Crítica do Discurso; Linguística Sistêmico-Funcional; Escola Pública; transformação social 1 Crítica por conta do caráter transformacional da ACD, que como define Fairclough ( 2001, p. 230), “é crítica, primeiramente, no sentido de que busca discernir conexões entre a língua e outros elementos da vida social que estão normalmente encobertos. (...)Em segundo lugar, ela é crítica no sentido de que está comprometida com mudanças sociais contínuas”. E emancipatória porque coaduna com os ideais de Bhaskar (1998) sobre libertação e autoemancipação, possibilitada pela ação dos agentes críticos, que interfere na raiz dos problemas sociais, provocando, assim, transformações sociais. 2 Quando fala em identidade, este trabalho refere-se à identificação, retomando a perspectiva de Fairclough (2003a), precursor dos ideais da Análise Crítica do Discurso (ACD), que opta pelo uso do termo “identificação”, por ser o que melhor define este processo, pois enfatiza a maneira como as pessoas identificam a si mesmas e como são identificadas pelos outros, discursivamente. 10 MARCELINO, Betsemens B. De Souza. Music and its influence in the life of youth and adolescents involved on the SUPERHAÇÃO Project: A Critical Discourse Analysis. Master Degree on Language Studies Dissertation. Mentor: Solange Maria de Barros. Cuiabá, MT: Federal University of Mato Grosso, 2015. ABSTRACT This dissertation presents the result of a study about music and its influence in the life of youth and adolescents who are involved on the SUPERHAÇÃO Project, which aims preventing drug use and has been running at the public school Mario Spinelli in Sorriso, Mato Grosso State. The research sought to comprehend the identificacional meaning through the modality and evaluation categories that are present in the statements of youth and adolescents within a context of violence, alcoholism and drug use. The methodology was based on a qualitative and quantitative nature of research and used the application of questionnaires and interviews. The theoretical framework is based on the perspective of Critical Discourse Analysis (CDA), defended by Norman Fairclough (2001, 2003a); and on the Systemic-Functional Linguistic from Halliday (1994), that, under an identity perspective in postmodernity, discussed in Stuart Hall (2006), Manuel Castells (1999), Moita Lopes (2003) and Zygmunt Bauman (2001), served to support the analysis made here. The results extol the importance of SUPERHAÇÃO Project to the adolescents and evidence a great connection between them and the music. The results also show that music in English has taken on increasingly significant place in their lives, which explains the obvious emotional relationship and students’ strong will that music be present in English class. Thus, in a critical and emancipatory view, the musical practice on youth and adolescents lives become a tool to work drug use prevention, for it may be a place for reflective discussions that reach deeper aspects of the human character of each individual, acting directly on elements of their identity, and is indicated as a potential mechanism to face social adversity. Keywords: Musical Practice; Critical Discourse Analysis; SystemicFunctional Linguistic; Public school; Social Transformation. 11 LISTA DE FIGURAS E DE QUADROS Figura 1 - Os tipos de processos de Halliday. 57 Figura 2 -Levantamento da quantidade de respostas obtidas em cada questão no questionário aplicado. 80 Quadro 1 - Os 5 passos do enquadre da análise em ACD. 68 Quadro 2 -Exemplificação da regra de 3 simples, utilizada no tratamento dos dados. -Exemplificação das respostas subjetivas obtidas nos questionários. -Resposta dos Questionários – “Sensações que a música provoca”. -Resposta dos Questionários – “Justificativa das escolhas musicais”. -Levantamento das ocorrências das categorias de modalidade e avaliação. 75 Quadro 3 Quadro 4 Quadro 5 Quadro 6 79 83 90 119 12 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Gráfico 2 Gráfico 3 Gráfico 4 Gráfico 5 Gráfico 6 Gráfico 7 Gráfico 8 - exemplificação. Respostas da pergunta “são feitas atividades com uso de música na disciplina de LI?”. - Resposta dos Questionários – “Quanto tempo por dia você ouve música?”. - Resposta dos Questionários – “Você prefere ouvir música nacional, estrangeira, ou ambas?”. - Resposta dos Questionários – “Em qual idioma estrangeiro você mais ouve músicas?”. - Resposta dos Questionários – “Quanto você entende das letras que ouve?”. - Resposta dos Questionários – “Qual seu estilo de música predileto?”. - Resposta dos Questionários – “São feitas atividades com uso de músicas nas aulas de inglês?”. - Resposta dos Questionários – “Você gostaria que as músicas fossem utilizadas nas aulas de inglês?”. 76 85 89 92 94 95 101 102 13 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................ 14 CAPÍTULO 1 .................................................................................................................................................................... 21 PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DE JOVENS E ADOLESCENTES .............................................. 21 1.1. Identidade: alguns conceitos ...................................................................................................................... 22 1.2. Deslocamento das identidades .................................................................................................................. 26 1.3. A identidade enquanto práticas discursivas ......................................................................................... 28 1.4. Identidades de jovens e adolescentes na pós-modernidade ........................................................ 33 CAPÍTULO 2 .................................................................................................................................................................... 37 A MÚSICA E OS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DE JOVENS E ADOLESCENTES 2.1. O papel da música na aprendizagem ..................................................................................................... 37 2.2. A música como ferramenta de aprendizagem de LI: pesquisas e resultados ....................... 42 2.3 A música e o processo de identificação de jovens e adolescentes ............................................ 44 CAPÍTULO 3 .................................................................................................................................................................... 52 APONTAMENTOS TEÓRICOS: LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL E ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO .............................................................................................................................................................. 52 3.1 A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday ..................................................................................... 52 3.2 A relação dialética da linguagem na perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ACD)... 58 3.3 A identidade sob o viés do significado identificacional e estilo de Fairclough ........................ 62 3.3.1. Modalidade e Avaliação ....................................................................................................................... 65 CAPÍTULO 4 .................................................................................................................................................................... 67 METODOLOGIA ............................................................................................................................................................. 67 4.1 ACD como método de pesquisa ................................................................................................................ 67 4.2 Do caráter qualitativo e quantitativo da pesquisa ............................................................................... 70 4.3 Do contexto da pesquisa: Projeto SUPERHAÇÃO ............................................................................ 72 4.4. Da coleta de dados ......................................................................................................................................... 75 4.4.1 Questionários ............................................................................................................................................. 75 4.4.2 Entrevistas .................................................................................................................................................. 76 4.5 Sujeitos da pesquisa ........................................................................................................................................ 77 4.6 Da análise dos dados ...................................................................................................................................... 78 CAPÍTULO 5 .................................................................................................................................................................... 82 ANÁLISE DOS DADOS............................................................................................................................................... 82 5.1 “O que a música representa em minha vida?” ..................................................................................... 83 5.1.1 “Nacional ou estrangeira?” ................................................................................................................... 88 5.1.2 “E as músicas em inglês?” ................................................................................................................... 91 5.2 A música na aula de inglês ......................................................................................................................... 100 5.3 “Músicas em inglês podem ser uma ferramenta de debates reflexivos e transformacionais” ........................................................................................................................................................................................ 107 5.4 “Importância do projeto SUPERHAÇÃO” ............................................................................................ 112 5.5 As Categorias de Modalidade e a Avaliação ...................................................................................... 118 5.6 Processos de identificação dos jovens e adolescentes do projeto SUPERHAÇÃO: algumas reflexões ..................................................................................................................................................................... 120 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................................................... 126 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................................... 136 ANEXOS .......................................................................................................................................................................... 143 14 INTRODUÇÃO Esta pesquisa surgiu a partir do interesse em conhecer a relação dos jovens e adolescentes com a música. Não que ela não esteja presente em outras etapas da vida, mas, nesta faixa etária, aparenta ser um elemento fundamental para os processos de identificação. Optei por investigar se a música em Língua Inglesa (doravante LI) exerce alguma influência na vida dos jovens e adolescentes, considerando que a mesma se faz muito presente no cotidiano destes indivíduos, em virtude dos próprios rumos do mundo globalizado em que vivemos. No meu trabalho de conclusão de curso, nível de graduação, investiguei a relação de alunos de escolas públicas estaduais com o ensino de língua inglesa, sendo esta uma área de investigação que sempre me despertou interesse. Que o inglês é uma ferramenta indispensável para a vida de qualquer cidadão é algo mais do que provado (LE BRETON, 2005; CRYSTAL, 1997; RAJAGOPALAN, 2010) e que os alunos de escola pública estão cientes da importância e da necessidade de se aprender esta língua, foi o resultado da minha pesquisa. No entanto, a atitude destes alunos em sala de aula frente à aprendizagem de LI não condiz com a ação de alguém interessado em aprender. Minha própria experiência como professora, no Ensino Fundamental, mostrou que não é tarefa fácil manter o interesse dos alunos no decorrer das aulas, devido a diversos fatores, como a própria formação dos professores que é frágil, conforme retomado em vários estudos do ramo (BARROS, 2005; COX & ASSISPETERSON, 2008; LEFFA, 2005; PAIVA, 2005). As inquietações me levaram à leitura de diversos textos em que são apresentadas possíveis razões para o desinteresse do aluno e algumas sugestões para o melhor aproveitamento das aulas. No entanto, algo que sempre me chamou a atenção, desde minha passagem no ensino fundamental e médio, foi a forte conexão que estes adolescentes mantinham com as músicas em inglês. Não importava o grupo ou “tribo” ao qual pertenciam, todos tinham um artista americano favorito representante do estilo que defendiam. Lembro-me claramente de colegas da 8ª série que tinham comportamento um tanto quanto 15 machista e rebelde, diziam-se roqueiros, vestindo-se e agindo a caráter e só usavam camisetas com fotos da cantora Avril Lavigne. Intrigava-me o fato de que, por mais que exibissem um estilo todo rebelde, as letras das músicas da referida artista, em sua grande maioria, falam de amor juvenil, de desejos e outros assuntos um tanto quanto femininos, portanto, cheguei à conclusão de que os colegas podiam não ter ideia do que diziam as letras das músicas que tanto curtiam. Atuando como professora na área de L I, pude perceber que a música era o assunto predileto dos alunos, eles queriam conversar e saber mais sobre seus artistas favoritos e os significados das canções que gostavam, e, nestes momentos, mesmo os alunos mais desinteressados participavam ativamente. Enquanto professora de um curso de letras percebi também o mesmo entusiasmo dos alunos com relação a atividades onde a música em inglês se fazia presente. Estas experiências, juntamente com minhas observações do meio em que vivo, levaram-me a perceber que em meio a crises pessoais e sociais, em grandes momentos históricos, nas conquistas empreendidas pelos homens, em celebrações, na vida cotidiana, a todo o momento e a qualquer instante, a música se faz presente na vida das pessoas como meio legítimo de expressão e compreensão do homem sobre si mesmo (MAHEIRIE, 2003). E, muito mais, as músicas em inglês estão sempre presentes, sejam nas emissoras de rádios, na TV, nas lojas, supermercados, a qualquer lugar que se vá é possível depararnos com um dos mais recentes hits de algum astro americano sendo tocado. Por esta razão, no contexto brasileiro, a música em LI exerce forte influência na vida das pessoas, principalmente nos mais jovens. Curiosamente, grande parte das vezes, os adolescentes parecem não fazer ideia do que esteja sendo dito em determinada música, mas isso não os impede de “curtirem” tais canções quase que 24 horas por dia. Eles as têm gravadas, acessam na internet, compartilham com os amigos e se reúnem para ouvi-las. Obviamente, este fato não tem passado despercebido aos olhos de professores e pesquisadores interessados no assunto, prova disto são pesquisas como a de Gobbi (2001), Carvalho, Andrade e Eustáquio (2013), Oxford (1990), Ferraz e Audi (2013), Lima e Basso (2009), Silva Pereira (2006), Lima (2008) e Souza (2014), todos da área de linguagem, que versam sobre as possibilidades e a 16 eficácia do uso de canções como instrumento para o processo de aprendizagem de LI. Majoritariamente, estas pesquisas tomam como base estudo de teóricos de mais destaque na área, tais como Tim Murphy (1992), Rebeca Oxford (1990) e Dwayne Engh (2012). Contudo, estes trabalhos estão focados nos aspectos cognitivos entre a música e o ensino de inglês, já sobre a influência da música nos processos de identificação de jovens e adolescentes encontramos mais na área de Psicologia Social e de Psicopedagogia. Maheirie (2003), Júlia Maria Hummes (2004), David Hargreaves (2005), Nogueira (2009), Felipe Figueras Dables (2012), Colle (2004) e Vilmar Pereira de Oliveira (2012) são pesquisadores que se baseiam principalmente nos escritos de Vygotsky (1990) e Allan Merriam (1964) para elaboração de pesquisas que visam compreender o papel da música nos processos de identificação, especialmente dos sujeitos do mundo globalizado. Como afirma Zygmund Bauman (2001), uma das características da sociedade pós- moderna é exatamente seu aspecto consumista, o desejo de posse. Pode-se dizer que a identidade dos jovens da modernidade está estritamente relacionada a uma sensação de empoderamento por meio do consumo, e podemos perceber isso quando os vemos “consumir” as músicas destes artistas com os quais eles têm contato nos filmes que assistem, nos videogames que jogam, que estão estampados nas roupas que usam, e assim por diante. Embora este comportamento possa ter lados positivos ou não, ser inocente ou intencional, não analisarei aqui esses aspectos, não é nossa intenção entrar nesse mérito, mas o que se pode afirmar é que, indubitavelmente, a língua inglesa é o carro chefe usado na comunicação de todos estes desejos e sentimentos. Ao se pensarmos nas formas de organização dos adolescentes na atualidade, percebemos que estes buscam identificações, refugiando-se sob a sombra de diversos elementos que possibilitam atribuir significação às suas realidades, e, dentre eles, destaca-se, fortemente, a música. Fato é, há muito tempo, que a música exerce um papel fundamental na vida de qualquer ser humano, como já afirmava o grande estudioso Vigotsky (1998, p.315), música é a “técnica social do sentimento, um instrumento da sociedade através do qual se incorpora ao ciclo da vida social os aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser”. 17 Quando iniciei meus estudos no Mestrado em Estudos de Linguagem da UFMT, em março de 2014, trazia comigo todas estas conjecturas sobre a relação dos jovens estudantes e a música, questionando-me sempre se haveria uma forma de utilizar este fenômeno como ferramenta nas aulas de LI. Em contato com a filosofia do realismo crítico, postulada por Roy Bhaskar, entendi que por trás de ações aparentemente normais e comuns, estão em funcionamento mecanismos que não são diretamente observáveis, mas que são compostos de elementos causais, de poderes e tendências, tornando-se, portanto, o espaço ideal de investigações. Com a abordagem da Análise Crítica do Discurso3 (ACD), defendida por Norman Fairclough (1985; 1993; 2001; 2003a), compreendi que a linguagem é atravessada por forças ideológicas, e que a luta pelo poder é operacionalizada no nível linguístico, o que parece contribuir para a perpetuação de discursos de dominação social, que permanecem ocultos em atendimento a interesses políticos. Compreendi também a relação dialética do discurso definido enquanto prática de representação (plano ideológico), mas também como um meio de ação (plano político) pelo qual transformações são estabelecidas. Como toda pesquisa que se paute nos pressupostos teóricos da ACD precisa estar comprometida com a transformação social, o ponto de partida em relação à perspectiva metodológica consiste em se debruçar sobre um problema social. Neste ínterim, tomei conhecimento de um projeto em funcionamento em uma escola de Sorriso que se tornaria o espaço ideal para o desenvolvimento desta pesquisa. Há quatro anos, um grupo de professores da Escola Estadual Mário Spinelli do município de Sorriso- MT, preocupado com os problemas sociais enfrentados no contexto escolar, implantou o Projeto SUPERHAÇÃO4, com o objetivo de se trabalhar a prevenção e a intervenção no uso de drogas através de trabalhos envolvendo toda a comunidade familiar e escolar, por meio de O termo discurso é usado abstratamente (como um substantivo abstrato) para o ‘domínio dos enunciados’, e concretamente como um substantivo contável (‘um discurso’, ‘vários discursos’) para grupos de enunciados ou para ‘prática regulada’ (as regras) que governa um determinado grupo de enunciados. Eu vejo o discurso com forma de representação de aspectos do mundoos processos, relações e estruturas do mundo material, o ‘mundo mental’ de pensamentos, sentimentos crenças e assim por diante, além do mundo social. (FAIRCLOUGH, 2003 a, p124) TRADUÇÃO DA AUTORA 4 RH: destaque da logomarca do projeto que remete ao uso de Recursos Humanos para salvar vidas. 3 18 ações como: formações, palestras, conversas em sala, atuação dos próprios alunos e, também, de cada professor dentro de sua área. O projeto tem como filosofia de funcionamento o aluno como alvo das ações, mas também como agente. Assim, há grupos de voluntários que trabalham dentro da escola auxiliando na disseminação das ideias do projeto e também na identificação e no relato de alunos, possivelmente, envolvidos com uso de substâncias químicas. Nesse sentido, surgiu a oportunidade de investigar como os jovens envolvidos neste projeto (tantos os agentes voluntários, quanto os usuários) se relacionariam com a música e com o projeto. Vale ressaltar que este estudo não busca a compreensão de estratégias cognitivas de memorização de vocabulários e regras gramaticais da LI. O meu interesse é compreender se a música exerce algum tipo de influência nos processos de identificação dos jovens e adolescentes envolvidos ou que estão próximos a pessoas inseridas em contexto de violências, alcoolismo, uso de drogas, dentre outros problemas sociais, voltando um olhar ontológico para os mecanismos em funcionamento na formação destes alunos enquanto sujeitos. Acredito que, somente a partir de então, baseado em resultados, será possível a indicação de estratégias significativas do ensino da LI que abarquem diretamente as questões emotivas envolvidas neste processo e indiquem mecanismos potenciais de enfretamento das adversidades sociais, numa visão crítica e emancipatória. Trata-se de uma pesquisa de cunho majoritariamente qualitativo, mas utilizei também a abordagem quantitativa como auxílio para análise dos dados. Foram aplicados questionários a 174 alunos e mais entrevistas semiestruturadas com a coordenadora do projeto, uma professora de LI, dois alunos agentes voluntários do projeto e cinco alunos relatados como tendo possível envolvimento com uso de substâncias ilícitas (drogas e afins). A pesquisa está alicerçada nos seguintes objetivos: Objetivo Geral: Investigar o papel que a música em Língua Inglesa exerce nos processos de identificação de jovens e adolescentes envolvidos no Projeto SUPERHAÇÃO em uma Escola Pública de Sorriso/MT, Objetivos específicos: 19 Averiguar se existe ou não preferência por parte dos alunos pela música em língua inglesa, qual o gênero musical escolhido e qual o entendimento destes acerca do significado dos itens lexicais apresentados nas canções; Identificar se os professores de Língua Inglesa propõem utilizar o gênero musical na escola; Pesquisar se a música em inglês suscita algum tipo de debate ou reflexões que objetivem um posicionamento crítico e de transformação por parte dos alunos; Apontar percepção dos alunos sobre a existência de um projeto na escola que trabalhe com a prevenção ao uso de drogas; Investigar os elementos do significado identificacional presentes nos enunciados dos jovens e adolescentes envolvidos com a música em língua inglesa; Constatar o papel da música nos processos de identificação dos alunos. A partir desses objetivos, inferiram-se as perguntas que balizaram este estudo, a saber: (1) Existe ou não preferência por parte dos alunos pela música em língua inglesa? Qual o gênero musical escolhido e qual o entendimento destes acerca do significado dos itens lexicais apresentados nas canções? (2) Os professores de Língua Inglesa propõe utilizar o gênero musical na escola? (3) A música em inglês suscita algum tipo de debate, ou reflexões, que objetivem um posicionamento crítico e de transformação por parte dos alunos? (4) Qual a percepção dos alunos sobre a existência de um projeto na escola que trabalhe com a prevenção ao uso de drogas? (5) Quais os elementos do significado identificacional presentes nos enunciados dos jovens e adolescentes envolvidos com a música em língua inglesa? (6) Qual é o papel da música nos processos de identificação dos alunos? O trabalho então está divido em cinco capítulos. No capítulo 1, serão apresentadas considerações sobre identidade, principalmente em um contexto de mundo globalizado, buscando contextualizar tais assertivas ao próprio espaço 20 escolar, no sentido de se compreender as características que dão sustento à vida dos sujeitos alvos da pesquisa. Destacam-se pesquisadores como Bauman (2001), Hall (2006), Moita Lopes (2003) e Castells (1999). No capítulo 2, são apresentados os elementos intrinsicamente relacionados à música, bem como seu papel enquanto fonte de expressão e como forma de linguagem reflexivo-afetiva. Pretendo evidenciar seu poder simbólico-afetivo no processo identitário, bem como a possibilidade de seu uso enquanto ferramenta de transformação social. Destacam-se autores como Gobbi (2001), Carvalho, Andrade e Eustáquio (2013), Oxford (1990), Ferraz e Audi (2013), Lima e Basso (2009), Silva Pereira (2006), Lima (2008), Souza (2014), Vygostsky (1930/1990), Maheirie (2003), Sartre (1965), Engh (2012), Candlin (1992), Dables (2012), Hargreaves (2005), Oliveira (2012) Mello (2001), Pelaez (2005), Colley (2008) e Machado (2012). No capítulo 3, são explanados os preceitos teóricos que embasam este trabalho, a começar com a Gramatica Sistêmico-Funcional de Halliday (1973), inserida no contexto de uma teoria funcionalista da linguagem. Também serão percorridas as assunções da ACD com Fairclough (2003a) e ainda autores como Resende e Ramalho (2006), Papa (2008) e Magalhães (2001), que dão suporte a esta linha teórica. Dentre as possibilidades de perspectiva analítica da ACD, nesta seção serão explanados os conceitos de significado identificacional, principalmente no que concerne ao estilo, porque diz respeito ao aspecto discursivo da identidade, atendendo diretamente ao propósito desta pesquisa. O capítulo 4 apresenta os procedimentos metodológicos que deram sustentação à coleta dos dados para este estudo, bem como a abordagem na lida com o corpus. Serão identificados os sujeitos de pesquisa, bem como o espaço do projeto em que estão inseridos. No capítulo 5, apresenta-se uma análise aprimorada dos dados oriundos das entrevistas e questionários aplicados. Mantém-se o foco nas evidenciações das categorias de modalidade e avaliação e nos elementos referentes ao significado identificacional advindos dos enunciados dos sujeitos da pesquisa. E, nas considerações finais, são apontadas possíveis utilizações dos resultados aqui demonstrados na construção de estratégias para o ensino de LI por meio de músicas, objetivando ações emancipatórias e transformacionais. 21 CAPÍTULO 1 PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DE JOVENS E ADOLESCENTES A globalização e seus efeitos sobre os modos de funcionamento da sociedade têm sido tema de destaque entre estudiosos das mais diversas áreas. Pensar nas grandes transformações econômicas e políticas significa pensar também nas transformações que o próprio homem tem atravessado. O processo de formação do sujeito em sua relação com os elementos desta nova realidade, portanto, passa a despertar grande interesse investigativo. Nesta perspectiva, no presente capítulo, serão apresentadas considerações acerca dos processos identitários de jovens e adolescentes. Na primeira seção, retratarei, primeiramente, a evolução histórica dos significados atribuídos ao termo identidade, tomando como base os estudos de Stuart Hall (2006); na segunda, serão abordados os contextos de deslocamento das identidades, ainda sob a visão de Hall, mas, também de Zygmunt Bauman (2001); na terceira, discutiremos o processo identitário sob o viés das teorias de Manuel Castells (1999) e Luiz Paulo da Moita Lopes (2003) em um contexto de globalização ou modernidade líquida (BAUMAN, 2001). Finalmente, na quarta e última seção, são tecidas algumas considerações a respeito do perfil deste adolescente pós-moderno, envolvido em um contexto da sociedade contemporânea, com suas características coercitivas e fluídas. Contudo, antes de nos determos, em específico, na discussão que aqui se propõe, é de extrema relevância nos remetermos à máxima de Paul Henry (1992) referente à circularidade da linguagem, pois, para este autor, “do humano, tudo aquilo que não é de ordem do psicológico, é social e reciprocamente” (HENRY, p.114, 1992). Esta citação nos vale no sentido de que, no presente trabalho, serão abordadas estas duas ordens: o social e o psicológico, ambas servindo como base de sustentação para a hipótese aqui discutida. Tal assertiva justifica-se pelo fato de estarmos investigando a música enquanto provável ferramenta didático-metodológica para enfrentamento de problemáticas sociais (ordem do social). Isso se tornará possível a partir das evidências de sua influência na vida dos sujeitos investigados, no caso os adolescentes, fato este 22 que requer que sejam considerados também os aspectos psicológicos, pois precisaremos de uma análise dos comportamentos deste público (ordem do psicológico), ou seja, o aspecto emotivo, para se chegar a um resultado. 1.1. Identidade: alguns conceitos Identidade, identidades, formação identitária, identificações. São todos termos comumente utilizados nos recentes trabalhos que tratam de compreender a formação humana e todas suas implicaturas. Diversos são os autores e estudiosos que se debruçam sobre o assunto (HALL, 2006; BAUMAN, 2001; MOITA LOPES, 2003; CASTELLS, 1999.), e cada qual opta por defini-lo em uma terminologia de acordo com suas convicções. Stuart Hall afirma que: As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como sujeito unificado. A assim chamada “crise da identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudanças, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas, abalando os quadros de referências que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2006, p 7 ). Hall argumenta que esta noção de um sujeito individual, e de sua identidade, nasceu juntamente com as transformações instauradas pela modernidade, sendo esta nova visão considerada como o motor que pôs em funcionamento o sistema social moderno. Não que antes deste período as pessoas não fossem indivíduos, mas essa individualidade era concebida e vivenciada de forma distinta. Engendrado no contexto histórico e social do início das transformações modernas, temos então o sujeito soberano do iluminismo, senhor da razão, centrado em si mesmo, unificado, contínuo, indivisível, autônomo e autossuficiente. O autor chama atenção para o fato de que as teorias clássicas e liberais do governo, baseadas em consentimentos individuais, não estavam dando conta das complexas relações que estavam sendo desenvolvidas na modernidade, já que se apresentavam sob um viés mais coletivo e social. Ali já se pensava que o sujeito não nasce com um núcleo interior autônomo e autossuficiente; sua 23 identidade seria formada a partir de suas relações com as pessoas que apresentassem papéis importantes em sua vida, bem como com as estruturas sustentadoras da modernidade. Ou seja, a identidade era tomada como um processo de “costura” entre o interior e o exterior, onde o sujeito se projetava no mundo e ao mesmo tempo internalizava os significados culturais da sociedade em que vivia, criando, aparentemente, uma identidade harmônica estabilizada. Neste sentido, Hall (2006) chama atenção para o fato de que, já nesta época, a vasta literatura produzida se preocupava em retratar a situação de indivíduos que viviam em estado de isolamento, mesmo tendo como pano de fundo de suas histórias o constante movimento das multidões ou metrópoles modernas, como no caso da obra o pintor da vida moderna de Baudelaire. Segundo o autor, este seria um pré-anúncio do movimento descentralizador da identidade que se seguiria na pós-modernidade. Esta pós-modernidade, ou modernidade tardia, está basicamente atrelada ao processo de globalização e apresenta como característica mudanças constantes, rápidas, abrangentes e contínuas. Zygmunt Bauman (2001) chama de modernidade líquida esta nova configuração mundial na qual estamos submetidos. De acordo com este, a liquefação sempre foi projeto da modernidade, já que a intenção era derreter as sólidas estruturas sociais, velhas e enferrujadas, que tolhiam a liberdade de ação e movimento. O plano era substituí-las por novos sólidos perfeitos e incontestáveis, mas a liberdade conquistada no estágio sólido da modernidade se mostrou apenas como uma possibilidade ao sujeito de escolher um nicho apropriado para se desenvolver e, por fim, seguir as regras e orientações ali já postas. Este processo de liquefação prosseguiu, atribuindo à modernidade características mais leves e fluídas, tornando a inconstância marca primordial deste novo estágio de modernidade. Neste estágio o indivíduo passa a sentir diretamente sobre seus ombros a responsabilidade da autoconstrução, não mais pautada em grupos de referência. O sujeito torna-se responsável, portanto, por constante vigilância e esforço para manter ao máximo possível os padrões de interação e dependência em um contexto de fluidez. 24 Stuart Hall (2006) afirma que, basicamente, cinco mudanças culturais ocorridas no século XX colaboraram efetivamente no processo de descentração do sujeito. Primeira: reformulação da teoria de Marx feita por Althusser, em que passa a ser negada a ação individual do homem nos processos históricos, posto que se entende que o indivíduo só age sob condições históricas criadas por outros, estando prontas quando ele nasce. Desconstrói-se, assim, a noção de uma essência universal de homem atribuída a cada indivíduo. Segunda: há a descoberta de Freud sobre o inconsciente, deslocando a noção de centralidade da razão. Leituras deste estudo, feitas por Lacan (1997), mostram, por exemplo, que a universalidade da identidade é uma fantasia almejada e que todos nós, enquanto crianças, aprendemos a ser na relação com o outro, numa espécie de espelho, mas, interiormente, somos todos formados por contradições e sentimentos não resolvidos. Assim, a identidade é sempre algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, sempre “em processo”, sempre “sendo formada”. ( HALL, 2006, p 39). Terceira: diz respeito à linguística estruturalista de Saussure que destitui do sujeito o papel de autoria daquilo que diz, pois os sentidos das palavras estão alocados entre si, nas relações que estabelecem no funcionamento interno de um sistema que pré- existe ao homem. O significado de cada signo é resultado da diferença, sol apenas o é porque não é lua, assim, o “eu” da identidade é definido na assunção de um “não-eu”, um outro o qual não sou. Quarta: foi o estudo do poder disciplinar de Foucault que consiste em uma nova forma de disciplina na vida das pessoas por meio do controle de poder nos regimes administrativos (conhecimento, professores, etc.). Paradoxalmente, a técnica de vigilância coletiva individualiza o sujeito ao atribuir-lhe papel e função específica. Quinta: o feminismo, o movimento que traz à tona a discussão de conceitos cristalizados em relação à família, à sexualidade, ao trabalho 25 profissional e doméstico, abrangendo aspectos políticos e sociais da organização da sociedade. Stuart Hall se preocupa ainda em avaliar também a questão da identidade cultural, ou nacional, deste sujeito descentrado. Para o mesmo, é impossível conceber a ideia de um homem sem nação, pois esta se constitui a forma primária de identificação que possibilita os demais processos indetificatórios. Mas nação é, sobretudo, um sistema de representações, que só ganha sentido na relação opositiva às demais nações. O conceito de nação e culturas nacionais é fruto da modernidade; a lealdade a esta atribuída estava antes atrelada a instituições mais limitadas, como tribo, religião e região, que gradualmente, foram sendo unificadas sob um único “teto”, a chamada nação. Este fator contribuiu para o nascimento da noção de uma cultura e de instituições culturais homogêneas, como a língua nacional e o sistema educacional nacional. Hall (2006) apresenta uma crítica em relação ao equívoco de se pensar que houve alguma vez, na prática, nação e cultura nacional em sentido homogêneo, pois esta seria uma tentativa proposital de suprimir as diferenças, sendo assim, Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-las como constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou identidade. Elas são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo “unificadas” apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural. (HALL, 2006, p 61/62). Esta afirmação considera fatores essenciais, como a história da maioria das nações, pois apesar de serem constituídas de diversas culturas, em algum ponto foram unificadas por meio de um processo forçado e violento. As diferenças de classe, etnias e gênero passaram pela mesma situação e, na maioria dos casos, a cultura do colonizador se fixou em detrimento da do colonizado. Assim, para se discutir o deslocamento das identidades nacionais, deve se levar em consideração que as nações modernas são todas formações híbridas que tentam ao longo dos anos “costurar” as diferenças numa única identidade. Estas reflexões de Hall sobre identidade cultural somam-se àquelas referentes ao conceito de identidade individual, ambas atravessadas por 26 processos históricos que evidenciam tentativas de homogeneização, mas que são conceitos que não condizem com a realidade fragmentada do sujeito. 1.2. Deslocamento das identidades Hall (2006) vai atribuir à globalização o papel de deslocamento das identidades culturais e nacionais, mas, lembra que este não é um fenômeno recente, pois a modernidade já era inerentemente globalizante, a exemplo do capitalismo que nunca se pautou em fronteiras nacionais. Uma das principais características da globalização é a compressão espaço-tempo que tem causado efeitos profundos na representação de identidades, já que o senso de localização em um lugar e espaço, presentes e fixos, são influenciados por elementos distantes e “ausentes” e, ainda, este espaço pode hoje ser cruzado em um piscar de olhos. Assim, “à medida que as culturas nacionais tornam-se mais expostas a influências externas, é difícil conservar as identidades culturais intactas ou impedir que elas se tornem enfraquecidas através do bombardeamento e da infiltração cultural.” (HALL, 2006, p 74). O consumismo transformou o mundo em um supermercado cultural no qual somos confrontados por identidades ligadas a estilos, lugares e imagens. São identidades despidas de ligações históricas, de tempo-lugar e tradição, que fazem apelo a diferentes partes nossas. Para Bauman (2001), tornam-se características deste novo tempo, a alta do sentimento hedonístico e do “eu primeiro”, a falta de desejo por reformas sociais, falta de engajamento político, e deixa de existir o interesse pelo bem comum e pela manutenção da imagem de uma boa sociedade. “...a possibilidade de o que se sente como liberdade não seja de fato liberdade; que as pessoas podem estar satisfeitas com que lhes cabe mesmo que o que lhes cabe esteja longe de ser “objetivamente” satisfatório; que, vivendo na escravidão, se sintam livres e, portanto, não experimentam a necessidade de se libertar, e assim percam a chance de se tornar genuinamente livres. (BAUMAN, 2001, p. 25) Em se tratando da liberdade apregoada pelas manifestações modernista, Bauman aponta que a maioria dos pensadores se viam atormentados pela 27 dúvida entre ser este fato uma benção ou uma maldição para sociedade. E o que se percebe é que a resposta tange mais para esta última, pois as investigações apontam que a liberdade conquistada “aburguesou” os despossuídos, deslocando para o “ter” a essência inerente ao “ser”. Pois, estar submetido às leis da sociedade, poderia ser considerada uma dependência libertadora que, além de oferecer normas para as ações do homem, o protegia de sua própria natureza asocial, animalesca, rodeada de incertezas e dúvidas causadas pela anomia. Em um tom um tanto quanto pessimista, Bauman (2001) anuncia que, de fato, foi o que realmente aconteceu e que nada mais pode ser feito para se voltar atrás, que “de agora em diante as comunidades – mais postuladas que imaginadas – podem ser apenas artefatos efêmeros da peça da individualidade em curso, e não mais as forças determinantes e definidoras das identidades.” (BAUMAN, 2001, p.30) De acordo com o autor, uma das grandes mudanças que caracteriza a modernidade líquida é a privatização das tarefas e deveres modernizantes. A esperança de aperfeiçoamento não deve ser depositada em um movimento de cima para baixo (políticas governamentais), cada indivíduo deve procurar dentro de si as ferramentas necessárias ao aperfeiçoamento. Quando muito, pode observar exemplos para imitar e lidar, individualmente, com seus problemas, sendo responsável pelas consequências advindas da confiança depositada em tal modelo. Hall (2006) acredita que as interações em escala global permitem novas possibilidades entre o global e local, ou seja, ao invés de substituição em massa, há, na verdade, o processo de novas identificações globais e novas identificações locais, nesse sentido, pode-se afirmar que há tanto um movimento de fortalecimento de identidades locais quanto o surgimento de novas formas. As assertivas de ambos os autores, - o desaparecimento de estruturas fixas, ou referenciais obrigatórios de comportamentos, apregoados por Bauman, e a possibilidade de novas identificações, locais e globais, despidas de ligações geográficas específicas, defendidos por Hall-, mostram-se realidades palpáveis. Olhando, mais atentamente, perceberemos ainda que ambas as conclusões remetem à necessidade de ações individuais para que sejam feitas escolhas em meio às diversas facetas da identidade fragmentada da pós-modernidade. 28 A relação dos adolescentes com a música estrangeira é um exemplo claro desta constatação, pois, ao consumirem este produto global, eles podem inserir, ou não, em suas próprias identidades, elementos que estão ‘embutidos’ nessa embalagem, como ideais, opiniões, visão de mundo, modos de comportamentos, etc. Assim, esse movimento permite, ao mesmo tempo, o fortalecimento de sua identidade local, por meio da não aceitação, e também o estabelecimento de novos formatos globais de filiações identitárias, por meio da inserção destes novos elementos. Sendo esta uma escolha individual, mesmo que recebendo influências do meio social, caberá, então, apenas ao próprio sujeito a responsabilidade pelo resultado de tais atos. 1.3. A identidade enquanto práticas discursivas Luiz Paulo da Moita Lopes (1996) ressalta o papel fundamental da mídia na disseminação dos ideais do novo mundo que vivemos, pois, por meio desta, temas até pouco tempo considerados tabus são repetidamente exibidos, explorados e reconstruídos sob a ótica de uma nova organização social. No entanto, as mudanças na configuração política, cultural e econômica da estrutura social têm desenvolvido também um número preocupante de ações fundamentalistas, que podem ser entendidas como a tentativa de se manter tradições, por vezes a custo de violências e até mortes, como é o caso dos movimentos homofóbicos. Esta nova realidade exige um constante pensar reflexivo sobre conceitos até pouco tempo subentendidos como fixos e claros, como a ideia de identidade e comunidade, que já têm apresentado sua face opaca e controversa. Estes dois, de acordo com Moita Lopes, estão ainda atravessados por outros temas como gênero, raça, sexualidade e vida profissional. O autor afirma, ainda, que estudos referentes aos conceitos de identidade têm assumido papel central em eventos acadêmicos por serem entendidos como fundamentais para a compreensão das mudanças ocorridas. O autor faz questão de esclarecer que, ao se referir ao processo de construção de identidade, não o faz do ponto de vista de identidade pessoal ou a natureza da pessoa, e sim que se trata de uma construção social por meio de discursos, fator que leva em consideração dois aspectos essenciais no uso da 29 linguagem: a alteridade e a situcionalidade, ou seja, a relação com as outras pessoas do discurso e o contexto em que ocorre a interação. Discurso aqui se refere àquele que Fairclough (2003a) define como sendo concreto e diz respeito a maneiras particulares de se fazer referência a determinadas áreas do conhecimento. Sendo assim, a identidade, para ele é definida como resultado das práticas discursivas nas quais o sujeito está inserido. Por esta razão, Moita Lopes (1996) filia-se ao pensamento de que seja possível reconhecer na ação de qualquer ser humano um certo “tipo de pessoa”, justamente pelo fato de se poder identificar a origem dos discursos dos sujeitos. A possibilidade de filiação a diferentes discursos, de acordo com o momento da interação, permite afirmar também que as identidades são fragmentadas, múltiplas e contraditórias, mas que traços identitários ainda são passíveis de identificação por meio das marcas sócio-históricas encontradas no discurso. Ou seja, mesmo em meio a essa fragmentação, é possível perceber alguns elementos que se repetem, sendo parte constante de determinadas identidades, por exemplo, quando um discurso religioso é sempre retomado na fala de alguém, é uma marca, um traço identitário, que nos aponta um ‘tipo de pessoa’ que defende determinada visão de mundo. Neste contexto, Manuel Castells (1999) entende por identidade “o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual (ais) prevalece(m) sobre outras fontes de significado.” (1999, p.22). Identidade se constitui, portanto, fonte de significado para o próprio ator, originada e construída por um processo de individuação (autoconstrução). Castells afirma, ainda, que na sociedade em redes, o significado baseia-se em uma identidade primária, autossustentável, que estrutura as demais, assim pode haver identidades múltiplas para um ator coletivo. Ou seja, quanto mais o sujeito esteja envolvido em distintas práticas sociais, mais multifacetada será sua identidade. O autor chama a atenção para o fato de que se deve ter bem clara a distinção entre identidade e papéis, sendo que a primeira funciona na organização de significados, que podem ser definidos como a identificação simbólica de um ator da finalidade de uma ação praticada. Já os papéis organizam funções definidas por normas que estão estruturadas pelas 30 instituições e organizações sociais, como exemplo o que é ser trabalhador ou o que é ser mãe. Assim, para Castells, existe a identidade legitimadora, aquela que legitima as fontes de dominação estrutural, tais como: igreja, partidos, entidades cívicas, etc; há, também, a identidade de resistência, aquela que nega as idealizações da primeira, e tenta reconstruir significados em uma forma de defesa de seus ideais, é geralmente encontrada em comunas religiosas, culturais e nacionais; e, por último, a identidade de projeto, que é aquela identidade de resistência que, quando bem projetada e articulada, pode vir a tomar posição de identidade legitimadora. Castells (1999) afirma que a identidade legitimadora, constituída pela sociedade civil (identidades que legitimam as fontes de dominação estrutural, tais como: igreja, partidos, entidades cívicas) entrou em crise por conta do desaparecimento do Estado-nação e da desintegração da sociedade civil. Assim, as novas comunidades culturais que surgiram a partir destas organizações legitimadoras, mas que passaram a negar sua forma de organização, tornam-se o lugar idealizado para a reconstrução de significados, o que implica na formação de uma nova identidade baseada no princípio da resistência. Ou seja, Para atores sociais excluídos ou que tenham oferecido resistências à individualização da identidade relacionada à vida nas redes globais de riqueza e poder, as comunas culturais, de cunho religioso, nacional e territorial, parecem ser a principal alternativa para a construção de significados em nossa sociedade. (...) Desde o principio, constituem identidades defensivas que servem de refúgio e são fontes de solidariedade, como forma de proteção contra um mundo externo hostil (CASTELLS, 1999, p.85) Na sociedade em rede, pertencer a uma dessas comunas culturais significa encontrar proteção, abrigo, isolamento e certeza. A formação de tais associações não se dá ao acaso, pelo contrário, se utiliza da materialidade histórica e geográfica para recriar códigos culturais, em forma de resistência, e que atendam às suas necessidades. Basicamente, se posicionam contra três fatores detectados como ameaças: a globalização, a formação de redes e a crise da sociedade patriarcal. Como arma, se fiam na crença de códigos eternos e inquebráveis que se sobrepõem à verdade virtualizada. 31 Dentre as ditas ameaças, a crise do patriarcalismo se sobressai, posto que representa a estrutura que deu base a todas as sociedades contemporâneas, pois, por mais que signifique a autoridade institucionalmente imposta do homem sobre a mulher e seus filhos, permeia toda organização societal. O avanço nas pesquisas medicinais foi um dos principais fatores que colaborou com a desintegração do patriarcalismo, pois dissociou a heterossexualidade da reprodução de espécies. Este será, então, desbancado pelo feminismo que, enquanto identidade autoconstruída, reúne elementos étnicos, nacionais e culturais, embasado no ideal de que “reivindicar uma identidade é construir poder”. (CASTELLS, 1999, p. 235). Tanto que, atualmente, a expressão que melhor define o movimento seria a multiplicidade de identidades feministas, no sentido de que se tenta fugir de uma nova forma de dominação cultural por meio de padronizações. Com a crise da família patriarcal e o ainda obscuro processo de formação de novos modelos familiares, os filhos são os que mais têm sofrido as consequências, já que, ao optarem por não conviverem com um parceiro, as mulheres ainda não alcançam sozinhas as condições materiais suficientes para criar seus filhos, e algumas, no afã da autonomia e da sobrevivência, os negligenciam como faziam os homens. Por um lado, pode-se dizer que as novas gerações que estão sendo socializadas fora do padrão tradicional de família estão mais aptas a se adaptarem a novos ambientes e à diversidade de papeis a serem exercidos. Por outro lado, apresentam, também, novas personalidades, mais complexas e menos seguras de si. Em conclusão a trabalhos realizados no final dos anos 70 e início dos anos 80, Castells (1999) afirmava que, mediante a constatação do fracasso de movimentos e políticas pró-ativas (trabalhistas), as pessoas buscavam apoio em movimentos mais próximos a sua realidade, unindo-se a organizações referentes a seu próprio território: a comunidade local. Assim, a luta contra uma opressão cultural e política de aspectos predominantemente globais, pautava-se em forças locais: a escola, o bairro, a igreja local, etc. Movidos por um sentimento de “indefesos”, estar unido ao seu próximo, tornou-se fonte simbólica de processos significativos de uma nova identidade. Seguindo esta linha de pensamento, o autor explica, por exemplo, o sentimento 32 ambíguo dos moradores de áreas menos privilegiados em relação à formação de gangues, pelo fato de estas representarem uma forma de resistência às instituições oficiais que simbolizam a opressão, mas também serem fonte de associação, trabalho e identidade para milhares de jovens deixados à margem do sistema. Essas associações concebidas em um nível mais local não perderam totalmente suas características, mas, percebemos que a internet tem possibilitado novas configurações aos movimentos de reivindicação que permitem tornar globais problemas locais, bem como o inverso. É comum vermos pessoas desconhecidas se unindo virtualmente em prol de causas pessoais ou se manifestando em relação a problemas comuns. Reivindicar sempre foi uma característica do público juvenil e cada qual procura se aliar a instrumentos que acredita ser a melhor forma de manifestar suas inquietações, mas, por vezes, acabam se perdendo por falta de sabedoria e orientação em relação a como proceder com os problemas enfrentados. Assim, às vezes, fazem parte de uma identidade de resistência, mas não possuem habilidades para torná-la em uma identidade de projeto, de acordo com os conceitos de Manuel Castells. Em relação à temática aqui discutida, Fairclough (2003a), precursor dos ideais teóricos defendidos na presente pesquisa (ACD), opta pelo uso do termo “identificação” em relação à identidade, por ser o que melhor define este processo, pois enfatiza a maneira como as pessoas identificam a si mesmas e como são identificadas pelos outros. Identificação é um processo complexo, em grande parte devido à necessidade de se estabelecer uma separação entre os aspectos pessoais e sociais da identidade, que Fairclough divide em identidade social e personalidade. O autor ressalta, ainda, que não se deve reduzir tudo ao aspecto social, já que identificação não é puramente um processo textual, muito menos apenas uma questão de linguagem. Em relação às teorias pós-estruturalistas que definem identidade como efeito de discursos, ou como sendo construída no discurso, Fairclough concorda em parte e apresenta suas ressalvas: primeiramente, no sentido de que as pessoas não são apenas pré-posicionadas em relação às maneiras como participam em eventos sociais e textos; elas também são agentes sociais que 33 agem, criam e mudam as coisas. Além do mais, nosso engajamento com o mundo tem início muito antes da aquisição da linguagem e continua no decorrer das nossas vidas por meio de processos de identificação, principalmente no que tange à formação da autoconsciência, que é uma condição fundamental para o processo social de identificação e para construção de identidades sociais nos discursos. No âmbito da identidade social, o autor acredita que algumas distinções também devam ser feitas. Em primeiro lugar, as pessoas são involuntariamente posicionadas enquanto agentes primários no contexto em que nascem, mas, dependendo de seu engajamento e capacidade de reflexão, podem se tornar agentes operacionais, capazes de ações coletivas a fim de transformação social. Nos moldes atuais, poucas pessoas permanecem dentro dos limites de seu posicionamento inicial, mas sua capacidade de transformação depende de sua capacidade de reflexibilidade e vontade de se tonarem agentes engajados com o projeto de mudança social. A realização da identidade social, em um sentido completo, é uma questão de ser capaz de assumir papéis sociais, mas personificando-os, investindo-os com sua própria personalidade (ou identidade pessoal). O complexo desenvolvimento das pessoas, enquanto agentes sociais, está dialeticamente interconectado com seu amplo desenvolvimento enquanto personalidades. Assim, para efeito de definição, quando se fala em identidade, ou processo de identificação, este trabalho filia-se à perspectiva de Fairclough, que, de certa maneira, envolve as assunções dos autores supracitados. A identidade, ou identificação, é o resultado da maneira como as pessoas são identificadas pelos demais e como elas mesmas se identificam por meio de processos discursivos, ou seja, envolve tanto uma autoconstrução da personalidade (identidade primária de Castells), quanto uma reformulação das identificações na interação com o outro (momentos de interação discursiva de Moita Lopes, e as várias fragmentações da identidade na pós-modernidade de Bauman e Hall). 1.4. Identidades de jovens e adolescentes na pós-modernidade 34 Inconstância é a palavra de ordem no mundo juvenil, considerando que os valores da contemporaneidade são maleáveis, o que é moda hoje, amanhã estará ultrapassado, e o jovem está constantemente se “repaginando” para acompanhar o fluxo. Consequentemente, os adolescentes estão cada vez mais propensos a ações que buscam a aprovação do outro sobre si (Dolto 1992), e podemos, claramente, perceber isso, seja no seu modo de vestir, no seu corte de cabelo, no gosto musical, ou mesmo, nas atitudes mais transgressoras. Marina Rodarte Couto Martins (2011) referindo-se à questão do culto ao corpo na adolescência, afirma que este processo sintetiza exatamente a característica norteadora da contemporaneidade: um sistema consumista que impõe aos indivíduos os modelos de beleza desejáveis e aceitáveis. Sendo assim, para fazer parte, ser aceito, o sujeito deve se adequar aos ditames difundidos, procurar encaixar-se no modelo, deixando de lado qualquer particularidade, ou ideia própria, para se juntar à massa, que tem como parâmetro de inclusão a aceitação de si pelo outro. De acordo com a autora, alguns estudos sociológicos caracterizam esta cultura do corpo como expressão da crise dos valores referenciais e ideais tradicionais que provocaram a formação de um sujeito vazio, que procura preencher estas lacunas canalizando suas energias na construção da imagem corporal. A juventude eterna é o ideal perseguido, e o adolescente é eleito como representante do perfil almejado: A quantidade excessiva de reportagens veiculadas abordando a beleza, a estética e o rejuvenescimento denuncia o interesse midiático pelo corpo jovem. Na ressacralização do corpo, como um objeto a ser consumido, encontramos um vetor de suporte econômico e controle social, onde o adolescente representa uma grande parte de seu mercado. A imagem do adolescente tomada como paradigma da perfeição e completude vende o lazer, o saber, a moda e o próprio corpo. Constatamos na atualidade uma cultura predominantemente narcísica, onde a imagem da beleza e perfeição são instauradas juntamente com a precariedade simbólica que atinge a todos. (GARRITANO; SALADA, 2009) Para Martins (2011), esta realidade tem causado um efeito devastador na vida dos adolescentes, que além de terem que encontrar uma maneira de lidar com as transformações corporais que estão vivenciando, e para as quais não 35 estão preparados, ainda precisam lidar com a pressão social de se encaixarem no perfil de corpo desejado, não só entre seus companheiros de idade, mas para os próprios adultos que anseiam tal perfeição. O resultado disso são jovens cada vez mais alienados, consumistas, investidores ativos da sociedade do “ter”. O conflito entre a rigidez de um ideal exigente e o desejo individual de uma identidade própria acaba gerando conflitos que levam à exclusão social, ou mesmo à autoexclusão, e está diretamente relacionado a fatores agravantes como depressão e distúrbios alimentares. A pesquisa de Lima, Castro e Melo (2011) sobre a identificação dos adolescentes, em um contexto de redes sociais, corrobora a presente discussão no sentido de que aponta o facebook como um espaço de relacionamento online, onde tudo é estrategicamente selecionado para causar boa impressão; as fotos, as frases, o perfil, tudo colabora na construção de uma imagem aceitável. Em um espaço não tão utilizado por estes usuários, os chamados grupos, os pesquisadores se depararam com um contexto preocupante, em que adolescentes, por exemplo, fazem defesa à anorexia como um estilo de vida aceitável e normal. No entanto, como exposto anteriormente, este não é nada mais que um reflexo de um processo conflituoso de identificação com os ditames que regem a atual sociedade. Em meio a crises e desestabilidade, as pessoas tendem a se unir para se sentirem protegidas, e esta realidade é perceptível nos próprios pátios escolares. Mais do que preferência musical e estilos de roupas, é característica própria dos grupos juvenis, cada qual à sua maneira, compartilhar sonhos e desejos de mudança, idealização de uma realidade menos esmagadora, como provam os resultados desta pesquisa. Mas é, exatamente, nestes momentos de busca por identificações que mora o perigo de os jovens se enveredarem por caminhos não tão certos assim, e, na busca por soluções, acabem se envolvendo em um emaranhado de problemas, a exemplo do mundo das drogas e afins. Moita Lopes (1996), baseado em uma abordagem socioconstrucionista, chama a atenção para fato de que não deve haver uma visão “essencialista” de identidades, pois as pessoas constroem significados, ou seja, atribuem sentidos aos elementos sociais a partir da relação de troca com seus semelhantes, no contínuo processo de tentativa de compreensão da vida a sua volta, tendo o discurso como espaço mediador deste processo sociointeracional. Esta 36 característica apresenta exatamente a possibilidade de mudanças, já que, desde que não faça mais sentido, a pessoa pode optar por um novo estilo de vida, uma nova identidade. Neste sentido, a escola precisa estar envolvida em projetos e ações que possibilitem ao aluno este espaço para manifestação, para livre expressão daquilo que sente e deseja. Nada melhor para se alcançar este resultado do que projetos voltados para o combate de certos agravantes sociais, e também a utilização da música como ferramenta em sala de aula, considerando toda a sua influência, bem como a predileção do público juvenil que a vê como meio de extravasar, ou, de se expressar. 37 CAPÍTULO 2 A MÚSICA E OS PROCESSOS DE IDENTIFICAÇÃO DE JOVENS E ADOLESCENTES Neste capítulo, apresento considerações acerca da música5 e seu papel na aprendizagem6 de LI, bem como nos processos identitários de jovens e adolescentes. Na primeira seção, são apresentados autores de variados campos de estudo que abordam a questão de música, relatando bases empíricas e teóricas de sua influência no processo de aprendizagem. Em 2.2, são apresentados trabalhos realizados no Brasil que versam sobre a utilização da música no processo de aprendizagem de LI e que nos mostram quais perspectivas didático-metodológicas têm sido adotadas nesse contexto. Finalmente, na terceira e última seção, está retratado o papel sócioafetivo da música bem como sua capacidade de instigar a reflexão e sua possível influência no processo de identificação de jovens e adolescentes. 2.1. O papel da música na aprendizagem Alguns estudos revelam a influência da música na aprendizagem em sala de aula (ENGH, 2012; CANDLIN, 1992; MURPHEY, 1990; OXFORD,1990). Trabalhos encontrados em uma pesquisa online (entre artigos, monografias e teses) mostram mais os aspectos formais entre a música e o ensino de inglês. O presente estudo não busca a compreensão de estratégias formais de memorização de vocabulários e de regras gramaticais da língua inglesa, mas é de suma importância que se mostre aqui os resultados que estão sendo encontrados neste campo de estudo, no sentido de oferecer uma visão complementar destes com a presente pesquisa. 5 Mantém-se no presente trabalho a utilização do termo música tanto ao se referir à formação letra/ canção, quanto instrumental, por se entender que comporta de forma mais completa os sentidos e significados que a mesma assume nas várias situações abordadas, além de se aproximar mais daquilo que os próprios sujeitos de pesquisa adotam como definição do objeto de estudo. 6 Vale ressaltar ainda que neste trabalho não se estabelece diferença entre aquisição e aprendizagem, nem entre segunda língua e língua estrangeira. 38 Dwayne Engh (2012) afirma que o uso de música nas aulas de LI, bem como a argumentação de seus benefícios, além de não ser um fenômeno recente, tem sido também objeto de estudo das mais diversas áreas de conhecimento, como a ciência cognitiva, a antropologia, a sociolinguística, a psicolinguística e os estudos de aquisição de primeira e segunda língua. No entanto, como afirma o próprio autor, apesar de muitos professores ouvirem dizer e, intuitivamente, acreditarem nos resultados benéficos que a música poderia trazer para o processo de aprendizagem, sentiam falta de bases empíricas, teóricas e pedagógicas para justificarem tal escolha metodológica. Por esta razão, este tem sido então o enfoque das recentes pesquisas neste campo, principalmente depois de 2010, no sentido de responder tais questionamentos. Neste sentido, em seu trabalho intitulado “Why Use Music in English Language Learning? A Survey of the Literature”, Engh (2012) apresenta uma revisão teórica no intuito de mostrar como a relação entre música e linguagem são estabelecidas em cada campo de conhecimento. A começar com a antropologia, o autor mostra que estudos desta área indicam que o desenvolvimento da linguagem humana está, de alguma forma, conectada com a música e canções, ao considerar, por exemplo, o papel das canções na manutenção da literatura e das tradições em uma época que antecede a escrita humana. Em um contexto sociológico, estudos mostram que o sentimento de pertencimento, bem como a disposição para atividades cooperativas no processo de aprendizagem dentro de uma comunidade, podem ser despertados por meio da música, já que, desde tempos primórdios, atividades coletivas eram embaladas por canções que contribuíam para uma harmonia social. Candlin, (1992 apud Engh 2012) chama a atenção para o fato de que, além de ajudar a criar um ambiente agradável e cooperativo em sala de aula, a música pode também servir como ponte para a compreensão de aspectos históricos, culturais e sociais de comunidades que utilizam a língua que se está aprendendo. Engh (2012) complementa ao afirmar que, na verdade, considerar o papel global das músicas populares pode ser um caminho para a construção de significados também em relação à cultura dos próprios aprendizes. Neste contexto, linguistas como Huy Le e Pennycook são apontados como guardiões 39 de um pensamento mais crítico-reflexivo por apontarem a necessidade de se avaliar, cuidadosamente, que ideologias podem estar sendo mantidas ao se trabalhar cultura, linguagem e identidade por meio da música em sala de aula. De fato, como assevera Camargos (2009), esta é uma verdade que não pode passar despercebida àqueles que se propõem a lidar com esta ferramenta que apresenta uma face de lazer e de prazer estético, pois, além de possibilitar a veiculação de informações e a aquisição de novos conhecimentos, é um canal promissor para disseminação de discursos que valorizam as ideias da política dominante e que possibilitam a continuidade de discursos que encobrem desigualdades sociais. Igualmente, pode, também, tornar-se um espaço propício para se instigar posicionamentos críticos e de resistência a certas ideologias. Em relação à ciência cognitiva, Engh (2012) afirma que não há dúvidas da conexão inata entre a música e a língua, mas o que tem gerado debates é a contradição entre os estudos da neuropsicologia (que apontam que os elementos linguísticos e os elementos musicais são processados em diferentes hemisférios do cérebro, coordenados por processos neurais independentes, mas que podem funcionar colaborativamente), e os recentes dados da neuroimagem (que indicam que os elementos musicais são processados na área de linguagem do cérebro e por isso aspectos de sequências musicais e linguísticas são reconhecidos de maneira semelhante). O autor cita ainda os estudos que sugerem uma convergência entre tais teorias: a sintaxe, na língua e na música, compartilha um conjunto de processos (instanciados nas áreas frontais do cérebro) que operam em diferentes representações estruturais (nas áreas posteriores do cérebro). Engh (2012) apresenta os estudos no campo de aquisição da primeira língua que corroboram com os conceitos da neurociência cognitiva em relação à condição inatista da conexão entre linguagem e música no cérebro humano. De acordo com tais pesquisas, a linguagem melodiosa das mães, e as próprias canções efetuadas pelos cuidadores da criança, contribuem significativamente para o desenvolvimento de aspectos da linguagem, desde ritmo, entonação, até a memorização de elementos linguísticos. Ao transportar o conceito para a aquisição de segunda língua, o autor leva em consideração alguns fatores relacionados ao uso de música em sala: o filtro afetivo, que transpõe barreiras afetivas, provocando ambiente mais relaxado e 40 tranquilo, portanto, mais propenso à aprendizagem; a motivação, que é causada pelo caráter autêntico da música que reporta a eventos do mundo real. A música, como estratégia de aprendizagem, pode atingir aspectos afetivos e também estratégias cognitivas e metacognitivas, e os estudos empíricos sobre a música na aquisição de segunda língua, mostram que esta auxilia, e muito, na memorização de vocabulário e estruturas da língua, além de ser a maneira mais eficiente de se trabalhar aspectos fonéticos. Dentre os estudiosos dedicados a pesquisar a relação música e ensino, com certeza Tim Murphey (1990) é destaque, citado em praticamente todos os trabalhos que versam sobre o assunto. Sua tese de pós-doutorado de 1990 (“Song and music in Langague learning: An Analysis of pop song lyrics and the use of song and music in teaching English to speaker of other languages”), evidencia a efetividade das pop songs (músicas pops) enquanto ferramenta de ensino de inglês por conta de sua linguagem simplificada e repetitiva, mas principalmente por seu tom impessoal, que permite a qualquer pessoa, de qualquer época, identificar-se com o conteúdo da música. Murphey explica que as pop songs geralmente não especificam em suas letras os sujeitos, os lugares e o tempo em que ocorrem, e quando há a presença de alguns destes elementos é de forma genérica (uma noite, uma manhã, em uma praia, etc), fator este que permite a associação a lembranças pessoais de acordo com a experiência de cada ouvinte. As conjecturas de Brown (1977) caracterizavam a motherese (fala da mãe com o bebê ou baby talk) enquanto uma linguagem simplificada para bebês, cheia de significados afetivos, servindo como comunicação entre a criança e o mundo adulto. Geralmente, esta é uma fala repetitiva, mais preocupada em estabelecer um elo do que ensinar algo. A partir desta assertiva, Murphey transporta o conceito para as pop songs e as reconhece enquanto motherese of adolescence, no sentido de que seriam substitutas deste tipo de comunicação pelo fato de produzirem nos adultos o mesmo efeito das babies talks, especialmente, a conexão afetiva. Para o autor, apesar da presença de estruturas verbais, as canções populares não exigem do ouvinte uma análise ou compreensão explícita de seu conteúdo, e é exatamente seu caráter displicente que lhe concede a capacidade de promover uma grande quantidade de input, que servirá diretamente ao propósito de aprendizagem de uma língua. 41 Salcedo (2010) retoma o fenômeno din ou involuntary mental rehearsal (ensaio mental involuntário) que se refere ao fato de que, após algum tempo em contato com a língua estrangeira, o falante consegue repetir informações novas sem esforço intencional. Para que isto aconteça dois fatores são essenciais: o din deve consistir em input compreensível, e o falante deve compreender alguns pedaços da informação. A partir desta constatação, Murphey assevera que a melhor maneira de ocorrência do din é através da música, devido a seu grande poder de fixação na mente das pessoas, assim, por meio de pesquisas, postulou seu próprio fenômeno chamado SSMHP (Song Stuck In My Head Phenomenonmúsica gruda na minha cabeça). A base textual deve então ser utilizada para reforçar e preencher os espaços das informações adquiridas através da audição. Já para a autora Oxford (1990), existem as estratégias de aprendizagens: as diretas, que se referem às estratégias de memória cognitiva e de compensação; e as estratégias indiretas, que tratam de aspectos metacognitivos, afetivos e sociais. A música constitui-se uma estratégia afetiva de aprendizagem por sua capacidade de reduzir a ansiedade do aprendiz. Mas ainda, de acordo com os estudos de Gobbi (2001) sobre a autora, podemos incluí-la também nas estratégias de conhecimento, por conta de seu caráter repetitivo, nas estratégias de memória através da utilização dos sons; estratégias metacognitivas, por sua característica de centralizadora do aprendizado; no âmbito das estratégias sociais por possibilitar interações; e também nas estratégias de compensação, por permitir que o aprendiz faça inferências a partir do contexto. Um aspecto interessante a ser pontuado é que, devido à grande circularidade das músicas em inglês nos dias atuais, os alunos acabam realmente decorando pedaços e refrãos das músicas, o que torna muito interessante conhecer a forma escrita das estruturas decoradas, bem como seus significados, além de poupar ao professor o trabalho de ter que ensinar uma melodia desconhecida. Por isso, percebemos então que torna-se indispensável que o professor interessado em trabalhar música em sala de aula procure antes conhecer os gostos e os repertórios de seus alunos, de modo a elaborar atividades significativas e que aproveitem este input que os alunos já trazem de casa. 42 2.2. A música como ferramenta de aprendizagem de LI: pesquisas e resultados Gobbi (2001) afirma que a escassez de literatura que comprove a eficácia do uso da música como ferramenta em sala de aula parece provocar nos professores a sensação de que esta seria apenas um tapa-buraco, uma forma de matar o tempo. Por esta razão, em sua pesquisa, além de evidenciar o papel significativo da música na própria história da humanidade, seja como forma de expressão ou mesmo técnica de aprendizagem, a autora apresenta também as várias estratégias de aprendizagem que a música pode assumir de acordo com o levantamento teórico de Oxford (1990), um dos grandes nomes nesta área de investigação. Carvalho, Andrade e Eustáquio (2013) abordam o potencial do gênero canção no ensino de LI em seu aspecto de ludicidade, complementando questões culturais e ideológicas, mas atestam a falta desta materialidade textual em livros didáticos da referida disciplina. De acordo com os autores, a utilização deste gênero em sala de aula possibilita uma quebra na rotina, muitas vezes considerada maçante pelos alunos. A canção abre espaço para se trabalhar as quatro habilidades requeridas de maneira mais eficiente, pois o efeito da música pode ser mais prolongado e prazeroso. Ferraz e Audi (2013) também relatam uma experiência de aula com a utilização de música para ensino médio, e constataram que a utilização de um recurso popular entre o público alvo fez com que houvesse maior interesse e participação da aula, considerando que era uma turma que funcionava em horário noturno e o rendimento era comprometido por conta do aparente cansaço dos alunos trabalhadores. Lima e Basso (2009), por sua vez, apresentam o tema sob o viés da zona de desenvolvimento proximal teorizada por Vygotsky. Os autores aplicaram a pesquisa em um grupo de adolescentes que estuda inglês como língua estrangeira em uma escola de idiomas. Ao desenvolverem atividades que foram desde questionários aplicados, entrevistas feitas entre os próprios estudantes (find someone who), até compreensão e debate sobre uma música, perceberam que, além de favorecer a aquisição de vocabulários, a atividade com músicas possibilitou a utilização de diversas ferramentas para o desenvolvimento de 43 novos conhecimentos de forma mais descontraída e motivadora, a exemplo do auxílio do professor e ainda dos próprios colegas. Gomes e Chaves (Portal Dia a Dia educação, acesso em 20/06/2014) relatam o projeto “Cantando e Aprendendo” desenvolvido em turmas de 7ª e 8ª séries, em atendimento às necessidades de formação continuada dos professores da rede pública do Estado do Paraná no âmbito do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). Através das atividades realizadas, as autoras perceberam resultados positivos nas aulas de inglês, principalmente em se tratando do desenvolvimento da oralidade. Para cada música utilizada, foram elaborados exercícios de gramática, listening, writing e também discussões sobre os tópicos abordados nas letras. Essa foi uma estratégia adotada propositalmente, pois, de acordo com as autoras, muitas vezes as canções são utilizadas apenas para fins recreativos, mas para que haja real aprendizagem faz-se necessário um planejamento que estabeleça metas em relação aos conteúdos linguísticos presentes na música escolhida, de forma que o aluno esteja consciente das habilidades comunicativas a serem desenvolvidas. Silva Pereira (2006) se propôs a comparar os efeitos da utilização de canções e textos em prosa na aquisição de léxico em LI e percebeu que, além de sua função afetiva que promove aproximação entre os envolvidos, a música mostrou-se uma ferramenta mais efetiva para aquisição de vocabulário. Os sujeitos de sua pesquisa afirmaram que, por mais que as palavras de textos possam ser mais fáceis em relação à pronúncia e significado, não são tão facilmente lembradas quanto aquelas que aprenderam por meio de canções, por vezes mais complexas. Já Lima (2008) realizou uma atividade com a utilização de músicas para trabalhar o próprio gênero textual, apresentando aos alunos técnicas de leitura, reconhecimento de estrutura textual e exercícios focados em aspectos gramaticais. De acordo com a autora, trabalhos deste tipo são essenciais para que os alunos não entendam a utilização de música em sala como passatempo, e além de servir para apurar a percepção dos mesmos a respeito do gênero textual e sobre as possibilidades de debates de cunho crítico em relação ao conteúdo da canção, embasados na perspectiva do letramento. 44 Souza (2014), em sua pesquisa com dezessete professores de escolas públicas, particulares e de idiomas em João Pessoa (PB), percebeu que estes utilizam música em sala de aula com o objetivo de trabalhar vocabulário, gramática e também proporcionar relaxamento. Sobressaem-se as atividades de preenchimento de lacunas nas letras e atividades de listening. Para estes professores, as dificuldades em trazer esta ferramenta para sala de aula referemse ao fato de as músicas escolhidas não serem do agrado dos alunos, falta de recursos, também falta apoio da direção para utilização da música, bem como a própria carga horária da disciplina que não oferece tal mobilidade. A autora chama a atenção para a falta de inserção de outros aspectos no planejamento da aula, tais como: o tema da música; sua intertextualidade; a profundidade de discussão que sua letra pode possibilitar; e seus próprios elementos artísticos, num viés que se preocupe com o desenvolvimento de uma percepção mais reflexiva dos alunos. De forma abrangente, a partir dos resultados aqui apresentados, percebese que, para a maioria dos professores e para alguns pesquisadores, trabalhar com música no contexto de ensino-aprendizagem significa ater-se aos elementos intrinsicamente linguísticos, mais especificamente, gramaticais. Alguns até mesmo chegam afirmar que esta seja uma abordagem necessária, no sentido de que o aluno não venha confundir tais momentos como forma de o professor “matar o tempo”, então, disseca-se a letra da música de forma a encaixá-la nos objetivos da aula a ser ministrada. Infelizmente, na maioria das vezes, não há espaço para uma reflexão mais aprofundada, tanto por parte do professor quanto dos alunos, das mais diversas funções que a música pode exercer na vida de um indivíduo, principalmente no âmbito afetivo. Por esta razão, é uma tarefa difícil encontrar trabalhos que versem sobre a temática mais afetiva na área de ensino de línguas, como veremos no tópico seguinte. 2.3 A música e o processo de identificação de jovens e adolescentes É de conhecimento do senso comum que a música propicia, de alguma maneira, a vazão de nossas emoções, como também o desenvolvimento de nossa capacidade de reflexão. E, cada vez mais, estudos de diversas áreas têm 45 comprovado essa estreita conexão, como é o caso da musicoterapia utilizada como componente de tratamento de diversas doenças, principalmente as mais críticas; bem como a educação física, que tem comprovado a eficácia da música no estado de ânimo e disposição física dos indivíduos. Muitos pesquisadores deste campo têm tomado como base os estudos de Alan Merriam (1964), que categorizou em dez as funções da música na vida social das pessoas. Contudo, primeiramente, o autor lembra que deve haver uma distinção entre uso e função, assim: “o ‘uso’, então, se refere à situação na qual a música é aplicada em ações humanas; a ‘função’ diz respeito às razões para o seu emprego e, particularmente, os propósitos maiores de sua utilização” (MERRIAM, 1964, p. 209). Resumidamente, constam assim as 10 funções da música: Expressão emotiva: é a função da música relacionada ao ‘descargo’ das emoções e sentimentos pessoais, uma liberação das ideias, uma maneira de desabafo e mesmo uma oportunidade de alívio e resolução de conflitos. Prazer estético: refere-se ao processo de criação e admiração da música enquanto uma obra de arte, revelando aspectos significativos de cada cultura. Divertimento, entretenimento: pode se referir ao entretenimento puro de se cantar ou tocar por simples divertimento e passatempo, ou pode estar combinado com outras funções, como a de comunicação, por exemplo. Comunicação: esta função refere-se à compreensão; a música pode transmitir informações e ideias diretamente para aqueles que compreendem o que está sendo dito. Representação simbólica: os elementos de uma música podem ser representações de outras coisas, ideia e comportamentos, e tendem a ser disseminados em meios àqueles que estão ouvindo, ou seja, as letras e demais aspectos podem ‘sugerir’ determinados comportamentos e ações. Reação física: a música tem o poder de provocar reações físicas, excitar, mudar o comportamento de alguns grupos, encorajar reações físicas de ousadia, dentre outros. Impor conformidade às normas sociais: nas mais diversas culturas, a música é usada como instrumento para manutenção das normas sociais, por meio de mensagem que refutam comportamentos e pensamentos considerados socialmente inadequados. 46 Validação das instituições sociais e dos rituais religiosos: semelhante a anterior, esta função diz respeito à manutenção dos ideais de certas entidades sociais e religiosas por meio de suas repetições em forma de músicas. Contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura: considerando que todas as funções acima estão moldadas de acordo com as características de cada cultura, seria óbvio concluir, então, que a música serve ao propósito de manutenção e de estabilidade da cultura. Contribuição para a integração da sociedade: relacionada ao item anterior, a música pode servir ao propósito de promover a solidariedade e união das pessoas, impelindo-as a se reunirem e participarem de atividades que exijam cooperação. Júlia Maria Hummes (2004) complementa, ainda, que para o autor, a música é uma atividade cultural não tão exposta aos mecanismos protetores que rodeiam as demais atividades sociais, daí a razão de atingir um maior número de pessoas e de forma mais livre propagar os mitos, lendas, educação e ideais de uma sociedade. Já David Hargreaves (2005), da Universidade de Roehampton (UK), para ilustrar o enorme poder que música tem sobre a vida das pessoas, em especial dos jovens, citou uma pesquisa onde foi revelado que a maioria dos membros da geração do Beatles, mesmo depois de anos passados, consegue reproduzir cada som, nuance, ou mesmo expressão, dos artistas que os acompanhou em sua juventude. O autor cita ainda que estudos realizados em conjunto com Adrian North revelam que, além de estar presente em quase todos os momentos da vida diária, a música preenche muitas funções cognitivas, sociais e emocionais, pois tem o poder de influenciar comportamentos diversos, desde eficiência no trabalho, velocidade de ingestão da comida, humor, disponibilidade para compras e desempenho nas tarefas cognitivas. Kátia Maheirie afirma que: Compreendendo o sujeito como constituído e constituinte do contexto social no qual está inserido, é possível qualificar a música como uma forma de comunicação, de linguagem, pois por meio do significado que ela carrega e da relação com o contexto social no qual está inserida, ela possibilita aos sujeitos a construção de múltiplos sentidos singulares e coletivos. (MAHEIRIE, p. 148, 2003) 47 A autora diz que a música constitui-se um tipo de linguagem reflexivoafetiva, pois, em primeiro contato, somos atingidos em nossa afetividade, onde são despertados sentimentos e emoções. E, quando o sujeito está “mergulhado” na música, a materialidade, a realidade física a sua volta, passa a ser imbuída de emoções, ganhando sentidos que estão carregados de subjetividade, regidos por consciências afetivas. Baseada em seus próprios estudos e nos de Sartre (1939/1965), Maheirie observa que a emoção é a parte afetiva da consciência, e esta última, por sua vez, só pode existir em relação a algo. O mundo, portanto, se constitui objeto direto da consciência afetiva e suas dimensões passam a ser apreendidas de acordo com as emoções despertadas. Os eventos cotidianos fazem com que esta apreensão aconteça de forma determinista, ou seja, o sujeito enxerga um mundo amável, ou odiável, apaixonante ou aterrorizante, e, consequentemente, suas possibilidades de ação também serão vistas de forma deterministas. Porém, no âmbito da música “o que sucede, simplesmente, é que, sendo a apreensão de um objeto impossível ou criando uma tensão insustentável, a consciência o apreende ou o tenta apreender de outra maneira, ou seja, a consciência transforma-se justamente para transformar o objeto” (Sartre, 1939/1965, p. 55). Isso significa dizer que, a emoção está estruturada em relações imaginárias que, por sua vez, só existem porque estão validadas em um sistema de crenças. E, “este mágico, que nada mais é que a característica básica do imaginário, pode vir a reger a percepção de um sujeito sobre outro, pode vir a reger as relações interpsíquicas dos sujeitos, fazendo-se presente e muito forte no contexto social.” (MAHEIRIE, p. 150, 2003). Vygotsky (1930/1990) aponta quatro razões pelas quais esta relação realidade/ imaginação não se pauta em utopias: os elementos da imaginação são advindos da realidade vivenciada; é a fusão de produtos da fantasia e fenômenos da realidade que permitem a compreensão de experiências sociais diversas, a exemplo, quando se ouve uma história contada através de uma música ou quando se descreve um lugar que não conhecemos, e isso, ao invés de tolir nossa compreensão, ao contrário, amplia nossos horizontes de experiências; a emoção provoca reações corpóreas, impressões, ideias e imagens que agem diretamente no mundo real, se alguém está triste, em 48 resposta “seu mundo ficará triste”, e por último, objetos criados na fantasia podem passar por um processo de objetivação e transformar a realidade fechando o círculo do processo de criação humana. A exemplo, Nogueira, em 2009, empreendeu uma pesquisa a respeito da influência da emissora MTV7 sobre o público jovem brasileiro, e como o elemento chave da MTV é a música, a autora tece algumas considerações a seu respeito apontando-a como eficiente instrumento de compreensão de nós mesmos e do mundo que nos rodeia, sendo duplamente valorizada pelos adolescentes por conta de sua ânsia em crescer e serem livres, característica desta fase. Por esta razão, a música esta ligada à formação da identidade, auxiliando no desenvolvimento mental, emocional, moral e social destes indivíduos. A autora enfatiza amplamente o aspecto emocional da música, que acaba por influenciar também o comportamento, o funcionamento corporal e o estado psicológico do adolescente, o que permite classificá-la em uma espécie de via de duas mãos: dependendo das razões e formas como for utilizada, a música pode tanto agir de forma positiva desenvolvendo a sensibilidade e a inteligência, ou conduzir a distúrbios psicológicos e condutas antissociais e mesmo suicidas. Desta forma, acentua-se mais ainda a preocupação que se deve ter sobre as possíveis influências que determinadas músicas podem ocasionar na vida destes jovens. Assim, é imprescindível que um professor que se proponha a trabalhar com este gênero em sala de aula atente-se não só à materialidade formal da canção, mas esteja ciente de estar lidando com uma ferramenta que tem ação direta no aspectos psicológico, social e emocional de seus alunos. Desta forma, em uma perspectiva transformacional, apresenta-se também como espaço ideal para se empreender ações reflexivas que visem mudanças mais profundas, que refletirão no próprio processo identitário destes sujeitos. Maheirie (2003) encontra respaldos para tais assertivas em um estudo que fiz sobre o papel da música na construção de uma identidade coletiva dentro de um movimento social, mais especificamente, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Santa Catarina. As autoras perceberam que, ao 7 MTV (Music Television) é um canal de televisão pago estadunidense que está sediado em Nova Iorque. Originalmente, a programação da MTV era dedicada completamente a videoclipes, especialmente de rock. Depois, a MTV tornou-se um canal com diferentes materiais destinados a adolescentes e jovens. Fonte: http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/mtv/1335/ - 17/09/2015 49 passo que a música estabelece alianças afetivas e emocionais que levam a um processo de identificação coletiva, também funciona como mediadora da ativação de uma memória de lutas e conquistas. Assim, a música pode mediar as relações cotidianas destes sujeitos, possibilitando um processo individual de produção de sentidos, mas que se refere a elementos simbólicos do coletivo, o que resultará no fortalecimento das raízes dentro do movimento. Levando em conta o caráter reflexivo da música, as pesquisadoras apontam que esta se torna também um elemento ideológico e político. Ao estar frente a este elemento artístico, e com a sensibilização que sofrem em seu aspectos afetivos ao vivenciarem as histórias contadas, os componentes do movimento podem ser impulsionados à reflexão e, assim, a desejarem ações que possam modificar esta realidade para um futuro melhor. Neste interim, Felipe Figueras Dables (2012) faz um levantamento dos gostos musicais de adolescentes em uma unidade de detenção, no sentido de averiguar a veracidade de pesquisas que relacionam o gosto por determinados gêneros musicais (como Heavy metal e Rap) a ações agressivas e a atitudes transgressivas, como o uso de drogas, apelo ao sexo e à violência. A preocupação do autor concerne ao fato de que diversas escolas do conhecimento (Música, Psicologia, Antropologia, Sociologia) dedicam-se a possíveis aproximações entre os temas música, violência e o universo adolescente. Mas, como o mesmo aponta em seu trabalho, são temas que em si mesmos apresentam certa complexidade, o próprio termo adolescência não é passível de uma classificação específica entre os estudiosos, recebendo classificações que vão desde um momento atravessado por mudanças cronológicas, fisiológicas, psicológicas e sociais até uma total invenção social. No entanto, a instabilidade se apresenta como elemento característico desta fase em grande parte dos estudos. Dables (2012) afirma em seu trabalho que as pesquisas tendem a apresentar um quadro de influência negativa da música sobre a vida dos adolescentes, mas que pouquíssimas se interessaram por sujeitos envolvidos em conflito com a lei. O autor entende que a preocupação da influência negativa de estilos musicais violentos, principalmente do rap e do heavy metal, foi o tema de diversas pesquisas bibliográficas. Mas, de maneira interessante, os dados recolhidos por Dables mostraram que a preferência dos adolescentes em conflito 50 com a lei tendem mais para gêneros nacionais, sendo encabeçado pelo pagode, seguido do Hip hop brasileiro, funk carioca, reggae e sertanejo universitário. Aliás, em um dos quesitos que avaliava o nível de gosto para cada gênero, rock, música clássica, punk e rock brasileiro estão entre os mais detestados. Em defesa ao hip hop, que figura entre preferência destes jovens, o autor vai dizer que a versão brasileira se atém sim a temas de violência e de problemas sociais, mas, a maioria apresenta letras motivadoras e que clamam por mudanças. Colle (2004) chega a um resultado parecido com sua pesquisa sobre a influência da música na vida de adolescentes pertencentes à classe social inferior e que participam do projeto Balakubatuki em uma cidade do sul brasileiro. O projeto oferece aulas de música (instrumentos, principalmente percussão) e, para os entrevistados, os estilos preferidos são o reggae e hip hop que, como explica a autora, são movimentos musicais que se preocupam com questões sociais, numa forma de protesto e apelo à melhoria de vida. Ainda neste trabalho, os alunos foram enfáticos ao afirmarem que o contato com a música provocou mudanças visíveis em suas vidas, principalmente no que tange a auto-estima e na lida com situações constrangedoras como a discriminação. Vilmar Pereira de Oliveira (2012) percebe, em sua pesquisa, uma espécie de “naturalização” da música na vida dos seus entrevistados. De acordo com este, os jovens disseram ouvir em média 4 horas de música por dia, mas isso porque se esqueceram de mencionar aqueles momentos onde se utilizam de mídias portáteis (mp3, celular), como no caminho para escola ou para o trabalho. Outra resposta interessante foi que a música funciona também como rota de escape, como escudo em momentos tensos, situações sociais desconfortáveis ou para fugir da realidade, como em um ônibus lotado. O autor entende que, ao responderem que não assumem 100% das características atribuídas a fãs de seus estilos preferidos, estes jovens ressaltam aquilo que os psicólogos sociais franceses, Deschamps e Moliner, identificam como identidade: “um fenômeno subjetivo e dinâmico resultante de uma dupla constatação de semelhanças e diferenças entre si mesmo, os outros e alguns grupos” (DESCHAMPS E MOLINER, 2009, p. 14). Percebemos então que, independente da idade, seja em um contexto de pesquisa ou em eventos cotidianos, é quase impossível encontrarmos alguém 51 que não simpatize com música. Existem, é lógico, preferências por estilos, e estes vão se modificando e se aprimorando no decorrer da existência de cada um. Como já discutido acima, a música constitui-se uma maneira de identificação e expressão daquilo que se acredita, sendo de vital importância, principalmente na vida dos jovens e adolescentes que estão em busca de afirmação de suas identidades. Por esta razão, é comum presenciarmos divisões de grupos de acordo com estilos, como forma de distanciamento daquilo que não querem ser nem parecer. Mas, como este é um momento atravessado por turbulentas mudanças, não é difícil depararmo-nos com situações onde adolescentes estão constantemente mudando, também, suas opções musicais, como uma forma de representação daquilo que estão vivenciando em suas próprias experiências conflituosas. Entender esta fase da vida e a relação estabelecida com a música nos auxilia então no sentido de que possamos compreender mais claramente os enunciados e a maneira como se portam os sujeitos desta pesquisa. 52 CAPÍTULO 3 APONTAMENTOS TEÓRICOS: LINGUÍSTICA SISTÊMICO-FUNCIONAL E ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO Neste capítulo são explanados os preceitos teóricos que embasam este trabalho. Na primeira seção, aborda-se a Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday (1974) inserida no contexto de uma teoria funcionalista da linguagem, levando em consideração sua contribuição para ACD, e evidenciando-se a relação da linguagem com os demais aspectos sociais. Na seção 3.2, serão percorridas as assunções da ACD com Fairclough (2003a) e ainda autores como Resende e Ramalho (2006), Papa (2008) e Magalhães (2001), que dão suporte a esta linha teórica. Dentre as possibilidades de perspectiva analítica da ACD, na seção 3.3, serão explanados mais a fundo os conceitos de significado identificacional, principalmente no que concerne ao estilo, porque diz respeito ao aspecto discursivo da identidade, e serão relatados os significados do conceito de modalidade e avaliação, atendendo diretamente ao propósito desta pesquisa. 3.1 A Gramática Sistêmico-Funcional de Halliday Maria Helena de Moura Neves (1994) aponta que a preocupação primordial de uma abordagem funcionalista da linguagem diz respeito à verificação de como os usuários de uma língua natural obtêm eficiente comunicação por meio desta língua. Para melhor definição, a autora distingue dois polos opostos no pensamento linguístico: o formalismo, que prioriza a análise da forma linguística e o funcionalismo, que se atém à função de tais formas. Resumidamente, no paradigma formal, a linguagem natural é um sistema abstrato e autônomo em relação ao uso, já na perspectiva funcional, não há arbitrariedade das expressões linguísticas, estas são sensíveis e codeterminadas por elementos da interação verbal humana. Nesta perspectiva, Carlos A. M. Gouveia (2009) afirma que a caracterização da língua e dos sistemas semióticos é determinada pelo uso, pela necessidade suscitada na vivência humana. Uma teoria funcionalista da linguagem, portanto, é um modelo socialmente orientado, em que a aquisição da 53 linguagem é concretizada nas situações discursivas de práticas sociais, ao contrário da visão inatista que prega uma herança genética sob uma perspectiva biológica. Neves (1994) ressalva que o funcionalismo, dentro de sua categorização, apresenta três faces distintas: o conservador, que aponta a inadequação do sistema formalista, mas sem propor uma análise da estrutura; o extremista, que nega a realidade da estrutura enquanto estrutura e apregoa que as regras se baseiam internamente na função, sem restrição sintática, e o funcionalismo moderado que aponta a inadequação, mas vai além, propondo uma análise funcionalista da estrutura. Esta última corrente reconhece a noção central de estrutura, enfatiza a importância da semântica e da pragmática para análise da estrutura, mas propõe uma análise distinta daquela proposta pelos formalistas. Nestes quesitos, encaixa-se a Gramática sistêmica-funcional (GSF) de Halliday (1994), que será utilizada como modelo de análise textual no presente trabalho. Em seu livro An introduction to functional Grammar, Halliday (1994) aponta que sua teoria é funcional em três sentidos distintos: 1- É designada para avaliar como a linguagem é usada, pois, já que esta se desenvolveu para satisfazer a necessidade humana, uma gramática funcional é, essencialmente, uma gramática natural, no sentido de que, em última análise, tudo pode ser explicado por meio da referência de “como” está sendo usada. 2- Os componentes significativos da linguagem são funcionais. Todas as línguas são organizadas em torno de dois significados principais: o ideacional, (ou reflexivo) e o interpessoal (ou ativo). Estes componentes são chamados de “metafunções”, e, no sistema linguístico, é a manifestação de dois propósitos gerais que subjazem a toda e qualquer língua: entender o ambiente (ideacional) e interagir com os outros deste ambiente (interpessoal). Somados a estes dois há uma terceira metafunção, a “textual” que confere relevância aos outros dois. 3- Cada elemento de uma língua é explicado pela referência à sua função no sistema linguístico global, ou seja, a gramática funcional constrói todas as unidades da língua (orações, frases, etc.) como configurações orgânicas de funções, assim cada parte é interpretada como funcional em relação ao total. 54 O autor explica ainda o uso do termo “gramática”, no sentido de que, na terminologia linguística, sintaxe seria apenas uma parte da gramática. Considerando que sintaxe e vocabulário são partes do mesmo nível no código, seria mais apropriado o termo “lexicogramática”, que se torna muito extenso, daí sua redução em “gramática”. Halliday ressalva que a utilização do termo sintaxe sugere uma análise que partiria do estudo morfológico em direção ao estudo sintático para então responder a questão de “o que estas formas significam?”. Para a gramática funcional, a direção é inversa, a linguagem é interpretada como um sistema de significados, acompanhados de formas através das quais estes sentidos são realizados, a pergunta então seria “como estes significados são expressos?”. Neves (1994) explica que, na gramática funcional, a língua é um sistema semântico, mas não se referindo apenas ao significado de uma palavra e sim a todo sistema de significados da língua por meio do qual o homem “pensa sobre”, “interpreta” e “expressa” sua experiência, porque as estruturas semânticas são plausíveis e o homem pode agir sobre elas. Assim: Os sistemas de significados, por sua vez, geraram estruturas lexicogramaticais que são igualmente plausíveis: há, então, verbos e substantivos para enquadrar a análise da experiência em processos e participantes. É assim que as crianças são capazes de construir uma gramática: elas podem fazer uma ligação entre as categorias da gramática e a realidade que está em seu redor e dentro de sua cabeça, conseguindo ver o sentido por trás do código. (NEVES, p. 118, 1994) A dispensação de uma gramatica é inviável no sentido de que estes significados se realizam por meio de enunciados, que serão interpretados por meio da análise de suas formas linguísticas. Reitera ainda Halliday (1994) que “sistêmica” se refere à teoria de significado enquanto escolhas em uma rede sistêmica, na qual a língua e outros sistemas semióticos são interpretados enquanto redes de opções interconectadas. Aplicando-se a descrição de linguagem, isto significa começar pelas características mais gerais e, passo a passo, torná-las mais específicas: uma mensagem ou se refere ao “fazer”, ou ao “pensar” ou ao “ser” algo. 55 Na análise de qualquer discurso, há dois níveis possíveis de serem alcançados: primeiro, a compreensão do texto, onde a análise linguística mostrará como e porque o texto tem determinado significado, além de evidenciar múltiplos significados, alternativas, ambiguidades, metáforas, etc.; segundo, superior ao primeiro, está a avaliação que permitirá dizer se um texto é ou não efetivo dentro de seus propósitos, em quais aspectos é bem sucedido, em quais fracassa. Este é um objetivo difícil de atingir, exigindo assim, não apenas análise do texto em si, mas também de seu contexto e da relação estabelecida entre contexto e texto. Halliday (1994 Apud Papa 2008) explicita que os falantes não usam a língua apenas como troca de som, palavras ou sentenças, mas como uma forma de se significar e dar significado ao mundo. Assim as três metafunções postuladas por Halliday permitem identificar a maneira como o discurso está organizado, fornecendo explicações do uso da língua partindo da necessidade, da intenção e do contexto do falante. As três metafunções funcionam simultaneamente no discurso, e são assim definidas por Resende e Ramalho (2006, p 57): Função ideacional da linguagem é sua função de representação da experiência, um modo refletir a “realidade” na língua: os enunciados remetem a eventos, ações, estados e outros processos da atividade humana através de relação simbólica. (...) A função interpessoal refere-se ao significado do ponto de vista de sua função no processo de interação social da língua como ação. (...) trata dos usos da língua para expressar relações sociais e pessoais. (...) A terceira função apresentada por Halliday é a textual: aspectos semânticos, gramaticais e estruturais que devem ser analisados no texto com vistas ao fator funcional. Para a presente investigação, serão de extrema valia as especificações das metafunções interpessoal e ideacional. A primeira porque retrata a maneira como são estabelecidas as relações de interação comunicativa, onde o falante procura posicionar-se e posicionar os demais, assumindo papeis sociais e realizando significados interpessoais. Assim, ficam em evidência valores, julgamentos e argumentos, validação, aceitação ou negação, elementos estes, presentes nas trocas de informação e de conhecimento, sendo percebidos 56 quando da visualização do sistema de modo (modulação e modalidade) e do resíduo. Conforme Halliday (1994 Apud PAPA 2008 p. 43), “a metafunção ideacional se relaciona à variável de registro (Campo), sendo realizada pelo sistema de transitividade”. Assim, cada proposição oracional consiste em três elementos: (i) o processo; (ii) os participantes; (iii) as circunstâncias associadas ao processo. O processo e os participantes são obrigatórios, sendo o primeiro tipicamente representado por um grupo verbal e o segundo por grupos nominais que podem tanto praticar quanto receber a ação. As circunstâncias trazem informações adicionais e, geralmente, são representadas por grupos adverbiais ou frases preposicionais. Estes elementos de transitividade nos ajudam a compreender a maneira como o falante expressa sua experiência com relação a situações do mundo externo, e também seu próprio mundo interno, seus pensamentos, sentimentos, etc. E, neste ínterim, sob a perspectiva da metafunção ideacional, utilizamo-nos então do conhecimento sobre as especificações de cada processo para compreendermos a maneira como essas experiências são retomadas na materialidade textual. A autora reitera que há seis tipos de processos, sendo três principais (Material, Mental e Relacional) e três intermediários (Comportamental, Verbal e Existencial), conforme explicitados na figura abaixo: 57 8 De acordo com Halliday (1994 Apud PAPA 2008), os processos podem assim serem resumidos: Processos Materiais: referem-se a nossa experiência no mundo físico, ações, ato de “fazer”, como em trazer, buscar, etc. Configuram-se em torno de dois participantes principais: Ator e meta, o primeiro realiza a ação (sendo obrigatória sua presença, mesmo que não seja mencionado na proposição); e a meta, aquilo que é modificado pela ação (objeto direto da gramática tradicional). Um exemplo de processo material de ação pode ser encontrado em “os professores de inglês trazem músicas para a aula”. Processos Mentais: Referem-se ao processo de sentir/experenciar algo, e relacionam-se com a cognição (saber), a percepção (sentir) e a afeição (gostar). É composto de um ser consciente que vivencia o processo (Experenciador) e aquilo que é sentido (Fenômeno). Um processo mental de cognição está em “Eu entendo que os alunos gostem de música”. Processos Relacionais: São processos de ser ,e envolvem dois papéis: de Portador ou de Atributo nos processos de atribuição, como em “Maria(P) é linda (A)”; outro papel é de Identificador, como “eu sou uma professor de inglês.” 8 Fonte: PAPA, Solange Maria de Barros. Prática pedagógica emancipatória: o professor reflexivo em processo de mudança- Um exercício em Análise Crítica do Discurso. São Carlos: Pedro e João editores, 2008. 58 Os processos intermediários são: os comportamentais que abarcam comportamentos físicos e psicológicos; os verbais que são processos de dizer e os processos existenciais que contêm apenas um participante, o existente, expresso tipicamente pelos processos de haver, existir e ter. Neste estudo, serão focados os processos mentais e relacionais, pois se espera compreender a maneira como os sujeitos da pesquisa representam suas experiências individuais e sociais, especialmente, no que tange em suas relações com a música, de modo a aferir o papel desempenhado pela mesma em seus processos identitários. Assim, principalmente pelos processos relacionais, poderemos compreender quais são os atributos relegados à música, para então sabermos sua função dentro do complexo processo identificação destes indivíduos. 3.2 A relação dialética da linguagem na perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ACD) A teoria transformacional da Análise Crítica do Discurso (ACD) defendida por Norman Fairclough (2003a) compreende que a linguagem é atravessada por forças ideológicas, ou seja, a luta pelo poder é operacionalizada no nível linguístico, contribuindo na perpetuação de discursos de dominação social, que permanecem ocultos em atendimento a interesses políticos. Procura-se, portanto, compreender a forma como o uso da linguagem está submetido a forças da estrutura social, mas o diferencial teórico está exatamente na relação dialética que se estabelece: o discurso aqui é definido enquanto prática de representação, mas também como um meio de ação pelo qual transformações são estabelecidas. A criticidade é assim definida: Ela [a Análise Crítica do Discurso] é crítica, primeiramente, no sentido de que busca discernir conexões entre a língua e outros elementos da vida social que estão normalmente encobertos. Entre eles: como a língua aparece em relações de poder e dominação; como a língua opera ideologicamente; a negociação de identidades pessoais (sic) e sociais (continuamente problematizadas através de mudanças na vida social) em seu aspecto lingüístico e semiótico. Em segundo lugar, ela é crítica no sentido de que está comprometida com mudanças sociais contínuas (Fairclough, 2001, p. 230). 59 Convencionalmente, considera-se que a ACD como uma ciência crítica de linguagem, sendo uma Teoria e exercendo, em concomitância, a função de método de análise. Por esta razão, é considerada transdisciplinar, pois operacionaliza conceitos tanto da Linguística quanto das Ciências Sociais. Ressalta-se ainda a forte influência que a ACD recebe das concepções do Realismo Crítico, que tem sua máxima representação em Roy Bhaskhar, concebendo as concepções e o funcionamento de estrutura social, mecanismos e eventos, bem como ressaltando a profundidade ontológica das ações humanas. A ACD consolidou-se como disciplina a partir de um simpósio realizado em Amsterdã em 1991, onde vários estudiosos da linguagem se reuniram para discutir o viés crítico de tais formas de estudo. Ramalho e Resende (2006) ressaltam os trabalhos de Bakhtin e Foucault que exerceram grande influência nos postulados da ACD. Do primeiro, adere-se a noção de dialogismo, pensando a linguagem não como sistema abstrato, e sim como resultado de interações, sendo o signo constituído ideologicamente e a partir das relações sociais. Cai por terra então a ideia de alternância entre dois parceiros na comunicação, pois a linguagem apresenta um caráter polifônico, ou seja, retoma e é retomada por diversas vozes que formam uma cadeia dialógica. Esta concepção é crucial para a ACD quando se pensa na linguagem como espaço de luta hegemônica, possibilitando a análise das escolhas linguísticas de um determinado sujeito e relacionando-as a determinadas vozes - e não outras- no intuito de se compreender as lutas pelo poder e as contradições sociais. Bakhtin (1977) contribui ainda com a noção de gêneros que têm a função de relativamente estabilizar a linguagem de acordo com condições específicas e que também refletem as esferas sociais em que são gerados. A concepção de linguagem como espaço de luta hegemônica advém da produção de Foucault (1977) que definiu linguagem enquanto prática que constitui o social, os objetos e os sujeitos sociais. Pensando nesta face constitutiva do discurso, analisá-lo significa especificar sócio-historicamente o contexto de sua produção, ou seja, os elementos que possibilitam, ou não, determinadas formações discursivas em determinado ambiente e em um tempo específico. Ainda de acordo com o estudioso, o poder é uma força exercida por 60 meio de práticas discursivas institucionalizadas que "adestram" os indivíduos e os adéqua de acordo com as adaptações necessárias. Ramalho e Resende (2006) trazem ainda algumas noções preliminares com vistas a oferecer um amplo background dos fundamentos dos postulados da Análise de Discurso Crítica. A exemplo, temos a concepção de "discurso" que remete à visão funcionalista , sendo definido enquanto linguagem em uso, contrário ao formalismo que o vê apenas como unidade acima da sentença. O próprio Fairclough (2003, p. 124) faz questão de enfatizar que: The term ‘discourse’ is used abstractly (as an abstract noun) for the domain of statements, and concretely as a ‘count’ noun (a ‘discourse’, ‘several discourses’) for groups of statements or for the ‘regulated practice’ (the rules) which governs such a group of statements. (…) I see discourse as a way of representing aspects of the world – the processes, relations and structures of the material world, the ‘mental world’ of thoughts, feelings, beliefs and so forth, and the social world9. Prossegue o autor afirmando que aspectos particulares do mundo serão representados de formas diferentes, assim, diferentes discursos filiam-se a diferentes perspectivas do mundo, que por sua vez estão associadas às diferentes relações que as pessoas mantêm com o mundo, assim como as suas identidades sociais e pessoais. O discurso, portanto, não só representa o mundo como ele é visto, mas é também projetivo, imaginário, representando possíveis mundos que são diferentes do atual, e entrelaçados a projetos de transformações que tomam direções particulares. Célia Maria de Magalhães (2001) especifica que Discurso na ACD é, portanto, uma forma de representação e também de ação no contexto da prática social, principalmente, no que tange à construção de identidades sociais, às relações sociais e a sistemas de crenças e conhecimentos. A autora apresenta ainda a definição de alguns conceitos chaves para a ACD como a Prática discursiva que se refere ao processo de produção, O termo discurso é usado abstratamente (como um substantivo abstrato) para o ‘domínio dos enunciados’, e concretamente como um substantivo contável (‘um discurso’, ‘vários discursos’) para grupos de enunciados ou para ‘prática regulada’ (as regras) que governa um determinado grupo de enunciados. Eu vejo o discurso com forma de representação de aspectos do mundoos processos, relações e estruturas do mundo material, o ‘mundo mental’ de pensamentos, sentimentos crenças e assim por diante, além do mundo social. TRADUÇÃO DA AUTORA. 9 61 distribuição e consumo de textos (elementos semióticos), variando de acordo com diferentes tipos de discurso e fatores sociais. Ordens de discurso, conjunto de práticas discursivas dentro de uma instituição, bem como as relações estabelecidas entre tais práticas. Gênero, estilo e discurso são elementos constitutivos das ordens de discurso. E ainda Prática social, este conceito, de acordo com Ramalho e Resende (2006), tem origem no materialismo históricogeográfico de Harvey , ou seja, referem-se a maneiras habituais pelas quais as pessoas, localizadas em espaço e tempo identificado, aplicam recursos materiais ou simbólicos sempre de maneira interconectada. Por isso, o discurso torna-se um dos momentos da prática social que envolve domínios da economia, política, cultura e vida cotidiana. Para Magalhães (2001), é a dimensão que pensa o discurso em relação à ideologia e ao poder. Dentro da perspectiva da ACD, o conceito de poder e hegemonia advêm dos estudos de Gramsci (1978), sendo a hegemonia, portanto, o contínuo foco de luta das classes dominantes sobre os pontos instáveis, no sentido de se reafirmar o poder e as ideologias, estas últimas, implicitamente, estruturam os modos de ação dos sujeitos sob a forma do senso comum que as legitima por meio do processo de naturalização. Para Fairclough (2003a), hegemonia trata-se de convenções discursivas atreladas a práticas que contribuem na manutenção do poder de um grupo por meio de interações verbais. Mas esta dominação é instável, temporária, disputando com forças sociais e outras classes, por isso a noção de luta hegemônica. E é justamente esta instabilidade que permite a rearticulação de elementos sociais com vistas à mudança por meio de agentes engajados, utilizando como ferramenta os eventos discursivos e embasados em processos reflexivos. A ideologia para a ACD é sempre vista como algo negativo por se tratar de significações, ou modos de simbolizar a realidade, que se utilizam da linguagem para estabelecer e sustentar as relações de dominação. Do Realismo Crítico (BHASKAR, 1975), a ACD utiliza a ideia de que a vida (social e natural) é um sistema aberto, composto de várias dimensões em que mecanismos (visíveis ou não) funcionam de forma interconectada. Assim, a análise deve buscar compreender os níveis mais profundos da realidade, já que esta se apresenta de forma estratificada. 62 Neste sentido, a inovação dos estudos de ACD reside no foco em mudanças sociais e discursivas, utilizando-se de um modelo proposto por Fairclough que contempla o texto, a prática discursiva e a prática social, descentralizando o foco no discurso durante o processo de análise e o definindo como um dos momentos sociais. Esta mudança no objeto de análise reitera exatamente o caráter dialético da ACD que procura abarcar todas as dimensões possíveis e situar o discurso como um dos elementos da vida social, que funciona interligado com os demais. Neste ínterim, Resende e Ramalho (2006) apresentam o enquadre de análise da ACD, composto por 5 passos: O primeiro passo seria a identificação de um problema, geralmente relacionado à distribuição assimétrica de recursos materiais e simbólicos, resultando na manutenção de poder. O segundo passo seria identificar os obstáculos para que o problema seja superado por meio da análise de conjuntura, da prática particular e do discurso, verificando os conflitos de poder na instância discursiva através da análise linguística e dos demais elementos da prática social. O terceiro passo consiste em identificar a função do problema na prática, de que forma colabora para a manutenção do poder. O quarto passo seria os possíveis modos de superação do problema, e o quinto seria reflexão sobre a análise, pois toda pesquisa em ACD deve ser reflexiva. Pensando que a ACD opera no sentido de articulação, desarticulação e rearticulação de elementos relativamente estabilizados na relação entre estrutura e eventos discursivos, torna-se imprescindível compreender como funciona este processo articulatório nos textos por meio da intertextualidade. A intertextualidade dá conta da articulação de transformações agenciadas pelo sujeito, que é visto como interpretante dos elementos textuais dos diferentes textos, portanto, interpretantes diferentes fazem leituras diferenciadas. A coerência, sendo um fator externo aos textos, possibilita tanto adequação a posições pré-estabelecidas textualmente, ou total resistência às mesmas. 3.3 A identidade sob o viés do significado identificacional e estilo de Fairclough A Linguística Sistêmica Funcional, postulada por Halliday (1994), é o arcabouço linguístico que ofereceu à ACD uma percepção geral de linguagem ao conceber as três metafunções da linguagem. A partir destas identificações, 63 Fairclough recontextualiza os conceitos, preferindo referir-se às funções enquanto “significado”, postulando assim: Significado Representacional (Metafunção Ideacional): dentro de um texto funcionam diversos discursos que, por sua vez, expressam diferentes visões, diferentes formas de se portar no mundo e de encarar a realidade, e a esta heterogeneidade de vozes dá se o nome de interdiscursividade. A partir desta constatação, a ACD teoriza algumas categorias de análise que procuram identificar estes diferentes discursos e compreender a maneira como se articulam no texto. A maneira como os atores sociais são representados aponta a posição ideológica que se assume em relação aos mesmos, presentes nos textos e nas interações sociais. Outra categoria de análise diz respeito à escolha de determinadas palavras em detrimento de outras, evidenciando o conflito ideológico que a variação semântica pode apresentar. Significado acional e gênero (Metafunção Textual): para além de considerar apenas os elementos textuais, Fairclough inclui nesta categoria as representações e negociações das relações sociais. Utilizando-se do conceito de Baktin sobre gêneros, o autor associa cada prática social a determinado gênero, com suas particularidades e elementos regulatórios de discursos, e devido a sua mobilidade, há um forte apelo de hibridismo dentro dos gêneros. A maneira como se reporta a esta ou a outra voz, direta ou indireta, aferida através de mudanças verbais, pronominais, etc., também reflete o uso do poder na linguagem, com consequências valorativas ou depreciativas. Significado identificacional e estilo (Metafunção Interpessoal): diz respeito ao aspecto discursivo da identidade, ou seja, o estilo aponta a identidade dos atores sociais. Nesta categoria, analisa-se a avaliação, que inclui sentenças que exprimem um juízo de valor e relação afetiva, podendo se apresentar de maneira explícita ou mais subjetiva; a modalidade, que envolve o entendimento que o falante tem sobre as probabilidades e obrigatoriedade daquilo que diz, principalmente, pelo uso de verbos, advérbios modais e adjetivos dentro da polaridade negativo/positivo; e a metáfora, defendida como base estruturante do pensamento, indica a maneira como o falante se identifica, ou seja, o uso de determinada metáfora representa filiação a uma determinada forma de se significar no mundo e não outra. 64 Este último significado, especificamente a noção de estilo, é de fundamental importância para o presente trabalho, pois nos permitirá analisar os aspectos discursivos da identidade dos atores sociais envolvidos na pesquisa. Neste sentido, entende-se que: Styles are the discoursal aspect of ways of being, identities. Who you are is partly a matter of how you speak, how you write, as well as a matter of embodiment- how you look, how you hold yourself, how you move and so forth. Styles as linked to identification. (FAIRCLOUGH, p159, 2003)10 Fairclough opta pelo uso do termo “identificação” em relação à identidade, por ser o que melhor define este processo, pois enfatiza a maneira como as pessoas identificam a si mesmas e como são identificadas pelos outros. Discursos são inculcados em identidades, ou seja, a visão dialética pressupõe que os significados identificacionais nos textos podem ser vistos como significados representacionais pressupostos, assunções nas quais as pessoas identificam a si mesmas da forma que o fazem. Estilos são realizados por meio de características linguísticas no nível fonológico (pronúncia, entonação, acentuação, ritmo), no vocabulário (esta variação pode ser identificada por meio da intensificação de advérbios) e nas metáforas. Mensagens sobre a identidade social (classe social, por exemplo) e sobre a personificação são transmitidas por meio da variada seleção que as pessoas fazem no uso das palavras. Fairclough (2003) aponta ainda que o estilo tem a ver com um jogo entre língua e linguagem corporal, a identidade política de uma pessoa, por exemplo, está relacionada à sua expressão facial, seus gestos, sua postura, corte de cabelo, modo de se vestir, etc. Utilizando os conceitos da Linguística Sistêmica, Fairclough elenca três parâmetros para estilos: o teor, que trata do tipo de relação estabelecida (formal, informal, etc.); o modo, que se refere à modalidade de textos (falado, escrito ou ambos) e o modo retórico que trata da classificação (argumentativa, descritiva ou expositiva). 10 Estilos são os aspectos discursivos das formas de ser, ou seja, identidade. Quem você é implica, em parte, em como fala, como escreve, tanto quanto uma questão de personificação: sua aparência, como se move, como se comporta, assim por diante. Estilos estão ligados à identificação. TRADUÇÃO DA AUTORA. 65 3.3.1. Modalidade e Avaliação De acordo com Fairclough (2003a), a maneira de se entender claramente como as pessoas identificam a si mesmas é por meio das categorias de modalidade e avaliação, que o autor chama de textualidade das identidades, pois apontam o nível de comprometimento com aquilo que se diz. O modo pela qual as pessoas se comprometem em um texto, indica duas possibilidades de se analisar tal quesito: por meio da modalidade, que seria o julgamento do falante sobre a obrigatoriedade e possibilidade daquilo que se diz, ou seja, o que é verdadeiro e necessário; e por meio da avaliação (ou modalização) que se refere aos valores do falante em relação ao que diz, se é desejável (bom), ou não (ruim), etc. Fairclough reinterpreta o conceito de modalidade a partir das postulações de Halliday e a categoriza em: modalidade epistêmica, quando se trata de um contexto de troca de conhecimento e está relacionada ao nível do comprometimento com a verdade daquilo que se diz; e modalidade deôntica que se insere na situação de trocas de atividades e refere-se ao nível de obrigatoriedade/necessidade. (RESENDE E RAMALHO, 2006, p. 82). Basicamente, a modalidade ocorre por meio do uso dos verbos modais (deve, deveria, pode, poderia, etc.), mas, como Fairclough aponta, também pode ocorrer de forma implícita no enunciado, ou ainda através de outros recursos linguísticos como interjeição, adjetivos e entonação. O que deve se manter é a ideia de que há níveis de comprometimento com a verdade, bem como de necessidade, e estes podem ser mensurados, no contexto do enunciado, em graus que variam entre alto, médio ou baixo. A exemplo, na sentença, “ele certamente virá” há um alto nível de comprometimento, enquanto que em “ é possível que ele venha” o nível é baixo. Quanto à obrigatoriedade, o mesmo se aplica nas seguintes sentenças: “ você precisa abrir a porta” e “ você tem permissão para abrir a porta.” Ainda no quesito modalidade, Fairclough (2003a) faz distinção entre as categorias subjetiva e objetiva, a primeira ocorrendo quando se está claro, explicitamente, que o julgamento é algo que parte do próprio falante, é uma afinidade pessoal; quanto à última já não temos claro esta distinção, o 66 julgamento aparece em forma implícita, não se sabe se “o falante projeta seu ponto de vista como universal ou age como veículo para o ponto de vista de um outro indivíduo ou grupo.” (FAIRCLOUGH, 2001, p. 200) Quanto à avaliação, trata-se de enunciados que reiteram a ideia de que algo seja desejável ou não, inclui “avaliações afirmativas (que apresentam juízo de valor), afirmações com verbos de processo mental afetivo (tais como “detestar”, “gostar”, “amar”) e presunções valorativas (sobre o que é bom ou desejável). (RESENDE E RAMALHO, 2006, p. 79). Para a avalição, pode-se utilizar um atributo, um verbo, um advérbio ou um sinal de exclamação. Faircough (2003a) chama atenção para o fato de que sentenças que tratam da importância, ou utilidade de algo, também podem ser avaliativas, posto que, por exemplo, se algo é “importante” é porque, talvez, seja bom. Aqui também há a ocorrência implícita, onde a avaliação sobre algo não está claramente marcada, mas pode ser apreendida quando da análise aprofundada daquilo que está presumido. Para esta categoria de análise o autor propõe uma medida que avalia o nível de intensidade que vai de alta, passando por média, até baixa intensidade como em “eu adoro/amo/gosto disso.” 67 CAPÍTULO 4 METODOLOGIA Neste capítulo serão descritos os procedimentos utilizados na pesquisa. Na primeira seção, discorro sobre a abordagem da ACD enquanto método de análise. Na segunda, explano sobre a abordagem qualitativa e quantitativa de pesquisa, sendo esta última utilizada apenas para dar suporte à análise dos dados. Na terceira, descrevo o contexto do ambiente da pesquisa - a Escola Estadual Mário Spinelli onde está implantado o projeto SUPERHAÇÃO. Na quarta seção, apresento os procedimentos de coleta de dados, dando enfoque à aplicação dos questionários e entrevistas. Na quinta, delineio os sujeitos da pesquisa. Na sexta e última seção, discorro sobre as categorias de análise que compõem o quadro analítico desta pesquisa. 4.1 ACD como método de pesquisa Convencionalmente, considera-se a ACD uma ciência crítica da linguagem, sendo uma teoria e exercendo, em concomitância, a função de método de análise. Neste sentido, Magalhães (2001) afirma que, no contexto da análise textual propriamente dita, devemos voltar a atenção para o vocabulário, a gramática, a coesão e a estrutura textual. Para a prática discursiva, deve ser levada em consideração a força dos enunciados, a coerência e a intertextualidade. Para a análise da prática social, deve-se pensar o conceito de hegemonia e poder, percebendo como o discurso retoma as hegemonias existentes. A autora aponta, ainda, que as pesquisas em análise crítica têm apresentado três tendências de transformação que afetam a ordem do discurso societal: a democratização, a comodificação e a tecnologização do discurso. Reitera, também, o caráter transdisciplinar da ACD, pensando o discurso como recurso semiótico, inserindo sua análise no contexto da sociedade na modernidade tardia, identificando a possibilidade de mudanças pelo aspecto instável desta última. 68 Para se utilizar a ACD como método de pesquisa, Ramalho e Resende (2006), com base em Chouliaraki e Fairclough (1999) apresentam o enquadre de análise de Fairclough, composto por 5 passos11: 1) Identificação do problema; 2) Obstáculos a serem enfrentados; 3) Função do problema na prática; 4) Possíveis maneiras de superar os obstáculos; 5) Reflexão da análise. No que se refere a esta pesquisa, pode-se afirmar que o primeiro momento se realizou quando da identificação da necessidade de buscar meios para lidar com agravantes sociais, como o uso de drogas e a violência, dentro do espaço da escola. Além de lidar com aspectos pedagógicos, a escola precisa estar preparada para enfrentar toda sorte de problemas sociais que possam aflorar no cotidiano escolar, ainda mais em um tempo de constantes mudanças e adaptações conflituosas, como é o caso dos jovens e adolescentes participantes das grandes transformações sociais pós-contemporânea. No contexto aqui retratado, o Projeto SUPERHAÇÃO (que será mais detalhado a seguir) ofereceu um amplo campo de pesquisa por conta de seu caráter transformacional que lida diretamente com o supracitado problema, posto que tenha como objetivo ações que visem a prevenção e a intervenção do uso indevido de drogas na escola Estadual Mário Spinelli, localizada no município de Sorriso, norte do estado de Mato-Grosso. O segundo momento, obstáculos a serem enfrentados, a análise dos enunciados dos sujeitos da pesquisa, disposta no próximo capítulo, poderá informar, ao menos no contexto do aspecto discursivo, quais seriam alguns dos entraves para que seja superado o problema na vida dos adolescentes, principalmente, em um contexto escolar. Estes entraves, por suas vez, estarão ligados a questões de processos de identificação, razão pela qual se priorizou um viés teórico que estivesse relacionado a esta temática, pois, levando em 11 Quadro formulado pela autora a partir das concepções dos supracitados autores. 69 conta as considerações teóricas apresentadas, pode-se afirmar, por exemplo, que o jovem busca em ações transgressoras uma forma de aceitação pelo grupo. Procuram-se, também, os pontos de conexão entre o aspecto linguístico do discurso e demais elementos da prática social, bem como compreender a maneira como estão em funcionamento as ideologias no contexto desta prática. O terceiro momento, função do problema na prática, refere-se à identificação do papel que este problema desempenha no contexto social, por meio da análise dos elementos linguísticos a partir das categorias de análise escolhida, como, também, através da compreensão da maneira como os sujeitos investigados se posicionam é possível entender se existem razões para que o problema não seja enfrentado. A exemplo, temos na fala da coordenadora a constatação do não envolvimento efetivo dos professores com as ações do projeto, cabe aqui se pensar então quais seriam as justificativas para tal ação. O quarto momento diz respeito às maneiras de superação do problema em questão, e pode-se afirmar que a própria razão de ser desta pesquisa responda a este quesito. Compreender como a música influencia os processos de identificação destes jovens, voltando um olhar ontológico para os mecanismos em funcionamento na estruturação dos alunos enquanto sujeito, é uma maneira de se propor uma forma de superação. Para haver transformação em uma sociedade, é preciso penetrar nas raízes dos problemas sociais, com suas estruturas, mecanismos e poderes, o mesmo se aplica no que tange à transformação de indivíduos. Precisamos compreender os elementos mais profundos, que intervém em sua estrutura emocional, resultando em seus problemas. Busca-se, portanto, apontar estratégias significativas do ensino da LI que indiquem mecanismos potenciais de enfretamento das adversidades sociais mediante o uso de músicas dentro do contexto do Projeto SUPERHAÇÃO. O quinto e último momento será em forma de uma autoanálise reflexiva retratando os aspectos transformacionais, deste presente trabalho, no intuito de se encerrar o estágio de uma análise de discurso majoritariamente crítica. 70 4.2 Do caráter qualitativo e quantitativo da pesquisa No âmbito da linguagem, a pesquisa de cunho qualitativo tem sido uma das formas de pesquisa mais utilizadas no campo dos estudos humanísticos. Chueke e Lima (2012) apontam as mudanças que sofreu o conceito de pesquisa qualitativa, que tem sido influenciado, principalmente, por duas vertentes: positivismo-lógico e o interpretativismo. De acordo com os referidos autores, resumidamente, a pesquisa qualitativa iniciou-se com a fase etnográfica, período do surgimento dos trabalhos de campo; em seguida, houve a chamada “era dourada” com a tentativa de, rigorosamente, formalizar métodos quase estatísticos para os estudos qualitativos; logo depois, o foco recai sobre a interpretação dos resultados encontrados, procurando-se por generalizações de interpretação; e, por último, percebe-se que o contexto influencia em muito nos significados, e que as generalizações já não abarcam tal complexidade. Assim, com o questionamento dos critérios e métodos tradicionais, surgem várias estratégias e métodos de pesquisa em uma tentativa de diálogo, razão pela qual Flick ( Apud Godoi, 2006) atribui à pesquisa qualitativa o termo “guarda-chuva” por abrigar várias formas de investigação, como o estudo de caso, narrativa de vida e etnografia, que dão auxilio aos investigadores na compreensão dos acontecimentos. Vale ressaltar que “a pesquisa qualitativa não procura enumerar ou medir eventos estudados, nem prega referencial estatístico na análise de dados, os interesses vão se definindo à medida que o estudo se desenvolve” (CHUELE E LIMA, 2012, p. 65 ). Para Denzin e Lincoln (2006), trata-se de uma atividade que permite a localização do observador no mundo, e lhe dá a possibilidade de participar do processo de pesquisa de forma criativa e interativa. É um conjunto de ações interpretativistas que busca compreender o fenômeno pesquisado por meio das significações atribuídas pelos sujeitos da pesquisa. Assim, a pesquisa qualitativa pauta-se no mundo das experiências vivenciadas, em que há o encontro e a confluência das crenças individuais, culturais e da ação humana. Jaime Jr. (2002) compara o pesquisador qualitativo a um interprete que traduz os significados construídos socialmente e ressignificados pelo sujeito da pesquisa, sendo sua própria interpretação, ou os elementos sociais e culturais 71 da sua biografia, partes do processo. Chueke e Lima (2012) corroboram esta assertiva ao definirem como característica da pesquisa qualitativa entender a realidade enquanto múltipla e subjetiva, sendo, portanto, construída de maneira diferente por sujeitos diferentes, sendo estes não objetos, mas agentes que participam ativamente do processo transformacional. Portanto, para apreender esta multiplicidade de vozes, o pesquisador precisa atuar empaticamente com seu sujeito de pesquisa, em um processo dialético, onde seus próprios valores farão parte da construção dos resultados. Os pesquisadores assim dão “ênfase às qualidades das entidades e aos processos e significados que não são examinados ou medidos experimentalmente” (DENZIL & LINCOLN, 2006, p. 23). A escolha desta abordagem como parâmetro para a realização da pesquisa aponta exatamente para seu caráter social, no sentido de que procura abarcar os elementos constitutivos de cada contexto explorado e a maneira como os sujeitos se localizam no interior de cada prática. Creswell (1998) aponta ainda que cinco são os modelos de pesquisa qualitativa: a biografia (ou estudo biográfico), o estudo fenomenológico, a “grounded theory” ou teoria fundamentada, a etnografia e o estudo de caso. Seguindo as explicitações de Holanda (2006) sobre os cincos modelos, pode-se dizer que este trabalho se encaixa nos moldes de um trabalho fenomenológico, posto que: constitui-se numa abordagem descritiva, partindo da idéia de que se pode deixar o fenômeno falar por si, com o objetivo de alcançar o sentido da experiência, ou seja, o que a experiência significa para as pessoas que tiveram a experiência em questão e que estão, portanto, aptas a dar uma descrição compreensiva desta. Destas descrições individuais, significados gerais ou universais são derivados: as “essências” ou estruturas das experiências. (HOLANDA, 2006, p. 371) Ou seja, procura-se compreender determinado fenômeno a partir das falas de sujeitos que o vivenciam, e então faz-se uma análise, explicação ou interpretação dos dados obtidos. Assim, percebeu-se a grande influência da música, principalmente em inglês, na vida dos adolescentes (fenômeno), e com o intento de se descobrir a função que esta tem exercido nos processos de 72 identificação dos mesmos, escolheu-se os sujeitos específicos (no contexto do projeto SUPERHAÇÃO) que vivenciam esta experiência e relataram suas impressões, possibilitando, portanto, a presente análise. Algumas pesquisas têm utilizado as duas abordagens (qualitativa e quantitativa) no âmbito de um mesmo estudo, uma vez que os dados matemáticos quantificados oferecem suporte à análise da pesquisa qualitativa. De acordo com Falcão e Régnier (2000), a quantificação dos dados permite uma observação mais pontuada e específica de uma informação, que, a priori, não seria diretamente visualizada em uma massa de dados. Assim, “a quantificação abrange um conjunto de procedimentos, técnicas e algoritmos destinados a auxiliar o pesquisador a extrair de seus dados subsídios para responder à(s) pergunta(s) que o mesmo estabeleceu como objetivo(s) de seu trabalho”. (FALCÃO & RÉGNIER, 2000, p. 232). Gatti (2004) ressalta a importância de se fugir ao uso mecânico de técnicas de análises quantitativas, pois as mesmas devem servir com referência que nos oferecem indícios e plausibilidades, mas não verdades absolutas. Assim, o tratamento dos dados quantitativos firma-se no domínio de conhecimento do contexto de produção, da área de estudos, da teorização e seus contornos epistêmicos. No presente trabalho, optou-se também pela aplicação da abordagem quantitativo, no sentido de se mensurar as repostas encontradas nos questionários aplicados, pensando-se exatamente em seu caráter embasador, servindo-nos como pano de fundo para uma análise que contemple todo o contexto social em que estão inseridos os sujeitos de pesquisa. 4.3 Do contexto da pesquisa: Projeto SUPERHAÇÃO A escola Estadual Mário Spinelli está localizada na Av. Blumenau, 1831Bairro Morada do Sol em Sorriso-MT, fundada em 02 de Junho de 1982 sob a portaria de número 1887, oferece o Ensino Médio como Modalidade de Ensino Regular (3 anos) e também o EMIEP-Ensino Médio Integrado à Educação Profissional de Técnico em Informática. Conta com 46 turmas ao todo, aproximadamente 1304 alunos, 100 profissionais da educação incluindo professores habilitados nas áreas específicas e servidores administrativos. 73 Funciona em três turnos: matutino, vespertino e noturno. A formação de turmas obedece à ordem de matrículas. A escola tem salas anexas nos distritos de Primaverinha e Caravágio, na modalidade Educação do Campo, para atender os alunos que não têm condições de se deslocar até o município para estudar. Atualmente na escola estão em funcionamentos dois projetos, o Educomunicação e o SUPERHAÇÃO, sendo este último nosso foco de interesse. O projeto SUPERHAÇÃO é uma idealização de três professoras que realizaram, em 2009, uma especialização à distância para professores da escola pública, com o tema de prevenção ao uso de drogas. O curso fora ofertado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD) do Ministério da Justiça (MJ). Como aplicabilidade ao trabalho final do curso, resolveram desenvolver o projeto na escola. Isso em 2010, pois das três, apenas uma permanece até hoje coordenando e incentivando as atividades no espaço escolar. As referidas professoras perceberam que a escola recebia um fluxo constante de alunos oriundos das mais diversas localidades do Brasil, pelo próprio contexto da cidade que é alvo de muitas migrações. Assim, uma mistura de realidades aflorava na escola, trazendo à tona diversas problemáticas, como insegurança, violência, marginalização, a exclusão, a falta de ética, a carência de uma reflexão crítica, a crise de valores e o próprio envolvimento de alguns estudantes com o uso de substâncias ilegais. Perceberam que, principalmente no turno noturno, era grande a evasão de alunos por conta destes e outros fatores, e assim elas concluíram que se fazia necessária uma intervenção, por entender que as atividades propostas pela escola devem vir ao encontro dos interesses dos alunos, das suas necessidades e de seus anseios perante as problemáticas enfrentadas por eles e pela sociedade. A justificativa para o projeto encontra-se na constatação de que, apesar de conclamarem necessárias ações deste tipo, os professores da educação básica e a própria gestão escolar não se manifestavam de forma ativa para tratarem do assunto em suas próprias disciplinas, na maioria das vezes, por falta de conhecimento mesmo. Tanto que uma das primeiras ações foi ofertar uma formação para estes professores com profissionais da área da saúde e da justiça. Um dos principais objetivos do projeto é o planejamento anual de conteúdo sistematizado em uma Proposta Pedagógica inter e multidisciplinar, 74 que contextualize a problemática do uso indevido de drogas em cada conteúdo aplicado. O projeto segue os três tipos de prevenção estabelecidos pelas literaturas da área, quais sejam: primária, o trabalho com aqueles que ainda não se envolveram, no sentido de se prevenir que isso venha a acontecer; secundária, se refere àqueles que estão em situação de risco ou que já experimentaram, e para evitar que o uso se torne nocivo pode-se fazer encaminhamento a especialistas que poderão auxiliar no tratamento; e a terciária, aqueles já envolvidos em uso nocivo e precisam de encaminhamentos para o tratamento da dependência. Todos os alunos regularmente matriculados e a comunidade são alvos do projeto. A agenda inclui palestras com profissionais de diversas áreas, oficinas, debates, visitas de campo (casa de recuperação, instituições parceiras, etc.), publicações, campanhas de prevenção e muito mais. Após o primeiro contato, se houver interesse, aqueles alunos inseridos no público da prevenção primária têm chance de se tornarem agentes efetivos dentro do projeto, são os chamados agentes multiplicadores. Estes alunos, assim como os professores, recebem uma formação e são capacitados para agir juntamente com os coordenadores, seja na disseminação dos ideais, seja na identificação de colegas em situação de risco ou já na fase terciária. Sendo este último, um trabalho totalmente sigiloso. Com essas ações, o projeto já encaminhou vários alunos para tratamento específicos, e também já conseguiu, junto ao poder público, a liberação para internação de alunos usuários. Atualmente o projeto tem concentrado suas ações em torno da necessidade de um acompanhamento mais eficaz dos alunos encaminhados, bem como da efetivação das propostas na sala de aula através de todas as disciplinas. Inclusive, este trabalho volta-se especificamente para a inserção de debates deste cunho nas aulas de LI. Assim, procurou-se primeiro saber se as ações estão ocorrendo no contexto da referida disciplina, e pretende-se, ao final do trabalho e com os resultados obtidos, apontar possíveis caminhos para que se efetive este processo transformacional em sala, ao utilizar-se de uma poderosa ferramenta sócioafetiva que é a música. 75 4.4. Da coleta de dados 4.4.1 Questionários Neste trabalho, além do caráter qualitativo de pesquisa, utilizei a abordagem quantitativa aplicando um questionário (ANEXO I) a 174 alunos de duas turmas de 1º ano, duas turmas de 2º ano e duas turmas de 3º ano do período matutino da Escola Estadual Mário Spinelli, com faixa-etária entre 13 a 21 anos. A escolha por esta forma de coleta de dados justifica-se em sua capacidade de atingir um número maior de pesquisados e, neste caso, em especifico, teve como objetivo saber se os alunos tinham conhecimento do projeto em vigor na escola e sua opinião sobre o mesmo, bem como sua relação com a música. A abordagem quantitativa serviu, também, para complementar a análise dos dados. Seguindo os conceitos de Gil (1989), as perguntas se constituíram em abertas (respostas pessoais, sem restrição), fechadas (respostas específicas, escolha de uma das opções) e duplas (uma fechada e uma aberta). Em termos quantitativos, os dados obtidos foram submetidos a um processo matemático denominado de “regra de três simples com grandezas proporcionais” para descobrir a porcentagem a que equivalia o número de respostas obtidas. Dessa forma, precisávamos de quatro valores dos quais três apenas eram conhecidos e o quarto (x), neste caso a porcentagem. O resultado foi encontrado por meio do cálculo assim configurado no exemplo a seguir de respostas a pergunta: “são feitas atividades com uso de música na disciplina de LI?”: 174 (alunos responderam) = 100% X 140 (disseram que nunca) = (multiplicação cruzada) X%? Assim: 174 x: 100.140 x: 14.000 / 174 x: 80. 4% 76 As respostas referentes à opção “nunca”, por exemplo, corresponderam a 80% do total apresentado. Processando as outras respostas encontradas, seguindo o mesmo esquema acima elucidado, elaboramos então o seguinte gráfico, que sintetiza os resultados obtidos: São feitas atividades com uso de músicas na disciplina de Língua Inglesa? 100,0% 80,4% 80,0% 60,0% 40,0% 18,1% 20,0% 0,0% 1,5% Nunca Às vezes Sempre 4.4.2 Entrevistas De acordo com Gil (1989), a entrevista é uma das técnicas mais usada no âmbito das ciências humanas, pois permite uma profunda coleta de dados acerca do comportamento humano referente aos mais diversos aspectos da vida: é flexível, e além de os dados poderem ser quantificados, pode-se também apreender outros fatores como a expressão corporal e o próprio tom de voz. Considerando a amplitude desta técnica, optei por entrevistar oito sujeitos envolvidos no contexto do projeto SUPERHAÇÃO, sendo uma professora de inglês, dois agentes multiplicadores e cinco alunos considerados envolvidos, ou próximos, a um contexto de uso de drogas. As entrevistas com estes sujeitos nos possibilitaram perceber mais claramente a maneira em que se concretizavam os dados apontados nos questionários, por meio das marcas linguísticas percebidas nos enunciados ficaram em evidência os sentimentos dos mesmos com relação aos temas abordados. Todos os alunos foram entrevistados na escola, em horário de aula, num espaço cedido pela direção. A professora foi entrevistada em um ambiente fora 77 da escola. Em relação às condições da entrevista, dois dos alunos tiveram muita dificuldade em responder às perguntas por sua própria condição psicológica já afetada pelo uso nocivo das substâncias, era necessário repetir as perguntas constantemente, e eles sempre se perdiam no meio das respostas, o que acabou dificultado a transcrição. Mas todos se mostraram acessíveis e responderam de bom grado. A entrevista apresentava caráter semiestruturado, ou seja, as perguntas seguiam uma estrutura, mas, dependendo das respostas, novos tópicos poderiam ser inseridos, desde que não fugissem à temática. As perguntas iniciais eram mais abrangentes sobre o projeto em si, e iam se afunilando, até chegar à especificidade da relação dos alunos com a música. As entrevistas duraram em média de 20 a 40 minutos dependendo da prolongação das respostas e inserção de novos tópicos. 4.5 Sujeitos da pesquisa Para melhor conhecer os sujeitos de pesquisa, serão relatados neste tópico informações que foram possíveis obter referente a cada um. Por questão de sigilo e ética, os nomes são fictícios. A professora Pedrina é formada em biologia, mas por mais de 20 anos morou nos Estados Unidos e por esta razão assume também algumas aulas de inglês na escola onde atua. É uma professora muito envolvida com o projeto e se preocupa em conversar com os alunos sobre as temáticas mais agravantes. Devido ao conhecimento de sua área de formação, contribui muito na identificação dos usuários e nas ações preventivas. Pedro é um dos agentes multiplicadores, está no terceiro ano e participou ativamente do projeto quando cursava o 1º ano. Sua decisão em participar baseava-se na vontade de ajudar alguém muito próximo que estava envolvido e, ao se inserir no contexto do projeto, aumentou sua vontade de ajudar outras pessoas. Mariana também participou como agente, no começo, apenas por curiosidade, mas, sentiu-se incentivada pela palestra de um dos convidados e 78 decidiu agir junto de seus colegas envolvidos no contexto de uso de substância e relata que percebeu um resultado positivo por parte destes. Junior é aluno novo na escola, cursa o 2º ano do Ensino Médio, na época da entrevista estava apenas há dois meses na cidade e ainda não conhecia o projeto. Era um dos casos mais graves de envolvimento explicito e assumido com substâncias químicas, inclusive revelou ter saído da cidade de origem por conta de desavenças. Mostrava-se visivelmente alterado, apresentando grande dificuldade em se concentrar nas perguntas, mas respondeu em conformidade ao esperado. Jonas é colega de Junior, também do 2º ano do Ensino Médio, possui um histórico de envolvimento com situações problemáticas no contexto da escola e também envolvimento com entorpecentes. Paulo é aluno inserido na categoria de risco, também do 2º ano do Ensino Médio. Já se envolveu em situações com a polícia por estar próximo a pessoas relacionadas ao mundo do crime e uso de substâncias. Os pais já foram chamados à escola, pois Pedro foi visto junto de um aluno armado na escola. Mostrou-se bem consciente em relação à necessidade de mudança e afirmou concordar com a importância de projetos deste teor no âmbito da escola. Wellington, aluno do 2º ano, com quadro parecido ao de Paulo, mostrouse um tanto cético em relação ao efeito das substâncias, ao dizer que chegou a usá-las várias vezes e não se viciou. Foi visto pela coordenação oferecendo drogas dentro da escola. Gustavo, aluno do 2º ano, não chegou a assumir envolvimento com uso de substâncias químicas, mas seu histórico o faz ser inserido na categoria de risco por estar próximo a alunos que estão envolvidos. 4.6 Da análise dos dados A análise será feita como base no levantamento das categorias identificadas nos questionários e nas entrevistas. Serão definidos alguns temas que se sobressaíram no decorrer da verificação dos dados, e para cada tema serão apresentados exemplos retirados dos questionários e das entrevistas. O questionário nos oferece uma visão geral das impressões dos alunos quanto ao projeto e mostra, também, da relação destes com a música no 79 contexto geral, e com música em Língua Inglesa, em específico. As respostas das perguntas objetivas foram quantificadas e transformadas em gráficos (conforme 4.4), e as perguntas subjetivas servem como pano de fundo para as reflexões apresentadas, já que nos oferecem dados que permitem analisar as percepções dos alunos pesquisados, como pode ser visualizado no quadro a seguir, que mostra respostas a algumas perguntas mais incisivas: Quadro III- Respostas do questionário Pergunta Aluno 1 Aluno 2 Aluna 1 Aluna 2 4Estes temas (drogas, violência, etc.) são trabalhados nas aulas de inglês? De que forma? (Subjetiva) 5São feitas atividades com uso de músicas na disciplina de Língua Inglesa? (Objetiva) 6- Você gosta (ria) que as músicas sejam (fossem) utilizadas como ferramentas de aprendizagem nas aulas de inglês? (Objetiva) 11Você acredita que o gosto musical influencia na hora de fazer novas amizades? (Objetiva) 12Em se tratando de música estrangeira, em qual idioma você ouve mais músicas? (Subjetiva) Não, falamos de conteúdos relacionados ao ENEM Não Por enquanto ainda não vi Não, pelo menos aqui no Mário não. Às vezes Nunca Nunca Nunca Sim Sim Sim Sim Depende Depende Nunca Depende Inglês Inglês Inglês Inglês Para auxiliar no cálculo matemático foi feita uma contabilização dos questionários por meio de levantamento da quantidade das respostas mais evidenciadas em cada questão, de acordo com a turma e o gênero sexual dos alunos, como mostra a figura a seguir: 80 81 A título de contextualização, retomo aqui as perguntas da pesquisa como forma de organizar e clarear os passos adotados neste trabalho, quais sejam: (1) Existe ou não preferência por parte dos alunos pela música em língua inglesa? Qual o gênero musical escolhido e qual o entendimento destes acerca do significado dos itens lexicais apresentados nas canções? (2) Os professores de Língua Inglesa propõem utilizar o gênero musical na escola? (3) A música em inglês suscita algum tipo de debate, ou reflexões, que objetivem um posicionamento crítico e de transformação por parte dos alunos? (4) Qual a percepção dos alunos sobre a existência de um projeto na escola que trabalhe com a prevenção ao uso de drogas? (5) Quais os elementos do significado identificacional presentes nos enunciados dos jovens e adolescentes envolvidos com a música em língua inglesa? (6) Qual é o papel da música nos processos de identificação dos alunos? A seguir, apresento então o capítulo de análise que intenciona responder tais perguntas. 82 CAPÍTULO 5 ANÁLISE DOS DADOS Neste capítulo apresento a análise de dados. Serão considerados os temas de maior relevância, identificados tanto nos questionários quanto nas entrevistas e que respondem diretamente às perguntas de pesquisa. E, como já explicado na metodologia, primeiramente analisaremos as respostas encontradas nos questionários e, em seguida, traremos a análise dos enunciados das entrevistas que se referem ao mesmo tema em debate na sessão. Ao considerar o interesse em compreender a influência da música na vida dos entrevistados, na primeira seção, serão apresentados e analisados os dados encontrados a este respeito, tanto nos questionários, quanto nas entrevistas. Analiso os enunciados dos alunos que mostram se suas preferências tendem mais para músicas nacionais ou estrangeiras, bem como, também, as razões para tais escolhas. Na segunda, mostro qual o espaço que a música em inglês ocupa na vida dos adolescentes e de que forma esta influência tem contribuído nos processos identitários dos mesmos. Exponho as percepções dos entrevistados sobre o uso que os professores efetivamente fazem das músicas em inglês nas aulas, bem como seus posicionamentos a este respeito, e se gostariam que esta ferramenta fosse utilizada em sala. Na terceira seção, analiso os enunciados que dão conta da opinião dos entrevistados sobre a possibilidade de se utilizar músicas em inglês como ferramenta para promover debates e reflexões no âmbito do projeto SUPERHAÇÃO. Na quarta seção, faço uma análise que mostra o nível de comprometimento dos pesquisados com o projeto, se o consideram importante, ou não, e suas justificativas. Na quinta seção, apresento, então, uma quantificação das categorias de modalidade e avaliação para mostrar claramente o comprometimento dos sujeitos com o que foi dito. Por último, serão apresentadas reflexões gerais que abarcam todo o processo de análise e as conclusões que os dados apontam. 83 5.1 “O que a música representa em minha vida?” A música apresenta-se como um elemento constante e influenciador na vida das pessoas em geral e na dos adolescentes em específico. Pode ser vista como ferramenta de aprendizagem; para superação de problemas de saúde; como influenciadora de comportamentos e processos identitários; como forma de convencimento no âmbito comercial e também como um tipo de linguagem reflexivo-afetiva. Fio condutor desta pesquisa, a música e sua significativa presença na vida dos adolescentes será o tema agora abordado. Ao responder o questionário, os alunos tinham 5 perguntas específicas sobre a presença e a influência da música em suas vidas, sendo: o tempo diário que ouviam música; se preferiam música estrangeira ou brasileira e por quê; a semelhança ou diferença dos gostos musicais no círculo de amizade; e se este gosto influencia na escolhas de novos amigos. Neste sentido, os sujeitos envolvidos na pesquisa responderam de acordo com o esperado no que tange ao relacionamento com a música em geral. Tanto no questionário, quanto nas entrevistas, as respostas foram efusivas quando se trata do envolvimento com a música. Mas, como explicitado no capítulo metodológico, nesta primeira parte, trato apenas das respostas encontradas nos questionários, em seguida analiso os enunciados encontrados nas entrevistas. No quadro ilustrado a seguir, foram elencadas as respostas mais contundentes no que se refere ao significado da música na vida dos adolescentes. As mesmas compõem-se de respostas subjetivas e estão apresentadas de acordo com o número de ocorrência, em ordem decrescente. Quadro IV- Resposta dos Questionários – “Sensações que a música provoca” Pergunta: Respostas mais evidenciadas: Como você se sente quando ouve Bem músicas? Calmo/ Relaxado/ Tranquilo Feliz Disposto/Animado/Motivado Leve /Livre Longe/ Viajando/ Em outro mundo/Desconectado Triste/Deprimido Reflexivo/ Pensativo 84 Aqui percebemos a evidencia de adjetivos e advérbios que corroboram as ações previstas para a música e seus papéis. Ao apontarem seus estados emocionais provocados pela música, dizendo que se sentem “motivados e animados”, os alunos indicam disponibilidade para novas aprendizagens; o relaxamento refere-se diretamente a melhora da saúde; já a disposição serve direto ao propósito de comercialização, e ainda percebemos o aspecto reflexivo causado pela música, o que abre caminhos para a fomentação e discussão de problemáticas. Percebemos que o efeito que a música pode provocar não é único nem estável, está irrefutavelmente conectado a diferentes fatores de nosso contexto de vida. Vários são os estudiosos que se debruçam sobre os mistérios desta poderosa ferramenta em busca de compreender, afinal, qual sua função na vida do ser humano. No entanto, sejam quais foram as novas descobertas, a grande maioria destes pesquisadores parte dos estudos de Allan Merriam (1964), que categorizou em dez as funções da música na vida social. Resume-se assim, então, as funções da música para os alunos: • • • • • • • • • • Expressão emocional ; Prazer estético; Divertimento, entretenimento; Comunicação; Representação simbólica; Reação física; Imposição de conformidade em relação às normas sociais; Validação das instituições sociais e dos rituais religiosos; Contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura; Contribuição para a integração da sociedade. Apesar de não terem conhecimento aprofundado de tais funções musicais, as respostas dos alunos entrevistados corroboram os estudos no sentido de que nos permitem entender que as diferentes respostas suscitadas encaixam-se, na verdade, nos diferentes propósitos da música. Por exemplo, ao dizer que se sente triste, deprimido ou reflexivo, este indivíduo está apontando que em sua vida há situações em que a música cumpre a função de expressão emocional, ou seja, constitui-se de um momento onde há o descargo de pensamentos e ideias, a oportunidade de alívio e, talvez, a resolução de 85 conflitos, bem como a manifestação da criatividade e a expressão das hostilidades (MERRIAM, 1964, p. 219). Ao responder que se sente animado, disposto ou motivado, podemos pensar mais numa reação física ou em divertimento. Não é difícil encontrarmos respostas do tipo que afirmam que a música é tudo na vida, e podemos entender então que não importa a situação ou o contexto, sempre haverá um espaço para a música nas ações humanas, seja qual for o propósito a ser cumprido. Para melhor entendermos esta influência, o gráfico a seguir mostra o tempo que os alunos afirmaram ouvir música cotidianamente: Gráfico II - Resposta dos Questionários 60,0% 50,0% 55,7% 42,5% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% Mais de Menos 5h de 5 h Como podemos perceber, ainda em se tratando do questionário aplicado, mais da metade dos alunos afirmou ouvir música por mais de 5 horas ao dia, o que deixa claro a forte relação com este universo. Uma presença constante na vida destes adolescentes, a música se torna uma porta de entrada, tanto para resultados positivos, quanto para influências negativas. Pois, como asseverado por Merriam (1964), através da função de representação simbólica, muitas mensagens e incitações podem ser sugeridas por meio de ideias e comportamentos, ou seja, apologias a uma vida regrada a sexo, dinheiro e drogas, por exemplo, podem estar sendo impregnadas na mente de nossos jovens. No que tange às entrevistas, também foram feitas algumas perguntas referentes ao que representa a música em suas vidas, elencamos algumas das respostas mais reveladoras, vejamos a resposta de Pedro: 86 Exemplo 1 A música, na verdade, ela fala um pouco da realidade, (...) ela dá dicas de como enfrentar, resolver, é na verdade um incentivo, (...) é difícil ter esses incentivos, no caso a gente recorre a musica que é um meio de conseguir isso. (...) Como se os problemas tivessem desabado, como se não houvesse caminho e não tivesse empecilhos que impedissem que a gente conseguisse alcançar nossas metas. (Entrevista em 06/11/2014) Pelas respostas do aluno, nota-se a presença de processos relacionais conforme sugere Halliday (1994). O processo relacional “é” presente na fala de Pedro nos mostra o atributo, ou seja, o papel fundamental da música na vida de um adolescente. Assim, ela é o “incentivo”, aquilo que não se encontra em outros lugares, mas que está disponível ali para quem a ela “recorre”. Outra vez, percebemos a relação quase que material que se estabelece com a música, como se fosse um lugar, um porto seguro, uma fonte de inspiração. Entendemos este “incentivo” como conselhos e lições de vidas nos quais os adolescentes buscam se espelhar, de modo a conquistarem seus espaços no mundo, a música mais uma vez influenciando comportamentos e atitudes. Vejamos a reposta de Wellington: Exemplo 2 quando escuto música fico calmo...tendeu? eu esqueço todos problemas(...) me sinto tranquilo, (...) esqueço tudo as coisas, fico imaginando ...pensando as coisas. (Entrevista em 06/11/2014) Os processos mentais (HALLIDAY, 1994) presentes na fala do Experenciador Wellington são indicativos das ações despertas e desencadeadas a partir de um evento mencionado no início da fala, qual seja, escutar música. O processo “ficar”, embora pertencente ao contexto do mundo das ações, aqui é um processo mental porque indica um estado de ânimo e não a ação contrária de “ir” a algum lugar. Wellington “acalma-se”, e “imagina” / “pensa” as coisas, e podemos entender estas últimas como sendo coisas boas, positivas, quem sabe mudanças, pois o processo “esqueço” mostra aquilo do qual quer se afastar: os “problemas”. Essa constatação reafirma o papel da música como uma rota de escape, um porto seguro onde é possível se “sentir” tranquilo e calmo. Paulo também se expressou. Vejamos sua reposta: 87 Exemplo 3 Ah, eu...feliz..pensando na letra da música..é uma descontração né?(...) a...felicidade.. (Entrevista em 06/11/2014) Neste enunciado podemos perceber a presença implícita do processo mental “sentir”, em eu (me sinto) feliz, considerando que a pergunta consistia em saber como Paulo se sente ao ouvir músicas. Mais uma vez, a sensação descrita confirma o que tem sido dito até aqui sobre o poder afetivo e reflexivo que a música possui. Feliz, é assim que Paulo se sente, as informações que estão sendo filtradas terão efeitos posteriores em suas ações, pois ele não está apenas ouvindo, ele “pensa” sobre aquilo que ouve. “É uma descontração né? (...) a...felicidade.”: já aqui na fala de Paulo, o processo relacional “ser” deixa em evidência outros dois atributos da música, quais sejam, descontração e felicidade. Em um mundo onde as pessoas vivem se perguntado como encontrar a felicidade, para Paulo, a resposta é muito mais simples e descomplicada, basta parar e ouvir uma música. Mas, felicidade aqui aparece como um estado passageiro, não uma condição permanente, é quando se ouve música de forma descontraída que se alcança este estágio, talvez esteja aí a razão pela qual o ser humano precise deste contato frequente. A professora Pedrina, também se manifestou a este respeito: Exemplo 4 Bom, eu penso que a música, ela é uma das formas né? De arte que... mais apreciada, acho que no mundo todo, principalmente pelos jovens. Os jovens, eles... eles são de certa forma ah...inspirados pela música né? A música faz parte da vida deles, a socialização deles, a identificação de grupos em que eles vivem, o estilo que eles tem como pessoa e... Então a música é importante eu penso. (Entrevista em 06/11/2014) O processo relacional ‘ser’ na fala da professora configura duas situações distintas. Na primeira caracteriza a música como sendo a arte mais apreciada no mundo todo, reforçando a impossibilidade de não se levar em consideração o papel de uma ferramenta que abrange proporções globais. É simplesmente impossível pensar na identidade de um povo sem relacionar a música como elemento classificador. Já no segundo contexto, o processo “são” exerce papel identificador, Pedrina identifica estes jovens, qualifica-os, caracteriza-os, como 88 sendo inspirados pela música. Neste sentido, seria impossível discutir a ação deste grupo sem considerar este aspecto constitutivo de sua identidade. Ao finalizar sua fala com o processo mental ‘pensar’, Pedrina expressa uma categoria de avaliação quanto à presença da música na vida dos adolescentes, ao dizer que ‘é importante’ ela deixa clara sua posição com relação a função que tal elemento possa vir a desempenhar na formação destes indivíduos. Considerado o propósito da presente pesquisa, de se pensar os elementos que permeiam o processo de identificação dos adolescentes no contexto do Projeto SUPERHAÇÃO, seria impossível chegar-se a um resultado sem antes passarmos por este processo de se compreender qual afinal é a relação destes jovens com a música, pois “no mundo de hoje, decidir qual tipo de música ouvir é uma parte significante da decisão e anúncio não somente do que você “quer ser”… mas de quem você é” (COOK , 1998). Filiando-se ao pensamento de Moita Lopes (1996) em que identidade conste mais como “identificações”, definida como resultado das práticas discursivas nas quais o sujeito está inserido, mas não tão escusa assim, já que traços identitários são passíveis de identificação por meio de marcas sóciohistóricas encontradas no discurso. Afirmamos, então, que a análise dos enunciados apresentados nesta seção nos permite perceber certa regularidade na identidade juvenil, pois, independente de suas origens, e de suas relações com o submundo ou não, para todos eles, a música tem grande representatividade, serve como aliada, como fonte de divertimento e propiciadora de reflexões mais profundas. Considerando esta abrangência, entende-se que a música deva ser ferramenta presente em sala de aula, seja no contexto do projeto ou não, pois bons resultados podem ser alcançados, e estes poderão ser também os mais promissores possíveis. 5.1.1 “Nacional ou estrangeira?” Que os adolescentes têm uma intensa proximidade com música em Língua Inglesa é um fato de conhecimento geral. Na verdade, muitos são os estudos que já comprovam a presença maciça deste idioma nos diversos 89 aspectos de nossa vida diária em um contexto de mundo globalizado. Assim, é impossível escapar à propagação das melódicas canções em inglês que embalam as telenovelas, que estão nas rádios, que são fundos musicais em diversos eventos e estabelecimentos, e assim por diante. Nesta perspectiva, uma das preocupações desta pesquisa é compreender exatamente como se dá este relacionamento dos jovens com a música em inglês: é por opção? Eles gostam? Entendem as letras? Se não, por que ouvem? Têm interesse em compreendê-las? Estas músicas têm o mesmo efeito que uma em português, onde é possível compreender de imediato o que está sendo dito? Para chegar-se a esta compreensão, constava como pergunta no questionário a preferência por músicas nacionais ou estrangeiras e a razão para tal. Surpreendentemente, as respostas não penderam nem para um nem para outro, conforme podemos observar no gráfico referente às respostas encontradas: Gráfico III - Resposta dos Questionários Você prefere ouvir música: 70,1 % 80,0% 60,0% 14,9 % 40,0% 12,6% 20,0% 0,0% Nacional Estrangeira Ambas Poucos alunos se posicionaram no extremo de uma ou outra opção, a grande maioria optou por dizer que ambas são do agrado deles. No entanto, merece destaque o fator de que, entre aqueles que escolheram um dos lados, existe uma vantagem numérica com relação aos ouvintes de música nacional, e, mais interessante ainda, é que os dados apontaram que esta resposta teve maior incidência no público feminino. As justificativas para estas escolhas são parecidas, o que nos permite as elencar aqui de forma resumida. Veremos então as razões de quem optou por responder que prefere ambos os estilos, bem como quem escolheu estrangeira ou nacional: 90 Quadro V - Resposta dos Questionários – “Justificativa das escolhas musicais” Ambas -Ambas são boas; -Depende do momento, do humor e das letras; -Variedade; - Cada uma tem significados diferentes; - Ouve a que deixa pra cima; - Cada uma ajuda de um jeito; -uma tem estilo que outra não tem. Estrangeira - Ritmo melhor, mais interessante, bonitas e divertidas; - melhor, muito melhor; - Mais paixão; - A melodia é legal; - Batidas animadas; - Letras que falam de superação. Nacional -Tem significado; - A gente entende; -Se não escutarmos, quem vai? -Muito boa Por meio dos dados apresentados, podemos perceber então que as músicas nacionais e estrangeiras servem a diferentes propósitos na vida desses adolescentes, além de conseguimos perceber uma relação mais estética e expressiva no contexto da música estrangeira, enquanto que a nacional pautase mais no âmbito da reflexão, posto que tenha significado, ou seja, o fato de entender as letras possibilita compreensões profundas em tempo real da interação. A música estrangeira parece servir para despertar emoções e sentimentos. Mais uma vez, ficam em evidência as diversas funções da música na nossa vida, a própria resposta dos alunos mostra que o que define a escolha na hora de ouvir música são diversos fatores como “humor”, o “momento” e assim por diante. Já dos sete alunos entrevistados, apenas dois disseram preferir músicas estrangeiras, os outros afirmaram categoricamente que a música nacional chama mais sua atenção. No entanto, mais a frente na conversa, todos eles apontaram uma forte relação com música estrangeira, por exemplo, ao afirmarem sobre suas músicas e bandas preferidas, sempre se referiam aos artistas norte-americanos. Veremos então agora alguns enunciados encontrados nas entrevistas que confirmam tais afirmativas, estes referem-se à pergunta “você prefere música nacional ou estrangeria? Por quê?” Assim afirmou Paulo: Exemplo 5 91 Nacional. (...)Porque...como eu não compreendo a língua né? Por mais que eu pesquise a letra e tal. Mas prefiro escutar o que eu compreendo. (Entrevista em 06/11/2014) Wellington: Exemplo 6 Prefiro musica nacional, sertanejo. (...) Ah, porque música estrangeira num entendo nada..rsrs (Entrevista em 06/11/2014) Pedro: Exemplo 7 Estrangeiras, apesar que tem algumas nacionais que tem umas letras bem fortes que dá pra...(...) Na verdade a gente recorre a tradução direta caso eu não consiga compreender. (Entrevista em 06/11/2014) Gustavo: Exemplo 8 Estrangeira. (...)Ah , porque as musicas estrangeiras é... às vezes, você é...escuta de um jeito ai você vai traduzir fala de uma coisa boa que você não sabia que era uma coisa boa. (Entrevista em 06/11/2014) Percebemos na fala destes sujeitos, principalmente por meio dos processos mentais compreender e entender, que o que vigora em relação à opção entre músicas estrangeiras ou nacionais, é o nível de entendimento que se tem daquilo que se está ouvindo. Para Paulo e Wellington, é preferível se ater a produções que estejam inseridas em seu contexto de compreensão, sem que seja necessário um esforço para se alcançar tal, enquanto que para Pedro e Gustavo não é nenhum trabalho ir em busca das traduções se necessário, pois o trabalho é compensatório, as temáticas valem a pena. O processo mental ‘saber’ na fala de Gustavo nos remete ao processo da descoberta, o caminho percorrido que chega até a compreensão de que aquilo que se gosta é de fato uma coisa boa; é como se o fato de saber que a letra é realmente sobre algo bom, validasse a intuição dos mesmos. 5.1.2 “E as músicas em inglês?” Uma das fortes hipóteses que prevaleciam no princípio deste trabalho era a de que os jovens mantêm uma intensa proximidade com a música em inglês, mesmo não tendo conhecimento dos significados daquilo que ouvem. De modo 92 a comprovar, ou não, tal hipótese, algumas perguntas neste sentido foram inseridas, tanto no questionário quanto nas entrevistas. No questionário, a 12ª segunda pergunta dizia: “Em se tratando de música estrangeira, em qual idioma você ouve mais músicas?”. Era uma pergunta subjetiva, aberta, e os alunos poderiam responder qualquer idioma, mas nossas suspeitas iniciais foram comprovadas, conforme mostra o gráfico a seguir: Gráfico IV- Respostas dos questionários Em qual idioma (estrangeiro) você mais ouve músicas ? 83,3 % 100,0% 80,0% 60,0% 40,0% 7,5 % 20,0% 0,0% Inglês Espanhol Ainda obtivemos outras repostas como músicas árabes ou japonesas, mas em números tão ínfimos que não compensaria quantificar. O que importa ressaltar é que a música em LI tem grande abrangência na vida dos estudantes, que apresentaram tal fato de livre e espontânea vontade. Na pergunta subsequente questionávamos se, na compreensão dos mesmos, existiria uma influência maior de músicas em inglês no nosso país, recebendo uma resposta massivamente positiva. Le Breton (2005) argumenta que é impossível a categoria humana fugir da influência do Inglês, exceto em países que vivem em total subdesenvolvimento, pois não faz sentido falar da LI às pessoas que não tenham relações com a economia de mercado. Diz ainda o autor que mesmo países com línguas amplamente solidificadas e difundidas não escapam a esta realidade: Para alguns o fenômeno se explica pelo fato de ser uma língua materna; para outros pela perenidade da influência colonial e mais frequentemente ainda pelo peso político do mundo de língua inglesa e por seu sucesso insolente em todos os âmbitos da vida científica, econômica e industrial, que a torna atraente, 93 qualquer que seja o peso das tradições com as quais ela se enfrente. (LE BRETON, 2005, p17) O Brasil, com certeza, está também inserido neste contexto e esta relação de nossos jovens com a música em inglês é apenas um dos resultados de processos políticos, históricos e sociais. Mas, assim como neste processo linguístico o inglês deixa de ser uma língua e passa a ser World English, “cuja principal característica é não ter donos, não ter os famigerados ‘falantes nativos’. Ele pertence a todos aqueles que o usam para alguma finalidade em seu dia-adia”. (RAJAGOPALAN 2008, p. 03). Desta forma, também a música em inglês passa a fazer parte da constituição da identidade daqueles que entram em contato com a mesma, ganhando sua própria significação e servindo a propósitos específicos da necessidade deste usuário. Como bem afirma Hall, a interação global permite a criação de novos tipos de identificações locais, ou seja, o consumismo, grande mercado global, pode até ser o caminho pelo qual o aluno entrará em contato com a música em inglês, mas a partir daí ele começa a construir novos sentidos e novas significações individuais, tudo possibilitado pelo processo globalizante da pós-modernidade. Com a intenção de aprofundarmos neste contexto e entendermos como exatamente estes sujeitos se relacionam com as canções neste idioma, perguntamos ainda o quanto entendem das letras e se, e em qual situação, vão em busca das traduções. Para a primeira pergunta demos as opções em porcentagens nos questionários onde deveriam marcar um X naquela que condizia com sua realidade, desta forma utilizamos o gráfico a seguir para retratar as respostas evidenciadas: 94 Gráfico V - Respostas dos Questionários Respostas obtidas Quanto você entende das letras de músicas em inglês que ouve? 36,2% 40,0% 30,0% 20,0% 27,5% 14,3 % 13,2 % 10,0% 0,0% 5,1 % Nenhum de 10 a 30% de 40 a 50% de 60 a 80% de 90 a 100% Aqui percebemos que , ao contrário das suposições iniciais, é baixa a porcentagem de alunos que não entendem nada daquilo que ouvem nas músicas em inglês, apenas 14% do total. E ainda, uma grande porcentagem, 27,5%, compreende quase que metade das músicas, isso sem precisar ir em busca da tradução. Estes resultados apontam para o fato de que, cada vez mais, a música em língua inglesa se entranha na vida dos nossos adolescentes, e tem alcançado significados que antes não eram tão visíveis assim. Não sabemos se este conhecimento das letras em inglês advém dos estudos recebidos em sala ou das experiências individuais, mas o que vale é perceber o quanto sua presença pode ser um fator influenciador no processo de identificação de nossos jovens ao abrir esta possibilidade da “autodescoberta”, configurando-se como um dos componentes da identidade. Os dados nos apontaram ainda que, no que se refere ao estilo musical, as preferências são as seguintes: 95 70,0% 60,8 % Gráfico VI- Respostas dos Questionários Qual seu estilo de música predileto? 60,0% 45,6 % 50,0% 35,6 % 40,0% 30,0% 21,0 % 20,0% 10,0% 0,0% Pop Eletrônico Rock Rap No questionário, procuramos saber em que situações os alunos vão em busca da tradução da letra das músicas e a resposta massiva foi “ só quando a música chama minha atenção”. Considerando o que foi exposto acima sobre as preferências destes sujeitos, podemos entender ainda que a música estrangeira, em específico no inglês, a princípio, chama atenção pela “batida”, ou seja, pela emoção que desperta, a letra está em segundo plano. No entanto, se tocados pela musicalidade, ficam inquietos e anseiam por descobrir mais sobre este elemento, que de alguma forma é capaz de mexer com sua estrutura emotiva, e daí provém a relação cada vez mais íntima de nossos jovens com a música em inglês. Vejamos que 60,8% dos alunos preferem “pop” e 45,6% escolheram “eletrônico”. Rock figurou com 35,6 % e Rap ficou com apenas 21%, contrariando nossas suspeitas iniciais de que este seria o estilo mais difundido por conta de seu caráter um tanto quanto crítico e reflexivo. Com relação à música pop, reafirmamos aquilo que Tim Murphey (1990) asseverou sobre o fato de as pessoas se apegarem às músicas pop por conta da linguagem simplificada e repetitiva, mas, principalmente, por seu tom impessoal, que permite a qualquer pessoa de qualquer época se identificar com o conteúdo da música. Seria o fenômeno SSMHP (Song Stuck In My Head Phenomenon, música gruda na minha cabeça), que facilita a aprendizagem inconsciente da língua, além de estabelecer um forte elo afetivo por lembrar a linguagem das mães com seus 96 filhos. Razão pela qual veremos mais a frente os sujeitos afirmarem que “conhecem” algumas das músicas sem precisarem recorrer ao dicionário. No entanto, este elo afetivo que imita a linguagem das mães fica mais evidenciado ainda no estilo eletrônico que priorizada e promove a experiência sonora, mais do que a letra. Geralmente é uma fala repetitiva, mais preocupada em estabelecer um elo do que ensinar algo, daí que entendemos o porquê de estar entre o preferido dos adolescentes, tanto que em festa juvenis sempre terá predominância, pois tem o poder de fazer com que os indivíduos se sintam mais próximos, unidos; parecem estar falando a mesma língua ao repetirem um determinado refrão. Ainda sobre a questão do entendimento e a procura pelos significados das canções, perguntados sobre sua relação com a música em inglês, (se procuravam a tradução ou não, e por que) os sujeitos entrevistados nos ofereceram as seguintes reflexões: Mariana nos diz: Exemplo 9 Tem uma que eu procurei saber. (...) Eu não sabia que ela era tão triste, ela é. (...) Porque eu gosto da música, é minha preferida. (Entrevista em 06/11/2014) Vemos que o processo mental ‘saber’ aqui na fala de Mariana indica dois estágios: antes e depois do descobrimento do sentido da música. Reforçando o que já foi discutido acima, primeiramente a música chamou-lhe a atenção, como bem mostra a frase ‘eu gosto’, que é, na verdade, uma avaliação com verbo de processo mental afetivo, marcando explicitamente a origem subjetiva da afirmação. Assim, Mariana mostra sua relação afetiva com a música que a impulsionou para que buscasse seu sentido, descobrindo que se tratava de uma melodia triste, o que parece tê-la surpreendido, mas não a fez romper a relação estabelecida. O processo relacional ‘ser’ aqui apresenta-se em dois tempos, passado e presente. Ao buscar os sentidos da música, Mariana deparou-se com o adjetivo ‘triste’ que se tornou o atributo caracterizador da música. No entanto, este fato não modificou a relação da mesma com a canção, pois esta ainda ‘é’ sua 97 predileta. Esta realidade pode ser melhor entendida se comparada a outra fala da adolescente ao afirmar que escolhe as músicas de acordo com seu humor, ou seja, música triste não é descartável, ao contrário, serve ao propósito dos momentos mais melancólicos. E ainda ocupa espaço essencial em seu repertório, sendo a predileta. Jonas: Exemplo 10 Aí não, não, só...só curti mesmo, tipo aqueli...só aqueli momento que você tá curtindo ali. .(...) Tem música (em inglês) que chegou tipo... é de arrepiar as pessoas véio, tem uns rock aí, um amigo meu, fui na casa dele ele colocava uns rock eu ficava meio... (Entrevista em 06/11/2014) Aqui, na fala de Jonas, podemos perceber que, para ele, a música em inglês tem a função de distração, sem compromisso , é só para ‘curtir’. Este processo pode ser assim interpretado como processo mental, pois evoca a ideia de ‘aproveitar’ ou mesmo ‘gostar’, sendo muito difundido hoje na era das redes sociais, tornando-se uma expressão que indica satisfação com aquilo que se está vendo ou ouvindo. Assim, mesmo sem interesse em se aprofundar nos sentidos ali produzidos, Jonas deixa claro a relação subjetiva de sua afirmação, mostrando mais uma vez a proporção dos efeitos que a música causa em sua vida, longe do alcance de sua compreensão, tanto que não é capaz de encontrar uma palavra que defina esta sensação, como mostra sua fala ‘ ele colocava uns rock eu ficava meio... ’. Pedro: Exemplo 11 Na verdade a gente recorre a tradução direta caso eu não consiga compreender a maioria, mas sempre é compreensível fala de temas no caso que... eu gosto, temas que chamam a atenção, na verdade. (Entrevista em 06/11/2014) A relação de Pedro com as música em inglês é mais acentuada considerando seu auto nível de entendimento da língua em questão, assim o processo mental ‘compreender’ revela algo rotineiro na vida deste sujeito, ele sempre compreende, mas, caso isso não ocorra, então recorre à tradução. Este processo mental (compreender) parece indicar uma base mais subjetiva que seu 98 sinônimo ‘entender’, pois dá a ideia de abarcar, abranger, como se o sujeito estivesse profundamente envolvido com tal contexto, como bem mostra o processo ‘gostar’ aqui presente, que segue as mesmas especificações da fala de Mariana. Aqui, na fala de Pedro, o processo relacional ‘é’ torna-se uma forma de avaliação que atribui à música em LI a característica de compreensível, no sentido de que os significados não estão encobertos, é possível estabelecer com a mesma uma relação consciente, muito além do que simples passatempo ilógico. O advérbio de tempo ‘sempre’ é um fenômeno linguístico relevante na categoria de modalidade por indicar o alto nível de comprometimento de verdade de Pedro com aquilo que diz, para ele, a qualquer momento é possível estabelecer uma relação de compreensão com as canções. Gustavo: Exemplo 12 Quando eu gosto da música eu procuro. Tem algumas que eu entendo. (...) tem uma música, um rock inglês, que fala sobre uma tragédia que teve lá no Japão num tsunami e eles fala de ajudar as pessoas que tava lá. (Entrevista em 06/11/2014) Gustavo reafirma a premissa de ser envolvido emocionalmente primeiro e buscar sentido depois. Ao utilizar um advérbio de tempo ‘quando’ indica que com a ocorrência do processo ‘gostar’ surge então a necessidade de procurar por significados. O processo ‘entender’ mostra que neste interim alguns elos mais profundos já foram estabelecidos, tanto que ‘algumas’ músicas ele já inseriu em seu repertório de conhecimento pessoal, que agora ele tomou posse de seus sentidos e as ‘entende’. Podemos apontar ainda, nesta fala de Gustavo, a evidência da função da música como instrumento que marca fatos históricos e ajuda humanitária. E ainda, como percebermos na fala de Junior abaixo, esta pode ser uma forma de relato dos fatos cotidianos, marcando a história de vida das pessoas. Vejamos: Junior: Exemplo 13 Nem todas. Agora Bob Marley já traduzi só pra escutar...só pra ver o que...só que tipo assim, todo mundo fala, ah Bob Marley canta música só de drogas, num tem nada vê, as músicas dele...poucas, poucas, poucas, poucas das músicas dele que 99 falam de droga. As músicas mais falam mais sobre a vida, o que acontece, sobre a violência da cidade, tipo.... (Entrevista em 06/11/2014) Podemos então perceber uma explicação plausível que estabelece uma linha de ação entre os fatores que sustentam a relação dos adolescentes com a música em LI. Primeiro existe uma aproximação involuntária que consiste nos momentos em que o adolescente ouve as músicas nos mais diversos ambientes, geralmente por meio das mídias. A partir deste contato, no qual determinada música vem a despertar algum tipo de emoção, surge então o interesse em buscar a compreensão e os sentidos daquela letra. Este interesse é originado dos mais diversos fatores, como bem podemos ver na última fala, de Junior, que afirmou ter ido em busca das traduções da música de Bob Marley por conta do que ouvia sobre seu repertório relacionado à temática das drogas. Percebemos, ainda, que a comprovação dos sentidos evocados é ainda parte essencial do processo, pois a constatação determina a relação que se estabelece após a descoberta dos sentidos. Para alguns, a música agora terá uma conotação triste, para outros será uma coisa boa, para outro será a realidade da vida, mas em nenhum momento há indício de uma quebra do laço estabelecido, sua essência pode até mudar, mas a forte proximidade com a música permanece, sendo até mesmo fortalecida. Nogueira (2009, p. 4) afirma que: Quando nós escutamos uma música e damos significado, importância ao que sentimos interiormente, iniciamos aí o caminho da auto-descoberta e de alguma revelação acerca de quem somos, do que somos, donde vimos e para onde vamos, e, dessa forma, aos poucos começamos a entender o caminho que queremos percorrer. Esta afirmação ganha sentido quando nos debruçamos sobre os enunciados aqui presentes e por meio da observação dos aspectos estilísticos (ACD) podemos entender como os sujeitos enxergam o mundo e se posicionam neste. Assim como afirmou Nogueira, vemos que estes sujeitos deixam claro em suas falas o quanto a música em inglês tem se tornado realmente um caminho de autodescoberta, como os mesmos têm encontrado neste elemento novo uma maneira de repensarem suas próprias existências. 100 Logicamente, não há um abandono total da música nacional, mas esta parece servir a propósitos diferenciados, ou ainda, a momentos de identificação (MOITA LOPES, 1996) diferenciados, ambas parte dos fragmentos que ao final moldam a “identidade” de nossos adolescentes. Tais considerações nos fazem perceber a importância de nos atentarmos para a função que a música em inglês exerce na vida dos jovens e assim aprendermos maneiras de utilizá-la ao nosso propósito de transformação, principalmente em contextos delicados, como no caso de jovens envolvidos com drogas. Nesta situação, ações mais ligadas ao aspecto ontológico podem vir a surtir grandes efeitos, razão pela qual veremos nas próximas sessões qual tem sido o espaço dedicado ao uso de música nas aulas de inglês no projeto SUPERHAÇÃO e como os alunos se sentem a este respeito. 5.2 A música na aula de inglês Considerando todas estas informações levantadas sobre o perfil de relação entre nossos alunos e a música em inglês, a sequência lógica seria então sabermos se os professores têm usado este recurso em sala de aula e qual tem sido a reação dos alunos a esta realidade presenciada. Neste sentido, abrimos espaço para que os jovens nos apontassem, no questionário, o quanto tem sido feito de atividades com músicas nas aulas de inglês, como de praxe, calculamos os resultados encontrados e chegamos ao seguinte resultado: 101 Gráfico VII- Respostas dos Questionários São feitas atividades com uso de músicas na disciplina de Língua Inglesa? 100,0% 80,2% 80,0% 60,0% 40,0% 18,1% 20,0% 0,0% 1,5% Nunca Às vezes Sempre Este é, com certeza, um dado gritante, ainda mais se levarmos em consideração todos os benefícios aqui apontados sobre o uso da música, bem como a própria relação dos alunos com este instrumento. Se pensarmos apenas no lado cognitivo já podemos dizer que é uma grande perda saber que os professores têm deixado totalmente de lado tal ferramenta, pois, como bem apontaram Tim Murphy (1992), Rebeca Oxford (1990) e Dwayne Engh (2012), são inúmeras as razões pelas quais a música é uma eficiente estratégia de aprendizagem. Mas, sintetizando, nos ancoramos no relato de Del Bem e Hetschke ao apontarem que: A música pode contribuir para a formação global do aluno, desenvolvendo a capacidade de se expressar através de uma linguagem não-verbal e os sentimentos e emoções, a sensibilidade, o intelecto, o corpo e a personalidade [...] a música se presta para favorecer uma série de áreas da criança. Essas áreas incluem a “sensibilidade”, a “motricidade”, o “raciocínio”, além da “transmissão e do resgate de uma série de elementos da cultura”. (DEL BEN; HETSCHKE, 2002, p. 52-53). O resultado aponta que 80% dos alunos disseram que nunca são feitas atividades com música em sala de aula, percebe-se então que os professores de inglês, inseridos no contexto da escola pesquisada, não estão a par de todas essas informações sobre a mesma, já que a excluem de seus planejamentos diários. Deixam assim de aproveitar uma grande oportunidade de contribuírem 102 mais efetivamente na formação global dos alunos, tanto no quesito de aquisição linguística, quanto no nível mais reflexivo-emotivo, nas instâncias mais profundas do ser humano, onde a transformação realmente se inicia. E os alunos? Será que percebem essa situação? Como se sentem a este respeito? Para sabermos, fizemos a pergunta necessária “Você gostaria que fossem feitas atividades com música?”, estas foram as respostas: Gráfico VIII Respostas dos Questionários Você gostaria que as músicas fossem utilizadas nas aulas de inglês? 80,0% 74,7 % 70,0% 60,0% 50,0% 40,0% 30,0% 20,0% 10,0% 0,0% 11, 4 % Sim Não 13,7 % Indiferente 74,7 % dos estudantes disseram que gostariam que a música fosse utilizada como ferramenta para aprendizagem de LI, o restante ou é indiferente ou não quer que isto se realize. Novamente, uma maioria expressiva deixa transparecer a real situação em sala de aula ao mostrar sua vontade de que estivesse presente um elemento de grande importância em suas vidas. Mas o que importa aqui é perceber que estes dados apontam a maneira como os alunos têm visto o ensino e o espaço escolar, por assim dizer, pois estando a música presente em praticamente todos os eventos cotidianos, e sendo a escola uma exceção, pode haver um entendimento de diminuição de importância desta instituição na concepção dos mesmos, já que não segue os parâmetros daquilo que engloba sua percepção de sociedade. A escola assim, em vez de se tornar o ambiente propiciador de mudanças positivas, passa a ser o elemento contrário e ultrapassado. Sabemos que os adolescentes gostam de ‘curtir’ aquilo que é ‘legal’, e trazer elementos de seu cotidiano para sala de aula é uma maneira de se aproximar mais de sua realidade, estabelecer um 103 relacionamento mais próximo e, consequentemente, deixar o caminho aberto para diálogos que possam promover reflexões. Como já dito, a música constitui-se como uma maneira de identificação e expressão daquilo que se acredita, sendo de vital importância, principalmente na vida dos jovens e adolescentes que ainda estão em busca de afirmação de suas identidades. Assim, o primeiro passo de uma escola realmente preocupada com a formação destes cidadãos seria utilizar, como passaporte para efetivação do ensino, meios que lhes são afetivamente significativos, sendo a música um dos principais. Relataremos agora então algumas respostas encontradas sobre esta questão nas entrevistas. Vejamos o que nos diz Wellington sobre o uso da música em sala e sua perspectiva sobre tal: Exemplo 14 “Já trabalhamos ano passado eu acho. Sim, ano passado, mas esse ano não. Porque , se começar fazer algum projeto com música dentro da língua inglesa as pessoas poderia gostar mais de inglês, porque muita gente se perguntasse se gosta de inglês a pessoa ia falar que não, não tem interesse nenhum. Mas se tivesse com música, alguma coisa, acho que ... (Entrevista em 06/11/2014) O processo mental ‘acho’ no início da fala de Wellington mostra que o mesmo tem uma vaga lembrança de que a música já foi utilizada em sala de aula, mas isso no passado, agora não mais acontece. Mas este sujeito aponta uma possível solução: projetos com música na LI. Assim, por meio da ocorrência da categoria de modalidade /modulação ‘poderia’ percebemos no enunciado o nível de probabilidade de que com tal iniciativa se resolve a situação, assim, possivelmente as pessoas viessem a gostar de inglês. O processo mental ‘gostar’ aparece em duas situações: uma como a realidade negativa, as pessoas não gostam de inglês, e outra como a possiblidade de mudanças, elas ‘poderiam gostar’ se viessem a ser estimuladas pela música. O processo relacional ‘ter’ mostra bem este distanciamento ao apontar como atributo destas pessoas a total falta de interesse em ‘elas não tem interesse nenhum’, sendo que o uso do pronome indefinido só reforça esta caracterização: o interesse é nulo, mas pode ser mudado quando da utilização da música como forma de despertamento, por assim dizer. 104 Sobre o uso da música pelos professores, Pedro já afirma: Exemplo 15 “Trabalham. Alguns trabalham. Utilizam meios como músicas que falam sobre isso, mas...que na verdade... , apesar que é um meio que os jovens param muito para olhar, a música na verdade é uma inspiração, é um meio de viver, uma ideia de como agir no cotidiano na verdade.” (Entrevista em 06/11/2014) No discurso de Pedro podemos ver que, na verdade, alguns professores fazem uso da música como instrumento para debates mais reflexivos. ‘Sobre isso’ se refere a gama de assuntos retomados no decorrer da entrevista, como drogas, bebidas e violências. O processo relacional ‘é’ explicita atribuição, ou seja, atribui à música alguns elementos que a classificam, quais sejam: ‘meio que os jovens param pra olhar, uma inspiração, um meio de viver e uma ideia de como agir’. São todas razões pelas quais o entrevistado sustenta a validade do uso de música em sala. A expressão ‘param pra olhar’ pode ser entendida com o processo mental ‘olham’ no sentido de que não se refere a uma ação física, e sim um ato em nível da consciência, ou seja, os jovens dedicam um tempo para ‘olharem’ as músicas, buscando por possíveis direções que lhes digam como viver e como agir. Vejamos o que pensa Gustavo: Exemplo 16 Bastante. Eu gosto bastante de música inglesa, ai a professora tá explicando um conteúdo e traz a mesma música que eu gosto e explica a matéria, é interessante, dá pra aprender. (Entrevista em 06/11/2014) Gustavo utiliza um advérbio de qualidade com indicação altíssima, como que para indicar satisfação com relação ao uso que os professores têm feito das músicas em da sala. Percebemos a base subjetiva desta afirmação por meio da avaliação com verbo de processo mental em ‘gosto bastante’, onde o advérbio de intensidade indica o alto grau de afinidade do sujeito com o que diz, posto que ‘gostar bastante’ pode ser entendido como ‘adorar’. A afinidade também é um fator percebido na formulação avaliativa ‘é interessante’, que expressa a avaliação de Gustavo sobre a ação da professora em trazer uma música que ele goste para o contexto de sala de aula. Esta avaliação está diretamente 105 relacionada ao resultado desta ação, expresso pelo processo mental ‘aprender’, pois quando da união entre estes dois elementos (matéria e música) a aprendizagem se torna possível. Jonas também se expressou a este respeito: Exemplo 17 Na verdade não, mas tipo no ano passado, não retrasado, na oitava série era o que mais tinha. Eu gostava, tipo....quem canta o mal espanta né (rindo) Ficaria legal porque anima mais a turma, porque a turma é mei... paradona, um conversa no canto, outro conversa com o outro, meio... aberto assim a turma. (Entrevista em 06/11/2014) Para Jonas o uso da música em sala de aula também é uma ação localizada no passado, como bem mostra o processo relacional ‘era’, classificando a música como um elemento sempre presente, pois ‘era o que mais tinha’. Ainda em termos de tempo passado o experienciador se posiciona em relação a esta ação por meio da avaliação afetiva ‘gostava’, dando a ideia de agrado, algo que era bom. O provérbio utilizado evidencia a relação de Jonas com a música, mostrando-a como uma forma de se fugir daquilo que é negativo, ou seja, ‘espantar o mal’. Esta ideia é facilmente retomada no processo comportamental ‘animar’, que surge como resultado da presença da música em sala, sendo, na opinião de Jonas, um elemento conectivo, que poderia estabelecer um laço afetivo na turma que é ‘paradona’. Júnior, nosso último entrevistado, sobre o fato de os professores fazerem uso da música em inglês nas aulas, afirma: Exemplo 18 Trabalham bastante. Eu gosto porque...música tipo, você escutar uma música em inglês e ver o vídeos você aprende bastante coisa em inglês , agora cê ficar só lendo, lendo, num...num aprende muito, o povo fica tudo desinteressado. Agora música... (Entrevista em 06/11/2014) Júnior inicia seu enunciado dizendo que os professores trabalham sim as músicas em sala de aula, aliás, reforça sua afirmativa usando o advérbio ‘bastante’, que neste caso parece indicar quantidade de vezes em que isso ocorre. Ao ser indagado sobre sua opinião a estas ações, responde com uma afirmativa usando o verbo de processo mental afetivo ‘gostar’, indicando sua 106 afinidade com tais iniciativas. A justificativa de Jonas para esta afirmativa embasa-se na premissa do uso do processo mental ‘aprender’, que está diretamente ligado ao uso de músicas e vídeos em inglês, ou seja, para Jonas, esta seria uma forma efetiva de aprendizagem da língua. E ainda mais, por meio destas ferramentas, o aluno não só aprende, como aprende ‘bastante’, o advérbio de intensidade dando a ideia de efetiva validação em face de outras possibilidade de instrumentos metodológicos. Da mesma forma, o entrevistado ainda aponta a ação que causaria efeito oposto a este, qual seja, ficar só lendo, que não ajuda a ‘aprender muito’. Não que atividades de leitura não tenham efeitos, mas elas não são tão efetivas quanto o uso de músicas e vídeos em inglês. Usando o processo relacional ‘ficar’, Jonas indica o atributo das pessoas que só fazem atividades com leitura, eles ‘ficam’ desinteressados, o que nos leva a entender que a presença da música em sala de aula despertaria, portanto, o interesse dos alunos. Para fins de aprendizagem, estreitamento de laços afetivos, como guia de ações, estímulo. Todas estas são possibilidades evidenciadas nas falas dos entrevistados como resultados da utilização da música em inglês nas aulas. Independente de se posicionarem negativamente ou afirmativamente sobre o fato dos professores usarem tal ferramenta em sala, todos conseguem apontar benefícios desta ação. Um fato interessante a ser observado é como as aulas em que as canções em inglês estavam presentes podem ficar marcadas na memória dos alunos, pois conseguem mesmo lembrar em qual série determinado professor fez uso de tal metodologia. Esta assertiva nos remete aos estudos de Kátia Maheirie (2003) que afirma que quando o sujeito está “mergulhado” na música, a materialidade, a realidade física a sua volta passa a ser imbuída de emoções, ganhando sentidos que estão carregados de subjetividade, regidos por consciências afetivas. Assim, o aluno pode até não se lembrar em termos conceituais o conteúdo gramatical apresentado, mas a música fica registrada, e muito mais os sentidos apreendidos naquele momento. 107 5.3 “Músicas em inglês podem ser uma ferramenta de debates reflexivos e transformacionais” Esta seção, em específico, refere-se a um tema que apareceu apenas nas entrevistas, consistindo em uma das últimas perguntas para saber então do entrevistado se o mesmo considerava possível trabalhar com música em inglês na sala de aula para debates e discussões sobre temáticas sociais, - sobre o uso de drogas, no caso do projeto SUPERHAÇÃO - e como isso poderia ser efetivado. Analisaremos agora então a fala da professora Pedrina sobre este assunto: Exemplo 19 Então, alguns sabem mesmo o que a banda já passou, já viveu e também pelo fato deles...como eu disse anteriormente eles se identificam muito com os personagens da.. né? da banda, ou do cantor da música. E algumas músicas traz diversos temas né? Que dá pra gente parar e analisar e trazer também pra realidade deles. Eles também podem fazer paródias né ? com as próprias letras, é..., com as músicas que eles curtem muito, então eu penso que sim, é possível trabalhar sim. (Entrevista em 06/11/2014) Aqui a professora inicia sua fala retomando mais uma vez o relacionamento íntimo dos alunos com as músicas em inglês, por meio do processo mental ‘sabem’, ela mostra que o interesse é tanto que extrapola o momento de curtição, levando-os a se aprofundarem nos acontecimentos da vida dos artistas. Assim, os alunos ‘sabem’ tudo que já aconteceu com suas bandas e cantores, o que nos leva ao processo mental ‘identificar’ que aqui está posto como um resultado desta busca; ao gostarem da música os adolescentes procuram saber mais sobre os cantores e acabam criando um laço afetivo imaginário com tais componentes, desta forma, ‘identificam-se com os personagens’ musicais. Identificar-se com algo presume a ideia de semelhanças, o que significa dizer que tais cantores se tornam então modelos de comportamento para os jovens. Porém, se percebermos atentamente a fala da professora, veremos que ela diz ‘personagens’ e não pessoas, como se para ela, os artistas, na verdade, não fossem o que aparentam ser, estivessem apenas representando um papel 108 que, por conseguinte será incorporado por seus admiradores. Neste sentido, entende-se que nem tudo que está posto na mídia é real, por isso a razão do cuidado na escolha do material a ser trazido para sala, antes é preciso um processo minucioso de escolha, como diz Pedrina, algumas músicas realmente trazem estas temáticas e, portanto, dá para ‘trazer’ para os alunos, mas, antes, é preciso ‘parar’ e ‘analisar’ este conteúdo. O processo mental ‘penso’ finaliza a fala da docente indicando que a mesma assume a posição favorável ao uso das músicas em inglês para o contexto do Projeto, mas não de forma aleatória, e sim, como já dito, cuidadosamente planejada, por isso ela ‘pensa’ que sim, e não ‘acha’. Pensar presume uma atitude mais centrada, exige esforço e conhecimento por parte do professor, para escolher, dentre ‘as músicas que eles curtem muito’, àquelas que possam servir ao propósito. Pedro, um dos agentes engajado no projeto, mantém também uma posição favorável e positiva: Exemplo 20 Utilizar música que tenha letra marcante, explicar porque aquela letra foi desenvolvida daquela forma através do que o artista colocou, no caso trabalhar bastante também cada ponto especificado por ela as várias partes da música... as entrelinhas na verdade e mostrar que na verdade que existe sim, um meio de conseguir reverter todos problemas que as pessoas enfrentam, até mesmo o uso das drogas, na verdade é um incentivo, pode até não ser só a música, como as pessoas, elas estão de acordo a ajudar a buscar melhorar a vida deles. (Entrevista em 06/11/2015) Para este sujeito, requisito primeiro é a letra da música escolhida que tem que ser ‘marcante’, este adjetivo qualificador nos indica que para ser trabalhada em sala a música deve servir a uma função mais profunda do que divertimento e curtição, a letra precisa ser forte o bastante para ‘marcar’ a vida das pessoas. Esta assertiva nos remete à fala anterior, da professora Pedrina, pois, considerando o que já sabemos da forte influência da música em inglês na vida dos jovens, a escola serviria então ao papel de mostrar-lhes quais destas podem ajudá-los no enfrentamento das situações vivenciadas, funcionando como um norte de ações. Pedro prossegue indicando qual a melhor abordagem, que consiste em ‘trabalhar bastante cada ponto da música’, o advérbio ‘bastante’ tanto pode dar 109 ideia de quantidade quanto de intensidade, pode-se abordar cada ponto várias vezes, ou cada um de maneira intensa e profunda. Mas o que importa mesmo são as ‘entrelinhas’, ou seja, para este sujeito, a mensagem em si não está dada, é preciso todo um processo analítico, propiciado pelo professor, para que os alunos cheguem à compreensão dos sentidos ali implícitos. Só assim, de posse destes sentidos, o sujeito perceberá então a possibilidade de reversão de problemas, ‘até mesmo o uso das drogas’. Esta última sentença de Pedro mostra-nos que seu entendimento é que as drogas constituem um problema em proporções mais abrangentes, ele não a cita com os demais problemas, é ‘um’ problema a parte, mas, mesmo este, a música pode reverter. Pedro , no entanto, termina sua fala com uma ressalva: ‘pode até não ser só a música, como as pessoas’, ou seja, a música tem sim sua função e seu ‘poder’, digamos assim, mas depende também das pessoas buscarem por melhorias. Assim, entendemos que para que haja de fato mudanças, este sujeito precisa querer, como bem afirma Fairclough (2003a), a mudança na vida das pessoas depende inteiramente da reflexibilidade e capacidade de cada um em se tornar um agente de mudanças, pessoais e sociais. E bem como já afirmou Freire (1970, p. 37), “a realidade social, objetiva, que não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso. (...) transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens.” Ressalva-se, assim, que o processo emancipatório ocorre em contexto individual, num movimento de dentro para fora. Jonas, ao ser indagado se a música seria um caminho para se trabalhar a conscientização dos jovens, afirma: Exemplo 21 Seria também, por que aqui o pessoal... tem bastante Raps que fala bastante a realidade. Aquele goleiro o...goleiro macaco, se não me engano é do grêmio, ele tava falando numa entrevista que conseguiu superar os preconceito, bullyng, por causa do Rap né, tipo ajuda bastante essas músicas aí. (Entrevista em 06/11/2014) De acordo com Papa (2008) processos existenciais são processos que se encontram entre os processos relacionais e materiais, e por estarem muito próximos a um dos processos abordados neste trabalho (relacional), e ser essencial para esta análise, retomamos aqui o processo existencial ‘tem’, na fala 110 de Jonas, que indica a existência de um tipo de música que ‘fala bastante a realidade’: o Rap. Jonas considera este estilo de música propício ao propósito conscientizador e cita mesmo um exemplo de alguém conhecido pela mídia que, com auxílio da música, alcançou êxito em seu enfrentamento às adversidades. Acreditamos que o entrevistado aqui se refira ao caso do goleiro Aranha, dos Santos, que foi vítima de preconceito racista na Arena Grêmio, durante a partida em 28 de Agosto de 2014, foi chamado de macaco pelos torcedores gremistas. Tempos depois, em algumas entrevistas, o goleiro realmente afirmou que o Rap tem sido seu aliado na luta contra o preconceito. Este fato leva Jonas a concluir que realmente então ‘ajuda bastante essas músicas aí’, novamente o advérbio de intensidade ‘bastante’ demonstrando o nível de comprometimento de verdade do indivíduo com aquilo que diz, Jonas tem certeza daquilo que fala, pois já pode constatar por meio de fatos esta verdade. Seguindo esta linha de pensamento, Júnior nos diz: Exemplo 22 Seria bom, porque tipo..é..agora num tem mais ensino religioso e... é muito bom..., porque tipo a professora leva música que é da realidade, não que..tipo...de amor essas coisas assim...também é da realidade também acontece..só qui...hoje mesmo o Brasil num tem, num é tudo maravilha, é tudo horrível...Por isso que eu já curto mais Rap que fala da verdade da vida não fica... (Entrevista em 06/11/2014) Júnior inicia sua resposta usando a categoria de modalidade na indicação de uma probabilidade e ao mesmo tempo uma avaliação em ‘seria bom’, ou seja, é possível que seja uma boa ação trabalhar com músicas em sala para combater os problemas sociais. Em seguida, em ‘agora num tem mais ensino religioso’, ele utiliza o processo existencial ‘ter’ em sua forma negativada para indicar algo que já existiu e que servia ao propósito de levar os alunos a reflexões destas temáticas e que ‘agora’ foi lhes tirado, ou seja, não existe mais na escola este instrumento que possibilitava o debate sobre a realidade vivenciada rotineiramente por estes indivíduos. Jonas se posiciona contrariamente a esta supressão ao expressar seu juízo de valor sobre a disciplina de ensino religioso em ‘é muito bom’, para ele as ações dentro da referida disciplina eram validadas por seu caráter realístico. É um juízo de valor em forma de afirmação avaliativa de baixa intensidade se considerado o continuum excelente/ ótimo/ bom, mas o advérbio de intensidade ‘muito’ confere à afirmativa maior carga de intensidade. 111 Assim, Junior indica que há um espaço vazio no contexto escolar que precisa ser preenchido, pois é muito bom que se trabalhe as questões da realidade em sala de aula, podendo a música ocupar então esta função que pode vir a ser decisiva na vida dos adolescentes. Ao se pensar o contexto de vida deste sujeito, isto é algo que deve ser pensado seriamente. Junior tem um histórico assumido de forte envolvimento com drogas, sendo claramente perceptíveis os resultados do seu uso, como a falta de concentração e demais efeitos previstos. Contrário à crença geral, de que ensino religioso seria uma matéria desinteressante para sujeitos com tal histórico, Junior nos mostra aqui que, na verdade, são estes os mais beneficiados com ações que reflitam as questões existenciais, seja por qual for o viés. Mais uma vez está disposto então o tipo de música que pode vir a servir ao propósito transformacional, não de amor (romântico), mas da realidade. E Junior vai justificar esta escolha, falando em termos de Brasil, ele usa o processo relacional ‘é’ em contexto de oposição: primeiro diz um atributo que o país não possui, ‘num é tudo maravilha’, e depois nos mostra então qual é a qualidade, o atributo, do seu país, qual seja, ‘é tudo horrível’. Percebemos como que um tom de revolta de Jonas com esta realidade que lhe parece ‘horrível’, ele não chega a assumir, mas é como se deixasse implícito que as drogas foram sua rota de escape, sua fuga, deste mundo sem sentido. Parece tão desacreditado que não suporta a ideia de músicas mais afetivas, pois elas são mentirosas, posto que não retratem a realidade tal como é, assim, justifica sua preferência por músicas que falam desta realidade, como é o caso do Rap. Seja por experiência própria, seja por exemplos da mídia e/ou outras fontes, concluímos então que para os sujeitos entrevistados a música pode sim servir como ferramenta que venha a possibilitar um espaço de reflexões e, possivelmente, mudanças por meio de sua presença efetiva em sala de aula. Apresentaram-nos também algumas ressalvas a este respeito, mais especificamente, no que tange às escolhas textuais, que devem ter algumas características. De forma unânime, a preocupação reside então naquilo que vai ficar impregnado nas pessoas. Muito mais do que servir a função de divertimento, a música escolhida deve penetrar na mente dos alunos e formar raízes que, mais tarde, tragam bons resultados. 112 Fica subentendido então que estes alunos esperam do professor que se proponha a realizar este trabalho um preparo no que tange ao universo de interesse musical dos mesmos, para que a partir daí estabeleça um plano de ação. Muito mais do que escolher músicas aleatoriamente, tal professor necessita manter um contato próximo com seus estudantes, de modo a lhes transparecer confiança. Como já asseverado, os adolescentes tendem a se envolver com aqueles, ou aquilo, ao qual se ‘identificam’, e como já dito em vários dos enunciados, para o aluno é maravilhoso quando o professor traz para sala de aula elementos do cotidiano que são essenciais na construção do seu ‘eu’, a conexão é imediatamente estabelecida, abrindo caminho para diálogos mais profundos e duradouros. 5.4 “Importância do projeto SUPERHAÇÃO” Este trabalho surgiu da necessidade de se pensar ações que, no contexto das aulas de LI, pudessem auxiliar a se alcançar os objetivos propostos pelo projeto SUPERHAÇÃO. Assim, após discorrermos sobre a importância da música na vida dos alunos e sua relação com a música em inglês, abordaremos então, neste tópico, as respostas evidenciadas no que tange ao envolvimento dos sujeitos pesquisados com o projeto. Em relação a este tema, havia nos questionários uma pergunta subjetiva, onde o aluno poderia responder abertamente, que assim dizia: Na sua opinião , qual a importância de se ter um projeto na escola que trabalhe a prevenção do uso de drogas e afins? Desta forma, as repostas obtidas apresentam caráter amplo e abrangente, no entanto, ainda nos é possível sistematizar as principais ideias que subjazem a tais enunciações, em ordem decrescente de evidenciação. Para estes alunos: O projeto é uma forma de orientação, conscientização, auxílio, alerta, conhecimento e explicação sobre os riscos que as drogas podem oferecer para quem já usa, ou não; O projeto mostra consequências, previne, evita que os adolescentes se percam “mundo afora”, evita a destruição de famílias; 113 O projeto muda pensamentos, ajuda escolher um futuro melhor, incentiva a fazer o bem, dá base aos jovens, é um recurso necessário; É interessante, bom, empolgante; É inútil, sem importância; É possível perceber uma tendência à solidarização com os preceitos do projeto. Os alunos em sua maioria parecem compreender os objetivos desta prática no contexto escolar e reconhecem sua validação, apontam ainda os vários quesitos sociais que o mesmo atende, estes vão desde a evidenciação de um conhecimento até a promoção de momentos de reflexão e mudanças. Já é comprovada a eficiência que o trabalho de prevenção trará, não só para a escola, mas para a sociedade de uma maneira geral, pois, como afirma Medeiros (2006, p.70), “para cada dólar investido em prevenção pode-se observar uma economia de até 10 dólares no tratamento contra o consumo de álcool ou de outras drogas”. A escola é, portanto, o espaço propiciador deste tipo de ação devido ao tempo que os alunos ficam neste ambiente. Além do mais, como afirma Soibelman (2003), tem sido na escola o primeiro contato dos alunos com as drogas, ainda bem novos, na faixa dos onze anos de idade. Assim, cabe a tal instituição o papel socializador das problemáticas e de empreender ações envolvendo a comunidade, buscando meio de enfrentamento. É interessante ainda salientar que em nenhuma das respostas foram utilizadas construções verbais que remetessem a primeira pessoa do singular. Há um certo distanciamento dos sujeitos por meio do uso de termos que remetem a “outros” elementos, a terceiros, “os alunos”, “os jovens”, “os adolescentes”, como se não estivessem inseridos neste contexto. Evidencia-se ainda o uso de formas impessoais e no infinitivo, o que deixa indefinido a quem se dirige a ação, mesmo que em alguns casos já fosse de conhecimento da escola o envolvimento do aluno com uso de substâncias ilícitas. Este fator nos chama atenção para a dificuldade que é trabalhar e discutir temas que atinjam diretamente o emocional dos alunos, elementos estes que compõem sua formação identitária. Mesmo escondendo-se sob o manto do anonimato não se sentem confiantes a ponto de se exporem, pois tais assertivas atingiriam diretamente a “imagem” que se tem de manter. De acordo com Silva et al (2009), o primeiro envolvimento dos adolescentes com substâncias ilícitas ocorre em um momento turbulento, cheio 114 de questionamentos e dúvidas, e assim os jovens se veem pressionados a assumir uma posição, uma maneira de autoafirmação entre os demais. Mais tarde o resultado é sofrimento, angústia, loucura e morte. O que só reforça a importância e a necessidade de ações preventivas. A pergunta referente ao projeto e sua importância também figurou entre os primeiros lugares nas entrevistas. Assim, veremos agora algumas das respostas mais contundentes, de modo a estabelecer um elo comparativo com o que foi encontrado nos questionários. Serão aqui apresentadas as respostas e em seguida uma análise que se pautará nos processos, modo e avaliação encontrados em cada uma, seguindo a ordem de exposição. Pedro assim se pronunciou com relação à importância do projeto: Exemplo 23 Creio eu que sim, porque... É necessário, a pessoa sozinha, de acordo com o que eles relataram, não é fácil, ele por si só, dificilmente eles conseguem se reintegrar. Eles falaram que cerca de 90 por cento dos que estão no mundo , usuário de drogas , eles não conseguem sair por si só, ou seja 10 por cento, ainda dos 10 por cento eles diz que raramente um consegue está totalmente sã, futuramente, construir uma família voltar a vida normal. (Entrevista em 06/11/2014) No processo mental ‘creio’ o Experienciador (Pedro) revela sua posição em relação à importância do projeto na escola (“que sim”) baseado em suas experiências pessoais que lhe permitiram perceber esta necessidade. A escolha verbal indica convicção; ele não diz “eu acho” e sim “eu creio”, que envolve mais que acreditar, em um sentido tanto quanto místico, indica altíssimo grau de comprometimento com a mensagem. Aponta claramente a subjetividade da afirmação, posto que uma crença esteja sempre atrelada a construções pessoais. ‘É necessário’ se constitui modalidade deôntica presente na fala de Pedro, isso indica alto nível de obrigatoriedade quanto à presença do projeto na escola. E mais, não nos é possível concluir a base subjetiva do julgamento, seria esta opinião de Pedro ou eco de um determinado grupo social? Estaria ele apenas repetindo um discurso já ouvido? Em ‘dificilmente eles conseguem / raramente um consegue’, temos um advérbio de modo e um de tempo que indicam a posição de Pedro quanto à possibilidade de que as pessoas envolvidas com drogas consigam se recuperar 115 por si só, para ele este é um processo complexo que requer a presença de mais indivíduos envolvidos, pois a pessoa sozinha não dá conta, fato que mais uma vez só reforça a importância e necessidade deste tipo de ação. Gustavo diz: Exemplo 24 É bom porque aqui, óh, é uma escola de ensino médio, os alunos são tudo já quase maior de idade. A maioria pensa nessas coisas, eles pensam em experimentar pra ver se a sensação é boa ou não. (Entrevista em 06/11/2014) O processo mental ‘pensar’ encontrado na fala de Gustavo indica uma constante na vida dos experienciadores “eles” (os alunos), que por sua vez têm vontade de experimentar “essas coisas”, que podem se referir, em um âmbito geral, a tudo aquilo que seja proibido, e, no contexto específico da pesquisa, às substâncias ilegais. Esta é a justificativa de Gustavo para a importância do projeto. É bom que haja essas ações na escola, pois os alunos ‘pensam’ sobre isso, ou seja, são tentados pelas possibilidades de experimentação. O uso do pronome “eles” indica distanciamento, Gustavo não se insere no contexto da afirmativa, mas a sua própria assertiva de que isso acontece com a maioria, permite-nos qualificá-lo como um dos participantes desta ação. Este processo relacional “ser”, presente na fala de Gustavo, apresenta um elemento identificador que explica a razão do interesse pelo uso das drogas. A maioridade é o elemento definidor dos alunos que querem experimentar “essas coisas”. Apesar da presença de um identificador, o enunciado não deixa clara a relação entre esta definição e o problema em si: os alunos querem experimentar porque logo serão maiores de idade e ninguém mais poderá intervir ou porque querem fazer enquanto estão isentos da punição instituída legalmente. ‘É bom’, é a avaliação de Gustavo com relação à presença do projeto na escola, é um juízo de valor em forma de afirmação avaliativa de baixa intensidade se considerado o continuum excelente/ ótimo/ bom. Ou seja, para Gustavo é interessante que se tenha o projeto, mas não há um envolvimento muito intenso de sua parte. Paulo: 116 Exemplo 25 Sim, eu acho muito importante né? Pra...essas pessoas que tão com esses problemas pra ter uma ajuda, né?. Talvez elas não tenha essa ajuda em casa ou na rua, mas na escola ela tem. (Entrevista em 06/11/2014) Por meio do processo mental ‘acho’, o Experienciador Paulo se posiciona favoravelmente com relação à necessidade do projeto em ‘acho muito importante’. A opinião de Paulo é reforçada com uso do advérbio de intensidade “muito”, em uma expressão avaliativa sobre a importância do projeto, o que também é um indício de um alto grau de comprometimento com o que se diz. O processo relacional “estar”, também, se faz presente na fala de Paulo como indicativo do provável alvo das ações do projeto: pessoas que estão com esses problemas. Aqui não há referência direta ao uso de drogas, mas a sentença “esses problemas” deixa clara a referência, considerando o teor do projeto e que a pergunta se refere ao mesmo. Assim, as pessoas que precisam do projeto apresentam uma característica, elas estão “com esses problemas”. Neste enunciado, o processo relacional “ter” refere-se a duas situações distintas, numa relação opositiva suscitada pelo uso da conjunção mas. Na primeira situação, estas pessoas são caracterizadas com a falta de algo, que logo é identificado por meio do elemento classificador “ajuda”, ou seja, essas pessoas têm problemas e precisam de ajuda. No entanto, o segundo contexto relacional de “ter” indica uma possibilidade, “na escola ela tem” mostra uma alternativa, a escola é apontada como o espaço onde estas pessoas preencherão o vazio da afirmativa anterior implícita em “na escola ela tem ajuda.” Mais uma vez reafirmado o valor e a necessidade de um projeto deste teor, capaz de oferecer aquilo que essas pessoas (alunos, já que vão à escola) precisam, mas não encontram em outro lugar Pedrina: Exemplo 26 A gente sabe que alguns alunos, é..., já estão na escola e já experimentaram, usaram , ou, alguns ainda não, então a ideia é prevenir né? Aqueles que ainda não começaram e tentar resgatar alguns que já estão. Ah, nós sabemos que o uso de qualquer substância química né? Drogas, é..., compromete muito o ensino e aprendizado... (Entrevista em 06/11/2014) 117 Pedrina utiliza o processo mental ‘saber’ para se referir a duas situações. No início da fala, refere-se ao fato de que a comunidade escolar, retomada em ‘a gente’, tem conhecimento de que os alunos fazem uso de substâncias químicas. A professora usa em sua fala o advérbio de tempo ainda para se referir aos alunos que não fazem uso, é como se fosse apenas uma questão de tempo até que isto aconteça, daí a importância do projeto, prevenir e resgatar enquanto ‘ainda’ há tempo. Percebemos aqui um aspecto no qual a ACD tem combatido veemente, que é a naturalização de alguns discursos que mascaram a verdade e usurpam a posição de legitimidade. Dizer que devemos salvar os adolescentes que ‘ainda’ não entraram no mundo das drogas é naturalizar este processo, pois indica que inevitavelmente isso irá ocorrer, se não agora, depois. Esta não é uma fala consciente da professora, e sim a reprodução de um discurso que circula no espaço social da escola, possivelmente sendo a razão pela qual estes acontecimentos dentro de escolas públicas já não assustem, nem surpreendam, os discursos têm naturalizado tais ações. Daí a importância desta pesquisa, no sentido de que os resultados aqui apontados venham a questionar tais discursos, de modo a cumprir o propósito da ACD, qual seja, promover a transformação social por meio da própria linguagem. A segunda situação em que o processo mental ‘saber’ aparece na fala de Pedrina se refere ao conhecimento de que a substância química ‘compromete muito o ensino e aprendizado’ destes alunos. Mais uma razão pela qual se torna imprescindível a presença do projeto na escola, pois uma situação como esta, que afeta diretamente o propósito maior de uma instituição, deve e precisa ser combatida. Aqui percebemos também que tanto os alunos ativos do projeto quanto aqueles que são os alvos da ação do mesmo reconhecem sua necessidade e importância. No entanto, por meio desta análise, percebemos que isso não se dá na mesma intensidade, enquanto Paulo, por exemplo, demonstra claramente seu envolvimento, os outros tentam se esquivar por meio de escolhas lexicais que não os comprometam tanto. A exemplo, temos o uso constante do pronome “eles”, como que para dizer que não fazem parte daquilo que estão afirmando. Já a fala da professora Pedrina está imbuída de pronomes que nos remetem a um coletivo como em ‘a gente’ e ‘nós’, o que revela a consciência de que este deve ser um trabalho de todos os professores e agentes da comunidade 118 escolar, ela por si só não dá conta dos objetivos inerentes ao projeto. Fato este que nos lembra que o presente trabalho não tem a pretensão de servir como elemento miraculoso que solucionará as dificuldades no contexto do projeto, nosso objetivo é contribuir apontando uma possível ferramenta para ser utilizada nas aulas de inglês, de modo a auxiliar no alcance do propósito maior desta ação. 5.5 As Categorias de Modalidade e a Avaliação Fairclough (2003a) ressalta que, assim como por meio de estilos, a identificação em materialidades textuais também ocorre por meio da modalização – que se refere ao comprometimento do autor com aquilo que é verdadeiro e/ou necessário- e pela avaliação – que se refere ao que é desejável ou não, bom ou ruim, etc. Ainda de acordo com o autor, há diferentes tipos de modalidades que estão associadas a diferentes trocas e funções da linguagem, mas, resumidamente, existe a modalidade epistêmica que está inserida no âmbito da troca de conhecimentos, e ressalta o compromisso do autor com a verdade; e a modalidade deôntica que trata do compromisso com a obrigação, necessidade e ações, e está presente em trocas de atividades, encontrada em expressões como ‘é possível, ficaria bom’, etc. Há ainda modalidade objetiva e subjetiva, a primeira ocorrendo quando a base subjetiva do julgamento está implícita e na segunda opção não se sabe se a afinidade expressa é do próprio falante. Fairclough (2003) nos aponta ainda que a modalidade (ou modalização) ocorre por meio de verbos e advérbios modais, processos mentais, alguns verbos de aparência (parece que), adjetivos modalizadores e mesmo algumas expressões como ‘tipo’, etc. Quanto à avaliação, Fairclough (2003a) diz que se refere ao que é desejável ou não, seria um parecer sobre aquilo que se fala. A sua forma mais obvia de realização seria por meio do processo relacional, como em ‘este livro é bom’, mas pode ainda ocorrer em sentenças onde o próprio verbo seja o elemento avaliativo como em ‘ele amarelou’, que seria o mesmo que ‘ele é covarde’. Pode ser percebida ainda por meio de advérbios avaliativos e exclamações. 119 Para o referido autor, enunciados avaliativos também aferem o grau de importância, utilidade, e assim por diante. Quanto mais escusa uma avaliação, mais discursivamente relativa se torna, posto que afira uma visão particular relacionada a um discurso em particular. Assim, as categorias de modalidade deôntica ou processo mental afetivo também podem ser formas de avaliação, marcada subjetivamente, por exemplo, no processo mental afetivo ‘eu gosto de música’, há implícita uma avaliação de que música é uma coisa boa. Em um plano ainda mais profundo, há as presunções valorativas, que são aquelas expressões que, aparentemente, não são avaliativas, mas estão presumidas, não ditas, porém presentes. Dependerá então de alguns fatores, como a própria proximidade entre interlocutores, ou mesmo certa familiaridade com determinados discursos para se perceber tais presunções. Assim, o quadro a seguir serve ao propósito de evidenciar as aparições da categoria de modalidade e a avaliação percebidas nos enunciados dos entrevistados. Quadro VI- Ocorrência das categorias modalidade e avaliação. Categoria Número de Ocorrências Fonte: Modalidade Epistêmica 6 Modalidade Deôntica 4 Avaliação 26 Exemplos 4, 11, 16, 17 e 23. Exemplos 14, 19, 21 e 22. Exemplos 1, 3, 4, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25. Por meio destes dados, percebemos então a massiva presença de elementos da categoria avaliação nos enunciados avaliados, muito mais do que modalização. Isso nos mostra que os sujeitos estavam constantemente emitindo avaliações, implícitas ou explicitas, sobre os temas abordados, deixando clara a subjetividade daquilo que diziam. As avaliações são, em sua maioria, positivas, pois se referem à música e à necessidade de sua presença no ambiente escolar. Os elementos avaliativos são em grade parte afirmações com processos mentais afetivos, pois os alunos estavam constantemente retomando o fato de que gostam muito de música e a querem por perto sempre que possível. 120 A categoria de avaliação é, por assim dizer, mais emotiva, pois expressa o nível de tipo de relação estabelecida com determinado objeto. Considerando que o tema abordado na atual pesquisa, qual seja a música, mantenha uma conotação mais expressiva, ou seja, interfere em um plano mais emotivo na vida dos adolescentes, por isso a presença constante de elementos avaliativos. Ambas, modalidade e avaliação, nos permitem entender mais claramente então como nossos jovens são afetados por este elementos simbólico, como será discutido na seção que se segue. 5.6 Processos de identificação dos jovens e adolescentes do projeto SUPERHAÇÃO: algumas reflexões O caminho percorrido neste capítulo de análise nos faz compreender a amplitude do papel que a música desempenha na vida de nossos jovens, por meio de suas próprias narrativas, os elementos linguísticos dos seus enunciados nos dão pistas de que, mesmo que não saibam expressar em palavras, ou de forma mais categóricas, compreendem que são influenciados pelas canções que ouvem. Alguns se preocupam em manter um relacionamento mais consciente com esta forma de arte, enquanto outros preferem apenas ‘curtir’, sem se importar muito em compreender os fenômenos envolvidos. Os aspectos da Gramática Sistêmico-Funcional pautados na Metafunção Ideacional (processos relacionais e mentais) nos foram de grande valia por conta de seu caráter representativo, a realidade dos sujeitos desta pesquisa estava representada em seus enunciados, e assim nos foi possível apreender os sentidos daquilo que diziam por meio da conexão entre os aspectos linguísticos e suas atividades sociais. Assim, por exemplo, podemos afirmar a forte influência da música em inglês na vida dos alunos, já que os processos mentais e relacionais encontrados nos mostraram isso, e, mais ainda, os dados coletados que a cada momento reforçavam esta presença maciça em seus afazeres cotidianos. Corrobora ainda a perspectiva de Fairclough (2003a) sobre o significado identificacional e o estilo que nos ajuda a compreender elementos da fala juntamente com outros aspectos como modo de vestir, de andar e de falar, como indícios de nossa posição perante o mundo, mostra a maneira como enxergarmos a nós mesmos e os demais envolvidos. As categorias de 121 modalidade e avaliação são mais incisivas ainda ao deixar bem explícitos os juízos de valores e os níveis de comprometimento dos falantes em relação àquilo que se discute. Estilos são realizados por meio de características linguísticas no nível fonológico, no vocabulário e nas metáforas, razão pela qual a análise de elementos como processos mentais e relacionais, advérbios e outras categorias gramaticais nos apontam claramente o posicionamento dos sujeitos desta pesquisa quanto ao papel da música em suas vidas. Podemos citar a grande ocorrência de juízos de valor em forma de afirmação avaliativa nos enunciados sobre as diversas facetas abordadas, mas principalmente, sobre seus relacionamentos com a música em Língua Inglesa, que nos mostraram que a mesma opera em um nível mais subjetivo e profundo de suas realidades, fator que transparece em seus enunciados sob a forma de afirmações avaliativas como ‘gosto’, ‘adoro’, ou com o uso de advérbios de intensidade, “muito”, etc. Assim, além de confirmar algumas de nossas suspeitas, como a forte presença da música em inglês na vida dos jovens, as análises aqui apresentadas mostram-nos que os sujeitos investigados mantêm a característica de um sujeito da modernidade líquida de Bauman (2001) e da pós-modernidade de Hall (2006), com seus espaços comprimidos entre o local e o global, transitando neste local de confluência de informações. Informações estas nem sempre “traduzidas”, mas, ainda assim, parte essencial de sua constituição enquanto ser humano, sendo as músicas um grande exemplo. Assim, claramente, há uma relação muito íntima e aprofundada com as músicas em LI, mesmo que inconsciente aos próprios sujeitos, é algo que fica em evidência ao analisarmos seus enunciados. Mas, esta relação não é clara aos indivíduos por diversas razões, sobressaindo-se o fato de que estes vivenciam, como já dito, a chamada pós-modernidade (HALL, 2006) onde as velhas estruturas que davam sustentação às identidades estão sendo deslocados, deixando-os a mercê de suas escolhas em um mundo que se tornou um supermercado cultural, no qual são confrontados por diferentes identidades ligadas a diferentes estilos, lugares e imagens e que fazem apelo a diferentes partes de sua constituição individual e, no qual, uma escolha parece viável. Bauman (2001) reforça ainda que esta individualização se tornou marca registrada da modernidade líquida, em que mesmo as mudanças sociais devem 122 ser empreitadas individuais, em um movimento de fora para dentro, buscandose no mundo exterior apenas modelos a serem imitados, pelo aperfeiçoamento de suas características humanas. Este fator nos lembra a fala de Castells (1999) sobre as identidades de resistências, pois percebemos que há um elemento que impulsiona e unifica os indivíduos desta geração, ou seja, este sujeito fragmentado precisa encontrar alguma forma de se encaixar, e esta completude parece ter endereço certo para acontecer. Guiados por um sentimento de ‘indefesos’, estarem unidos ao seu próximo tornou-se fonte simbólica de processos significativos de uma nova identidade, e tal conexão encontram por meio da música. Se pensarmos na juventude dos dias atuais veremos que cada vez mais são atraídos para eventos onde a música é o carro chefe, na maioria das vezes, a música eletrônica porque passa imagem de felicidade, de distanciamento. Nunca Djs foram tão festejados como agora, são venerados pelos seus poderes de musicalidade, por saberem fazer músicas que despertem sensação de distanciamento e de união ao mesmo tempo: distanciamento de um mundo fragmentado e união com seus semelhantes. E isto, por um momento, representa a felicidade. Assim, assistimos anualmente a ocorrência de eventos como o Rock in Rio que une centenas de milhares de jovens das mais diversas partes do mundo, mas que por um momento, parecem ser apenas um, unidos pelo mesmo propósito, uma única identidade. No entanto, não podemos esquecer o caráter socioconstrucionista (Moita Lopes, 1996) das construções identitárias, pois as pessoas constroem significados a partir da relação de troca com seus semelhantes, no contínuo processo de tentativa de compreensão da vida a sua volta, sendo o discurso mediador deste processo sóciointeracional. Desta forma, considera-se que a crise estrutural da sociedade tem provocado mudanças desestabilizadoras, especialmente, na vida daqueles que por natureza já estão passando por uma fase de transição, como é o caso dos adolescentes. Dependendo de quem será este “outro” nas relações sóciointeracionais, os resultados podem tender para um lado não tão positivo. Isto porque o jovem está sempre sob constante pressão por grupos, e pela sociedade em geral, para se encaixarem em um perfil desejado, principalmente no que tange ao contexto consumista, para que se tenha um corpo perfeito, use produtos da moda, sejam descolados, etc. 123 E este conflito entre a rigidez de um ideal exigente e o desejo individual de uma identidade própria acaba gerando desajustes que levam à exclusão social, ou mesmo a autoexclusão, e está diretamente relacionado a fatores agravantes como depressão, distúrbios alimentares e busca por elementos mais nocivos à saúde como é o caso do uso de substâncias químicas. Este último pode ser resultado de vários fatores, desde uma maneira de se rebelar contra este sistema, como também uma forma de se encaixar nos moldes e ditames, provando ser ‘descolado’ o suficiente para fazer tal. Esta é uma realidade latente, como bem nos foi informado por nossos sujeitos de pesquisa, todos foram levados a este caminho por influências de um grupo, sempre na tentativa de encontrar para si um espaço, uma identidade. Como já asseverado, a escola então receberá o reflexo de todas estas mudanças e se torna simplesmente impossível fingir que não afeta a própria razão de ser de tal instituição, e pior ainda, seria a tentativa de manter em funcionamento um modelo que já não atenda ao padrão estabelecido da atual sociedade. Os preceitos da identidade de resistência e identidade de projeto poderão ser amplamente identificados e trabalhados dentro da sala de aula a partir do momento que a comunidade escolar assumir para si o desejo de auxiliar na transformação social, possibilitando ações que auxiliem no processo de formação identitária dos seus alunos, levando em consideração também a realidade por estes vivenciadas além dos portões da escola. Muito mais do que conteúdos e avaliações para validarem o seu desempenho, a escola deveria servir para alcançar resultados que efetivamente trarão frutos a longo prazo. Não se forma meio cidadão, mas é isto que se tenta fazer quando são redobrados esforços na cobrança de conhecimentos decorados e bom comportamento em sala, mas são ignorados os fatores sociais que podem estar provocando o baixo rendimento dos estudantes. Aplicar castigos àquilo que é consequência e não a causa de um problema, não o resolve, pelo contrário, pode contribuir no agravamento da situação. Neste sentido, o projeto SUPERHAÇÃO tem assumido a missão de tentar minimizar um dos agravantes sociais que têm adentrado os portões escolares, que é o caso do uso de substâncias químicas. É uma tentativa de despertamento da comunidade escolar e, em geral, para a necessidade de se empreender ações que visem à transformação desta realidade. E esta pesquisa traz sua 124 contribuição no sentido que se preocupa em oferecer um possível caminho para se chegar a um resultado positivo por meio de ações com a música em aulas de Língua Inglesa. Como bem vimos no decorrer do percurso teórico, reside aí o caráter crítico, inovador e transformacional da ACD, que não nega o poder dos discursos em estabelecer e manter relações opressoras, mas que também vislumbra uma possibilidade de transformação por meio dos mesmos. Assim, as análises que aqui constam, muito mais do que evidenciarem a realidade sobre os alunos do projeto e suas relações com a música, apontam possibilidades de mudanças a serem debatidas e refletidas no próprio contexto do projeto e da escola. Como já explicitado, a música como instrumento de aprendizagem nas aulas de inglês já é um fator bastante explorado em pesquisa, por isso nossa opção em abordar aqui o caráter mais emotivo e reflexivo desta, ao considerar que nosso interesse refere-se ao processo de identificação dos adolescentes. Assim como apontado nos estudos de Engh (2012), Tim Murphey (1990), Brown (1977), Oxford (1990) e outros que tratam da eficiência da música na aprendizagem da Língua Inglesa, as análises dos enunciados dos sujeitos da pesquisa nos mostraram exatamente esta possibilidade de aquisição de material linguístico, pois os alunos deixaram claro que, com o tempo, acabam aprendendo as letras das músicas, e também se dispõem a ir em busca de seus significados quando os mesmos não estão claros. E esta relação é tão forte que os alunos não esquecem aquelas aulas em que os professores usaram tal instrumento como recurso metodológico. Neste sentido, os entrevistados mostraram nitidamente o desejo de que a música em inglês se faça presente nas aulas de inglês, mas não de qualquer forma, as canções escolhidas devem servir ao objetivo de mostrar alguns modelos de ações, algumas formas de pensar e agir que promovam a mudança. A escola então serve ao propósito de apresentar a este aluno as possíveis ferramentas para o enfrentamento de suas realidades opressoras, cabe então aos mesmos, a partir daí, empenharem-se na constante luta pela transformação em todas suas facetas. Os dados nos apontam que, música por música, os alunos ouvem em casa ou em outros ambientes sociais, na escola, ela deve estar presente sob o emblema do engajamento social, servindo a um propósito que por si só, talvez 125 não venha a ser efetivado. Isso nos remete diretamente ao papel do professor como condutor deste processo, como é bem sabido, ninguém tem o poder de emancipar a outrem, mas por meio de ações como estas, todos podem contribuir para que a emancipação se efetive. Como bem nos asseveram Maheirie ( 2003) e Vygotsky (1930/1990), a música trabalha com a emoção, e esta por sua vez está estruturada em um sistema de relações imaginárias, no entanto, tudo o que acontece neste espaço refletirá na realidade, pois tem o poder de influenciar as percepções deste sujeito sobre sua realidade. Daí a importância e o papel da música na formação da identidade de nossos jovens, o sentimento desperto por determinada música engloba fatos de uma realidade vivenciada e elementos de uma projeção imaginária desta realidade, já transformados. Por esta razão, como aponta Vygotsky (1930/1990), se alguém está triste e ouve uma música triste, todo o mundo a sua volta passa a estar imbuído deste sentimento, por isso a música serve a diferentes propósitos na vida do ser humano. Assim, objetos criados na fantasia podem passar por um processo de objetivação e transformar a realidade, fechando o círculo do processo de criação humana. Se uma música for trabalhada em sala sob um viés transformacional e de possibilidades reais de mudança, toda vez que este aluno ouvir esta música, este tipo de sentimento será despertado, e possibilitará a efetivação da mudança. Desta forma, ter conhecimento destas preferências musicais dos alunos é compreender como estes enxergam o mundo a sua volta e também como se posicionam neste mundo. Como nos asseverou Fairclough (2003), foi por meio dos estilos, ou seja, das escolhas linguísticas dos sujeitos entrevistados, que pudemos compreender então que, apesar de estarem mais afetivamente ligados a estilos dançantes e envolventes, estes sujeitos acreditam que para fins mais reflexivos e críticos faz-se necessário tipos específicos de letras, ou estilos, que propiciem estas ações, como é o caso do Rap que foi mais citado nas entrevistas. Estas constatações serão considerações finais no capítulo que se segue. amplamente discutidas nas 126 CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa foi idealizada a partir de algumas inquietações de que a música poderia vir a ser uma poderosa ferramenta em sala de aula. Sempre me intrigara a maneira como uma canção, mesmo sendo em outra língua, possuía o poder de transformar ideias, influenciar o comportamento e despertar o interesse de meus alunos, desde os mais jovens até os de idade mais avançada. Por conta de minha aproximação com a Língua Inglesa, pude perceber bem de perto essa realidade nas aulas em que ministrei a referida disciplina, sempre que entrava em debate a temática musical o interesse dos alunos simplesmente triplicava e eu me via cercada de perguntas sobre referidas palavras, expressões, nomes de bandas e afins. Por esta razão, sempre procurei fazer atividade com canções nas aulas de inglês, mas chegou um momento em que me questionei se poderia ir além, se algo a mais poderia ser feito por esses alunos por meio do uso de um elemento de constante presença em suas vidas. Assim, quando aprovada no mestrado, comecei a frequentar as aulas de minha orientadora e passei a conhecer os preceitos da Análise Crítica do Discurso, defendida por Fairclough, que apregoa exatamente a transformação social por meio da linguagem, e que incentiva o desmascaramento de ideologias opressivas que se escondem sob discursos aparentemente neutros e naturais. Esses ideais, aliados ao pensamento de Bhaskar (1975) de que autoemancipação é algo possibilitado pela agência de outros seres humanos, e no de Paulo Freire (1970) de que transformar a realidade é tarefa do homem, fizeram-me compreender que poderia buscar uma maneira de aliar estes conhecimentos e o gosto musical dos alunos para inserir ações de viés transformacional no próprio cotidiano escolar. No entanto, para que tal se efetivasse, primeiramente era preciso compreender como exatamente esse elemento, a música, influencia os processos de identificação dos jovens e adolescentes, assim a justificativa para esta pesquisa. Sabemos que o acesso à educação figura-se como um dos direitos essenciais e indispensáveis à formação de qualquer cidadão. E, enquanto 127 espaço propiciador do cumprimento de tal premissa, a escola se torna o ambiente onde se refletirá a forma de organização de determinada sociedade, em que serão evidenciados os seus aspectos positivos e também serão ressaltadas as mazelas sociais existentes em dado contexto. Considerando as recentes discussões em torno da necessidade de uma ação pedagógica que aborde as problemáticas sociais, entende-se que, para obter ensino de qualidade e que vise um resultado efetivo de transformação, é preciso levar em consideração todas as facetas constitutivas da vida do indivíduo em sociedade. Sendo assim, para além de lidar com aspectos pedagógicos, a escola precisa estar preparada para enfrentar toda sorte de problemas sociais que possam aflorar no cotidiano escolar. Isto se torna possível a partir do momento em que se estabeleça uma ação colaborativa entre professores, alunos, colaboradores e a comunidade em geral. Assim, partindo de um contexto mais amplo, chega-se à compreensão de que cada professor precisa, também, buscar dentro de sua área de atuação, ferramentas que possam fomentar discussões e indicar estratégias de ação para se lidar com situações adversas. Neste sentido, por meio dos pressupostos da Análise Crítica do Discurso, esta pesquisa debruçou-se, especificamente, sobre as perspectivas do ensino de LI mediante o uso de músicas dentro do contexto do Projeto SUPERHAÇÃO, que visa à prevenção do uso indevido de drogas na escola onde se realizou a pesquisa. Para melhor visualização do caminho percorrido, serão recontextualizadas agora as minhas perguntas de pesquisa e os resultados encontrados: (1) Existe ou não preferência por parte dos alunos pela música em língua inglesa? Qual o gênero musical escolhido e qual o entendimento destes acerca do significado dos itens lexicais apresentados nas canções? Tanto as respostas dos questionários aplicados, quanto das entrevistas, confirmaram a forte influência da música na vida dos jovens e adolescentes, independente do perfil comportamental que apresentem. Ou seja, como esta pesquisa procurava, também, descobrir se para os adolescentes envolvidos com uso de substâncias ilícitas a música representava o mesmo que para aqueles que não estavam inseridos neste contexto, chegamos à conclusão que a 128 resposta só pode ser positiva. Os processos relacionais que atribuem à música papéis essenciais, os processos mentais e afirmações valorativas que expressam sentimentos positivos, juntamente com o intenso uso de advérbios avaliativos, são utilizados igualmente e se fazem presente na fala de ambos os sujeitos da pesquisa, (envolvidos e não envolvidos com uso de drogas). Quanto à opção pela música em inglês, a reposta é negativa, pois os jovens mostraram que há um equilíbrio em suas preferências, mas que a música nacional e a estrangeira exercem funções diferentes em suas vidas, estando esta última mais ligada à esfera da emoção, da expressão de sentimentos, da beleza estética; enquanto que a nacional está mais no nível da compreensão consciente, pelo fato de ser possível entender de imediato o que está sendo dito. Assim, a escolha entre uma e outra depende do estado de ânimo do ouvinte, confirmando a premissa de Alan Merrian (1964) de que a música exerce diferentes funções na vida das pessoas. No entanto, como mostraram dados da entrevista, mesmo aqueles que optaram em afirmar que gostam mais de músicas nacionais, demonstram uma profunda relação afetiva com a música em inglês, pois, suas música e bandas prediletas são, em sua maioria, de origem norte-americana. Aliás, dados colhidos pelo questionário apontaram que, em se tratando de músicas estrangeiras, o idioma mais ouvido é o inglês. O pop e o eletrônico são os dois estilos favoritos dos jovens e adolescentes que, conforme explicitado no capítulo de análise, justifica-se pelo tom impessoal e pela linguagem simplificada e repetitiva presentes nestes tipos de canções, que levam a uma identificação afetiva por parte dos ouvintes e provoca uma proximidade entre pessoas de diferentes backgrounds. Além, é claro, da experiência sonora, que foi apontada como o fator que motiva, ou não, a busca pelos significados das letras. E, com o aumento desta proximidade com as músicas em LI, percebemos que maior tem sido o input que os jovens têm recebido, com resultados em seus conhecimentos linguísticos do idioma. Como mostraram os dados, uma boa parcela dos entrevistados consegue entender quase que metade das letras, sem precisarem de auxílio. Essa é uma realidade que reforça o caráter movediço da pós-modernidade, onde elementos de caráter global são ressignificadas nos processos identitários locais, ganhando força expressiva na vida dos jovens e 129 adolescentes, não mais como um fator externo, mas como parte essencial da construção da imagem que eles têm de si mesmos e das pessoas a sua volta. (2) Os professores de LI propõem utilizar o gênero musical na escola? Durante a coleta dos dados, ficou clara a forte relação dos adolescentes com as canções em inglês, e mais ainda o desejo de que esta esteja presente nas aulas de LI. Este foi um resultado claramente apontado, como mostra o gráfico VII na página 100, bem como as repostas dos alunos entrevistados que demonstraram a eficácia de se utilizar tal ferramenta em sala de aula. Ela é apontada como possibilidade de despertamento do interesse dos alunos, como uma maneira de consolidar os conteúdos apresentados como uma forma de ‘animar’ a turma, e assim por diante. Além do mais, fica em evidência o poder de fixação de quando o conteúdo é trabalhado por meio da música, pois os alunos foram capazes de dizer especificamente quando o professor utilizou tal metodologia em sala. Os professores de LI podem utilizar a disposição dos alunos para trabalharem o gênero musical como aliado no processo de aprendizagem, no entanto, como aponta o gráfico VI da página 99, isso não tem ocorrido. Os professores parecem não estar conscientes dos resultados positivos que poderiam ser obtidos, tanto no nível de aquisição linguística quanto para se empreender ações mais reflexivas, que poderiam acarretar em mudanças e transformações sociais. (3) A música em inglês suscita algum tipo de debate, ou reflexões, que objetivem um posicionamento crítico e de transformação por parte dos alunos? De acordo com os enunciados da professora Pedrina e dos alunos entrevistados é possível trabalhar com músicas em inglês na sala de aula para fins de debates e discussões sobre algumas temáticas sociais, dentre elas, o uso de drogas. Mas, tais respostas apresentam suas ressalvas, não é qualquer música que deve ser levada para sala de aula. Para a professora, deve haver um criterioso trabalho de seleção, de modo que a música escolhida, além de figurar no repertório dos alunos, também ofereça elementos que sirvam ao propósito de reflexão e análise crítica. Ficou evidenciado, na fala dos alunos, que a música precisa ser marcante, realista e incentivadora. Os entrevistados até mesmo estabelecem paralelos comparativos com casos da vida real, onde a música foi aliada na superação de 130 algum obstáculo. Um deles, Jonas, aponta-a como substituta da função da disciplina de Ensino Religioso que, de acordo com mesmo, servia para discussão dos acontecimentos da realidade, auxiliando-os nas tomadas de decisões e enfrentamento das adversidades. A categoria de avaliação, os processos relacionais e os processos existenciais são elementos que me permitiram perceber que, neste contexto, os sujeitos da pesquisa estão conscientes de que devam ser levadas em consideração músicas que estejam atreladas mais à função reflexiva do que ao divertimento, por exemplo. E mais, estão atentos às escolhas dos professores, de modo a perceber se eles colocam isso em prática. (4) Qual a percepção dos alunos em se ter um projeto na escola que trabalhe com a prevenção do uso de drogas? O uso de processos mentais e, principalmente, a modalidade deôntica e a avaliação nos apontaram exatamente a relação dos alunos com o projeto SUPERHAÇÃO. A maioria apresentou em suas respostas expressões do tipo ‘é necessário’, ‘é bom’, ‘é interessante’, ‘eu acho’, ‘eu creio’, demonstrando certa afinidade e concordância com os objetivos do projeto e em reconhecimento de sua importância no contexto da escola. Porém, por meio das escolhas lexicais, eles procuravam não se inserirem no contexto daqueles que precisariam das ações ofertadas pelo projeto, por meio do uso do pronome pessoal ‘eles’, ou dos substantivos comuns ‘os alunos’, ‘os jovens’, para indicar as pessoas que necessitam de auxílio deste tipo. Assim, eles generalizavam e não se encaixavam no perfil descrito, tentavam se afastar, ou encobrir suas próprias carências. Este fato me mostra o quão difícil é lidar com questões que afetam diretamente a identificação dos adolescentes, especialmente, a imagem que eles têm de si mesmos. Daí a importância de se utilizar elementos, como a música, que permitam essa aproximação, para que ações de cunho transformacionais venham a ser instauradas. (5) Quais elementos do significado identificacional estão presentes nos enunciados dos jovens e adolescentes envolvidos com a música em língua inglesa? A modalidade epistêmica, que trata do compromisso com a verdade, se fez presente nos enunciados dos entrevistados principalmente por meio dos 131 processos mentais ‘penso’, ‘acho’ e ‘acredito’; e a modalidade deôntica, que trata do compromisso com a obrigação/necessidade, apareceu mais nas respostas às perguntas sobre a importância do projeto e sobre a possibilidade de uso da música em sala, através de expressões como ‘é possível’, ‘seria bom’, etc. Quanto à avaliação, houve um uso expressivo, principalmente, por meio dos processos relacionais, pois, os sujeitos estavam constantemente atribuindo avaliações à música e seu papel. Mas, ela aparece também nos advérbios e nos processos mentais afetivos, já que, durante todo o processo, os pesquisados emitiam avaliações explícitas e implícitas quanto ao caráter da música, à ação dos professores, ao projeto e as suas próprias relações com a música e a escola, e assim por diante. As escolhas lexicais dos sujeitos de pesquisa, somadas aos elementos do nível fonológico e da linguagem corporal, por mim percebidos no ato da entrevista, transparece o ‘estilo’ destes alunos, que por sua vez deixam claras suas identificações, ou seja, a identidade social e a personalidade de cada um. Dentre os alunos identificados como envolvidos com o uso de drogas, apenas Jonas se encaixava no perfil difundido na sociedade do dito ‘malandro’; usava boné, muitas correntes, shorts rasgados, tinha uma postura largada, descompromissada. Atitudes estas contrariadas em suas falas, pois mostrou-se muito consciente da seriedade da temática debatida. Os demais entrevistados apresentavam ao menos uma das características descritas em Jonas, e, em comum, todos usando linguajar cheio de gírias e postura de alguém que não se importa muito, fato também contrariado no decorrer das conversas. Pedro, ao contrário, apresentava indumentária mais próxima ao padronizado como ‘socialmente aceito’, e a utilização de uma variação linguística que se aproximava mais da padrão. A professora Pedrina se encaixava no perfil de ‘professor’, roupas sóbrias, postura séria e uso da variedade padrão, mas sua escolha lexical mostrou muita proximidade com a realidade destes alunos, configurando assim sua personificação de uma ‘professora diferente’. Posso dizer então que essas características apontam uma maneira de identificação entre o público adolescente masculino entrevistado, que por sua vez está atrelada a uma condição social não tão privilegiada. O mesmo não pode ser dito de Pedro, que, mesmo sendo aluno de escola pública, parece vir de uma 132 realidade social diferente, mas que lida com a mesma problemática em seu contexto. (6) Qual tem sido o papel da música nos processos de identificação dos alunos? Chego agora à pergunta que estruturou esta pesquisa, afinal, qual o papel que a música tem desempenhado na vida destes adolescentes? A análise, aqui estruturada nos preceitos da ACD e da Gramática Sistêmico-Funcional, ajudoume a confirmar a hipótese de que a música em inglês está muito presente na vida dos jovens e adolescentes e que tem influenciado em seus processos de identificação. Como bem asseverado pelos autores que apresentam as características do sujeito da pós-modernidade, percebo essas características nos indivíduos que participaram desta pesquisa, pois em mais de uma ocasião deixaram clara essa busca por identificação que não existe mais em estruturas fixas e modelares (Bauman 2001). A individualidade também foi ressaltada neste processo, pois, a todo o momento, eles se colocaram como autores e responsáveis por aquilo que diziam, vendo a si mesmos como determinadores de seus destinos. E, a partir da constatação de que a realidade é um espaço fragmentado e conflituoso, a música se torna o espaço idealizado como refúgio, como proteção, como uma forma de se ‘encontrar’. A música faz uma ponte entre o mundo real e o imaginário, servindo ao propósito de assimilação e ressignificação desta realidade. Dependendo do que aconteça no mundo real, o jovem opta por ouvir um determinado tipo de música, e, neste interim, os elementos musicais agem sobre sua percepção reflexiva, fazendo com que ele aplique em sua vida as conclusões aí alcançadas, como bem explicara Vygotsky (19930/1990). Além do mais, o fator linguístico não interfere em nada neste processo de identificação, porque, como já dito, as relações dessa geração com a música em inglês são muito mais consciente do que se imagina, já se tornou elemento de uma identidade ao mesmo tempo local e global, característica da pós-modernidade. Percebo ainda que as preferências dos alunos por estilos mais dançantes e envolventes é uma tentativa de fuga dessa realidade, pois, eles mesmos apontaram que, para situações mais reflexivas, outros tipos devem ser escolhidos. Por isso a presença de músicas pop ou eletrônica em seus encontros 133 juvenis, é uma tentativa de se sentir conectado aos demais, livres de pensamentos e ações mais sérios. Há algum tempo atrás, era moda entre jovens e adolescentes o uso de um diário como confidente e amigo, havia diálogos sobre suas percepções sobre a vida, seus medos, e seus mais íntimos anseios e sonhos eram compartilhados. Hoje, posso dizer que a música assumiu esse papel, mas de uma forma diferenciada, são diários já escritos, e os jovens simplesmente ‘leem’ e escolhem com qual deles sua visão de mundo dialoga. Esta seria uma escolha íntima e pessoal, mas que apresenta seu caráter mais social quando compartilhada com os demais. Sempre percebi que os jovens amam quando descobrem outros que compartilham o mesmo gosto musical, sendo um indicativo da possibilidade de estabelecer laços afetivos. Como asseverado pelos preceitos da ACD, o discurso, portanto, não só representa o mundo como ele é visto, mas é também projetivo, imaginário, representando possíveis mundos que são diferentes do atual, e entrelaçados a projetos de transformações que tomam direções particulares. Assim, como percebi a presença de discursos que mascaram e ‘naturalizam’ certas situações, como o caso da fala da professora que dá a ideia de que é inevitável a relação destes alunos com o uso de substância química por conta de seu contexto histórico e social, percebi também um desejo de mudança nos enunciados dos sujeitos ao se posicionarem favoravelmente à presença do projeto e ao uso da música como ferramenta em sala. Desta forma, em um contexto do projeto SUPERHAÇÃO é imprescindível o uso da música como abordagem metodológica para se trabalhar a prevenção do uso de drogas, pois este pode ser um espaço de debates reflexivos que venham a atingir aspectos mais profundos do caráter humano de cada sujeito, agindo diretamente em elementos de seus processos de identificação. Como asseverado, a linguagem é um espaço que propicia a manutenção do poder, mas é também o espaço onde ações transformacionais devem ser instauradas, pois o discurso é constituído pela realidade, mas também pode ser constituinte desta, razão pela qual este exemplo de semiose, que é a música, representa uma possibilidade de mudança na vida destes jovens envolvidos com tantas problemáticas sociais, e, em específico, o uso de substâncias químicas. 134 Para finalizar, esclareço as limitações de minha pesquisa. Primeiramente, devido ao pouco espaço e tempo, não será possível, por exemplo, delinear ainda no presente trabalho quais seriam então as estratégias que poderiam ser usadas nas aulas de LI, a partir das constatações desta relação dos alunos com a música. Infelizmente, por conta do tempo, não foi possível aplicar uma aula de LI no contexto do projeto, como havia pensado no início, para que houvesse dados que me permitisse estabelecer um paralelo entre os resultados obtidos na entrevista e a postura dos alunos no decorrer de uma aula com uso de músicas. Ressalto ainda a impossibilidade de ter aplicado o questionário a todos os alunos da escola por conta da dificuldade em se convencer todos os professores a cederem alguns minutos de sua aula para que esse trabalho fosse feito. Além do mais, as pessoas responsáveis pela coordenação de cada turno não são as mesmas, assim, o que ficava acordado com um não se estendia aos demais. Não coube aqui também a análise de partes de uma entrevista realizada com a coordenadora do projeto que ofereceu dados importantíssimos sobre o envolvimento que as pessoas mantêm com o mesmo. Mas, justamente por seu caráter mais específico, optei por analisar estes dados em outro espaço, utilizando a abordagem da representação de atores sociais, que me serve mais a esse propósito. Finalizo, afirmando que já estou comprometida a oferecer um retorno à escola, e ao projeto, de acordo com os resultados a que cheguei. Inclusive, já fui procurada por duas professoras da escola, uma de inglês e a outra de espanhol, para que auxiliasse na elaboração de um projeto com música para a feira de ciências da escola. Além do mais, me comprometi em participar, ainda este ano, de uma das formações do projeto e repassar aos professores as informações levantadas e as possíveis ações que podem ser traçada. Participarei da elaboração de um livro, proposto pela coordenadora do projeto, onde serão reunidos trabalhos que indicam ações que possam auxiliar professores de todas as áreas, no sentido de se trabalhar a temática das drogas, bem como lidar com os alunos já envolvidos, por meio de metodologias em que a própria linguagem propicie a instauração de ações crítico-reflexivas, que levem à autoemancipação destes alunos, e professores também. 135 Esta pesquisa é, pois, o início de novos horizontes emancipatórios na escola. 136 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. [1953], p. 261-306. BARROS, Solange Maria de. O Professor Reflexivo em Processo de Mudança na Sala de Aula de Língua Estrangeira: caminhos para (auto) emancipação e transformação social. Tese de Doutorado. LAEL/PUC/SP. 2005. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. 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Pra que serve? 2- Você participou de alguma ação do projeto? 3- E pra você é importante ter um projeto deste tipo na escola? Por quê? 4- Esses temas assim, drogas, violência, alcoolismo, eles são trabalhados na sala de aula? Tem algum professor que traz isso, que discute com vocês na aula? 5- E na disciplina de inglês, você já viu alguma vez algum professor trabalhando? Não apena sobres drogas, qualquer tema de problema social. 6- Nas suas aulas de inglês tem uso de música? Os professores trabalham? 7- Você acha que seria interessante os professores de língua inglesa trabalhar música em sala de aula? 8- O que é musica pra você, o que ela representa em sua vida? Como você se sente quando ouve musica? 9- Qual seu estilo preferido? 10- Você prefere nacional ou estrangeira? Por quê? 11- Mas em se tratando de música estrangeira, qual idioma que você tem mais contato? 12- Você entende as letras? Procura saber? 13- Você diria que o gosto musical , o estilo, define ou influencia a amizade? 14- Seria possível trabalhar, dentro da Língua Inglesa com música, envolvendo essas temáticas? Como você acha que um professor poderia fazer, qual seria uma estratégia interessante?