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A ineficácia do ordenamento penal brasileiro frente às situações que
envolvam transtornos mentais
Jaiza Sâmmara de A. Alves1
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo versar sobre a ineficácia do ordenamento penal brasileiro
diante de situações que envolvam transtornos mentais. Por meio de pesquisa bibliográfica
realizada em livros, artigos científicos e sites especializados, buscou-se, a priori, realizar um
estudo abordando o conceito de crime, imputabilidade e Criminologia clínica, tendo esta por
objeto estudar os comportamentos humanos tidos como anormais. Posteriormente, foram
enumerados os transtornos mentais e a sua influência criminosa, traçando as principais
características de tais transtornos. E, finalmente, serão apontadas as falhas do ordenamento
penal pátrio quanto às questões que envolvam os transtornos mentais, oferecendo soluções ao
deslinde de tais situações.
ABSTRACT
This article aims revolve around the inefficiency of the Brazilian criminal law in situations
involving mental disorders. Through literature search was undertaken books, scientific papers
and specialized sites, we sought a priori to conduct a study addressing the concept of crime,
accountability and clinical criminology, with this object by studying human behavior regarded
as abnormal. Subsequently, mental disorders and their criminal influence were listed, tracing
the main features of these disorders. And finally, will be pointed out the flaws of paternal
criminal law on issues involving mental disorders, providing solutions to the demarcation of
such situations.
1
Aluna do Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires (UBA); pós-graduada em Direito
Penal e Processual Penal pela UNISEBA; pós-graduada em Direito Empresarial pela Universidade Regional do
Cariri (URCA); Pos-graduanda em Psicologia Jurídica pela FACAPE; Professora da disciplina de Direito Penal
II da FACAPE; Coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas da FACAPE.
Introdução
Desde os tempos mais remotos, os comportamentos humanos são analisados e
classificados como normais ou desviantes. No caso destes, em vários momentos da história
foram visto ora como dádivas divinas, como por exemplo, “os poderes” das pitonisas gregas,
mas também foram vistos como possessões demoníacas na Idade Média, época em que foram
utilizados os mais variados instrumentos de tortura a fim de que o “diabo” fosse literalmente
retirado do corpo das pessoas tidas como possuídas ou endemoniadas.
Desta forma, os portadores de doenças mentais, na maioria das vezes, foram
vistos sempre com conotação negativa, sendo marginalizados pela sociedade ou apenas
analisados como objeto de estudo científico.
De acordo com as lições da doutrina majoritária pátria, o crime é um fato típico,
ilícito e culpável. Como elemento da culpabilidade tem-se a imputabilidade, que é a
capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de se autodeterminar diante da prática de um
crime. Este conceito é dado pela doutrina penalista, pois o Código Penal brasileiro não definiu
a imputabilidade, apenas enumerando as causas que a excluem (art. 26, caput) e aquelas que a
reduzem (art. 26, parágrafo único). Porém, o diploma penal utilizou-se de expressões arcaicas
e preconceituosas como “doente mental” e “retardado mental” para definir situações de
inimputabilidade e semi-imputabilidade, demonstrando que, ao contrário de outros
ordenamentos penais mais evoluídos, o ordenamento brasileiro ainda é baseado em dogmas e
não utiliza em larga escala os conceitos da Criminologia Moderna, a fim de dar ao crime um
enfoque social mais adequado.
Dentro da Criminologia clínica há um ramo chamado psicopatologia criminal,
sendo que, em uma de suas vertentes, há a psiquiatria criminal, que tem por objetivo estudar
os transtornos mentais que podem influenciar a prática criminosa. São eles: transtornos
inerentes ao uso de drogas, transtornos alimentares, transtornos de ansiedade, transtornos da
personalidade, transtorno delirante ou delírios, transtornos do sono, transtornos dissociativos,
transtornos somatoformes e transtornos sexuais. Todas essas espécies de transtornos serão
analisadas, descrevendo as suas principais características e aquelas que mais influenciam na
atividade criminógena.
O questionamento seria: e nos casos em que uma pessoa mentalmente
transtornada venha a delinqüir? Será considerada “normal” para fins de aplicação da pena,
sendo imputável, ou não? E como será feita esta classificação?
Com relação aos imputáveis, a individualização da pena deve ser feita mediante o
exame criminológico, o qual tem por finalidade analisar os caracteres sociais, médicos e
psicológicos, com o objetivo de se estabelecer se o agente terá a possibilidade de ser
reinserido na sociedade. Porém, em relação aos inimputáveis, a Lei de Execuções Penais nada
versa a respeito. Quanto a uma pessoa mentalmente transtornada que venha a praticar um
delito, normalmente é tida como imputável, ou no máximo, como semi-imputável. Assim, no
presente artigo abordar-se-á sobre a possibilidade de o exame criminológico ser obrigatório
para os portadores de transtornos mentais, a fim de dar-lhes a devida classificação,
possibilitando a aplicação de uma medida de segurança, quando esta for necessária ao agente.
Ademais, demonstrar-se-á como os transtornos mentais podem influenciar na prática
criminosa e como ocorre o estudo realizado pela Criminologia sobre tais transtornos, a fim de
que os indivíduos portadores dessas perturbações possam ter um melhor tratamento pelo
direito penal pátrio.
1 - Conceito de Crime
Para a doutrina penalista majoritária, que considera o conceito analítico de crime,
este pode ser conceituado como um fato típico, ilícito e culpável. Rogério Greco, citando Raul
Eugênio Zaffaroni, afirma que:
Delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo)
que revela sua proibição (típica), que por não estar permitida por nenhum preceito
jurídico (causa de justificação) é contrário ao ordenamento jurídico
(antijuridicidade) e que, por ser exigível do autor que atuasse de outra maneira nessa
circunstância, lhe é reprovável (culpável) (ZAFFARONI apud GRECO, 2013, p.
145).
Desta forma, o conceito de crime abrange a tipicidade, que significa o perfeito
encaixe da conduta do agente com o tipo penal incriminador; a antijuridicidade ou ilicitude,
que representa a contrariedade da conduta do agente com o ordenamento jurídico-penal; bem
como a culpabilidade, que é o juízo de reprovação que recai sobre o autor de uma conduta
típica e ilícita. Portanto, para que o agente tenha praticado um delito, esses três elementos que
compõem o conceito de crime devem estar presentes.
Alguns autores, como Mezger e Basileu Garcia (Greco, 2013, p. 144), consideram
também a punibilidade como pressuposto do crime. No entanto, ela é considerada pressuposto
da pena, pois nem sempre uma pessoa que pratica um crime será punida por ele, diante das
inúmeras causas de extinção de punibilidade, por exemplo. Assim, de acordo com César
Roberto Bitencourt, citando Assis Toledo (2008, p. 211), “a pena criminal, como sanção
específica do Direito Penal, ou a possibilidade de sua aplicação, não pode ser elemento
constitutivo, isto é, estar dentro do conceito de crime”. Dessa forma, complementa Bitencourt
(2008, p. 211-212), “a eventual exclusão da punibilidade, quer por falta de uma condição
objetiva, quer pela presença de uma escusa absolutória, não exclui o conceito de crime já
perfeito e acabado”.
Porém, outros autores, a exemplo de Júlio Fabrini Mirabete e Damásio de Jesus,
não consideram que a culpabilidade faça parte do conceito de crime, pois, por exemplo, um
portador de doença mental, como um esquizofrênico, que possui transtorno mental delirante
poderá ser considerado inimputável e, mesmo assim, praticar uma conduta típica e ilícita, ou
seja, um crime. A diferença de um inimputável, como o esquizofrênico, para uma pessoa
considerada imputável, é que aquele será absolvido impropriamente (absolvição sem
julgamento da conduta) e receberá uma medida de segurança, tendo-se em vista a necessidade
de tratamento psicológico e psiquiátrico, enquanto que o imputável, será condenado e
receberá uma pena. Assim, para Mirabete, (2002, p. 98) “a culpabilidade não é característica,
aspecto ou elemento do crime, e sim mera condição para se impor a pena pela reprovabilidade
da conduta”.
Independentemente da corrente adotada quanto ao conceito de crime, faz-se mister
a análise da imputabilidade, que é um pressuposto da culpabilidade.
2 - Imputabilidade
Imputabilidade é a capacidade de entender a natureza dos seus atos e de
determinar-se conforme esse entendimento. Para César Roberto Bitencourt, (2008, p. 354)
“imputabilidade é a capacidade de culpabilidade, é a aptidão para ser culpável”. O mesmo
autor, citando Muñoz Conde, afirma que,
quem carece desta capacidade, por não ter maturidade suficiente, ou por sofrer de
graves alterações psíquicas, não pode ser declarado culpado e, por conseguinte, não
pode ser responsável penalmente pelos seus atos, por mais que sejam típicos e
antijurídicos (MUÑOZ CONDE apud BITENCOURT, 2008, p. 354).
O Direito Penal brasileiro considera como inimputáveis os menores de 18 anos e
também aqueles em que, no momento da conduta, não tinham nenhuma capacidade de
discernimento ou mesmo não a fizeram por vontade própria.
Quanto aos indivíduos com menos de 18 anos, o nosso direito penal considerou
apenas o critério biológico-cronológico, deixando a sua sistemática a cargo do Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), ocupando-se apenas dos portadores de doenças
mentais e perturbação da saúde mental (art. 26, caput2 e parágrafo único3 do Código Penal),
adotando, quanto a estes, o critério biopsicológico.
O método biopsicológico exige a averiguação da efetiva existência de um nexo de
causalidade entre o estado mental anômalo e o crime praticado, isto é, que esse
estado, contemporâneo à conduta, tenha privado parcial ou completamente o agente
de qualquer das mencionadas capacidades psicológicas (seja a intelectiva ou a
volitiva) (NARDI e VALENÇA, 2010).
O art. 26, caput do Código Penal, versa sobre o inimputável, afirmando que é
isento de pena quem, no momento em que praticou a conduta criminosa, não possuía
nenhuma capacidade de discernimento. Caso o indivíduo, portador de doença mental, não
tenha nenhuma capacidade de discernimento e autodeterminação no momento da conduta,
será considerado inimputável, sendo absolvido impropriamente, recebendo uma medida de
segurança, que consiste na internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou no
tratamento ambulatorial.
Caso o indivíduo possua apenas a perturbação da sua saúde mental, o que
acarretou na diminuição da sua capacidade de discernimento e autodeterminação no momento
em que praticou a conduta criminosa, será considerado semi-imputável, de acordo com o
parágrafo único do art. 26 do Código Penal, devendo ser condenado, porém sua pena será
reduzida de 1/3 a 2/3. Se o semi-imputável necessitar de tratamento psiquiátrico, o juiz poderá
substituir a pena reduzida por uma medida de segurança.
3 - Criminologia Clínica
De acordo com Nestor Sampaio Penteado Filho:
A Criminologia pode ser conceituada como “a ciência empírica (baseada na
observação e experiência) e interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a
personalidade do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das
condutas criminosas (FILHO, 2012 p. 1
2
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
3
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de
saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984).
A Criminologia pode ser classificada em Criminologia geral e Criminologia
clínica. A primeira consiste, de acordo com Nestor Sampaio, (2012, p. 13) “na
sistematização, comparação e classificação dos resultados obtidos no âmbito das ciências
criminais acerca do crime, criminoso, vítima, controle social e criminalidade”. Já a
Criminologia clínica consiste na aplicação dos conhecimentos teóricos da Criminologia
geral, a fim de tratar os criminosos.
De acordo com os ensinamentos de Nestor Sampaio, a Criminologia Clínica:
É a ciência que, valendo-se dos conceitos, princípios e métodos de investigação
médico-psicológica (e sociofamiliares), ocupa-se do indivíduo condenado, para nele
investigar a dinâmica da sua conduta criminosa, sua personalidade, seu “estado
perigoso” (diagnóstico) e suas perspectivas de desdobramentos futuros
(prognósticos) para, assim, propor estratégias de intervenção, com vistas à superação
de uma possível tendência criminal e a evitar a reincidência (tratamento) (FILHO,
2012, p. 64).
3.1 Psicopatologia Criminal
Dentro da Criminologia clínica, há um ramo chamado psicopatologia criminal,
que envolve dois grandes ramos da ciência médica: A psicologia criminal, que tem por escopo
a personalidade “normal” e os fatores que possam levar a influenciá-la; e a psiquiatria
criminal, que tem por objetivo o estudo dos transtornos anormais da psiqué, isto é, as doenças
mentais, retardos mentais, demências, esquizofrenias e outros transtornos, de caracteres
psicóticos, ou não.
Desta forma, a psicopatologia criminal estuda uma série de transtornos mentais,
que podem influenciar na prática criminosa, dentre os quais: transtornos inerentes ao uso de
drogas, transtornos alimentares, transtornos de ansiedade, transtornos da personalidade,
delírios, transtornos do sono, transtornos dissociativos, transtornos somatoformes e
transtornos sexuais.
4 - A Criminologia e os Transtornos Mentais
Diante do que fora exposto, faz-se necessário analisar quais transtornos mentais
mais se relacionam com a prática criminosa e com o objeto de estudo da Criminologia.
Quanto aos transtornos decorrentes do abuso de substâncias entorpecentes, a
probabilidade que uma pessoa que esteja sob os efeitos das drogas, sejam elas lícitas ou
ilícitas, possa vir a praticar delitos é bastante grande, pois o usuário se coloca numa situação
de torpor, que o deixa bastante sensível e, qualquer mínima provocação, poderá levá-lo a
praticar condutas criminosas ou algumas vezes nem isso é necessário. Assim, o usuário
poderá usar a substância como meio de “criar” coragem para praticar o delito, por exemplo,
quando quer matar uma pessoa, porém não possui a devida coragem. No entanto, consome a
droga com a finalidade de praticar o delito. A tal situação dá-se o nome de embriaguez
preordenada, que popularmente falando, significa “beber para tomar coragem”. Porém, isso
não engloba somente o uso e abuso do álcool, mas também de qualquer outra substância
conceituada como psicotrópica. Ademais, o agente transtornado pelo abuso da substância
poderá também praticar crimes para alimentar o seu próprio vício, como furtos e roubos, para
poder, com o produto ou proveito do crime, obter a droga. Além disso, o consumo de drogas é
crime no Brasil, de acordo com o art. 284 da Lei 11.343/2006.
De acordo com pesquisas realizadas no ano de 2008, pessoas que fazem uso
abusivo de substâncias psicoativas, apresentam um risco de 12 a 16 vezes maior de se
envolverem em comportamentos violentos em detrimento a outras que não fazem uso de tais
substâncias.
Além do consumo, o tráfico de drogas, previsto no art. 335 da Lei 11.343/2006
também é visto como um importante fator provocador de aumento da criminalidade. Cada vez
mais as organizações criminosas envolvidas com o tráfico de drogas se fortalecem, aumentase a variedade de drogas disponíveis aos consumidores, além de notoriamente ocorrer um
aumento significativo na violência (QUEIROZ, 2008).
A portaria nº 344/98 da ANVISA define quais são as substâncias consideradas psicoativas
proscritas e controladas, já que a Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) não trouxe no seu bojo a
classificação das drogas, deixando essa competência à portaria supra mencionada. Porém,
para que o usuário possa ser considerado inimputável, é imprescindível que o uso da
4
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo
pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às
seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
5
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda,
oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou
fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) diasmulta.
substância entorpecente lhe cause um grave transtorno constante no CID 10, no momento da
ação ou omissão criminosa, como “transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de
substância psicoativa” (F10 a F 19). Assim, se no momento em que praticou a conduta o
agente não tinha nenhuma capacidade de discernimento e autodeterminação, não poderá ser
considerado culpado. No entanto, em virtude do transtorno mental ao qual foi ou está
acometido, deverá ser absolvido impropriamente, recebendo, assim, a aplicação de uma
medida de segurança por tempo indeterminado. É bem verdade que hoje vários doutrinadores
e juristas questionam essa aplicação por tempo indeterminado, entendendo que na prática ela
representa uma pena que pode até se tornar perpétua, situação taxativamente proibida pela
nossa carta magna, porém, ainda não se estabeleceu nenhuma medida mais apropriada diante
da necessidade de promover a segurança do próprio agente e da sociedade como um todo.
Com relação aos transtornos alimentares, estes não possuem muita relação com a
Criminologia, pois, dificilmente, alguém com anorexia ou bulimia venha a praticar um delito
em razão desses transtornos. No entanto, isso não diminui a gravidade da patologia, pois
principalmente a anorexia pode levar a morte prematura de uma pessoa, caso o transtorno
atinja o seu grau máximo.
Dentre os transtornos de ansiedade, aquele que mais interessa à Criminologia é o
Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), pois os pacientes portadores deste mal “sentem-se
arrastados por uma força, pela inevitabilidade e pela impossibilidade de resistir aos sintomas,
ainda que tentem”. (DEL PORTO apud DISPOTI, 2011). O TOC decorre de obsessões, que
são pensamentos, ideias ou imagens que invadem a cabeça da pessoa, como por exemplo,
olhar por diversas vezes se fechou o gás ou as portas de uma casa. Já as compulsões são atos
repetitivos que tem como função tentar aliviar a ansiedade trazida pelas obsessões, como por
exemplo, lavar as mãos repetidas vezes, mania exagerada de limpeza. Assim, é possível que o
TOC influencie uma conduta criminosa praticada pelo agente, por exemplo, caso estas
pessoas sejam impedidas de realizarem seus impulsos, poderão ficar bastante irritadas, de
forma que isso pode contribuir para uma possível lesão corporal contra quem o impede de
realizar os seus impulsos.
Nos transtornos dissociativos, há a perda total ou parcial de uma função mental ou
neurológica, sendo possível que o portador desse transtorno crie uma nova “pessoa”, como
ocorre com o transtorno de personalidade múltipla, que é caracterizado pela existência de
duas ou mais personalidades em uma mesma pessoa, sendo que cada personalidade possui
traços característicos, como por exemplo, memória própria. Tal transtorno pode decorrer de
situações de estresse psicológico ocorridas durante a infância, como abusos sexuais ou físicos.
Como exemplo de transtorno dissociativo e criminalidade, pode ser verificado o
delito de infanticídio6, onde a mãe se encontra sob à influência do estado puerperal. Apesar de
a doutrina médico-legal ainda divergir com relação a esse estado, publicações recentes
demonstram que ele se assemelha bastante ao transtorno dissociativo, pois,
o indivíduo tem pelo menos três dos seguintes sintomas dissociativos: um
sentimento subjetivo de anestesia, distanciamento ou ausência de resposta
emocional, redução da consciência sobre aquilo que o cerca, desrealização,
despersonalização ou amnésia dissociativa. (...) O sintoma característico desse
transtorno é uma alteração súbita e geralmente temporária nas funções normalmente
integradas de consciência, identidade e comportamento motor, de modo que uma ou
duas dessas, deixa de ocorrer em harmonia com as outras (GUIMARÃES, 2003).
Estes sintomas estão presentes na maioria das mulheres que praticaram o
infanticídio. Segundo o mesmo autor, a amnésia, as alucinações auditivas e o transtorno de
despersonalização são quase que regra entre as mulheres que estejam no estado puerperal e
praticaram infanticídio (GUIMARÃES, 2003). Dessa forma, caso constatado o estado
puerperal, e se este for considerado como uma forma de transtorno mental dissociativo,
poderá a autora ser considerada até mesmo inimputável diante da sua conduta criminosa.
Em relação aos transtornos do sono, o que pode vir a interessar à Criminologia é o
comportamento R.E.M. anormal, em que a pessoa dormindo, realiza o seu sonho. Tal
transtorno diferencia-se do sonambulismo porque este é caracterizado pela realização de
atividades motoras bem coordenadas, embora a pessoa esteja dormindo. Deixada a si, a
pessoa retorna para a cama e no dia seguinte não se recorda do ocorrido, nem relata o sonho.
Já no comportamento R.E.M., ocorre o inverso, pois o indivíduo se lembra do ocorrido e
relata o seu sonho. Como relação ao comportamento R.E.M., os indivíduos podem se tornar
pessoas agressivas durante o tempo em que estão dormindo, podendo vir a praticar delitos.
Quanto aos transtornos dos hábitos e dos impulsos, é totalmente possível estes
levarem a um comportamento criminoso. Na cleptomania, por exemplo, há a prática de uma
subtração de coisa não necessária ao agente, em que este passa por um momento de tensão,
quando pratica a subtração, e depois sente uma sensação prazerosa ao tê-la consigo. Assim,
podem se configurar os delitos de furto ou roubo, porém o agente não premedita a conduta e
age sempre sozinho.
Na piromania, o agente sente prazer em atear fogo em algo. Segundo GOMES e
MOLINA (2008), “o pirômano executa múltiplos incêndios sempre de forma deliberada e
meticulosa, muito elaborados. Experimenta uma ativação emocional excepcional antes de
6
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:
Pena - detenção, de dois a seis anos.
cada episódio”. Desta forma, a conduta do pirômano pode provocar crimes, como por
exemplo, o delito de incêndio, tipificado no art. 2507 do Código Penal, podendo inclusive
ocasionar a lesão corporal e a morte de pessoas.
Nos jogos patológicos, o agente é viciado em jogos, podendo ocorrer a prática de
crimes quando o viciado gasta tudo o que possui e, para alimentar o seu vício, passar a querer
se apropriar de objetos ou valores de outras pessoas. Assim, poderá cometer delitos contra o
patrimônio, como o furto, o roubo, o estelionato e a apropriação indébita.
No transtorno explosivo intermitente, em que o indivíduo não consegue controlar
os seus impulsos explosivos, cominando em ataques físicos ou na destruição de propriedades.
É o chamado pavio-curto. Podem ocorrer danos em propriedades alheias ou até mesmo
provocar delitos contra a vida ou contra a integridade física das pessoas, em caráter
preterintencional (GOMES e MOLINA, 2008).
A tricotilomania consiste em arrancar os próprios cabelos, ocasionando perda
capilar bastante perceptível. Pode ocasionar um comportamento criminoso quando o portador
do transtorno passa a agredir outras pessoas, rancando-lhes os cabelos, ocorrendo, desta
forma, o delito de lesão corporal.
Assim, segundo Vilson Aparecido Dispoti (2011):
Se os transtornos dos impulsivos caracterizam-se por incapacidade de resistir a um
impulso, ou tentação de realizar algum ato que é prejudicial ao próprio indivíduo ou
aos outros, é compreensível que a repetitividade de comportamentos incriminados
representa o desague do psiquismo sob tormenta, o que explica a reincidência
criminal, quando não tratados (DISPOTI, 2011).
Com relação aos transtornos emocionais ou de humor, interessa à Criminologia o
transtorno bipolar. Este é caracterizado por uma alternância entre períodos de depressão e
períodos de manias. Assim, o indivíduo portador desse transtorno possui períodos de humor
elevado e aumento de energia para a prática de atividades, alternados com períodos de
rebaixamento do humor e falta de vontade para praticar suas atividades. Neste caso, há
também a falta de autocontrole e bom senso. Para, Luís Flávio Gomes e Pablo Molina,
no transtorno bipolar, a propensão criminógena se apresenta na fase maníaca, a qual
como visto, caracteriza-se pela sintomatologia de euforia, irritabilidade, exaltação,
incremento de atividade social, laboral, sexual, grande fluidez do pensamento, fuga
de ideias, loquacidade, sentimentos de grandeza, evidente autoestima, predisposição
para empreender negócios de risco, atividades perigosas, gastos desmedidos,
hiperatividade psicomotora (GOMES e MOLINA, 2008).
7
Art. 250 - Causar incêndio, expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
Os transtornos somatoformes são aqueles em que o portador possui “mania de
doença”. Contudo, esta mania atinge somente à pessoa transtornada, não possuindo, em tese,
influência criminógena.
Quanto aos transtornos de personalidade, as pessoas portadoras dessa espécie de
transtornos estão mais propensas à prática criminosa, tendo-se em vista que, em regra,
possuem maior agressividade, ansiedade e hiperatividade. De acordo com o CID-10, (F 60 a F
69), são espécies de transtorno de personalidade: paranóide, esquizóide, emocionalmente
instável ou borderline, histriônico, obsessivo ou anancástico, ansioso ou esquivo, narcisista,
dependente, antissocial.
O portador da personalidade paranóide possui extrema sensibilidade, grande
propensão a guardar rancores e odeia ser criticado. Dessa forma, poderá praticar crimes,
quando estiver, por exemplo, defendendo-se de “equivocadas” provocações, pouco
importando se estas são justas ou injustas. Ademais, por acharem que estão sempre
conspirando contra eles, o paranóico pode praticar crimes, colocando-se na situação de erro.
O transtorno esquizóide é marcado por afastamento dos contatos sociais, pouca
afetividade e o indivíduo é emocionalmente frio, não possuindo sentimentos em relação às
outras pessoas. Diante disso, a possibilidade de vir a praticar crimes é grande, podendo estes
ser praticados, até mesmo com requintes de crueldade.
No transtorno emocionalmente instável (borderline), o indivíduo se mostra
totalmente impulsivo, explosivo, podendo agir com muita imprevisibilidade. Esforçam-se
demasiadamente para evitar um abandono, vivendo relacionamentos intensos e, quando o
abandono acontece, fazem ameaças de suicídio ou de autolesão. Portanto, também há total
possibilidade de o portador desse transtorno vir a praticar delitos, principalmente no momento
em que está em surto, não conseguindo controlar a sua agressividade. Isso ocorre bastante nos
crimes passionais, onde o indivíduo, por não conseguir se controlar, acaba praticando crimes
contra a pessoa “amada”.
Quanto ao transtorno histriônico, marcado pela dramaticidade, teatralidade, em
que o indivíduo sempre quer ser o centro das atenções, não há tanta influência criminógena,
porém, o histriônico poderá vir a cometer suicídio em virtude da frustração de não ser atrativo
o suficiente para atender o seu desejo de chamar a atenção das pessoas.
No transtorno obsessivo ou anancástico, onde o indivíduo portador tem mania de
limpeza e arrumação, todas as suas coisas devem estar arrumadas, em ordem. Tal transtorno
também não possui muita influência criminógena, porém a obsessão pela perfeição pode
torná-lo sensivelmente irritável.
No transtorno dependente, onde o portador depende em grau extremo de outra
pessoa, há pouca incidência de atividade criminosa, porém esta poderá ocorrer caso a pessoa
que exerça domínio sobre o portador do transtorno, resolva abandoná-lo, o que não seria
admitido, em nenhuma hipótese pelo dependente. O indivíduo portador desse transtorno está
mais sujeito a atividade suicida, diante do abandono.
No transtorno esquivo ou ansioso, em tese, também não há grande influência
criminógena. No entanto, como o portador possui uma extrema fobia de apresentar-se em
público, podendo, ao receber uma crítica, sentir-se bastante magoado, poderá, em virtude
dessa situação, praticar alguma conduta criminosa.
Já o portador de transtorno antissocial (psicopatas), como não demonstra
arrependimento diante das suas condutas, não possuem sentimentos com relação às demais
pessoas e zombam das leis, possuem total propensão à prática de delitos. Dentro desse grupo,
estão pessoas manipuladoras, que somente desejam se locupletar à custa alheia. Os
antissociais possuem tendência a culpar outras pessoas pelo que eles próprios praticaram, e
defendem-se por meio de raciocínios lógicos, contudo improváveis. Ademais, a psicopatia
pode chegar a um grau tão elevado, que poderá levar uma pessoa a tornar-se um assassino em
série, também chamado serial killer, quando o psicopata sente prazer em atender seus desejos
a qualquer custo.
Quanto aos transtornos delirantes ou psicoses, até 1980 existia um consenso de
que pessoas que possuíam o diagnóstico de esquizofrenia não eram consideradas perigosas em
detrimento da população em geral. Entretanto, atualmente, evidências e estudos têm
corroborado para modificar esse posicionamento. Ressalte-se que, pessoas que possuem
diagnósticos de transtornos mentais graves, sobretudo sujeitos com esquizofrenia, podem
possuir maior propensão à prática criminosa, quando comparados a população em geral, tendo
em vista que, num momento de surto, ouvem vozes ou tem alucinações e estas podem
provocar a pratica de delitos onde, muitas vezes, ele não consegue controlar-se, praticando,
assim, a conduta criminosa.
O termo parafilia significa atraído pela prática sexual anormal. Assim, as
parafilias, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM IV),
são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos
que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento ou prejuízo na
vida do indivíduo. Com relação aos transtornos sexuais ou parafilias, os aspectos sexuais
podem ser fatores determinantes para que um dado indivíduo cometa um crime. Assim, um
indivíduo sádico sexualmente, que gosta de infligir humilhação ou sofrimento ao parceiro
sexual, pode apresentar uma grande inclinação para a prática de crimes sexuais, como o
estupro. A necrofilia, por sua vez, também provocará uma prática criminosa quando acarrete,
por exemplo, o crime de destruição de cadáver, tipificado no art. 2118 do Código Penal. O
exibicionismo, em que há a exposição pública dos órgãos genitais, poderá configurar o crime
de ato obsceno, tipificado no art.2339 do Código Penal.
Conforme o exposto, há vários tipos de transtornos mentais e a grande maioria
deles poderá influenciar significativamente na prática de crimes. Assim, o papel da
Criminologia não é somente estudar o crime, como se depreende do seu conceito etimológico.
Visa estudar também as causas que levaram uma pessoa a praticar um delito, a fim de evitar
que ela volte a delinquir, possibilitando, futuramente, a sua reinserção social. Não se pode
mais pensar numa pessoa transtornada mentalmente como uma pessoa “normal”, aplicandolhe uma pena, sem dar-lhe um devido tratamento psiquiátrico/psicológico. Assim, faz-se
necessário que o direito penal brasileiro se adéque à Criminologia moderna e passe a ver tais
situações de forma diferenciada, a fim de compreendê-las e evitar a prática de futuros delitos
pelas pessoas que possuem algum transtorno mental.
5 – A ineficácia do ordenamento jurídico penal brasileiro frente às situações que envolvam
transtornos mentais
O Código Penal brasileiro, Decreto-lei nº 2.848 de 1940, mesmo reformado em
1984, pela Lei nº 7.209, faz referência à questão da imputabilidade, elencando apenas as
causas que a extinguem, não definindo o seu conceito e, trazendo apenas, expressões já
ultrapassadas e preconceituosas, como os termos doentes mentais e retardados mentais. Para
aquele diploma, somente será considerado inimputável aquele que, mediante uma doença
mental, não possuir nenhuma capacidade de discernimento quanto à ilicitude do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento quando praticou a conduta criminosa. Nesses
casos, por ser considerado inimputável, será absolvido impropriamente e receberá uma
8
Art. 211 - Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
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Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
medida de segurança. Na prática, esta consiste numa outra espécie de sanção penal, diversa da
pena, tendo a finalidade de prevenir que o agente venha a cometer outras infrações penais por
meio do tratamento psicológico e/ou psiquiátrico, que na verdade muitas vezes não é
eficiente. As medidas de segurança classificam-se em detentiva e restritiva. Na primeira
ocorre a internação do inimputável em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e implica
em privação de liberdade. A restritiva é representada pelo tratamento ambulatorial, em que
nos dias consignados pelo juiz, o inimputável deverá dirigir-se a um estabelecimento a fim de
que lhe seja ministrada a medicação necessária. Assim, as medidas de segurança têm por
finalidade tratar o inimputável, com o objetivo de controlar ou curar o mal que o aflige.
Com relação ao semi-imputável, ou seja, aquele que em virtude de perturbação de
saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía no momento
do crime inteira capacidade de entendimento do fato e de autodeterminação, o art. 26,
parágrafo único10 do Código Penal afirma que o agente será condenado, porém, visando punilo de forma diferenciada do imputável, a pena poderá ser reduzida de 1/3 a 2/3.
Contudo, como “classificar” um indivíduo como imputável ou semi-imputável? E
no caso daqueles que praticaram um delito em virtude de um transtorno mental, como
poderiam ser responsabilizados penalmente? Seriam eles considerados imputáveis? Como o
perito médico realmente poderá determinar o quantum de influência da doença no momento
da conduta?
Diante desses questionamentos, seria imprescindível a realização do exame
criminológico, que é indispensável para a individualização da pena. Individualizar, segundo
César Roberto Bitencourt (2008, p. 469), “significa dar a cada preso as melhores condições
para o cumprimento da sanção imposta”, de maneira que possam ter as condições necessárias
para serem reinseridos na sociedade. Através da realização do exame criminológico, que é
multidisciplinar, há a oportunidade de obter elementos e subsídios sobre a personalidade do
agente, analisando-o sob os aspectos social, biológico e mental, subsidiando cientificamente
não só a individualização da pena, mas também a própria necessidade de um possível
tratamento psiquiátrico ou psicológico. Afinal de contas, a finalidade última da pena sempre
deve ser o retorno saudável e produtivo do agente à sociedade.
10
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de
saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984).
Versando sobre o exame criminológico, Bitencourt, citando Sérgio de Moraes
Pitombo, afirma que:
Hão de compô-lo, como instrumento de verificação, as informações jurídico-penais
(como agiu o condenado, se registra reincidência, etc.); o exame clínico (saúde
individual e eventuais causas mórbidas, relacionadas com o comportamento
delinquencial); o exame morfológico (sua constituição somatopsíquica); neurológico
(manifestações mórbidas do sistema nervoso); o exame eletroencefálico (não só para
a busca de lesões focais ou difusas Sharp ou Spike, mas da correlação – certa ou
provável- entre as alterações funcionais do encéfalo e o comportamento do
condenado); exame psicológico (nível mental, traços básicos da personalidade e sua
agressividade); exame psiquiátrico (saber se o condenado é uma pessoa normal ou
portadora de uma perturbação mental); e exame social (informações familiares,
condições sociais em que o ato foi praticado, etc) (PITOMBO apud BITENCOURT,
2008, p. 467).
Uma questão que chama a atenção com relação ao exame criminológico é que a
partir da Lei nº 10.792/2013, a sua realização que, antes era obrigatória àqueles que
progrediam de regime, tornou-se facultativa, podendo o Magistrado requisitar a feitura do
exame de acordo com o caso concreto. Porém, o problema que ocorre é que os indivíduos que
progridem de regime, em algum momento, retornarão à sociedade, e sem a realização do
exame, tornar-se-á mais difícil saber se eles voltarão ou não a delinquir. Muitos críticos
afirmam que por meio do exame criminológico não se pode saber se alguém voltará ou não a
praticar crimes. No entanto, o certo é que, o exame criminológico funciona como um guia
com relação ao criminoso. Realmente não se pode prever as condutas humanas futuras, porém
ele poderá dar indícios sobre a potencialidade criminosa de um indivíduo. Com relação aos
semi-imputáveis, o exame criminológico poderia averiguar o seu grau de periculosidade, o
que permitiria ao juiz a aplicação de uma medida de segurança, ao invés de uma pena
reduzida, caso o semi-imputável necessitasse de tratamento.
Porém, a Lei de Execuções Penais não versou sobre a realização do exame
criminológico sobre um indivíduo que apresente transtornos mentais. Apenas afirmou em seu
art. 100 que “o exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao tratamento são
obrigatórios para todos os internados”. Contudo, o exame criminológico vai muito além de
um exame psiquiátrico. Ele traça também o perfil psicológico, médico e social do criminoso,
sendo de extrema importância não somente na individualização de uma pena, mas também de
uma medida de segurança. Diante do exposto, a legislação brasileira deveria ser revista a fim
de que fosse possibilitada a realização do exame criminológico não somente àqueles que são
condenados a uma pena, mas também àqueles que possam vir a receber uma medida de
segurança, a fim de saber o perfil criminoso desse indivíduo e a sua possibilidade de voltar a
delinquir.
Outro ponto que chama a atenção é que o ordenamento penal brasileiro é
engessado, ou seja, extremamente dogmático e parece não estar flexível às modificações,
preocupando-se apenas com o encaixe da conduta do agente ao tipo descrito na norma penal.
Assim, mesmo que a decisão judicial não tenha um alcance social, o que importa é que a lei
está sendo aplicada. Para muitos, esse ainda é o ideal de “justiça”. Para Dispoti (2001), “o
Positivismo e o Liberalismo que marcam acentuadamente o Direito Penal brasileiro, impõem
na Justiça Criminal resignada e cômoda cultura que segue refém do cientificismo e
normativismo jurídicos, que o isolam da realidade social e dos anseios da justiça”. Desta
forma, uma grande parte da doutrina de direito penal e também dos julgadores brasileiros não
dão muita importância ao papel da Criminologia diante da ocorrência de crimes, pois definem
estes apenas como um fato típico, ilícito e culpável. Já a Criminologia vê o crime como um
fenômeno social que exigirá do pesquisador a análise deste problema sob as mais variadas
formas e causas. Portanto, o direito penal brasileiro deverá se olvidar do dogmatismo que
ainda, infelizmente, o rege e introduzir a Criminologia como ciência imprescindível na
resolução das situações penais que ocorrem no cotidiano da sociedade brasileira. O crime não
pode ser visto apenas como o argumento que fundamenta a aplicação da pena, mas sim como
o espelho da realidade social de um país.
Versando sobre os transtornos mentais, a Criminologia moderna, adotada por
outros países como Alemanha, Espanha e Portugal, já leva em consideração tais transtornos
como causas de redução da imputabilidade de um agente. Como afirma Vilson Aparecido
Dispoti (2011), “embora tais anomalias não retirem a capacidade intelectiva do agente, afetam
a autodeterminação, o que os coloca na zona fronteiriça entre os imputáveis e inimputáveis
penalmente, portanto, semi- imputáveis”. Desta forma, seguindo os preceitos da Criminologia
moderna, o juiz, detectando a periculosidade real do portador de transtornos mentais, poderá
aplicar uma pena reduzida de 1/3 a 2/3 ao semi-imputável, sendo que, caso ele necessite de
um tratamento psiquiátrico, poderá converter essa pena reduzida numa medida de segurança.
Um caso interessante ocorre em relação ao delito de infanticídio, que é visto como uma
espécie de homicídio privilegiado, já que possui pena de detenção de 2 a 6 anos. Caso o
estado puerperal que acometa a parturiente no momento em que mata o próprio filho, recém
nascido ou nascente, se configure como um transtorno mental dissociativo, a parturiente
deverá ser vista como uma semi-imputável, podendo ter a sua pena substituída por uma
medida de segurança, a fim de tratá-la. Outro caso que se pode abordar é a situação do
indivíduo que possua o transtorno de personalidade borderline. Neste há uma zona fronteiriça
entre a neurose e a psicose. No momento em que pratica a conduta criminosa, o border está
completamente fora de si, o que o torna incapaz de ter a autodeterminação da sua conduta.
Assim, poderá ser constatada a semi-imputabilidade do agente.
Há estudos também que demonstram que o indivíduo portador do transtorno de
personalidade antissocial ou psicopata também não pode ser analisado como imputável, pois
também não consegue se controlar diante da conduta, apesar de possuir discernimento quanto
à ilicitude do fato. Por exemplo, Francisco de Assis Pereira, o maníaco do parque, que matava
as suas vítimas e, no dia seguinte, voltava ao local para praticar sexo com os cadáveres.
Certamente uma pessoa como ele possui alguma anomalia mental. Porém, os psicopatas são
considerados imputáveis para fins de aplicação da pena. Contudo, seria de bom alvitre a
realização do exame criminológico sobre os portadores de transtorno mental, a fim de
averiguar a semi-imputabilidade, pois por mais que haja o discernimento com relação à
prática da conduta, o agente não consegue ter o autocontrole necessário para impedir a sua
prática. Por outro lado, não podemos entender nenhuma doença como causa de
inimputabilidade, uma vez que poderemos cair no erro de considerar todo criminoso portador
de alguma patologia mental, por conseguinte nenhum indivíduo seria apenado.
Assim, com essa alternativa, dar-se-ía um melhor tratamento àqueles que, apesar
de não possuírem uma doença mental, que os leva a perder totalmente a capacidade de
entendimento e autodeterminação, possuem um transtorno mental, que reduz a sua capacidade
de se autodeterminar diante da conduta criminosa. Não se pode equiparar uma pessoa
transtornada mentalmente com uma pessoa tida como “normal”. Muitas vezes o que aquelas
necessitam é de um verdadeiro tratamento psiquiátrico/psicológico e não de uma pena, que
não tem finalidade de tratamento.
Portanto, os magistrados deveriam estar mais abertos às ideias da Criminologia
moderna adotadas por outros países, e aceitarem a possibilidade de os transtornos mentais
poderem configurar a semi-imputabilidade. Ademais, a pena não pode ser vista como a única
hipótese de prevenção de delitos, principalmente em casos de semi-imputabilidade. Assim
como as alienados mentais, os portadores de transtornos mentais também merecem o devido
tratamento a fim de que não voltem a delinquir.
Conclusão
O crime é um fato típico, ilícito e culpável. Desta forma, para que o agente receba
uma pena em virtude da prática de alguma conduta criminosa, deverá ser considerado
imputável. Caso contrario, se no momento da conduta era portador de alguma doença mental
que retire a sua total capacidade de discernimento e autodeterminação, não poderá receber
pena em consequência dos seus atos criminosos. Porém, será absolvido impropriamente e
receberá uma medida de segurança.
A Criminologia não possui apenas como objeto o estudo do crime, como se
depreende do seu conceito etimológico. Ela vai mais adiante, pois além de estudar a conduta
criminosa, analisa também o delinquente, a vítima e o controle social.
No Brasil, o direito penal, baseado em seus fundamentos arcaicos e dogmáticos,
muitas vezes segue alheio aos conhecimentos trazidos pela Criminologia moderna. Assim, há
uma maior dificuldade de analisar situações novas ou dar um tratamento mais adequado às
situações que devem ser tratadas de forma diferenciada, em virtude da dogmática penalista,
que parece não querer enxergar a modernidade, ficando presa a formalismos e preconceitos
que não cabem mais nos dias atuais.
Quanto aos transtornos mentais, pode-se afirmar categoricamente que a grande
maioria deles pode influenciar significativamente a prática criminosa, pois o agente tem uma
maior predisposição para agir contrariamente ao ordenamento jurídico quando está em
momento de “surto”.
Assim, a Criminologia tem grande influência no estudo dos transtornos mentais,
sendo esses entendidos muitas vezes como propulsores da prática criminosa daqueles que são
portadores dessas perturbações.
Além disso, seria muito mais adequado se os magistrados analisassem os
transtornos mentais sob o ponto de vista da semi-imputabilidade, pois seus portadores, ao
praticarem a conduta criminosa, não tinham a total capacidade de autodeterminação, apesar de
possuírem ainda algum entendimento da situação. Porém, mesmo atestada a semiimputabilidade, não deverá sempre ser aplicada uma pena reduzida a esses infratores, pois
dependendo do caso concreto, eles poderão necessitar de tratamento psiquiátrico/psicológico e
a pena não possui tal tratamento dentre as suas finalidades.
Para classificar devidamente as pessoas portadoras de transtornos mentais, deverá
ser realizado necessariamente o exame criminológico no agente, a fim de se constatar qual
sanção ou tratamento melhor se adequa ao caso concreto, pois caso durante o momento de
surto não tenha condições de se autodeterminar, ainda que tenha capacidade de entender a
ilicitude da sua conduta, deverá o agente ser analisado sob o âmbito da semi-imputabilidade,
podendo até mesmo receber uma medida de segurança como sanção. O exame criminológico
é o meio mais adequado para se traçar o perfil médico, social, psiquiátrico e psicológico do
agente e assim, constatar o seu grau de periculosidade, ou seja, o seu potencial para voltar a
delinqüir, evitando-se, assim, que o agente volte a delinquir. Assim, demonstra-se o exame
como imprescindível para individualizar a sanção que deverá ser recebida por um
transtornado mental, diante da sua conduta criminógena.
Portanto, o ordenamento penal brasileiro deverá deixar para trás os dogmas que ainda o
fundamenta, devendo inserir as ideias da Criminologia moderna, já adotada por outros países.
O crime não deverá ser visto apenas como um mero fato típico, ilícito e culpável, mas como
um fenômeno social que necessita ser bastante analisado para que as cifras criminais não
continuem crescendo cada vez mais.
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