A ineficácia do ordenamento penal brasileiro frente às situações que envolvam transtornos mentais Jaiza Sâmmara de A. Alves1 RESUMO O presente artigo tem por objetivo versar sobre a ineficácia do ordenamento penal brasileiro diante de situações que envolvam transtornos mentais. Por meio de pesquisa bibliográfica realizada em livros, artigos científicos e sites especializados, buscou-se, a priori, realizar um estudo abordando o conceito de crime, imputabilidade e Criminologia clínica, tendo esta por objeto estudar os comportamentos humanos tidos como anormais. Posteriormente, foram enumerados os transtornos mentais e a sua influência criminosa, traçando as principais características de tais transtornos. E, finalmente, serão apontadas as falhas do ordenamento penal pátrio quanto às questões que envolvam os transtornos mentais, oferecendo soluções ao deslinde de tais situações. ABSTRACT This article aims revolve around the inefficiency of the Brazilian criminal law in situations involving mental disorders. Through literature search was undertaken books, scientific papers and specialized sites, we sought a priori to conduct a study addressing the concept of crime, accountability and clinical criminology, with this object by studying human behavior regarded as abnormal. Subsequently, mental disorders and their criminal influence were listed, tracing the main features of these disorders. And finally, will be pointed out the flaws of paternal criminal law on issues involving mental disorders, providing solutions to the demarcation of such situations. 1 Aluna do Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires (UBA); pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela UNISEBA; pós-graduada em Direito Empresarial pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Pos-graduanda em Psicologia Jurídica pela FACAPE; Professora da disciplina de Direito Penal II da FACAPE; Coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas da FACAPE. Introdução Desde os tempos mais remotos, os comportamentos humanos são analisados e classificados como normais ou desviantes. No caso destes, em vários momentos da história foram visto ora como dádivas divinas, como por exemplo, “os poderes” das pitonisas gregas, mas também foram vistos como possessões demoníacas na Idade Média, época em que foram utilizados os mais variados instrumentos de tortura a fim de que o “diabo” fosse literalmente retirado do corpo das pessoas tidas como possuídas ou endemoniadas. Desta forma, os portadores de doenças mentais, na maioria das vezes, foram vistos sempre com conotação negativa, sendo marginalizados pela sociedade ou apenas analisados como objeto de estudo científico. De acordo com as lições da doutrina majoritária pátria, o crime é um fato típico, ilícito e culpável. Como elemento da culpabilidade tem-se a imputabilidade, que é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de se autodeterminar diante da prática de um crime. Este conceito é dado pela doutrina penalista, pois o Código Penal brasileiro não definiu a imputabilidade, apenas enumerando as causas que a excluem (art. 26, caput) e aquelas que a reduzem (art. 26, parágrafo único). Porém, o diploma penal utilizou-se de expressões arcaicas e preconceituosas como “doente mental” e “retardado mental” para definir situações de inimputabilidade e semi-imputabilidade, demonstrando que, ao contrário de outros ordenamentos penais mais evoluídos, o ordenamento brasileiro ainda é baseado em dogmas e não utiliza em larga escala os conceitos da Criminologia Moderna, a fim de dar ao crime um enfoque social mais adequado. Dentro da Criminologia clínica há um ramo chamado psicopatologia criminal, sendo que, em uma de suas vertentes, há a psiquiatria criminal, que tem por objetivo estudar os transtornos mentais que podem influenciar a prática criminosa. São eles: transtornos inerentes ao uso de drogas, transtornos alimentares, transtornos de ansiedade, transtornos da personalidade, transtorno delirante ou delírios, transtornos do sono, transtornos dissociativos, transtornos somatoformes e transtornos sexuais. Todas essas espécies de transtornos serão analisadas, descrevendo as suas principais características e aquelas que mais influenciam na atividade criminógena. O questionamento seria: e nos casos em que uma pessoa mentalmente transtornada venha a delinqüir? Será considerada “normal” para fins de aplicação da pena, sendo imputável, ou não? E como será feita esta classificação? Com relação aos imputáveis, a individualização da pena deve ser feita mediante o exame criminológico, o qual tem por finalidade analisar os caracteres sociais, médicos e psicológicos, com o objetivo de se estabelecer se o agente terá a possibilidade de ser reinserido na sociedade. Porém, em relação aos inimputáveis, a Lei de Execuções Penais nada versa a respeito. Quanto a uma pessoa mentalmente transtornada que venha a praticar um delito, normalmente é tida como imputável, ou no máximo, como semi-imputável. Assim, no presente artigo abordar-se-á sobre a possibilidade de o exame criminológico ser obrigatório para os portadores de transtornos mentais, a fim de dar-lhes a devida classificação, possibilitando a aplicação de uma medida de segurança, quando esta for necessária ao agente. Ademais, demonstrar-se-á como os transtornos mentais podem influenciar na prática criminosa e como ocorre o estudo realizado pela Criminologia sobre tais transtornos, a fim de que os indivíduos portadores dessas perturbações possam ter um melhor tratamento pelo direito penal pátrio. 1 - Conceito de Crime Para a doutrina penalista majoritária, que considera o conceito analítico de crime, este pode ser conceituado como um fato típico, ilícito e culpável. Rogério Greco, citando Raul Eugênio Zaffaroni, afirma que: Delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrário ao ordenamento jurídico (antijuridicidade) e que, por ser exigível do autor que atuasse de outra maneira nessa circunstância, lhe é reprovável (culpável) (ZAFFARONI apud GRECO, 2013, p. 145). Desta forma, o conceito de crime abrange a tipicidade, que significa o perfeito encaixe da conduta do agente com o tipo penal incriminador; a antijuridicidade ou ilicitude, que representa a contrariedade da conduta do agente com o ordenamento jurídico-penal; bem como a culpabilidade, que é o juízo de reprovação que recai sobre o autor de uma conduta típica e ilícita. Portanto, para que o agente tenha praticado um delito, esses três elementos que compõem o conceito de crime devem estar presentes. Alguns autores, como Mezger e Basileu Garcia (Greco, 2013, p. 144), consideram também a punibilidade como pressuposto do crime. No entanto, ela é considerada pressuposto da pena, pois nem sempre uma pessoa que pratica um crime será punida por ele, diante das inúmeras causas de extinção de punibilidade, por exemplo. Assim, de acordo com César Roberto Bitencourt, citando Assis Toledo (2008, p. 211), “a pena criminal, como sanção específica do Direito Penal, ou a possibilidade de sua aplicação, não pode ser elemento constitutivo, isto é, estar dentro do conceito de crime”. Dessa forma, complementa Bitencourt (2008, p. 211-212), “a eventual exclusão da punibilidade, quer por falta de uma condição objetiva, quer pela presença de uma escusa absolutória, não exclui o conceito de crime já perfeito e acabado”. Porém, outros autores, a exemplo de Júlio Fabrini Mirabete e Damásio de Jesus, não consideram que a culpabilidade faça parte do conceito de crime, pois, por exemplo, um portador de doença mental, como um esquizofrênico, que possui transtorno mental delirante poderá ser considerado inimputável e, mesmo assim, praticar uma conduta típica e ilícita, ou seja, um crime. A diferença de um inimputável, como o esquizofrênico, para uma pessoa considerada imputável, é que aquele será absolvido impropriamente (absolvição sem julgamento da conduta) e receberá uma medida de segurança, tendo-se em vista a necessidade de tratamento psicológico e psiquiátrico, enquanto que o imputável, será condenado e receberá uma pena. Assim, para Mirabete, (2002, p. 98) “a culpabilidade não é característica, aspecto ou elemento do crime, e sim mera condição para se impor a pena pela reprovabilidade da conduta”. Independentemente da corrente adotada quanto ao conceito de crime, faz-se mister a análise da imputabilidade, que é um pressuposto da culpabilidade. 2 - Imputabilidade Imputabilidade é a capacidade de entender a natureza dos seus atos e de determinar-se conforme esse entendimento. Para César Roberto Bitencourt, (2008, p. 354) “imputabilidade é a capacidade de culpabilidade, é a aptidão para ser culpável”. O mesmo autor, citando Muñoz Conde, afirma que, quem carece desta capacidade, por não ter maturidade suficiente, ou por sofrer de graves alterações psíquicas, não pode ser declarado culpado e, por conseguinte, não pode ser responsável penalmente pelos seus atos, por mais que sejam típicos e antijurídicos (MUÑOZ CONDE apud BITENCOURT, 2008, p. 354). O Direito Penal brasileiro considera como inimputáveis os menores de 18 anos e também aqueles em que, no momento da conduta, não tinham nenhuma capacidade de discernimento ou mesmo não a fizeram por vontade própria. Quanto aos indivíduos com menos de 18 anos, o nosso direito penal considerou apenas o critério biológico-cronológico, deixando a sua sistemática a cargo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), ocupando-se apenas dos portadores de doenças mentais e perturbação da saúde mental (art. 26, caput2 e parágrafo único3 do Código Penal), adotando, quanto a estes, o critério biopsicológico. O método biopsicológico exige a averiguação da efetiva existência de um nexo de causalidade entre o estado mental anômalo e o crime praticado, isto é, que esse estado, contemporâneo à conduta, tenha privado parcial ou completamente o agente de qualquer das mencionadas capacidades psicológicas (seja a intelectiva ou a volitiva) (NARDI e VALENÇA, 2010). O art. 26, caput do Código Penal, versa sobre o inimputável, afirmando que é isento de pena quem, no momento em que praticou a conduta criminosa, não possuía nenhuma capacidade de discernimento. Caso o indivíduo, portador de doença mental, não tenha nenhuma capacidade de discernimento e autodeterminação no momento da conduta, será considerado inimputável, sendo absolvido impropriamente, recebendo uma medida de segurança, que consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou no tratamento ambulatorial. Caso o indivíduo possua apenas a perturbação da sua saúde mental, o que acarretou na diminuição da sua capacidade de discernimento e autodeterminação no momento em que praticou a conduta criminosa, será considerado semi-imputável, de acordo com o parágrafo único do art. 26 do Código Penal, devendo ser condenado, porém sua pena será reduzida de 1/3 a 2/3. Se o semi-imputável necessitar de tratamento psiquiátrico, o juiz poderá substituir a pena reduzida por uma medida de segurança. 3 - Criminologia Clínica De acordo com Nestor Sampaio Penteado Filho: A Criminologia pode ser conceituada como “a ciência empírica (baseada na observação e experiência) e interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a personalidade do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das condutas criminosas (FILHO, 2012 p. 1 2 Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). 3 Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). A Criminologia pode ser classificada em Criminologia geral e Criminologia clínica. A primeira consiste, de acordo com Nestor Sampaio, (2012, p. 13) “na sistematização, comparação e classificação dos resultados obtidos no âmbito das ciências criminais acerca do crime, criminoso, vítima, controle social e criminalidade”. Já a Criminologia clínica consiste na aplicação dos conhecimentos teóricos da Criminologia geral, a fim de tratar os criminosos. De acordo com os ensinamentos de Nestor Sampaio, a Criminologia Clínica: É a ciência que, valendo-se dos conceitos, princípios e métodos de investigação médico-psicológica (e sociofamiliares), ocupa-se do indivíduo condenado, para nele investigar a dinâmica da sua conduta criminosa, sua personalidade, seu “estado perigoso” (diagnóstico) e suas perspectivas de desdobramentos futuros (prognósticos) para, assim, propor estratégias de intervenção, com vistas à superação de uma possível tendência criminal e a evitar a reincidência (tratamento) (FILHO, 2012, p. 64). 3.1 Psicopatologia Criminal Dentro da Criminologia clínica, há um ramo chamado psicopatologia criminal, que envolve dois grandes ramos da ciência médica: A psicologia criminal, que tem por escopo a personalidade “normal” e os fatores que possam levar a influenciá-la; e a psiquiatria criminal, que tem por objetivo o estudo dos transtornos anormais da psiqué, isto é, as doenças mentais, retardos mentais, demências, esquizofrenias e outros transtornos, de caracteres psicóticos, ou não. Desta forma, a psicopatologia criminal estuda uma série de transtornos mentais, que podem influenciar na prática criminosa, dentre os quais: transtornos inerentes ao uso de drogas, transtornos alimentares, transtornos de ansiedade, transtornos da personalidade, delírios, transtornos do sono, transtornos dissociativos, transtornos somatoformes e transtornos sexuais. 4 - A Criminologia e os Transtornos Mentais Diante do que fora exposto, faz-se necessário analisar quais transtornos mentais mais se relacionam com a prática criminosa e com o objeto de estudo da Criminologia. Quanto aos transtornos decorrentes do abuso de substâncias entorpecentes, a probabilidade que uma pessoa que esteja sob os efeitos das drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas, possa vir a praticar delitos é bastante grande, pois o usuário se coloca numa situação de torpor, que o deixa bastante sensível e, qualquer mínima provocação, poderá levá-lo a praticar condutas criminosas ou algumas vezes nem isso é necessário. Assim, o usuário poderá usar a substância como meio de “criar” coragem para praticar o delito, por exemplo, quando quer matar uma pessoa, porém não possui a devida coragem. No entanto, consome a droga com a finalidade de praticar o delito. A tal situação dá-se o nome de embriaguez preordenada, que popularmente falando, significa “beber para tomar coragem”. Porém, isso não engloba somente o uso e abuso do álcool, mas também de qualquer outra substância conceituada como psicotrópica. Ademais, o agente transtornado pelo abuso da substância poderá também praticar crimes para alimentar o seu próprio vício, como furtos e roubos, para poder, com o produto ou proveito do crime, obter a droga. Além disso, o consumo de drogas é crime no Brasil, de acordo com o art. 284 da Lei 11.343/2006. De acordo com pesquisas realizadas no ano de 2008, pessoas que fazem uso abusivo de substâncias psicoativas, apresentam um risco de 12 a 16 vezes maior de se envolverem em comportamentos violentos em detrimento a outras que não fazem uso de tais substâncias. Além do consumo, o tráfico de drogas, previsto no art. 335 da Lei 11.343/2006 também é visto como um importante fator provocador de aumento da criminalidade. Cada vez mais as organizações criminosas envolvidas com o tráfico de drogas se fortalecem, aumentase a variedade de drogas disponíveis aos consumidores, além de notoriamente ocorrer um aumento significativo na violência (QUEIROZ, 2008). A portaria nº 344/98 da ANVISA define quais são as substâncias consideradas psicoativas proscritas e controladas, já que a Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) não trouxe no seu bojo a classificação das drogas, deixando essa competência à portaria supra mencionada. Porém, para que o usuário possa ser considerado inimputável, é imprescindível que o uso da 4 Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. 5 Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) diasmulta. substância entorpecente lhe cause um grave transtorno constante no CID 10, no momento da ação ou omissão criminosa, como “transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de substância psicoativa” (F10 a F 19). Assim, se no momento em que praticou a conduta o agente não tinha nenhuma capacidade de discernimento e autodeterminação, não poderá ser considerado culpado. No entanto, em virtude do transtorno mental ao qual foi ou está acometido, deverá ser absolvido impropriamente, recebendo, assim, a aplicação de uma medida de segurança por tempo indeterminado. É bem verdade que hoje vários doutrinadores e juristas questionam essa aplicação por tempo indeterminado, entendendo que na prática ela representa uma pena que pode até se tornar perpétua, situação taxativamente proibida pela nossa carta magna, porém, ainda não se estabeleceu nenhuma medida mais apropriada diante da necessidade de promover a segurança do próprio agente e da sociedade como um todo. Com relação aos transtornos alimentares, estes não possuem muita relação com a Criminologia, pois, dificilmente, alguém com anorexia ou bulimia venha a praticar um delito em razão desses transtornos. No entanto, isso não diminui a gravidade da patologia, pois principalmente a anorexia pode levar a morte prematura de uma pessoa, caso o transtorno atinja o seu grau máximo. Dentre os transtornos de ansiedade, aquele que mais interessa à Criminologia é o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), pois os pacientes portadores deste mal “sentem-se arrastados por uma força, pela inevitabilidade e pela impossibilidade de resistir aos sintomas, ainda que tentem”. (DEL PORTO apud DISPOTI, 2011). O TOC decorre de obsessões, que são pensamentos, ideias ou imagens que invadem a cabeça da pessoa, como por exemplo, olhar por diversas vezes se fechou o gás ou as portas de uma casa. Já as compulsões são atos repetitivos que tem como função tentar aliviar a ansiedade trazida pelas obsessões, como por exemplo, lavar as mãos repetidas vezes, mania exagerada de limpeza. Assim, é possível que o TOC influencie uma conduta criminosa praticada pelo agente, por exemplo, caso estas pessoas sejam impedidas de realizarem seus impulsos, poderão ficar bastante irritadas, de forma que isso pode contribuir para uma possível lesão corporal contra quem o impede de realizar os seus impulsos. Nos transtornos dissociativos, há a perda total ou parcial de uma função mental ou neurológica, sendo possível que o portador desse transtorno crie uma nova “pessoa”, como ocorre com o transtorno de personalidade múltipla, que é caracterizado pela existência de duas ou mais personalidades em uma mesma pessoa, sendo que cada personalidade possui traços característicos, como por exemplo, memória própria. Tal transtorno pode decorrer de situações de estresse psicológico ocorridas durante a infância, como abusos sexuais ou físicos. Como exemplo de transtorno dissociativo e criminalidade, pode ser verificado o delito de infanticídio6, onde a mãe se encontra sob à influência do estado puerperal. Apesar de a doutrina médico-legal ainda divergir com relação a esse estado, publicações recentes demonstram que ele se assemelha bastante ao transtorno dissociativo, pois, o indivíduo tem pelo menos três dos seguintes sintomas dissociativos: um sentimento subjetivo de anestesia, distanciamento ou ausência de resposta emocional, redução da consciência sobre aquilo que o cerca, desrealização, despersonalização ou amnésia dissociativa. (...) O sintoma característico desse transtorno é uma alteração súbita e geralmente temporária nas funções normalmente integradas de consciência, identidade e comportamento motor, de modo que uma ou duas dessas, deixa de ocorrer em harmonia com as outras (GUIMARÃES, 2003). Estes sintomas estão presentes na maioria das mulheres que praticaram o infanticídio. Segundo o mesmo autor, a amnésia, as alucinações auditivas e o transtorno de despersonalização são quase que regra entre as mulheres que estejam no estado puerperal e praticaram infanticídio (GUIMARÃES, 2003). Dessa forma, caso constatado o estado puerperal, e se este for considerado como uma forma de transtorno mental dissociativo, poderá a autora ser considerada até mesmo inimputável diante da sua conduta criminosa. Em relação aos transtornos do sono, o que pode vir a interessar à Criminologia é o comportamento R.E.M. anormal, em que a pessoa dormindo, realiza o seu sonho. Tal transtorno diferencia-se do sonambulismo porque este é caracterizado pela realização de atividades motoras bem coordenadas, embora a pessoa esteja dormindo. Deixada a si, a pessoa retorna para a cama e no dia seguinte não se recorda do ocorrido, nem relata o sonho. Já no comportamento R.E.M., ocorre o inverso, pois o indivíduo se lembra do ocorrido e relata o seu sonho. Como relação ao comportamento R.E.M., os indivíduos podem se tornar pessoas agressivas durante o tempo em que estão dormindo, podendo vir a praticar delitos. Quanto aos transtornos dos hábitos e dos impulsos, é totalmente possível estes levarem a um comportamento criminoso. Na cleptomania, por exemplo, há a prática de uma subtração de coisa não necessária ao agente, em que este passa por um momento de tensão, quando pratica a subtração, e depois sente uma sensação prazerosa ao tê-la consigo. Assim, podem se configurar os delitos de furto ou roubo, porém o agente não premedita a conduta e age sempre sozinho. Na piromania, o agente sente prazer em atear fogo em algo. Segundo GOMES e MOLINA (2008), “o pirômano executa múltiplos incêndios sempre de forma deliberada e meticulosa, muito elaborados. Experimenta uma ativação emocional excepcional antes de 6 Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de dois a seis anos. cada episódio”. Desta forma, a conduta do pirômano pode provocar crimes, como por exemplo, o delito de incêndio, tipificado no art. 2507 do Código Penal, podendo inclusive ocasionar a lesão corporal e a morte de pessoas. Nos jogos patológicos, o agente é viciado em jogos, podendo ocorrer a prática de crimes quando o viciado gasta tudo o que possui e, para alimentar o seu vício, passar a querer se apropriar de objetos ou valores de outras pessoas. Assim, poderá cometer delitos contra o patrimônio, como o furto, o roubo, o estelionato e a apropriação indébita. No transtorno explosivo intermitente, em que o indivíduo não consegue controlar os seus impulsos explosivos, cominando em ataques físicos ou na destruição de propriedades. É o chamado pavio-curto. Podem ocorrer danos em propriedades alheias ou até mesmo provocar delitos contra a vida ou contra a integridade física das pessoas, em caráter preterintencional (GOMES e MOLINA, 2008). A tricotilomania consiste em arrancar os próprios cabelos, ocasionando perda capilar bastante perceptível. Pode ocasionar um comportamento criminoso quando o portador do transtorno passa a agredir outras pessoas, rancando-lhes os cabelos, ocorrendo, desta forma, o delito de lesão corporal. Assim, segundo Vilson Aparecido Dispoti (2011): Se os transtornos dos impulsivos caracterizam-se por incapacidade de resistir a um impulso, ou tentação de realizar algum ato que é prejudicial ao próprio indivíduo ou aos outros, é compreensível que a repetitividade de comportamentos incriminados representa o desague do psiquismo sob tormenta, o que explica a reincidência criminal, quando não tratados (DISPOTI, 2011). Com relação aos transtornos emocionais ou de humor, interessa à Criminologia o transtorno bipolar. Este é caracterizado por uma alternância entre períodos de depressão e períodos de manias. Assim, o indivíduo portador desse transtorno possui períodos de humor elevado e aumento de energia para a prática de atividades, alternados com períodos de rebaixamento do humor e falta de vontade para praticar suas atividades. Neste caso, há também a falta de autocontrole e bom senso. Para, Luís Flávio Gomes e Pablo Molina, no transtorno bipolar, a propensão criminógena se apresenta na fase maníaca, a qual como visto, caracteriza-se pela sintomatologia de euforia, irritabilidade, exaltação, incremento de atividade social, laboral, sexual, grande fluidez do pensamento, fuga de ideias, loquacidade, sentimentos de grandeza, evidente autoestima, predisposição para empreender negócios de risco, atividades perigosas, gastos desmedidos, hiperatividade psicomotora (GOMES e MOLINA, 2008). 7 Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem: Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa. Os transtornos somatoformes são aqueles em que o portador possui “mania de doença”. Contudo, esta mania atinge somente à pessoa transtornada, não possuindo, em tese, influência criminógena. Quanto aos transtornos de personalidade, as pessoas portadoras dessa espécie de transtornos estão mais propensas à prática criminosa, tendo-se em vista que, em regra, possuem maior agressividade, ansiedade e hiperatividade. De acordo com o CID-10, (F 60 a F 69), são espécies de transtorno de personalidade: paranóide, esquizóide, emocionalmente instável ou borderline, histriônico, obsessivo ou anancástico, ansioso ou esquivo, narcisista, dependente, antissocial. O portador da personalidade paranóide possui extrema sensibilidade, grande propensão a guardar rancores e odeia ser criticado. Dessa forma, poderá praticar crimes, quando estiver, por exemplo, defendendo-se de “equivocadas” provocações, pouco importando se estas são justas ou injustas. Ademais, por acharem que estão sempre conspirando contra eles, o paranóico pode praticar crimes, colocando-se na situação de erro. O transtorno esquizóide é marcado por afastamento dos contatos sociais, pouca afetividade e o indivíduo é emocionalmente frio, não possuindo sentimentos em relação às outras pessoas. Diante disso, a possibilidade de vir a praticar crimes é grande, podendo estes ser praticados, até mesmo com requintes de crueldade. No transtorno emocionalmente instável (borderline), o indivíduo se mostra totalmente impulsivo, explosivo, podendo agir com muita imprevisibilidade. Esforçam-se demasiadamente para evitar um abandono, vivendo relacionamentos intensos e, quando o abandono acontece, fazem ameaças de suicídio ou de autolesão. Portanto, também há total possibilidade de o portador desse transtorno vir a praticar delitos, principalmente no momento em que está em surto, não conseguindo controlar a sua agressividade. Isso ocorre bastante nos crimes passionais, onde o indivíduo, por não conseguir se controlar, acaba praticando crimes contra a pessoa “amada”. Quanto ao transtorno histriônico, marcado pela dramaticidade, teatralidade, em que o indivíduo sempre quer ser o centro das atenções, não há tanta influência criminógena, porém, o histriônico poderá vir a cometer suicídio em virtude da frustração de não ser atrativo o suficiente para atender o seu desejo de chamar a atenção das pessoas. No transtorno obsessivo ou anancástico, onde o indivíduo portador tem mania de limpeza e arrumação, todas as suas coisas devem estar arrumadas, em ordem. Tal transtorno também não possui muita influência criminógena, porém a obsessão pela perfeição pode torná-lo sensivelmente irritável. No transtorno dependente, onde o portador depende em grau extremo de outra pessoa, há pouca incidência de atividade criminosa, porém esta poderá ocorrer caso a pessoa que exerça domínio sobre o portador do transtorno, resolva abandoná-lo, o que não seria admitido, em nenhuma hipótese pelo dependente. O indivíduo portador desse transtorno está mais sujeito a atividade suicida, diante do abandono. No transtorno esquivo ou ansioso, em tese, também não há grande influência criminógena. No entanto, como o portador possui uma extrema fobia de apresentar-se em público, podendo, ao receber uma crítica, sentir-se bastante magoado, poderá, em virtude dessa situação, praticar alguma conduta criminosa. Já o portador de transtorno antissocial (psicopatas), como não demonstra arrependimento diante das suas condutas, não possuem sentimentos com relação às demais pessoas e zombam das leis, possuem total propensão à prática de delitos. Dentro desse grupo, estão pessoas manipuladoras, que somente desejam se locupletar à custa alheia. Os antissociais possuem tendência a culpar outras pessoas pelo que eles próprios praticaram, e defendem-se por meio de raciocínios lógicos, contudo improváveis. Ademais, a psicopatia pode chegar a um grau tão elevado, que poderá levar uma pessoa a tornar-se um assassino em série, também chamado serial killer, quando o psicopata sente prazer em atender seus desejos a qualquer custo. Quanto aos transtornos delirantes ou psicoses, até 1980 existia um consenso de que pessoas que possuíam o diagnóstico de esquizofrenia não eram consideradas perigosas em detrimento da população em geral. Entretanto, atualmente, evidências e estudos têm corroborado para modificar esse posicionamento. Ressalte-se que, pessoas que possuem diagnósticos de transtornos mentais graves, sobretudo sujeitos com esquizofrenia, podem possuir maior propensão à prática criminosa, quando comparados a população em geral, tendo em vista que, num momento de surto, ouvem vozes ou tem alucinações e estas podem provocar a pratica de delitos onde, muitas vezes, ele não consegue controlar-se, praticando, assim, a conduta criminosa. O termo parafilia significa atraído pela prática sexual anormal. Assim, as parafilias, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM IV), são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento ou prejuízo na vida do indivíduo. Com relação aos transtornos sexuais ou parafilias, os aspectos sexuais podem ser fatores determinantes para que um dado indivíduo cometa um crime. Assim, um indivíduo sádico sexualmente, que gosta de infligir humilhação ou sofrimento ao parceiro sexual, pode apresentar uma grande inclinação para a prática de crimes sexuais, como o estupro. A necrofilia, por sua vez, também provocará uma prática criminosa quando acarrete, por exemplo, o crime de destruição de cadáver, tipificado no art. 2118 do Código Penal. O exibicionismo, em que há a exposição pública dos órgãos genitais, poderá configurar o crime de ato obsceno, tipificado no art.2339 do Código Penal. Conforme o exposto, há vários tipos de transtornos mentais e a grande maioria deles poderá influenciar significativamente na prática de crimes. Assim, o papel da Criminologia não é somente estudar o crime, como se depreende do seu conceito etimológico. Visa estudar também as causas que levaram uma pessoa a praticar um delito, a fim de evitar que ela volte a delinquir, possibilitando, futuramente, a sua reinserção social. Não se pode mais pensar numa pessoa transtornada mentalmente como uma pessoa “normal”, aplicandolhe uma pena, sem dar-lhe um devido tratamento psiquiátrico/psicológico. Assim, faz-se necessário que o direito penal brasileiro se adéque à Criminologia moderna e passe a ver tais situações de forma diferenciada, a fim de compreendê-las e evitar a prática de futuros delitos pelas pessoas que possuem algum transtorno mental. 5 – A ineficácia do ordenamento jurídico penal brasileiro frente às situações que envolvam transtornos mentais O Código Penal brasileiro, Decreto-lei nº 2.848 de 1940, mesmo reformado em 1984, pela Lei nº 7.209, faz referência à questão da imputabilidade, elencando apenas as causas que a extinguem, não definindo o seu conceito e, trazendo apenas, expressões já ultrapassadas e preconceituosas, como os termos doentes mentais e retardados mentais. Para aquele diploma, somente será considerado inimputável aquele que, mediante uma doença mental, não possuir nenhuma capacidade de discernimento quanto à ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento quando praticou a conduta criminosa. Nesses casos, por ser considerado inimputável, será absolvido impropriamente e receberá uma 8 Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele: Pena - reclusão, de um a três anos, e multa. 9 Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa. medida de segurança. Na prática, esta consiste numa outra espécie de sanção penal, diversa da pena, tendo a finalidade de prevenir que o agente venha a cometer outras infrações penais por meio do tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, que na verdade muitas vezes não é eficiente. As medidas de segurança classificam-se em detentiva e restritiva. Na primeira ocorre a internação do inimputável em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e implica em privação de liberdade. A restritiva é representada pelo tratamento ambulatorial, em que nos dias consignados pelo juiz, o inimputável deverá dirigir-se a um estabelecimento a fim de que lhe seja ministrada a medicação necessária. Assim, as medidas de segurança têm por finalidade tratar o inimputável, com o objetivo de controlar ou curar o mal que o aflige. Com relação ao semi-imputável, ou seja, aquele que em virtude de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía no momento do crime inteira capacidade de entendimento do fato e de autodeterminação, o art. 26, parágrafo único10 do Código Penal afirma que o agente será condenado, porém, visando punilo de forma diferenciada do imputável, a pena poderá ser reduzida de 1/3 a 2/3. Contudo, como “classificar” um indivíduo como imputável ou semi-imputável? E no caso daqueles que praticaram um delito em virtude de um transtorno mental, como poderiam ser responsabilizados penalmente? Seriam eles considerados imputáveis? Como o perito médico realmente poderá determinar o quantum de influência da doença no momento da conduta? Diante desses questionamentos, seria imprescindível a realização do exame criminológico, que é indispensável para a individualização da pena. Individualizar, segundo César Roberto Bitencourt (2008, p. 469), “significa dar a cada preso as melhores condições para o cumprimento da sanção imposta”, de maneira que possam ter as condições necessárias para serem reinseridos na sociedade. Através da realização do exame criminológico, que é multidisciplinar, há a oportunidade de obter elementos e subsídios sobre a personalidade do agente, analisando-o sob os aspectos social, biológico e mental, subsidiando cientificamente não só a individualização da pena, mas também a própria necessidade de um possível tratamento psiquiátrico ou psicológico. Afinal de contas, a finalidade última da pena sempre deve ser o retorno saudável e produtivo do agente à sociedade. 10 Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). Versando sobre o exame criminológico, Bitencourt, citando Sérgio de Moraes Pitombo, afirma que: Hão de compô-lo, como instrumento de verificação, as informações jurídico-penais (como agiu o condenado, se registra reincidência, etc.); o exame clínico (saúde individual e eventuais causas mórbidas, relacionadas com o comportamento delinquencial); o exame morfológico (sua constituição somatopsíquica); neurológico (manifestações mórbidas do sistema nervoso); o exame eletroencefálico (não só para a busca de lesões focais ou difusas Sharp ou Spike, mas da correlação – certa ou provável- entre as alterações funcionais do encéfalo e o comportamento do condenado); exame psicológico (nível mental, traços básicos da personalidade e sua agressividade); exame psiquiátrico (saber se o condenado é uma pessoa normal ou portadora de uma perturbação mental); e exame social (informações familiares, condições sociais em que o ato foi praticado, etc) (PITOMBO apud BITENCOURT, 2008, p. 467). Uma questão que chama a atenção com relação ao exame criminológico é que a partir da Lei nº 10.792/2013, a sua realização que, antes era obrigatória àqueles que progrediam de regime, tornou-se facultativa, podendo o Magistrado requisitar a feitura do exame de acordo com o caso concreto. Porém, o problema que ocorre é que os indivíduos que progridem de regime, em algum momento, retornarão à sociedade, e sem a realização do exame, tornar-se-á mais difícil saber se eles voltarão ou não a delinquir. Muitos críticos afirmam que por meio do exame criminológico não se pode saber se alguém voltará ou não a praticar crimes. No entanto, o certo é que, o exame criminológico funciona como um guia com relação ao criminoso. Realmente não se pode prever as condutas humanas futuras, porém ele poderá dar indícios sobre a potencialidade criminosa de um indivíduo. Com relação aos semi-imputáveis, o exame criminológico poderia averiguar o seu grau de periculosidade, o que permitiria ao juiz a aplicação de uma medida de segurança, ao invés de uma pena reduzida, caso o semi-imputável necessitasse de tratamento. Porém, a Lei de Execuções Penais não versou sobre a realização do exame criminológico sobre um indivíduo que apresente transtornos mentais. Apenas afirmou em seu art. 100 que “o exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao tratamento são obrigatórios para todos os internados”. Contudo, o exame criminológico vai muito além de um exame psiquiátrico. Ele traça também o perfil psicológico, médico e social do criminoso, sendo de extrema importância não somente na individualização de uma pena, mas também de uma medida de segurança. Diante do exposto, a legislação brasileira deveria ser revista a fim de que fosse possibilitada a realização do exame criminológico não somente àqueles que são condenados a uma pena, mas também àqueles que possam vir a receber uma medida de segurança, a fim de saber o perfil criminoso desse indivíduo e a sua possibilidade de voltar a delinquir. Outro ponto que chama a atenção é que o ordenamento penal brasileiro é engessado, ou seja, extremamente dogmático e parece não estar flexível às modificações, preocupando-se apenas com o encaixe da conduta do agente ao tipo descrito na norma penal. Assim, mesmo que a decisão judicial não tenha um alcance social, o que importa é que a lei está sendo aplicada. Para muitos, esse ainda é o ideal de “justiça”. Para Dispoti (2001), “o Positivismo e o Liberalismo que marcam acentuadamente o Direito Penal brasileiro, impõem na Justiça Criminal resignada e cômoda cultura que segue refém do cientificismo e normativismo jurídicos, que o isolam da realidade social e dos anseios da justiça”. Desta forma, uma grande parte da doutrina de direito penal e também dos julgadores brasileiros não dão muita importância ao papel da Criminologia diante da ocorrência de crimes, pois definem estes apenas como um fato típico, ilícito e culpável. Já a Criminologia vê o crime como um fenômeno social que exigirá do pesquisador a análise deste problema sob as mais variadas formas e causas. Portanto, o direito penal brasileiro deverá se olvidar do dogmatismo que ainda, infelizmente, o rege e introduzir a Criminologia como ciência imprescindível na resolução das situações penais que ocorrem no cotidiano da sociedade brasileira. O crime não pode ser visto apenas como o argumento que fundamenta a aplicação da pena, mas sim como o espelho da realidade social de um país. Versando sobre os transtornos mentais, a Criminologia moderna, adotada por outros países como Alemanha, Espanha e Portugal, já leva em consideração tais transtornos como causas de redução da imputabilidade de um agente. Como afirma Vilson Aparecido Dispoti (2011), “embora tais anomalias não retirem a capacidade intelectiva do agente, afetam a autodeterminação, o que os coloca na zona fronteiriça entre os imputáveis e inimputáveis penalmente, portanto, semi- imputáveis”. Desta forma, seguindo os preceitos da Criminologia moderna, o juiz, detectando a periculosidade real do portador de transtornos mentais, poderá aplicar uma pena reduzida de 1/3 a 2/3 ao semi-imputável, sendo que, caso ele necessite de um tratamento psiquiátrico, poderá converter essa pena reduzida numa medida de segurança. Um caso interessante ocorre em relação ao delito de infanticídio, que é visto como uma espécie de homicídio privilegiado, já que possui pena de detenção de 2 a 6 anos. Caso o estado puerperal que acometa a parturiente no momento em que mata o próprio filho, recém nascido ou nascente, se configure como um transtorno mental dissociativo, a parturiente deverá ser vista como uma semi-imputável, podendo ter a sua pena substituída por uma medida de segurança, a fim de tratá-la. Outro caso que se pode abordar é a situação do indivíduo que possua o transtorno de personalidade borderline. Neste há uma zona fronteiriça entre a neurose e a psicose. No momento em que pratica a conduta criminosa, o border está completamente fora de si, o que o torna incapaz de ter a autodeterminação da sua conduta. Assim, poderá ser constatada a semi-imputabilidade do agente. Há estudos também que demonstram que o indivíduo portador do transtorno de personalidade antissocial ou psicopata também não pode ser analisado como imputável, pois também não consegue se controlar diante da conduta, apesar de possuir discernimento quanto à ilicitude do fato. Por exemplo, Francisco de Assis Pereira, o maníaco do parque, que matava as suas vítimas e, no dia seguinte, voltava ao local para praticar sexo com os cadáveres. Certamente uma pessoa como ele possui alguma anomalia mental. Porém, os psicopatas são considerados imputáveis para fins de aplicação da pena. Contudo, seria de bom alvitre a realização do exame criminológico sobre os portadores de transtorno mental, a fim de averiguar a semi-imputabilidade, pois por mais que haja o discernimento com relação à prática da conduta, o agente não consegue ter o autocontrole necessário para impedir a sua prática. Por outro lado, não podemos entender nenhuma doença como causa de inimputabilidade, uma vez que poderemos cair no erro de considerar todo criminoso portador de alguma patologia mental, por conseguinte nenhum indivíduo seria apenado. Assim, com essa alternativa, dar-se-ía um melhor tratamento àqueles que, apesar de não possuírem uma doença mental, que os leva a perder totalmente a capacidade de entendimento e autodeterminação, possuem um transtorno mental, que reduz a sua capacidade de se autodeterminar diante da conduta criminosa. Não se pode equiparar uma pessoa transtornada mentalmente com uma pessoa tida como “normal”. Muitas vezes o que aquelas necessitam é de um verdadeiro tratamento psiquiátrico/psicológico e não de uma pena, que não tem finalidade de tratamento. Portanto, os magistrados deveriam estar mais abertos às ideias da Criminologia moderna adotadas por outros países, e aceitarem a possibilidade de os transtornos mentais poderem configurar a semi-imputabilidade. Ademais, a pena não pode ser vista como a única hipótese de prevenção de delitos, principalmente em casos de semi-imputabilidade. Assim como as alienados mentais, os portadores de transtornos mentais também merecem o devido tratamento a fim de que não voltem a delinquir. Conclusão O crime é um fato típico, ilícito e culpável. Desta forma, para que o agente receba uma pena em virtude da prática de alguma conduta criminosa, deverá ser considerado imputável. Caso contrario, se no momento da conduta era portador de alguma doença mental que retire a sua total capacidade de discernimento e autodeterminação, não poderá receber pena em consequência dos seus atos criminosos. Porém, será absolvido impropriamente e receberá uma medida de segurança. A Criminologia não possui apenas como objeto o estudo do crime, como se depreende do seu conceito etimológico. Ela vai mais adiante, pois além de estudar a conduta criminosa, analisa também o delinquente, a vítima e o controle social. No Brasil, o direito penal, baseado em seus fundamentos arcaicos e dogmáticos, muitas vezes segue alheio aos conhecimentos trazidos pela Criminologia moderna. Assim, há uma maior dificuldade de analisar situações novas ou dar um tratamento mais adequado às situações que devem ser tratadas de forma diferenciada, em virtude da dogmática penalista, que parece não querer enxergar a modernidade, ficando presa a formalismos e preconceitos que não cabem mais nos dias atuais. Quanto aos transtornos mentais, pode-se afirmar categoricamente que a grande maioria deles pode influenciar significativamente a prática criminosa, pois o agente tem uma maior predisposição para agir contrariamente ao ordenamento jurídico quando está em momento de “surto”. Assim, a Criminologia tem grande influência no estudo dos transtornos mentais, sendo esses entendidos muitas vezes como propulsores da prática criminosa daqueles que são portadores dessas perturbações. Além disso, seria muito mais adequado se os magistrados analisassem os transtornos mentais sob o ponto de vista da semi-imputabilidade, pois seus portadores, ao praticarem a conduta criminosa, não tinham a total capacidade de autodeterminação, apesar de possuírem ainda algum entendimento da situação. Porém, mesmo atestada a semiimputabilidade, não deverá sempre ser aplicada uma pena reduzida a esses infratores, pois dependendo do caso concreto, eles poderão necessitar de tratamento psiquiátrico/psicológico e a pena não possui tal tratamento dentre as suas finalidades. Para classificar devidamente as pessoas portadoras de transtornos mentais, deverá ser realizado necessariamente o exame criminológico no agente, a fim de se constatar qual sanção ou tratamento melhor se adequa ao caso concreto, pois caso durante o momento de surto não tenha condições de se autodeterminar, ainda que tenha capacidade de entender a ilicitude da sua conduta, deverá o agente ser analisado sob o âmbito da semi-imputabilidade, podendo até mesmo receber uma medida de segurança como sanção. O exame criminológico é o meio mais adequado para se traçar o perfil médico, social, psiquiátrico e psicológico do agente e assim, constatar o seu grau de periculosidade, ou seja, o seu potencial para voltar a delinqüir, evitando-se, assim, que o agente volte a delinquir. Assim, demonstra-se o exame como imprescindível para individualizar a sanção que deverá ser recebida por um transtornado mental, diante da sua conduta criminógena. Portanto, o ordenamento penal brasileiro deverá deixar para trás os dogmas que ainda o fundamenta, devendo inserir as ideias da Criminologia moderna, já adotada por outros países. O crime não deverá ser visto apenas como um mero fato típico, ilícito e culpável, mas como um fenômeno social que necessita ser bastante analisado para que as cifras criminais não continuem crescendo cada vez mais. REFERÊNCIAS ALVARENGA, Galeno. Transtornos Dissociativos. Disponível em: http://www.galenoalvarenga.com.br/transtornos-mentais/transtornos-dissociativos/transtornode-personalidade-multipla Acesso em: 21 de outubro de 2014. ANDRADE, Marcelo. Transtornos Emocionais. Disponível em http://www.superquadranews.com.br/transtornos-emocionais/ 2013. Acesso em: 21 de outubro de 2014. Associação Psiquiátrica Americana. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – IV – TR. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995/2002. BALLONE G. J, MENEGUETTE JP. Transtornos da Personalidade. 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