Aula 2- Impulsos em Repouso e em Estados de Equilíbrio Limite- a Teoria de Rankine Paulo Coelho - FCTUC Mestrado em Engª. Civil - Construções Civis ESTG/IPLeiria Revisão do Conceito de Tensão em Geotecnia O comportamento mecânico de um maciço depende fortemente das tensões nele instaladas. Considere-se um maciço terroso seco em equilíbrio estático sob a acção do seu peso próprio e de forças aplicadas à superfície. A origem do sistema de eixos cartesianos de referência está situada à superfície- eixo vertical é o eixo dos zz (sentido positivo descendente), eixo xx é considerado no plano da figura e o eixo dos yy perpendicular ao plano desta. 1 Forças transmitidas através de uma secção genérica Imagine-se uma secção horizontal, S, na imediata vizinhança de um ponto P Fz Nz Tz Tzx Tzy Admita-se que: - secção S tem dimensões (dx dy) tão pequenas que é legítimo admitir que a força nela actuante se distribui uniformemente. - as dimensões dessa secção S são suficientemente grandes para que sejam muito superiores ao diâmetro das partículas do solo - S faz pequeníssimos desvios do seu plano médio para não seccionar nenhuma partícula, antes passando nos pontos de contacto. 2 Através da secção S uma parte do maciço transmite à outra uma força, Fz, força essa que é transmitida através dos contactos interpartículas. Essa força, Fz, pode ser decomposta numa força normal, Nz, e noutra tangencial, Tz, à secção S. Por sua vez, a força tangencial, Tz, pode ser decomposta em duas forças paralelas aos eixos ox e oy, respectivamente, Tzx e Tzy. No âmbito da Mecânica dos Solos, as tensões na secção S serão definidas por: σ =σz = Nz dx.dy τz = Tz dx.dy τ zx = Tzx dx.dy τ zy = Tzy dx.dy 3 As tensões são obtidas dividindo as forças aplicadas na secção pela sua área total, a qual compreende contactos entre partículas e poros. Estudos mostram que a área dos contactos entre partículas é muito pequena- em regra menos de 1% da área de qualquer área semelhante a S. Área dos contactos muito pequena=> as tensões instaladas nos contactos interpartículas são muito elevadas (no mínimo 2 ordens de grandeza acima das que foram definidas) E se o maciço terroso estiver submerso? N’z Pressão neutra, Pressão na água dos poros ou pressão intersticial, u U N’z = Nz - U 4 A secção S atravessa contactos interpartículas e água, já que o solo está saturado. Se os poros representam a quase totalidade da área da secção=> através da água nos poros na secção S é transmitida uma força U de valor: U = u.dx.dy Tal força é puramente normal pois nos fluidos as tensões em qualquer secção são normais. Assim, a parcela da força normal total transmitida pelos contactos entre partículas será a força N’z de valor: N 'z = N z − U Dividindo ambos os membros da expressão anterior pela área da secção S (dx.dy), vem: N 'z Nz U = − dx.dy dx.dy dx.dy que é equivalente a: N 'z =σ −u dx.dy Pressão neutra Tensão total Tensão efectiva (σ’) – representa a força transmitida pelos contactos entre partículas dividida pela área da secção A relação: σ '= σ − u exprime o Princípio da Tensão Efectiva (Terzaghi) 5 Tipos de Tensões em maciços terrosos Tensões virgens – existentes no maciço sem qualquer acção humana; ¾ Tensões de repouso – tensões associadas apenas ao peso próprio dos solos; ¾ Tensões tectónicas – tensões originadas pelas forças tectónicas que se desenvolvem na crusta terrestre (mais importantes em maciços rochosos); Tensões induzidas – associadas às acções impostas pelas obras construídas pela acção humana. Estado de tensão em repouso Estado de tensão num ponto – conj. de todas as tensões que actuam em todos os elementos de superfície que passam por esse ponto (3D => conhecer tensões actuantes em 3 facetas- 9 componentes; 2D=> conhecer tensões actuantes em 2 facetas- 4 componentes). 6 Para descrever o estado de tensão no ponto P escolhem-se, em geral, as seguintes facetas: uma horizontal, onde actua σv; duas verticais quaisquer, perpendiculares entre si, onde actuam σh1 e σh2. Porquê escolher tais facetas? No caso de estarmos perante um maciço terroso de superfície horizontal e não existirem sobrecargas (acções exteriores) aplicadas à superfície, estas facetas serem facetas principais. Nas facetas principais, as tensões tangenciais são nulas, pelo que as tensões actuantes nessas facetas são puramente normais. As tensões que actuam nas facetas principais são chamadas de tensões principais e as direcções destas tensões são direcções principais de tensão. Como calcular as tensões num maciço terroso homogéneo de superfície horizontal, com peso volúmico, γ, constante em prof. e em que a água freática se encontra em repouso (condições hidrostáticas), com o nível freático à superfície? 7 Tensões principais efectivas de repouso num maciço de superfície horizontal σ’v0 σ’h0 σ’h0 A tensão total vertical em P actua nas facetas horizontais e vale: σ v 0 = γ .z O índice “0” é usado para simbolizar que a tensão é exclusivamente devida ao peso próprio, ou seja, é uma tensão de repouso. Estando a água em condições hidrostáticas e o nível freático à superfície do terreno, a pressão na água dos poros em P vale: u 0 = γ w .hw = γ w .z 8 A tensão efectiva vertical de repouso em P vale: σ ' v 0 = σ v 0 − u0 = γ .z − γ w .z = (γ − γ w ).z = γ '.z Nas facetas verticais as tensões actuantes (horizontais) são iguais. O seu cálculo não resulta de considerações puramente gravíticas. Coeficiente de impulso em repouso, K0 – é igual á razão da tensão efectiva horizontal de repouso pela tensão efectiva vertical de repouso: K0 = σ ' h0 σ ' v0 Assim, as tensões horizontais efectiva e total no estado de repouso são, respectivamente: σ ' h 0 = K 0 .σ ' v 0 = K 0 .γ '.z σ h 0 = σ ' h 0 +u0 = K 0 .γ '.z + γ w .z Nos maciços de superfície horizontal são iguais 2 das tensões principais no estado de repouso: Caso 1 - quando K0 < 1 (muito mais comum!): ⎧σ ' = σ '1 ⎧σ = σ 1 ⎪ v0 ⎪ v0 ; ⎨ ⎨ ⎪σ ' = σ '2 = σ '3 ⎪σ = σ 2 = σ 3 ⎩ h0 ⎩ h0 9 Caso 2 - quando K0 > 1: ⎧σ = σ 3 ⎧σ ' = σ '3 ⎪ v0 ⎪ v0 ; ⎨ ⎨ ⎪σ = σ 1 = σ 2 ⎪σ ' = σ '1 = σ '2 ⎩ h0 ⎩ h0 Caso 3 - quando K0 = 1: σ v 0 = σ h 0 = σ 1 = σ 2 = σ 3 ; σ ' v 0 = σ ' h 0 = σ '1 = σ '2 = σ '3 Casos 1 e 2- estados de tensão são simétricos em relação ao eixo dos zz: estados de tensão axissimétricos. caso 3- estados de tensão são estados de tensão hidroestáticos ou isotrópicos. Evolução (+ comum) de tensões em profundidade 10 Circunferências de Mohr representativas dos estados de tensão total e efectiva de repouso num ponto a 10 m de profundidade. Coeficiente de impulso em repouso, K0 Depende da história geológica do maciço que determina a evolução das tensões por este experimentadas (história de tensões). A sua avaliação é efectuada por meio de ensaios, nomeadamente ensaios in situ, com base em correlações empíricas com outros parâmetros de mais simples determinação, ou com recurso a valores já estimados para maciços com histórias de tensão semelhantes. 11 Algumas expressões empíricas para estimar K0: Que valores são usuais? Característica intrínseca do solo? Impulsos de Terras sobre Paramentos De que depende o valor do impulso das terras sobre um paramento? - das características resistentes do terreno… - das características geométricas do terreno… - do peso volúmico do solo… - e sobretudo do sentido e magnitude dos deslocamentos do paramento relativamente ao maciço! 12 Exemplo: Qual o valor o impulso das terras sobre as caves de um edifício (abaixo) de tal modo que a sua construção não induziu quaisquer deformações no maciço? I0 (impulso em repouso) Será a situação anterior comum? De facto não! - Em alguns casos, o paramento faz parte de estrutura destinada a suportar o solo- estrutura de suporte, p.ex.-, pelo que se tende a afastar deste (se tal for possível!) - Em alguns casos, o paramento faz parte de estrutura destinada a solicitar o solo -maciço de fundação, p.ex.-, pelo que tende a ser empurrado contra este. E o que acontece em cada caso? 13 H Conclusões: Se o paramento se afastar do maciço, o impulso das terras diminui, mobilizando o impulso activo: - I a < I0; - deslocamento exigido usual/ atingido (sa); Se o paramento se deslocar contra o maciço, o impulso das terras aumenta, mobilizando o impulso passivo: - Ip >>> I0; - deslocamento exigido muito grande (sp); 14 Qual a magnitude dos deslocamento exigidos? Qual a magnitude dos deslocamento exigidos em estuturas rígidas? H s= ? Impulso activo: sa≈ 0,001xH-0,002xH Impulso passivo: sp≈ 0,05xH - 0,2xH (!) 15 Exemplos: Podem os deslocamentos exigidos para mobilizar Ia e Ip ser sempre atingidos? Estrutura do paramento e suas vizinhas? Teoria de Rankine: Hipóteses base: i) Maciço puramente friccional (não coesivo; c’=0) ii) Terrapleno horizontal iii) Paramento vertical e rígido iv) Atrito solo-paramento nulo Nota 1- existem extensões para a Teoria de Rankine que permitem eliminar as hipóteses base i), ii) e iii). Nota 2- validade da hipótese iv) governa magnitude do erro; resultado sempre do lado da segurança=> ? 16 Estados de equilíbrio limite activo τ En de ente volv ra rotu σ’h0 σ’ha Estado activo σ’v0 Estado em repouso σ 'h 0 = K 0 .σ 'v 0 σ 'ha = K a .σ 'v σ’ Estados de equilíbrio limite passivo τ tura e ro d e t n olve Env σ’h0 σ’v0 Estado em repouso σ 'h 0 = K 0 .σ 'v 0 σ’h σ’ Estado passivo σ 'hp = K p .σ 'v 17 Teoria de Rankine: Por considerações puramente geométricas no plano de Mohr facilmente se prova que, quando são válidas as hipóteses base (c’= 0): Ka = 1 − senφ ' : σ 'ha = K a .σ 'v 1 + senφ ' Kp = 1 + senφ ' : σ 'hp = K p .σ 'v 1 − senφ ' Quais as principais vantagens de Teoria de Rankine na estimativa de impulsos?: i) aplicação simples; ii) resultados sempre do lado da segurança! Infelizmente, em alguns casos de muros de maior altura, a solução é tão conservadora que se torna economicamente inviável de aplicar… 18 EXERCÍCIO: determine as acções externas sobre o muro de suporte, utilizando a teoria de Rankine, nas seguintes situações: 1. EXERCÍCIO: determine as acções externas sobre o muro de suporte, utilizando a teoria de Rankine, nas seguintes situações: 2. 19 EXERCÍCIO: determine as acções externas sobre o muro de suporte, utilizando a teoria de Rankine, nas seguintes situações: 3. EXERCÍCIO: determine as acções externas sobre o muro de suporte, utilizando a teoria de Rankine, nas seguintes situações: 4. 20 Teoria de Rankine (extensão para solos coesivos): Também por considerações puramente geométricas Ka = ⎛ 1 − senφ ' ⎞ 1 − senφ ' 2 ⋅ c ' cos φ ' 2 ⋅ c '⋅ cos φ ' : σ 'ha = K a ⋅ σ 'v = ⎜ − ⋅ ⎟ ⋅ σ 'v − 1 + senφ ' σ 'v 1 + senφ ' 1 + senφ ' ⎝ 1 + senφ ' ⎠ Kp = ⎛ 1 + senφ ' ⎞ 1 + senφ ' 2 ⋅ c ' cos φ ' 2 ⋅ c '⋅ cos φ ' : σ 'hp = K p ⋅ σ 'v = ⎜ + ⋅ ⎟ ⋅ σ 'v + 1 − senφ ' σ 'v 1 − senφ ' 1 − senφ ' ⎝ 1 − senφ ' ⎠ O uso de c´ deve ser considerado com muito cuidado… pois pode resultar em dimensionamentos inseguros… Porquê? Tensões nulas no caso activo (solos coesivos) Uma vez que o contacto terras paramento não resiste à tracção (e fendas de tracção podem aparecer no solo). Para carga nula à superfície: σ’ha= 0 Zc ⎛ 1 − senφ ' ⎞ 2 ⋅ c'⋅ cosφ ' ⎟⎟ ⋅ σ 'v − 0 = ⎜⎜ 1 + senφ ' ⎝ 1 + senφ ' ⎠ => Z c = 2⋅c' γ . cos φ ' 1 − senφ ' 21 EXERCÍCIO: determine as acções externas sobre o muro de suporte, utilizando a teoria de Rankine, nas seguintes situações: 5. Teoria de Rankine (extensão para terraplenos inclinados): K a = cos β β Ia β Ka.γ.H K p = cos β cos β − cos 2 β - cos 2φ' cos β + cos 2 β - cos 2φ' cos β + cos 2 β - cos 2 φ' cos β − cos 2 β - cos 2 φ' Regra geral: a teoria de Rankine estabelece que o impulso é sempre paralelo à inclinação do terrapleno 22 EXERCÍCIO: determine as acções externas sobre o muro de suporte, utilizando a teoria de Rankine, nas seguintes situações: 6. 23