Stress Crónico: quando a ansiedade se torna uma doença Escrito por Sofia Teixeira, com entrevista a Ana Sofia Nava, psiquiatra e Nuno Mendes Duarte, psicólogo • • terça, 05 março 2013 12:46 Getty Images Stress é uma palavra usada frequentemente para nos referimos a situações de pressão ou mesmo a um simples aborrecimento, mas pode ser muito mais do que isso. Quando se prolonga no tempo estamos perante uma doença capaz de destruir o organismo se não for tratada. Veja aqui o que é o stress crónico e do que ele é capaz. Um estudo científico realizado por sete investigadores portugueses, publicado em 2009 na revista Science, revela que longos períodos de stress podem interferir no processo de decisão. Ou seja, as pessoas que sofrem de stress crónico, na hora de tomar decisões têm uma probabilidade mais alta de decidir sem analisar as consequências das suas acções, correndo portanto riscos maiores de tomar decisões erradas. De acordo com os investigadores, a exposição crónica ao stress provoca mesmo alterações estruturais no cérebro, nomeadamente, uma atrofia dos circuitos responsáveis pelas ações intencionais e uma hipertrofia dos circuitos comandam as nossas ações de rotineiras. Ou seja, o stress crónico diminui a capacidade de dar respostas adaptativas. Apesar de pontualmente ser natural - e até saudável - sentir algum stress, quando a ansiedade excede níveis normais por um período prolongado de tempo - de modo geral superior a uma semana – prejudicando assim a qualidade de vida de um indivíduo, então estamos perante uma doença, afirma a psiquiatra Ana Sofia Nava. E, estando perante uma doença, deve deixar de tentar resolver o que sente sozinho e procurar a ajuda de um psiquiatra, de forma a fazer um diagnóstico do que se passa consigo e, inclusivamente, despistar outras doenças que podem originar sintomas que se podem confundir com a ansiedade. O stress crónico é uma doença pelo que deve ser tratado com medidas farmacológicas e/ou psicoterapêuticas, dependendo dos casos. Não fazer nada tem consequências graves para a qualidade de vida e para o organismo. O que se sente e o que pode acontecer A palavra stress pode ser utilizada como causa ou como consequência: como causa no sentido de um fator traumático ou perturbador, como consequência no sentido de uma pessoa sofrer de stress quando apresenta o sintoma ansiedade ou mesmo uma doença que se chama distúrbio de ansiedade. “Ou seja, um stress (pressão) demasiado grande pode provocar stress (ansiedade)”, remata a psiquiatra Ana Sofia Nava. E o que se sente afinal quando se sofre de stress? O stress como consequência, de acordo com Ana Sofia Nava, pode ser sentido mentalmente como uma sensação de enervação, inquietação, grande agitação, sensação iminente de morte, sensação de que se vai enlouquecer e sensação de despersonalização. Mas os sintomas, não são apenas mentais, já que palpitações cardíacas, aumento da frequência respiratória, sensação de falta de ar, suores, boca seca, alterações do trânsito intestinal, nomeadamente diarreia e o tremor das mãos e das pernas também fazem parte do rol de sintomas possíveis. Além disso, a psiquiatra refere ainda que muitas pessoas queixam-se de sintomas físicos diferentes, como hipertensão arterial, dores de estômago, cefaleias, dores musculares ou cansaço que não associam com à ansiedade, mas são na verdade desencadeados por ela. “São os chamados sintomas psicossomáticos. A sua origem encontra-se em fatores de stress que não são identificados pelo indivíduo, mas que podem levar à perturbação de qualquer um dos nossos órgãos”, explica Ana Sofia Nava. Como refere a American Psicological Association níveis prolongados de stress têm consequência para a saúde que afetam o sistema imunitário, cardiovascular, endócrino e nervoso. Resumindo: a presença em excesso de ansiedade por um período prolongado de tempo, independentemente do tipo de sintomas, leva ao desgaste do organismo, quer a nível físico, quer a nível mental. O que equivale a dizer que o stress crónico tanto pode provocar o aparecimento de um distúrbio de pânico como o aparecimento de uma úlcera gástrica ou duodenal, remata a Ana Sofia Nava. Todos diferentes Todos passamos por momentos de stress mais ou menos relevantes ao longo da nossa vida, no entanto há pessoas que, pelas suas circunstâncias de vida muitos difíceis, estão sujeitas a fatores stressantes com muita frequência ou durante um período muito prolongado de tempo. Como explica o psicólogo Nuno Mendes Duarte as situações que com mais frequência acabam por conduzir ao stress crónico, são aquelas que pela sua regularidade na vida de um indivíduo o levam a uma sobrecarga cada vez maior. De acordo com o psicólogo, “por norma são situações que não têm uma resolução imediata e podem demorar algum tempo até terem alguma definição, o que produz ambiguidade, conflito ou sensação de que se está em ameaça permanente.” Fatores externos que podem conduzir ao stress crónico Existem situações que, pela repetição ou duração, podem induzir stress crónico: - Ter uma doença crónica e começar a sentir limitações repetidas em contextos sociais e laborais; - Ser cuidador de alguém com doença crónica e estar constantemente vigilante para que nada aconteça; - Durante um largo período de tempo não ter recursos financeiros para fazer face às necessidades do seu ambiente familiar; - Ter conflitos frequentes com as pessoas com quem se relaciona diariamente (marido, mulher, filhos, pais, colegas de trabalho) - Quando as tarefas que lhe são propostas têm prazos muito apertados de entrega ou se tem de acorrer a várias solicitações ao mesmo tempo; - Viver em zonas perigosas ou em que existe uma probabilidade elevada de algum tipo de agressão ou assalto. - E, uma forma mais insidiosa, pensamentos repetitivos ou imagens perturbadoras de que não se consegue libertar. Estas podem estar associadas a uma situação de stress agudo que se transformou, dando lugar a uma perturbação resultante de trauma, que constitui agora stress crónico. Fonte: Nuno Mendes Duarte, psicólogo Sabemos, no entanto, que tudo isto muda muito de pessoa para pessoa. Se por um lado, muitas que têm presente na sua vida factores potencialmente stressantes conseguem manter o equilibro, por outro, há indivíduos que aparentemente não têm grandes motivos para stress e sofrem da condição de forma crónica. Que fatores individuais podem então explicar estas diferenças? “Como em todas as doenças do ser humano existe uma componente genética e uma componente ambiental”, explica Ana Sofia Nava. “Há pessoas que nascem com a predisposição genética de poder a vir desenvolver uma perturbação psiquiátrica (…), no entanto, o componente ambiental tem também muita importância no aparecimento de qualquer uma destas doenças”, refere. Assim, dependendo dos seus genes mais ou menos favoráveis, varia de indivíduo para indivíduo o nível de stress ou de acontecimentos de vida traumáticos que são necessários para o aparecimento destas doenças… sendo certo porém, que por muito que os genes lhe sejam favoráveis, quem está constantemente sujeito a fatores de stress intensos, mais dia menos dia vai desenvolver uma doença, diz a Ana Sofia Nava. Stress bom, stress agudo, stress crónico Em 1982 a história de Angela Cavallo correu mundo: a americana de 51 anos e 65 quilos levantou um Chevrolet de 1500 quilos para libertar o filho que acidentalmente havia ficado preso debaixo dele. Como o conseguiu? Em parte graças ao stress. Presente no humano desde os tempos primordiais, o stress - que temos sempre presente em níveis baixos e nos torna atentos e proactivos - funciona também como um sistema de alarme do corpo em situações de perigo: funcionava no homem pré-histórico para fugir dos ursos, como funcionou em Angela para salvar o filho. No fundo, o que acontece é que em resposta a um evento externo considerado ameaçador, o cérebro e o corpo reagem: os níveis de atenção aumentam, os batimentos cardíacos aceleram, os vasos sanguíneos dilatam, a tensão arterial aumenta e as glândulas supra-renais segregam quantidades abundantes de adrenalina para preparar o organismo para grandes esforços físicos. E isto é-nos extremamente útil em certas situações. Mas imagine agora o que é passar dias ou semanas num estado idêntico a este… Nem todo o stress é crónico ou patológico. Como explica Ana Sofia Nava, “necessitamos de um nível mínimo de ansiedade para estarmos em interação com o mundo que nos rodeia. Se a ansiedade estiver abaixo dos níveis desejáveis o indivíduo fica apático, sem ação. Mas se esta ansiedade excede os níveis normais e se torna patológica, ela deixa de ser útil e torna-se prejudicial, na medida em que retira as nossas perícias de raciocínio, memória, e a capacidade de tomar decisões adequadas em nosso proveito.” Ou seja, o stress “normal”, ajuda-nos nas nossas performances intelectuais, estimula as nossas capacidades cognitivas e em situações de competição saudável melhora significativamente os nossos resultados, o stress crónico dá origem a doenças várias, pelo que deve ser tratado. Além das medidas farmacológicas necessárias em muitos casos, a psicoterapia, nomeadamente através a abordagem cognitivo-comportamental pode também ser essencial para ajudar a regular o stress crónico e das suas consequências. De acordo com o psicólogo Nuno Mendes Duarte, é essencial “trabalhar com as pessoas um conjunto de estratégias práticas e específicas que lhes permitem ganhar uma maior percepção de controlo e ir percebendo as relações ‘causa-efeito’ que as perturbam.” Os métodos utilizados são muitos e vão desde registos que ajudam a perceber quais os elementos externos que estão a reforçar a presença de stress, a modificação de padrões de reacção automática a incidentes externos ou a aprendizagem de estratégias de relaxamento e aumento de consciência corporal para diminuir estados de tensão. Fontes: - Ana Sofia Nava, psiquiatra - Nuno Mendes Duarte, psicólogo - American Psicological Association - National Institute of Mental Health