34º Encontro Anual da Anpocs ST11P1 – ESPORTE E SOCIEDADE Futebol e política continuam a caminhar juntos Rogério Bianchi de Araújo Futebol e política continuam a caminhar juntos Rogério Bianchi de Araújo1 INTRODUÇÃO Quem diz que futebol não tem lógica ou não entende de futebol ou não sabe o que é lógica. Stanislaw Ponte Preta O título do projeto recém-iniciado na Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão é: "O Futebol como uma manifestação simbólica da sociedade catalana". Com esse projeto pretendo desenvolver uma análise sócio-cultural e histórica do Clube Recreativo Catalano e sua influência sobre a cidade. O futebol está profundamente ligado à sociedade, capaz de construir fatos sociais e manifestações imaginárias passíveis de estudos antropológicos e sociológicos, proposta desse projeto. O universo do futebol é um importante campo de observação e de análise social, além de fornecer um manancial de reflexões sobre a existência e as condições humanas, bem como as nossas relações interpessoais e sociais que circundam nosso ambiente. Saber a representação social do futebol no imaginário coletivo pode dizer muito sobre o que uma sociedade pensa de si mesma e como ela se vê inserida em processos sócio-econômicos mais amplos. O futebol sofreu inúmeras transformações ao longo da história, tanto no que diz respeito ao preparo físico, quanto ao uso de tecnologias e apropriação econômica e financeira. No entanto, sua representação simbólica e significação cultural não se abalam frente a essa nova realidade. Ainda continua com sua fleuma apaixonante e seus seguidores apaixonados. Como fenômeno contemporâneo, o significado e influência do futebol na cidade de Catalão só podem ser abordados na sua complexidade e se o compreendermos como um fenômeno social e historicamente produzido. Por isso, esse projeto traça alguns objetivos e questões que pretendo 1 Doutor em Antropologia pela PUC/SP e Mestre em Filosofia Social pela PUC/CAMP. Atualmente é professor de Antropologia e coordenador do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás – Campus Catalão. desenvolver. Como as mentalidades podem se manifestar por intermédio da prática futebolística? Como o futebol na cidade de Catalão é apropriado pelas distintas classes sociais? Outra peculiaridade da cidade de Catalão é que há uma grande quantidade de pessoas que vêem de outras cidades ou de outras regiões. Como o CRAC é visto por essas pessoas? A metodologia adotada nesse projeto é a da observação participante, trabalho de campo, entrevistas e pesquisas quantitativas e qualitativas. Para isto, optei em realizar duas formas de abordagens (histórica e antropológica), as quais somadas com a teorização sociológica, formam o arcabouço teórico da maior parte dos estudos realizados e, além disso, são áreas fundamentais para auxiliar na ruptura da visão tradicional com que se estuda este esporte. O futebol vem sendo alvo de muitos estudos antropológicos, sociológicos e históricos. O foco desse projeto é, portanto, tratar do fenômeno do futebol enquanto uma prática cultural permeada de diferentes experiências e significados, e presente na vida social de muitos catalanos, ou daqueles que adotaram a cidade como moradia. O futebol pode ser visto como meio de expressão e mediação de conflitos intrínsecos a uma sociedade de classes antagônicas, propicia um repertório comum aos vários segmentos que dele se aproximaram e é capaz de articular tanto diferenças quanto identidades, não apenas em termos raciais, mas também sociais, regionais e mesmo nacionais. O sucesso do futebol profissional como espetáculo de massa esteve intimamente relacionado com a sua conversão em principal opção de lazer das camadas “médias” e “baixas” da população urbana. Segundo Elias (1990), o esporte é um importante exemplo de regulação e gerenciamento das emoções desempenhando um papel signficativo no cotidiano das sociedades modernas. Elias credita o fascínio exercido pelo futebol ao sucesso que este obteve ao criar uma dinâmica de jogo na qual se restringe a violência, sem, contudo, tirar o excitamento da partida – ou seja, criando uma tensão progressiva que produz uma catarse no praticante e no espectador. Em sua obra, “O Processo Civilizador”, faz uma longa e interessante análise sobre a história do controle das emoções que ocorreram e ainda ocorrem na sociedade humana, mais exatamente no Ocidente. O que devemos nos perguntar é como o controle das emoções pode estar entrelaçado no discurso direcionado ao atual contexto em que se encontra a cultura corporal de movimento. O que se percebe hoje é que cada vez mais as pessoas que conseguem controlar suas atitudes, suas emoções, suas expressões são as que se destacam. Enquanto que no tênis o atleta é uma pessoa introspectiva, concentrada, individualista, não permite nenhum tipo de contato físico com o adversário durante o jogo, no futebol que é esporte da massa, há muito contato corporal, objetivos no jogo que representam uma luta corpórea e há regras para o atleta se controlar emocionalmente. No caso específico do futebol, talvez seja o único fenômeno de massa que é ao mesmo tempo consumido e praticado em escala global. Para o sociólogo e jornalista Juca Kfouri2, somente em anos recentes o Brasil começou a gerar uma produção intelectual consistente sobre o futebol, o que tem contribuído para que o esporte seja pensando para além dos temas propostos pelas mesas-rondas transmitidas pelas emissoras de televisão. Isso significa dizer que o envolvimento da sociedade com a prática futebolística vai muito além do mero entretenimento ou do espírito competitivo. Ciente dessas profundas modificações sob as quais o futebol vem sofrendo, tanto em âmbito administrativo, quanto político e especulativo, o futebol passa a ser um objeto de estudo importante para as Ciências Sociais. Além disso, há ainda a espetacularizacão do esporte como evento midiático com grande apelo publicitário. Segundo Wisnik (2008), no seu livro Veneno remédio, o futebol não é mero "reflexo" da sociedade, mas tampouco se desenvolve à margem dela. É, como mostra Wisnik, uma instância em que as linhas de força e de fuga do embate social e da construção do imaginário se apresentam de modo ao mesmo tempo claro e cifrado, como costuma acontecer com as expressões 2 José Carlos Amaral Kfouri, conhecido como Juca Kfouri (São Paulo, 4 de março de 1950) é um importante membro do jornalismo esportivo do Brasil. Juca Ficou conhecido ao organizar, em 1982, uma matéria que denunciava a chamada "Máfia da Loteria Esportiva", na qual jogadores eram comprados por apostadores, a fim de garantir que os resultados dos jogos da loteria seriam aqueles em que haviam apostado. A matéria, feita por Sérgio Martins, quase ganhou o Prêmio Esso de jornalismo naquele ano. O tema rendeu mais reportagens em Placar, e Juca chegou a ser ameaçado em telefonemas anônimos. O trabalho de Juca na revista priorizou o viés investigativo no esporte, coisa que havia sido feita por poucas vezes na história da imprensa esportiva brasileira. artísticas. Para Wisnik, no Brasil, os estudos sobre futebol tendem a ser mais sociológicos, históricos, biográficos, e menos interpretativos, menos especulativos, menos ensaisticamente ousados. Sobre a sociologia do esporte, Bourdieu (2004) dizia que os sociólogos geralmente não praticam esporte e, por isso mesmo, são incapazes de conhecer o esporte de dentro. Wisnik afirma que o futebol é uma língua geral que acontece numa zona limiar entre tempos culturais que se entremeiam. Passam pelo futebol brasileiro linhas incontornáveis das interpretações do Brasil, que se irradiam pela música, pela literatura e pelas formas de sociabilidade. Para o bem e para o mal, uma das mais reconhecíveis maneiras pelas quais o país se fez ser foi o futebol. Para o ensaísta argentino Sebreli (1998), o futebol se ombreia, de maneira usurpadora, “com os grandes sistemas religiosos e políticos” e fez da “insignificância do seu conteúdo” a coisa mais importante que acontece a milhões de seres humanos, e a “única” que dá sentido em suas vidas vazias. O futebol vem a ser a mais reconhecível e intercambiável das atividades supérfluas, e, por mais interesses econômicos que estejam envolvidos, expande-se historicamente por um fundo de motivações gratuitas – e, sintomaticamente, poucas vezes sondadas como tal. No futebol, o conteúdo está ali como se não estivesse: na ausência de significado, mas fazendo sentido e pondo em cena o conflito, a catarse, a glória e a violência. A combinação de violência com a festa, da ordem com a desordem, do profano com o sagrado, cria uma simbiose complexa em que a ritualização dos choques contribui para o fortalecimento dos laços comunitários e escreve na história partidas apoteóticas, situações constrangedoras, conquistas inatingíveis, sofrimentos atrozes e felicidades arrebatadoras. Pode-se dizer que o futebol submete a oposição de classes a uma outra lógica que a sociologia tem dificuldade em captar. Por outro lado, há autores como Hobsbawn (2007) que define o futebol como a “religião leiga da classe operária”, tendo em mente a maneira intensa pela qual a massa da população trabalhadora se envolveu nas batalhas simbólicas dos campos de futebol durante a expansão das cidades industriais. O futebol é um instrumento de elaboração de diferenças, um campo festivo e polêmico de diálogo não verbal, projetado no terreno da disputa lúdica, que atualiza a necessidade de que haja um outro para que eu seja, de que um outro me afirme ao me negar. É uma atividade que promove sentimentos básicos de identidade individual e coletiva entre nós. É inequívoca a vocação do futebol como fenômeno que pode ser compreendido sob vários pontos de vista, além de ter se tornado um importante ingrediente da indústria cultural de consumo de massa. Como conseqüência, há uma mistura de valores culturais locais, nascidos de uma visão de mundo tradicional e particular, com uma lógica moderna e universalista. Em linhas gerais, esse artigo, fruto de uma pesquisa que se iniciou na Universidade Federal de Goiás, Campus Catalão em 2010, vai em direção ao que foi exposto acima. Neste início, a pesquisa realizada foi fundamentalmente de levantamento bibliográfico e por meio de observação participante nos jogos do Clube Recreativo Atlético Catalano nos campeonatos goianos de 2009 e 2010 e na Série D do Campeonato Brasileiro no ano de 2009. Inicio o artigo fazendo uma pequena reflexão sobre aspectos relevantes da representatividade social do futebol no Brasil, para em seguida refletir sobre o fosso que existe entre os clubes grandes e pequenos, assim como a profissionalização do esporte e as inferências do mercado. Isso nos remete a entender um pouco mais sobre o posicionamento do CRAC no cenário futebolístico nacional em contraponto com o que ele representa para a cidade de Catalão enquanto mecanismo de identidade e pertencimento. Finalmente, é importante perceber como a identificação de uma cidade por um clube de futebol, mesmo que em dimensões reduzidas perante às grandes forças do cenário nacional, influencia políticas publicas e populistas de grande repercussão e gera em conseqüência uma falsa impressão de competência e gestão dos bens públicos. I – Alguns apontamentos sobre o futebol no Brasil Os brasileiros aprendem desde cedo que o futebol é como uma espécie de patrimônio cultural nacional. A herança africana é justificativa para a jinga quase que inata do brasileiro para a prática desse esporte. Outro fato considerado importante são os espaços públicos que foram transformados em campinhos de futebol, principalmente nos finais de semana. Alguns mais nostálgicos acreditam que o futebol brasileiro está perdendo seu encanto justamente e, em boa parte, por causa da perda desses espaços e devido ao aumento do número de escolinhas de futebol que ajudam ainda mais a promover a burocratização desse esporte. O futebol chegou ao Brasil por meio de um bem documentado processo de difusão cultural. Foi introduzido sob o signo do novo porque estava diretamente atrelado à ideia de modernização. Nos primeiros anos de sua aparição, no inicio do século XX, era um jogo de elite. A primeira equipe de futebol predominantemente brasileira foi formada na Universidade Mackenzie, em 1898, por jovens das camadas superiores, na maioria filhos de fazendeiros que buscavam seus títulos de juristas. O futebol, tal como foi incorporado e praticamente reinventado no Brasil, tem muito a dizer, com sua linguagem não-verbal, sobre algumas de nossas forças e fraquezas mais profundas, ajudando a ver sob outra luz questões centrais da nossa formação e identidade. O Brasil é um país em que se respira futebol. Está culturalmente enraizado na nossa forma de ser e propicia a efetiva experiência da vida em coletividade, e também é uma atividade esportiva que pode ser compartilhada por diferentes classes sociais. Exalta emoções e proporciona sensações que vão da mais pura felicidade à frustração, ou vice-versa, em questão de minutos. Da Matta (1994) afirmou que o futebol constitui-se em veículo para uma série de dramatizações e representações da sociedade brasileira, permitindo a expressão e vivência de problemas nacionais. Segundo Da Matta, um dos traços essenciais do drama é sua capacidade de chamar a atenção, revelar, representar e descobrir relações, valores e ideologias que podem estar em estado de latência ou virtualidade em dado sistema social. O drama provocado pelo futebol não é só um temporário gozo ou depressão momentânea. É também uma manifestação das frustrações, ambições, desejos, etc. Com isso, o futebol mostra-se veículo de uma série de dramatizações no campo individual e no mundo social. O mundo do futebol é um Brasil pequeno porque as tendências principais de nossa vida social o constituem. Ele, de certa forma, pode ser considerado o DNA do Brasil. Poderíamos recriar o Brasil se, numa hecatombe, só tivesse sobrado o noticiário de futebol. Um esporte que se confunde com as nossas emoções mais profundas e, por isso, ajuda a entender quem somos (Santos, 1981) Para Caldas (1986), o futebol é visto por muitos estudiosos como uma das três maiores expressões de nosso povo, ao lado da religião católica e do samba. Falar sobre esse esporte com outras pessoas é também um evento socializador e um acontecimento social. Ser forasteiro na cidade de Catalão e ir a um jogo do CRAC sugere um sinal de respeito e homenagem àquela cidade, faz aproximar das pessoas e demonstrar que não há qualquer ranço de preconceito, principalmente por parte daqueles que vêem de regiões metropolitanas bem populosas. O futebol originariamente era um esporte elitizado. Hoje ele se popularizou de tal forma que não se vê distinção de classe pela sua ótica, mas não sejamos ingênuos, quando digo que as desigualdades sociais são extintas, refiro-me às conversas, a discussão sobre o futebol, os palpites, comentários, etc., principalmente fora dos estádios. Nos grandes centros esportivos do país, onde as disputas envolvem interesses econômicos muito maiores, o que se percebe é que dentro do estádio há cada vez mais torcedores com uma renda mais elevada. As próprias brigas, até então comuns entre torcedores das torcidas organizadas, está cada vez mais rara dentro dos estádios de futebol. Não se pode dizer o mesmo sobre o que acontece nas ruas, nas estações de metrô, pontos de ônibus, etc., quando elas se encontram. Entretanto, em Catalão, o preço dos ingressos de um jogo do CRAC ainda pode ser considerado relativamente baixo em relação ao que é cobrado nos jogos dos clubes grandes das capitais. Além disso, a Federação Goiana de Futebol faz promoções em que o ingresso pode ser trocado por notas fiscais com a promoção “Nota Show de Bola”. O resultado disso é a formação de imensas filas em frente ao estádio na véspera dos jogos, desde as primeiras horas da manhã, mesmo que seja entre um jogo do CRAC contra a Canedense, por exemplo. II – A situação dos clubes pequenos do Brasil Enquanto os grandes clubes são cotidianamente cobertos pela grande mídia, os times pequenos lutam para não cair no anonimato e ser motivo de chacota. Os clubes pequenos, em termos econômicos, ocupam um lugar marginal no “mercado futebolístico”, mas no que diz respeito à paixão da torcida as semelhanças são claramente perceptíveis.3 Algumas características são peculiares dos clubes pequenos. Primeiro, ele pode ser um celeiro de jogadores que estão sempre dispostos a abandonar a cidade e o clube na primeira oportunidade. Há também a possibilidade de que times pequenos se transformem em “filiais” dos grandes. Em segundo lugar, o clube pequeno é geralmente comandado por dirigentes que estão dispostos a sacrifícios para ver sua equipe disputar o 3 Estes são alguns textos extraídos do Mural de Recados (2010) do site www.cracnet.com.br que servem para ilustrar um pouco a paixão do torcedor catalano. Recado: CRAC-PodemOs naum ser o mais forte... o mais inteligente, mais bonito e neim o mais legal... Mais somOs somente fortê o suficiente para lutar.... inteligente o bastantê para aprender... legal a altura de naum sêr xato.... E bonito ao ponto de não ser feio.... enfim, nem melhor, nem pior apenas diferentê e unico ! Recado: CRAC - PAIXÃO DA FAMÍLIA FONSECA - MESMO ENTANDO NA SUA MAIORIA EM BRASÍLIA, SOMOS TODOS APAIXONADOS PELO NOSSO LEÃO. Recado: confiamos no time porque vemos q e um time de raça e vontade e por isso q vou em todos os treinos e jogos por q sei q o crac merece Recado: EU,sou fanatico pelo o crac e mando p/ torcida do leao do sul em peso amanha no gernevino da fonseca torcendo pelo crac o jogo inteiro e fazendo a festa de arrepiar o coraçao na labobonera. Recado: Crac vc é muito bom parabéns. Tenho amigos que dormem no estadio pra tocar ingressos Recado: poderiam fazer promoção de quem ir com camisa do CRAC pagar menos esta ridiculo o estadio com camisa De flamengo , Corinthians ... Recado: força crac não deixa a peteca cair não vamos detonar o itumbiara no proximo sábado, e depois dar 2 tacas no vila rosa........CRAC,CRAC .. Recado: crac voce esta jogando de mais,,, a cada jogo que passa eu fico mais convicto q teremos uma grande possibilidade de sermos CAMPEAO... FORÇA MEU LEAO. VAMOS COM TUDO nesse goianao Recado: olha o elenco de 2010 esta mostrando um belo futebol, mais estamos precisando de um volante melhor porque ali todos estão vendo que tem que melhorar bom assim seremos TRI-CAMPEÃO GOIANO . CRAC até morrer . Recado: CRAC...AGORA EU QUERO VER AQUELES COMENTARISTAS AMADORES QUE SEMPRE DIZEM QUE OS TIMES DA CAPITAL SÃO FAVORITOS E BLA,BLA,BLA, KD O TODO PODEROSO DRAGÃO??? HAHA O PLACAR FICOU BARATO SE NÃO TIVÉSSEMOS COM 5 JOGADORES RESERVAS...KD O ATLETIQUINHO.........KKK. Recado: valei crac voce ta com a moral no goianao e pode ter certeza que nois vamos ser campeao... eu te amo incodicionalmente Recado: crac vc é minha paixao, eu nunca perdi um jogo si quer, por voce eu morreria,,, mais o que importa é voces continuar ganhando os jogos e nos consagrar tri- campeao. força meu leão campeonato principal do seu Estado. Isto, sem dúvida, se transforma numa poderosa força de marketing político com potencializador de votos significativos na base eleitoral a qual o clube pertence. Em âmbito político, o time pequeno se assemelha ao grande no que tange às lutas internas, as facções e até a disputa pelos postos de mando. São cargos de risco, mas que nunca estão vagos. Os clubes de futebol do interior não conseguem disputar o Campeonato Estadual sem a ajuda das prefeituras de seus respectivos municípios. Geralmente, o dinheiro oriundo dos cofres públicos corresponde a 50% ou mais do total da receita dos clubes. Clubes do interior montam times efêmeros, com dia e hora marcada para seu fim, visando apenas o torneio em questão. O clube pequeno hoje é quase que um time de aluguel, onde jogadores participam da equipe por no máximo um único semestre, tentando alguma visibilidade para que seus empresários possam negociá-los com alguma vantagem para ambas as partes. Procuram mostrar seu futebol sempre com a esperança de que algum dia possa ser notado por técnicos ou observadores de um grande clube. Melhor opção, no caso dos clubes chamados pequenos, continua sendo montar uma estrutura especializada na revelação de novos talentos e operar nas margens do mercado. Estima-se que os vinte times que atualmente integra o Clube dos Treze (representando 4% do total das equipes profissionais) mobilizam cerca de 90% dos torcedores e responde por mais de 75% das receitas do futebol brasileiro. Por outro lado, é provável que algo em torno de 80% das equipes responde por menos de 5% das receitas. Outro problema é que com um maior número de partidas sendo transmitidas ao vivo, o público nos estádios pode se reduzir, afetando particularmente as equipes menores. Falar que quem ganha bem no Brasil é o jogador de futebol, onde não precisa nem estudar, é uma opinião descabida e de senso comum. Sabe-se que a maioria dos jogadores profissionais do Brasil que não está na elite do futebol, ganha salários bem abaixo da média. Às vezes, no CRAC, algum jogador veterano é contratado - como foi o caso recente do atacante Alex Dias - e os salários são pagos pela prefeitura com auxilio de algum patrocinador.4 Apenas aquelas federações que conseguirem inserir seus torneios na programação da televisão, encontrar patrocinadores e atrair sólidos parceiros comerciais conseguirão sobreviver na nova fase do futebol-empresa. Por outro lado, a torcida que se identifica com o clube e espera que o time tenha alguma identificação com ela, fica indignada por jogadores que jogam “sem amor à camisa”. É um paradoxo indissolúvel criado pela própria mercantilização do futebol enquanto prática esportiva. “Como ensinaram os historiadores, precisamos olhar para o passado para entender o presente. Precisamos saber que papéis desempenham os clubes de futebol, que significado tinham as partidas das tardes de domingo para a sociedade brasileira dos anos trinta, cinqüenta, setenta. Só assim poderemos compreender as mudanças em curso e avaliar a extensão das rupturas que a modernização vem provocando. E verificar até que ponto está avançada a identidade cultural que o futebol ajuda a formar, ou até que ponto as novas promessas poderão se realizar.” (PRONI, 2000:261) Numa relação entre futebol e cultura, destaco a contribuição decisiva desse esporte para alavancar um processo de ruptura das rígidas fronteiras entre a chamada “alta e baixa cultura”, entre o exclusivo e o popular. Outro ponto fundamental é o caráter híbrido que o futebol manifesta no Brasil com uma grande mistura entre o tradicional e o moderno, o culto e o massificado. O “drama” da organização do futebol brasileiro poderia ser entendido como resultado do choque entre um modelo “moderno” com um modelo “tradicional”. O futebol é um microcosmo das nossas contradições socioculturais. A forma como o futebol se estrutura e se organiza reflete o “padrão cultural” de um país. 4 Alex Dias, bicampeão brasileiro com Cruzeiro e São Paulo, atuou no CRAC durante o Campeonato Goiano de 2009 ganhando 35 mil reais líquidos por mês, segundo a imprensa local. E não fez sucesso: só seis gols em três meses. Enquanto isso, poucos jogadores da categoria de base, inclusos na conta os atletas da cidade, tiveram oportunidades reais. O orçamento de 2010 previu gastos municipais de pelo menos 800 mil reais com o time, divididos entre Prefeitura e Câmara. O serviço de abastecimento de água da cidade, controlado pelo Executivo catalano, também auxilia financeiramente, assim como as multinacionais John Deere e Mitsubishi, tradicionais apoiadoras. “O futebol é uma caricatura – no sentido de que traz em si os traços essenciais – da sociedade brasileira. De fato, seja nos momentos de glória, seja nos fracassos, tanto nos períodos de crise como de auge, a história do futebol no país esteve sempre vinculada com a dinâmica sócio-cultural, econômica e política da nação. E às voltas com a tal da modernização.” (PRONI, 2000:259) A comercialização do espetáculo pode ser a sua solução, desde que resgate os elementos mágicos, espetaculares, que sempre caracterizaram o futebol brasileiro. A grande dificuldade que se coloca é perceber que o “ideal modernizante” vai sendo redefinido com o passar do tempo, do mesmo modo que a tradição pode ser recorrentemente reiventada. A transformação do futebol em negócio gerido de modo empresarial, inserido na dinâmica da indústria do entretenimento, é uma novidade que acarreta rupturas profundas com o passado. Talvez não seja socialmente benéfico, ou desejável, trocar a ética do esporte associativo pela ética da maximização dos lucros. III – A identificação da cidade de Catalão com o CRAC O Clube Recreativo e Atlético Catalano (CRAC) é um clube brasileiro de futebol, da cidade de Catalão, no Estado de Goiás. Suas cores são o azulclaro (ciano) e o branco. Seu mascote é o leão. É a única equipe do interior do Estado de Goiás a ganhar mais de uma vez o título estadual da divisão principal e também que mais participou da decisão, (4 vezes), sendo vicecampeão em 1969 e 1997. Seu estádio se chama Estádio Genervino Evangelista da Fonseca (homenagem ao ex-deputado federal que doou o terreno para a construção do estádio), e é um dos estádios mais antigos ou o mais antigo do Estado de Goiás e o primeiro a ter o campo de jogo totalmente gramado. Apesar de pertencer ao CRAC, atualmente o estádio é administrado pela Prefeitura Municipal de Catalão através de um contrato de comodato. Com a ajuda da comunidade através de doações e mão-de-obra, hoje tem capacidade para 10.000 espectadores. O estádio possui um gramado regular, 13 cabines para imprensa e tribuna de honra e costuma estar cheio em jogos do Clube Recreativo e Atlético Catalano. Fato significativo para uma cidade interiorana com pouco mais de 80 mil habitantes, situada a 255 quilômetros da capital Goiânia. O CRAC é o clube de futebol mais antigo do Estado de Goiás, foi fundado no dia 13 de julho de 1931, disputando inicialmente somente torneios locais. Conquistou a segunda divisão goiana em três oportunidades e a Primeira Divisão em duas oportunidades. É também uma das equipes que mais vezes disputou a Segundona estadual: 14 vezes. Em 1965 foi campeão da Segunda Divisão, invicto. Para manter este time profissional a diretoria pedia auxílio à comunidade. Algo muito difícil na época, pois a cidade ainda não tinha aquela paixão fortalecida. Criaram uma loteria (semelhante à tradicional loteria esportiva) com 5 jogos e quem fizesse mais pontos passava na “Construtora” do diretor Osires Pimentel Ulhôa e levava para casa o prêmio. Em 1967, dois anos após entrar na divisão de elite goiana e um ano após o primeiro título do Goiás EC, o CRAC sagrou-se campeão goiano da primeira divisão. Terminado o jogo a cidade de Catalão ficou toda empolgada. As pessoas se abraçavam, corriam pelas ruas e quando finalmente a equipe campeã chegou à cidade houve uma comemoração tão vibrante como nunca se viu até então. Na conquista do campeonato goiano de 2004, o apoio do prefeito Adib Elias foi fundamental. Na apresentação do elenco o prefeito Adib Elias, “torcedor n° 1” e grande incentivador do time, pediu coragem, determinação e união ao grupo para conseguir levantar pela segunda vez a taça de campeão. A diretoria oferecia aos jogadores as condições, dentro e fora das quatro linhas, necessárias para que o rendimento nos jogos fosse o melhor, a diretoria com o apoio do prefeito torcedor pagou em dia os salários e prêmios. Hoje, pensando as dimensões do CRAC, a transição do cenário local para o nacional é algo inconcebível. O time é conhecido apenas na região de Goiás, tendo participado pouquíssimas vezes das divisões secundárias dos campeonatos nacionais. O CRAC tem suas atividades atualmente reduzidas ao primeiro semestre do ano, quando disputa o campeonato goiano da primeira divisão estadual. Disputa em média 18 jogos, podendo chegar a 22 caso chegue às finais do campeonato. É perceptível a vitalidade do futebol. Embora o poder da mídia mostre os grandes clubes e os campeonatos mais rentáveis, o futebol enquanto fenômeno cultural é tão poderoso que a rivalidade se estende a todas as regiões do país. Em Catalão, o CRAC trava algumas boas batalhas com os clubes da capital, com destaque para a rivalidade que se estabeleceu particularmente com o Vila Nova, clube tradicional da cidade de Goiânia. A regionalidade é um traço estrutural que distingue o futebol brasileiro. À medida que ligas municipais eram constituídas e torneios estaduais eram organizados, o hábito de ir ao estádio de futebol para torcer por uma equipe se difundia rapidamente, assim como o costume de comentar os jogos com os colegas, elegendo ídolos e relembrando os lances mais espetaculares. Os times são parte de nossas vidas, pois nos proporciona a ideia de continuidade. Depois de velhos, um time de futebol pode nos conectar com o nosso passado. É possível ser muito emocional em relação ao futebol e ao mesmo tempo pensar o futebol racionalmente. O torcedor só quer ter uma tarde agradável vendo seu time jogar. A graça do futebol está no fato de ele ser um esporte com as portas abertas para o imprevisível. Além disso, há a qualidade catártica do futebol, como uma expressão simbólica de energias primitivas, até destruidoras. Os torcedores são atraídos pela imagem do clube, o status dele como símbolo de uma cidade ou comunidade. Se só os times vencedores tivessem torcedores a maioria dos estádios do mundo estaria sempre vazia. O pertencimento clubístico é o sentimento que os torcedores têm de pertencerem a um clube em particular, sem precisar ser “associados”, sentimento que se baseia numa escolha aparentemente fortuita, mas que reflete o desejo de partilhar com outros “iguais” certos códigos, valores e atitudes. Fazer parte de uma torcida significa, segundo Damo (2002), pertencer a uma “comunidade de sentimento”, que permite expressar coletivamente as emoções conflitantes que os torcedores sentem no seu cotidiano. Geralmente se observa que a própria população das cidades interioranas não apóia, ou pouco apóia os times do interior e torcem para os times da capital. No entanto, a peculiaridade do CRAC, é que a população catalana não segue a risca esta cartilha. Não é característica da cidade de Catalão torcer para os clubes da capital Goiânia, tais como Goiás, Vila Nova ou Atlético, pelo contrário, a rivalidade com os times da capital é acentuada. O que se observa é que muitos torcem para os grandes clubes cariocas e paulistas, tendo em vista a maior visibilidade dos jogos que são transmitidos pela TV. Esse fato faz com que a torcida de Catalão seja fanática pelo seu clube no Estado de Goiás e gera um sentimento de identificação. VI – Futebol e Política em Catalão Com o profissionalismo e a nova dimensão social alcançada pelo esporte, estreitou-se a relação entre política e futebol: por um lado, houve uma maior aproximação entre dirigentes esportivos e políticos locais; por outro, as autoridades governamentais passaram a se preocupar com a definição de uma “política” nacional para o esporte. É bastante conhecida a simbiose entre a projeção como dirigente esportivo e a atuação em cargos políticos, simbiose que se tornaria recorrente na história recente da sociedade brasileira. Hoje existe uma numerosa bancada da bola no Congresso Nacional que é composta por parlamentares conectados ao futebol. É importante frisar que algumas das transformações estruturais mais marcantes do futebol brasileiro ocorreram durante regimes políticos nada democráticos. Durante mais de 50 anos, o futebol profissional precisou da tutela estatal para se estruturar e crescer. Autores como Elias e Bourdieu, procuram analisar a relação indivíduo e sociedade, e procuram integrar ações e instituições fundamentais: Relação entre jogadores; jogadores e torcida; jogadores e técnico; torcedores; todos estes e a regra; fora deste contexto não há jogo de futebol. O sociólogo francês Pierre Bourdieu utilizava a idéia de jogo como metáfora para o entendimento dos fenômenos sociais. No grupo social é assim: não há separação entre individuo e sociedade, tudo deve ser entendido de acordo com o contexto; caso contrário, perde-se a dinâmica da realidade e o poder de entendimento. Enquanto uma atividade da sociedade, o futebol é a própria sociedade, sendo expressa através de seus atores, regras, objetos, ideologias, etc. O futebol, enquanto modalidade esportiva tem uma grande força aglutinadora sobre as coletividades, criando uma poderosa identificação entre esporte e coletividades sociais em geral, além de caracterizar um episodio da historia social, da inclusão social e étnica, da consolidação da cidadania. Tratase de uma paixão coletiva capaz de mover multidões, mobilizar milhares de pessoas e encher estádios. Segundo Santos (1981), estimulando a disseminação do esporte pelas classes inferiores, a imprensa teria contribuído para que ele funcionasse como substituto para atividades sindicais e para as maltas de capoeiras que perturbavam a ordem das grandes cidades brasileiras no início do século XX. O Estado Novo teria utilizado sistematicamente os eventos esportivos para difundir seus ideais nacionalistas de integração regional e racial, contando com apoio de empresários e jornalistas. Santos afirma que o Estado Novo forneceu as diretrizes básicas para uma utilização política do esporte, ao perceber no futebol um canal de comunicação com as massas, deixando um legado que seria seguido por outros governos populistas. Para o brasilianista Levine (1982), o futebol não é só o ópio do povo brasileiro, como ainda serve de instrumento da classe dominante para manipular as massas como forma de sublimar a miséria e as desventuras da pobreza. Entende que o significado principal do futebol tem sido o uso pela elite para apoiar a ideologia oficial e dirigir a energia social por caminhos compatíveis com os valores sociais prevalecentes. O futebol brasileiro seria um instrumento ideológico utilizado pelas elites (pensantes) como um meio de desviar a atenção das massas (irracionais) dos seus problemas sociais. No entanto, penso que não seja aceitável reduzir o futebol a um elemento alienante que seria o ópio do povo. Futebol é muito mais que isso. Por outro lado, não podemos desprezar também a sua força política a serviço de interesses exclusivos de alguns comandantes. Usar politicamente o esporte não é uma novidade. Não teria nexo dizer que o CRAC nasceu com o intuito de ludibriar os interesses sociais e políticos da sociedade catalana, mesmo porque, assim como a maioria dos clubes brasileiros, o futebol começa em Catalão como esporte praticado pelas elites. O futebol, assim como qualquer outro esporte não pode ser interpretado de forma linear. O esporte não é em si mesmo alienante, o problema é o uso político que se faz dele. Os clubes são sociedades civis com duração temporal indefinida, personalidade jurídica e patrimônio distinto de seus associados. Possuem estatutos e conselhos deliberativos. Geralmente esses conselhos deliberativos priorizam as ideias diretivas da cúpula diretiva e não representam a vontade e os interesses dos torcedores. No entanto, está havendo uma transição política que passa a exigir a implantação de processos de modernização administrativa, assim como a profissionalização de gestões em diferentes departamentos. Nesse sentido, o futebol passa a ser visto como um negócio e passa a ocupar um espaço privilegiado no mundo global das empreitadas capitalistas e na industria do entretenimento. Quando pensamos a relação entre futebol e política percebemos que esses elementos continuam caminhando juntos, em alguns lugares é muito mais evidente do que em outros. Na cidade de Catalão/GO é destacada a influência da prefeitura na gestão e ingerência econômica no clube. Esse fato já se tornou uma tradição a ponto de alguns torcedores deixarem claro que política e futebol caminham juntos na cidade. Sem a prefeitura o CRAC não existiria. Campeão da segunda divisão goiana em 2003, o título da primeira veio logo em 2004. Para isso, foi fundamental o apoio de Adib Elias (PMDB)5, então prefeito de Catalão. Gandula do CRAC em seus tempos de adolescente, Adib não deixou que salários e prêmios do clube atrasassem e ainda deu apoio em algumas contratações. Neste mesmo ano, Adib foi reeleito prefeito de Catalão com quase 80% dos votos válidos. 5 Desde criança, quando gandula do CRAC, que já era sua paixão, se tornou fanático torcedor do Leão. Adib cresceu jogando futebol, e quando jovem, jogava rachas e peladas na quadra que existia na praça de Esportes do Leão. Como prefeito elevou o time à 1ª Divisão dando apoio moral, financeiro e jurídico, fazendo com que o time se sagrasse campeão da 2ª Divisão. Hoje o CRAC é um clube financeiramente livre de dívidas, com pagamentos em dia de todos os compromissos, tudo graças ao incentivo e conduta implantada pelo prefeito Adib Elias Júnior. Para o prefeito, o clube pode ser definido “como o resultado de uma história de sucesso, construída com muita luta e sacrifício, e pela paixão de seus torcedores os quais se mantêm fiéis ao compromisso de fazer cada vez mais uma equipe responsável e profissional, e fortalecer o seu nome, dando credibilidade e seriedade. Tudo isso para corresponder às expectativas dessa grande torcida apaixonada que vive intensamente uma paixão chamada CRAC”. Fonte: Revista Bicampeão / Revista Clube Recreativo e Atlético Catalano - Uma Paixão. A cidade ficou em polvorosa: “O título foi uma loucura. O Adib ajudava o time e dava comida e ônibus pra torcida acompanhar quando jogava fora de Catalão. E o povo vai mesmo”, relembra Zé Preto. A cultura do futebol na cidade é realmente bem forte, como afirma o aposentado Adão Gonçalves: “As empresas dão uma ajuda, a prefeitura sempre ajuda, o povo gosta mesmo. E não tem nada pra fazer aqui no domingo, só barzinho. Aí enche o Genervino”. Zé Preto arremata: “Em dia de jogo, o povo vai de uma vez. Desce todo mundo do centro, duas horas antes do jogo já tá todo mundo descendo. Vai homem, mulher, criança. Só não vai evangélico”.6 Hoje, a Prefeitura de Catalão administra o CRAC num contrato de comodato que o cede por 20 anos. É o Poder Executivo, então, que banca grande parte do investimento, trata dos problemas e busca patrocínios para o clube. Em 2001, quando Adib Elias assumiu pela primeira vez como prefeito, fez o acordo e cobriu a dívida do clube, que já ultrapassava os 500 mil reais. “Claro que parte da população critica, mas em Catalão tem coisas que não dá pra não ajudar, que são a paixão do catalano. O CRAC é uma dessas coisas”, defende o secretário de Esportes, José Borges. Quando questionado se o esporte pode ser plataforma eleitoral, José Borges desconversou: “É mais barato que recuperar, gera economia com saúde, com problemas sociais no futuro”. Para o secretário, esporte não é um gasto simples, mas sim prevenção e investimento. Recentemente o TRE negou o registro da candidatura de Adib Elias ao Senado pelo PMDB em 2010 em razão de condenação do Tribunal de Contas dos Municípios, que rejeitou as suas contas como prefeito de Catalão e apontou atos de improbidade administrativa. Adib devolveu R$ 126.327,40 aos cofres da Prefeitura de Catalão. A sua estratégia, ao fazer a devolução, é tentar aprovar as contas da sua gestão e afastar os processos a que foi condenado por improbidade administrativa, no âmbito do Tribunal de Contas dos Municípios. Entre as várias denúncias, está o fato de ter contratado um time de futebol, o CRAC de Catalão, para prestar serviços de transporte escolar. 6 Este depoimento é de Zé Preto, um dos mais ilustres e antigos torcedores do CRAC de Catalão, publicado na Revista Reportagem de 20 de Setembro | 2010 | Edição VIII, Brasília. Zé Preto afirma que mora em Catalão há 45 anos e há 45 anos freqüenta os jogos do CRAC. Considerações Finais Sem dúvida, as discussões sobre futebol são referenciais importantes numa sociedade como a brasileira, tais como as representações sociais que fazemos o tempo todo nos assuntos relacionados a esse esporte. O futebol ensinou, em certa medida, um pouco de democracia ao Brasil. O jogo, que sempre começa em zero a zero e submete as duas equipes às mesmas regras, coloca seus praticantes em condições de igualdade no momento da disputa. Mas a relação entre futebol-empresa e democracia é bastante delicada. É preciso muito cuidado ao afirmar que o futebol tem sido um “espaço democrático”. Um argumento falacioso para sustentar a tese de que o futebol tem sido um esporte democrático é a constatação de que a paixão pelo time perpassa todas as classes sociais, e o sentimento de que um time não pertence apenas aos seus associados, mas a toda uma nação de torcedores. Formula-se um quadro imaginário fornecido pelo esporte (e por outras atividades de lazer), destinado a autorizar a excitação. Isto acontece em função da representação de muitas situações da vida real, só que sem os seus perigos e riscos. Isto é o mesmo fenômeno que Geertz (1989) descreveu para os balineses, que afirmavam que “as brigas são como brincar com fogo, porém sem o risco de se queimar”. Seria então possível preservar no imaginário popular a ideia do futebol como “festa do povo”, na qual as diferenças de status e credo são momentaneamente suspensas, no qual é permitido expressar a indignação e extravasar emoções? Se pensarmos a partir de Clifford Geertz, antropólogo americano, poderemos afirmar que o futebol é, ao mesmo tempo, um modelo da sociedade e um modelo para uma determinada sociedade apresentar-se. O futebol seria assim, parte da teia de significados que os seres humanos, em sua dinâmica social, vão construindo, constantemente atualizando e revivendo, teia essa que constitui a própria cultura de um povo. De acordo com Geertz, a cultura é pública porque o significado também o é. Somos animais incompletos e inacabados que nos completamos e nos acabamos através da cultura – não através da cultura em geral, mas através de formas altamente particulares de cultura. A partir dessas incursões iniciais desse projeto de pesquisa, onde os atores ainda não tiveram sua voz transcrita no texto, nem o relato de suas vivências, perspectivas, projeções e representações, vários aspectos já se levantaram para a continuação desse trabalho. A proposta inicial desse artigo foi ressaltar a inferência política em um clube pequeno de uma cidade de porte médio do interior do Brasil e que representa o 5º. PIB do Estado de Goiás. Espero que esse objetivo tenha sido alcançado, muito mais no sentido de instigar os leitores do que propriamente oferecer diagnósticos e críticas no sentido de alterar algo que se constrói historicamente, mas que também não pode deixar de ser problematizado e refletido, mesmo que o futebol seja um objeto de estudo, ainda visto por muitos com certo desprezo e identificado como um campo de pesquisa de pouca representatividade científica no campo das Humanidades. O futebol não é apenas um mero espetáculo consumível, embora aja um esforço premente nessa direção. O futebol consiste num fato da sociedade, linguagem franca de domínio público, dos fundamentos às representações coletivas, que reencanta a dimensão da vida cotidiana através da sua estética singular. Nos últimos anos tem crescido no Brasil o interesse dos estudiosos das ciências humanas em relação ao futebol. No entanto, esse fenômeno ainda apresenta carência de estudos que o tomem como uma entidade com status científico que produza, reproduza e veicule significados públicos da população. Referências Bibliográficas AGOSTINO, Gilberto. Vencer ou Morrer: futebol, geopolítica e identidade nacional. Rio de Janeiro, FAPERJ/Mauad: 2002. BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. CALDAS, Waldenyr. O futebol no país do futebol (pp 24-30). Lua Nova: Revista de cultura de política out.-dez. 1986. Vol. 3, n. 2, CEDEC. ________, Waldenyr. 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