a autoestima em crianças da terceira infância e sua relação com o

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A AUTOESTIMA EM CRIANÇAS DA TERCEIRA INFÂNCIA E SUA
RELAÇÃO COM O ELOGIO NO CONTEXTO EDUCACIONAL
ZATTONI, Romano Scroccaro – PUCPR
[email protected]
Eixo Temático: Educação da Infância
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
O presente artigo apresenta uma discussão acerca do desenvolvimento de conceitos como
autoestima e autoconceito em crianças da chamada terceira infância (6 a 12 anos) e em uma
segunda parte o papel do elogio na formação de tais conceitos. Por sua vez, esta discussão
teórica articula-se com exemplos do comportamento infantil observados durante a realização
do estágio supervisionado da disciplina Aspectos Evolutivos e Estruturais do Comportamento
Humano na Infância que integra o currículo do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná. Neste estágio realizou-se a observação de crianças de 8 e 9 anos de uma
escola particular de Curitiba no ambiente de sala de aula e também a aplicação de uma
atividade chamada “Quem sou Eu?”, em que os alunos escreveram de maneira livre uma
redação que respondesse a essa pergunta. Os resultados desta atividade também forneceram
exemplos para articulação teórica acerca dos temas propostos para o artigo. A base teórica é
construída sobre tudo através da interlocução de autores que tratam do desenvolvimento da
personalidade infantil, tais como Mussen (1995) e Oaklander (1980), do desenvolvimento
cognitivo com Piaget e da relação entre psicologia evolutiva e educação como Coll, Marchesi
e Palacios (2004). Por meio da interlocução de exemplos com o conteúdo teórico percebeu-se
que os conceitos de autoestima e autoconceito na terceira infância se tornam mais sofisticados
muito em função do desenvolvimento cognitivo e social promovido pelo ingresso na escola
regular. O elogio neste caso se configura como um evento que privilegia a formação da
autoestima, pois caracteriza uma relação de apreciação de outros indivíduos acerca do
comportamento da criança o que mobiliza a criança a valorar por si mesma aspectos de seu
próprio eu, o que corrobora a noção de que a formação da autoestima perpassa, entre outros
fatores, a relação estabelecida com o outro.
Palavras-chave: Autoestima. Elogio. Terceira infância.
Introdução
A terceira infância compreende o período dos 6 a 12 anos de idade (PAPALIA E
OLDS, 2006) e usualmente está relacionado com o início do período escolar da criança, o que
no Brasil compreende aproximadamente do 1° ao 6° anos do ensino fundamental. Deve-se
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ressaltar que, apesar de ser possível se traçar um perfil de desenvolvimento da criança que se
encontra na terceira infância, é necessária a consideração de diversos fatores na avaliação do
que pode ser considerado, ou não, parte do que compreende o desenvolvimento normal.
Dentre tais fatores, os mais importantes situam-se no âmbito das diferenças culturais,
econômicas e sociais sendo que o respeito a estas variantes possibilita que não se tomem
modelos de avaliação unívocos, incompatíveis com os tipos de realidade existentes.
A entrada da criança no universo escolar caracteriza, muitas vezes, a primeira entrada
significativa em um ambiente social o qual não é diretamente vinculado à família nuclear
(SHAFFER, 2005). A partir deste acontecimento notam-se que abrem-se portas para que
ocorra a possibilidade de desenvolvimento da criança em diversas áreas de maneira mais
acentuada, tais como o desenvolvimento social, emocional, cognitivo, etc., todas estas áreas
importantes para configurar o desenvolvimento da autoestima.
Com relação ao desenvolvimento cognitivo, o período da terceira infância também
compreende, de maneira geral, entrada da criança no estágio das operações concretas de
Piaget (FLAVELL, 1975). Entre outras características, neste estágio há uma diminuição do
egocentrismo visto no estágio pré-operatório e a criança é capaz de pensar logicamente,
levando em conta vários aspectos de uma situação em vez de focalizar apenas um. Como se
abordará mais a frente, essa capacidade de considerar vários aspectos de uma mesma situação
é um fator que possibilita alterações nas capacidades de julgamento moral e de autoavaliação.
O conhecimento dos aspectos do desenvolvimento humano é importante elemento na
interação com outros conhecimentos vindos do âmbito prático e que, como conjunto,
fundamentam uma atividade pedagógica. Esse é um ponto de vista extensamente defendido
por Coll (2004), que afirma que as práticas utilizadas na educação de crianças ganha em
efetividade quando se adequa as potencialidades do aluno de acordo com seu perfil de
desenvolvimento e que esta adequação não se refere à realização de atividades que o aluno
possa efetivamente realizar, mas antes à promoção de ambientes propícios para que emerjam
novos conhecimentos e habilidades e a atenção as necessidades especiais que surgem; em
decorrência deste processo.
Na primeira sessão deste artigo discorre-se sobre o desenvolvimento da autoestima na
terceira infância e sua correlação com diversos fatores que o influenciam, indicando como
este é um processo que inicia-se em momentos anteriores e muda qualitativamente rumo ao
conceito de autoestima presente no início da adolescência. Na segunda sessão, aborda-se o
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papel que o elogio feito pela figura de autoridade para com o aluno possui como elemento de
influência no desenvolvimento da autoestima, caracterizando este ato como momento
privilegiado em que a criança se desenvolve emocionalmente no estabelecimento de uma
interação com o outro. Por fim nas considerações finais destaca-se a importância das
interações que se formam no ambiente escolar na terceira infância, em especial no que se
refere ao desenvolvimento emocional e de como um desenvolvimento adequado da
autoestima se torna um evento importante também para momentos posteriores na vida do
aluno.
A formação da autoestima
A autoestima caracteriza-se por ser o conjunto de juízos e valores que um indivíduo
atribui a aspectos de sua personalidade, de suas habilidades e de sua imagem pessoal
(MUSSEN, 1995), desta forma, este conceito utilizado distancia-se de uma possível visão da
autoestima como capacidade de ter segurança de si em situações provatórias, tal como pode
ser imaginada muitas vezes de acordo com o senso comum. É importante diferenciar o
conceito de autoestima do de autoconceito. O autoconceito é o conjunto de conhecimento que
um sujeito possui de si próprio sem nenhum tipo de avaliação de valor, portanto, a cor de
cabelos, alturas, comportamentos típicos relacionados a determinadas situações, etc. são todas
informações que podem fazer parte do autoconceito (idem). Autoestima e autoconceito não
são conceitos que podem ser compreendidos separadamente, podendo se afirmar inclusive que
uma divisão entre estes dois elementos é meramente teórica e que o conhecimento de aspectos
de si e a avaliação deste conhecimentos fazem parte de um único processo.
Apesar do caráter individual do conceito de autoestima, sua formação e consolidação
são processos em grande parte dependentes da interação com outros indivíduos. A criança,
principalmente antes dos seis anos de idade, possui dificuldade em autoavaliar-se, em outras
palavras, perceber aspectos de sua própria personalidade. Essa falha de autoconhecimento é
preenchida justamente por outros indivíduos que, ao evidenciar características da criança, a
conduzem para uma atitude de autoavaliação, que é movimento chave para um maior
desenvolvimento da autoestima. O papel dos pais para este processo é reforçado por
Oaklander (1980, p. 309):
8580
A forma que uma criança se sente em relação a si mesma depois de algum tempo é
certamente determinada em grande medida pelas mensagens que recebe de seus pais
acerca de si própria. Em última análise, porém, é a própria criança que traduz essas
mensagens para si. A criança escolhe do ambiente qualquer coisa que reforce as
mensagens parentais.
Ao ingressar na terceira infância, a criança atinge um maior grau de autoavaliação, o
que caracteriza o terceiro dos estágios neopiagetianos de desenvolvimento do autoconceito.
Ela tem então a “capacidade de formar sistemas representacionais: conceitos amplos e
abrangentes que integram diferentes características do eu” (HARTER, 1993 apud PAPALIA
E OLDS, 2006, p. 282). Ocorre a superação da visão unidimensional de certos aspectos
pessoais, assim ao invés de dizer “Eu sou inteligente” ela reconhece que pode ser (utilizando
uma linguagem infantil) “inteligente” em certas matérias e “burra” em outras. Palacios e
Hidalgo (cf. COLL, MARCHESI E PALACIOS, 2004, p. 257) reforçam a evolução da
autoestima para uma dimensão mais sutil e a possibilidade de uma conceituação geral do eu:
Ao mesmo tempo em que a autoestima se diversifica e aparecem novas dimensões,
conforme se avança na idade, também vai se consolidando uma autoestima global
que reflete uma valoração global do eu, não ligada a nenhuma faceta específica.
Essa autoestima global não costuma ser encontrada até os sete ou oito anos, quando
as crianças começam a deixar de se basear suas autoavaliações em situações
concretas.
Palacios e Hidalgo (cf. COLL, MARCHESI E PALACIOS, 2004) traçam um
panorama geral da evolução do autoconceito ao longo da infância e estabelecem cinco
principais categorias para esta evolução, são elas:
a) A passagem de um conceito simples e global para um diferenciado e articulado
em que as distinções entre os aspectos passam a se tornar mais finas e articuladas.
Este aspecto assemelha-se ao descrito com relação a formação de sistemas
representacionais para os pensadores neopiagetianos1.
b) De arbitrário e mutante para coerente e estável em que o aumento da capacidade
de julgamento da criança permite que ela não apresente uma labilidade com
1
Para uma explanação mais aprofundada sobre a abordagem neopiagetiana recomenda-se os estudos de Flavell,
Miller e Miller (1999).
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relação à mudança do que acha de si mesma, como ocorre em tempos anteriores
na infância em que o autoconceito se deve, em geral, a fatores externos.
c) De concreto para abstrato, mudança esta caracterizada pela mudança do destaque
de aspectos físicos para outros sociais e psicológicos.
d) De absoluto para relativo em que o estabelecimento passa a não se tornar tão
egocêntrico, sem a inclusão de outros e dá lugar a outro comparativo formado
também pela opinião que recebe de outros indivíduos. Este aspecto evidencia o
papel do elogio dado pelas figuras de autoridade, elemento discutido
posteriormente neste artigo.
e) Desenvolve-se a noção de um Eu privado ou interno em detrimento de um Eu
público ou externo em que se forma a distinção entre o comportamento efetivo e
aquilo em que se pensa, quando muitas vezes crianças mais velhas consideram
que se Eu “autêntico” é aquele que não é acessível aos demais.
Elencados estes elementos, pode-se perceber como a valoração promovida na
formação da autoestima altera-se de acordo com as mudanças no autoconceito.
A autoestima depende, entre outros fatores, do julgamento que a criança tem do
próprio corpo. Aos oito anos de idade, a criança já considera a maneira com que outras
pessoas, principalmente colegas de classe, olham para seu aspecto físico. Para Oaklander
(1980, p. 310) a imagem corporal é aspecto importante da autoaceitação, isto se deve a um
fator importante na avaliação que a criança da terceira infância faz de si mesma e de outras
pessoas, que é a característica de considerar em suas avaliações tanto aspectos físicos como de
comportamento. Tal afirmação não implica que a criança tenderá a exibir comportamentos de
discriminação com relação a crianças fisicamente diferentes, de fato, percebe-se que a
capacidade de inclusão do diferente pela criança se mostra facilitado de acordo com os
valores que lhe são educados (COLL, MARCHESI E PALACIOS, 2004), esta avaliação
global que a criança apresenta apenas indica que a criança necessita tomar em consideração
tanto aspectos físicos quanto comportamentais para o desenvolvimento de um autoconceito.
Algumas características físicas fazem certas crianças se destacarem das demais e
dependendo do valor que a sociedade atribui a essas características, elas podem servir para
aumentar ou diminuir o nível de autoestima. Em uma das folhas da atividade “Quem sou
Eu?”, uma criança escreveu sobre sua baixa estatura em relação a outros colegas: “Eu sou
pequena mais eu não ligo muito quando dizem que sou pequena, pois eu digo que tamanho
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não é documento”. Pode-se perceber que a estatura física desta criança é um elemento que
determina parte das relações que estabelece com seus pares e que é atribuído de um valor o
qual a criança deve lidar. Nesse contexto, a frase “tamanho não é documento” representa
precisamente uma das maneiras engendradas pela criança que a permite contornar possíveis
falas depreciativas de outros colegas, desenvolvendo a consciência de que a afirmação da
qualidade individual é essencial para o desenvolvimento da autoestima.
Os aspectos físicos referentes à criança não podem ser ignorados no que concerne ao
desenvolvimento da autoestima, no entanto, em hipótese alguma pode-se estabelecer uma
relação causal estrita entre a presença de certos aspectos físicos e características de
personalidade determinadas. Coll, Marchesi e Palacios (2004) são bem claros com relação a
este tema quando colocam que, no caso da criança com deficiência física, por exemplo, são na
maioria das vezes conceitos vindos dos pais ou da sociedade que acabam por gerar baixos
índices de autoestima e que, ao cabo, este processo não tem relação direta com a presença de
uma deficiência propriamente dita.
Com relação a aspectos comportamentais, para Erikson (1982), outro aspecto
determinante para a autoestima, é a opinião das crianças de sua capacidade para o trabalho
produtivo, sendo que uma questão a ser resolvida na terceira infância é a da produtividade
versus inferioridade: “a virtude que se desenvolve com a resolução dessa crise é a
competência, uma visão do eu como capaz e dominar habilidades e completar tarefas” (p.
271). De fato, a busca dos alunos observados para demonstrar competência e promover sua
imagem pessoal para colegas e professores se deu de forma frequente durante as observações
realizadas no estágio, o que está de acordo com o perfil de crianças do quarto ano2 de acordo
com Mussen (1995), que ainda ressalta que nesta idade a percepção do outro tende a ser
focalizada principalmente no que este faz, em outras palavras, no indivíduo como atuante na
vida da criança, diferindo de crianças mais novas que focalizam, em geral, os aspectos físicos
de outras pessoas e de crianças mais velhas que focalizam com maior frequência aspectos
emocionais e cognitivos. A realização de exercícios em sala de aula foi um dos momentos em
que a questão da competência se mostrou mais acentuadamente no comportamento dos
alunos, como exemplo, quando a professora encerrou a correção coletiva dos exercícios um
2
Aqui utiliza-se a nova nomenclatura utilizada para os anos letivos do ensino fundamental, embora na ocasião
do estágio ainda se utilizasse a nomenclatura antiga particionada em séries.
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aluno levanta o braço e fala para os colegas ao lado: “Eu não errei nenhuma questão da
página 203!”.
Esse valor atribuído à competência aparece de maneira notável nesta faixa etária,
sobretudo por estar relacionado aos processos de alfabetização e desenvolvimento de
habilidades matemáticas. Durante o quarto e quinto ano do ensino fundamental, apesar de a
alfabetização ter se iniciado em anos anteriores, é nesse período que esta passa a se tornar
mais funcional e o aluno pode realizar leituras já com um determinado grau de interpretação3.
O domínio da matemática também passa a se tornar mais funcional no sentido que já é
possível para a criança a realização de cálculos que de fato lhe sejam úteis em suas atividades,
como, por exemplo, a divisão de pessoas em grupos para as brincadeiras, ou o total de
dinheiro necessário para a realização de pequenas compras. Percebe-se então que os
conteúdos escolares que passam a se tornar mais funcionais podem fundamentar um
sentimento de competência por parte do aluno, pois desta maneira quilo que ele aprende passa
a poder fazer parte daquilo que ele sabe fazer.
O papel do elogio para o desenvolvimento da autoestima
Durante os oito anos de idade a criança passa por uma fase na qual consolidam-se
muitos fatores determinantes da autoafirmação, isso se deve pelo fato de que, ao mesmo
tempo em que a criança ganha uma maior capacidade de autoavaliar-se, ainda há uma
suscetibilidade ao parecer de outras pessoas sobre suas características. Nesta fase o elogio
possui um papel especial no desenvolvimento da autoestima, principalmente se vindo de
sujeitos os quais a criança respeita e possui admiração com o ressalte dos pais, irmãos mais
velhos e professores. Deve-se, contudo, prestar atenção ao tipo de elogio que é oferecido.
Oaklander (1980, p. 309) oferece um exemplo pertinente em relação ao tipo de elogio mais
adequado no incentivo a uma criança, caracterizando dois tipos de elogio o descritivo e o
generalizado:
3
Certamente o nível de qualidade da alfabetização do aluno é um fator que varia em função de diversas
variáveis, e pode se mostrar maior ou menor do que o descrito neste parágrafo.
8584
Se um pai diz: ‘Obrigado por lavar meu carro. Gostei de como ficou’, a criança
poderá traduzir esta mensagem como: ‘Eu sei lavar direito o carro.’ Se o pai diz:
‘que criança maravilhosa você é! Você é o melhor lavador de carros do mundo!’, a
criança pode traduzir: ‘Eu sei que não sou maravilhoso assim, então ele deve estar
brincando’.
Esta questão trazida a cabo por Oaklander se mostra importante, pois relaciona
justamente a atribuição de valor de um elogio recebido pela criança com a sua capacidade de
identificar-se ou não com o conteúdo do elogio. O elogio dito generalizado se mostra
inadequado quando se trata da relação com a criança da terceira infância, pois afirmações
como “você é o melhor, único, etc.” ou até “ninguém ganha de você neste jogo” podem ser
vistas como discrepantes com a realidade, pois o aumento da capacidade de autoavaliação da
criança implica justamente em reconhecer os aspectos em que ela se diferencia das outras, e
uma afirmação em grau superlativo típica dos elogios generalizados dificilmente encontrará
fundamentações nas avaliações da criança, por isto perde a credibilidade.
No que concerne a distinção entre elogios generalizados e descritivos, percebe-se que
são categorias variam muito de acordo com quem compõe a relação entre criança e figura de
autoridade. Uma criança que tem por objetivo sempre o total acerto de questões em uma
prova, por exemplo, pode se sentir ofendida caso lhe digam “que maravilhosa criança você
é!” caso recebam 9,9 de nota. Portanto, casos como esse deveriam ser foco de atenção por
parte do educador para que possa-se atribuir um adequado valor as atividades da criança e
contribuir para que se preservem as motivações da criança.
Como fator importante para o elogio descritivo no ambiente educacional destaca-se
também o sua necessidade de ser verdadeiro. O desenvolvimento da autoestima envolve
promover juízos de valor sobre diversos aspectos de si mesmo, sem fazer distinção a
qualidades ou defeitos tais como a criança os compreende. Um elogio que supervaloriza uma
atitude não tão louvável, ou uma ênfase nas dificuldades do aluno e não em suas
potencialidades são ambas atitudes que negligenciam uma parte da realidade o que, ao cabo,
pode levar a criança a desenvolver critérios de auto avaliação inadequados podendo interferir
na formação de sua autoestima.
A capacidade de julgamento das próprias habilidades não pode ser discrepante com o
elogio que recebe da figura de autoridade. Por mais que na infância as figuras paternas sejam
dotadas de certa onipotência (ERIKSON, 1976) essa percepção tende a diminuir no caminho
8585
para a adolescência e aos oito anos esse fato já pode ser pertinente para que elogios passem a
não possuir significativo valor para a criança.
O elogio descritivo, por sua vez, reflete um aspecto da realidade, uma verdade. No
momento em que a criança recebe um elogio que, de fato, se refere a algo que ela fez, isso a
faz se atentar a suas próprias competências, o que a auxilia no desenvolvimento de uma
capacidade de autoavaliação e, sobretudo, promove a atribuição de valor para aquilo que ela
sabe fazer, componente importante da autoestima (OAKLANDER, 1980). No final das
contas, ao longo do desenvolvimento da criança o elogio descritivo é o único que acaba por
soar, de fato, como um elogio, não soando como mentira ou apenas como “bajulação”.
Segundo Faria (1998), Piaget descreve que este movimento de comparação entre os
elogios recebidos e as próprias percepções é um processo que ganha força na medida em que
a criança desenvolve um maior senso de realidade sobre suas próprias características4. Piaget
não defende o ponto de vista teórico de que todo autoconceito é construído na relação com o
outro, inclusive afirma que, de início, a criança desenvolve uma noção do que pode ou não
pode fazer de acordo com os sucessos e insucessos de suas ações intencionais. Conforme
ocorre um aumento do desenvolvimento social – que coincide, muitas vezes com o início do
período escolar – as percepções adquiridas e que formam um autoconceito passam a ser
confrontadas com outras concepções, ganhando valor (moral inclusive) e constituindo a
autoestima.
Dada a importância do elogio para o desenvolvimento da autoestima, pode se afirmar
que muito do que a criança passa a afirmar sobre suas virtudes são pontos os quais foram, em
algum momento, afirmados por outras pessoas. Na atividade “Quem sou Eu?” realizada pelos
alunos, pôde-se perceber que aspectos positivos relacionados à autoimagem foram
consideravelmente mais ressaltados do que aspectos negativos: “Eu sou uma boa amiga”,
“Eu sou bonita” ou “Lido bem com meus amigos”, foram características comumente citadas
nas atividades.
Saber citar qualidades próprias é considerado um indicador de uma autoestima
saudável (MUSSEN, 1995 E PAPALIA, 2006), o que evidencia que as crianças observadas
possuem, em geral, bons indicadores nesse aspecto. A citação de defeitos demonstra ser uma
tarefa ainda mais árdua, podendo evidenciar níveis significativos de desenvolvimento
4
Desta forma, percebe-se a ênfase que Piaget atribui a relação entre desenvolvimento cognitivo e moral (cf.
Flavell, 1975).
8586
emocional, no entanto, a maneira como esses defeitos são encarados pelo indivíduo que
delimitam a qualidade saudável ou não de tal citação. Ter ciência de tais defeitos e reconhecer
que devem ser melhorados indica que esses não são fatores desmotivadores para o
crescimento emocional, mas sim que apontam objetivos a serem cumpridos, o que configura
uma fuga de um comportamento dito “narcisista” e caminha para o desenvolvimento de uma
autocrítica. Somente alguns alunos demonstraram algum tipo de perspectiva acerca de seus
defeitos, por exemplo: “Não gosto muito de provas e muito menos de tarefas, bom mais é
preciso” e “não gosto que me irritem, mas tento não me irritar”.
Percebe-se, portanto, que a capacidade da criança de autoavaliar-se e obter o
conhecimento de suas competências é um fator que se desenvolve ao longo da infância,
acompanhado da maturação em outras áreas do desenvolvimento tal como as capacidades
cognitivas, de linguagem, de sociabilidade, etc. O elogio neste contexto tem seu valor alterado
de acordo com o momento evolutivo o qual se encontra a criança e a maneira com que é
colocado.
Considerações Finais
A autoestima é um importante fator a ser considerado no desenvolvimento emocional
da criança, que, apesar de ter seu início em tempos anteriores, na terceira infância este fator
pode ser notado com maior visibilidade. Todo esse processo se deve, entre outros fatores, ao
aumento das capacidades cognitivas e de autoavaliação, sendo que tal aumento está
relacionado com o desenvolvimento promovido pela entrada da criança na escola regular e,
por conseguinte, do processo educacional.
O processo educacional promovido no ambiente escolar claramente possui maiores
efeitos sobre o desenvolvimento da criança do que apenas a aprendizagem de conteúdos
específicos. Essa, de fato, é uma constatação que não possui nada de inovador. Torna-se
importante objeto de estudo, portanto, a relação entre outros processos mentais envolvidos de
diversas formas com a aprendizagem escolar e o desenvolvimento da autoestima encontra-se
neste grupo. A autoestima promove-se com a relação estabelecida entre a criança e aqueles
que ela considera como importantes em sua avaliação de seu modo de se comportar, e o
educador muitas vezes é de fato uma destas pessoas importantes, portanto sua relação com a
criança, diz-se mais uma vez, ultrapassa a relação de ensino de conteúdo.
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Claramente, uma vez que as práticas educacionais não possuem, em sua maioria, uma
finalidade explícita que seria o desenvolvimento da personalidade do aluno, deve-se atentar
para como atividades que não possuem tal fim explícito influem diretamente sobre este
processo; como exemplo, segundo a perspectiva apresentada neste artigo, é perfeitamente
possível, não só possível como recorrente, o fato de que até na aula de matemática que pareça
mais abstrata e desvinculada do real, aí acontece, entre outros eventos, o desenvolvimento da
autoestima do aluno, e não poderia ser diferente, pois em momento algum há ocorre o
interromper das relações humanas.
O elogio é claramente uma prática comum no ambiente educacional, nas observações
realizadas ao longo do período de estágio pode-se sem dúvida perceber esse fato. Um dos
principais objetivos do elogio, ao menos quando feito de modo consciente pelo professor é o
reforço de determinadas condutas, práticas, entre outros comportamentos que são
considerados frutos do processo educacional tais como colocações importantes nas aulas,
respostas corretas, e bom comportamento com os colegas. Por ser uma prática tão constante, é
importante que o educador possa compreender parte das implicações no desenvolvimento
emocional que o ato de elogiar seus educandos implica.
Em especial na terceira infância, o elogio pode-se configurar como a maneira pela qual
as opiniões do outro se mostram para a criança e interferem na maneira com que ela vê a si
mesma e, portanto, no processo de formação da autoestima. Tão logo se atribua valor para a
conduta de uma criança, ela também passa a adquirir esta prática consigo mesma. Claramente
não se trata de um processo de modelação de caráter, mas dada a importância que a figura do
professor adquire para a criança em fase escolar, é importante voltar os olhos para que
aspectos estão sendo levados em conta quando este professor aprecia o comportamento de
seus alunos.
Pode-se dizer então que a autoestima desenvolve-se muito em função da relação com o
outro, mas também se desenvolve de modo a promover um melhor relacionamento social.
Este não é um conceito que se torna estático assim que toma uma dimensão individual, sua
importância é realmente revelada quando a criança que desenvolve sua autoestima se coloca
favoravelmente nas relações que estabelece seja na escola, mas sobretudo conforme seu
círculo social for se construindo, abrangendo desta forma a família, amigos, e no futuro
possivelmente o trabalho, igreja, etc.
8588
Um bom desenvolvimento da autoestima é fator crucial para uma formação saudável
da subjetividade de um indivíduo ao longo de sua vida, desta maneira, deve-se dar a devida
importância para esse aspecto em relação ao contexto em que a criança está inserida, seja em
meio a sua família, na escola ou em outro ambiente em que exista uma avaliação crítica
constante sobre seu eu, que, se feita de uma maneira adequada, representa um fator
determinante para um bom desenvolvimento cognitivo e para a construção de uma
personalidade que se coloque adequadamente em meio as relações humanas.
REFERÊNCIAS
COLL, César; MARCHESI, Álvaro; PALACIOS, Jesús. Desenvolvimento psicológico e
educação. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. 3 v.
ERIKSON, Erik H. Infância e sociedade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
FARIA, Anália Rodrigues de. O pensamento e a linguagem da criança segundo Piaget.
São Paulo: Ática, 1998.
FLAVELL, John H. A psicologia do desenvolvimento de Jean Piaget. São Paulo: Pioneira,
1975.
FLAVELL, John H.; MILLER, Patrícia H.; MILLER, Scott A. Desenvolvimento cognitivo.
3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 1999.
MUSSEN, Paul Henry. Desenvolvimento e personalidade da criança. 3ª ed. São Paulo:
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OAKLANDER, Violet. Descobrindo crianças: a abordagem gestáltica com crianças e
adolescentes. 8ª ed. São Paulo: Summus, 1980.
PAPALIA, Diane E.; OLDS, Sally Wendkos. Desenvolvimento humano. 8ª ed. Porto
Alegre: Artmed, 2006.
SHAFFER, David R. Psicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. São Paulo:
Thomson, 2005.
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