Artigo Berlim

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BERLIM, Set 2011 (IPS)
Com a água tornando-se mais escassa a pressão para reciclá-la se torna mais intensa, e embora isto
faça sentido ecologicamente, há uma desvantagem infeliz: o sistema de água potável no mundo
está poluído com produtos farmacêuticos.
Apesar de ainda não compreendermos precisamente os efeitos sobre a saúde humana, estudos em
animais sugerem que estamos caminhando para uma nova crise com a ingestão e metabolização de
drogas, antibióticos, e hormônios sintéticos para o controle da natalidade, que estão presentes nas
águas de onde obtemos nossa água potável. Muitos dos compostos são tão resistentes que
milhares de toneladas fluem por ano para o oceano e depois se acumulam nos peixes que iremos
comer. Quando se trata de antibióticos, o problema é exponencial, uma vez que mais de 50 por
cento do consumo do mundo não é para tratar as pessoas, mas utilizados para engordar o gado de
forma mais rápida, o que concentra o medicamento na sua carne. Quanto aos peixes, pensávamos
que o principal problema seria a absorção de metais pesados, que também é alarmante, mas o
problema é maior.
Produtos farmacêuticos são conhecidos por causar efeitos na reprodução, mutagênicos e
teratogênicos, nos seres que vivem da água. Resíduos de Prozac levam os mexilhões do sexo
masculino a desovar; anti-hipertensivos impactam na reprodução de lagostas e caranguejos. A
infiltração de antibióticos e antibactericidas aumenta a resistência das bactérias, o que terá sérias
implicações para o tratamento de infecções no futuro. Drogas antitumorais usadas na
quimioterapia são conhecidas por ter efeitos mutagênicos e teratogênicos. E há uma crescente
evidência de desregulação endócrina na vida selvagem, mesmo quando expostos a pequenas
quantidades, ou mesmo traços, de hormônios sintéticos.
Analgésicos, como o ibuprofeno, e até mesmo a nicotina, não são removidos durante o processo de
filtração de água potável. Pensávamos que tínhamos finalmente abordados os efeitos adversos do
fumo de segunda mão, proibindo fumar em locais públicos. Agora parece que estamos todos
impactados pelo fumo, de qualquer maneira, por meio da nossa água potável! A cidade de
Antuérpia tem mais cocaína em sua água do que qualquer outra cidade no mundo. Poderíamos até
mesmo ser acusados de utilizar drogas pesadas simplesmente por tomarmos banho.
Estações de tratamento de água convencionais são incapazes de remover produtos
farmacêuticos. Estudos demonstram que a coagulação, sedimentação e filtração elimina apenas 10
a 12 por cento dos ingredientes ativos. Esta parte se acumula no lodo, que é muitas vezes reciclado
como um aditivo do solo, expondo a nossa cadeia alimentar uma vez mais a ingredientes
indesejados. A filtração por carvão ativado e o tratamento de ozônio pode remover até 75 por
cento, o que expõe a população aos 25 por cento restantes.
Como a água continua a ser reciclado - e re-reciclado em circuito fechado em muitos lugares– e ao
mesmo tempo com o aumento das prescrições, além da automedicação e o uso sem receita, a
sociedade e os ecossistemas do mundo estão sendo expostos a um coquetel de produtos
farmacêuticos em níveis excessivos. Não seria surpresa se parcelas da população começassem a
sofrer de alterações de humor e mudanças em seu comportamento sexual.
Funcionários na Filadélfia descobriram 56 produtos farmacêuticos na água potável tratada. Quase
20 milhões de habitantes do Sul da Califórnia estão expostos a substâncias antiepilépticas e
ansiolíticas. A água potável de São Francisco contém um hormônio sexual sintético que é de difícil
decomposição. Infelizmente, a água engarrafada é água filtrada em um recipiente de plástico, o
que é um desperdício, e os engarrafadores de água também não fazem testes para produtos
farmacêuticos. Mesmo os nossos sistemas de filtração para casa reduzem, mas não eliminam as
drogas. Na prática, a nossa única salvação é obter águas de uma fonte em que você pode controlar
a contaminação, o que está disponível para muito poucos, hoje em dia.
É hora de repensar nossos cuidados de saúde e a busca de uma medicina eficaz. Sem dúvida, na
esteira dessas preocupações legítimas, a medicina tradicional e natural se torna mais relevante do
que nunca. A Constituição do Butão garante o acesso à medicina tradicional para todos os cidadãos,
e esta sim é uma providência visionária.
À medida que a medicina se difunde de forma indiscriminada por todo o meio ambiente e a
sociedade, é urgente construir novas diretrizes para a indústria farmacêutica em relação à vida útil
dos medicamentos. Assim como levou décadas para percebermos que os plásticos não se
desintegram, como mostram as ilhas de lixo plástico no Oceano Pacífico, pode levar um longo
tempo para que as autoridades reconheçam que os produtos farmacológicos não se degradam, mas
se acumulam nos corpos de água. E há uma diferença importante: os resíduos dos controladores de
humor e dos resíduos de quimioterapia, ao contrário do plástico, são invisíveis, o que tornará ainda
mais difícil convencer as pessoas da extensão do impacto.
A resposta típica dos interesses económicos é de que não há prova científica de que os seres
humanos são afetados. O problema é que quando a prova definitiva é obtida, daí será tarde
demais. Não há outro remédio, exceto esperar até que essas moléculas se degradem. O perigo é
maior é que não é um único produto farmacêutico, mas sim o coquetel de drogas acumulados, o
que poderá causar danos irreparáveis.
Há três iniciativas paralelas que são necessárias. Primeiro, em vez de apenas descobrir novas drogas
e desenvolver novos métodos de distribuição, a pesquisa deve elaborar gatilhos para desmontar
essas novas moléculas artificiais. Segundo, as plantas de tratamento de água e as instalações de
engarrafamento de água deve estar equipadas para medir a presença de produtos
farmacêuticos. Não é possível exigir que cada cidade instale uma unidade de osmose reversa, o que
pode efetivamente eliminar 95 por cento dos contaminantes farmacêuticos. Esta é uma solução do
tipo fim-de-tubo e aumentaria, dramaticamente, o custo da água. Em vez de passar o custo para o
contribuinte, o projeto e a forma de controle da produção de água potável deve evoluir e mudar.
Um terceiro passo seria, finalmente, com foco na luta contra as causas profundas deste maciço
consumo de pílulas. Chegou a hora de encontrar uma forma mais saudável, mais feliz e menos
estressante de vida. Considerando que as duas primeiras soluções podem ser implementadas por
qualquer governo responsável, a terceira é uma decisão que temos de fazer nós mesmos, antes que
seja tarde demais.
(IPS / Envolverde)
(*) Gunter Pauli, autor da Economia azul e empresário.
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